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BURKE - Reflexões Sobre A Revolução em França
BURKE - Reflexões Sobre A Revolução em França
A REVOLUÇÃO EM
FRANÇA
EDMUND BURKE
REFLEXOES SOBRE -
A REVOLUÇÃO EM
FRANÇA
Tradução e Introdução de
Ivone Moreira
INTRODUÇÃO
Deve dizer-se a seu favor que, no q ue respeita à esc rita em prosa, chega a se r
mencionado, juntamente com Shakespeare e Milton , como um dos melhores escritO res
de língua inglesa.
11
13
Trata-se da Casa Editora de Robe rt andJames Dodsley com sede em Pall Mali.
". Cf. Lock ( 1998), Op. Cir., vol. I, p. 165.
11
Cf. Ivone Moreira, Op. Cir. , p. 2.
13
UM PERCURSO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
19
Cf Lock (1 998), Op. Cir. , vol. I, p. 214.
15
10
"Este conceiro de rep resentação política, que defende a independência do par·
lamentar, e que ve m sendo atribuído desde então aos velhos Whigs, surge como reacção
aos movimentos radicais das décadas de 70 e 80 do séc. XV III , mas não corresponde à
posição Whig mais amiga. De fac to, no século XVI , os parlamentares eram delegados dos
eleirores e aceitavam o papel de 'agente liberalmente pago para cuidar dos seus interesses
no Parlamento'". Cf. Ivone Moreira, Op. Cit., pp. 282-283. Sobre as doutrinas eleitorais
deste período Cf. Samuel Beer (Sep., 1957), "The Represe nration ofl nreresrs in British
Governmenr: H isrorical Background", The American Politica! Science Review, Vol. 5 1,
n.o 3, pp. 613-650 .. p. 6 15.
" Charles James Fox e Frederick Norrh.
16
UM PERCURSO IDEOLÓGICO
22
Cf. "( ... ) that is a marked distinction between change and reformation. The
former alters the substance of the objects themselves ( ...) gets rid of ali their essemial
good as well as of the accidemal evil annexed to them (...) Reform is not a change in the
substance (...) but a direct application of a remedy to the grievance complained of (... ).
'to innovate is not to refonn'". Edmund Burke ( !866 ),Letter to a Noble Lord on theAttacks
Upon H is Pension, The Works ofthe Right Honorable Edmund Burke, Vol V, Revised Edi·
tion, Boston: Little, Brown, and Company, pp. 186-7. (De agora em diante: Burke (data
da ed. ), Título, Works, n. 0 do vol. e pág. ).
18
Nesta mesma peça, Burke invoca duas situações onde este tipo
de influência se fez sentir e perverteu o disposto pela Constituição:
a maneira como o governo lidou com o caso Wilkes, um deputado
eleito por Middlesex, rejeitado pelo parlamento pela sua imorali-
dade e substituído pelo número dois da eleição, que tinha perdido
para Wilkes por um número elevadíssimo de votos; e o pagamento
de despesas da Civil List, sem qualquer espécie de inquérito às mes-
mas.
O s Thoughts on the Cause oJ
the Present Discontents devem
também ser vistos como um testemunho da inclinação de Burke
para as pequenas reformas já que atribuiu o descontentamento que
se experimentava na altura a aspectos menos radicais do que algu-
ma oposição, que defendia a criação de "parlamentos" mais curtos
- ideia a que Burke se opõe - ou a eliminação dos pocket boroughs 2\
que viriam a ser objecto de reforma apenas por acto de 1832, e so-
bre os quais Burke não se pronuncia.
26
Julgá-lo católico apenas pod e porvir de não católicos, porque o seu pensamen-
to polít ico, no que respeita à relação entre Igreja e Est ado, é claramente anglican o.
21
Burke abolicionista
A abolição da escravatura também teve nele um defensor.
Burke reconhece que a situação de escravatura não é compatível
com a dignidade humana em nenhuma das suas formas , mas reco-
nhece também que a abolição imediata da mesma era impossíveF9 :
19
Cf. Ivone Moreira, Op. Cit., p . 205, nota 705: A sua baralha pela abolição da
escravatu ra teve vários modos de envolvimento, como muito bem se mostra na extraordi-
nária investigação de F. P. Lock: "Abour 1780, when (as he !are r said) aboli rion appeared
a chimerical projecr, Burke drew up a 'Skerch of a Negro Code' an elaborare sysrem of
regularions imended to improve rhe r rearmem of slaves" que, como aqui se refere, prepa-
ra a libertação futura dos escravos e rem uma função provisória, não se destina apenas à
melhoria das condições de vida dos escravos. Lock reporta outra fase do seu envolvimento
na questão : "Burke 's decision to resrricr himself to 'grear consriturional quesrions' meam
rhar he did no r comribure to rhe debate of2 Apri l 1792 on rhe abolirion of rhe slave rra-
de. On rhis occasion, perhaps because public op inio n was overwhelmingly againsr rhe rra-
de (hundreds of peririons had been received againsr ir), many of irs suppo rrers chose nor
to oppose abolirion outrigh r, bur to endorse an amendmem proposed by Henri Dundas,
inserring rhe wo rd 'gradually' imo rhe resolurion rhar rhe rrade ough r to be abolished.
Burke would cerrainly supporred rhe amended morion, which, approved by 193 to 125,
marked rhe apogee of rhe anri-slavery movemem in h is liferime. Bur whar precisely was
his arritude to rhe amendme m ? ln earlier debates he had spoken in favour ofimmediare
abolirion. H is silence on rhis occasion could be imerp rered as a weakening of his oppo-
sirion, may h ave conrribured to rhe equivocai nature of h is legacy on rhe subjecr. Afi:er
his dearh, advocares and opponems of abolirion borh claimed his appro barion ". Lock
(2006), Op. Cit., Vol. II, p. 4 13.
Em An Account ojthe European Settlements in America (An Account) , já é aflorado
o problema da escravatura. A obra é publicada anonimamente em 17 56-7, o editor de
1808.julga ter evidência da autoria de Edmund Burke. No tempo de Burke, Boswell e
agora o autor da sua melhor biografia, Lock, são da opin ião que muito do texto veicu la
23
as ideias de Edmund Burke. Baseando-se em An Account, Lock refere que os Burke acei-
tavam a escravatura como uma necessidade económica e o tratamento mais humano dos
escravos pelas mesmas razões: "Indeed they make a purely economic case for the more
human treatmem of slaves: less brurally". Lock ( 1998), Op. Cit., vol. I, p. 133. A leitura
atenta que se fez de An Account mostrou também outros aspectos. De facto, já tão cedo
quanto 1756/7 período em que a obra foi esc rita, os au tores defendem qualquer coisa de
oJ
muito se melh ante ao que vai aparecer, mais elaborado e assumido, em Sketch a Negro
Code. Ao comentarem a colonização fra ncesa elogiam o Code Noir que permitia, ao con-
trário do que acontecia com os escravos das colónias inglesas, um tratamento com uma
sensata mistura de humanidade e firmeza (An Account ...Vol. II , p. 47). Os dois jovens
autores, embora antecipando alguma discordância da parte dos principais envolvidos no
negócio da escravatura, e mantendo um certo compromisso com os preconceitos em vi-
gor, falam a favor de uma humanização no tratamento dos escravos e mesmo a favor de
uma sociedade, que afirmam ser a mais segura e de riqueza mais sólida, cuja estrutu ra
assentaria "in the number of low and middling men of a free condition, and that beauti-
ful gradation from the highest to the lowest where the transitions ali the way are almost
imperceptible" e acrescentam "to produce this ough t to be the aim and mark of every
well regulated commonwealth and none as ever Aourished upon other principies" (An
Account ... ,Voi. II , p. 118).
_;o "Whereas it is expedient, and comformable (sic ) to the principies of true re-
ligion and moraliry, and to the rules of sound policy, to pur an end to ali traflic in the
persons of men, and to the detention of thei r said persons in a state of slavery, as soon as
the sarne may be effected without producing great inconveniences in the sudden change
of practices of such long standing. and during the time of the continuance of the said
practices it is desi rable and expedient by proper regulations to lessen the inconveniences
and evils attendant on the said traflic and state of servitude, until both shall be gradually
clone away( ...)". Burke ( 1866), Sketch ofa Negro Code, Wo1·ks VI, p. 262.
24
3
' "If rhe African rrade could be considered wirh regard ro irself only, and as a
single objecr, I should rhink rhe mrer abolirion ro be on rhe whole more advisable rhan
any scheme of regularion and reform. Rarher rhan suffe r ir ro cominue as ir is, I hearrily
wish ir ar an end". Burke ( 1866), "A Lerrer ro rhe Righr Hon. Henry Dundas ...", Easrer-
-Monday nighr, 1792, Works VI, 257.
32
"I could nor rrusr a cessarion of rhe demand for rhis supply ro rhe mere ope-
rarion of any absrracr principie ( ... ) I am very apprehensive, rhar, so longas rhe slavery
cominues, some means for irs supply will be found. If so, I am persuaded rhar ir is bener
ro allow rhe evil, in order ro correcr ir, rhan by endeavoring ro forbid whar we cannor be
able wholly ro prevem, ro leave ir under an illegal, and rherefore an unreformed exisren-
ce". Burke (1866), "Lener ro rhe Righr Hon. Henry Dundas .. .", Easrer-Monday nighr.
1792, Works VI, 259.
25
oJ
O Skech a Negro Code pretende que sejam introduzidas leis
que protejam a dignidade humana do escravo dos abusos dos seus
senhores, e a educação e responsabilização progressiva dos escravos,
que passa pela introdução de trabalho remunerado e pela posse de
pequenas parcelas de terra, de molde a conduzir à libertação os es-
cravos que vão demonstrando estar preparados para a liberdade.
Burke não duvida que o respeito pela dignidade humana só será
atingido com a libertação do escravo. Nenhuma destas medidas
realiza esse propósito, tal como ele próprio afirma: "nada (... ) faz
um escravo feliz, mas [faz] um homem degradado" 33 .
36
"H e as rold ( ... ) in h is defence rhar acrions in Asia do nor bear rhe sarne moral
qualiries which rhe sarne acrions would bear in Europe ( ...) we posirively deny rhar princi·
pie. Iam aurhorized and called upon ro deny ir. ( ...) rhese genrlemen have formed a plan
of geographical moraliry, by which rhe duries of men , in public and privare siruarions, are
nor to be governed by rheir relarion to rhe Grear Governor of rhe Unive rse, or by rheir
relarion ro mankind, bur by climares, degrees oflongirude, parallels, nor oflife, bur oflari-
rudes ( ... ) This geographical moralirv we do proresr agai nsr". Burke ( 1867), lmpeachment
of Wan·en Hastings, February 16, 1788, Works IX, pp. 447-8.
27
r " ( ... ) in arder to prove rhar rhe Americans have no righr to rheir liberries, we
are every day endeavoring to subverr rhe maxims which preserve rhe whole spirit of our
own. To prove rhar rhe Americans oughr nor to be free, we are obliged to depreciare rhe
value of freedom irself; and we never seem to gain a palrry advanrage over rhem in debate,
wirhour arracking some of rhose principies, or deriding some of rhose feelings, for which
our ancesrors have shed rheir blood". Burke ( 1865), Speech on Conciliation With the Co-
Úmies, Works li, p. 130.
29
38
f questionável a ideia de Burke de que bastaria à Inglaterra desistir do Stamp
Act para que as relações com a C olónia voltassem ao que eram am es. f mesmo provável
que o movimento independentista tivesse eclodido mesmo sem o Stamp Act, ou após a sua
revogação.
30
in Mr. Burke", lhe Papers oflhomasj ejferson , 20, p. 304. Citado por Yuval Levin (2014)
lhe Great D ebate, New York: Basic Books, p. 35.
32
41
Charles Jean François Deponr ( 1791 ),An Answer to the Rejlections ofthe Right
H onourable Edmund Burke, London.
33
43
"These meraphysic righrs emering imo com mon life, like rays of lighr which
pierce imo adense medi um, are, by rhe laws ofNarure, refracred from rheir srraighr line.
Indeed, in rhe gross and complicared mass of human passions and concerns, rhe primirive
righrs of men undergo such a variery of refractions and reAections rhar ir becomes absurd
to ralk of rhem as if they cominued in rhe simpliciry of rheir original direcrion ". Burke
( 1865), Rejlections on the Revolution in France, Works III, p. 312.
35
44
Cf "( ... ) the case of a revolution in government, this, I think, may be safely
affirm ed, - th at a so re and pressing evil is to be removed, and that a good, great in its
amount and unequ ivocal in its nature, must be probable alm ost to certainry, before the
inestimable price of ou r own morais and the well-being of a number of ou r fellow citizens
is paid for a revolutio n". Burke ( 1866 ),Appealfrom the New to the Old Wh igs, Works IV,
P· 81.
45
Eis algu ns dos corresponde ntes franceses deste período: Jean-Batiste- Fran-
çois-Pierre Parisot, fa mília do Bispo de Auxerre. A família Pari sor escreve a Burke contan-
d o as perturbações do período revolucionário em Auxerre. Ourros seus co rrespondentes
são figuras de relevo, algumas de futuros exilados: Agathon Marie René de la Bintinaye,
C harles-Alexandre de Calonn e, anrigo controlado r geral das fin anças, Pierre-Gaeton
Dupo nt, que vi rá a traduzi r as Rejiections para fra ncês, Abbé H onoré-Charles- Ignace
Foulon, François de Menonville, C laude François de Rivarol e Lally de T ollendal, C f.
Correspondence, Vol. VI, ao longo de rodo o volume, que é expressamente dedicado à
correspondênc ia deste período.
36
* Co mo afirma Louis H um: "The com mon prejudices of a nari on are superio r
to the reason of rhe ind ividual, not o nly because they are the repo irory of rhe practical
wisdo m of preYious generati ons, bu t because uch p rejud ices engage the mind more effec ·
rivek rhan do rational precepts alo ne". Louis Hunt (2002 ), "Prin cipie and Prejudice:
Burke, Kant & H abe rmas on Prac t ical Rea on", H istory oJPolitical Thought, Vol. XXlll ,
n. 0 1, Sp ring, p. 132.
37
chocante. (... ) se isro é carácter e não acidente, então este povo não
está preparado para a liberdade (... ) Entretanto, o andamento de
rodo este assunto é um dos mais curiosos materiais para especulação
que alguma vez se viu 48 •
48
Cf. "As to us here ou r rhoughrs of every rhing ar home are suspended, by our
asronishmenr ar rhe wonderful Specracle which is exhibired in a Neighbouring and rival
Counrry ( ... ) England gazingwirh asronishmenr ar a French srruggle for Liberry and nor
knowing wherher to blame or to applaud! ( ... ) rhe spirir ir is impossible nor to admire;
bur rhe old Parisian ferociry has broken ou r in a shocking manner. (... ) if ir should be
characrer rarher rhan accidenr, rhen rhar people are nor fir for Liberry ( ... ) ln the mean
rime rhe progress of rhis whole affair is one of rhe mosr curious marrers of Specularion
rhar ever was exhibired ", Burke ( 1967), "Burke to rhe Earl ofCharlemont", 9 Aug. 1789,
Correspondente, Vol. VI, p. 10.
40
;s "My Lord, norhing can be learned from such examples, excepr rhe danger of
being kings, queens, nobles, priesrs, and children, to be burchered on accounr of rheir
inherirance. These are rhings ar which nor vice, not crime, nor folly, bur wisdom, good-
43
Ivone Moreira
ness, learning. justice, probity, beneficence, stand aghast. By these examples our reason
and ou r moral se nse are not enlightened, but confounded; and there is no refuge for as·
toni shed and affrighted virtue, but being annihilated in humility and submission, sinking
into a silent ado ratio n of the in scrutable dispensations of Providence, and flying with
trembling wi ngs from this world of daring crimes, and fee ble, pu sillanimous, half-bred,
bastard justice, to the asylum of another order of things, in an unknown form, but in a
better life". Burke ( 1866), Letter on Regicide Peace IV, Works VI, p. 42.
REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO EM FRANÇA
E ACERCA DOS PROCEDIMENTOS
EM CERTAS SOCIEDADES EM LONDRES
RELATIVOS A ESTE EVENTO:
NUMA CARTA SUPOSTAMENTE ENVIADA
A UM CAVALHEIRO EM PARIS
1790
Pode ser necessário informar o leitor que as Reflexões que se
seguem tiveram a sua origem numa correspondência entre o autor e
um cavalheiro muito jovem de Paris, que lhe deu a honra de desejar
a sua opinião acerca das transacções importantes que na altura - e
desde então - tanto têm ocupado toda a gente. Uma resposta foi
escrita em tempos no mês de Outubro de 1789; mas ficou retida
por considerações prudenciais. Alude-se a essa carta no início das
folhas seguintes. Foi entretanto enviada ao destinatário. As razões
do atraso em enviá-la foram mencionadas numa carta breve para o
mesmo cavalheiro. Isso produziu nele uma nova e premente solici-
tação acerca dos sentimentos do autor.
O autor começou uma segunda discussão mais completa sobre
o assunto. Esta com o intuito de a publicar no início da Primavera
passada. Mas, cativado pelo assunto, descobriu que o empreendi-
mento não só tinha excedido em muito as dimensões de uma car-
ta, mas também que a sua importância requeria uma consideração
mais detalhada do que o tempo de que o autor dispunha na altura
para lhe dedicar. Contudo, tendo posto as suas primeiras reflexões
sob a forma de carta- e, de facto, quando se sentou a escrever ten-
cionava que fosse uma carta privada - teve dificuldade em mudar a
forma de endereçar-se quando os seus sentimentos ganharam maior
amplidão e outra direcção. O autor tem consciência de que um pla-
no diferente podia ser mais favorável a uma mais ampla divisão e
distribuição da matéria.
48
C aro Senhor56 ,
Tem a bondade de voltar a solicitar, co m alguma urgência, o
meu parecer sobre os últimos acontecimentos em França. ão lhe
darei motivos para pensar que julgo os meus sentimentos de tal va-
lo r a ponto de desejar que me supliquem por eles. São de pouca
importância, quer para serem comunicados quer escondidos com
grande ansiedade. Fo i por atenção a si, e apenas a si, que hesitei, em
tempos, quando primeiro os quis conhecer. Na primeira carta que
tive a honra de lhe escrever 57 e que, por fim , lhe enviei, não escrevi
nem para nem a pedido de nenhum grupo em particular, também
não o farei nesta. O s meus erros, se os há, são só meus e apenas a
m inha reputação responde por eles.
