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ANAIS

Organizadores:
Bruno Ferreira
Carolina Libério
Jane Maciel

Anais do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia

1ª edição

São Luís

2020
Copyright © 2020 by EDUFMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

Prof. Dr. Natalino Salgado Filho


Reitor

Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos


Vice-Reitor

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO


Prof. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira
Diretor

CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Esnel José Fagundes
Profa. Dra.Inez Maria Leite da Silva
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra Andréa Dias Neves Lago
Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima
Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire
Prof. Me. Cristiano Leonardo de Alan Kardec Capovilla Luz
Prof. Dr. Jardel Oliveira Santos
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi

Projeto Gráfico
Bruno Ferreira

Revisão
Bruno Ferreira
Carolina Libério

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Simpósio Nacional de Arte e Mídia (4.: 2019: São Luís, MA)

Anais do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia [recurso eletrônico]


/ Organização: Bruno Ferreira, Carolina Libério, Jane Maciel. — São Luís:
EDUFMA, 2020.

331 p.

Modo de Acesso: World Wide Web.

ISBN: 978-65-86619-08-9

1. Arte e Mídia- Anais. 2. Arte e Mídia- Anais. I. Titulo.

CDD 700.105
CDU 7.01:004

Elaborada por Neli Pereira Lima— CRB-13/600


COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO

Coordenação Geral
Dra. Jane Cleide de Sousa Maciel (UFMA)

Coordenação do Comitê Científico


Dr. Marcus Ramusyo de Almeida Brasil (IFMA)
Dr. Matheus Araújo dos Santos (UNEB)

Coordenação de Oficinas
Dr. Bruno Soares Ferreira (UFMA)
Dre. SaraElton Panamby (NUPPI)

Coordenação de Comunicação
Dra. Carolina Libério (UFMA)

Coordenação de Monitores
Dra. Francinete Louseiro de Almeida (UFMA)
Dra. Patrícia Rakel de Castro Sena (UFMA)
Esp. Mary Áurea de Almeida Costa Everton (UFMA)

Coordenação de Produção Cultural


Me. José Raimundo Araujo Júnior (CHÃO SLZ)

Comitê Científico e Coordenação dos Grupos de Trabalho


Dr. Leandro Pimentel Abreu (UERJ)
Dr. Vinicios Kabral Ribeiro (UFRJ)
Dr. Wladimir Silva Machado (UNIVASF)
Dra. Elane Abreu de Oliveira (UFCA)
Dra. Beatriz Morgado de Queiroz (UFRJ)
Dr. Diego Paleólogo Assunção (UFRJ)
Dra. Gisele Soares de Vasconcelos (UFMA)
Dr. Márcio Leonardo Monteiro Costa (UFMA)
Dra. Letícia Conceição Martins Cardoso (UFMA)
Dra. Patrícia Azambuja (UFMA)
Dr. Ramon Bezerra Costa (UFMA)
Me. Carlos Benedito Alves da Silva Junior (UFMA)
Dr. Josoaldo Lima Rêgo (UFMA)
Dr. Alberto Greciano (NUPPI
Dr. Bruno Soares Ferreira (UFMA)
Dre. SaraElton Panamby (NUPPI)
Dra. Carolina Libério (UFMA)
Dra. Jane Cleide de Sousa Maciel (UFMA)
Dr. Marcus Ramusyo de Almeida Brasil (IFMA)
Dr. Matheus Araújo dos Santos (UNEB)

Arte e Design
Layo Bulhão
Gê Viana
Kérol Kemblim

Videomaker
Nayra Albuquerque

Assessoria de Imprensa
Poliana Ribeiro
APRESENTAÇÃO
Carolina Libério e Jane Maciel

O
Simpósio de Arte e Mídia coloca-se como único encontro de abrangência nacional
voltado especificamente para a interseção entre os campos da Arte e da Comuni-
cação. A realização do evento justifica-se pela necessidade de continuidade de um
importante espaço de trocas acadêmicas, midiáticas e artísticas, que vem promovendo
a circulação de saberes nessas áreas e fortalecendo as redes locais em intercâmbio
direto com os circuitos nacionais. Neste sentido, proporcionar a vinda de pesquisado-
res, pensadores e artistas como palestrantes foi uma enriquecedora oportunidade para
movimentar e instigar os debates sobre Arte e Mídia no Maranhão. Inegável também a
importância da chamada para participação em comunicações orais e relatos de experi-
ência, no que tange a diversidade de pontos de vistas que maranhenses e pessoas de
diversas partes do país puderam debater durante os três dias do Simpósio na cidade de
São Luís. Foram 103 trabalhos apresentados cujos resumos expandidos compilamos e
apresentamos nestes Anais.

