Você está na página 1de 95

DRUMMOND:

O HOMEM
Itabira, 1902

Alguns anos vivi em Itabira.


Principalmente nasci em Itabira.
(...)
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
 1920 – mudança para Belo Horizonte – MG
 1925 – conclusão do curso de farmácia
– Funda A REVISTA
1928 – ingresso no funcionalismo público
 Colaboração com a Revista de Antropofagia
1930 – publicação de Alguma Poesia
1934 – mudança para o Rio de Janeiro

Chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo


Ministro da Educação e Saúde Pública
1945 – publicação de A Rosa do Povo

– codiretor do diário comunista Tribuna Popular


1977 – 75 anos –

homenagem da revista Veja


 1987 – O Fim
Mangueira: O Reino das Palavras - Rody, Verinha e Bira do Ponto
(1987)
Mangueira Olha as carrancas
de mãos dadas com a poesia do rio São Francisco
traz para os braços do povo rema rema remador
este poeta genial primavera vem chegando
Carlos Drumond de Andrade inspirando amor
suas obras são palavras o rio toma forma de sambista
de um reino de verdade como o artista imaginou
Itabira Na ilusão de um sonho
em seus versos ele tanto exaltou achei  bis
com amor                           o elefante que eu imaginei
eis aí a verde e rosa bis
cantando em verso e prosa
o que ao poeta inspirou
É Dom Quixote ô
é Zé Pereira                      bis
é Charlie Chaplin
no embalo da Mangueira
Estátua em Copacabana, do escultor Leo Santana - 2002
DRUMMOND:
A OBRA
Drummondiana
 1930 - Alguma Poesia
 1934 - Brejo das Almas
 1940 - Sentimento do Mundo
 1942 - José
 1945 - A Rosa do Povo
 1951 - Claro Enigma
 1954 - Fazendeiro do ar
 1958 - A Vida passada a Limpo
 1962 - Lição de Coisas
 1993 - O Amor Natural
 1996 - Farewell
DRUMMOND:
ITINERÁRIO
Primeira fase
1930 - Alguma Poesia
1934 - Brejo das Almas

 Individualismo
 Pessimismo eu “gauche”

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
“gauche”
EU MUNDO
“vida besta”
Segunda fase
1940 - Sentimento do Mundo
1942 - José
1945 - A Rosa do Povo

 “sentimento do mundo”
 Poesia social
 Impotência
 Impasse
“Tenho apenas
duas mãos e o
sentimento do
mundo”
solidariedade e luta
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,


não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens
presentes,
a vida presente.
Relação Eu-mundo Questionamento da existência:
o impasse

José
E agora, José? Com a chave na mão 
A festa acabou,  quer abrir a porta, 
a luz apagou,  não existe porta; 
o povo sumiu,  quer morrer no mar, 
a noite esfriou,  mas o mar secou: 
e agora, José?  quer ir para Minas, 
e agora, você?  Minas não há mais.
(...) José, e agora?
(...)
você marcha, José!
José, para onde?
A Poesia O Lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
(...)

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
(...)

O ciclo do dia
ora se consuma
e o inútil duelo
jamais se resolve.
Drummond às vésperas de A Rosa do Povo

Poesia Poesia
Existencial Social

Poesia
Sobre a
Poesia
1942 1943-1945 1945

José 55 poemas A Rosa


do
Povo
Contexto
Histórico
A Rosa do Povo


Estado
Guerra
Novo
Mundial

“O tempo é ainda de fezes”


Aspectos
Formais
Poemas longos
Verso livre/metrificado

Modernismo Redondilhas

Tradição popular
Roteiro
Temático
1. Poesia sobre a poesia
2. O cotidiano
3. O amor
4. Os amigos
5. O passado: a família
6. A reflexão existencial
7. A poesia social
Poesia sobre a poesia
Procura da poesia
Não faças versos sobre acontecimentos. (...)
Não faças poesia com o corpo, (...)
Nem me reveles teus sentimentos, (...)
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.(...)
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. (...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
“a poesia está nas palavras, se faz
com palavras e não com idéias ou
sentimentos”