O Senhor pode ve r pela longa carta que lhe escrevi que, em-
bora eu de todo o coração deseje que a França possa estar animada
po r um espírito de liberdade racional e que pense qu e deveis estar
obrigados em toda a verdadeira política a criar um co rpo perma-
s6 Nota de traduto r (N .T. ) Carta a C harles Jean Franço is D epont (n. 1767·
· 1796·7 '? ), jovem que iniciou a sua carreira política em 1784 como membro do Parl a·
menro de M etz, sob os auspícios do seu pai J ean-Samuel D epont, Intendente em Metz.
Em 1787 torna-se co nsultor do Parl amento de Pa ris. A atitude do jovem D epo nt perante
a Revolução era de moderado optimismo . Resolve esc reve r a Bu rke em 4 de ove mbro de
1789 a ped ir-lhe a sua opinião sobre os recentes desenvolvimentos em França.
Escreveu depois um panflero respost a às Refl exões t raduzido para inglês e publica·
do em Londres em Fevereiro de 179 1, no qu al D epont mantém o seu mod erad o oprimi s·
mo, argu menta a favo r da necessidade d a Revolução, conden ando embora os exage ros e
os "crimes" de O utub ro, manife tando ao mes mo tempo a esperança de que a Revolução
entrasse no caminho de uma maior mode ração. Cf. Cha rles Jea n Franço is Depo nt ( 179 1)
An Answer to the Reflections ofthe Right H onourable Edmund Burke, Lo ndo n, pp. 5-6,
11 -14.
s· N .T. A sua prim ei ra carta, uma longa carta escrita 4 meses após a qued a d a
Bastilh a, é a pri meira análise ex tensa que Burke faz da ReYolução Francesa. Não é ime-
diatamente enviada, em seu lugar Burke envia u ma ou tra carta ma is cu rta, a q ual não
há notÍcia de ter subsistido, pensa-se que a primei ra é enviada apenas no iníci o de 1790,
aparentemente porqu e Burke recea,·a que a carta pudesse se r interceptada e remia pela
segurança do eu jowm correspondente. Esta carta enco ntra-se publicada em Tho mas
Copeland, Jo hn A. Wood Eds. ( 1967), The Correspondence ofEdmund Burke, Cambrid -
ge e Ch icago: Cambridge UniYersirY Press, YOI. V I, pp. 39-50 . (D e agora em d iante Cor·
respondence, n. 0 do ,·o!. e pág. ).
49
peculação acerca do que tem sido feito , ou que está a ser feito, na
cena pública, em qualquer lugar, amigo ou moderno- na república
de Roma ou na república de Paris, mas, não tendo nenhuma missão
apostólica universal, sendo um cidadão de um Estado particular, e
estando consideravelmente sujeito à sua vontade pública, teria jul-
gado no mínimo impróprio e irregular encetar uma correspondên-
cia pública formal com o actual governo de uma nação estrangeira,
sem a expressa autorização do governo sob o qual vivo.
Menos ainda quereria entabular essa correspondência sob a ca-
tegoria equívoca que, para muitos, não familiarizados com os nos-
sos costumes, poderia produzir um discurso ao qual eu me juntasse,
que se parecesse com um acto de pessoas investidas de dignidade
pública, reconhecidas pelas leis deste país e autorizadas a falar em
nome de uma parte dele. Por causa da ambiguidade e da incerteza
de grupos de carácter genérico não autorizados e do logro que pode
ser praticado sob a sua alçada, e não por mero formalismo, a Câma-
ra dos Comuns rejeitaria a mais secreta petição com o mais insig-
nificante propósito assinada por estas entidades. Vós escancarastes
as portas da vossa sala de audiências e fizestes entrar na vossa As-
sembleia Nacional um tal documento, com tão grande cerimónia e
aparato e com tal salva de aplausos, como se tivésseis sido visitados
pela majestade que representa roda a nação Inglesa.
Se o que esta sociedade tivesse achado próprio enviar-vos fosse
um discurso, teria significado pouco, fosse qual fosse o argumento.
Não teria sido nem mais nem menos convincente, atendendo ao
partido de que provinha. Mas isto é apenas um voto e uma reso-
lução. Baseia-se apenas na autoridade. Neste caso é apenas a mera
autoridade de indivíduos e poucos aparecem. As suas assinaturas
deveriam, em minha opinião, ter sido anexadas ao seu documento.
O mundo teria tido então meios de saber quantos são eles, quem
são eles e qual pode ser o valor das suas convicções, a partir das suas
capacidades pessoais, do seu conhecimento, da sua experiência,
ou da sua liderança e autoridade neste Estado. Para mim, que sou
53
61
A expressão usada é "the fixed air" designação utilizada para o dióxid o de car·
bono. Este gás teria sido descoberto po r Jan Baptiste van Helmom e designado como tal
por Joseph Black ( 1728-99 ).
55
62
O Arcebi spo de Aix era o pres idente da Asse m bleia Nacional no fi nal de 178 9
e é em se u no me que segue a resposta aos ,·oros e m-iados pela Sociedade da Revolução .
56
63
A propósiro do estilo epistolar aqui utilizado F. P. Loc k afirm a que há muito
que a "carta a um amigo" era a forma favorita p ara os panAerários polít icos porque ofe-
recia as vantagens de se r um texto directo que rornava mais acei táve is e mais credíveis os
apelos à ética e às emoções. Cf. Frederick Peter Lock ( 1985), Burke's Rejlections on the
Revolution in France, London: George Allen & U nwin, p. 11 4. De facto , o estilo ep isrolar
estava em voga e a ideia de que o autor escreverá livremente, como sugere, é também ela
um artifício literário. já que é visível que Burke presta muita atenção ao estilo durante
rodo o texto.
57
Pelo meu lado, olho para este sermão como a declaração públi-
ca de um homem estreitamente ligado à cabala literária e a filósofos
intriguistas, a políticos teológicos e teólogos políticos, de Inglaterra
e do estrangeiro, que o constituíram como uma espécie de oráculo,
porque, com as melhores intenções do mundo, ele naturalmente
Jilipiza64 e canta a sua canção profética em uníssono com os seus
desígnios.
64 1.T. A expressão é philippizes. Fil ipiza era a acusação fe ita por Dem óstenes
ao Oráculo de Delfos querendo com isso dizer que as profecias emitidas pelo oráculo
serviam os interesses de Filipe da M acedó nia.
58
Como o nome indica, procu ravam a verdadei ra Igreja, sem se vincularem a nenhuma
facção.
68 N .T. "No n-Conformity".
69
N.T. O termo utilizado é "meeting-house".
-o • N ota do auto r (fo ram respeitados os itál icos) "Aqueles que não gostarem
daquele modo de culto presc rito pelas autoridades públicas devem, se não puderem en-
contrar nenhum culto que aprovem fora da Igreja, estabelecer um culto separado para eles
próprios; e fazendo isto, dando um exemplo de um modo de culto racional e viril, homens
de peso pelo seu estatuto e pela sua cultu ra podem prestar o maior serviço à sociedade e ao
mundo."- p. 18, Sermão do Dr. Price.
60
mo desdém pela sua escolha com que Sua Majestade herdou aquela
coroa que traz.
~alquer que seja o resultado da sua fuga à explicação do gros-
seiro erro dejàcto, que supõe que Sua Majestade, embora mantenha
a coroa de acordo com os seus desejos, a deve à escolha do seu povo,
não se pode, todavia, contornar a sua proclamação directa e explí-
cita do princípio do direito do povo a escolher - direito esse que
sustenta directamente e a que tenazmente adere. Todas as insinua-
ções indirectas à eleição assentam neste princípio e têm-no como
referência. Temendo que a fundamentação do título exclusivamen-
te legal do rei passasse por mero palavreado de uma liberdade adula-
dora, o pastor político prossegue dogmaticamente para defender*76,
que, pelos princípios da Revolução, o povo inglês adquiriu três di-
reitos fundamentais , todos eles, segundo ele, compõem um sistema
e assentam todos num breve veredicto, nomeadamente que adqui-
rimos o direito a:
1. "Escolher os nossos governantes"
2. "Expulsá-los por má conduta"
3. "Constituir um governo para nós próprios".
Esta nova carta de direitosT, de que até agora não se tinha ou-
vido falar, embora elaborada em nome de todo o povo, pertence a
estes cavalheiros e apenas à sua facção. O conjunto do povo inglês
não partilha dela e recusa-a totalmente. Resistirá à tentativa para a
pôr em prática com a sua vida e a sua fortuna . Está obrigado a isso
pelas leis do seu país, feitas no tempo da própria Revolução a que
apela esta sociedade para apoiar os direitos fictícios que reivindica,
insultando o seu nome.
-6 "Nota do autor: p. 34, Discourseon the L oveofour Country, pelo Dr. Price
N.T. O termo usado é bill of rights nome originariamente dado ao acordo
co nstitucional inglê de 1689.
64
80
"Nota do autor: !.• Maria, sess. 3, Cap. I.
68
A coroa foi transferida um pouco para fora da linha que seguia an-
tes, mas a nova linha provinha da mesma fonte. Manteve-se uma
linha de sucessão hereditária descendente, do mesmo sangue, mas
uma descendência hereditária qualificada com o Protestantismo.
~ando a legislatura alterou a direcção mas manteve o princípio,
mostrou com isso que o considerava inviolável.
Antigamente, muito antes da era da Revolução, a lei da suces-
são admitiu algumas emendas neste princípio. Algum tempo de-
pois da Conquista, surgiram grandes questões acerca dos princípios
legais da descendência hereditária. Tornou-se matéria de dúvida se
seria o herdeiro per capita ou o herdeiro per stirpes que haveria de
suceder82. Mas, quer fosse o herdeiro per capita que desse lugar ao
direito de sucessão per stirpes, ou o herdeiro católico, quando o pro-
testante era preferido, o princípio de hereditariedade sobreviveu
com uma espécie de imortalidade através de todas as transmigra-
ções:
Multosque per annos
82 .T. Na lei da sucessão os dois rermos, per capita e per stirpes, fixam a parre
que os descendentes ou ourros beneficiários hão-de receber: se per capita rodos perten-
centes a essa mesma classe recebem igualmente, se per stirpes recebem de acordo com o
que esrá destinado ao ramo da sua fam ília. Cf. L. G. MircheU (Ed. ) Paul Langford (Gen.
Ed.) ( 1989), Rejlections on the Revolution in France, The Writings and Speeches ofEdmund
Burke, Gen., Vol. VII, Oxford: Clarendon Press, p. 73, nora. (De agora em diante: Rejlec-
tions on rhe Revolution in France, The Writings and Speeches ofEdmund Burke, seguido da
pág.).
83 1.T . "E a forruna da casa manrém-se por muiros anos, e conta-se geração sobre
dos nossos reis, não pelos seus méritos como administradora do po-
der, que ela poderia não vir a exercer e, de facto, nunca o exerceu. Ela
foi adoptada apenas por uma e uma só razão, porque rezam os actos
"a mui Excelsa Princesa Sofia Eleitora e Duquesa Viúva de Hanôver,
éfilha da mui Excelsa Princesa Isabel, falecida rainha da Boémia, fi-
lha do nosso falecido Soberano e Senhor Rei Jaime Primeiro, de boa
memória, e é por esta acta declarado ser ela a próxima na sucessão na
linha Protestante", etc. etc., "e a coroa continuará nos seus herdeiros
conquanto sejam Protestantes". Esta limitação foi feita pelo Parla-
mento para que através da Princesa Sofia se garantisse, não apenas
uma linha hereditária que continuaria no futuro, mas (o que eles
julgaram muito importante) que, através dela, essa linha estivesse
ligada à velha linha hereditária do Rei Jaime Primeiro, para permi-
tir que a Monarquia pudesse preservar uma inquebrantável unidade
ao longo dos tempos e se pudesse conservar (com segurança para a
nossa religião) no modo amigo já aprovado por descendência, que,
se ameaçou uma vez as nossas liberdades, também as defendeu mui-
tas vezes, através de todas as tempestades e lutas de prerrogativas e
privilégios. O Parlamento fez bem. Não temos experiência de ou-
tro processo, ou método, senão uma coroa hereditária, em que as
nossas liberdades possam ser regularmente perpetuadas e mantidas
sagradas como nosso direito hereditário. Um movimento irregular
e convulsivo pode ser necessário para nos livrar de uma doença ir-
regular e convulsiva. Mas o decurso da sucessão é o hábito saudável
da Constituição Britânica.
Será que o Parlamento, que aliou a Coroa à linha de Hanôver,
traçada a partir da descendência feminina de Jaime Primeiro, des-
conhecia os perigos para a coroa inglesa de terem dois ou três, ou
possivelmente mais, estrangeiros na sucessão ao trono britânico?
Não! -o Parlamento tinha a devida consciência, e mais que a de-
vida consciência, dos males que poderiam advir desta regra estra-
nha. Ao continuar a adoptar um plano de sucessão hereditária
75
como ela sempre tinha sido aos olhos da lei e na sua avaliação, total-
mente isenta de responsabilidade. Com o objectivo de aliviar ainda
mais a Coroa, agravaram a responsabilidade dos ministros de Es-
tado. Pelo 1.0 estatuto do Rei Guilherme, secção 2.•, chamada "o
acto para declarar os direitos dos súbditos e para estabelecer a sucessão
da coroa", decretaram, que os ministros deveriam servir a coroa nos
termos dessa declaração. E garantiram pouco depois as reuniões fre-
quentes do Parlamento, através das quais todo o governo estaria sob
a constante inspecção e controlo activo dos representantes do povo
e dos grandes do reino. No grande acto constitucional que se lhe se-
guiu, o do 12. 0 e 13. 0 anos do reinado do Rei Guilherme, para uma
maior limitação da coroa, e para melhores garantias dos direitos e
liberdades dos súbditos, assegurou-se que, "nenhum perdão selado
com o grande selo de Inglaterra poderia opor-se a uma impugnação
votada pelos comuns no Parlamento".
Os nossos antepassados julgaram que as regras do governo na
Declaração de Direitos, a constante inspecção do Parlamento e o
uso da prática da impugnação, eram infinitamente melhores como
segurança, quer para a sua liberdade constitucional quer contra os
vícios da administração, do que a reserva de um direito a "expulsar
os seus governantes", tão difícil na prática, tão incerto na conclusão
e frequentemente tão pernicioso nas suas consequências.
O Dr. Price, no seu sermão* 88 condena, muito acertadamente,
a prática grosseira de discursos adulatórios aos reis. Em vez deste es-
tilo bajulador, ele propõe que seja dito a Sua Majestade em ocasiões
festivas que "o rei deve considerar-se a si mesmo mais propriamente
o servo do que o soberano do seu povo". Como cumprimento, esta
nova forma de saudação não parece ser muito gentil. Aqueles que
são servos de nome, bem como de facto, não gostam que se lhes
fale da sua situação, do seu dever e das suas obrigações. O escra-
vo, na antiga peça, diz ao seu senhor, "Haec commemoratio est quasi
88
"Nora do auror: Price, 22, 23 e 24
79
89
N .T . "Esta recordação é como que um a exprobação", Ter. An. 43.
90
N .T. O Papa usa o tÍtulo "Servus servorum Dei " e usa também a designação de
"O Pescado r", em alusão à profissão e missão do Apóstolo Pedro.
80
91
N.T. O Rei no de Aragão, na Idade Méd ia, tinh a aj usticia, um trib unal que
resolvia os diferendos entre o rei e os nobres.
81
9
; "Nora do auto r: Ver a Magna Carta, de Blackstone, impressa em Oxford, 17 59.
83
para dar o exemplo da virtude e não para a sufocar, teriam tido uma
burguesia liberal, para competir e estimular a nobreza, teriam tido
um povo protegido, satisfeito, laborioso e obediente, ensinado a
esforçar-se e a reconhecer a felicidade que é basear-se na virtude em
todas as condições - no que consiste a verdadeira igualdade moral
da humanidade, não naquela ficção monstruosa que, por inspirar
falsas ideias e expectativas vãs em homens destinados a percorrer o
caminho obscuro de uma vida de trabalho, serve apenas para agra-
var e tornar mais amarga a desigualdade real que nunca pode desa-
parecer e que a ordem da vida civil estabelece tanto para benefício
daqueles a quem precisa de deixar numa condição humilde como
para aqueles a quem pode elevar a uma condição mais sumptuosa,
mas não mais feliz. Tinham um caminho tranquilo e fácil de felici-
dade e glória aberto para vós, para além de tudo o que há memória
na história do mundo, mas mostraram que a dificuldade convém
aos homens.
Contem o que ganharam, vejam o que conseguiram com todas
essas especulações extravagantes que ensinaram os vossos líderes a
desprezar os seus predecessores e todos os seus contemporâneos,
e mesmo a desprezarem-se a si próprios, até ao momento em que
se tornaram verdadeiramente desprezíveis. Por seguir estas falsas
luzes, a França comprou calamidades inegáveis, a um preço mais
elevado do que o que alguma outra nação pagou pelas bênçãos mais
inequívocas. França comprou a pobreza com o crime! França não
sacrificou a sua virtude ao seu interesse, mas abandonou o seu inte-
resse, para poder prostituir a sua virtude! Todas as outras nações co-
meçaram a constituir um novo governo, ou a reforma de um antigo,
estabelecendo originalmente, ou impondo mais meticulosamente
algum rito religioso. Todos os outros povos basearam os funda-
mentos da liberdade civil em costumes mais severos e num sistema
moral mais austero e viril. A França, quando deixou perderem-se as
rédeas da autoridade real, duplicou a licenciosidade de uma devas-
sidão feroz nos costumes e duma irreligiosidade insolente nas opi-
90
99
l.T. Burke refere-se aqui ao gesto dos Deputados à Assembleia Constituinte
quando deixaram sobre a mesa da presidência as fivelas de prata dos sapatas, como home-
nagem patriótica e contribuição para a revolução.
93
apoiar (se a sua capacidade não lhes permite liderar) qualquer pro-
jecto que lhes proporcione uma Constituição litigiosa - que pode
abrir-lhes os postos inumeráveis e lucrativos que se seguem a todas
as grandes convulsões e revoluções no Estado, e particularmente a
todas as transferências violentas de propriedade. Seria de esperar
que se preocupassem com a estabilidade da propriedade, aqueles
cuja existência tinha dependido sempre de tudo o que torna a pro-
priedade questionável, ambígua e precária? Os seus objectivos ha-
veriam de alargar-se com a sua promoção, mas a sua disposição, os
seus hábitos e o modo de cumprirem os seus desígnios haveriam de
permanecer os mesmos.
Bem! Mas estes homens eram para ser moderados e restringi-
dos por outros grupos, de espíritos mais sóbrios e com maior discer-
nimento. Deveriam eles então ter reverência pela autoridade supe-
reminente e dignidade venerável de uma mão cheia de palhaços rús-
ticos, que têm assento nesta Assembleia, de quem se diz que alguns
não sabem ler nem escrever, e por um número não muito grande de
comerciantes, os quais, embora um pouco mais instruídos e mais
notáveis na hierarquia social, nunca conheceram nada para além
do seu escritório de contabilidade? Não! Ambos estes círculos esta-
vam mais talhados para serem dominados pelas intrigas e artifícios
dos advogados do que para se tornarem o seu contrapeso. Com esta
desproporção tão perigosa, o todo tem, obrigatoriamente, de ser
governado por eles.