A escolha temática para a realização da IV edição do Simpósio apoiou-se na ne-


cessidade de aprofundarmos as discussões e buscarmos aportes e experiências críticas
e metodológicas capazes de explorar os efeitos da construção e partilha de imaginários
como atos que têm implicações diretas sobre corpos e vidas. Há construções de saberes
que operam em dissidência, que estabelecem múltiplos modos de conhecer e experien-
ciar o mundo fora de uma lógica normativa, carregando consigo outras epistemologias
de criação e afirmação. Por outro lado, testemunhamos no cenário atual estratégias
correntes que intentam estabelecer narrativas sobrepujantes pela via do silenciamento
e da violência.

A partir do tema “Imagina(R)Existências”, propusemos a acadêmicos, artistas e


demais profissionais dos campos da arte e da mídia a reflexão sobre a potência da ima-
ginação como dimensão emancipadora, capaz de afirmar e fazer repercutir existências
que muitas vezes se contrapõem a redutores estereótipos reforçados por imagens he-
gemônicas. Os mais diversos modos de vida reivindicam o direito a imagens de si como
processo constitutivo, e por esse motivo, entendemos o Imaginar não como ato abstrato
e afastado do real, mas como a capacidade de fornecer imagens que têm implicações
diretas sobre as percepções e construções que os sujeitos fazem de si e do mundo que
os cerca e, mais ainda, como ato não dissociado do relato e das ações do documentar.

Em um cenário em que a arte é alvo de debates quanto a sua função social e


em que a partilha de imagens em rede tem sido instrumental ao acirramento de pola-
rizações ideológicas, apostamos na importância da fabulação e da ficção para a confi-
guração da experiência política e estética. Assim, interessou-nos evocar por meio de
conferências, mesas redondas, palestras, grupos temáticos, oficinas e ações artísticas
as possibilidades de resistência das/com/nas imagens e das subjetivações que se cons-
troem continuamente por meio delas.

A temática nesta IV edição do Simpósio de Arte e Mídia discutiu como, concomi-


tantemente à consolidação moderna e à expansão contemporânea da arte, da mídia e
da ciência, empreendimentos sucessivos intentaram – e ainda intentam – a dominação, o
silenciamento e o extermínio direto e indireto de negros, indígenas, mulheres, gays, lés-
bicas, transexuais e travestis. Não à toa, estas existências ainda estão assimetricamente
representadas nos espaços artísticos e midiáticos, em especial no que tange os lugares
de poder e gestão. Nosso objetivo foi então criar um espaço de diálogo em que corpos
e subjetividades dissidentes ocupassem o lugar central de fala, um ambiente propício
para exercícios de escuta e de relação recíprocas como modos de acesso a conhecimen-
tos tão enriquecedores como a diversidade dos mundos de onde provêm.

Em suma, buscamos um contato direto com diferentes modos de existência e suas


formas de imaginar o mundo não como um tema a ser abordado acadêmica ou artisti-
camente, como um falar ‘sobre’, mas sim um falar com, falar a partir do diálogo e do in-
teresse em aprender conjuntamente. Assim, consideramos de grande relevância termos
feito da programação do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia um espaço no qual todos
os participantes pudessem debater temas tão caros à atualidade, a partir dos seus luga-
res de fala e de suas experiências de vida. Defendemos ainda o lugar do Simpósio como
instrumento de comunicação que corrobora com as mais variadas formas de resistência
política e expressiva desses sujeitos e coletivos, bem como de suas imagens.

Entendemos que a participação de pesquisadores nacionais da área de arte e


mídia ofereceu uma oportunidade de estímulo à formação de novos pesquisadores e
artistas, bem como para formação de público. Acreditamos que novas parcerias e trocas
surgirão a partir dos diálogos incitados durante o evento.

