Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1999
INTRODUÇÃO
O tema desta dissertação é, como o seu título indica, a tese, inicialmente defendida
por Kripke (1988; 1993: 162-191), segundo a qual há verdades necessárias que só
defendida por Kant (1985; 1987), segundo a qual todas as verdades necessárias são
conhecidas a priori.
teórico, começarei por abordar certas teses e noções chave que constituem aquele
kripkeana e que contraria a tese tradicional, distinguindo entre uma versão fraca e uma
versão forte daquela tese. Estas duas versões reflectem a distinção, nem sempre
claramente reconhecida, entre o valor de verdade, o estatuto modal geral e o estatuto modal
específico de uma proposição. A versão fraca defende que certas verdades necessárias, as
quais podemos não saber que são necessárias, só empiricamente podem ser conhecidas,
isto é, só empiricamente podemos conhecer o seu valor de verdade. A versão forte defende
que certas verdades necessárias, as quais sabemos a priori que são necessárias, só
2
A Posteriori passará aqui pela análise e discussão das teses em questão (tese kripkeana e
tese tradicional) e respectivas versões. (Ver listagem de teses e versões na parte final da
dissertação)
inseparável dos casos que a verificam, torna-se imprescindível, tendo em vista o objectivo
tipos: triviais e não triviais. Os primeiros são sobretudo casos de identidades verdadeiras
formuladas à custa de nomes próprios; os segundos são casos que dizem respeito a
Designação Rígida.
Contrapartes de David Lewis, sustenta que um e o mesmo particular (e não uma sua
contraparte) pode existir em mais do que um mundo possível. Kripke (1988) argumenta
contra a Teoria das Contrapartes, defendendo que ela deturpa a nossa compreensão
3
Muitos dos casos kripkeanos de verdades necessárias a posteriori supõem que um
objecto particular ou substância pode existir em mais do que um mundo. Assim, por
exemplo, defender que (se sabe apenas empiricamente que) Cícero é necessariamente
idêntico a Túlio, que o ouro é necessariamente o metal com o peso atómico 79, ou que a
argumentadas.
necessárias a posteriori. Os casos não triviais distinguem-se dos triviais pelo facto de os
últimos não exigirem aquele pressuposto. Trata-se da doutrina segundo a qual certos
particulares e substâncias têm certas propriedades acidentalmente (estas são as que eles
podem deixar de ter noutros mundos possíveis em que existam) e outras essencialmente
(estas são as que eles não podem deixar de ter noutros mundos possíveis em que existam).
a uma coisa (res). Assim, por exemplo, afirmar que (se sabe apenas por meios empíricos
que), em todos os mundos possíveis, a água, se existe, é H2O, implica atribuir à substância,
rigidamente designada por “água”, uma determinada propriedade essencial não trivial , a de
ter a composição química H2O; afirmar que (se sabe apenas por meios empíricos que), em
todos os mundos possíveis, Édipo, se existe, é filho de Jocasta, implica atribuir a uma
pessoa, Édipo, uma propriedade essencial não trivial, a de ser filho de Jocasta.
4
exige a suplementação da teoria da modalidade com certos argumentos eminentemente
metafísicos.
exemplo, H2O é uma propriedade essencial da água porque, nomologicamente, a água não
poderia deixar de ter a composição química que de facto tem; do mesmo modo, ser filho de
poderia ter um progenitor diferente do que de facto tem. Um mundo possível com leis físicas
oxigénio, é um mundo possível onde a água não existe, mesmo que exista um líquido em
tudo o resto semelhante à água; do mesmo modo, um mundo possível em que em vez de
homens existem robots, é um mundo possível onde Édipo não existe, mesmo que exista um
segundo a qual certos designadores - nomes próprios, termos para categorias naturais e
certas descrições definidas - são rígidos, designam o mesmo objecto em todos os mundos
pessoa ou coisa que se está a designar poderia ter sido essa pessoa ou coisa; se a
resposta intuitiva é negativa, então o designador utilizado designa rigidamente essa pessoa
ou coisa.
pode-se defender que é por estipulação que se estabelece a rigidez de nomes próprios e de
termos para categorias naturais. Assim, como mostrarei, embora a tese kripkeana da
Designação Rígida exija o Essencialismo, o Essencialismo não exige aquela tese semântica
modalmente orientada.
5
No Capítulo II discuto as duas versões e o suporte argumentativo da tese kripkeana
de que há verdades necessárias que só empiricamente podem ser conhecidas, tese que
modalidade alética (que diz respeito ao modo de uma proposição ser verdadeira) e
modalidade epistémica (que diz respeito ao modo de conhecer uma proposição) permite
Tais argumentos não são detectáveis em Kant, cujas posições são representativas da
tese tradicional, de uma forma clara e inequívoca, uma vez que o filósofo parece por vezes
conhecimento do seu estatuto modal geral. Ora, assim como devemos atender à distinção
entre o domínio alético e o epistemológico de uma proposição , o mesmo deve ser feito
verdade de uma proposição é o seu ser verdadeira ou falsa, e o estatuto modal geral de
uma proposição é o seu ser necessária ou contingente, sem atender ao seu valor de
conhecimento do seu estatuto modal geral. Assim sendo, uma coisa é saber que uma
saber que é necessária (conhecimento do seu estatuto modal geral), e só quando temos
6
Centrando a discussão na tese kripkeana do Necessário A Posteriori, mostrarei que
esta tese é susceptível de duas versões que designarei por versão fraca e forte. A versão
fraca defende que há verdades necessárias que só empiricamente podem ser conhecidas,
defende que há verdades necessárias que só empiricamente podem ser conhecidas como
tal (como necessárias), isto é, só empiricamente podemos conhecer o seu estatuto modal
específico.
versões. Ao defender-se que tudo o que é necessário é a priori, pode-se querer dizer que é
a priori que conhecemos o estatuto modal geral, ou o estatuto modal específico, ou ainda o
valor de verdade, de uma proposição necessária. (Ver listagem de teses e versões na parte
final da dissertação).
fraca da sua tese, é a de que o facto de uma proposição ser necessária não implica que
conhecimento do seu valor de verdade. Assim é que podemos conhecer a priori o estatuto
modal geral de uma proposição sem que conheçamos o seu valor de verdade (a conjectura
uma proposição necessária sem conhecermos o seu estatuto modal geral (versão fraca da
tese kripkeana)
A versão forte, contrariamente à versão fraca, exige que se conheça a priori o estatuto
modal geral de proposições necessárias cujo valor de verdade só empiricamente pode ser
conhecido.
verdadeiras.
7
(2) Sabemos apenas empiricamente que aquelas proposições são verdadeiras
verdadeiras.
por Casulo (1987: 161-169), entre o estatuto modal geral e o estatuto modal específico de
proposições. Conhecemos o estatuto modal geral de uma proposição quando sabemos que
estatuto modal específico quando conhecemos quer o seu estatuto modal geral quer o seu
estatuto modal específico de certas verdades necessárias, dado que conhecemos a priori o
seu estatuto modal geral (1), e conhecemos apenas empiricamente o seu valor de verdade
(2).
próprios; casos do tipo (**) que envolvem termos para categorias naturais; e casos do tipo
(***) que dizem respeito à origem e composição material de objectos físicos. Eis o
argumento supra aplicado a exemplos característicos de cada um dos três tipos de casos:
Véspero é Fósforo.
8
(1***) Sei a priori que se Édipo é filho de Jocasta, então necessariamente Édipo é filho
de Jocasta.
A versão fraca da tese kripkeana não exige que conheçamos (a priori) o estatuto
modal geral da proposição cujo valor de verdade só empiricamente pode ser conhecido. Na
aquela versão. Assim, e utilizando o exemplo do argumento (**), mesmo que não saibamos
empiricamente podemos saber que a água tem a composição química H20. No entanto, a
versão fraca da tese exige que alguém estabeleça que a proposição cujo valor de verdade
qualquer substância líquida é tal que não poderia deixar de ter a composição química que
de facto tem.
A versão forte exige que conheçamos a priori o estatuto modal geral da proposição
podermos conhecer o valor de verdade de uma proposição que sabemos a priori ser
(1) e (2) . Embora a premissa (2) não pareça levantar grandes problemas, o mesmo não
9
acontece com a premissa condicional (1) que diz podermos saber a priori que certas
relativas ao mundo físico, nas quais uma propriedade é atribuída a um indivíduo (como em
que plausíveis, estão longe de ser incontroversos, como mostro no último capítulo desta
dissertação.
plausibilidade da premissa condicional (1), a tese de que sabemos por mera análise
verdadeiras. Aquela premissa condicional é, nos casos do tipo (**) e (***), uma premissa
A discussão mais detalhada daqueles três casos visa mostrar que, exceptuando os
acima com (*), a conclusão essencialista (3) só pode ser tirada se se admitir o
10
acerca de essências: certas propriedades de particulares e substâncias, descobertas pela
ciência, são propriedades essenciais desses objectos, propriedades que esses objectos não
argumentado, está longe de ser imune a contra-argumentações, pelo que algumas destas
POSTERIORI
Introdução
11
Ao estabelecer que certas proposições empíricas, proposições acerca do mundo
podem ser conhecidas. No capítulo II vou chamar a esta conclusão a versão fraca da tese
kripkeana. Kripke acrescenta que é por análise filosófica, isto é, através de meios a priori,
empiricamente podemos saber que são necessariamente verdadeiras. Vou chamar a esta
Deixando a discussão destas duas versões da tese kripkeana para o próximo capítulo,
condicionais:
apelo a certas teses semânticas e metafísicas que o aparato conceptual da teoria lógica da
12
O núcleo intuitivo do aparato lógico-semântico da teoria da modalidade é a ideia
leibniziana de que uma proposição é uma verdade necessária quando ela é verdadeira em
todos os mundos possíveis (ou em todos os mundos possíveis acessíveis a partir do mundo
actual). Se uma proposição não é verdadeira em todos os mundos possíveis, mas apenas
em alguns, não é uma verdade necessária, mas uma verdade possível e, portanto,
contingente: uma proposição é uma verdade possível se, e só se, é verdadeira em alguns
mundos; uma proposição é uma verdade contingente se, e só se, é possível mas não é
poderiam ter sido, sendo o mundo actual - a maneira como as coisas de facto são - um
desses mundos, uma das maneiras como as coisas poderiam ter sido. O género de
possibilidade aludido na expressão “mundo possível” é definido por Kripke como sendo a
possibilidade metafísica.
As consequentes das condicionais (i), (ii) e (iii) devem ser entendidas como
Como Kripke constantemente evidencia, aqueles conceitos não são do domínio epistémico,
já que a necessidade ou possibilidade metafísica de uma proposição nada tem a ver com o
determinada pelo modo como as coisas são e a segunda por princípios lógicos (“leis” da
metafísica é mais vasta que a de necessidade lógica (nem tudo o que é metafisicamente
metafísica é menos vasta que a de possibilidade lógica (nem tudo o que é logicamente
possível é metafisicamente possível). Assim, por exemplo, que eu seja oriunda dos meus
13
actuais progenitores parece ser uma verdade metafisicamente necessária embora não seja
metafisicamente possível que eu não seja oriunda dos meus actuais progenitores. Por
se, e só se, é uma verdade natural (física, química ou biológica) ou uma consequência de
determinada por considerações relativas ao modo como as coisas podem ou têm de ser,
não só no mundo actual com as suas leis, mas em outros mundos possíveis (regulados por
rígida. O aparato conceptual da teoria da modalidade permite tornar mais precisas as teses
suficientes para mostrar que, por exemplo, o atributo da existência é uma propriedade
essencial de qualquer objecto, embora não seja uma propriedade necessária de qualquer
existente contingente, isto é, um objecto particular que não existe em todos os mundos
14
Uma questão que se põe é a de saber se o Essencialismo envolvido nos casos de
modalidade. Esta questão é analisada por Salmon (1982) que defende que a teoria lógico-
casos tipo (ii) e (iii). Estes são casos exemplificativos de propriedades essenciais não triviais
de objectos, isto é, de propriedades que não podem ser estabelecidas como exemplificadas
sentido, a contribuição essencial da teoria da modalidade para a metafísica deve ser vista,
como refere Branquinho (1993; 1995), como consistindo na tarefa preliminar de tornar
Designação Rígida.
Designação Rígida para nomes próprios, segundo a qual o referente de um nome próprio é
constante de mundo para mundo. Por exemplo, se “Saul Kripke” é um designador rígido de
Kripke, isto é, se designa Kripke em todos os mundos em que Kripke existe, então Kripke é
um existente transmundial, isto é, pode existir em mais do que um mundo. Esta transição é
natural desde que a noção de designação rígida seja, como em Kripke, uma noção
modalmente orientada - uma noção formulada à custa do idioma dos mundos possíveis e
particulares que têm propriedades essenciais, propriedades que não poderiam deixar de
1
A modalidade de re, a qual é a modalidade atribuída a uma coisa (res), é rejeitada por alguns filósofos.
Analisarei na secção 2 deste capítulo algumas objecções à modalidade de re.
15
possuir sem deixar de ser o que são. O Essencialismo pressupõe assim a Identidade
exemplo, para avaliar, com respeito ao mundo actual, uma atribuição modal de re como a
“David Lewis é humano” em todos os mundos possíveis, o que implica, dada a designação
rígida, que identifiquemos David Lewis em cada um dos mundos. Por outro lado, a tese da
Lewis é um existente transmundial, o máximo que parece que temos de admitir é a verdade
A tese semântica da Designação Rígida, tal como é exposta por Kripke, apoia-se em
propriedade essencial ao objecto referido. Por exemplo, a descrição “a pessoa oriunda dos
gametas G” é um designador rígido de Kripke se, e só se, a propriedade de ser oriundo dos
gametas G é uma propriedade essencial de Kripke. Assim, dado que a noção kripkeana de
entanto, o Essencialismo não exige a tese da Designação Rígida (embora esta possa ter
um papel auxiliar).