À classe de direito juntou-se uma muito considerável propor-
ção da classe dos médicos. Tal como a classe de direito, esta não
. tem sido tida em justa estima em França. Por isso, os seus profissio-
nais têm de ter as qualidades de homens que não estão habituados
a sentimentos de dignidade. Mas suponhamos que subiram na hie-
rarquia como têm de subir, e como entre nós subiram de facto, as
cabeceiras dos doentes não são academias para formarem estadistas
e legisladores. A seguir vêm os negociantes de capitais e especula-
97
100
N.T. N esta alrura deco rria, ainda, o julgamento de W arren H astings, primei-
ro governado r geral de Bengala, começado o fi cial mente em 1788, cujo comité de acu-
sação, Secret Committee, constitu ído na C âmara dos Co mun s, era liderado por Burke.
A impugn ação teria o seu epílogo em Abril de 1795, co m a absolvição de H astings na
Câmara dos Lordes, previamente condenado na Câmara dos Comuns. Entre a investiga-
ção e a impugnação Burke dedicou perto de uma década da sua vida a esta causa.
99
101
N.T. Provérb io inglês: "fools rush in where angels fea r ro u ead".
100
prios ou através das suas famílias, atraíram o ódio sobre o trono pela
prodigalidade das mercês que lhes foram feitas, e que, depois, se
juntaram às rebeliões que tiveram origem nos descontentamentos
de que eles eram a causa: homens que ajudaram a derrubar o trono
ao qual deviam, alguns deles, a sua existência, outros, todo aquele
poder que usaram para arruinar o seu benfeitor. Se se estabelecem
alguns limites às exigências rapaces deste tipo de gente, ou se se
permite a outros partilharem os bens que eles absorveriam, a vin-
gança e a inveja depressa enchem o vazio insaciado deixado na sua
avareza. Confundidos pelo embaraço de paixões desmedidas, a sua
razão está perturbada, os seus pontos de vista tornam-se amplos e
confusos - para os outros inexplicáveis, para eles próprios incertos.
Encontram, por todos os lados, limites à sua ambição sem escrú-
pulos em toda a ordem estabelecida das coisas, mas na névoa e na
neblina da confusão tudo se agiganta e parece sem qualquer limite.
~ando homens de posição social sacrificam todas as ideias de
dignidade a uma ambição sem um objectivo distinto, e trabalham
com instrumentos baixos para fins pouco elevados, a composição
do todo torna-se baixa e vil. Não acontecerá algo semelhante agora
em França? Não se produz algo de ignóbil e inglório: uma espécie de
mediocridade em toda a política reinante, uma tendência em tudo
o que é feito para rebaixar, juntamente com os indivíduos, toda a
dignidade e importância do Estado? Outras revoluções foram con-
duzidas por pessoas que, ao mesmo tempo que tentavam ou reali-
zavam mudanças na éomunidade política, santificavam a sua am-
bição por melhorarem a dignidade do povo a quem perturbavam
a paz. Tinham vistas largas. Tinham por objectivo governar, não
destruir o seu país. Eram homens de grandes talentos civis e milita-
res e, se eram o terror, eram também as glórias do seu tempo. Não
eram como agiotas judeus altercando entre si sobre quem consegue
remediar melhor, com a circulação fraudulenta de papel-moeda
desvalorizado, a miséria e ruína trazida ao seu país pelos seus maus
conselhos. O cumprimento feito a um dos grandes homens maus
102
104
.T. Versos de Edmund Waller que era parente próximo de Cromwell, em
A Pangyric to my Lord Protector, v. 36. Cf. Rejlections on the Revolution in Fran ce, The
Writings and Speeches ofEdmund Burke, p. 99, n. I.
10
; N.T. Durante as guerras religiosas do final do séc. XV I , o Duque Henrique de
Guise e o Cardeal de Lorraine- também da famüia De Guise - foram os líderes da facção
cató lica, enquanto o Almirante Gaspard de Colign~· pertencia aos líderes Huguenotes.
No início do séc. XVII , coube a Arm and-Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu , ministro
de Luís XIII, a perseguição dos pro testantes franceses.
103
devem ser oprimidas pelo Estado, mas serão elas a oprimir o Esta-
do se aos da sua laia, quer individual quer colectivamente, lhes for
permitido governar. Nisto, os senhores pensam estar a combater o
preconceito mas estão em guerra com a Natureza* 106 •
Eu não julgo que o meu caro Senhor tenha aquele espírito
sofista e insidioso ou aquela ignorância maliciosa que requer, para
qualquer observação ou opinião geral, as correcções e as excepções
explícitas em pormenor, que a razão já presume estarem incluídas
em todas as proposições gerais enunciadas por um homem razoá-
vel. Não imagine que eu quero limitar o poder, a autoridade e a
distinção ao sangue, aos nomes e aos títulos. Não senhor. Não há
qualificação para a governação senão a virtude e a sabedoria, efecti-
vas ou presumíveis. Onde quer que de facto se encontrem, em qual-
quer estado, condição, profissão ou negócio, receberam do Céu o
passaporte para uma posição de honra entre os homens. Ai do país
que louca e impiamente rejeita o serviço dos talentos e das virtu-
des, civis, militares ou religiosas que lhe são dadas para o honrar e
servir e que condena à obscuridade aquilo que tem por função dar
brilho e glória ao Estado! Também desgraçado país que, passando
para o extremo oposto, considera uma educação inferior, uma visão
mesquinha e estreita das coisas, uma profissão sórdida e mercenária,
como a melhor qualificação para o comando! Todos os postos têm
de ser abertos a todos - mas não indiferentemente a qualquer ho-
106
·Nota do autor: Eclesi ástico, cap. xx.xviii, Vers. 24, 25: "O letrado adquire a
sabedoria no tempo em que está livre de negóc ios, e aquele que tem poucas ocupações
pode chegar a ser sábio. Como pode ser sábio o que rem de manejar a charru a, que a sua
glória é aguilhoar os bois, que se ocupa constantemente dos seus trabalhos, e só sabe falar
· das crias dos tOuros?" Vers. 27: "Assim acontece com todo o carpinteiro e arqui tectO, que
passa no trabalho os dias e as noites," &c. Vers. 33: "Porém, eles mesmos não tOmarão
parte nas assembleias, não se se ntarão nas cadeiras dos juízes, não entenderão as leis da
justiça, não ensinarão as regras da justiça e do direito, nem serão encontrados a estudar
parábolas" Vers. 34 "Entretanto, sustentam as coisas deste mundo ". Não opino sobre se
este livro é canónico, a Igreja Anglican a (até recentemente) considerou-o tal, ou apócrifo,
como aqui se considera. Estou ce rro de que contém bastante bom senso e ve rdade. [Burke
segue a numeração da Bíblia de King James. ]
105
10
- N.T. A expressão usada é: "This sort of discourse does well enough with the
lamp-post fo r its second " e alude à ameaça dos enforcamentos nos candeeiros de ru a, que
tinham aco ntecido, efectivamente.
107
faz que ela seja excelente sobretudo na forma e em teoria"* 109 - que
uma representação na legislatura do reino não só é a base de toda a
liberdade constitucional do reino, mas também de "todo o governo
legítimo , que, sem isso, um governo não é mais que uma usurpação",
que "quando a representação é parcial, o reino possui liberdade
apenas parcialmente, e se for extremamente parcial, dá apenas uma
aparência de liberdade, e se não for extremamente parcial, mas for
corruptamente escolhida, torna-se um problema" 11 0• O Dr. Price
considera esta inadequação da representação como a nossa injustiça
fundamental e, embora tenha esperança que a corrupção desta apa-
rência de representação não tenha chegado ainda à sua depravação
perfeita, ele teme que "nada seja feito com vista a ganhar para nós
esta vantagem essencial, até que um grande abuso de poder provo-
que o nosso ressentimento, ou alguma grande calamidade acorde de
novo os nossos medos ou, talvez até que a aquisição de uma repre-
sentação pura e igualitária por parte de outros países, enquanto nós
estamos a ser iludidos com uma sombra, acenda a nossa vergonha".
A isto ele junta uma nota nestes termos: - "Uma representação es-
colhida principalmente pelo Tesouro, e por alguns milhares de escó-
ria do povo, que geralmente são pagos pelos seus votos."
109
• ora do auto r: D iscourse on the L ove ofour Country•, 3.' edição, p. 39, obra do
Dr. Price.
11 0
N .T. Richard Price, A D iscourseon rhe L ove ofour Coun try, p. 40.
112
III
.T. Está a referir-se à revolução inglesa de 1688.
114
falar com eles da prática dos seus antepassados, das leis fundamen-
tais do seu país, da forma invariável de uma Constituição cujos mé-
ritos estão confirmados pelo teste sólido de uma longa experiên-
cia, de uma crescente força do povo, e da prosperidade nacional.
Desprezam a experiência como sendo a sabedoria dos analfabetos
e, de resto, colocaram no subsolo uma mina que há-de explodir,
com grande estrondo, todos os exemplos de antiguidade, todos os
precedentes, todas as leis e actos do Parlamento. Têm "os direitos
do homem". Contra estes a prescrição aquisitiva nada pode, contra
estes nenhum argumento vincula: não admitem nem o génio nem
o compromisso: tudo o que não corresponder às suas exigências é
fraude e injustiça. Os seus direitos do homem não deixam nenhum
governo procurar a segurança na continuidade da sua permanência,
ou na justiça e clemência da sua administração. As objecções destes
especuladores, se as formas de governo não quadram com as suas
teorias, são tão válidas contra um governo antigo e benevolente
como contra a tirania mais violenta ou a usurpação mais recente.
Eles estão sempre em guerra com os governos, não em guerra contra
o abuso, mas em guerra pela competência e pela legitimidade. Não
tenho nada a dizer acerca da subtileza desastrada da sua metafísica
política. Deixá-los ter o seu divertimento nas escolas.
"illa se jactet in aula
Aeolus, et clauso ventorum carcere regnet'" 12•
1
" "Janctancie-se Eolo naquele pal ácio e rein e nos limites do cárcere dos ventos",
V erg. A. l. 140-1 4 1.
115
civil, direitos que nem sequer supõem a sua existência e que são
absolutamente incompatíveis com ela? Um dos primeiros motivos
para a existência da sociedade civil, e que se torna uma das suas prin-
cipais regras, é: nenhum homem deverá serjuiz em causa própria. Por
causa disto cada pessoa se despojou a si própria do primeiro direito
fundamental dos que não são membros de nenhuma sociedade o
qual é: julgar por si próprio e defender a sua própria causa. Abdi-
ca de todo o direito de se governar a si próprio, e inclusivamente,
em grande medida, abandona o direito à autodefesa, a primeira lei
da natureza. Os homens não podem usufruir ao mesmo tempo dos
direitos próprios de quem vive em sociedade e dos direitos de um
estado não civil. Para que possa obter justiça, ele abdica do seu di-
reito de determinar o que é a este propósito mais essencial para ele.
Com o fim de assegurar alguma liberdade, ele entrega à guarda da
Sociedade a totalidade dela.
O governo não foi criado em virtude dos direitos naturais, os
quais podem e devem existir em total independência dele, e existem
na maior clareza, e num maior grau de perfeição abstracta: mas a
sua perfeição abstracta é o seu defeito prático. Por terem direito a
tudo, eles querem tudo. O governo é uma invenção da sabedoria
humana para prover às necessidades humanas. Os homens têm direi-
to a que estas necessidades sejam satisfeitas por esta sabedoria. En-
tre estas necessidades conta-se a necessidade, que nasce da socieda-
de civil, de uma suficiente restrição das paixões. A sociedade requer
não só que as paixões dos indivíduos sejam refreadas, mas também
no conjunto da sociedade, assim bem como nos indivíduos, que as
inclinações dos homens devam ser frequentemente contrariadas, a
sua vontade controlada e as suas paixões domadas. Isto apenas pode
ser feito por um poder fora deles mesmos e que não esteja, no exer-
cício desta função, sujeito à vontade e às paixões que é sua função
refrear e submeter. Neste sentido, devem contar-se entre os direitos
do homem não só as suas liberdades, mas também as suas restrições.
Mas como as liberdades e as restrições variam com o tempo e com
117
10
N.T. "Seja líciro aos poeras morrer", H or. Ars. 466.
11
' N .T. "Lançou-se, frio , ao Erna ardenre", H or. A rs. 465 e 466 (fala de Empé-
docles).
120
"' 1.T.
Bebida irriranre e róxica preparada à base de insecros (canrárides) secas,
usado como afrodisíaco.
116
N.T. · ~ando um numeroso grupo mara os riranos cruéis", Juv. 7. 151.
121
11 9
Local onde era frequeme reunirem-se clubes pol íticos e de cuj as reuniões
eram, por vezes, publicad as as conclusões sob a forma de panfletos.
125
exército que não foi mobilizado nem pela autoridade da coroa nem
pela sua autoridade, e o qual, se ela ordenasse a sua dissolução, no
mesmo instante a dissolveria. Assim se reúne, após um bando de
assassinos ter forçado à saída algumas centenas de membros 12 1, en-
quanto aqueles que sustentam os mesmos princípios moderados,
com mais paciência ou com melhor esperança, continuam todos
os dias expostos a insultos ultrajosos e ameaças de morte. Aí, uma
maioria, às vezes real, às vezes simulada, ela própria cativa, força um
rei cativo a promulgar como éditos reais, em terceira mão, os dispa-
rates corruptos dos seus cafés mais desregrados e levianos. É notó-
rio que todas as suas medidas são decididas antes de serem debati-
das. Não há dúvida de que, sob a ameaça das baionetas, dos postes
da luz e das tochas a incendiarem as suas casas, eles são obrigados a
adoptar as medidas cruas e desesperadas sugeridas por clubes com-
postos de uma monstruosa amálgama de gente de todas as condi-
ções, línguas e nações. Entre estes encontram-se pessoas que Cati-
lina, comparado com elas, seria julgado escrupuloso e Cathegus 122
um homem sóbrio e moderado. Não é apenas nesses clubes que as
medidas públicas são deformadas e tornadas monstruosas. Elas são
primeiro distorcidas nas academias, que estão destinadas a ser ou-
tros tantos seminários para estes clubes, e que ficam situadas sempre
em lugar onde há afluência de público. Nestas reuniões de todos os
tipos, cada conselho, quanto mais atrevido, violento e pérfido for,
mais é tido como um sinal de um génio superior. A humanidade
e a compaixão são ridicularizadas como frutos da superstição e da
ignorância. A solicitude para com os indivíduos é considerada trai-
ção pública. A liberdade é sempre considerada perfeita quando a
· propriedade se torna insegura. No meio de assassínios, massacres,
confiscações, perpetradas ou projectadas, estão a formar os planos
121
Em meados de O utubro de 1789 várias centenas de memb ros da Asse mbleia
Nacio nal a abandonam alegando os mais va ri ados motivos. Th omas Arthur, Co mte de
Lal!Y de T ollendal, correspondente de Burke e refu giado em Inglaterra, fo i um dos que
abandonou a Assembleia nesta altu ra e comenta o facro numa carta mais adi ante citada.
m N .T. Gaius Cornélius Cath egus que se associou a Catilin a na conspiração.
127
Certamente que este discurso foi feito com muito bons sen-
timentos e afeição. Mas entre as revoluções que ocorrem em Fran-
ça deve contar-se uma considerável revolução na sua concepção de
educação. Em Inglaterra dizem-nos que aprendemos as boas manei-
12
' • Nora do auror: 6 de Outubro, 1789.
121
N .T. C omentário atribu ído a Anto ine-Pierre-J oseph-M arie Barnave a propó-
sitO da morte de Foullon e Berrhier: "Senhores, querem fazer-vos enternecer pelo sangue
Yertido o ntem em Paris. Era este angue tão puro que não ousássemos derramá-lo'"
129
126 1
.T. Eclesiástico que consolava os condenados à morre na prisão de Newgare.
130
luz"* 129 pode bem ter trazido ao cimo uma explosão de entusiasmo
pelas consequências previsíveis desse dia feliz . Concedo que tanto
entusiasmo é um pequeno desvio em relação à prudência. Concedo
a este profeta que irrompa em hinos de alegria e acção de graças
num evento que aparece como precursor do Milénio, e do projecta-
do ~into Império, na destruição de todas as instituições da Igreja.
Havia, contudo (como há em todos os assuntos humanos), no meio
desta alegria, algo para exercitar a paciência destes dignos cavalhei-
ros e pôr à prova a grande capacidade de sofrer da sua fé. O assassi-
nato efectivo do rei e da rainha, e do seu filho, estava a faltar a todas
as outras circunstâncias auspiciosas deste "belo dia". O assassinato
efectivo dos bispos, embora reclamado por tantas jaculatórias pias,
também estava em falta. Um grupo de matanças regicidas e sacríle-
gas estava já planeado audaciosamente, mas estava apenas planeado.
Isso, infelizmente, tinha sido deixado inacabado, nesta grande peça
histórica do massacre dos inocentes. ~al o lápis ousado de grande
mestre da escola dos direitos do homem o acabará, está para se ver
daqui para a frente. Esta época não tem ainda o benefício total desta
difusão de saber que enfraqueceu a superstição e o erro, e o rei de
França carece ainda de um ou dois acontecimentos que votará ao
esquecimento, tendo em consideração todo o bem que advirá dos
seus próprios sofrimentos e dos crimes patrióticos deste século das
luzes 130 *.
129
"Nota do autor: "Tous les fvêques à la lanterne!".
130
"Nota do autor: f apropriado referir aqui uma carta escrita acerca deste as-
sunto por uma testemunha ocular. Esta testemunha ocular foi um dos mais honestos,
inteligentes e eloquentes membros da Assembleia Nacional, um dos mais activos e zelosos
reformadores do Estado. Foi obrigado a afastar-se da Assembleia e tornou-se depois um
exilado voluntário - à conta dos horrores deste pio triunfo e das disposições de homens
que, aproveitando-se dos crimes, senão mesmo causando-os, to maram a liderança dos as-
suntos públicos.
Extracto da segunda carta do Senhor. Lally de T olendal para um amigo:
"Falemos do partido que eu tomei, que está bem justificado na minha consciência.