Os trabalhos apresentados ofereceram uma ampla diversidade de perspectivas


sobre o tema “Imagina(R)Existências e tornam perceptível a produtividade que há no
entrecruzamento dos pensamentos sobre arte e mídia como forma de enriquecimento
para ambas as áreas. O conjunto de resumos aqui apresentados trazem um panorama
crítico relevante para a compreensão e reflexão sobre a sociedade contemporânea,
compilados a partir dos seguintes grupos temáticos:

GT 1 – Estética, mídia e cultura


GT 2 – Arte contemporânea e o contemporâneo das artes
GT 3 – Fotografia, cinema e vídeo
GT 4 – Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens
GT 5 – Corpo, arte e mídia
GT 6 – Palavra, imagem e som
SUMÁRIO
GT1 ESTÉTICA MÍDIA E CULTURA
CULTURA E IDENTIDADE NA MÍDIA: informação e Poder na Revista Cidade Verde - página 16

“Pedreiro e cineasta” - o trabalhador e seu duplo no cinema feito nas periferias do Rio de Janeiro
- página 19

AUDIOVISUAL NA MÚSICA INDEPENDENTE LUDOVICENSE: incidência e repercussão - página 21

DE DESEJO E ENTREGA: a arte como matéria bruta - página 24

TECNICIDADES E RITUALIDADES DAS DELEBS: mediações de Martin-Barbero Sobre a Espessura


ao Espetáculo - página 27

SUJEITOS E MEMÓRIAS: breve reflexão sobre representações e identidades de trabalhadores


rurais angolanos - página 30

MIGRAÇÕES DE SENTIDO DO FEMININO: o poder dos agentes folk no espaço público - página 33

MISSÃO ARTÍSTICA MARANHENSE: apropriação de litogravuras de Jean Baptiste Debret para


aquarelas (re)existentes - página 36

DA ÁFRICA À DIÁSPORA: o kílómbò de lá e o quilombo de cá - página 40

NENHUM MURO A MENOS: expressões comunicacionais inscritas em Juazeiro do Norte - página 44

A AÇÃO EDUCATIVA NO CENTRO DE CULTURA POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO: considerações


em torno do processo de mediação cultural e artística - página 46

AS TRAMAS DA RENDA DE BILRO: transformações na produção artesanal no município de


Raposa – MA - página 49

Na Rede com o [Aparelho]-: ou [Mapa-Relatos]-: - página 53

Eu vou botar a minha rede na varanda, eu quero ver a minha rede balançar: dança e capoeiragem
como Prática Colaborativa na ACESA Belém - página 56

FRAGMENTOS DE UM FUTURO EM GESTAÇÃO: Oficina Performativa Interdisciplinar Inclusiva


como metodologia para uma mediação teatral ‘com a cena’ - página 58

INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS URBANAS: um olhar para os processos educativos e comunicacionais


estabelecidos em Boa Vista/RR - página 61
GT 2 ARTE CONTEMPORÂNEA E O CONTEMPORÂNEO DAS ARTES
ESCAVANDO TERRITÓRIOS DE ARTE E CULTURA VISUAL DO MARANHÃO: pesquisa imagética e
de memória oral para o ensino das Artes Visuais na Educação Básica - página 66

DO PROSAICO AO POÉTICO NA OBRA DE ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO: uma reflexão sobre o


conceito de sublime na arte contemporânea - página 70

Um olhar Narcísico contemporâneo na narrativa de “Ataliba, o vaqueiro” Francisco Gil Castelo


Branco - página 73

Dona Rosita, O Simbólico Do Trágico De Lorca Para A Cena Intermedial - página 76

REFLEXÕES SOBRE AÇÕES EDUCATIVAS EM ARTE: análise sobre caderno educativo em exposições
- página 79

CORPO, PAISAGEM E PRÁTICA ARTÍSTICA - página 82

GESAMTKUNSTWERK: Artes Integradas e sociedade contemporânea fragmentada nas


aproximações entre as aulas de música do IFPI – CASJPI e a montagem da Ópera Serra da
Capivara (PI) - página 85

DESENHO E VÍDEO: entre o registro e a ficção - página 88

“Todo menino sonha em ser um jogador de futebol”: uma experiência visual - página 91

STENCIL ART: uma experiência de ensino-aprendizagem com alunos da UEB Gomes de Sousa -
página 92

EXTRAORDINÁRIO: loucura, desrazão e fantasma - página 96

Mossane, expressão de subjetividades femininas no cinema africano de Safi Faye - página 99

CINEMA DE ENCONTRO: um filme-jurema - página 102

MEMÓRIAS DE RESISTÊNCIA: mulheres negras e o cabelo crespo na arte contemporânea - página 104

ROBÔS ARTISTAS E O IMPACTO NA ARTE - página 106

O VAQUEIRO DE LUXO NA INTERNET: mudanças de referenciais identitários do sertanejo na


música - página 109

ARQUEOLOGIA PESSOAL: historicizando o invisível - página 112

Videodança entre territórios e provocações transdisciplinares no Human Connection Project -


página 114
UMA PERFORMANCE SOBRE O AMOR: o antes e o depois de a “menina com balão” de Banksy -
página 118