1. Identidade Transmundial
indivíduo ou particular pode existir em mais do que um mundo possível e, portanto, pode
ter, em mundos possíveis não actuais, propriedades diferentes das que tem no mundo
actual. Esta tese é rejeitada por muitos filósofos que a consideram incoerente. Em sua
16
substituição alguns propõem a tese de que os indivíduos estão limitados a um só mundo;
esta tese constitui um dos postulados da Teoria das Contrapartes de David Lewis.
Destaco aqui três dos principais argumentos que visam mostrar que a noção de
identidade transmundial é problemática, o mesmo não acontecendo com a tese de que cada
indivíduo existe apenas num só mundo; e discuto algumas das alegadas refutações de que
Lei de Leibniz); o segundo mostra que aquela noção é problemática pois conduz a
situações que admitem a não transitividade da identidade; o terceiro argumento toma uma
segundo o qual objectos idênticos (no sentido de estrita ou numericamente idênticos) têm
objecto y, se x=y então, para qualquer propriedade P, x tem P sss y tem P. Ora, se
admitimos que um e o mesmo indivíduo pode existir em mais do que um mundo possível,
então esse indivíduo pode (numa dada ocasião) não ter em outros mundos possíveis certas
propriedades que tem no mundo actual, bem como ter em outros mundos possíveis
propriedades que não tem no mundo actual. Daqui resulta, violando o princípio da
m1, e alteremos ligeiramente a sua descrição de modo a permitir-lhe viver 931 anos em vez
17
de 930; chegamos assim à descrição de um outro mundo possível m2 onde Adão (ele
próprio) vive 931 anos. A questão é a seguinte: como pode Adão no nosso mundo, m1, ser
propriedade de viver 930 anos e Adão em m2 não tem essa propriedade pois tem a
propriedade de viver 931 anos. Assim, parece que Adão em m1 e Adão em m2 são pessoas
Este argumento contra a noção de identidade transmundial poderia também ser usado
para estabelecer a impossibilidade da identidade através do tempo: como pode Adão com
930 anos ser a mesma pessoa do que a pessoa que comeu o fruto proibido se o primeiro é
transmundial) Assim, retomando o exemplo acima, podemos dizer que Adão com a idade
de 930 anos pode ser a mesma pessoa que o homem que comeu o fruto proibido, pois
Adão-em-t (altura em que come o fruto proibido) tem a propriedade de ser novo em t, e
Adão-em-t´(com 930 anos) tem a propriedade de ser velho em t´. Logo, não há aqui
qualquer propriedade - e.g. ser novo - que Adão-em-t tenha e Adão-em-t´não tenha. Adão-
em-t tem a propriedade de ser novo em t, mas não é o caso que Adão-em-t´ não tenha essa
propriedade (a propriedade que ele não tem é a de ser novo em t´). Do mesmo modo para
os diferentes mundos possíveis: não há qualquer propriedade - e.g. viver 930 anos - que
Adão-em-m1 tenha e Adão-em-m2 não tenha. Adão-em-m1 tem a propriedade de viver 930
anos em m1, e do facto de Adão-em-m2 ter a propriedade de viver 931 anos em m2, não se
segue que ele não tenha a propriedade de viver 930 anos em m1.
consiste assim em mostrar, através da indexação de propriedades a mundos, que esta tese
18
é compatível com o princípio da Indiscernibilidade de Idênticos; e que um mesmo indivíduo
que, mesmo admitindo que esta noção não viola a Lei de Leibniz, ela é incompatível com a
suponhamos que, em m2, x e y alteram ligeiramente algumas das suas propriedades, e esta
alteração gradual vai-se processando de m2 até mn, de tal modo que em mn todas as
apesar das alterações sofridas, tem ainda muitas propriedades de Jorge Sampaio-em-m1.
Guterres-em-m1).
A refutação deste argumento vai no sentido de negar a premissa usada de que x-em-
m1 seja afinal diferente de x-em-mn e que y-em-m1 seja afinal diferente de y-em-mn. Dadas
diferente de x-em-m1 pois x em todos os mundos em que existe tem, por exemplo, a
19
O terceiro argumento contra a noção de identidade transmundial faz apelo à alegada
A questão que se põe é a de determinar que indivíduo, num mundo possível dado, m,
é o indivíduo x. Parte-se de um existente actual e pergunta-se pelo critério que nos permite
identificá-lo, ou re-identificá-lo, num mundo não actual. Não nos podemos basear nas
propriedades que usamos normalmente para descrever x, pois não há garantia de que
alguém em m tenha essas propriedades, e se alguém as tem, não há garantia de que seja
existe em m; isto é, se não o podemos identificar, não sabemos do que estamos a falar ao
dizer que x existe nesse mundo, ou que tem nesse mundo esta ou aquela propriedade.
Assim, porque não há um critério que nos permita identificar um indivíduo de mundo para
efectivo para formar concepções acerca da identidade de indivíduos através dos mundos.
Na ausência desse critério não há, segundo Chisholm, nenhuma boa razão para supôr que
identificar um particular de mundo para mundo; e exige que esse critério deve mencionar
algumas propriedades que o particular tem em cada mundo no qual existe, propriedades
Ora, o critério epistemológico tem, segundo Plantinga e Kripke, origem numa imagem
indivíduo, digamos Saul Kripke, existe aí. Ora, mundos possíveis não são descobertos mas
estipulados; e, para admitir que há um mundo possível no qual Saul Kripke não escreveu
20
Naming and Necessity, não preciso de identificar nenhuma propriedade “empíricamente
manifesta” que ele tem nesse mundo (tal como a sua aparência física ou a sua morada).
embora a propriedade de ter escrito Naming and Necessity seja uma propriedade
contingente de Kripke - Kripke poderia não ter escrito Naming and Necessity- , a
propriedade de ter realmente (no mundo actual) escrito Naming and Necessity é uma
propriedade essencial de Kripke - em todo o mundo possível em que Kripke existe, ele
A réplica de Kripke (1988: 46-47) vai noutra direcção, evidenciando a confusão entre a
ser Saul Kripke, não procuramos essas condições antes de perguntar, por exemplo, se
podia ter acontecido Saul Kripke não ter escrito Naming and Necessity. Isto é, começamos
com os objectos que temos no mundo actual, e, depois, perguntamos se certas coisas
favor da Teoria dos Indivíduos Limitados a um Mundo perdem a sua força, já que ela
base daquela teoria é a de que nenhum objecto existe em mais do que um mundo, o que
implica algo que vai contra as nossas intuições modais pré-filosóficas, em particular a ideia
21
de que nenhum objecto poderia deixar de ter qualquer uma das propriedades que de facto
A Teoria das Contrapartes de David Lewis parte da ideia de que cada indivíduo existe
num só mundo. Aquilo que é admitido é que cada indivíduo pode ter contrapartes noutros
mundos possíveis, mas a relação do indivíduo com as suas contrapartes não é a identidade.
Poder-se-á dizer que se situa a meio caminho entre a Tese da Identidade Transmundial e o
cada indivíduo esteja limitado a um só mundo, um indivíduo num mundo possível pode ter
uma contraparte noutro mundo, contraparte essa que pode possuir nesse mundo
poderá ser evidenciada pelo modo contrastante como analisam a modalidade de re. Estas
respectivos advérbios de modo são atribuídas a uma coisa ou a cada uma das coisas
é analisada em termos de uma certa relação transmundial entre indivíduos, a relação de ser
frases de re, como por exemplo “Possivelmente David Lewis é português”, implica
22
pelo menos um mundo possível no qual David Lewis (ele mesmo) existe e é português. Na
tese de que nenhum indivíduo ou particular pode existir em mais do que um mundo, e a
contraparte de x em m. Assim, a frase acima é verdadeira se, e só se, pelo menos uma
identidade entre coisas em diferentes mundos. Embora seja uma relação transmundial entre
particulares, não é uma relação de identidade. Embora seja uma relação reflexiva não é
uma relação de equivalência, pois não é transitiva nem simétrica (Ver Lewis 1979: 182-189).
modalidade de Kripke reflecte-se assim nas respectivas análises das condições de verdade
para frases que exprimem necessidades de re. A frase “Kripke é necessariamente uma
pessoa” é verdadeira, na Teoria das Contrapartes, se, e somente se, todas as contrapartes
mesma frase é verdadeira, na Teoria da modalidade de Kripke, se, e só se, Kripke (ele
substitui-a pela doutrina segundo a qual nenhum indivíduo ou particular pode existir em
mais do que um mundo, embora possa ter contrapartes noutros mundos possíveis. O mais
melhor a fazer é substituí-la pela tese segundo a qual os indivíduos estão limitados a um
mundo. Ora, as objecções à noção de identidade transmundial parecem não ser suficientes
23
Kripke, em “Naming and Necessity”, argumenta contra a Teoria das Contrapartes no
sentido em que ela deturpa a nossa compreensão intuitiva de frases modais. Assim, por
exemplo, intuitivamente, quando dizemos que Lewis poderia não se ter dedicado ao
problema da modalidade, queremos dizer algo acerca de Lewis e não algo acerca de uma
pessoa diferente, mesmo que muito semelhante a Lewis, mais semelhante do que a
qualquer outra pessoa nesse mundo. O alvo da crítica de Kripke não é apenas a Teoria das
Contrapartes, mas a concepção de que mundos possíveis são como países estranhos que
apenas podem ser dados por descrições qualitativas, e que, portanto, quer a relação de
identidade quer a relação contraparte de, devem ser estabelecidas em termos qualitativos.
Outra objecção à Teoria das Contrapartes é a de que esta teoria estaria comprometida
exemplificada por um existente actual seria uma propriedade essencial desse existente, já
que seria uma propriedade que esse existente teria em qualquer mundo possível em que
existe. Como cada existente só existe num mundo, a condição para a referida propriedade
facto tem e, portanto, proposições nas quais se atribui a um existente actual uma
Esta objecção não parece justa já que a Teoria das Contrapartes preserva a divisão
um existente actual se não fôr exemplificada por alguma das suas contrapartes. Deste
modo, a Teoria das Contrapartes não é obrigada a defender que cada propriedade de um
existente actual lhe é essencial. Do mesmo modo, proposições nas quais se atribui a um
existente actual uma propriedade que ele de facto não tem já não são necessariamente
falsas, pois esse existente pode ter contrapartes que exemplificam essa propriedade em
24
outros mundos; assim a proposição “ David Lewis é um filósofo português” já não é
necessariamente falsa mas contingentemente falsa, pois a sua verdade num dado mundo
não requer a existência, nesse mundo, daquilo que é denotado por “David Lewis” neste, já
que “David Lewis” denota diferentes pessoas em diferentes mundos, denota as pessoas
mundo. Por outro lado, explicando a modalidade de re através da relação Contraparte de,
procura evitar que qualquer propriedade de um existente actual seja uma propriedade que
David Lewis, já que as contrapartes de David Lewis não são David Lewis (ele mesmo) mas
pressupôr aquilo que se quer provar, isto é, que uma propriedade essencial de um objecto é
uma propriedade que esse objecto (e não a sua contraparte) possui necessariamente.
A última e mais forte objecção que se coloca à Teoria das Contrapartes é a de que ela
é inconsistente com o teorema da habitual lógica modal quantificada, conhecido como Tese
25
(NI*) a=b ® ÿ a=b
(NI*) é uma fórmula válida na habitual semântica para a Lógica Modal Quantificada e
verdadeira no mundo actual, em ma, e se a e b são designadores rígidos, então “a” e “b”
co-referem não só em ma como em todos os mundos em que o objecto referido existe; logo,
Mas (NI*) não é uma fórmula válida na Teoria das Contrapartes, pois a sua
consequente de (NI*) pode ser falsa se, como é admitido pela Teoria das Contrapartes, o
objecto referido por a (e por b) em ma tem, em m1, duas contrapartes. Assim, como um e
um só objecto pode ter objectos distintos como contrapartes num certo mundo, a
2. Essencialismo e modalidade de re
modalidade de re, o qual defende que alguns objectos têm certas propriedades ou atributos
26
2.1- O suporte essencialista do Necessário A Posteriori
Já referi atrás que quer a versão forte quer a fraca da tese kripkeana exigem que seja
essenciais, isto é, certas propriedades que esse objecto não poderia deixar de possuir.
Admitindo a distinção entre essencialismo trivial e não trivial (Salmon 1982), poder-se-
á distinguir a premissa condicional (i) das premissas condicionais (ii) e (iii): enquanto que a
premissa condicional (i) é uma premissa essencialista trivial, as premissas condicionais (ii) e
triviais. Estas são propriedades essenciais que podem ser estabelecidas apenas com base
são casos que resultam de uma premissa essencialista trivial, isto é, de uma premissa que
pode ser derivada de teses lógico-semânticas, como é o caso de (i). Se a frase “Véspero é
referido objecto existe; logo, a frase “Véspero (se existe) é Fósforo” é necessariamente
27
necessariamente verdadeira se, e só se, Véspero, se existe, é tal que não podia deixar de
um objecto de facto possui mas que poderia não possuir) e essenciais (propriedades sem
as quais o objecto não poderia existir). O aparato lógico-semântico dos mundos possíveis
existe nesse mundo possível, x possui nesse mundo possível a propriedade P. Embora os
essas propriedades essenciais, não são suficientes para demonstrar a existência de outras
propriedades essenciais, o que torna estas em não triviais. Assim, daquele aparato
conceptual (com a tese da designação rígida de nomes incluída) resulta (i), que a
propriedade de ser idêntico a Fósforo é uma propriedade essencial trivial de Véspero. Mas
não resulta (ii), que H2O é uma propriedade essencial da água, nem (iii) que a propriedade
de ser oriundo dos gametas G é uma propriedade essencial do oriundo dos gametas G. A
semântica modal. Tal não acontece com o essencialismo não trivial, isto é, com a atribuição
rígido de água, não se segue disso ( tomado em conjunto com outros princípios de carácter
essencial da água. Para que esta conclusão se siga, para estabelecer (ii), temos de supôr a
premissa essencialista independente segundo a qual a água, existindo, não poderia ter uma
28
composição química diferente da que tem actualmente. Do mesmo modo, dada a origem
biológica actual de Kripke, não se segue disso através de princípios lógico-semânticos que
a origem actual de Kripke seja uma propriedade essencial de Kripke. Para que esta
conclusão se siga, para estabelecer (iii), temos de supôr a premissa essencialista segundo
a qual um indivíduo não poderia ter outra origem biológica senão a que tem actualmente.
distingue-se da de dicto pelo facto dos conceitos modais se aplicarem a coisas extra-
linguísticas, e não a frases ou proposições. Assim é que parece clara a distinção entre:
(1) é de dicto pois diz que a proposição que alguma coisa existe é uma verdade
necessária, isto é, verdadeira em todos os mundos possíveis. (2) é de re pois diz que
mundos possíveis. (1) pode ser verdadeira e (2) falsa. A verdade de (1) requer apenas que
cada mundo possível contenha pelo menos um objecto. A verdade de (2) requer que pelo
menos uma coisa actualmente existente também exista em todos os mundos possíveis.
como sendo uma distinção quanto ao âmbito relativo do operador modal e do quantificador.