-Nem esta cidade culpável, nem esta Assembleia mais culpável ainda, merecem que eu me
justifique, mas tenho no coração que o Senhor e as pessoas que pensam como o Senhor,
não me condenam. -A minha saúde, juro-lhe, tornou impossíveis as minhas funções, mas
133
mesmo pondo-as de lado foi superior às minhas forças suportar por mais tempo o horror
que me causava este sangue - estas cabeças - , esta rainha quase decapitada -, este rei,
levado escravo, entrando em Paris no meio destes assassinos, e precedido das cabeças dos
seus infelizes guardas -, estes pérfidos janízaros, estes assassinos, estas mulheres canibais,
este grito TODOS OS BISPOS P'RÀ LANTERNA, no momento em que o rei entrava
na sua capital com dois bispos do seu conselho, no seu carro - um golpe de fuzil, que eu
vi atirar para dentro de uma das carruagens da rainha-, o Senhor Bailly chamando a isto
um belo dia-, a assembleia tendo declarado friamente de manhã, que não correspondia à
sua dignidade ir roda ela rodear o rei- , o Senhor Mirabeau dizendo impunemente nesta
Assembleia, que o barco do Estado, longe de ter sido parado na sua corrida, se lançava
agora com mais velocidade que nunca para a sua regeneração - o Senhor Barnave, rindo
com ele, quando rios de sangue corriam à nossa volta - , o virtuoso Senhor Mounier•
escapando por milagre a vinte assassinos, que tinham querido fazer da sua cabeça mais um
troféu: Eis o que me fez jurar jamais pôr o pé nesta caverna de antropófagos, onde eu já
não tinha força para elevar a vós, onde desde há seis semanas eu a elevava em vão.
Eu, Mounier, e toda a gente honesta, pensámos que o último esforço a fazer pelo
bem era sair. Nenhuma ideia de medo se acercou de mim. Envergonhar-me-ia de me de-
fender. Tinha ainda recebido, na rua, da parte deste povo, menos culpável que aqueles
que o embriagaram de furor, aclamações e aplausos, que a outros teriam lisonjeado e que
a mim me fizeram estremecer. Foi à indignação, foi ao horror, foi às convulsões físicas que
só o aspecto do sangue me fazia experimentar, que eu cedi. Afrontamos apenas uma mor-
te, afrontamo-la várias vezes, quando ela pode ser útil. Mas nenhum poder deste mundo,
nenhuma opinião pública ou privada têm o direito de me condenar a sofrer inutilmente
mil suplícios por minuto e a morrer de desespero, de raiva, no meio dos triunfos do crime
que eu não pude suster. Eles vão proscrever-me, vão confiscar os meus bens. Trabalharei
a terra e não os verei mais. Eis a minha justificação. Vós podeis lê-la, mostrá-la, deixá-la
copiar, tanto pior para aqueles que não a compreendem, nessa altura, não serei eu que
errei em dar-vo-la." [Em francês no original. )
Este militar não tinha tão bons nervos quanto o pacato cavalheiro de Old Jewry.
- Veja-se a narrativa do Senhor Mounier acerca destas transacções: um homem também
de honra, virtude e talentos, e por isso mesmo um fugitivo.
• NB: M. Mounier era à altura porta-voz da Assembleia Nacional. Foi obrigado
desde então a viver no exílio, embora fosse um dos mais firmes adeptos da liberdade.
134
rameme que nunca brilhou neste mundo, que ela apenas ao de leve
parecia tocar. Vi-a quando despontava no horizonte, decorando e
animando a elevada esfera para a qual tinha acabo de entrar- bri-
lhando como a estrela da manhã, cheia de vida, de esplendor e de
alegria. Oh! que mudança! E que coração precisaria eu de ter, para
contemplar sem emoção tal elevação e tal queda! Mal sonhava eu,
quando ela acumulava protestos de veneração e de amor entusiás-
tico, distante e respeitoso, que alguma vez ela seria obrigada a es-
conder no seu peito o antídoto pronto contra a desgraça! Mal eu
sonhava que haveria de viver para ver tais desastres caírem sobre ela
numa nação de homens galantes, de homens de honra e de cavalei-
ros! Eu pensava que dez mil espadas deveriam ter saltado da bainha
para vingar até um olhar que a ameaçasse de insulto. Mas a idade da
cavalaria já se foi . Sucedeu-lhe a dos sofistas, dos economistas, dos
calculadores e a glória da Europa extinguiu-se para sempre. Nunca,
nunca mais nós veremos aquela lealdade generosa à posição social
e ao sexo, aquela submissão orgulhosa, aquela obediência dignifica-
da, aquela subordinação do coração, que mantém vivo, mesmo na
própria servidão, o espírito de uma liberdade exaltada! A graça da
vida, que se não pode comprar, a defesa desinteressada das nações,
o berço do sentimento viril e do empreendimento heróico, desapa-
receu! Foi-se aquela sensibilidade de princípio, aquela castidade da
honra que sente o desdouro como uma ferida, que inspira coragem
enquanto mitiga a ferocidade, que enobrece tudo aquilo em que
toca e, sob a qual, o próprio vício perde metade do seu mal ao per-
der toda a sua grosseria!
Este sistema misto de maneira de pensar e sentimento teve a
sua origem na amiga cavalaria. O seu princípio, ainda que variado
na sua aparência, pelo estado diverso dos assuntos humanos, subsis-
tiu e influenciou durante uma longa sucessão de gerações, mesmo
até ao tempo em que vivemos. Se alguma vez ele se extinguir com-
pletamente, a perda, receio, será enorme. Foi isto que deu carácter
próprio à Europa moderna. Foi isto que a distinguiu, sob todas as
136
Mas agora tudo vai mudar. Todas as ilusões agradáveis que tor-
naram o poder gentil e a obediência liberal, que harmonizaram os
diferentes cambiantes da vida, e que, por uma assimilação branda,
incorporaram na política os sentimentos que embelezam e suavi-
zam as relações privadas, serão desfeitas por este novo império vito-
rioso das luzes e da razão. Toda a roupagem decente da vida é para
ser rudemente arrancada. Todas as ideias supervenientes que nos
foram fornecidas pelo guarda-roupa da imaginação moral, que o
coração reconhece e o entendimento ratifica como necessárias para
cobrir os defeitos da nossa natureza nua e trémula e para a elevar em
dignidade aos nossos olhos, são para serem desacreditadas, como
uma moda ridícula, absurda e antiquada.
131
N.T. "Não basta que os poemas sejam belos, fo rça é que sejam agradáveis",
H or. Ars. 99.
138
132
N .T. A expressão usada é "under the hoofs", espezinhado seria "trampled ou
underfoot", por isso se manteve a exp ressão brutal.
133
·Nota do autor: Veja·se a sorte de Bailly e Condorcet, que é suposto ser aqui,
também, particularmente referido. Compare·se as circunstâncias do julgamento e execu·
ção do primeiro com este vaticínio.
,,.. N.T. A expressão usada, que foi muito criticada na altura, é swinish multitude.
140
' 36 N.T. Refere-se a David Garrick e Sara Siddons, dois actores famosos da altura.
David Garrick é amigo de Burke. H á notícia de correspondência trocada entre ambos
pelo menos desde 1765, Burke tem nessa altura 35 (ou 36 anos, recorde-se que a sua data
de nascimento pode ter sido 1729 ou 1730} e Garrick tem 48. Garrick é convidado a
visi tar Burke em Beaconsfield em Junho de 1768. A amizade entre ambos perdura até ao
final da vida do actor em 1779. Burke escreve-lhe um sentido epitáfio. Cf. Corresponden-
ce, Vols. I. II , III e IX.
142
u- N.T. Cerca de 44 km .
138
.T. Refere-se a Jean le Bo n, que é aprisionado na Baralh a de Poi riers em 1356.
O rei é primeiro alojado em Bordéus com honras reais onde lhe permitem co nstituir a sua
corte. Em defesa dos in teresses da França e dos interesses do seu herdeiro contra o rei de
Navarra, Jean le Bon decide precipitar as negociações com Ricardo III e é transportado
para Lo ndres para se encontrar com o rei inglês onde é, ele mesmo, tratado com roda a
dignidade real sendo-lhe permitido mante r uma corte de cerca de uma centen a de pessoas.
147
lestes como ele foi tratado pelo vencedor no campo e de que manei-
ra foi recebido depois em Inglaterra. ~atrocentos anos passaram
sobre nós, mas eu acredito que não mudámos substancialmente de-
pois desse período. Graças à nossa resistência obstinada à inovação,
graças à fria indolência no nosso carácter nacional, continuamos a
ostentar a marca dos nossos antepassados. Não perdemos, julgo eu,
a generosidade e dignidade de pensar do século catorze, nem nos
transformámos ainda, subtilmente, em selvagens. Não somos coo-
versos de Rousseau, não somos discípulos de Voltaire, Helvetius não
fez progressos entre nós. Os ateus não são nossos pregadores nem os
loucos são nossos legisladores. Sabemos que nós não fizemos nenhu-
mas descobertas na moralidade, e pensamos que nesse campo não
há descobertas a fazer, nem há também muitas descobertas sobre
os grandes princípios de governo, ou sobre as ideias de liberdade,
os quais foram compreendidos muito antes de nós nascermos, tão
bem quanto o serão depois da terra se ter amontoado sobre as nos-
sas presunções e o silêncio do túmulo ter imposto a sua lei sobre a
nossa petulante loquacidade. Em Inglaterra ainda não fomos com-
pletamente estripados das nossas entranhas naturais: continuamos
a sentir dentro de nós, acarinhamos e cultivamos aqueles sentimen-
tos inatos que são os fiéis guardiães e os que activamente controlam
o nosso dever, os verdadeiros sustentáculos da nossa moral liberal
e viril. Nós não fomos esvaziados e costurados, com vista a sermos
enchidos, como os pássaros empalhados nos museus, com palha,
farrapos, e reles indistintos pedaços de jornal acerca dos direitos do
homem. Preservámos todos os nossos sentimentos naturais e intei-
ros, não sofisticados pela pedantice e infidelidade. Temos, a bater
no nosso peito, corações autênticos de carne e sangue. Tememos a
Deus, elevamos o olhar para os Reis com temor, com emoção para
os Parlamentos, com respeito para os magistrados, com reverência
para os sacerdotes e com deferência para a nobreza*139 •
139
• Nora do autor: Os ingleses são, segundo julgo, derurpadamenre descriros
numa carra publicada num dos jornais, por um cavalheiro que penso ser um pasror Dis-
148
'" ·Nota do autor: Sit igitur hoc ab initio persuasum civibus, dominos esse omnium
rerum ac moderatores deos, eaque, quae gerantur, eorum geri vi, ditione, a c numine, eosdem-
que oprime degenere hominum mereri, et qualis quisque sit, quid agat, quid in se adm ittat,
qua mente, qua pietatecolat refigiones intueri: piorum et impiorum habere rationem . H is
enim rebus imbutae mentes haud sane abhorrebunt ab utili et a vera sententia. - [ ~e os
cidadãos sejam, desde logo, persuadidos de q ue os deuses são senhores e gove rnantes de
rodas as coisas; de que tudo o que acontece, acontece pelo seu poder, pela sua autoridade
e pela sua vo ntade; de que são notáveis benfeitores da human idade; e de que vigiam como
cada um é, o que faz, o que permite para si, com que pensamentos e com qu e piedade
observa os ritos religiosos: fazem o cálculo exacto da piedade e da impiedade. Assim, as
mentes instruídas nestes princípios não se afastarão de uma fo rm a de pensar útil e verda-
dei ra. Cic. L eg. 2. 15-16. )
153
cada uma no grau em que existe e não em grau maior. Vou mostrar-
-lhe agora quanto temos de cada uma.
É um infortúnio deste nosso tempo (não, como estes cavalhei-
ros pensam, uma glória), que tudo seja objecto de discussão: como
se a Constituição do nosso país fosse para ser matéria de constante
altercação em vez de regozijo. Por esta razão, e também para satis-
fação daqueles que de entre vós (se é que há alguns desses entre vós)
possam querer aprender com os exemplos, aventuro-me a incomo-
dá-lo com algumas reflexões sobre cada uma destas instituições. Na
Roma antiga, julgo que não eram destituídos de bom senso aqueles
que, quando queriam remodelar as suas leis, mandavam comissários
para examinarem as repúblicas mais bem constituídas que estives-
sem ao seu alcance.
Primeiro peço-lhe que me deixe falar-lhe da nossa Igreja insti-
tuída, que é o mais importante dos nossos preconceitos - não um
preconceito destituído de razão, mas envolvido na sua sabedoria ex-
tensa e profunda. Falarei dela primeiro. Porque, no nosso espírito,
ela é a primeira, a última e a que ocupa o centro. Porque, baseados
no sistema religioso que temos agora, continuaremos a agir segun-
do o bom senso originalmente recebido pela humanidade e trans-
mitido até nós de um modo uniforme e contínuo. Esse bom senso,
como um sábio arquitecto, não apenas pôs de pé a estrutura augusta
dos Estados, como, actuando como um proprietário prudente, para
preservar a construção da profanação e da ruína, como a um templo
sagrado, limpou-a de todas as impurezas: da fraude, da violência,
da injustiça e da tirania, consagrou solenemente a comunidade e
todos os que nela desempenham cargos. Essa consagração é de tal
modo que todos aqueles que administram o governo, função onde
representam o próprio Deus, devem ter, do seu destino e do seu
papel, um conceito elevado e digno, que a sua esperança esteja cheia
de imortalidade, que não olhem para o lucro mesquinho de oca-
sião, nem para os louvores passageiros do vulgo, mas para uma exis-
155
3
'• ·Nota do autor: Quicquid multis peccawr inultum. [U ma fal ta cometida por
muitos, qualquer que seja, fica impune. Luc. 5.260.)
157
qual for, que, por conseguinte, não devem, sob uma falsa aparência
de liberdade, estar de facto a exercer um poder contranatura, in-
versivo, exigindo tiranicamente dos seus mandatários que exercem
funções no Estado, não uma inteira devoção ao seu interesse, o que
seria seu direito, mas uma abjecta submissão à sua vontade arbitrá-
ria: extinguindo desse modo, em rodos aqueles que os servem, rodo
e qualquer princípio moral, rodo o sentido de dignidade, rodo o
poder de ajuizar e roda a consistência de carácter, enquanto, exac-
tamente pelo mesmo processo, eles próprios constituem uma presa
adequada e conveniente, mas muito lamentável, da ambição servil
dos sicofantas populares ou dos bajuladores da corre.
~ando o povo se tiver esvaziado de toda a ambição da sua
vontade egoísta, o que sem a religião é absolutamente impossível
que alguma vez o faça - quando estiver consciente de que exerce o
poder, e talvez num elo mais elevado na ordem da delegação, que,
para ser legítimo, precisa estar de acordo com aquela lei eterna e
imutável na qual vontade e razão são uma só - será mais cuidadoso
no que respeita a colocar o poder em mãos incapazes e vis. Na no-
meação para gabinetes, não apontará para o exercício da autoridade
como um trabalho deplorável, mas como para uma função sagrada,
não de acordo com o seu interesse egoísta e sórdido, nem de acor-
do com o seu capricho arbitrário, mas conferirá esse poder (ante o
qual qualquer homem pode com razão tremer ao dar ou ao receber)
apenas àqueles em quem possa discernir uma proporção predomi-
nante de virtude e sabedoria activas, tomadas no seu conjunto e
adequadas ao cargo, pelo menos tanto quanto se pode encontrar
na imensidão da inevitável mistura de imperfeições humanas e de
enfermidades.
~ando estiverem habitualmente convencidos de que, para
Aquele cuja essência é o bem, nenhum mal pode ser aceitável, quer
por acção, quer por omissão, estarão mais aptos a extirpar da mente
de todos os magistrados, civis, eclesiásticos ou militares, tudo o que
tiver a mínima semelhança com um poderio arrogante e sem lei.
158
sociedade organizada e Esrado é, num cerro sentido do rermo Esrado, uma disrinção fe ira
absrracramente, para comodidade de rraramento do rema, m as que na realidade não acon-
rece, um a vez que a caracre rização da sociedade como corpo polírico é impossível sem o
Esrado. E só um corpo polírico organ izado pode derer o poder. Ourra coisa será quando se
fala de Esrado como os ó rgãos de poder supremo, onde já não faz sentido a identificação.
Cf. De Legibus Ill,Ill, §§ 5-6.
161
sidade é também ela parte daquele arranjo moral e físico das coisas
ao qual o homem deve ser obediente, ou por consentimento ou à
força: mas, se aquilo que é apenas a submissão à necessidade for fei-
to objecto de escolha, a lei está quebrada, a Natureza foi desobede-
cida e os rebeldes são banidos, expulsos e exilados, deste mundo de
razão, e ordem, e paz, e virtude, e frutuoso sacrifício, para o mundo
antagonista da loucura, da discórdia, do vício e da confusão e de
vão pesar.
Estes, meu caro Senhor, são, eram, e penso que serão por mui-
to tempo, os sentimentos da grande parte da geme mais instruída e
mais sensata deste país. O s que se incluem nesta categoria formam
as suas convicções segundo os princípios que os devem guiar. Os
menos curiosos recebem estes princípios da sua autoridade, o que
não envergonha aqueles a quem a Providência destinou a viver sob
tutela. Estes dois tipos de homens movem-se na mesma direcção,
embora em lugares diferences. Ambos se movem no sentido da or-
dem do universo. Todos eles ou sabem ou sentem esta grande ver-
dade amiga: - "Quod i/li principi et proepotenti Deo quiomnem h une
mundum regit nihil eorum quoe quidemjiant in terris acceptius quam
concilia et coetus hominum jure sociati quae civitates appellantur.'~ 45
Recebem esta regra da cabeça e do coração, não do grande conceito
que ela imediatamente evoca, nem do conceito maior de quem este
deriva, mas apenas por aquilo que por si só pode dar verdadeiro
peso e sancionar qualquer opinião esclarecida: a natureza comum
dos homens e a sua relação comum. Convencidos de que todas as
coisas devem ser feitas com referência a, e remetendo para, o pon-
to de referência para onde tudo deveria estar dirigido, eles julgam-
-se comprometidos, não apenas como indivíduos no santuário do
coração, ou como congregados nesta capacidade pessoal, a renovar
" 1 N. T. "Porque nada daquilo que aconteça na terra é mais agradável àquele pri·
meiro e poderosíssimo Deus, que governa rodo este mundo, do que os conselhos e as
assembleias dos homen s reu nidos pelo direiro, aos qu ais chamamos cidades". Cic. Rep.
6. 13.