Manuel Bandeira
Áporo
 
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se
O ÁPORO
• poema cifrado

•“cava sem alarme”


Mallarmé

•“presto se desata:”
Prestes
Inseto – insectum: radical sec/se

Um inSEto cava
cava SEm alarme
perfurando a terra
SEm achar EScape.
Metamorfoses do radical: ze, ex, is, ce, iz e es:

Que faZEr, EXauSto,


em paÍS bloqueado
enlaCE de noite
raIZ e minério?

eIS que o labirinto


(oh raZão, mIStério)
prESto SE dESata:
Terceto final: libertação da sílaba se

em verde, soZInha,
antieuclidiana
uma orquídea forma-SE.
Um inSEto cava
cava SEm alarme
perfurando a terra
SEm achar EScape.

Que faZEr, EXauSto,


em paÍS bloqueado
enlaCE de noite
raIZ e minério?

eIS que o labirinto


(oh raZão, mIStério)
prESto SE dESata:

em verde, soZInha,
antieuclidiana
uma orquídea forma-SE.
O poema ÁPORO como resumo da obra

Áporo: resolução do impasse


1- poético
2- existencial
3- social
O ELEFANTE
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio. Eis meu pobre elefante
E o encho de algodão, pronto para sair
de paina, de doçura. à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
E já tarde da noite,
nem mesmo para rir
volta meu elefante,
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho. mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
Poesia do cotidiano
Morte do leiteiro
A Cyro Novaes Na mão a garrafa branca
Há pouco leite no país, não tem tempo de dizer
é preciso entregá-lo cedo. as coisas que lhe atribuo
Há muita sede no país, nem o moço leiteiro ignaro,
é preciso entregá-lo cedo. morados na Rua Namur,
Há no país uma legenda, empregado no entreposto,
que ladrão se mata com tiro. com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
Então o moço que é leiteiro de humana compreensão.
de madrugada com sua lata E já que tem pressa, o corpo
sai correndo e distribuindo vai deixando à beira das casas
leite bom para gente ruim. uma apenas mercadoria.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha E como a porta dos fundos
vão dizendo aos homens no sono também escondesse gente
que alguém acordou cedinho que aspira ao pouco de leite
e veio do último subúrbio disponível em nosso tempo,
trazer o leite mais frio avancemos por esse beco,
e mais alvo da melhor vaca peguemos o corredor,
para todos criarem força depositemos o litro...
na luta brava da cidade. Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil Ladrão? se pega com tiro.
de passo maneiro e leve, Os tiros na madrugada
antes desliza que marcha. liquidaram meu leiteiro.
É certo que algum rumor Se era noivo, se era virgem,
sempre se faz: passo errado, se era alegre, se era bom,
vaso de flor no caminho, não sei,
cão latindo por princípio, é tarde para saber.
ou um gato quizilento. Mas o homem perdeu o sono
E há sempre um senhor que acorda, de todo, e foge pra rua.
resmunga e torna a dormir. Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
Mas este acordou em pânico também serve pra furtar
(ladrões infestam o bairro), a vida de nosso irmão.
não quis saber de mais nada. Quem quiser que chame médico,
O revólver da gaveta polícia não bota a mão
saltou para sua mão. neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
Poema narrativo
Redondilha menor (irregular)
Drama do cotidiano – “ poema tirado de uma
notícia de jornal”
Entrelaçamento do individual com o social
Descrição cromática do amanhecer:

Vermelho branco rosa


(sangue) + (leite) = (aurora)
Caso do Vestido
Nossa mãe, o que é aquele O vestido, nesse prego,
vestido, naquele prego? está morto, sossegado.
Minhas filhas, é o vestido Nossa mãe, esse vestido
de uma dona que passou. tanta renda, esse segredo!
Passou quando, nossa mãe? Minhas filhas, escutai
Era nossa conhecida? palavras de minha boca.
Minhas filhas, boca presa. Era uma dona de longe, 
Vosso pai evém chegando. vosso pai enamorou-se.
Nossa mãe, dizei depressa E ficou tão transtornado,
que vestido é esse vestido. se perdeu tanto de nós,
 
Minhas filhas, mas o corpo se afastou de toda vida,
ficou frio e não o veste. se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne, que tivesse paciência
bebeu, brigou, me bateu, e fosse dormir com ele...

me deixou com vosso berço, Nossa mãe, por que chorais?


foi para a dona de longe, Nosso lenço vos cedemos.

mas a dona não ligou. Minhas filhas, vosso pai


Em vão o pai implorou. chega ao pátio.  Disfarcemos.

Dava apólice, fazenda,  Nossa mãe, não escutamos


dava carro, dava ouro,  pisar de pé no degrau.

beberia seu sobejo, Minhas filhas, procurei


lamberia seu sapato. aquela mulher do demo.

Mas a dona nem ligou. E lhe roguei que aplacasse


Então vosso pai, irado, de meu marido a vontade.

me pediu que lhe pedisse, Eu não amo teu marido,


a essa dona tão perversa, me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele Sai pensando na morte,
se a senhora fizer gosto, mas a morte não chegava.
só pra lhe satisfazer, Andei pelas cinco ruas, 
não por mim, não quero homem. passei ponte, passei rio, 

Olhei para vosso pai,  visitei vossos parentes, 


os olhos dele pediam. não comia, não falava,

Olhei para a dona ruim,  tive uma febre terçã,


os olhos dela gozavam. mas a morte não chegava.

O seu vestido de renda,  Fiquei fora de perigo,


de colo mui devassado,  fiquei de cabeça branca,

mais mostrava que escondia perdi meus dentes, meus olhos, 


as partes da pecadora. costurei, lavei, fiz doce,

Eu fiz meu pelo-sinal, minhas mãos se escalavraram,


me curvei... disse que sim. meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro daquele dia de cobra,
pagou conta de farmácia. da maior humilhação.
Vosso pais sumiu no mundo. Eu não tinha amor por ele,
O mundo é grande e pequeno. ao depois amor pegou.
Um dia a dona soberba Mas então ele enjoado
me aparece já sem nada, confessou que só gostava
pobre, desfeita, mofina, de mim como eu era dantes.
com sua trouxa na mão. Me joguei a suas plantas,
Dona, me disse baixinho, fiz toda sorte de dengo,
não te dou vosso marido, no chão rocei minha cara,
que não sei onde ele anda. me puxei pelos cabelos,
Mas te dou este vestido,  me lancei na correnteza,
última peça de luxo me cortei de canivete,
que guardei como lembrança me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina, quede aquela cinturinha
rezei duzentas novenas, delgada como jeitosa?
dona, de nada valeu: quede pezinhos calçados
vosso marido sumiu. com sandálias de cetim?
Aqui trago minha roupa Olhei muito para ela, 
que recorda meu malfeito boca não disse palavra.
de ofender dona casada Peguei o vestido, pus
pisando no seu orgulho. nesse prego da parede.
Recebei esse vestido Ela se foi de mansinho
e me dai vosso perdão. e já na ponta da estrada
Olhei para a cara dela, vosso pai aparecia.
quede os olhos cintilantes? Olhou pra mim em silêncio,
quede graça de sorriso, mal reparou no vestido
quede colo de camélia? e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho, 
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
Poema narrativo: tempo, espaço, personagens, enredo
Tema: adultério
Verso: redondilha maior – forma tradicional
Linguagem conservadora/arcaica: vós, vosso, escutai
Discurso conservador da mãe
Autoritarismo da sociedade patriarcal