Assim, enquanto que em (1) o operador modal da necessidade tem âmbito longo em
relação ao quantificador, em (2) tem âmbito curto. Seguindo Forbes (1986: 48), uma fórmula
com operadores modais exprime uma modalidade de re se, e só se, dentro do âmbito de
29
um desses operadores está (a) uma constante individual; ou (b) uma variável livre; ou (c)
uma variável ligada por um quantificador situado fora do âmbito do operador. De outro
exemplo, avaliando “ÿ (esta mesa é feita de madeira)” no mundo actual, temos de avaliar
“esta mesa é feita de madeira”, em todos os mundos, o que requer que sejamos capazes de
Para os filósofos que não aceitam a lógica modal quantificada, nomeadamente Quine,
assim tratados. Veja-se, por exemplo, as seguintes frases, nas quais o operador temporal
tem, como o operador modal nos casos (1) e (2), âmbitos diferentes:
necessidade reside no modo como falamos das coisas, e não nas próprias coisas de que
falamos, não faz sentido atribuir propriedades modais a coisas independentemente do seu
modais a coisas varia em função do modo como elas são descritas: sob a descrição D, e.g.,
(ser casado); mas sob a descrição D´, e.g., “o Presidente da República Portuguesa”, x não
tem necessariamente a propriedade P. Esta ideia de que não faz sentido atribuir
30
partir da pressuposição de que a atribuição de propriedades a coisas depende de factores
descrição D´. Ora, aquela pressuposição é intuitivamente falsa -Jorge Sampaio exemplifica
verdadeira é analítica se a sua verdade depende só do significado das palavras que contem
e do modo como estas estão combinadas na frase ( e não de factos não linguísticos do
mundo externo). A frase “o marido de Maria José Ritta é casado” é analítica. Defende-se
tradicionalmente que uma frase exprime uma proposição necessária só se é analítica, e que
uma entidade tem uma propriedade essencial só se a frase, expressando a proposição que
a coisa tem a propriedade, é analítica. Assim, a analiticidade é vista como uma condição
necessária da necessidade. Ora, argumenta Kripke, estes conceitos não são sinónimos: a
função do modo como são verdadeiras, se são verdadeiras em todos os mundos possíveis.
Outra reacção, menos niilista, à modalidade de re é dada por David Lewis, cuja
contraparte de.
31
2.3- Essencialismo contemporâneo
que constituem a causa do ser das substâncias, sendo determinado por uma teoria acerca
do ser, da substância. Esta diferença básica conduz a que nem todas as propriedades
nem tudo o que constitui a essência aristotélica é considerado essencial por Kripke.
essenciais de indivíduos.
duas espécies de objectos: indivíduos (e.g. um ser humano, um tigre, uma mesa, etc) e
substâncias naturais (e.g. a água, o ouro, etc). Relativamente a indivíduos, menciona três
de madeira do qual uma mesa é originariamente feita é uma propriedade essencial desta
propriedade essencial da pessoa; 2ª- propriedades categoriais: ser uma mesa é uma
propriedade essencial de uma mesa; ser uma pessoa é uma propriedade essencial de uma
alguns objectos é uma propriedade essencial desses objectos. Estes três géneros de
(identificada com a final) é essencial, para Aristóteles; a causa eficiente e a causa material
32
Kripke chega a esta listagem de propriedades essenciais de indivíduos referindo um
objecto individual por meio da designação rígida e perguntando que propriedades esse
objecto tem de possuir para ser o que é. Assim, em Kripke, as propriedades essenciais de
essencial de x é uma propriedade que x não poderia deixar de possuir sem deixar de ser x .
acerca do indivíduo. Kripke rejeita duas análises metafísicas acerca do que são objectos
indivíduo, mas repousa na sua noção de definição, que nada tem a ver com a origem do
uma propriedade essencial que é peculiar a um indivíduo - cada ser humano tem uma
33
diferente propriedade da origem2-, então esta propriedade não pode estar incluída numa
seres humanos, por exemplo, podem ser especificadas numa única definição: a definição de
um ser humano. As propriedades da constituição material também não seriam admitidas por
Aristóteles, dado que a definição de uma substância material (composto de matéria e forma)
é a definição da sua forma e não da sua matéria, pois é a forma que é a causa do ser e da
se funda numa teoria metafísica da modalidade, isto é, nas propriedades que um objecto,
água deixar de ter a composição química que tem no mundo actual? Poderia uma
determinada pessoa x ter uma origem (biológica) diferente da que tem no mundo actual?. A
pelo que a questão deverá ser reformulada. Dada a descoberta científica de que a água
tem a composição química H2O, poderia a água ter uma composição química diferente?
Dado o nosso conhecimento acerca da origem de uma determinada pessoa x, que x tem
exemplificadas, sendo descobertas pela ciência, são determinadas pelas leis da natureza.
possibilidade de mundos possíveis nos quais a água, existindo, não tenha a composição
química H20 e nos quais aquela pessoa, existindo, tenha uma origem diferente da que tem.
correcta a afirmação de que a ciência faz mais do que descobrir simples correlações já que
descobre o que as coisas podem ou têm de ser, descobre verdades necessárias, descobre
2
Mostrarei, no capítulo III desta dissertação, que o fenómeno dos gémeos idênticos levanta dificuldades a esta
perspectiva segundo a qual a propriedade da origem é uma propriedade essencial individualizadora. O
fenómeno dos gémeos idênticos exemplifica uma situação em que a propriedade essencial da origem de x é
uma propriedade essencial de um objecto y, distinto de x.
34
a essência das coisas: uma vez descoberta a composição química da água no mundo
actual como sendo H2O, qualquer outra substância real ou possível só é água se tiver a
substância que designamos por água é uma propriedade essencial da água é admitir a
água é H2O. Ora, se é apenas empiricamente que se descobre ser H2O a composição
da água ( embora possamos não saber tratar-se de uma propriedade essencial - essa é a
versão fraca da tese Kripkeana do Necessário A Posteriori). Se, para além disso, sabemos,
por análise filosófica, que a composição química actual da água é uma propriedade
essencial da água, então só empiricamente podemos saber que ser H2O é uma
3- Designação Rígida
agora mostrar que, embora a tese kripkeana da Designação Rígida exija o Essencialismo, a
Designação Rígida.
sua orientação metafísica traduz-se numa aliança entre os tópicos presentes no título
35
determinada por considerações acerca de propriedades essenciais/acidentais de
particulares.
objecto, digamos Jorge Sampaio, e constata-se que esse indivíduo não poderia deixar de
ser Jorge Sampaio, que a propriedade de ser Jorge Sampaio se lhe aplica essencialmente.
designador rígido de Jorge Sampaio. Pelo contrário, basta consultar as nossas intuições
rígido de Jorge Sampaio, pois o mesmo indivíduo poderia não ter sido Presidente da
Jorge Sampaio poderia deixar de ser Jorge Sampaio, e o “poderia” é, como vimos, o da
possibilidade metafísica.
referente. A orientação modal da noção de rigidez explica porque é que, segundo Kripke,
Seja i um indivíduo e “d” uma expressão que designa i no mundo actual. O critério de
rigidez para “d” pode ser assim formulado: “d” designa rigidamente i sss i não poderia não
ter sido d. O critério de rigidez pode ter duas interpretações: (a) como introduzindo uma
condição suficiente pode ser assim formulado: “d” designa rigidamente i sss,
36
introduzindo uma condição necessária pode ser assim formulado: “d” designa rigidamente i
entre estas duas interpretações surge quando há descrições. Assim, por exemplo, designa“
o pai de João Soares” rigidamente Mário Soares? A resposta intuitiva é positiva se o critério
de rigidez for lido como introduzindo uma condição suficiente, que a propriedade de ser
necessáriamente o pai de João Soares é uma condição suficiente para uma pessoa ser
Mário Soares: não é possível que alguém diferente de Mário Soares seja o pai de João
Soares. Mas a resposta é negativa se o critério de rigidez for lido como introduzindo uma
uma condição necessária para uma pessoa ser Mário Soares: Mário Soares poderia não ser
o pai de João Soares pois Mário Soares poderia não ter tido filhos.
de ser idêntico a d. A noção de rigidez assim definida é a rigidez genérica: “d” designa
acidentais de um particular. No entanto, dado que podemos estabelecer por estipulação que
nomes próprios são rígidos, o estabelecimento da rigidez de nomes próprios não exige
pressupostos essencialistas substantivos. Tal não acontece com algumas descrições, cuja
designados.
37
podemos ter essencialismo independentemente da tese semântica modalmente orientada
da designação rígida.
Por outro lado, podemos adoptar uma teoria da nomeação que, contrariamente à tese
necessidade, proposta por Almog (1986: 210-242), considera que nomes são directamente
referenciais, que aquilo que um nome contribui para uma proposição expressa por uma
frase onde o nome ocorre é apenas o particular designado: o constituinte proposicional que
38
CAPÍTULO II - COMO SÃO POSSÍVEIS NECESSIDADES A POSTERIORI?
Introdução
A tese, argumentada por Kripke (1988; 1993: 162-191), de que certas proposições
duas teses: a de que todas as verdades necessárias são a priori, e a de que todas as
das modalidades envolvidas ser já evidente a partir do uso das noções, a filosofia tradicional
acima representada: a que defende existir uma relação de implicação da necessidade para
em mostrar que não é o caso que por definição aquela implicação se verifique: o facto de
uma proposição ser necessária nada tem conceptualmente a ver com o facto de ser ou não
segue que seja a priori. Deste modo, a tese segundo a qual todas as verdades necessárias
são conhecidas a priori, não é uma tese verdadeira por definição, e exigiria argumentos
substantivos para poder ser mantida; por outro lado, aquela tese é aparentemente
contrariada pelos casos Kripkeanos de verdades necessárias que só podem ser conhecidas
empiricamente.
39
Na medida em que a confusão entre o domínio alético e o epistémico parece estar na
base da suposta implicação da necessidade para a aprioridade, iniciarei este capítulo com
como ela é argumentada por Kant, no sentido de esclarecer a disputa entre Kripke, que
que defende que todas as verdades necessárias são conhecidas a priori e todas as
kantiana segundo a qual se uma verdade é necessária então é conhecida a priori, esboçarei
as linhas gerais da argumentação de Kant em defesa daquela tese. Concluirei que aquela
Avançarei ainda uma possível interpretação da tese kantiana que teria o efeito de a
trivializar: a de que Kant não usaria a noção de necessidade no sentido tradicional, alético,
na secção 3 deste capítulo, as versões das teses em conflito, que passo a enumerar (“p”
verdadeira.
3
A teoria filosófica de Kant assenta fundamentalmente na existência de verdades sintéticas a priori, as quais, em
virtude de serem a priori, são necessárias. Kripke, pelo contrário, nada tem a dizer acerca de verdades sintéticas
a priori. Estipulando simplesmente que qualquer frase que é necessária e a priori é analítica, Kripke defende que
nem todas as verdades necessárias são a priori e que nem todas as verdades a priori são necessárias. Neste
contexto, a questão de se as verdades necessárias são analíticas ou sintéticas não se levanta (ver Grayling
1990: 43-95)
40
Versão (III): Se p é necessária então sabemos a priori que p é necessária. A tese
que p
capítulo, que a tese tradicional pode ser refutada e imediatamente contrariada pela versão
necessárias que apenas podem ser conhecidas empiricamente como tal (versão forte).
Assim, a correcção da versão fraca é suficiente para exibir a incorrecção da tese tradicional.
Kripke em defesa da versão forte da sua tese, e orientando a discussão para um princípio
argumento central é composto por duas premissas e uma conclusão: se sabemos por
verdadeiras; e se só podemos saber por meios empíricos que aquelas proposições são
posteriori, então aquela proposição é também verdadeira a posteriori. Defenderei que este
4
A distinção entre o estatuto modal geral e o estatuto modal específico de uma proposição, já evidenciada na
Introdução, será explicitada neste capítulo, nomeadamente na secção 3 onde distingo as três versões da tese
tradicional, e nas secções 4 e 5 onde mostro, respectivamente, a plausibilidade da versão fraca e forte da tese
kripkeana e consequente refutação da tese tradicional.
41
princípio adicional parece só ser imune a determinados contra-exemplos e dificuldades se
aprioridade vai no sentido de mostrar que ela parece resultar da confusão dos domínios
aquilo que está implícito no uso tradicional das duas noções envolvidas: que elas não são
sinónimas por definição, referem dois domínios distintos, epistémico e metafísico, não
proposição ser verdadeira (falsa). Uma proposição pode ser verdadeira (falsa) de diversos
uma modalidade epistémica, que diz respeito a um modo de uma proposição ser conhecida.
Uma proposição verdadeira pode ser objecto de conhecimento de diferentes modos: pode
ser justificada apenas com base na experiência (a posteriori) ou pode ser justificada sem
explicitação, pois podem bem ser o resultado da confusão dos domínios e conceitos
envolvidos.