162
que podem por vezes ser fictícias, para atingir fins políticos, e são de
facto frequentemente provocadas pela extravagância, a negligência
e a ganância dos políticos. O povo inglês pensa que tem motivos
constitucionais, bem como religiosos, contra qualquer projecto de
converter o seu clero independente em pensionistas eclesiásticos do
Estado. Tremem pela sua liberdade, sob a influência de um clero de-
pendente da coroa, tremem pela tranquilidade pública, pela desor-
dem de ter um clero faccioso, se ele tivesse de depender de outrem
sem ser a coroa. Por essa razão o povo inglês tornou a sua Igreja- tal
como o seu rei e a sua nobreza - independente.
daqueles que nada têm para fazer, algo que excite o apetite de exis-
tir na enfastiada saciedade que os espera nos prazeres que podem
comprar-se, onde não se deixa agir a Natureza, onde mesmo o dese-
jo é antecipado e, por isso mesmo, o seu gozo é frustrado por esque-
mas meditados e prazeres inventados, e nenhum intervalo, nenhum
obstáculo, se interpõe entre o desejo e a sua realização.
O povo de Inglaterra sabe quão pouca influência os professo-
res de religião provavelmente têm nos ricos e nos poderosos que há
muito o são e, muito menos ainda, com os novos-ricos, sobretudo
se aparecem de uma maneira que não combina com aqueles com
quem eles precisam associar-se, e sobre os quais precisam mesmo de
exercer, em alguns casos, algo parecido com autoridade. O que de-
vem eles pensar de este corpo de professores, se não os olham como
mais do que criados? Se a sua pobreza fosse voluntária, poderia ha-
ver uma diferença. Pessoas com forte capacidade de auto-renúncia
actuam poderosamente sobre o nosso espírito, um homem que não
rem necessidades alcançou uma grande liberdade e firmeza , e mes-
mo dignidade. Mas como um qualquer conjunto de homens são
apenas homens e a sua pobreza não pode ser voluntária, o desrespei-
to que atinge roda a pobreza laica não será diferente do que atinge
a pobreza eclesiástica. A nossa constituição, providente, tomou por
isso conta daqueles que devem ensinar a ignorâncias presunçosas.
Aqueles que devem ser os críticos do vício insolente, nunca devem
ser desprezados pelos viciosos ou viver das suas esmolas, nem a sua
pobreza remará os ricos a pomo de negligenciarem a verdadeira
cura das suas almas. Por estas razões, cuidando antes de tudo dos
pobres com uma solicitude de pais, não relegámos a religião (como
algo que tivéssemos vergonha de mostrar) para vilas obscuras ou
aldeias rústicas. Não! Temo-la, para exaltar a fronte com mitra na
corte e nos parlamentos. Temo-la misturada na maioria dos assun-
tos da nossa vida, e combinada com rodas as classes sociais. O povo
inglês mostrará aos grandes potentados do mundo, e aos seus sofis-
tas retóricos, que uma nação livre, generosa e informada honra os
168
altos magistrados da sua Igreja, que ela não tolera que a insolência
da riqueza e dos títulos, ou qualquer outra espécie de pretensão or-
gulhosa, olhe de cima com desprezo para quem deveria olhar com
reverência, nem presuma que pode maltratar aquela nobreza pessoal
adquirida que sempre se julga ser, e que frequentemente é, o fruto,
não a recompensa (porque o que é que pode ser a recompensa? ) do
conhecimento, da piedade e da vi rtude. O povo inglês pode ver,
sem qualquer pena ou protesto um arcebispo preceder um duque.
Pode ver o Bispo de Durham O'J o Bispo de Winchester na posse
de dez mil libras anuais, e não consegue conceber porque have-
-riam de estar em piores mãos do que propriedades de igual valor
nas mãos de um Conde ou de um fidalgo, embora possa ser verdade
que os bispos não mantêm tantos cavalos e tantos cães alimentados
com as vitualhas que serviriam para alimentar os filhos do povo.
É verdade que a totalidade do rendimento da Igreja nem sempre é
empregue, até ao cêntimo, em caridade, nem talvez devesse ser, mas
uma parte é, geralmente, empregue assim. É bem melhor partilhar
a virtude e a humanidade, deixando muito à livre iniciativa, mesmo
que seja com alguma perda de eficácia, que tentar fazer dos homens
meras máquinas e instrumentos de benevolência política. O mun-
do no seu todo ganhará com a liberdade sem a qual, a própria virtu-
de, não poderá existir.
~ando em tempos a comunidade inglesa estabeleceu os bens
da Igreja como sua propriedade, deixou, em coerência, de poder fa-
lar acerca do demais ou de menos. Demasiado ou demasiado pouco
são traições em relação à propriedade. ~e mal pode advir de de-
masiada propriedade na mão seja de quem for, enquanto a autori-
dade suprema tem a total superintendência sobre esta, como sobre
qualquer outra propriedade, para prevenir toda a espécie de abuso
e, sempre que claramente se desvie, dar-lhe a direcção adequada aos
propósitos da sua instituição?
169
46
' 1 .T. O j us retraaus é o princípio jurídico pelo qual alguém poderia, com-
pulsoriamente. readquirir bens alienados que anterio rmente tinham pertencido aos seus
domínios.
175
"- N .T. Philippe II d'Orléans, que fo i Prínci pe Rege nte desde 17 15 até à sua
mo rte em 1723.
148
• Nota do auto r: Isto (até ao fim da primeira frase do próx imo parágrafo) e
algumas outras partes, aqu i e ali, fora m inseridas pelo meu fal ecido filh o aquando da sua
leitura do man uscri to .
177
149
N .T. Refere-se a Frederico II d a Prúss ia, conhecido como Frederico o Grande
( 17 12-1 786 ), que era um monarca amante d a cultura e das artes e que mantinha corres-
pondência com alguma da intelectualidade francesa, nomeadamente com Voltaire.
ISO "Nota do autor: Prefiro não chocar os sentimentos do leitor decente com algu-
's4 N .T. Refere-se a Emm anuel-Armand de Vigno ret du Plessis· Richelieu, Du-
que d'Aiguillo n ( 1720· 1788), ministro dos negócios estrangeiros de Luís XV, que foi acu-
sado de abuso de pode r em 1770. O caso terá abo n ado pela intervenção do rei Lu ís XV.
ISS N.T. Louis-M arie, Visconde de oailles ( 1756- 1804) se rviu sob as ordens
do Marquês de Lafayene na Guerra da Independênci a nos Estados U nidos. Fez pane da
Assembleia Nacional e propôs, juntamente com Armand-Dés iré de Vignoret du Plessis-
· Richelieu, novo Duque de Aiguillo n ( 176 1-1 800), a lei votada na noite de 4 de Agosto
de 1789, que abuli a os privilégios de certas co munidades, as imunidades mun icipais e os
dire itos feudais. Noailles acabou po r fugi r de França e viria a morrer em H avana.
1 6
s N.T. Dominique de la Rochefoucauld ( 17 13-1800 ), C ardeal Arcebispo de
Rouen, que viria a exilar-se em Inglaterra. ~amo ao D uque de la Rochefo ucauld, Burke
é pouco preciso e não se pode saber a quem se referia já que havia pelo menos dois duques
co m o apeli do Rochefoucauld: De la Rochefoucauld d'Anville e De la Rochefoucauld-
-Liancoun.
w ' Nota do autor: Não é seu irm ão ne m nenhum parente próxi mo, mas este erro
não afec ta o argu mento.
182
Não é homem quem não sente tais emoções em ocasiões como es-
tas. Não merece o nome de homem livre quem não as expressa.
Poucos conquistadores bárbaros fizeram uma revolução tão
horrível na propriedade. Nenhum dos líderes das facções romanas,
quando instituíram crude/em illam hastam 158 em todos os leilões
das suas rapinas, jamais pôs à venda bens dos cidadãos conquistados
em tão grande quantidade. Deve conceder-se a favor destes tiranos
da antiguidade, que o que foi feito por eles dificilmente se pode di-
zer que tenha sido feito a sangue frio. As suas paixões estavam ace-
sas, os seus temperamentos azedados e o seu entendimento turvado
pelo espírito de vingança, com inúmeros e recentes castigos mútuos
e retaliações de sangue e de rapina. Eram compelidos a ir além de
todos os limites da moderação pelo medo que retornassem ao po-
der, com o respectivo retorno à propriedade, as famílias daqueles
a quem eles tinham prejudicado para lá de qualquer esperança de
perdão.
Estes confiscadores Romanos, que estavam ainda nos primór-
dios da tirania e 'não estavam instruídos nos direitos do homem
para infligir todo o tipo de crueldades uns aos outros sem provo-
cação, julgaram necessário espalhar um certo colorido sobre a sua
injustiça. Consideravam a parte vencida composta de traidores, que
tinham empunhado armas, ou que de outro modo qualquer tives-
sem agido de forma hostil contra a nação. Olhavam-nos como ten-
do sido privados das suas propriedades por causa dos seus crimes.
Convosco, no vosso estado de mentalidade superior não houve tal
formalidade. Apoderastes-vos de cinco milhões de libras de renda
anual, e arrancastes quarenta ou cinquenta mil seres humanos de
suas casas, porque "assim vos aprouve". O tirano Henrique Oita-
vo de Inglaterra, como não era mais iluminado que os romanos
•ss N.T. Bu rke refere-se ao costume romano de cravar uma espada no chão du-
rante os leilões públicos, o riginalmente significando saque ganho em batalha.
183
Mário 159 e Sila 160 , e não tinha estudado nas vossas novas escolas, não
sabia que um instrumento eficaz de despotismo se haveria de en-
contrar nesse grande depósito de armas ofensivas que são os direitos
do homem. ~ando resolveu roubar as abadias, como o clube dos
jacobinos roubou os eclesiásticos, começou por nomear uma comis-
são para investigar os crimes e abusos que reinavam nestas comu-
nidades. Como se poderia esperar, a comissão reportou verdades,
exageros e mentiras. Mas, com verdade ou sem ela, reportou abusos
e ofensas. Contudo, como os abusos se podem corrigir, como nem
de todos os crimes das pessoas resulta uma penalização contra as
comunidades, e como a propriedade, naquela idade das trevas, não
estava identificada como uma criação do preconceito, todos estes
abusos (e havia bastantes) dificilmente podiam julgar-se fundamen-
to suficiente para uma tal confiscação, como era seu propósito levar
a cabo. Ele então obteve a entrega formal destes bens. Todos estes
procedimentos trabalhosos foram adoptados por um dos mais de-
cididos tiranos dos anais da história, como preâmbulos necessários
antes que ele se aventurasse, através do suborno dos membros das
suas duas Câmaras servis com um quinhão nos despojos, acenando -
-lhes ainda com uma imunidade nos impostos para sempre, pedir a
confirmação deste procedimento iníquo através de uma lei parla-
mentar. Se o destino o tivesse reservado para os nossos dias, quatro
termos técnicos teriam feito o serviço e ter-lhe-iam poupado todo
o trabalho, não precisava mais do que uma breve fórmula mágica:
"Filosofia, Iluminismo, Liberalidade e Direitos do Homem ".
Não posso dizer nada em louvor destes actos de tirania, que
ninguém elogiou ainda sob nenhuma das suas falsas cores, contudo,
nestas falsas cores, o despotismo prestava uma homenagem à justi-
ça. O poder, que estava acima de todo o medo e de todo o remorso,
não estava acima de toda a vergonha. Enquanto a vergonha se man-
1
6; N.T. Texro em francês no original.
187
estabeleceu-se um comité para preparar os projectos de lei e nenhum projecto lei passava
oJ
sem ser primeiro aprovado por eles. Este Comité era chamado de Lords Articles.
188
166
N .T. No século X V III um a libra valia 20 shillings ou 240 penny.
189
w N .T. Trata-se da Caisse d 'escompte que foi o único banco autorizado a emitir
notas até 1793, al tura em que foi extinto.
191
é corno se segue: To 118oÇ TO auTo, Kat a~$ w o~:cr rro nKa T(!)V ~ t: À n ovov , Kat
Ta '1'11$1cr~ a T a wcrrrt: p l:Kl: l Ta ~:rr nay ~ aTa , Kat o 0 11~aywy o cr Kat o KoÀaÇ
0 1 U\.JTO I KUI ava Àoyov Kat ~U À IOTU l:KUT!:p0 1 1!Up l:KU T!:pO IÇ IOK\.J O\.JOI V,OI
~ ~: v KOÀaKt:cr rrapa wpavvo 1Ç, 0 1 01: 0 11~ aywyo 1 rrapa TO lO 0 11~ 0 10 1:01Ç
1:010\.JTO IÇ.
(Tradução proposta por Burke:) "O carácter ét ico é o mesmo: ambos exe rci tam o
despot ismo sobre a melho r cl asse dos cidadãos, e os decretos são para um, o que o rdenan·
ças e juízos são para o outro: também o dem agogo e o favo rito d a corte são frequenrernen·
te os mesmos homens, e têm sempre urna analogia próxi ma; e estes têm o poder maior,
cada um nas suas respectivas fo rmas de gove rno, favo ritos co m o mo narca absoluto, e os
de magogos co m o povo, tal co rno desc revi" Arist. Pol. Li v. IV, cap. 4.
195
169
N.T. T ambém conhecido por ãder Shãh Afs hãr, rei da Pérsia entre 1736-
-1747.
197
dois por cento no fururo sobre o dinheiro trazido para França du-
rante os períodos que servem de base ao seu cálculo.
Alguma causa adequada deve ter introduzido originariamente
rodo o dinheiro cunhado na sua Casa da Moeda naquele reino, al-
guma ourra causa igualmente eficaz pode tê-lo mantido na pátria,
ou ter feito voltar ao seu seio um tão vasto fluxo do tesouro como
o Senhor Necker calcula que resta para a circulação doméstica.
Supondo que se fazem algumas deduções aos cálculos do Senhor
Necker o que resta deve ser ainda uma soma imensa. Causas assim
poderosas para adquirir e poupar não se podem encontrar com uma
indústria desmoralizada, uma propriedade insegura, e um governo
positivamente desrrurivo. De facto , quando eu considero o Reino
de França tal como ele me aparece, o sem-número e a opulência das
suas cidades, a útil magnificência das suas estradas espaçosas e das
suas pontes, quão oportunos são os seus canais artificiais e nave-
gações abrindo a facilidades de comunicação marítima através de
um continente maciço de uma extensão imensa, quando volto os
meus olhos para o estupendo trabalho dos seus portos e abrigos,
e para rodo o seu aparato naval, quer de guerra quer de comércio,
quando me deparo com o número das suas fortalezas, construídas
com audácia e perícia de mestre, feitas e mantidas a tão grande cus-
to, apresentando uma fronte armada e uma barreira impenetrável
para os seus inimigos de rodos os lados, quando me lembro que
apenas uma pequena parte dessa extensa região está sem cultivo, e
a perfeição total com que foi feita a cultura de muitas das melho -
res produções da terra que foram introduzidas em França, quando
reflicto na excelência das suas manufacturas e dos seus tecidos, a
nenhuns, excepto aos nossos, inferiores e, em alguns aspectos, nem
aos nossos são inferiores, quando vejo as grandes instituições de ca-
ridade, públicas e privadas, quando examino o seu estado nas artes
que aperfeiçoam e refinam a vida, quando me lembro dos homens
que ela gerou que levaram longe a sua fama na guerra, os seus ho-
mens de Estado hábeis, a multidão dos seus profundos legisladores
201
Paris como muito mais apreciável, e pode ser que seja, desde o período em que o Senho r
Necker fez os cálculos.
n N.T. Burke mantinha-se info rmado lendo os registos dos trabalhos da Assem-
bleia Nacional. O Senhor de C alonne, mencionado acim a, estava exilado em Inglaterra,
manteve com Burke uma relação próxima e era seu ass íduo correspondente já que Burke
teve um impo rtante papel no apoio aos refugiados franceses.
n "Nora d o auto r:
Livres Libras esterlinas s. d.
Trabalhos de caridade para
faze r face ao dese mprego em 3,866,920 161,121 13 4
Paris e nas províncias
Eli minação da vagabundagem
1,67 1,4 17 69.642 7 6
e da mendicidade
Prémios para a importação de
5,67 1,907 236,329 9 2
cereais
Despesas relativas à
subsistênc ia, dedução feira das 39,87 1,790 1,661 ,324 11 8
colectas que tiveram lugar
Tora!
51 ,082,034 2,128,4 18 8
204
~ando enviei este livro para a imprensa mantinha algu mas dúvidas no respeitan·
te à natureza e extensão do último artigo nas contas acima expostas, que está ape nas sob
um tÍtulo ge nérico e sem qualquer pormenor. Depois disso vi o trabalho do Senhor de
Calonne. Penso que é uma grande pena que eu não tivesse tido essa oportunidade antes.
O Senhor de Calonne pensa que esse artigo corresponde à subsistência geral, mas
não é capaz de explicar como um decréscimo tão grande, que ascende 1,661,000 libras es·
terlinas, pode basear-se na diferença entre o preço de custo e de venda dos cereais, parece
atribuir este valor tão elevado de gastos a despesas sec retas da Revolução. 1ão posso dizer
nada de concreto sob re este assu nto. O leitor é capaz de ajuizar pelas contas agregadas
destas despesas imensas, acerca do estado e da condição de França e ace rca do sistem a de
economia pública adoptado nesta nação. Esta prestação de contas não produziu nenhum
inquérito ou discussão por parte da Assembleia Nacional.
205
80
' .T. A fa mília Orsini é uma poderosa fa mília da alta nobreza italiana que viu
elege r no seu seio três papas: C elestino III, N icolau III e Bento XIII, bem como vários car-
deais. A sua pos ição favo rável ao papado fê-la opo r-se à família Colonna que era contra o
poder papal. A luta sangrenta entre estas duas fa mílias assolou as ruas de Ro ma. Era natu·
ral que Burke, como anglicano, nutrisse maio r simpatia pela fa mília Colonna. O s Vitelli
eram uma família de ricos mercadores de Cità di Castello que se to rnaram senhores da
cidade e mant inham um poderio desproporcionado, q uer político quer militar. T ambém
eram apoiantes do Papa.
81
' N .T . Casta militar.
182
N .T. U ma catego ria de castas ind ianas com um histo rial de envolvi mento em
confli tos armados.
206
183
H enrique III de Navarra e IV de França. Sucede ao cunhado Henrique III de
França. Pertencia antes aos H uguenores e abjura a fé calvinista quando ascende ao trono
de França. O seu rein ado é marcado por grande tolerância religiosa que consagra com a
pro mulgação do Éd ito de Nantes em 1598.
207
IS<
.T . "Nós, homens bons, favorece mos se mpre a nobreza". Cic. Sest. 2 1.
211
186
N.T. O massacre da noite de S. Bartolomeu teve lugar na noite de 23 para
24 de Agosto de 1572 em plena guerra civil religiosa francesa, constituiu um ataque aos
huguenotes - calvinistas franceses - por parte dos católicos. O rei católico, Carlos IX,
terá mandado assassinar alguns líderes huguenotes e o massacre estendeu-se a rodos os
huguenotes de Paris nessa noite e, nas semanas seguintes, a outras cidades e vilas de Fran·
ça. O número de vítimas e a extensão no tempo do massacre variam bastante consoante as
fo ntes. O Duque Henrique de Guise e o Cardeal de Lorraine, também membro da família
Guise, fo ram os condutores do massacre.
