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Texto 6
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texto 6
educativo: não só porque, em sua acepção mais genérica, a educação é coetânea à instituição
que se busca uma coletividade minimamente instituída, sem indivíduo minimamente socializado
para instituí-la, ou o contrário); mas sobretudo porque, ainda que pudéssemos identificar uma
sistemática pela qual designamos a «educação» ainda correria por nossa própria conta e risco.
antigos gregos que «…viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo
filosofia da educação
de construção consciente»1. Partindo-se dessa premissa, não será difícil admitir que tenha sido
exatamente, dos questionamentos e reflexões pelas quais a sociedade antiga ganhou essa
consciência mas, também, como parte então ineliminável desse conjunto de questionamentos e
reflexões mais amplos sobre a realidade em que se constituía a própria filosofia grega.
lento processo cultural que, das origens arcaicas até a decadência helenística, fez convergir todo
o mundo grego antigo para a elaboração da «Idéia» de Homem, «de validade universal e
normativa». Assim, a educação nasceria marcada pela referência a uma essência definidora do
«ser autêntico»2. Contudo, essa leitura idealista do nascimento da educação está, é claro, longe
de ser a única possível e, sobretudo, ela não faz justiça à realidade social histórica que
pretender retratar. Mas ela sem dúvida alinha-se numa longa tradição que, desde a «primeira
democrática da época.
reflexão educacional que dela decorre, acreditamos dever situar o nascimento da educação e da
reflexão filosófica sobre a educação no terreno democrático em que a interrogação sobre o que
1
W. Jaeger, Paidéia – A Formação do homem grego. São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 13.
2
Id., ibid., p. 14.
3
Cornelius Castoriadis, Encruzilhadas do labirinto V – Feito e a ser feito. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 30.
filosofia da educação
era determinado pela phusis e, assim, não dependia da deliberação humana, e sobre o que
cabia ao nomos – e, portanto, devia ser objeto de exame por parte da coletividade, abre
caminho para uma atividade de auto-instituição explícita da sociedade. É claro que a iniciativa
desse deslocamento – que nos faz buscar num percurso pouco freqüentado pela filosofia, até
apenas na convicção de seu fundamento histórico, mas numa decisão de sentido que deve
permanecer infundada, pois não há nada que possa ser oferecido para legitimá-la, a não ser a
permanecer infundada e talvez por isso a tradição filosófica, que se deu por vocação a busca dos
fértil de pistas para a reflexão sobre que o julgamos que deva ser, na atualidade, o papel da
filosofia da educação; e, para começar, para a atualização, ou para a reinvenção dessa questão
que não pode ser dada como superada – ao menos enquanto houver reflexão educacional
Encontramos pistas, porque cada sociedade reinstitui, com maior ou menor amplitude
(tanto quanto, no interior de sociedades não heterônomas, onde vigora uma certa margem de
liberdade, reinstituímos a cada vez individualmente, com maior ou menor custo) o espaço
É por isso, então – porque esta demarcação não está rigidamente estabelecida, mas é
refeita a cada vez – que há ainda possibilidade de deliberação. E, portanto, exigência de reflexão
filosófica.
Podemos, assim, retomar a questão ali onde foi bruscamente encerrada, e se ela nos
parece, à primeira vista, tão banal, é porque estamos imersos em um modo de resposta
socialmente instituído. À primeira vista, portanto, não existe interrogação: é para além do
instituído que a filosofia, como prática efetiva, começa. Onde a questão foi bruscamente
Mas quais seriam, hoje, as coisas que, em nossa experiência, «…ainda que estando
submetidas a regras ordinárias, são, no entanto, obscuras quanto a seu destino particular, para
4
Aristóteles, Étique à Nicomaque, III, 1112 a 18 - b 10. A citação foi traduzida a partir da versões de J. Tricot (Paris:
Vrin, 1997, p. 132-133 e de Barthélemy Saint-Hilaire (Paris: Librairie Générale Française, 1992, 118-119.)
filosofia da educação
geral, questionar a resposta imediata que somos levados a produzir para essa simples questão.
Mas não é o papel da filosofia fornecer, para as deliberações que cabem ao homem, respostas
desqualifica. E, assim, desqualifica seu próprio papel, ou melhor, sua posteridade: se não há
mais razão para a deliberação política, não há mais exigência de filosofia. E é por isso que cada
sistema filosófico erguido para fundar definitivamente a resposta a essa questão se deu por
Quais seriam, hoje, as coisas que, em nossa experiência, «…ainda que estando
submetidas a regras ordinárias, são, no entanto, obscuras quanto a seu destino particular, para
as quais nada se pode precisar antecipadamente»? Sem dúvida, atualmente, todo aquele que
faz da educação sua prática quotidiana, bom grado ou mal grado, sabe reconhecer aí,
espontaneamente, sua tarefa de formação. Mas porque, então, é tão resistente a busca por
uma teoria, por um método, por uma técnica que determine absolutamente o que é
indeterminado?