42
em que não depende da experiência; um conhecimento é a posteriori se e só se a sua
mundo exterior através dos orgãos dos sentidos), o testemunho e a memória. Na medida
em que, para muitos filósofos, incluindo Kant, os seres humanos não têm qualquer tipo de
a aquisição dos conceitos intervenientes não deverão ser incluídas naquilo que se entende
tradicionalmente por experiência (caso contrário virtualmente nenhuma verdade poderia ser
caracterização do a priori, isto é, ao trocarem o “pode” pelo “ter de” (Kripke 1988: 34-39,
de qualquer experiência, e não aquele que “tem de” ser conhecido independente de
qualquer experiência. A primeira caracterização significa que uma verdade a priori pode ser
domínio do a priori “pode” ser conhecida na base da experiência, por exemplo, por
Dito de outro modo, as verdades que pertencem ao domínio do a priori podem ser
conhecidas empiricamente, já que o que caracteriza uma verdade a priori é o ser uma
verdade que “pode” ser conhecida, e não que “tem de” ser conhecida, independentemente
experiência. Elas opõem-se às verdades a posteriori que só podem ser conhecidas através
da experiência.
43
Assim, uma caracterização básica e consensual das noções de a priori e a posteriori
qualquer experiência.
qualquer experiência.
Das definições (a) e (b) segue-se que uma proposição a priori pode ser identificada
como verdadeira através de meios empíricos, enquanto que uma proposição a posteriori só
a priori não se lhe aplicam de uma forma imediata e líquida, necessitando de alguma
explicitamente defendida por Kant, ao declarar que todo o conhecimento que possui um
contingentes nada tem a ver com o modo de conhecimento de proposições, seja ele a priori
seja a posteriori, mas com o modo de uma proposição ser verdadeira ou falsa.
dada, sendo de facto verdadeira (falsa), poderia no entanto ser antes falsa (verdadeira)?
Poderia, nesse aspecto, o mundo ser diferente do que é? Se a resposta for afirmativa
for negativa estamos perante uma verdade necessária (respectivamente uma falsidade
44
necessária). Assim, por exemplo, perguntamos se Mário Soares poderia não ter sido eleito
para deputado do Parlamento Europeu nas eleições europeias portuguesas de 1999. Dado
que Mário Soares foi, de facto, eleito, e dado que a resposta à pergunta é evidentemente
afirmativa - numa situação contrafactual Mário Soares poderia não ter sido eleito, poderia
mesmo não ter concorrido às eleições ou não ter havido eleições de todo-, estamos
perante a verdade contingente de que Mário Soares foi eleito para deputado do Parlamento
Europeu em 1999. Se Mário Soares não tivesse, de facto, sido eleito, estaríamos perante
necessária. Perguntamos se João Soares, filho de Mário Soares, poderia não ser oriundo
do seu actual progenitor. A resposta intuitiva é negativa - João Soares, numa situação
contrafactual, não poderia ter um progenitor diferente do que tem actualmente-, logo,
estamos perante a verdade necessária de que João Soares é filho de Mário Soares.
Suponhamos agora que se vem a descobrir que afinal João Soares não é, de facto, filho de
Mário Soares, mas de uma outra pessoa. Nesta situação, estaríamos perante uma falsidade
necessária.
Uma proposição necessária é, de acordo com uma ideia tradicional influente, uma
proposição verdadeira em todos os mundos possíveis. Esta intuição está, em traços gerais,
na base das teorias lógicas e semânticas da modalidade, construídas por diversos lógicos e
possíveis são maneiras como as coisas poderiam ter sido e o mundo actual é um deles,
uma vez que é a maneira como as coisas são. Uma das razões da importância do aparato
perspectivas.
assim expressa:
45
( c) p é necessariamente verdadeira se e só se p é verdadeira (é verdadeira no mundo
actual) e não pode não ser verdadeira; por outras palavras, p é verdadeira em todos os
mundos possíveis.
verdadeira; por outras palavras, p é verdadeira no mundo actual e falsa em pelo menos um
mundo possível.
outras palavras, p é falsa no mundo actual e verdadeira em pelo menos um mundo possível.
proposição ser necessária não se segue, pelo menos conceptualmente, que seja a priori. A
juízo a priori (1985: 38). Kant usa aqui a necessidade como um critério da aprioridade.
epistemológicas: que uma proposição seja não só verdadeira mas também necessária, não
depende de qualquer perspectiva acerca das fontes do nosso conhecimento, do modo como
a proposição é justificada. Kripke diria ainda que também não depende de convenções
46
relação de equivalência entre estas duas modalidades. Esta relação de equivalência pode
(B*) Se p é uma proposição que pode ser conhecida a priori então p é necessária.
As teses (A*) e (B*) encontram-se ainda expressas de um modo vago. Note-se que
seria trivial admitir que verdades necessárias, e só verdades necessárias, pudessem ser
concebíveis, pois podemos certamente conceber seres racionais que conhecem a priori
todas as verdades. O que se visa, nomeadamente o que é visado por Kant, é uma noção de
homem (ou de um ser racional que lhe seja cognitivamente semelhante). Assim,
(A) Se p é uma proposição necessária então p pode ser conhecida a priori por algum
ser humano.
(B) Se p é uma proposição que pode ser conhecida a priori por algum ser humano
então p é necessária.
O significado das teses (A) e (B) é o de que, para os seres humanos no mundo actual,
com as capacidades cognitivas que de facto têm, todas as verdades necessárias podem ser
Kant defende a conjunção das duas teses e parece, à partida, não tratar as noções
de “necessidade” e “aprioridade” como sinónimas, pois usa a primeira para referir um modo
de uma proposição ser verdadeira (falsa) (modalidade alética) e a segunda para referir um
argumentar que uma verdade conhecida por meios empíricos não pode ser uma verdade
necessária (1985: 37-38)5, Kant parece distinguir o modo de uma proposição ser conhecida
5
A razão pela qual Kant, neste aspecto de acordo com os empiristas, defende que a necessidade implica a
aprioridade, é a de que a necessidade não pode ser conhecida empiricamente, porque “a experiência ensina-
nos que algo é constituído de uma determinada maneira, mas não que não possa ser de outra maneira”. Ora,
desta premissa não se segue, como mostrarei na secção 4 deste capítulo, a conclusão pretendida, a de que
uma verdade conhecida por meios empíricos não pode ser uma verdade necessária.
47
( empiricamente ou independentemente da experiência) do modo de uma proposição ser
Não havendo sinonímia, a co-extensionalidade expressa nas teses (A) e (B) exige
argumentos suplementares que justifiquem porque é que uma verdade necessária não pode
ser conhecida a posteriori e porque é que se uma verdade é conhecida a priori não pode
ser contingente.
estabelecida por Kant de uma forma rigorosa e permanente. O filósofo parece usar, por
Assim é que a argumentação central de Kant para justificar que todas as proposições
necessárias são a priori, a qual será discutida em seguida, é a de que aquelas proposições
são condições de possibilidade da experiência (transcendentais) pelo que não podem ser
conhecidas por meios empíricos. Ora, se Kant usa a noção de necessidade no sentido
transcendental, as teses defendidas por Kant resultam triviais, e a disputa entre Kant e
Mostrei acima que Kant defende explicitamente a tese (A) ao afirmar que uma
proposição pensada como necessária é a priori (1985: 38); e defende explicitamente a tese
(B) ao afirmar que todo o conhecimento a priori é absolutamente necessário. As teses (A) e
aprioridade.
Centrando a discussão na tese (A), já que é essa que a tese kripkeana do Necessário
de que temos de usar estes princípios e proposições para ter experiência, pelo que não os
48
podemos adquirir a partir da experiência. Ora, se este é o único modo de Kant argumentar a
favor da sua tese segundo a qual todas as proposições necessárias são a priori, então
que é condição de possibilidade da experiência não pode ser obtido por meio da
sentido, no sentido em que o que elas descrevem tem necessariamente de ser assim e não
pode ser de outro modo. Mas, assim sendo, aquela argumentação central não basta para
priori dado serem imprescindíveis para adquirir experiência, segue-se que essas
metafisicamente necessárias, que aquilo que descrevem não possa ser de outro modo. A
argumentação central apenas suporta a ideia de que certas proposições não podem ser
obtidas por meios empíricos já que são as condições que permitem o conhecimento dos
objectos da experiência possível. Não suporta a ideia de que uma proposição necessária é
a priori. Afirmar que uma proposição é transcendental é afirmar que sem ela nada poderia
ser conhecido, o que é completamente diferente de dizer que o estado de coisas que
descreve não poderia ser de outro modo ou que tem necessariamente de ser como é.
argumenta, logo na Introdução, que são verdades necessárias conhecidas a priori. Este
sensível, na intuição pura (espaço e tempo). Assim, argumenta Kant, demonstramos que
49
uma proposição matemática é necessariamente verdadeira construindo uma
necessárias e a priori. O que Kripke refuta é a ideia kantiana segundo a qual é em virtude
de serem necessárias que são a priori : o facto de uma proposição matemática ser
necessária não implica que seja a priori, pois pode simplesmente acontecer não ser
necessidade para a aprioridade. O objectivo de Kant é o de fornecer uma teoria que permita
matemáticas, não sendo analíticas mas sintéticas, são conhecidas a priori. Assim, o facto
das verdades matemáticas serem conhecidas a priori não depende do facto de serem
Física contém verdades necessárias. Ora, se não podemos proceder por construção, então
como podemos proceder para provar a priori que as proposições gerais da Física
segunda parte da “Crítica da Razão Pura”, Kant parece querer dar uma resposta a esta
a sua necessidade é determinada pelo conceito mais geral dos objectos a que se aplicam:
necessariamente verdadeiros, não já porque são condições sem as quais não teríamos
experiência, mas porque são condições sem as quais nenhum objecto poderia ser
50
concebido ou poderia ser concebido como existindo. Assim, a exploração da nossa
concepção de “um objecto em geral” pode fazer o mesmo trabalho, para as verdades
Matemática), não é uma demonstração silogística mas, como refere Kant, “ostensiva”: “A
demonstração directa ou ostensiva é(…) aquela que junta à convicção da verdade a visão
das fontes dessa verdade” (Kant 1985: 628). O problema está em saber que entende Kant
por demonstração ostensiva. Se não é uma análise conceptual nem empírica, que tipo de
imaginação produtora? Assim sendo, tal exploração na imaginação seria o meio a priori
entra em conflito com o sistema Kantiano: Kant restringe a intuição pura às representações
produtora.
conhecidas a priori como tal. Justifica apenas porque é que é a priori que conhecemos
de certas proposições serem condições necessárias da experiência que elas são a priori:
aquilo que é imprescindível para se ter experiência não pode provir da experiência.
51
A presente discussão da argumentação kantiana da sua tese, a de que todas as
contraria, passarei a designar a tese (A) por tese tradicional. Temos assim duas teses em
conflito:
sentido amplo (se p é necessária então é a priori) afirma que é em virtude de uma
proposição ser necessária que ela é conhecida a priori, que todas as proposições
priori), afirma que todas as verdades necessárias conhecidas são conhecidas a priori, que
é por meios a priori que conhecemos proposições necessárias. A tese Kripkeana contraria
a ideia de que todas as verdades necessárias conhecidas são conhecidas a priori (a tese
tradicional restrita). A ideia de que é em virtude de uma verdade ser necessária que ela é
52
conhecida a priori (a tese tradicional ampla), é imediatamente refutada através de casos de
A tese tradicional é susceptível de três versões que poderão ser distinguidas (ver
Casulo 1997: 1-8), embora Kant, como se verá mais adiante, as pareça confundir:
verdadeira.
A versão (I) afirma que se uma proposição é necessária então conhecemos a priori o
valor de verdade dessa proposição, isto é, sabemos a priori que é verdadeira. A versão (II)
afirma que se uma proposição é necessária então conhecemos a priori o seu estatuto
modal específico, isto é, sabemos a priori que é necessariamente verdadeira. A versão (III)
afirma que se uma proposição é necessária então conhecemos a priori o seu estatuto modal
geral, isto é, sabemos a priori que é necessária sem atender ao facto de ser ou não
verdadeira.
A versão (II) que é a conjugação da versão (I) e (III) é a versão defendida por Kant
que parece não distinguir o conhecimento do estatuto modal geral de uma proposição
verdadeira. A versão (II) restrita é a versão defendida por Kant para quem o conhecimento
53
(TK) é também susceptível de duas versões, ambas defendidas por Kripke:
que p
A versão fraca (I´) afirma que podemos conhecer apenas empiricamente o valor de
restrita. A argumentação que está na base da versão fraca (I´), que contraria a versão (I) da
tese tradicional restrita, permite refutar a versão (I) da tese tradicional ampla. Aquela
argumentação, que discutirei mais adiante, defende que o facto de uma proposição ser
necessária nada tem a ver com o facto de ser conhecida ou com o modo como é conhecida,
conhecimento do seu estatuto modal geral. Assim, refutando a versão (I) da tese tradicional
ampla, mostra que certas proposições necessárias, que se sabe serem necessárias, podem
contrariando a versão restrita respectiva, mostra que certas proposições necessárias, que
não se sabe serem necessárias, apenas empiricamente podem ser conhecidas (casos
A versão forte (II´) afirma que podemos conhecer apenas empiricamente o estatuto
tradicional. A argumentação que está na base na versão forte (II´) que contraria a versão (II)
da tese tradicional restrita, permite refutar a versão (II) da tese tradicional ampla.
premissa de que conhecemos a priori o seu estatuto modal geral, concluindo que só
54
empiricamente podemos conhecer o seu estatuto modal específico. Assim, refutando a
versão (II) da tese tradicional ampla, mostra que certas proposições necessárias não são
conhecidas como verdades necessárias pois não são conhecidas de todo (nos casos atrás
respectiva, mostra que certas proposições necessárias apenas empiricamente podem ser
A tese kripkeana não tem uma versão (III´) pois esta equivale à versão forte: se
necessariamente verdadeira. Kripke não contraria a ideia de que o estatuto modal geral de
virtude de uma proposição ser necessária que conhecemos a priori o seu estatuto modal
geral, refuta a versão (III) da tese tradicional ampla. Na medida em que o facto de uma
proposição ser necessária nada tem a ver com o facto de ser conhecida (como
uma proposição necessária não se confunde com o conhecimento do seu estatuto modal
seu estatuto modal geral ( casos que exemplificam a versão fraca da tese kripkeana)
A ideia chave de Kant, a qual é comum aos empiristas e que parece constituir a razão
não pode provir da experiência. Daqui conclui não só que o conhecimento de proposições
necessárias é a priori (tese tradicional restrita), como parece ainda concluir que se uma
55
Ora, a conclusão de que é em virtude de uma proposição ser necessária que ela é a
priori não pode ser retirada da premissa de que o conhecimento da necessidade não pode
provir da experiência. Não pode ser retirada porque o facto de uma proposição ser
necessária não implica que saibamos nem que é necessária nem que é verdadeira. Por
também não pode ser retirada da premissa de que o conhecimento da necessidade não
pode provir da experiência. Não pode ser retirada porque, admitindo que o estatuto modal
geral de proposições necessárias não pode ser conhecido por meios empíricos, não se
segue que o seu valor de verdade e, consequentemente, o seu estatuto modal específico
necessidade).
verdadeira mas que é necessária, isto é, quando conhecemos o estatuto modal específico
de uma proposição necessária. Assim sendo, o filósofo reduz a tese tradicional à sua versão
(II). Esta redução traduz-se na indistinção da versão (I) e (III) de (TT) e tem como
necessárias sem se saber que são necessárias, quer a de se saber que são necessárias
sem se conhecer o seu valor de verdade. Ora, a tese kripkeana mostra que aquelas
uma proposição necessária se não deve confundir com o conhecimento do seu estatuto
modal geral.