215
18
- • • ora do auror: Isro é, supondo que a história é verdadeira, mas ele não esrava
clero oprimia com mão de ferro a laicidade, e por todo o lado ateava
as fogueiras de uma perseguição feroz? Terão eles conseguido au-
mentar pela fraude os seus bens? Era-lhes habitual exigir mais pro-
priedade do que lhes era devida? Ou enredaram de tal modo o que
era bom e o que era mau que converteram o que era uma exigência
legal numa extorsão vergonhosa? ~ando não eram detentores de
poder estariam cheios dos vícios daqueles que o cobiçam? Estariam
inflamados por um espírito de controvérsia violemo e litigioso? Es-
tariam eles, picados pela ambição da supremacia intelectual, pron-
tos a sair à face da justiça a queimar igrejas, a massacrar os padres de
outras ordens, a derrubar altares, e a abrir caminho - sobre as ruínas
do governo corrompido - para um império da doutrina levando as
consciências dos homens, às vezes pela adulação outras pela força, a
subtraírem-se à alçada das instituições públicas para uma submissão
à sua autoridade pessoal, tendo começado com uma reivindicação
de liberdade e acabando num abuso de poder?
Estes, ou alguns destes, eram os vícios combatidos e não total-
mente infundados, contra alguns dos clérigos de tempos idos, que
pertenciam aos dois grandes partidos que, à altura, dividiam e agi-
tavam a Europa.
Se houvesse em França como há, visivelmente, em outros paí-
ses, um grande decréscimo e não um aumento destes vícios, em vez
de se sobrecarregar o actual clero com os crimes de outros homens
e com o carácter odioso de outros tempos, com toda a justiça, deve-
riam ser louvados, admirados e apoiados, por se terem afastado de
um espírito que difamou os seus predecessores e por terem assumi-
do uma atitude mental e uns hábitos mais conformes com as suas
funções sagradas.
~ando assuntos meus me levaram a França, no final do anti-
go regime, o clero, sob todas as suas formas, atraiu bastante a minha
curiosidade. Então, longe de ter encontrado (salvo num grupo de
homens, à altura não muito numeroso, se bem que muito activo)
218
188
N.T . François de Salignac de la Morhe- Fénelon ( 16 51 -17 15), foi um orador
talentoso, um pedagogo e um esc ri tor de renome cuj as ideias influenciaram a cultura do
seu tempo. O s seus dotes fi zeram q ue fosse escolhido para tutor do filh o do Delfim de
França, o Duque da Bo rgonha. T em obras de fi cção, como seja L es Aventures de T éléma-
que, considerada uma crítica à política de Lu ís XIV, e por cuja auto ria acaba por ser bani -
do da co rte em 1699. T em também obras de índole fil osófico- teológica co mo a Réfutation
du systbne de Malebranche sur la nature et sur la grdce ou a D émonstration de l'existence de
D ieu, tirée de la connaissance de la Nature et proportionnée à la foible intelligence des plw
simples. Por uma obra teológica, E.xplication des maximes des saints sur la vie intérieure, foi
condenado pelo Papa Inocêncio XI sob a acusação de esta se r próxima do ~i eti s m o. O
auto r humildemente abj ura o seu conteúdo. Após ter sido banido da corte, retira-se para
a arquidiocese de Cambrai onde se ded ica à sua actividade pastoral rendo adquirido justa
fa ma de sacerdote bom e erudito.
219
foi acidental, e por isso deve ser encarado como uma amostra justa.
Passei vários dias numa cidade de província, onde, na ausência do
Bispo, passei as minhas tardes com três clérigos, seus vigários-gerais,
pessoas que honrariam qualquer Igreja. Eram rodos muito bem in-
formados, dois deles com uma erudição profunda, geral e extensa,
amiga e moderna, Oriental e Ocidental, particularmente na sua
profissão. Tinham um conhecimento maior do que eu esperava dos
teólogos ingleses e penetravam o génio desses aurores com argúcia
crítica. Um destes cavalheiros já morreu: o Abade Morangis. Sem
relutância, pago este tributo à memória daquela nobre, venerável,
erudita e excelente pessoa, e deveria fazer o mesmo, com igual en-
tusiasmo, aos méritos dos outros que acredito que ainda vivem, não
fora eu temer prejudicar aqueles a quem não posso socorrer.
Alguns destes eclesiásticos destacados são, a rodos os títulos,
pessoas merecedoras do respeito geral. Merecem a minha gratidão
e a de muitos ingleses. Se esta carta algum dia chegar às suas mãos,
espero que acreditem que há quem em Inglaterra sinta particu-
larmente a sua queda injusta e a confiscação cruel da sua fortuna.
O que digo deles é um testemunho que presto à verdade, que vai até
onde a minha fraca voz pode ir. Enquanto durar esta perseguição
desnaturada, prestá-lo-ei. Ninguém me pode impedir de ser justo
e grato. Este tempo é apropriado para cumprir o dever, é particu-
larmente oportuno mostrar justiça e gratidão quando, aqueles que
merecem de nós e de roda a humanidade o melhor, estão a trabalhar
sob o descrédito do povo e sob perseguições de um poder opressivo.
Os senhores tinham ames da Vossa revolução cerca de cento
e vime bispos. Alguns deles eram homens de grande santidade e de
uma caridade sem limites. Se falamos de virtudes heróicas falamos
de virtudes raras. Creio que exemplos de grande depravação podem
ser tão raros entre eles como os de uma bondade transcendente.
Exemplos de avareza e de licenciosidade podem encontrar-se, não
questiono isso, para aqueles que se deleitam em investigações que
220
189
1 .T. G ilbert Burnet ( 1643-17 15), eminente teólogo anglicano.
223
190
N .T . "Much too much".
224
ção, dirá o Senhor, não pode manter-se no que diz respeito à con-
fiscação dos bens de monges e freiras e à abolição das suas ordens.
É verdade que este aspecto particular do vosso confisco geral não
afecta a Inglaterra como um precedente na matéria, mas essa razão
aplica-se, e de forma óptima. O Long Parliament 19 1 confiscou as
terras dos decanos e dos cónegos em Inglaterra com base nas mes-
mas ideias em que a Vossa Assembleia se baseou para pôr à venda
as terras das ordens monásticas. Mas é no princípio de injustiça que
o perigo reside e não no tipo de pessoas sobre as quais se exerceu
primeiro. Vejo, num país bem perto de nós, que a política toma um
curso que põe em causa a justiça, preocupação comum da humani-
dade. Para a Assembleia Nacional de França a posse de bens é nada,
a lei e o costume nada são. Vejo a Assembleia Nacional reprovar
abertamente a doutrina da prescrição aquisitiva, que um dos vos-
sos próprios eminentes advogados* 192 nos diz, com muita verdade,
é parte do direito natural. Diz-nos ele que a afirmação peremptória
dos seus limites e a sua segurança contra a invasão, estavam entre as
causas pelas quais a sociedade civil foi instituída. Se o princípio de
prescrição aquisitiva for abalado, nenhuma espécie de proprieda-
de estará segura, sempre que se tornar suficientemente grande para
tentar a cobiça de um poder indigente. Vejo uma prática que corres-
ponde perfeitamente ao seu desprezo por este aspecto fundamental
do direito natural. Vejo os confiscadores a começarem pelos bispos,
pelos cabidos e pelos mosteiros mas não os vejo a ficarem por aí.
Vejo os príncipes por nascimento que, pelos antigos costumes des-
se país, têm extensas propriedades (duramente e sem a cortesia de
uma deliberação), privados das suas propriedades e, em lugar da sua
191
N .T. Parlamento convocado por C arlos I em 1640 e que deve o seu nome ao
facro de ter fe ito aprovar uma lei que determinava que ele só poderia ser dissolvido por
acordo dos seus membros. Esteve em funções até 1653, quando fo i suspenso por Oli-
ve r Cromwell. Após a morte deste último, volrou a reunir-se. Foi finalmente extinto em
1660.
192
• Nota do Autor: Domat. [Trata-se de Jean D omat ( 1625-96) autor de L es
193
"Nora do auror: Discu rso do Senhor Camus, publicado por ordem da Assem-
bleia acional. [Burke esrá a referir-se a Armand Gasron Camus nascido em Paris em
227
l!r" · Nora do Autor: Ver dois livros que se intitulam Einige Originalshriften des
Illuminateordens - System und Folgen des Illuminateordens , München, 1787.
231
198
N.T. "Spanam nactus es; hanc orna". Tradução latina da frase grega: Lmtpntv
de Eurípedes, Telephus. Cuja tradução pode ser: "Esparta é sua,
EÀaXEÇ, Tairrav lCOap.él
adorne-a" ou, por vezes, aparece também em tradução livre como "Espana é o seu país,
melhore-o".
232
ricos não entendem nada do ofício e, por isso, vendem as suas pró-
prias ferramentas 199 •
Mas as instituições tresandam a superstição na sua origem e
alimentam-na por uma influência permanente e regular. Não con-
testo, mas isso não devia impedir-vos de retirar da própria supers-
tição recursos que ela poderia fornecer para vantagem pública.
Os senhores retiram benefícios de muitas disposições e muitas pai-
xões humanas que, sob o ponto de vista moral, têm uma cor tão
duvidosa quanto a própria superstição. Era tarefa vossa corrigir e
mitigar o que era prejudicial nesta paixão, como em todas as outras.
Mas é a superstição o maior dos vícios possíveis? Nos seus eventuais
excessos penso que se torna um grande mal. É, todavia, uma questão
moral e é claro que admite todos os graus e todas as modificações.
A superstição é a religião dos espíritos fracos, devemos tolerar-lhes
que se misture em assuntos de pouca importância, ou sob a forma
dos seus entusiasmos ou noutra, doutro modo seria privar os espí-
ritos fracos de um recurso que reconhecemos necessário aos fortes.
O corpo de toda a religião consiste, com efeito, na obediência à
vontade do Soberano do mundo, numa confiança na Sua palavra e
na imitação das Suas perfeições. O resto é nosso. Pode ser prejudi-
cial para o grande fim, ou pode ser uma ajuda. Os homens sensatos,
que, como tal, não são admiradores (não admiram pelo menos os
munera terrat?- 00 ) , não estão muito ligados a estas coisas mas tam-
bém não as odeiam, a sabedoria não é quem mais severamente cor-
rige a loucura. São as loucuras rivais que mutuamente empreendem
uma guerra feroz e que fazem um uso cruel das suas vitórias, quan-
do acontece mobilizarem os arruaceiros para um ou para o outro
lado da contenda. A prudência seria neutra, mas na controvérsia
entre um grande entusiasmo ou uma grande antipatia a propósito
de coisas que, pela sua natureza, não foram feitas para tais fervores,
199
.T. A Assembleia Nacional extinguiu as ordens religiosas por decreto de
13 de Feve reiro de 1790.
200 .T. "Dádivas da terra" .
235
-me que as despesas ociosas dos monges são tão bem empregues
quanto as nossas despesas ociosas de leigos que nada fazem.
201
N.T. Laço ou rosera usado no chapéu como disrinrivo, ou em arreios como
en fei re.
239
202
N.T. O termo usado é mellows que também pode significar "a patine do
tempo".
242
lução é uma medida que primâ fronte, requer uma desculpa. Fazer
uma revolução é subverter o antigo Estado do nosso país, e não se
podem invocar razões comuns para justificar um procedimento tão
violento. A sabedoria da humanidade autoriza-nos a examinar o
modo como se adquiriu um poder recente e a criticar o uso que dele
foi feito, com menos respeito e reverência do que os que habitual-
mente se concedem a uma autoridade instalada e reconhecida.
Na obtenção e consolidação do seu poder, a Assembleia pro-
cede segundo princípios que parecem ser completamente opostos
àqueles que a guiam no uso dele. A observação desta diferença levar-
-nos-á a compreender o verdadeiro espírito da sua conduta. Tudo o
que eles fizeram, e continuam a fazer, em ordem a obter e a manter
o seu poder, segue o que é comum fazer-se . Procedem exactamente
como antes deles o fizeram os seus antepassados na ambição. Se se
inspeccionarem rodos os seus artifícios, fraudes e violências, não se
conseguirá achar nada de novo. Seguem os exemplos precedentes
com a minuciosa exactidão de um advogado. Nunca se afastam das
fórmulas autênticas da tirania e da usurpação. Mas em rodas as nor-
mas relativas ao bem público, o espírito tem sido o inverso deste.
Aí entregam a comunidade à mercê de especulações não testadas,
entregam os interesses públicos mais caros àquelas teorias vagas a
quem nenhum deles confiaria o menor dos seus interesses privados.
A diferença deve-se ao facto de, no que diz respeito ao seu desejo de
obter e segurar o poder, eles serem muitíssimo sérios. Neste aspecto
vão por um caminho muito batido. Os interesses públicos, acercados
quais eles não são minimamente zelosos, abandonam-nos comple-
tamente à sua sorte: digo à sorte porque os seus esquemas não têm
do seu lado experiência que prove que a sua tendência seja benéfica.
Devemos sempre olhar com uma piedade não isenta de res-
peito os erros daqueles homens que são tímidos e duvidam de si
mesmos, em relação aos aspectos que dizem respeito à felicidade
da humanidade. Mas, nestes cavalheiros, não há nenhum traço da
243
solicitude de um pai que teme operar o seu filho para levar a cabo
uma experiência. Na imensidão das suas promessas e na confiança
das suas previsões eles ultrapassam largamente as fanfarronices dos
charlatães. A arrogância das suas pretensões, de certo modo, provo-
ca-nos e desafia-nos a inquirir sobre os seus fundamentos.
Estou convencido de que há homens de consideráveis talentos
entre os dirigentes populares na Assembleia Nacional. Alguns de-
les mostram eloquência nos seus discursos e nos seus escritos. Isto
não é possível sem ter cultivado um grande talento. Mas a eloquên-
cia pode também existir sem um grau proporcional de sabedoria.
~ando falo de capacidade sou obrigado a fazer distinções. O que
eles fizeram a favor do seu sistema é prova de que não são homens
vulgares. No próprio sistema, tomado como uma república cons-
truída para proporcionar a prosperidade e segurança dos cidadãos e
para promover a força e a grandeza do Estado, confesso que não sou
incapaz de descobrir o que quer que seja, nem um só exemplo, que
mostre ser este o trabalho de uma mente abrangente e organizada,
ou mesmo descobrir nele as cautelas da prudência mais comum. Em
toda a parte, o seu propósito parece ter sido fugir e passar ao lado
das dificuldades . Confrontar e ultrapassar as dificuldades foi a glória
dos grandes mestres em todas as artes e, quando tinham superado a
primeira dificuldade, convertê-la em instrumento para empreender
novas conquistas sobre novas dificuldades: e assim permitir-lhes
alargar o império da sua ciência e mesmo levar mais adiante, para
lá do que primeiro tinham imaginado, os marcos do próprio enten-
dimento humano. A dificuldade é um instrutor severo, que pende
sobre nós por ordem suprema de um Pai protector e legislador, que
nos conhece melhor do que nós próprios nos conhecemos e que
nos ama mais também. Pater ipse colendi haudJàcilem esse viam v o-
luif03. Aquele que luta connosco fortalece os nossos nervos e aguça
a nossa perícia. ~em se nos opõe presta-nos grande ajuda. Este
20
; N .T. "O próprio pai qu is que o caminho não fosse fácil de cultivar." (Verg. G.
1. 12 1-2 o autor apropria-se do texto latino para lhe conferir um outro sentido.)
244
204
·Nota do Autor: U m membro líder da Asse mbleia, M. Rabauc de Se. Étienne,
expressou o princípio de todos os seus procedimentos o mais claramente possível, nada
pode se r mais simples: " Todas as instituições em França coroam a infelicidade do povo: para
o tornarfeliz é preciso renová-lo, mudar as suas ideias, mudar as suas leis, mudar os seus cos-
tumes ... mudar os homens, mudar as coisas, m udar as palavras.. . destruir tudo, sim, destruir
tudo, porque há que recriar tudo." Este cavalheiro foi escolhido como presidente numa
Assembleia que não se reúne nos Quinze-Vingt [os Q uinze- Vingt eram , desde a sua funda-
ção no séc. Xlll·, um hospício para cegos ] nem nas Petites Maisons [as ilos para lun áticos].
que é composta po r pessoas cujos membros se têm por razoáveis, mas nem as suas ideias
nem a sua linguagem di fe re, po r pouco que seja, dos discursos, opiniões e acções daqueles
que dentro e fora da Asse mblei a dirige m as operações da máquina posta em marcha em
França.
245
20
s N.T "De quatro mãos".
206
1 .T. "Catão de pé descalço" (H or. Ep. l.l9.12- 13) verso que ironiza sobre o
facto de apesar de alguém poder trajar-se co mo C a tão não passa, por isso, a ter as virtudes
de Carão, o que nós di ríamos po r: "O hábito não faz o mo nge".
249
oscilava, graças a estes falsos alicerces. Era evidente que a boa quali-
dade do solo, o número de pessoas, a sua saúde e a generosidade das
suas contribuições, originavam tantas variações de quadrado para
quadrado a ponto de tornar a medição um padrão ridículo de poder
da nação, e a igualdade geométrica a mais desigual das medidas na
distribuição de pessoas. Apesar de tudo, não puderam desistir disto.
Mas antes, dividindo a sua representação política e civil em três par-
tes, destinaram uma destas partes à medição quadriculada, sem um
único facto ou cálculo que averiguasse se esta proporção territorial
de representação era uma atribuição justa, ou se realmente deveria
haver uma terceira parte, fosse sob que justificação fosse. Todavia,
tendo concedido à geometria esta proporção de um terço do seu
dote, suponho que por deferência para com esta sublime ciência,
deixaram as outras para serem disputadas pelas outras partes, popu-
lação e contribuição.
~ando se tratou de abastecer a população, não foram capa-
zes de agir tão facilmente como o fizeram quando se tratou da sua
geometria. Aqui, a sua aritmética voltou-se contra a metafísica ju-
rídica. Tivessem eles mantido os seus princípios metafísicos que o
processo aritmético teria sido verdadeiramente simples. Os homens
para eles são estritamente iguais e têm a prerrogativa de direitos
idênticos no que toca ao seu próprio governo. Cada cabeça, nes-
te sistema, teria o seu voto e cada homem votaria directamente na
pessoa que deveria representá-lo na legislatura. "Mas devagar, pelos
degraus habituais, por enquanto não." 209 Este princípio metafísico,
perante o qual a lei, o costume, o uso, a política e a razão deveriam
ceder, é para vergar-se ele próprio aos caprichos deles. Devem exis-
tir vários degraus e algumas fases antes que o representante possa
chegar ao contacto com o seu constituinte. De facto, como vere-
mos em breve, estas duas pessoas não vão ter qualquer espécie de
contacto entre si. Primeiro os votantes no Cantão, que compõem
209
1 .T. Alexander Pope, Epistle to Burlington, linha 129.