ARTES VISUAIS, ARTIVISMO GAY E UTOPIAS PEDAGÓGICAS COMO GESTO DE (RE)EXISTÊNCIA -


página 121

“AQUI ESTÁ MINHA CARA. FALO POR MINHA DIFERENÇA. DEFENDO O QUE SOU.” - página 125

ARTE, GRAFFITI E O ESPAÇO URBANO DE SÃO LUÍS: a cena dos grafiteiros da ilha - 128

GT 3 FOTOGRAFIA, CINEMA E VÍDEO


A MONTAGEM E A COMPOSIÇÃO DE VÍDEO PERFORMANCES GENERATIVAS - página 132

APARELHO “ÓPTICOFOTOGRÁFICO” DE IMAGENS-HISTÓRIAS DE PAULA SAMPAIO - página 136

IMAGENS DO NEGRO NA AMAZÔNIA NO SÉCULO XIX: reflexões sobre a série de fotografia “Tipos
Mistos” realizada na expedição Thayer em Manaus - página 140

FOTOGRAFIA E VIDA ÍNTIMA: conversa sobre imagens latentes - página 142

PEQUENAS LUZES E GRANDE LUZ - página 145

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS A RESPEITO DAS CONDIÇÕES DE ‘ABERTURA CRÍTICA’ NOS TRAILERS


- página 147

PRODUÇÃO AUDIOVISUAL COMO PROCESSO POLÍTICO DO COTIDIANO: perspectiva metodológica


amparada na análise cultural - página 150

A “DIMENSÃO IMPRECISA” NO CINEMA MAINSTREAM: caso A Forma da Água - página 153

Cinema: ciência e ficção das imagens, em movimentos - página 157

Vestígios, ruínas e fotografias... ou sobre alguns acontecimentos da imagem - página 159

RESGATANDO MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: o Memorial IFMA e as fotografias de Helber Macambira


- página 162

ABREM-SE AS CORTINAS DO PALCO DA MEMÓRIA: elementos visuais do espetáculo Negro Cosme


em Movimento - página 165

NEGA SIM, SUA NÃO: a decodificação do olhar para mulher negra do Brasil - página 168

FOTOGRAFIA ANALÓGICA: uma ferramenta no espaço do sagrado - página 172

A impressão fotográfica na Revista do Norte pela Typogravura Teixeira - página 176


O ENCOURAÇADO PONTENKIN: análise da construção imagética do filme - página 178

ALICES, O CINEMA E O TEMPO: breve análise das adaptações cinematográficas do conto


“As aventuras de Alice no país das maravilhas” - página 181

DA PRODUÇÃO À EXIBIÇÃO: existências concretas em dois documentários - página 184

VÍDEO COMUNITÁRIO ESTUDANTIL: a autorrepresentação de moradias universitárias -


página 187

ANO 3000: vídeo, gambiarra e afetividade na construção da obra - página 190

OS CONCEITOS DE REALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA FOTOGRAFIA: análise do ensaio


fotográfico “Abandono, patrimônio e pertencimento” - página 193

A arte como ferramenta do processo criativo na fotografia autoral - página 196

UM FESTIVAL DE CINEMA ENQUANTO INTERMÍDIA: a Mostra Internacional de Cinema de


São Paulo - página 200

VIVER É PRECISO: em busca de Iara - página 203

TONS POR VIR: do silenciamento à utopia de existir - página 206

O CINEMA E A NARRATIVA DO ENCONTRO: novas perspectivas a partir de O Abraço da


Serpente - página 209

AS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE ARTE: um estudo sobre projeto “cineanimAÇÃO” do


IEMA-UP de Coroatá - página 213

GT 4 REDES SOCIAIS, MÍDIAS DIGITAIS E ECONOMIA DAS IMAGENS


NOVOS EMPREENDIMENTOS DIGITAIS DE JORNALISMO: uma análise do Nexo Jornal - página 217

O TERRITÓRIO FOTOGRAFÁVEL: pensando políticas de visibilidade a partir das fotografias


nas mídias sociais - página 219

IDENTIDADE INSTITUCIONAL: uma análise das imagens postadas no perfil oficial do


Instagram da Universidade Federal do Piauí (UFPI) - página 222

O jornalista frente à convergência de mídias - página 225

GRÊMIO VERSUS INTERNACIONAL: uma disputa simbólica de identidades - página 228

Juventude e sociabilidades: um estudo sobre os modos como os jovens da Universidade