56
As confusões acima assinaladas estão patentes no seguinte argumento natural a
mundo actual; ora, se essa verdade fosse conhecida apenas por meios empíricos então
acerca do mundo actual, e, portanto, não seria uma verdade necessária; logo, o
actual; ora, uma verdade que depende de aspectos do mundo actual não é uma verdade
necessária; logo, uma verdade necessária não pode ser conhecida empiricamente.
Este raciocínio, ao concluir que uma verdade conhecida por meios empíricos não
pode ser uma verdade necessária, confunde o estatuto modal de uma proposição
necessária com o modo como o seu valor de verdade é conhecido. Ora, o facto do
mundo actual, ser conhecido empiricamente, não implica que essa verdade não seja
necessária : uma coisa é o estatuto modal de uma proposição, neste caso o ser necessária,
seu estatuto modal geral. Ora, não só podemos conhecer o valor de verdade de
proposições necessárias sem sabermos que são necessárias, como podemos saber que
são necessárias e não conhecermos o seu valor de verdade. Posso não ter a noção de
57
(exemplificação da 1ª situação). Posso não saber o resultado de um problema aritmético
mais complicado e saber que se trata de uma proposição necessária, dado saber que todas
necessariamente verdadeira.
priori, ou que é em virtude de ser necessária que é a priori (tese tradicional ampla), não só
saibamos a priori que o são, não são conhecidas de todo, isto é, sendo indecidíveis, não se
sabe (e não se virá em princípio a saber) se são verdadeiras ou falsas. Por outro lado, a
geral, como pode ser imediatamente contrariada. Pode ser contrariada, supondo que os
Ao contestar o argumento que parece estar na base da tese tradicional, Kripke mostra
que o facto de o valor de verdade de uma proposição necessária p só poder ser conhecido
proposição nada tem a ver com o modo como o seu valor de verdade é conhecido, ou se é
ou não conhecido, sendo possíveis casos de proposições necessárias cujo valor de verdade
58
só empiricamente pode ser conhecido (versão (I´) de (TK) que contraria a versão
conhecido de todo (como a conjectura de Goldbach referida acima, que refuta a versão (I)
ampla de (TT)).
Basta a versão fraca da tese Kripkeana para refutar o argumento que está na base da
depende do facto de serem necessárias, nem do facto de se saber que são necessárias,
pelo que é perfeitamente plausível que só empiricamente possamos saber que certas
do mundo actual, sem sabermos que são necessárias. É claro que os exemplos aduzidos
para estabelecer a versão fraca da tese kripkeana, embora não exijam que se conheça o
estatuto modal geral de proposições necessárias, exigem que se estabeleça que essas
Mostrei já que a versão (II) da tese tradicional, de que é a priori que conhecemos
proposições necessariamente verdadeiras, parece ser a versão adoptada por Kant ao não
distinguir a versão (I) e (III): dada uma proposição necessária p, saber que p é saber que p
versão fraca da tese kripkeana, a qual mostra que podemos saber que p e não saber que p
necessária e o conhecimento do seu estatuto modal geral, poder-se-á perguntar o que terá
exemplo de Kant teríamos que, dado a proposição “todo o acontecimento tem uma causa”
ser uma verdade transcendental, saber que aquela proposição é verdadeira é saber que ela
é transcendentalmente verdadeira.
59
Seguindo esta interpretação, o raciocínio que está por detrás da tese tradicional e que
uma proposição transcendental fosse empírico, essa verdade não poderia ser
conhecimento é a priori. É claro que esta interpretação da tese kantiana a trivializa e anula o
Admitindo que Kant usa o termo “necessário” no sentido tradicional, alético, e que,
portanto, a tese tradicional não pode ser legitimamente trivializada, então ela é refutada,
como mostrei, evidenciando as confusões que a suportam: a confusão dos domínios das
conhecimento do seu estatuto modal geral, nada impede que o valor de verdade de uma
sabemos por meios empíricos que p (versão fraca de (TK)); por outro lado, se só
de (TK)).
restrito, é proposta por Kitcher (1987: 190-207). A argumentação de Kitcher processa-se por
uma condição suficiente da aprioridade, isto é, que tudo o que é necessário e conhecido é a
priori ( se se sabe que p e p é necessária então sabe-se a priori que p), a consequência
60
que daí se pode tirar é a de que todas as verdades são a priori; ora, esta consequência
modais e não temporais, numa frase verdadeira tornam-na numa frase necessariamente
A ideia é a de que obtemos assim uma frase que é necessária se a frase original for
verdadeira. Ora, se tudo o que é necessário é a priori, então qualquer frase verdadeira
rigidificada é a priori. Esta premissa, coadjuvada pela premissa razoável de que sei a priori
que qualquer frase rigidificada é equivalente à frase original 6, permite a conclusão de que
A versão forte da tese kripkeana contraria a versão (II) da tese tradicional que é a
versão adoptada por Kant dada a indistinção das versões (I) e (II).
Kripke é a de que certas proposições, não sendo proposições matemáticas, têm uma
característica que é própria das proposições matemáticas, a de que sabemos a priori que,
se são verdadeiras, são necessariamente verdadeiras: “a análise filosófica diz-nos que não
podem ser contingentemente verdadeiras, pelo que qualquer conhecimento empírico da sua
6
Esta premissa pressupõe que “actual” é um indexical que, contrariamente a outros indexicais, não varia com o
contexto: uma frase indexada com “actual” expressa, noutros mundos possíveis, a mesma crença que a frase
original.
61
verdade é automaticamente um conhecimento empírico de que são necessárias” (1980:
159).
O argumento de Kripke em defesa da versão forte da sua tese pode ser assim
expresso:
A premissa (1) afirma que conhecemos a priori o estatuto modal geral de certas
proposições, que sabemos a priori que certas proposições são necessárias nada dizendo
A conclusão (3), a versão forte de (TK), exige aquilo cuja possibilidade já tinha sido
pode ser conhecido por meios empíricos(premissa (2)). Exige ainda que saibamos a priori
Na maior parte dos casos de necessidades a posteriori, a premissa (1) não pode ser
Designação Rígida de nomes, alguma lógica modal elementar, e certos princípios lógicos
dizem respeito ao modo como as coisas são ou têm de ser. Tais pressupostos decorrem de
62
intuições acerca daquilo que pode e não pode ser o caso e da eliminação de intuições de
contingência.
triviais e não triviais. O 1º caso, assinalado com (*), é um caso trivial do Necessário A
substantivo. O 2º e o 3º casos, assinalados com (**) e (***), são casos não triviais, casos
que não resultam apenas de teses da filosofia da linguagem, de princípios lógicos quase
Aplicação do argumento a favor de TK-forte aos casos assinalados com (*), (**) e
(***):
(1*) Sabemos a priori (por meio da tese semântica da Designação Rígida de nomes,
do princípio lógico da Necessidade da Identidade, etc) que se Véspero (se existe) é idêntico
(2*) Ora, só por meios empíricos podemos saber que Véspero é idêntico a Fósforo.
propriedade essencial da água) que se a água tem a composição química H2O então
(2**) Ora, só empiricamente sabemos que a água tem a composição química H2O.
63
(1***) Sabemos a priori (admitindo a premissa essencialista de que uma pessoa ter os
progenitores que de facto tem é uma propriedade essencial da pessoa em questão) que se
Jocasta.
posteriori que envolvem a admissão de propriedades essenciais não triviais (2º e 3º casos).
que o valor de verdade de uma proposição que atribua uma propriedade essencial a um
objecto pode ser apenas conhecido a posteriori, mas não se segue que que o seu estatuto
conclusão não é (a), a de que conhecemos só a posteriori o estatuto modal geral de p, mas
sim (b), a de que só a posteriori conhecemos o seu estatuto modal específico. (b) é a
estatuto modal específico de uma proposição, baseada no facto de p ser uma proposição
ser conhecido apenas a posteriori. Kripke não defende que o estatuto modal geral de
64
proposições acerca de propriedades essenciais de um objecto é a posteriori. Pelo contrário,
argumenta por exemplo que sabemos por análise filosófica, a priori, que se uma frase de
proposições necessárias (versão fraca), bem como o seu estatuto modal específico, isto é,
conhecer a posteriori verdades necessárias como tal (versão forte). No entanto não nega
priori.
H2O, a partir do nosso conhecimento a priori da premissa “se a água é H2O então
H2O”); sabemos só a posteriori que necessariamente esta mesa é feita de madeira, a partir
do nosso conhecimento a priori da premissa “se esta mesa é feita de madeira então
versão forte, Kripke parece propor um princípio adicional que pode ser assim formulado: se
uma verdade é uma consequência lógica de duas verdades e se uma delas é a posteriori,
65
(5) A água é H20
Das premissas (4) e (5) segue-se logicamente, por modus ponens, a conclusão (6).
A justificação para (6) ser conhecida a posteriori está no facto de uma das premissas
nas quais se baseia ser a posteriori. Kripke argumenta que (4) é a priori: sabemos por
“análise filosófica” que se a constituição química actual da água é H20 então a água é H20
em todos os mundos possíveis; (6) é a posteriori pois é uma consequência lógica de (4) e
(5), sendo que (5) é a posteriori dado ser uma descoberta científica.
uma consequência lógica de duas premissas em que uma delas é a posteriori, essa
contingente a priori defendido por Kripke). Embora seja epistemicamente não relevante,
conclusão não deixa de ser uma consequência lógica das premissas. A conclusão (9) é a
priori embora seja uma consequência lógica de (7) e (8), sendo (8) a posteriori.
66
Na medida em que estamos a lidar com contextos epistémicos o carácter
consequente não relevante da premissa condicional (7), pelo que mesmo que só a
conhecer a consequente: dado que a premissa condicional (4) estabelece uma relevância
epistémica da sua antecedente para a sua consequente, (6) só pode ser conhecida a
Do que ficou dito parece-me poder concluir que o princípio adicional do argumento de
Kripke, para poder ser mantido, exige a seguinte reformulação: se uma verdade é uma
67
CAPÍTULO III - TAXONOMIA DO NECESSÁRIO A POSTERIORI
Introdução
comtempla três tipos de casos, e delinearei os argumentos e objecções para cada caso.
outros, podem ser separados em três distintos grupos, dadas as suas características
Túlio. A premissa condicional do argumento de Kripke que permite estabelecer estes casos
sem pressupôr nenhuma teoria metafísica especial (para além da que possa estar envolvida
na tese da designação rígida e que foi atrás referida). Aquela premissa pode ser formulada
desta maneira: se uma frase de identidade na qual ocorrem apenas designadores rígidos é
68
verdadeira, então é necessariamente verdadeira. Por exemplo, se “Véspero” e “Fósforo” são
designadores rígidos de Vénus, então em qualquer mundo em que Vénus exista “Fósforo”
e “Véspero” designam Vénus. Segue-se que em qualquer mundo em que Vénus exista a
idêntico a Fósforo.
propriedade essencial de ser idêntico a Fósforo. Não se trata aqui propriamente de uma
por meio da tese da designação rígida e de alguma lógica modal elementar - que se
podemos saber que Véspero é Fósforo; então só empiricamente podemos saber que
sujeitas a controvérsia.