afirmava que certas atividades, estando submetidas, é claro, a determinações regionais, são
incertas quanto a seu destino particular, ele não estava em nada afirmando, como se poderia
supor atualmente, que seu fim não pudesse ser determinado. A crença em uma natureza
desenvolveu como um limite para a filosofia instituída. E muito embora Kant declarasse a
educação, assim como a política, uma «arte», e não uma ciência e, como já vimos no texto 2,
considerasse que, por tratar com a liberdade humana, eram as atividades mais difíceis que se
possa conceber, assim mesmo está claro que, sobre o «fim último», sobre a essência, sobre a
«natureza autêntica» do humano, tanto Kant como Aristóteles buscaram amparar-se na certeza
legitimando outras, mas, sem dúvida, limitada pelas sombras projetadas pelo que Castoriadis
moderna»5, finalmente se emancipado do modelo metafísico que, a partir de Platão e até seu
acabadas sobre sua natureza e seus fins, é quase impossível desconhecer que essa liberação
prover de bases sólidas, de fundamentos legítimos, aquilo que deveria permanecer como livre
5
H. Arendt fixava a «era moderna» como tendo se constituído, cientificamente, a partir do século XVII, e
encerrando-se no limiar do século XX. Reservava, porém, o termo «mundo moderno», para a designação da
realidade atual que, segundo a autora, teria começado a se forjar, politicamente, «com as primeiras explosões
atômicas». Cf. H. Arendt, La Condition de l´homme moderne. Paris, Calmann-Lévy, 1983, 38-39. (trad. bras. A
Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 14.). Cf. Fragmento 2.
filosofia da educação
…o declínio do modelo metafísico da pedagogia (…) tinha começado entre os séculos XVII e
XVIII, com Locke, aumentando depois com Rousseau e Kant, com o romantismo e o positivismo,
para expandir-se em nosso século, onde essa posição permaneceu como apanágio de posições
que não eram de vanguarda, embora combativas e rigorosas (como o idealismo, como muito
pensamento católico, neoescolástico ou espiritualístico). A centralidade da especulação
filosófica como guia da pedagogia foi substituída no pensamento contemporâneo pela
centralidade da ciência, e de uma ciência autônoma, cada vez mais autônoma em relação à
filosofia.6
saber aparece sempre como uma limitação. Todos sabemos que a modernidade se instala no
questionamento radical dos dogmas que enclausuravam a existência humana e social num
velho questionamento sobre a distinção daquilo que, na existência humana, era phusei (natural)
ou nomô (instituído) – num primeiro momento, deu novo ímpeto à especulação racional, e
aparecimento de duas entidades tão temíveis quanto a metafísica – por um lado, a autoridade
justamente, «…ainda que estando submetidas a regras ordinárias, são, no entanto, obscuras
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Franco Cambi, História da Pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP, 1999, p. 402.
filosofia da educação
quanto a seu destino particular, para as quais nada se pode precisar antecipadamente» foi
alimentado pela constituição desses dois poderes: o Estado, tornado máquina burocrática de
definição da tarefa escolar e de cobrança dos resultados; e a ciência, feita esse monstro de
ininteligibilidade que sufoca o simples professor com certezas empíricas jamais demonstráveis,
enfrentar, portanto, com as múltiplas exigências que as «ciências da educação» não cessam de
multiplicar para a condução do seu trabalho. Mas, o que é pior, na ausência de uma reflexão,
por parte da sociedade, sobre seu espaço de autonomia e construção, como asseverar que o
fracasso escolar não derive, finalmente, de sua própria incapacidade de controlar e prever a
questões não são extemporâneas, nem isoladas; que seu fracasso talvez não seja o seu, mas de
um modelo que ignorou a força da liberdade humana. Ao anônimo professor, jamais foi dada a
possibilidade dessa simples interrogação, tão antiga quanto a filosofia: sobre o que posso
velha questão que ela recobre: o que podemos e o que não podemos fazer? No âmbito do que
filosofia da educação
nos é concedido deliberar, o que devemos, e o que não devemos fazer? Como, e sob que
Mais do que qualquer resposta definitiva, a interrogação sobre essas questões é, ainda
WERNER JAEGER
HANNAH ARENDT
…a era moderna não coincide com o mundo moderno. Cientificamente, a era moderna
começou no séc. XVII e terminou no limiar do séc. XX; politicamente, o mundo moderno em
que vivemos surgiu com as primeiras explosões atômicas (…). A finalidade da análise histórica
é pesquisar as origens da alienação no mundo moderno, o seu duplo vôo da Terra para o
universo e do mundo para dentro do homem, a fim de que possamos chegar a uma
compreensão da natureza da sociedade, tal como esta evoluíra e se apresenta no instante em
que foi suplantada pelo advento de uma era nova e desconhecida.
ARENDT, H. A condição humana. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 13-14.
CORNELIUS CASTORIADIS