253
21 0
"N o ta do auror: A Assembleia, ao executar o plano do seu comité fez algum as
alterações. Eles suprimiram uma destas gradações o que remove um a parte da objecção,
mas a objecção principal, nomeadamente, que no seu esquem a o primeiro constituinte a
,.otar não tem relação co m o representante legislativo, perm anece com toda a sua fo rça.
H á outras al terações, algumas talvez para melhor, outras certamente para pior: mas, para
o auro r, o mérito ou deméritO destas pequenas alterações parecem não ser muito impor-
tantes quando o esquema em si mesmo é, fund amentalmente, vicioso e absurdo.
254
"' Servius T ullius (578-543 a. C.) sexro rei de Ro ma. A C onstiruição Romana na
refo rma de Servius T ull ius passou a considerar a propriedade de cada indivíduo para os
d ireitos devoro.
257
212
N .T . "N ão cheiram a se r hum ano".
263
militares· 213 • Mas, quando toda a sua arte de governar caiu em ruí-
nas continuaram, como o faz a vossa Assembleia, seguindo princí-
pios de igualdade dos homens, com a mesma falta de discernimento
e o mesmo descuido por todas aquelas coisas que tornam uma repú-
blica tolerável ou estável. Mas nisso, como em quase todas as outras
instâncias, a vossa nova sociedade nasceu, produziu-se e alimentou-
-se daquela corrupção que caracteriza as repúblicas degeneradas e
exaustas. O vosso filho vem ao mundo com os sintomas da morte, a
jàcies hippocratica 214 forma a sua fisionomia e o prognóstico do seu
destino.
213
"Nora do am o r: "N on, ur olim , universe legiones deducebanrur, cu m rribunis,
er cenrurio nibus, er sui cujusque o rdinis miliribus, ur con sensu er carirare rem publicam
efficerenr, sed igno ri inrer se, d iversis manipulis, sine recrore, sine affecribus muruis, quas i
ex alio genere mo nalium repenre in unum collecri, numerus magis quam colonia." [Já não
era como ourrora qu ando se esrabeleciam legiões inreiras com os seus rribunos, os seus
cenruriões e os seus soldados, cada um conforme a sua ordem , de manei ra a formarem
pelo seu enrendimenro e pela sua afeição recíproca uma co munidade polírica, mas eram
homens que não se co nheciam de di ferences manípulos, sem líder, sem afeição múrua
co mo se fossem mo rrais de ourra raça su biramenre reun idos, uma mulridão mais do que
uma coló nia. T ac. Ann. 14.27) . T udo isro apl icar- e-á ai nda melhor às assembleias bia-
nuais nacionais, desconexas e rorarivas, nesra consriruição absurda e insensara.
21
' N.T . Semblanre lívido do agon izanre descriro po r Hipócrares.
265
21 1
.T. Charles-Lou is de Secondat, Baron de Montesquieu ( 1689- 1755 ). Ad-
mirador da Constituição de Inglaterra, cuja obra fundamental , De l'E.sprit des Lois, era
conhecida de Burke.
266
[ ~alid ade , Relação, Acção, Paixão, Lugar, T empo, Situação, H ábiro- as restantes oiro
catego rias do ser, segundo Aristóteles, além da Substânc ia e da ~a nrid ade ) .
267
tradições. Se não fosse por causa disso, todas as questões que dizem
respeito a uma exacta igualdade e toda esta procura de equilíbrio
- que nunca se há-de encontrar - entre direitos, população e con-
tribuição, seriam completamente escusados. A representação, ainda
que derivasse das partes, seria um dever que também diria respeito
ao todo. Cada deputado à Assembleia seria um representante de
França e de todas as suas categorias, quer de muitos quer de poucos,
dos ricos e dos pobres, dos grandes distritos e dos pequenos. Todos
estes distritos deveriam estar eles mesmos subordinados a uma au-
toridade permanente, que existisse independentemente deles, uma
autoridade em que teria origem a sua representação e tudo o que
lhe dissesse respeito e para a qual esta apontaria. A existência deste
governo permanente, inalterável e fundamental faria - e é a única
coisa que o poderia fazer - que o vosso território fosse verdadeira
e propriamente um todo. Entre nós, quando se elegem represen-
tantes populares, enviamo-los para um conselho onde cada indiví-
duo é um súbdito subordinado a um governo completo em todas as
suas funções comuns. Convosco a Assembleia electiva é soberana,
e a única soberana, todos os membros são assim parte integrante
desta soberania única. Mas connosco é totalmente diferente. Con-
nosco o representante, separado das outras partes, não pode agir
nem ter existência. O governo é o ponto de referência dos diversos
membros e distritos da nossa representação. Este é o centro da nos-
sa unidade. Este governo de referência é um curador para o todo e
não para as partes. O mesmo se passa com o outro ramo do nosso
Parlamento: a Câmara dos Lordes. Connosco, o Rei e a Câmara
dos Lordes são uma segurança conjunta que garante a igualdade de
cada distrito, cada província e cada cidade. ~ando é que se ouviu
falar na Grã-Bretanha que uma província sofresse de desigualdade
na sua representação? Ou de um distrito não representado? Não só
a nossa monarquia e os nossos Pares asseguram a igualdade da qual
depende a nossa unidade, mas é também esse o espírito da própria
Câmara dos Comuns. A verdadeira desigualdade de representação,
269
219
N.T. A represe ntação política nessa altura. baseia-se na propo rção entre po-
pulação e tributação sobre a terra. Algun s estudos mostram as grandes incongruências
que isso gera,·a na distribuição da represe ntação. Para mais info rmação sobre o assun to
consu ltar: Pau l Langfo rd (1988 ), "Prope rtY and 'Vi rtual Represe ntario n' in Eighreenth
Centurv England ", The H istoricalj ouma/, 3 1, I, pp. 85-6.
270
223
N.T. "Semeio para os deuses imortais" Cic. Sen. 25.3·5.
22
' N.T. O verso completo é "Bearus ille qui procul negotiis", H or. Ep. 2. 1, feli z
aquele que está longe dos negócios.
221
N.T.: "Ass im que o usurário Ál fio disse isto, prestes a ser um camponês, reco·
lheu o seu dinheiro nos idos e nas calendas procura investi-lo." H o r. Ep. 2.65-70. O s idos
275
mesmo valor quando se trata de pagar uma dívida contraída por ele
próprio, nem terá um valor idêntico quando quiser pagar a pronto
evitando de todo contrair uma dívida. A indústria extinguir-se-á,
a economia desaparecerá, a poupança cautelosa deixará de existir.
~em irá trabalhar sem conhecer qual vai ser o seu salário? ~em
estudará para incrementar o que ninguém pode calcular? ~em irá
juntar quando não sabe o valor do que poupa? Se abstrairmos do
uso que ele pode ter na especulação, acumular o vosso papel-moeda
não será actuar como homem previdente, mas antes actuar segundo
o instinto desequilibrado da gralha.
O que é verdadeiramente triste nesta política de criar siste-
maticamente uma nação de jogadores é que - embora todos sejam
forçados a jogar - poucos percebem o jogo, e menos ainda estão
em condições de adquirir tal conhecimento. A maioria será um
joguete dos poucos que conduzem a máquina destas especulações.
O efeito que isto deve ter nas pessoas do campo é visível. O homem
da cidade pode calcular dia a dia, isso não acontece com o homem
do campo. ~ando o camponês trás pela primeira vez o seu milho
ao mercado, o magistrado na cidade obriga-o a receber os assignat
equivalentes, quando ele vai à loja com este dinheiro, acha-o des-
valorizado em 7% só por ter atravessado a rua. A este mercado ele
não voltará de boa vontade. As pessoas das cidades ficarão irritadas,
forçarão os do campo a trazerem o seu milho. Começará a resistên-
cia e as matanças de Paris e de St. Denis podem reaparecer por toda
a França.
~e significado tem a lisonja feita ao campo dando-lhes pos-
sivelmente mais do que o que seria a sua parte na teoria da vossa
representação? Onde é que os senhores colocaram o poder real so-
bre a circulação do dinheiro e das terras? Onde é que os senhores
colocaram os meios de fazer subir e fazer cair o valor dos bens de
cada um? Aqueles cujas operações podem subtrair ou acrescentar
10% aos bens seja de quem for em França, devem ser os amos de
277
226
N .T. Alusão aos versos de Milron no Paradise Lost, II, 592-4: "Um golfo pro·
fundo como aquele pântano Serboniano I entre Damiata e o velho Monte Casius I onde
exércitos inteiros se afund aram ."
279
Para uma pessoa que tenha uma visão do todo, a força de Pa-
ris, conseguida deste modo, produzirá um estado de fraqueza geral.
Alardeia-se que a política da divisão geométrica foi adoptada e que
doravante todos os regionalismos desaparecerão, que o povo não
deverá jamais ser gascão, picardo, bretão ou normando, mas fran-
cês, com um país, um coração e uma Assembleia227 • Mas êm vez de
serem todos franceses o que é mais presumível é que os habitantes
desta região em breve não terão país. Nunca nenhum homem se
ligou com orgulho, com regionalismo ou com afeição verdadeira
a uma quadrícula. Nunca se orgulhará de pertencer à quadrícula
n. 0 7 1, ou a qualquer outro rótulo. Começamos os nossos afectos
públicos dentro da nossa família. Nenhum parente frio é um cida-
dão zeloso. Da nossa família passamos aos nossos vizinhos e às rela-
ções habituais na nossa província. São pousadas e lugares de descan-
so. As divisões do nosso país que foram feitas pelo hábito, e não por
um súbito arranco de autoridade, são outras tantas imagens onde se
reflecte toda a nação e em cada uma delas o coração encontra algo
com que se possa preencher. O amor ao todo não se extingue nesta
parcialidade que se lhe subordina. Talvez seja uma espécie de trei-
no elementar para uma perspectiva mais elevada e mais ampla que,
apenas ela, fará que os homens se sintam envolvidos com a prospe-
ridade de um reino tão extenso quanto a França, como com a sua
própria prosperidade. Os cidadãos interessam-se por este território
vasto, como acontecia com as províncias, a partir de velhos precon-
ceitos e de hábitos inconscientes e não em virtude das proprieda-
des geométricas do seu traçado. O poder e a proeminência de Paris,
certamente que exercem pressão e manterão unidas estas repúblicas
enquanto durarem mas, pelas razões que já lhe dei, penso que não
poderão durar muito.
218
.T. Sólon (c. 630·c.560 a. C.), homem de Esrado e legislador aten iense;
uma Pompilius (7 53-673 a. C.) considerado o segu ndo rei de Roma.
283
229
N.T. Giulio Raimondo Mazzarino ( 1602-166 1), cardeal iraliano que se ins-
ralou em França, que ficou conhecido por Jules Mazari n, e que sucedeu ao seu memor,
cardeal Richelieu. Foi minisuo de Luís XIII e de Luís XIV.
285
230
N.T. François- Michellle Tellier, M arquis de Louvois ( 164 1-91 ), minisrro de
Luís XIV.
231
N.T. William Pin ( 1708 -78).
286
o seu posto e eram agora seus senhores, e poderia estar ligado por
interesse, à sociedade do crime, e (se nos crimes pudesse haver virtu-
de) por reconhecimento, ao serviço daqueles que o promoveram a
um posto de grande lucro e gratificação sensual - e de mais alguma
coisa: porque mais teriam de ter recebido daqueles que certamente
não humilhariam urna criatura promovida, corno o fizeram a um
adversário dominado.
Um rei nas circunstâncias do actual, se ficar completamente
estupefacto com todas as desgraças que lhe sucedem a ponto de jul-
gar que não é urna necessidade, mas um prémio ou um privilégio
da vida, comer e dormir, sem nenhuma preocupação com a glória,
nunca poderá servir para o cargo. Se ele sentir, corno os homens
habitualmente sentem, deve ter consciência de que num cargo tão
limitado ele não pode obter fama ou reputação. Não terá nenhum
interesse benevolente que o possa levar a agir. Na melhor hipótese,
a sua conduta será passiva e defensiva. Para urna pessoa de condição
inferior um tal cargo pode ser urna honra. Mas ser elevado a essa
condição e cair nela são coisas muito diferentes e suscitam senti-
mentos diversos. Nomeia ele efectivamente os ministros? Têm estes
simpatia por ele? São-lhe impostos? O único trato entre eles e o rei
nominal é a oposição mútua. Em todos os outros países o cargo de
ministros de Estado é da mais elevada dignidade. Em França está
cheio de perigos e não há nele glória alguma. Rivais, todavia, na sua
insignificância eles os terão, enquanto existirem ambições mesqui-
nhas neste mundo, ou o desejo de um mísero salário for um incenti-
vo para urna avareza míope. Estes concorrentes dos ministros estão
habilitados pela vossa Constituição para os atacarem nos pontos
vitais, enquanto eles não têm os meios para repelir as suas investidas
de outro modo a não ser pela condição degradante de acusados e
culpados. Os ministros de Estado em França são as únicas pessoas
deste país que estão impedidos de participar nos Conselhos Na-
cionais. ~e Ministros! ~e Conselhos! ~e Nação!- Mas eles
são responsáveis. ~e serviço miserável o que se há-de obter da res-
287
232
N ora do autor: Na realidade três, co ntando com as instituições republicanas
da província.
289
actuar de tal modo que (de facto, seja qual for a sua intenção) por
vezes traiam um, outras vezes traiam o outro, e se traiam sempre a si
próprios. Esta tem sido a sua situação e esta deverá ser a situação dos
que lhes sucederem. Eu tenho muito respeito pelo Senhor Necker
e desejo-lhe o melhor. Devo-lhe atenções. Pensei, quando os seus
inimigos o afastaram de Versalhes, que o seu exílio era ocasião para
nos congratularmos vivamente. Sed multae urbes et publica vota vi-
cerunf-34. Tem agora assento sobre as ruínas das finanças e da mo-
narquia de França.
Muito mais pode observar-se acerca da constituição estranha
da parte executiva do novo governo, mas a fadiga põe limites à dis-
cussão de assuntos que, em si mesmos, dificilmente têm limites.
Sou capaz de perceber igual tacanhez e falta de talento no pla-
no judicial formado pela Assembleia Nacional. De acordo com o
rumo invariável que têm tomado, os arquitectos da vossa Consti-
tuição começaram com a total abolição dos Parlamentos235 • Estes
órgãos veneráveis, tal como o resto do antigo governo, tinham ne-
cessidade de reforma, ainda que não houvesse qualquer mudança na
monarquia. Requeriam várias alterações mais, que os adaptassem
ao sistema de uma Constituição livre. Mas tinham particularidades
na sua constituição, e bastantes, que mereciam a aprovação das pes-
soas prudentes. Possuíam uma característica sobremaneira excelen-
te: eram independentes. A circunstância mais duvidosa que afecta-
va os seus postos, a de serem vendáveis, contribuiu, contudo, para
234
N.T. "Mas muitas cidades e os votos públicos venceram. " Juv. IO. 284-5.
235
N.T. Não são parlamentos no sentido em que os conhecemos hoje. No séc.
XVIII tratavam-se de tribunais provinciais de justiça com alguma independência em re·
lação ao poder real, mas nomeados pelo rei e detentores de um cargo hereditário. Inicial-
mente, existia apenas o Parlamento de Paris e consistia numa divisão do poder da Corte
Real. Após a Guerra dos Cem Anos, começaram a se r criados outros Parlamentos em
outras províncias que continuavam a ser nomeados pelo rei mas que, sendo hereditários,
detinham auronomia bastante para contrabalançarem o poder real. Para mais informação
sobre o assunto, cf. François Saint-Bonnet Ouillet, 20 10), "Le contrôle a posteriori: les
parlements de l'Ancien Régime et la neucralisation de la loi", Cahiers du Comei! Consti·
tutionnel, n' 28.
291
236
N . T . Estes Parlamentos manipulavam em exclusivo o direito de registo das
novas leis, que várias vezes protelaram opo ndo-se à vontade do rei . Lu ís XV consentiu que
fosse m abolidos e Lu ís XVI voltou a instaurá-los.
292
238
N.T. Burke poderá estar a referir-se ao tribunal instituído sob o domínio de
Cro mwell.
239
Nora do autor: Para ulteriores esclarecimentos acerca dos assuntos de rodas
estas magistraturas e do Comité de Investigação, ler o trabalho do Senhor de Calonne.
296
240
N.T. Jean-Frédéric de La Tour du Pin Gouvernet (1727- 1794), ministro da
Guerra emre Agosto de 1789 e 1ovembro de 1790.
297
241
N.T. "Contereis o riso". H o r. Ars. 5.
298
242
N .T . Em francês no o riginal.
301
2' 3 •Nota do Autor: "Como Sua Majestade reconheceu nelas, não um sistema de
244
• No ra do Auror: Este minisrro da Gue rra entretanto já deixou a escola e de-
recusarei vivamente." C ic. Sen. 83. [Burke altera substancial mente o texto.]
304
república militar. A máquina não serão eles, mas o rei. Um rei não é
para ser deposto a meio termo. Se ele não for tudo no comando de
um exército, então não é nada. ~e efeito terá um poder colocado
nominalmente à cabeça de um exército e que para ele não é objec-
to nem de gratidão nem de medo? Uma tal entidade sem qualquer
importância não serve para a administração do objectei mais deli-
cado de todos: o comando supremo de militares, que precisam ser
controlados (e as suas inclinações conduzem-nos para o que as suas
necessidades requerem) por uma autoridade pessoal, real, vigorosa,
efectiva e decidida. A própria autoridade da Assembleia é afectada,
por passar através de um canal tão debilitante como este que eles
escolheram. O exército não terá, por muito tempo, em conta uma
Assembleia que actua através de um órgão que é uma aparência falsa
e um fardo evidente. Não prestará verdadeira obediência a um pri-
sioneiro. O exército ou desprezará o espectáculo ou lamentará um
rei cativo. Esta relação do vosso exército com a própria coroa, se não
me engano, irá tornar-se um sério dilema na vossa política.
É, de resto, um assunto a ponderar se uma Assembleia como a
vossa, mesmo supondo que ela estivesse na posse de um outro tipo
de órgão através do qual devessem passar as suas ordens, está apta a
promover a obediência e a disciplina de um exército. É conhecido
que, até agora, os exércitos prestaram uma obediência muito pre-
cária e incerta a qualquer senado ou autoridade popular, e ainda
menos obedecerão a uma Assembleia que durará apenas dois anos.