Os casos que dizem respeito a categorias naturais (por exemplo, que a água é H2O
categoria natural é fixada. São premissas não já semânticas, mas metafísicas que os
possibilitam. Com o argumento da Terra Gémea Putnam visa defender uma teoria
rígidos. Visa ainda defender teses metafísicas, nomeadamente a de que categorias naturais
têm propriedades essenciais, que a estrutura física actual de uma substância natural é uma
69
propriedade essencial dessa substância, e que a pertença à classe taxonómica na qual está
incluída uma determinada espécie animal é uma propriedade essencial dos membros dessa
análise filosófica, que a estrutura química de uma substância natural, a água por exemplo, é
química da água é H2O, então a ciência descobriu uma propriedade essencial da água.
que dizem respeito à origem e composição material de objectos físicos (como, por exemplo,
o caso de Édipo ser necessariamente filho de Jocasta, ou o caso de esta mesa de madeira
propriedades que esses particulares, existindo, não podem deixar de possuir. Assim, se
sabemos, por análise filosófica, que a origem biológica de um indivíduo i é uma propriedade
70
1.1- A necessidade das identidades verdadeiras formuladas à custa de nomes
Mostrei que o argumento geral de Kripke que suporta a versão forte da sua tese partia
necessárias. Esta premissa a priori é uma condicional da forma geral éP ® ÿPù. Nos
casos agora em questão, essa premissa resulta directamente quer da tese semântica da
um objecto não poderia ser dois objectos ("x "y ( x=y ® ðx=y)). A contraparte linguística
desta tese, que diz que qualquer frase de identidade verdadeira na qual ocorram apenas
ða=b).
clássico):
“Fósforo” são designadores rígidos de Vénus, então designam Vénus não só no mundo
actual, mas em qualquer mundo possível em que Vénus exista. Assim, se a frase “Véspero
pergunta : poderia Véspero não ter sido Fósforo?, a pergunta é acerca de coisas, e não de
71
nomes, e a resposta é negativa, se a tese da Necessidade da Identidade for verdadeira (se
defendida se se adoptasse a teoria descritivista dos nomes. Para esta teoria, nomes são
é contingentemente verdadeira porque ela é vista como dizendo o mesmo que “O corpo
celeste visto à tarde em tal e tal posição = O corpo celeste visto de manhã em tal e tal
teoria descritivista dos nomes, defendendo que as descrições associadas aos nomes não
são sinónimas dos nomes; na melhor das hipóteses, e em alguns casos, apenas fixam a
necessária que Véspero é Fósforo mas é contingente que o corpo celeste visto à tarde em
tal e tal posição seja o corpo celeste visto de manhã em tal e tal posição.
maior parte dos argumentos contra este tipo de exemplos de necessidades a posteriori
confunde o “poderia” epistémico com o metafísico: podemos ter situações idênticas - quer
corpo celeste e, noutra, a corpos celestes diferentes. Mas esta última situação não é uma
situação em que Fósforo não seja Véspero, pois o termo “Fósforo” é aqui usado para
designar outro planeta, não é usado tal como nós o usamos. Assim, uma situação
contrafactual em que “Fósforo” não é usado para designar Fósforo (=Véspero) é ainda uma
72
Mostrei que estes casos de verdades necessárias a posteriori resultam directamente
Identidade, pelo que a maneira mais óbvia de os rejeitar consiste em rejeitar aquelas teses.
Alain Gibbard (1975: 187-221) rejeita ambas aquelas teses, defendendo que nem
exemplo apresentado por Gibbard diz respeito a estátuas de barro e peças de barro, e
pressupõe que estátuas de barro e peças de barro são objectos específicos, podendo
portanto ser designados através de nomes próprios. O objectivo é mostrar que, debaixo de
certas circunstâncias, uma estátua de barro é idêntica à peça de barro da qual é feita, mas
Para uma estátua de barro ser idêntica à peça de barro da qual é feita, têm de ter
tempo e deixar de existir ao mesmo tempo. Ora, os critérios de persistência para estátuas
de barro e para peças de barro são diferentes. Uma peça de barro P persiste enquanto
todas as partes de P estiverem ligadas umas às outras; e deixa de existir quando as partes
de P deixam de estar ligadas umas às outras ou se ligam a porções de barro que não estão
em P. Uma estátua de barro E persiste enquanto a peça de barro de que é feita perdura e
mantém a sua forma específica; e deixa de existir quando a peça de barro deixa de existir
estátua de barro é idêntica à peça de barro da qual é feita na seguinte situação. A estátua
de Golias é feita em duas etapas: primeiro a parte de cima da cintura e depois a parte de
baixo, sendo em seguida as duas partes ligadas. Neste momento começa a existir
simultaneamente uma nova peça de barro e uma nova estátua; se, um pouco mais tarde, se
destruir a estátua quebrando-a em pedaços, esta deixa de existir juntamente com a peça
de barro. Nesta situação a estátua, que designamos por “Golias”, e a peça de barro, que
73
designamos por “Pebar”, começam a existir ao mesmo tempo e perduram durante o mesmo
período de tempo, pelo que Golias=Pebar. No entanto, argumenta Gibbard, esta identidade
m1, onde Pebar começou a existir ao mesmo tempo que Golias, tal como foi descrito na
situação acima, no mundo actual ma, mas, antes do barro secar, foi moldada uma bola.
Neste momento Golias deixou de existir; mas Pebar continuou a existir com uma nova
mesmo objecto em todos os mundos possíveis em que o objecto existe. Gibbard propôe
uma outra teoria acerca de nomes próprios, segundo a qual nomes próprios são
designadores rígidos não dos objectos em si mesmos, mas dos objectos sob uma categoria
ou tipo a que estão associados. “Golias” refere uma coisa x enquanto estátua e “Pebar”
refere uma coisa x enquanto peça de barro. Assim, porque “Golias” e “Pebar” referem uma
coisa que pertence a duas diferentes categorias, com critérios de persistência diferentes, a
identidade é contingente. É verdadeira porque, à luz dos dois conjuntos de critérios, os dois
nomes designam a mesma coisa (que começa a existir e deixa de existir ao mesmo
tempo); mas é contingente porque há uma situação contrafactual na qual, depois da coisa
ter vindo à existência, e à luz dos dois conjuntos de critérios, Golias, contrariamente a
ramificado a partir do mundo actual ma, depende de duas coisas: da sua referência no
mundo actual (que determina como é que se origina a coisa que denota em m1) e dos
critérios de persistência que invoca (que determina qual das coisas que se originaram dessa
74
Deste modo, no mundo actual, Golias=Pebar, pois os dois nomes referem a mesma
coisa enquanto estátua e enquanto peça de barro: Golias e Pebar começaram a existir ao
mesmo tempo e deixaram de existir ao mesmo tempo. Em m1, Golias ¹Pebar pois, tendo
em conta os critérios de persistência para estátuas e peças de barro, Golias (a estátua que
teve aquela origem) deixou de existir, e Pebar (a peça de barro que teve aquela origem)
permanece.
do modo como é designado. Da teoria da referência de nomes proposta por Gibbard segue-
que não tem sentido falar da mesma coisa particular em diferentes mundos possíveis
indivíduos são o mesmo, tem que se responder primeiro à questão: ”o mesmo quê?”.
particular como possuindo em si uma propriedade essencial, uma propriedade que possui
necessariamente, uma propriedade que essa coisa possui em todos os mundos em que
A réplica pode tomar duas direcções. A primeira vai no sentido de mostrar que
Gibbard defende a ideia de que nomes não designam rigidamente objectos, mas
objectos descritos de certo modo, sob categorias a que estão associados. Ora, se nomes
são descrições, se “Golias” designa um determinado objecto enquanto estátua com uma
75
determinada forma e “Pebar” designa um determinado objecto enquanto peça de barro,
segue-se que o facto da frase “Golias = Pebar” ser verdadeira, não implica que seja
qualquer frase de identidade onde ocorrem designadores não rígidos, isto é, do facto de ser
assume o descritivismo.
de nomes e mostrar que não é o caso que “Golias=Pebar” pois, a ser o caso, violar-se-ia a
Logo Pebar e Golias têm todas as propriedades em comum. Assim, se Pebar, em t, tem
só ela) mudasse, mas Golias não teria essa propriedade. Logo, afirmar que Golias=Pebar é
pode ser conhecida empiricamente, já foi discutido anteriormente: porque (3) é uma
consequência lógica ( e epistemicamente relevante) de (1) e (2), e dado (2) só poder ser
conhecida por meios a posteriori, (3) só pode ser conhecida por meios a posteriori.
Admitindo a plausibilidade deste argumento, o único modo de refutar que (3) seja a
76
posteriori ou só possa ser conhecida a posteriori, é defender que (2) não é a posteriori ou
Pavel Tichý (1983: 225-241), na sua crítica a Kripke e na sua defesa da conexão
premissa (2) seja a posteriori. Tický argumenta que, dado “Fósforo” e “Véspero” serem
designadores rígidos, (2) é uma particularização do princípio lógico de que qualquer objecto
é idêntico a si mesmo, e logo que é conhecida a priori. Esta alegada refutação pressupõe
Fósforo.
(5) Posso saber a priori que a proposição que Fósforo é Fósforo é verdadeira.
(6) \Posso saber a priori que a proposição que Fósoforo é Véspero é verdadeira.
A ideia de Ticky é a de que, admitindo, de acordo com Kripke, que a única função
mesma de “Fósforo”, e logo que ambos os termos são designadores rígidos de Vénus,
então ao afirmar (2) estamos a imputar auto-identidade a Vénus. (2) é um caso particular
Admitida a conclusão (6), refuta-se que a premissa (2) do argumento de Kripke seja a
posteriori, ou, pelo menos, que só possa ser conhecida por meios empíricos.
visibilidade em diferentes momentos do dia para saber que (2), pois (2) nada afirma acerca
dessas matérias: o que (2) afirma é que Vénus é idêntico a si mesmo. O único modo de dar
sentido à argumentação de Kripke de que (2) é a posteriori é, segundo Tický, admitir que
aquele confundiu uso e menção de uma proposição, e que o que de facto Kripke quer dizer
77
(2*) A frase “Fósforo é Véspero” é verdadeira.
Ora, (2) e (2*) são diferentes proposições. (2) é a priori e necessária: é a priori que
Assim sendo, continua Ticky, o argumento de Kripke não pôe em causa a tese da co-
A argumentação de Tický não pode, no entanto, ser usada contra Kripke pois este não
aceita o que está pressuposto no argumento de (4) e (5) para (6). O que está aí
contextos epistémicos: se eu sei a priori que P, e P é a mesma proposição que Q, então sei
a priori que Q. O que está aí pressuposto é que nomes co-referenciais são permutáveis
em contextos epistémicos, pelo que mudando uma frase pela substituição de um nome
próprio por outro com a mesma referência produzir-se-á sempre uma nova frase que
expressa a mesma proposição que a anterior. Ora, segundo Kripke, que não se cansa de
distinguir a necessidade metafísica da epistémica, nomes são modalmente rígidos mas não
modais mas não em contextos epistémicos. Embora a proposição expressa pela frase
“Fósforo é Fósforo” e a expressa pela frase “Fósforo é Véspero” sejam ambas necessárias
mesmo objecto, Vénus. Assim, na medida em que Kripke não aceita a pressuposição do
argumento de Tický, a crítica deste à suposta confusão Kripkeana entre uso e menção de
uma proposição deixa de ter sentido. Por outro lado, aquela interpretação de Kripke é
78
implausível dado que este revela ser sensível à distinção uso-menção em “Naming and
Curtis Brown (1984: 379-397) admite também, contrariamente a Kripke, que nomes
(6) do argumento de Tický, de que podemos saber a priori que Véspero é Fósforo. Assim,
admitindo (6), defende que o argumento de Kripke (de que sei a priori que (1) e a posteriori
que (2) pelo que sei a posteriori que (3)), não mostrou (pelo menos para aqueles que
proposições necessárias que não podem ser conhecidas a priori. Apenas mostrou que há
proposições necessárias que podem ser conhecidas a posteriori (não mostrou que (3) não é
a priori, mas apenas que pode ser conhecida empiricamente). Deste modo seria refutada a
tese segundo a qual existem verdades necessárias a posteriori, isto é, existem verdades
epistémicos, questões que são, segundo Kripke, muito problemáticas, pelo que não tem
nenhuma “doutrina oficial” (1988: 21) acerca delas. Contra a doutrina da substituibilidade
universal de nomes, argumenta que o facto da frase portuguesa “Véspero é Fósforo” poder
ser usada para levantar uma questão empírica e a frase “Fósforo é Fósforo” não poder ser
usada para tal, mostra que as frases não são completamente permutáveis. A questão está
epistémica e acerca das descrições não serem sinónimas dos nomes, fixando em alguns
casos apenas a sua referência, mostrou que a doutrina da substituibilidade para contextos
modais pode ser mantida mesmo que ela seja omitida para contextos epistémicos.
79
1.5- Esquema do argumento para estes casos do Necessário A Posteriori: (EI)
Os casos do Necessário A Posteriori que tenho estado a discutir são, apesar de tudo,
construídas a partir de dois termos singulares distintos que designam rigidamente o mesmo
conclui que só empiricamente podemos saber que frases de identidade verdadeiras onde
ocorrem apenas designadores rígidos são necessariamente verdadeiras, com base na tese
questão. Por meio da tese da designação rígida sabe-se que se uma frase de identidade
verdadeira (sabe-se a priori que (1)); por meios empíricos sabe-se que aquelas identidades
Helen Steward (1990: 385-398) sugere que estes casos podem ser plausivelmente
argumentados por meio do seguinte esquema, a que chama esquema da identidade (EI):
(ii) a=b
(iii) é de natureza semântica. A conclusão (iv) é a posteriori dado o input empírico em (ii).
O objectivo de Steward é mostrar que este esquema se não aplica aos casos de
necessidades a posteriori que envolvem termos para categorias naturais e que passo a
discutir.
80
2- Categorias naturais e o Necessário A Posteriori
discutirei nesta secção envolvem termos para categorias naturais, termos para substâncias
como “água” ou “ouro”, termos para espécies animais como “tigre”, para fenómenos
naturais como “calor”, etc. Assim, por exemplo, “A água é H2O”, “Tigres são mamíferos”, “O
posteriori.
A situação com estes casos será semelhante à situação das identidades verdadeiras
com designadores rígidos? Mostrei que, nesta última situação, a conclusão essencialista
acima colocada, mostrarei agora que os casos em questão exigem premissas essencialistas
“Ouro= o metal com o peso atómico 79”, são exemplos de identidades verdadeiras
descobertas empiricamente cujos termos são ambos designadores rígidos (1980: 140),
poderá levar-nos a considerar que (EI) também se aplica a estes casos. Teríamos assim a
(vi) Água=H2O
81
premissa (vi). O essencialismo expresso na conclusão (viii), de que ser H2O é uma
Assumindo que o argumento acima enunciado é válido, a conclusão não poderá ser
falsa e as premissas todas verdadeiras. Steward (1990:385-398) pretende mostrar que (vii)
é falsa, nomeadamente que “H2O” não é um designador rígido, imaginando uma situação
por Steward é a seguinte : suponhamos que o núcleo dos átomos que compõem as
moléculas de H2O contêm protões-B que, sendo similares aos protões correntes, produzem
diferentes macropropriedades, pelo que H2O é um sólido opaco e cor de rosa. Steward
conclui que, nesta situação, Água¹H2O, pelo que “H2O” não é um designador rígido.