Federal do Piauí utilizam o Facebook como ferramenta de sociabilidade - página 231
ATIVISMO E ARTE NAS INTERVENÇÕES SOBRE ARQUIVOS TELEVISUAIS - página 234

Arte nas redes sociais: o uso do Instagram como promoção artística - página 237

Eleições 2018: uma análise do movimento “Mulheres unidas contra Bolsonaro” - página 240

NARCISISMO: a autoestima do “novo vaqueiro nordestino” - página 243

INSTAGRAM: relações entre capital social e a comunidade artística - página 246

Midiativismo, Movimentos Sociais e o papel ativo dos sujeitos comunicantes - página 249

MÍDIAS DINÂMICAS INCORPORADAS À ARTE LITERÁRIA: aplicativos infantis de literatura-


serviço - página 252

GT 5 CORPO, ARTE E MÍDIA


CADA PESSOA QUE PASSA EM NOSSA VIDA DEIXA UM POUCO DE SI E LEVA UM
POUCO DE NÓS”: narrativas sobre experiências em Teatro e educação no GEPAT-PESSOAS/
IFMA-Campus Zé Doca - página 255

TERRA FÉRTIL – UMA DANÇA PARA OS MORTOS - página 258

PULSAR - página 261

GORDÊNCIA: criando conceito escorregadio do corpo ao prazer - página 264

PRODUÇÃO DISCURSIVA DA DIFERENÇA: performatividade de gênero nas campanhas


publicitárias de cosméticos - página 267

NOMEAR LUGARES: uma experiência em torno do gesto da escuta - página 270

Pós-pornografia em foco - página 272

Cura – a casa dos espíritos - página 275

Como Luz Del Fuego: enfrentando os perigos da nudez - página 279

CORPO AUSENTE, IMAGEM PRESENTE: as manifestações imagéticas de Lula na mídia


online durante as eleições 2018 - página 282

O ACONTECIMENTO TEATRAL HISTÓRIA SOB ROCHA E O MÉTODO SAMBAQUI: em busca


de um teatro direto - página 285

VÍDEOPERFORMANCE: experimentações em sala de aula sobre o corpo em movimento -


página 287
Grupos Teatrais de São Luís/MA: organização e relação com o objeto técnico - página 289

TRILHA DOS IPÊS: uma experiência de criação teatral inspirada em videoclipes - página
291

NO CAMINHO DO ROSÁRIO - página 295

ARTE TRANSVAGINAL: O útero e os ovários como agentes performáticos produtores de


ações - 298

ESTÉTICAS SAPAS PORNOTERRORISTAS COMO RESISTÊNCIAS CRIATIVAS FRENTE A


NORMATIVAS HETEROSSEXUAIS - página 301

POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A PARTILHA - página 305

O QUE SOBROU DO CÉU: a atuação dos coletivos culturais do Rio de Janeiro sobre os
rastros da Cidade Olímpica - página 307

O corpo feminino na fotografia feminista na obra de Francesca Woodman - página 310

GT 6 PALAVRA, IMAGEM E SOM


SINCRONIZANDO O TRÂNSITO NAS RUAS E ESTRADAS BRASILEIRAS CCR Nova
Dutra, Rádio Trânsito, Freeway FM e customização radiofônica - página 314

SENTIDOS E EXPERIÊNCIAS DE PALESTRAS-PERFORMANCES NA BAHIA - página 318

DEVANEIOS SOBRE A FUNÇÃO DA ARTE EM FISHER - página 320

A TERRA RESSOA: reflexões acerca da relação entre escuta, desmatamento e


transformação urbana em Alter do Chão, PA - página 323

Uma breve cartografia dos anos 80 a partir dos Titãs e da Legião Urbana: semiótica,
mídia e produção de sentidos - página 325

ANEXOS
PROGRAMAÇÃO COMPLETA - página 328
GT1 ESTÉTICA, MÍDIA E CULTURA
Metodologias de pesquisas em mediações culturais
Arte e cultura popular
Folkcomunicação
Artivismo e ação cultural
Cultura das mídias
Memória e patrimônio cultural
CULTURA E IDENTIDADE NA MÍDIA:
informação e Poder na Revista Cidade Verde1
Aluiso Castelo Branco2
Gustavo Fortes Said3

Resumo:
À luz de teóricos como: Castells; Kellner; Silva e Canclini, o presente artigo, “Cultura e identidade na mídia:
Informação e poder na Revista Cidade Verde”, tem por objetivo identificar as relações de poder estabelecidas
na construção das identidades culturais piauiense pela citada revista e seu reflexo sobre o papel informativo
da fonte. Pesquisa empírica de abordagem descritiva qualitativa, pelo método da análise de conteúdo, Bardin
(2011), possibilitou através das inferências feitas a percepção de que as identidades culturais construídas apon-
tam para um direcionamento ideológico marcado pelo caráter essencialista da representação identitária e o
caráter mercadológico de bens simbólicos.