Submissão da mulher

- não rompe com as regras


Adultério

D. Casmurro “Caso do vestido”

Bentinho / Capitu pai / mãe

Bentinho / pai Capitu / mãe


Cotidiano

“A morte do leiteiro” “Caso do vestido”

dramas
formas diversas de violência
A família
Como um presente
(...)
É talvez um erro amarmos assim nossos parentes.
A identidade do sangue age como cadeia,
Fora melhor rompê-la. Procurar meus parentes na Ásia,
Onde o pão seja outro e não haja bens de família a preservar.
Por que ficar neste município, neste sobrenome?
Taras, doenças, dívidas: mal se respira no sótão.
Quisera abrir um buraco, varar o túnel, largar minha terra,
Passando por baixo de seus problemas e lavouras, de eterna
agência do correio,
E inaugurar novos antepassados em uma nova cidade.
Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te,
Mais curioso:
Já não estás, e te sinto,
Não me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
No pó, no sono.
Cantar de amigos
Mário de Andrade desce aos infernos
O meu amigo era tão
de tal modo extraordinário,
cabia numa só carta,
esperava-me na esquina,
e já um poste depois
ia descendo o amazonas,
entre cantares de amigo
pairava na renda fina dos sete saltos,
na serrania mineira,
no mangue, no seringal,
nos mais diversos brasis,
e para além dos brasis,
nas regiões inventadas,
países a que aspiramos,
fantásticos,
mas certos, inelutáveis.
terra de João invencível,
a rosa do povo aberta...
Canto ao
Homem do Povo
Charlie Chaplin
I
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais
expostos à galhofa,
(...)
para dizer-te algumas coisas, sobcolor
de
poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa
gente se
parece
com qualquer gente do mundo - inclusive
os pequenos
judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos
compridos, olhos
melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu,
mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com
tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a
brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de
um homem do povo caído na rua.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.
Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando
sopros aos exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a
fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.
Reflexão Existencial
Desfile
O rosto no travesseiro,
escuto o tempo fluindo
no mais completo silêncio.
(...)
Vinte anos ou pouco mais,
tudo estará terminado.
O tempo flui sem dor.
O rosto no travesseiro,
fecho os olhos, para ensaio.
Os últimos dias
Que a terra há de comer.
Mas não coma já.
(...)
E a matéria se veja acabar: adeus, composição
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.
Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias grossas, meus
sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,
Sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal,
[idéia de justiça, revolta e sono, adeus,
vida aos outros legada.
 
Poesia social
Tempos sombrios...
O medo
 A Antonio Candido

        "Porque há para todos nós um problema sério...


         Este problema é o do medo."
                   (Antonio Candido, Plataforma de Uma
Geração) 
 
Em verdade temos medo.
(...)
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
(...)

Faremos casas de medo,


duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
(...)
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.


Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo. 
“morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas
e medrosas.”

(Sentimento do Mundo)
O horror capitalista

Nosso tempo
I
Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
(...) 
Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
(...)
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.  
VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições,
símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.
“a burguesia apodrece”
(“Anúncio da Rosa”)
O horror da guerra

Carta a Stalingrado
Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem
enquanto outros, vingadores, se elevam.
 

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.


Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça
subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.
 

“À Vitória!”
“Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
A grande Cidade de amanhã erguera a sua nova Ordem.”
Cidade Prevista

Irmãos, cantai esse mundo


que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos,
talvez mais... não tenho pressa.
 
Um mundo enfim ordenado,
uma pátria sem fronteiras,
sem leis e regulamentos,
uma terra sem bandeiras,
sem igrejas nem quartéis,
sem dor, sem febre, sem ouro,
um jeito só de viver,
mas nesse jeito a variedade,
a multiplicidade toda
que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
o país de todo homem.
A Rosa do Povo

amargura, engajamento,
visão cética e adesão às utopias
desencantada esquerdistas

pessimismo esperança
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e
teu bigode
caminham numa estrada de pó e de
esperança.

Você também pode gostar