A premissa de que Steward parte para concluir que, naquela situação, Água¹H2O é a
de que a “água” tem um conteúdo descritivo: “o líquido incolor, transparente, etc”. Assim,
um sólido opaco e cor de rosa não se enquadra naquela descrição. Esta premissa é
termo; que termos para categorias naturais não referem via propriedades nem são
Outro modo, mais convincente, de refutar o argumento (v)-(viii) é mostrar a petitio que
fosse tomada como garantida, pelo que não pode ser usada como prova para essa
conclusão. Isto porque a rigidez de “H2O” não seria de jure mas de facto, isto é, a rigidez de
“H2O” não resulta de uma estipulação, mas exige o apelo a factos modais extra-linguísticos.
Assim, porque a rigidez de um termo como “H2O”, dada a sua complexidade conceptual, só
82
pode ser de facto, o estabelecimento da premissa (vii) exige mais do que uma reflexão
Mesmo admitindo que a situação contrafactual imaginada é uma situação onde H2O
não seria água, o que, como mostrei, é questionável, não se trata de uma situação na qual
a água não tem a composição química H2O, mas uma situação onde a água não existe.
Aquela situação apenas contraria a pressuposição de que se x é H2O, então x é água; mas
ainda plausível que a água deva essencialmente ter a composição química H2O, pelo que a
conclusão “Necessariamente a água é H2O”, onde o “é” é um “é” predicativo, não é posta
em causa.
sugerido por Kripke para todos os casos do Necessário A Posteriori, e que poderá ser,
(7) Dada uma substância natural x , se x tem uma composição química y então
dado que x tem de facto y, uma condição necessariamente necessária para uma substância
essencialista faz apelo às nossas intuições modais através de exemplos da Terra Gémea ou
83
química de uma determinada substância. Destas duas premissas se conclui que em todos
os mundos possíveis aquela substância tem aquela composição química: a conclusão (9) é
necessáriamente a água é ( no sentido predicativo) H2O, isto é, ser H2O é uma condição
A conclusão do argumento que usa (EI), a conclusão (viii), dado que a relação de
tese de que necessariamente H2O é água, isto é, que ser H2O é também uma condição
necessariamente suficiente para ser água. Ora, os exemplos da Terra Gémea e similares
não mostram que necessariamente ser H2O é uma condição suficiente para ser água, que
H2O em todos os mundos possíveis em que existe é água; mas talvez mostrem que
necessariamente ser H2O é uma condição necessária para ser água, que a água em todos
essenciais e que estas são fornecidas pelas ciências naturais; e parece também derivar o
uma categoria natural é fixada. A teoria de Putnam acerca da extensão de termos para
negam que a extensão (ou referência) de termos para categorias naturais seja função das
descrições acreditadas pelos falantes como sendo verdadeiras das coisas pertencentes a
essas categorias.
No entanto, o argumento da Terra Gémea parece ser usado por Putnam não só para
defender teses semânticas acerca de termos para categorias naturais, mas também para
7
q é uma condição necessariamente necessária de p sss ÿ(p®q) é verdadeira
84
Putnam (1996:3-52) visa demonstrar, por meio do argumento da Terra Gémea, que as
propriedades gerais normalmente associadas a um termo para uma categoria natural não
Terra Gémea satisfazem essas propriedades); assim sendo, defende que termos para
categorias naturais são designadores rígidos dessas categorias, e que a extensão de tais
termos não é determinada pelas crenças daqueles que os usam. Defende ainda teses não
da água ser H2O ou a tese de que é uma propriedade essencial de cada tigre ser um
não de certas situações imaginadas. Por exemplo, se aquilo a que se chama “água” na
Terra Gémea é ou não é água, se a palavra “água” tem ou não extensões idênticas na Terra
iguais, etc. Estas intuições vão todas no sentido negativo. O argumento de suporte visa
identidade transmundial para substâncias são fixadas por considerações acerca da sua
naturais, que tem, no dizer de Putnam, “consequências alarmantes para a teoria da verdade
necessária” (1996), no sentido em que, afinal, nem todas as verdades necessárias são
conhecidas a priori. É plausível pensar que esta consequência exige a admissão de uma
premissa essencialista substantiva - apoiada nas intuições modais acima aludidas-, e não
decorre directamente de uma teoria acerca do modo como termos para categorias naturais
referem. Assim, para podermos concluir que a frase “A água é H2O”, sendo conhecida
fundada na intuição de que “não chamamos água a qualquer outra substância real ou
hipotética a menos que tenha uma composição química similar à da água” no mundo actual
(Putnam 1988).
85
Embora Putnam não apresente nenhum argumento formal para a conclusão de que
a frase “A água é H2O” exprime uma verdade necessária a posteriori, Salmon (1982)
1974), para “gerar” verdades necessárias a posteriori. Esse mecanismo é composto por três
(ix) Necessariamente algo é uma porção de água sss é uma porção do mesmo líquido
composição química .
explicar o significado de termos para categorias naturais, e que exige que se aponte para
teoria de Putnam do significado de termos para categorias naturais como “água”, segundo a
Putnam alude à premissa (xi) quando fala nas “propriedades físicas importantes”
(1996) que x e y têm em comum no caso em que x é o mesmo líquido que y. A ideia é a de
que se a água tem uma estrutura “oculta”, então essa estrutura determina o que é ser uma
porção de água, não apenas no mundo actual, mas em todos os mundos possíveis: ter a
transmundial.
86
O problema com o argumento, segundo Salmon, diz respeito a (xi): trata-se de um
segunda hipótese, mostrando assim que a conclusão essencialista (xii) não é derivável da
por premissas que não envolvem qualquer forma de essencialismo não trivial.
serem co-substanciais é que qualquer que seja a estrutura química que um tem o outro
também tem.
Mas, se assim fosse, a conclusão (xii) não se seguiria. Para que a conclusão (xii) se
siga é exigido que a premissa (xi) exprima uma condição necessária para duas porções de
que y em m2, então qualquer que seja a estrutura química que x tem em m1, y tem essa
A premissa (xi**) não é um princípio científico que possa ser testado por experiências
essencialista não trivial, pois implica que qualquer substância líquida é tal que não poderia
ter uma estrutura química diferente da que tem actualmente. Este princípio não é um
princípio empírico, pois não se está apenas a dizer, como acontece em (xi*), que porções de
água no mundo actual não poderiam não ser H2O, mas que porções de água em todos os
mundos possíveis não poderiam não ser H2O; ou seja, está-se a dizer que ser H2O é uma
87
orientação naturalista: não são possíveis mundos onde a água não tem a composição
premissa de que porções de água no mundo actual têm a estrutura química H2O (premissa
compatíveis com a negação da premissa (xi**), isto é, com a ideia de que a actual estrutura
que a mesma substância pode ter uma estrutura química diferente em diferentes mundos
substância. A situação imaginada traduz esta intuição ao estabelecer que a palavra “água”
na Terra e na Terra Gémea tem extensões diferentes: na Terra designa rigidamente uma
substância com a composição química H2O, na Terra Gémea designa uma substância
distinta pois tem a composição química distinta XYZ. Assim, na Terra Gémea aquilo a que
se chama “água” não é água porque não tem a composição química das porções de água
na Terra . Do mesmo modo, se descrevemos, não um outro planeta no actual universo, mas
outro mundo possível no qual há um líquido em tudo idêntico à água excepto na sua
composição química, esse líquido não é água pois não tem a composição química H2O.
Assim sendo, para uma porção de líquido ser, num mundo possível, água, tem de ter a
de como a extensão de um termo para uma categoria natural é fixada: nenhuma razão é
dada, no âmbito daquela teoria semântica, para uma propriedade particular (ser H2O) ser
comum a todas as coisas (porções de líquido) que referem a mesma substância. Esta
88
conclusão essencialista não decorre directamente da teoria semântica, embora seja
Passo agora à discussão de certos princípios essencialistas que dizem respeito quer
posteriori. Mostrarei que aqueles princípios, apesar de serem alvo de controvérsia, são
plausíveis.
A tese essencialista acerca da origem afirma que, para objectos de certas categorias
outro género) que cada um desses objectos de facto tem é uma propriedade essencial do
objecto em questão, uma propriedade tal que o objecto deixaria de existir se a não
possuísse; por exemplo, eu não poderia (existindo) deixar de ser oriunda (no sentido
certas categorias (em especial, artefactos), a matéria de que cada um desses objectos é
composto, é uma propriedade essencial do objecto em questão, uma propriedade tal que o
89
(10) Sei a priori, por “análise filosófica”, que se um objecto material, digamos x, tem
y.
(13) Sei a priori, por “análise filosófica”, que se um objecto material, digamos x, é feito
verdadeiros.
espécie de objecto, animado ou inanimado, do qual se possa dizer que tem uma origem
90
Supôe-se que “B” é o nome (designador rígido) de uma mesa, “A” nomeia o pedaço
Em seguida supõe-se que, numa situação contrafactual, digamos m1, B é feita a partir de A,
como no mundo actual, mas outra mesa D é simultaneamente feita a partir de C. Assume-se
que não há qualquer relação entre A e C que torne a possibilidade de fazer uma mesa a
partir de um dos pedaços dependente da possibilidade de fazer uma mesa a partir do outro.
Nesta situação B¹D e, pela tese da necessidade da não identidade, segue-se que B¹D em
não há mundo possível no qual D=B, nem mesmo num mundo possível em que D é feita a
que a mesa B não poderia originar-se a partir de C, isto é, em qualquer mundo possível no
qual uma mesa (qualquer mesa) seja feita a partir de C, essa mesa não seria a mesa B. A
conclusão desejada é a de que B não poderia ter origem num pedaço de matéria diferente
de A, que ter origem em A é uma condição necessária de B; do mesmo modo, ter origem em
C é uma condição necessária de D. A conclusão desejada para validar (10) poderá ser
assim descrita:
certo pedaço de matéria y, então é impossível que x seja originariamente construída a partir
Ora, para se poder concluir (17), temos de admitir que qualquer mesa originada em A
é a mesa B e não outra, que ter origem em A é uma condição suficiente para ser B; do
mesmo modo, ter origem em C é uma condição suficiente para ser D. A premissa a admitir
91
(16) Se é possível uma mesa x ser originariamente construída a partir de um pedaço
Admitindo (16), e supondo que num outro mundo possível uma certa mesa é
qualquer mundo possível; logo, não há mundo possível no qual a mesa B seja
ter uma certa origem é uma condição suficiente para ser uma determinada mesa, permite a
conclusão (17), a tese de que, necessariamente, ter uma certa origem é também uma
Acontece que os princípios essencialistas (16) e (17), bem como princípios análogos,
conflito com o argumento dado por Hugh Chandler (1975: 365-369) e o argumento similar, já
certo barco a, o Barco de Teseu, são gradualmente removidas, uma a uma, começando em
t1, e cada prancha removida de a é guardada para uso posterior. Cada prancha removida
de a é imediatamente substituída por uma prancha nova e diferente, de modo que no fim
barco c , inteiramente composto por diferentes materiais. Algum tempo mais tarde, em t3,
plano original, um barco b, distinto de c. Chandler supõe que t2=t3 mas, segundo Salmon
(1982: 219-229), o seu argumento é mais plausível se se permitir que o barco b seja
construído algum tempo depois do barco c . Temos assim o seguinte esquema da situação:
92
t1 t2 t3
considerados o mesmo barco que a, mas por razões diferentes: b porque é feito, em t3, a
partir da mesma madeira que a em t1; c porque está ligado a a por uma continuidade
partir da mesma matéria que a em t1, é uma pretensão “recessiva”, no sentido em que é
O argumento continua estipulando que, num outro mundo possível m´, as pranchas
originais de a são removidas uma a uma e são usadas posteriormente para a construção do
barco b. Aqui não temos uma reivindicação de identidade rival dominante, pelo que a=b:
t1 t2 t3
93
Da situação descrita em m e m´ retiram-se as seguintes conclusões do argumento:
(I) Se “b” é um nome próprio, é um nome próprio não rígido, pois em m´ designa a
identidade através dos mundos (16) e (17) se não verificam. A origem não é uma condição
nem suficiente nem necessária para a identidade transmundial: não é o caso que se um
qualquer barco construído a partir dessas pranchas seja o barco a (condição suficiente);
não é o caso que, se a tem a sua origem num certo pedaço de matéria não poderia ter tido
evidenciando a falácia que comete ao utilizar o mesmo designador, o nome “b”, para referir,
com respeito a m, o barco aí existente em t3, e para referir, com respeito a m´, o barco aí
existente em t3. Isto é, o erro do argumento está em usar a letra “b” para nomear dois
realmente o mesmo objecto. Ora, uma vez que o barco construído em m em t3 foi
“baptizado” “b”, é ilegítimo referir o barco construído em m´em t3 com o mesmo nome, pois
´deve ser dado um nome neutro, digamos “d”. Com esta correcção, e dadas as assunções
94
de Chandler acerca da identidade através do tempo implícitas no seu exemplo, podemos
demonstrar que d em m´e b em m são de facto barcos distintos: se a=d e a¹b, então d¹b
(de notar que esta demonstração pressupõe que faz sentido identificar numericamente
refutada .
identidade, dominante e recessiva, não descreve correctamente a relação entre m e m´: não
se trata de haver uma coisa particular, b, composta em ambos os mundos, em t3, a partir
das pranchas originais de a, e tendo uma pretensão recessiva para ser o mesmo barco que
a. Ora, se esta teoria se não aplica à situação descrita, a conclusão (II) é refutada.