É preciso que os oficiais percam totalmente a disposição caracte-
rística dos militares para verem com perfeita submissão e a devida
admiração o domínio dos litigantes, especialmente quando desco-
brirem que têm uma nova corte a quem agradar na sucessão sem fim
destes litigantes, cuja política militar e o génio de quem comanda
(se escolherem ter quem comande) deve ser tão incerto quanto a
sua duração é transitória. Na debilidade de um certo tipo de autori-
dade, e na total flutuação de qualquer autoridade, os oficiais de um
exército permanecerão por algum tempo conflituosos e facciosos,
307
até que algum general popular, que sabe da arte de conciliar a solda-
desca, e que possui um verdadeiro espírito de comando, atraia sobre
si os olhos de todos os homens. Os exércitos obedecer-lhe-ão a tí-
tulo pessoal. Não há outra maneira de assegurar a obediência neste
estado de coisas. Mas, no momento em que este evento acontecer, a
pessoa que realmente comandar o exército será o vosso senhor, será
o senhor (o que é pouco) do vosso rei, o senhor da vossa Assem-
bleia, o senhor de toda a vossa república 246 •
Como é que a Assembleia chegou ao seu poder actual sobre o
exército? Principalmente, sem dúvida, pela perversão moral da re-
lação dos soldados com os seus oficiais. Começaram pelo acto mais
terrível. Tocaram no ponto nevrálgico que mantém as partículas
que compõem os exércitos em repouso. Destruíram o princípio da
obediência no grande elo essencial e crítico que liga o oficial ao sol-
dado, exactamente onde a cadeia da subordinação militar começa,
e do qual a totalidade daquele sistema depende.
Dizem ao soldado que é um cidadão e que tem os direitos do
homem e do cidadão. O direito de um homem, dizem-lhe, é gover-
nar-se a si próprio, e ser dirigido apenas por aqueles em quem ele
delegar o seu autogoverno. É muito natural que pense que deve ter
escolha, principalmente onde está sujeito a um maior grau de obe-
diência. Fará então, com toda a probabilidade, sistematicamente,
o que agora só faz ocasionalmente, isto é, exercerá pelo menos o
direito de veto na escolha dos seus oficiais. Presentemente, os ofi-
ciais são conhecidos, quando muito, apenas por serem permissivos
e pelo seu bom comportamento. Com efeito, existem vários exem-
plos onde oficiais foram demitidos pelos seus regimentos. Aqui está
um segundo veto à escolha do rei: um veto tão eficaz pelo menos
quanto o outro da Assembleia.
246
N .T. Um dos primeiros militares a adquirir destacada popularidade foi Marie·
·Joseph Paul Yves Roch Gilbert du Motier de Lafayette, Marquis de Lafayette ( 1757-
· 1834); outro foi Charles-François du Périer Dumouriez (1739-1823), mas quem viria
a desempenhar o papel preconizado por Burke seria Napoléon Bonaparte (1769-1821 ).
308
Os soldados já sabem que foi uma questão que não foi mal
recebida pela Assembleia Nacional, se eles não deverão ter o direito
à escolha directa dos seus oficiais, ou de uma certa proporção den-
tre eles. ~ando estas matérias estão em discussão, não é nenhuma
suposição extravagante pensar que eles se inclinarão para a opinião
mais favorável às suas pretensões. Os soldados não suportarão se-
rem considerados o exército de um rei prisioneiro, enquanto ou-
tro exército do mesmo país, com quem também devem festejar e
confraternizar, deve ser considerado como o exército livre de uma
Constituição livre. Deitarão os olhos para o outro exército mais
permanente: isto é, o exército municipal. Sabem bem que aguela
corporação, efectivamente, elege os seus oficiais. Podem não conse-
guir discernir os fundamentos da diferença, porque não hão-de eles
eleger um Marquês de La Fayette (ou qual é o seu novo nome?) para
eles próprios? Se a eleição de um comandante-em-chefe fizer par-
te dos direitos do homem, porque não dos seus próprios direitos?
Vêem juízes de paz eleitos, juízes eleitos, curas eleitos, bispos elei-
tos, vereadores eleitos e comandantes do exército de Paris eleitos.
Porque é que apenas eles haveriam de ser excluídos? São as tropas
valentes da França os únicos homens dessa nação que não são bons
juízes do mérito militar e das qualificações necessárias a um coman-
dante-em-chefe? São pagos pelo Estado e portanto perderam os
direitos do homem? Eles próprios são uma parte da nação e contri-
buem para esse pagamento. E não é o Rei, e não é a Assembleia Na-
cional, e não são todos os que elegem a Assembleia Nacional, pagos
também? Em vez de se verem todos estes como tendo abdicado dos
seus direitos por receberem um salário, entende-se nestes casos que
um salário lhes foi dado para o exercício destes direitos. Todas as
vossas resoluções, todas as vossas minutas, todos os vossos debates,
todos os trabalhos dos vossos doutores em religião e em política,
foram diligentemente colocados nas suas mãos, e agora os senhores
esperam que, destas vossas doutrinas e exemplos, eles apliquem ao
seu caso apenas tanto quanto vos agrade.
309
24
- ·Nora do Autor: Courrier François, 30 July. 1790. Assemblée arionale, Nu-
mero 210.
310
não é melhor do que eles, e que, se não trabalha pelo seu pão, é pior.
Eles acham que, pelas leis da natureza, o que ocupa e domina o solo
é o verdadeiro proprietário - que não há prescrição aquisitiva con-
tra a Natureza- e que os acordos (onde há alguns) que foram feitos
com os donos da terra durante o tempo da escravatura são apenas
o efeito da coação e da força, e que, quando o povo reentrou nos
direitos do homem, esses acordos tornaram-se nulos corno tudo o
resto que foi estabelecido sob a vigência da velha tirania feudal e
aristocrática. Dir-vos-ão que não vêem diferença entre um ocioso
de chapéu e cocar nacional e um ocioso de hábito ou com sobrepe-
liz de rendas.
Se vós fundardes o direito às rendas na sucessão e na prescri-
ção aquisitiva, eles dir-vos-ão, a partir do discurso do Sr. Camus148 ,
publicado pela Assembleia Nacional para sua informação, que as
coisas com um mau começo não se podem valer da prescrição aqui-
sitiva - que o direito destes senhores era inválido na sua origem - e
que a força é pelo menos tão má quanto a fraude. ~anto ao direito
por sucessão, dir-vos-ão que a sucessão daqueles que cultivaram os
solos é a verdadeira linhagem da propriedade e não velhos perga-
minhos e ridículas substituições - que os senhores gozaram tempo
demais da usurpação - e que, se eles permitirem a estes monges lai-
cos alguma pensão caridosa, estes devem estar agradecidos ao ver-
dadeiro proprietário que é tão generoso para com quem reclama
sem legitimidade os seus bens.
~ando os camponeses vos pagam na mesma moeda de razão
sofística, em que os senhores gravaram a vossa imagem e inscrição,
os senhores reclamam que é dinheiro falso e dizem-lhes que futura-
mente lhes hão-de pagar com guardas franceses, cavalaria e hussar-
dos. Para os castigar, arvoram a autoridade em segunda-mão de um
248
N .T. Armand-Gaston Camus foi um dos primeiros presidentes da Assembleia
N acional entre 28 de Ou rubro e li de N ovembro de 1789- recorde-se que a presidência
mudava cada duas semanas. C amus ficou célebre pelos seus discursos sobre a igualdade
social.
312
2
so • Nota do autor: Vejo pelo relato do Senhor Necker, que a guarda nacional de
Paris recebeu além do dinheiro cobrado na sua própria cidade, cerca de 145 OOOL esterli-
nas do erário público. Não percebo claramente se isto é um pagamento anual para os nove
meses da sua existência, ou uma estimativa dos seus encargos anuais. O que não importa
muito, porque certamente podem retirar tanto quanto quiserem.
25
' N.T. União política, confederação ou üga.
316
212
N.T. "Dizei porque abandonastes tão rapidamente a vossa grande república?",
Cic. Sen. 20.
319
253 N.T. As gabelles sobre o sal distribuíam-se de modo desigual pelas diversas
províncias: havia seis divisões principais do imposto: /e pays des grandes gabelles (Nor-
mandie, Champagne, Picardie, ile-de-France, Maine, Anjou, Touraine, Orléanais, Berry,
Bourgogne, Bourbonnais), que por cada quintal de sal (50 kg) pagava 63 livres; le pays
des petites gabelles (Dauphiné, Vivarais, Gévaudan, Rouergue, Provence e Languedoc),
pela mesma quantidade pagava 33 livres e I O sous; /e pays des salines (Lorraine, Alsace,
Franche-Comté, Lyonnais, Dombes e RoussiUon ), que pagava 2 llivres e lO sous; /e pays
du quart de bouillon (Avranchin e Cotentin ) que pagava 16 livres; havia ai nda /e pays
redimé - que tinha comprado um a isenção parcial do imposto - (Poitou, Limousin,
Auvergne, Saintonge, Angoumois, Périgo rd, Q::ercy, Bordelais e Guyenne), que pagava
por cada quintal 6 a 12 livres e, por último, as províncias francas, /e paysJran c (Bretagne,
Boulonnais, Calaisis, 1' Arrois, Flandre, Hainaut, Cambrésis, o principado de Sedan e de
Raucourr, Gex, Arles, Nébouzan, Béarn, Soule, Basse-Navarre, Labourd, a ilha de Ré, a
ilha de Oléron, uma parre de Aun is e uma parre de Poitou), que pagavam 2 a 9 livres por
quintal de sal.
320
tes do reino que eram mais submissas, mais ordeiras, ou as mais afei-
çoadas à nação, suportaram a totalidade dos encargos do Estado.
Nada acaba por ser tão tirânico e injusto como um governo fraco.
Para preencher todas as deficiências nas amigas contribuições e as
novas deficiências de todo o tipo que se poderiam esperar, o que
é que restava a um Estado sem autoridade? A Assembleia Nacio-
nal apelou à benevolência voluntária: Um quarto dos proveitos de
todos os cidadãos, calculado com base na palavra daqueles que ha-
veriam de pagar. Obtiveram um pouco mais do que racionalmente
se poderia esperar, mas o que ficou deveras longe de corresponder
às suas necessidades reais, e ainda mais longe das suas expectativas
otimistas. Geme razoável teria esperado pouco destes seus impos-
tos disfarçados de benevolência, um imposto fraco, ineficaz e com
desigualdades, um imposto em que o luxo, a avareza e o egoísmo
estavam resguardados e a carga recaía sobre o capital produtivo, a
integridade, a generosidade e o espírito público, um imposto de re-
gulação sobre a virtude. Por fim a máscara caiu, e estão agora (sem
grande sucesso) a tentar meios de cobrar a benevolência à força.
Esta benevolência, filha raquítica da fraqueza, era para ser
mantida por outro recurso, irmão gémeo da mesma imbecilidade
fértil. As dádivas patrióticas deveriam compensar o falhanço da
contribuição patriótica. John Doe era o fiador de Richard Roe 254•
Através deste esquema retiraram coisas de grande valor para o
doador e de valor comparativamente pequeno para quem recebe,
arruinaram vários negócios, pilharam a coroa dos seus ornamen-
tos, as igrejas da sua prata e o povo do seu embelezamento pessoal.
A invenção destes jovens com pretensões à liberdade na verdade não
era mais que uma imitação servil de um dos mais medíocres recur-
sos do despotismo senil. Tiraram uma velha, enorme, cabeleira do
fundo do guarda-roupa de amigas velharias de Luís Catorze, para
cobrir a calvície precoce da Assembleia Nacional. Representaram
254
N.T. N ome ficcício dado a figuras em licígio. O presente sentido seria como
afirmar Fulano é fi ado r de Sicrano e de nenhum ter boas referências.
321
256
· Nota do Auto r: O leito r verá que apenas toquei ao de leve (o meu objectivo
não exigi a mais) nas condi ções das fin anças francesas em relação às exigências a que estão
sujeitas. Se tencionasse faze r de outro modo, os materiais que tenho em mãos não se riam
pe rfe itos para tal tarefa. A este respeito remeto o leitor para os trabalhos do Senho r De
Calo nne, e a tremenda exposição que ele fez da destruição e devastação no Estado, e em
todos os negócios de França, causadas pelas boas intenções presunçosas da igno rância e
da incapacidade. T ais causas produ zem se mpre estes efeitos. Examinando esta exposição
com um olhar rigo roso, e talvez até com rigor excess ivo, deduzindo tudo o que possa ser
posto na conta de um fin ancei ro exilado, cujos inimigos podem achar desejoso de apro-
veita r ao máx imo a sua causa, eu acredito q ue se encontrará aqu i, à custa da França, a
lição mais sal utar que algu ma vez foi dada à humanidade de cautela co ntra inovado res de
espírito atrevido.
324
w N.T. "Mas se a opinião doente não quer ser curada, o que fazer? Assinar, de-
pois assinar, e de seguida assinar". Na sátira de Molii:re, LeMa/ade lmaginaire, os médi-
cos estão a examinar, num latim de qualidade duvidosa, um estudante de medicina e a
qualquer questão ele responde que o remédio é: "administrar um clister, depois sangrar
e a seguir purgar". Usando a ironia, Burke compara este aprendiz de médico, que tem o
mesmo remédio para qualquer doença. aos aprendizes de governantes, que para todos
os problemas têm apenas a solução de emitir assignats, que eram tÍtulos emitidos sobre
os bens confiscados e que circulavam como papel moeda. Cf. Steven Blakemore ( 1990),
"Burke and the Fali ofLanguage", in Daniel Ritchie (1990) (Ed.),Edmund Burke Apprai-
sals and Applicatiom, New Jersey: T ransaction Publishers, p. 42.
218 ·Nota do autor: La Bruyi:re de Bossuet.
219
N.T. O termo utilizado é Fisc e significava: o Treasury ou também Depart-
ment ofInland Revenue.
326
260
·Nora do autor: "Não é de modo algum a roda a assembleia que me dirijo aqui,
eu só falo para aqueles que se escondem, ocultando em gazas sedutoras o fim a que a con-
duzem. É a eles que eu digo: o vosso objectivo, convenhamos, é retirar roda a esperança
do clero, e consumar a sua ruína; é isso que, não suspeitando em vós de nenhuma conspi-
ração gananciosa, de nenhuma preocupação com o conjunto dos títulos públicos, é isso
que devemos acreditar que os senhores têm em vista na terrível operação que propõem,
é o que deve ser o seu fruto. Mas o povo que empenhais nisso, que vantagem pode retirar
daí ? Em vos servindo dele constantemente que fazeis por ele? Nada, absolutamente nada.
Ao contrário, fazeis o que leva a sobrecarregá-lo de novos encargos. Rejeitastes, com o
seu prejuízo, uma ofe rta de quatrocentos milhões, cuja aceitação poderia tornar-se um a
forma de aliviá-lo, e substituístes este recurso, tão vantajoso quanto legítimo, por uma
injustiça ruinosa, que, segundo vós mesmos, sobrecarrega o tesouro público e, por conse-
guinte, o povo, de um acréscimo de despesa anual de cinquenta milhões pelo menos e de
um reembolso de !50 milhões.
Infeliz povo! Eis o que vos rendeu o resultado final da expropriação da Igreja e a
dureza dos decretos tributários, do tratamento dos ministros de uma religião benfazeja.
Futuramente estão a vosso cargo: a sua caridade aliviava os pobres, e vós ireis ser obrigados
a prover à sua manutenção". [em francê s no original]- De l'État de la France, p. 81. Ver
também p. 92 e as páginas seguintes.
330
61
' N.T. Refere-se ao clube escocês "Friends of Liberry".
163
N.T. A expressão usada é "a dog's ear", que se aplica às páginas de um livro que
foram dobradas ou que encaracolaram nos cantos por excessivo uso, qu e não tem tradu-
ção direta em português. Cf. D aphne Gulland and D avid Hinds-Howell , Dictionmy of
English ldioms, London: Penguin Books, 2002, p. 53.
332
264
N.T. Burke serve-se da frase de Horácio para ironizar a situação alterando-a,
no original encontra-se a ideia contrária a esta: Creddt iudeus Apel/a, o judeu Apella que
acredite, dizendo que só um judeu poderia acredi tar. Hor. S. 1.5. 100-101.
333
26
; N .T. Refe re-se a John Law que fo i um dos primeiros investidores na Compa-
nh ia do M ississíp i e cujo negócio e tod a a especulação que se ge rou à volta, inclusive com a
abertura de um banco para emissão de papel-moeda, constituiu urna bolha fi nanceira que
rebentou com grande escândalo entre 17 18 e 17 20.
334
!óó N .T. Trata·se de Jea n·Sylvai n Bailly, astró nomo e mem bro da Academ ia das
Ciê ncia . Fo i o M aire de Paris de 1789 a 179 1. Foi gui lh otinado durante o pe ríod o do
te rro r em 1793.
26
- N .T. M axi milien de Béthu ne, M arquês de Rosn,·, D uque de Su lly ( 1560·
-164 1). Foi um militar hugue note ao se rviço de H enrique IV.
N. T. f. Joh n Milton, Paradise L ost. X, 293--t.
336
269
N.T. Tomina, modalidade de associação mútua concebida pelo italiano Lou·
renço Tomi (séc. XVII ) .
338
n 1 .T. Marcus Lucanus (65-39 a. C.), poera romano. Pierre Corneille ( 1606-
-1684 ), dramaturgo francês.
339
Mas serei eu tão insensato que não veja nada que mereça elo-
gio nos trabalhos incansáveis desta Assembleia? Eu não nego que,
no meio de uma infinidade de actos de violência e loucura, algum
bem possa ter sido feito. ~em destrói tudo há-de certamente ter
acabado com alguma injustiça. Aqueles que fazem tudo de novo
têm a probabilidade de poder estabelecer alguma coisa boa. Mas
reconhecer-lhes mérito pelo que fizeram em virtude da autorida-
de que usurparam, ou desculpá-los dos crimes por meio dos quais
adquiriram essa autoridade, pareceria que estas mesmas coisas não
se poderiam ter conseguido sem levar a cabo uma tal revolução. Se-
guramente que teriam podido, porque quase todas as regulamen-
tações que fizeram, e que não são muito erradas, dizem respeito
ou a pomos que lhes tinham sido volumaria e antecipadamente
entregues pelo rei aquando da reunião dos Estados Gerais, ou às
instruções dadas na mesma ocasião às ordens. Alguns costumes fo-
ram abolidos com um fundamento justo, mas eram tais que, se se
tivessem mantido tal qual estavam por toda a eternidade, em pouco
teriam diminuído a felicidade e prosperidade de qualquer Estado.
As melhorias da Assembleia Nacional são superficiais e os seus erros
fundamentais.