Até aqui o argumento foi refutado mostrando que a teoria das pretensões rivais de
mas a própria teoria não foi posta em causa. Na verdade, é esta teoria que é incompatível
com o princípio da necessidade da identidade e da não identidade: se uma coisa x pode ter
uma “pretensão recessiva” para ser a mesma coisa que y, então em todos os mundos onde
não há pretensão rival dominante, tem-se x=y, mas naqueles mundos onde uma pretensão
rival está presente, tem-se x¹y. Aquela teoria é também incompatível com a concepção de
que a identidade intramundial é uma identidade genuína, pois a=b em m´ sss a e b são o
mesmo, pelo que dizer que b , em m´, tem uma pretensão recessiva para ser a mesma
também ser refutado rejeitando a teoria das pretensões rivais de identidade, através da
intuições que não são universalmente partilháveis. A rejeição dessa premissa deverá
envolver uma refutação da perspectiva segundo a qual 1º -um determinado objecto pode
95
esta continuidade espacio-temporal fornece uma pretensão dominante de identidade, ao
passo que o ser feito da mesma matéria fornece apenas uma pretensão recessiva.
-ou a=b em m, que, além de intuitivamente correcto, pode ser argumentado com base
nomear os dois barcos construídos em t3 em m e m´, e refuta a teoria das pretensões rivais
de identidade por não descrever correctamente a relação entre os dois mundos m e m´,
identidade genuína. Admitidas estas correcções, a situação descrita em m, isto é, que a¹b e
a=c, poderá ser coerentemente explicada, segundo Salmon, através da teoria das
matéria de que são constituídos os barcos que pode ser dominante ou recessiva para a sua
Assim, quando se diz que em m, b tem em t3 uma pretensão recessiva para ser a
mesma coisa que a em t1, quer-se dizer que b´ (o pedaço de matéria que constitui b em t3 e
que é idêntico ao pedaço de matéria a´ que constitui a em t1) tem uma pretensão recessiva
para constituir o barco a; e quando se diz que em m, c tem uma pretensão dominante para
ser o mesmo barco que a, quer-se dizer que c´ (o pedaço de matéria que constitui o barco c
em t2 e que é diferente de a´ mas está ligado a a´, de t1 a t3, por uma espécie de
Assim, em m, c´vence b´, e o barco que constitui em t3 é idêntico ao barco constituído por
a´ em t1, isto é, a=c. Como em m´não há pretendente rival a b´ que tem uma pretensão
96
recessiva para constituir o mesmo barco em t3 que a´constitui em t1, b´constitui o barco d,
isto é, a=d.
continuidade espacio temporal, pelo que em alguns mundos a é feito de c´ em t2, e noutros
não; necessariamente a´=b´ e necessariamente a¹b (de notar que o barco que em m´ é
feito a partir de b´ não é o barco b mas d), e em alguns mundos a é feito a partir de b´ em t3
e noutros não, já que b´ tem uma pretensão recessiva, logo contingente, para constituir a
em t3 .
mundos, segundo o qual a origem é uma condição suficiente de identidade, diz que barcos
modal, identificaria barcos em diferentes tempos dentro de um mundo possível, desde que
fossem construídos da mesma matéria. Ora, não é este princípio temporal o adoptado por
Chandler, já que um dado objecto pode manter a sua identidade ao longo do tempo através
m a=c.
(16’) Se é possível uma mesa x ser a única mesa originariamente construída a partir
de um certo pedaço de matéria y, então necessariamente qualquer mesa que seja a única
97
(17´) Se é possível uma mesa x ser a única mesa originariamente construída a partir
Teresa Robertson (1998) evidencia o problema que esta reformulação proposta por
Salmon (1982: 229) dos princípios essencialistas (16) e (17) levanta: aquela reformulação
seria incompatível com aquilo que é intuitivamente aceite quer pelos defensores da quer
Admitindo essa possibilidade, (16´) tem contra-exemplos: suponhamos que é posssível uma
matéria f e uma outra mesa g ser a única mesa originariamente feita a partir de um pedaço
ligeira alteração na composição material original de um objecto, temos, de acordo com (16
´), que e=g; ora, o que acontece é que e¹g pois são numericamente duas mesas.
se aplica apenas a objectos materiais inanimados (mesas, barcos etc) como os exemplos e
(1988: 110-113) como consistindo no seguinte: os pais biológicos de qualquer pessoa são
essencialmente os pais dessa pessoa, sendo a identidade dos pais fixada pela identidade
dos corpos dos quais provêm o espermatozóide e o óvulo que dão origem a essa pessoa.
Assim, a tese diz que se x é pai de y então necessariamente, x é pai de y (se x e y existem).
entendida, distinguindo três relações entre entidades de diferentes tipos nas quais a origem
de uma pessoa pode ser dita consistir: a relação entre o zigoto e a pessoa que daí provem;
98
a relação entre os gametas e o zigoto; a relação entre os gametas e os corpos de que
provêm. McGinn defende que todas estas relações são rígidas, isto é, em qualquer mundo
possível em que existam, as entidades estão aí relacionadas tal como estão no mundo
actual.
idêntico ao feto f que b foi, f é necessariamente idêntico ao zigoto z que f foi; logo p é
necessariamente idêntico a z.
A relação gametas-zigoto não pode ser uma relação de identidade pois os gametas
são dois e o zigoto um, mas é também uma relação de continuidade, embora peculiar a
uma coisa ou coisas que provêm de outra ou outras, é uma relação de fusão que não
requer a persistência das coisas das quais uma dada coisa é proveniente (contrariamente
aspectos relevantes, uma relação de continuidade, logo é rígida: uma determinada entidade
não poderia ter resultado da fusão de entidades distintas das que actualmente é o
resultado, isto é, é uma propriedade essencial de uma determinada entidade ter resultado
Por último, a relação gametas-pais é também rígida pois é também uma relação de d-
continuidade.
99
(18) Uma pessoa p é necessariamente idêntica ao zigoto z a partir do qual se
desenvolveu.
(19) O zigoto z tem essencialmente origem nos gametas x e y a partir dos quais se
desenvolveu .
(18), a premissa crucial do argumento, diz que a continuidade biológica é uma condição
necessária e suficiente para a identidade entre organismos. Forbes alega que há uma razão
para negar esta identidade que não implica, no entanto, a negação da continuidade
biológica.
em duas células filhas deixa de existir: se continuasse a existir seria idêntico a uma ou outra
das duas células filhas mas não seria possível determinar qual; esta situação iria contra um
devem ser intrínsecamente fundadas. Ora, se o zigoto deixa de existir quando se divide em
duas células, identificar o adulto com o zigoto contradiz a lei de Leibniz pois os adultos têm
propriedades que os seus zigotos não têm, nomeadamente a propriedade de existir num
período de tempo durante o qual os zigotos já não existem. Logo, apesar da continuidade
designa uma fase de desenvolvimento dos seres humanos, isto é, cada ser humano adulto
tem a sua fase de zigoto, de feto, de criança, de adulto, pelo que todas as fases são fases
não serve para defender o princípio essencialista acerca da origem: que é essencial a um
100
ser humano ter-se desenvolvido a partir da mesma célula a partir da qual actualmente se
seres humanos, então é correcto dizer que um ser humano adulto não poderia ter tido um
zigoto diferente, mas, nesta situação, o zigoto não é a mesma coisa que a célula que é o
antecedente biológico do ser humano, pois a célula deixa de existir quando se divide em
duas e o zigoto não. Nesta situação não podemos estabelecer (18) já que o adulto poderia
ter tido origem numa célula diferente, uma célula diferente poderia tê-lo constituído quando
era zigoto.
Esta formulação da tese essencialista acerca da origem, por si só, não atribui
Forbes defende um princípio mais forte da necessidade da origem, um princípio que atribui
1º-A identidade (ou não-identidade) de x e y deve ser fundada em factos que não
101
identidade) não pode ser simples, mas deve obter em virtude de outros factos, sendo estes
condição suficiente para essa identidade (ou não-identidade). Este princípio pode ser assim
tem em m2 tal que qualquer objecto z num mundo possível m3, que tem em m3 estas
propriedades, deve também ser idêntico a x. A ideia por detrás deste princípio é a de que
se assim não fosse haveria uma distinção não fundada entre y e z (e portanto entre x e z), e
se houvesse tal não-identidade simples, a suposta identidade entre x e y seria não fundada
2º- Os factos que fundam uma identidade (ou não-identidade) devem ser “intrínsecos”
e não “extrínsecos” ; isto é, a identidade (ou não-identidade) de x e y não deve ser fundada
acerca das pretensões rivais de identidade, quer com a teoria das Contrapartes de David
recessiva” para ser a mesma coisa que y, então, em todos os mundos onde não há
nenhuma coisa com uma “pretensão dominante”, tem-se x=y, mas naqueles mundos em
que uma coisa com uma “pretensão dominante” está presente, tem-se x¹y. A relação
Contraparte de é um exemplo de uma relação que, não sendo uma relação de identidade, é
transmundiais devem ser fundados em outros factos, é suportada na ideia de que isso faz
Esta ideia é ilustrada por uma grande variedade de casos. Em todos eles a ininteligibilidade
identidade (ou não-identidade) se verifica. Assim, por exemplo, consideremos que as coisas
102
poderiam ter sido exactamente como são excepto que a Ponte Vasco da Gama é diferente
da actual Ponte Vasco da Gama; admitindo que a ponte não é originariamente feita de um
uma história diferentes, como conceber essa diferença? A ideia é a de que a situação é
ininteligível.
transtemporal.
justifiquem.
pode ser rejeitado, admite serem possíveis identidades transmundias não fundadas. Esta
proposta de Mackie poderá ser imediatamente contestada, pelo facto de que conduz a
situações que entram em conflito com as nossas intuições acerca da possibilidade e com a
transmundial.
questão está em explicar a situação de gémeos idênticos que são gerados a partir do
103
mesmo zigoto. Cada gémeo teria de ter algum antecedente biológico distinto do outro. Uma
resposta possível seria: cada gémeo tem como antecedente biológico uma das células nas
quais o zigoto se divide, no processo de produção de gémeos. Mas então a questão que se
nas identidades dos seus antecedentes biológicos, estas últimas identidades também
devem ser fundadas noutros factos, isto é, cada antecedente biológico deve ter a sua
propriedade essencial distintiva. Ora, tal não acontece no caso dos gémeos, pois cada uma
das duas células de que provêm, provêm por sua vez de uma mesma célula, o zigoto.
(10) Sei a priori que se um objecto material, digamos x, tem uma determinada origem,
O que (10) diz sabermos a priori é que a origem de um indivíduo é uma propriedade
essencial desse indivíduo, isto é, uma propriedade que esse indivíduo possui em todos os
mundos possíveis em que existe. O que (10) diz sabermos a priori não é incompatível com
a situação, atrás referida, dos gémeos idênticos. O que esta situação contraria é a tese
propriedade essencial que é peculiar a um dado indivíduo, uma propriedade essencial que
Assim sendo, a situação dos gémeos idênticos não é, pelo menos directamente, um
contra-exemplo ao que (10) diz sabermos a priori, que se um indivíduo x tem uma
104
determinada origem y, então, necessariamente, se x existe, x tem origem em y. Permanece
por Kripke (1988:110-113) tendo como base a ideia de não ser possível imaginar uma
situação contrafactual na qual uma determinada pessoa tivesse uma origem biológica
diferente e, portanto, quem quer que seja que tenha uma origem biológica diferente não
poderá ser a pessoa em questão. É esta intuição que Kripke se propõe “demonstrar” com o
secção, embora aplicado a mesas e não a pessoas. O que Kripke visa aqui demonstrar por
meio da tese da necessidade da não identidade, é apenas8 que objectos com diferentes
origens não podem ser um e o mesmo objecto, que uma diferença de origem corresponde a
uma diferença de objectos, que ter uma determinada origem é uma condição necessária
8
A reformulação de Salmon do argumento de Kripke, analisado atrás em 3.2, parece extrapolar as pretensões
do autor do argumento.
105
LISTA DE TESES E VERSÕES
priori.
conhecida a priori.
1.1- Versão (I) de TT: Se a proposição que p é necessária, então sabe-se a priori que
p.
1.2- Versão (II) de TT: Se a proposição que p é necessária, então sabe-se a priori que
1.3- Versão (III) de TT: Se a proposição que p é necessária, então sabe-se a priori
2.1- Versão fraca (I´) de TK: Para alguns valores de p, p é necessária e sabe-se só a
posteriori que p.
2.2- Versão forte (II´) de TK: Para alguns valores de p, p é necessária e sabe-se só a
106
BIBLIOGRAFIA (*)
Casulo, “Kripke on the A Priori and the Necessary”, in Moser, A Priori Knowledge, Oxford University Press
- Albert. (1987). , 161-
169
- Chandler, H.S. (1975). “Rigid Designation”, in The Journal of Philosophy 72, july17,
363-369
((*)
Apenas é referida a bibliografia mencionada no texto da dissertação
107
- Chisholm, R.M., (1979). “Identity through Possible Worlds: Some Questions”, in Loux
(ed), The Possible and the Actual, Cornell University Press, 80-87.
- Donnellan, K.S. (1973). “Substances and Individuals”. Comentário sobre Putnam não
Blackwell, 404-405
- Kant,
I. (1985). Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
- Kitcher, Philip. (1987). “Apriority and Necessity” in Moser, A Priori Knowledge, Oxford University Press, 190-207.
- Kripke, Saul (1993). “Identity and Necessity”, in Moore, Meaning and Reference, Oxford University Press
, 162-191.
108
-Lewis, David, (1979). “Counterpart Theory and Quantified Modal Logic” in Loux (ed),
-Lewis, David (1979). “Possible Worlds”, in Loux (ed), The Possible and the Actual,
- Loux, M.J., (1979). “Introdution: Modality and Methaphysics”, in M.J.Loux (ed), The
- Mackie, Penelope (1987). “Essence, Origin and Bare Identity”, Mind, 96,173-201.
- McGinn,Colin, (1976). “On The Necessity of Origin”, The Journal of Philosophy, 73,
March11, 127-135
- Robertson, Teresa (1998). “Possibilities and the Arguments for Origin Essentialism” in
109
- Salmon, N. (1982). Reference and Essence. Oxford: Basil Blackwell.
- Witt, Charlotte. (1994). Substance and Essence in Aristotle. New York: Cornel
University Press.
110