Palavras-chave: Identidade cultural, Poder, Revista Cidade Verde

A revista, enquanto meio de comunicação de massa, exerce importante papel na divulgação de in-
formações seja no campo da política, sociedade ou da cultura. A presente pesquisa “Cultura e identidade na
mídia: Informação e poder na Revista Cidade Verde” tem por objetivo identificar à luz dos teóricos estudados
marcas das relações de poder estabelecidas no processo de construção das identidades culturais piauiense pela
citada revista, e seu reflexo sobre o papel informativo da fonte. Para tanto, recorremos a Castells (1999) sobre
as relações de poder; Silva(2000) que aborda cultura e identidade na pós-modernidade; Kelnner (2000) com a
análise da cultura da mídia e Canclini (2010), com a multiculturalidade em tempos de globalização, o que dará
subsídios para um melhor delineamento da análise. Trata-se de uma pesquisa empírica de abordagem qualita-
tiva sendo utilizada a técnica de Análise de Conteúdo que segundo Bardin (2011, p. 48), “[...] por procedimentos
sistemáticos e objetivos descritivos do conteúdo das mensagens permitem a inferência de conhecimentos refe-
rentes ao processo de produção e recepção das mensagens”.
Considerando-se os aportes teóricos consultados, proceder-se-á a Análise de Conteúdo Categorial so-
bre “cultura e identidade” a partir da identificação das categorias veiculadas pela revista por meio das imagens
e textos sobre religião, arte, música, esporte, etc., buscando identificar quais as relações de poder estabelecidas
e seu reflexo na construção das identidades culturais piauienses, o que culminará com um posicionamento
crítico quanto ao caráter referencial da informação veiculada na contemporaneidade.
As identidades são construídas dentro do discurso midiático, produzidas em locais históricos e institu-
cionalizado a partir de práticas e estratégias especificas além de emergirem no bojo da manifestação do poder
constituindo-se marca da diferença e da exclusão antes que naturalmente constituída social e culturalmente
(Hall, 2014).
Para Castells (2002), a construção social da identidade sempre ocorre em um contexto marcado por re-
lações de poder. Segundo ele, do ponto de vista sociológico toda e qualquer identidade é construída restando-se
saber como, a partir de quê, por quem, e para quê isso acontece. Em suas palavras,
em linhas gerais, quem constrói a identidade coletiva, e para quê essa identidade é construída, são
em grande medida os determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade, bem como de seu
significado para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem (CASTELLS, 2002, p.23-24).

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1: Estética, mídia e cultura , do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí-PPGCOM/UFPI,
alucasbra@yahoo.com.br
3 Professor da Universidade Federal do Piauí-UFPI/Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação, doutor,
gsaid@uol.com.br

16
Para Kellner (2001, p. 9), “a cultura da mídia é industrial; organiza-se com base no modelo de produção
de massa [...]. É, portanto, uma forma cultural comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o
lucro privado” [...]. Ele ainda afirma que:
Os espetáculos da mídia demonstram quem tem poder e quem não tem, quem pode exercer a força e
violência, e quem não. Dramatizam e legitimam o poder das forças vigentes e mostram aos não-po-
derosos que se eles não se conformarem, estarão expostos ao risco da prisão ou morte (KELLNER,
2001, p.10).

Conforme Kellner (2001, p. 9), “há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos
ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e com-
portamentos sociais” na construção do senso de classe, etnia, nacionalidade, bem como, no estabelecimento de
uma visão de mundo e valores que por meio de símbolos e mitos corroboram na constituição de uma cultura
comum e na criação de uma identidade de inserção numa sociedade tecnocapilalista contemporânea, numa
nova forma de cultura global. Nesta mesma perspectiva, Said (2003) enfoca o aspecto dinâmico do fluxo infor-
mativo, fazendo referência aos bens simbólicos. Para ele,
as identidades se constroem num espaço que se move e muda constantemente, porque sua aceleração
acompanha o ritmo da própria distribuição informativa. [...] Aliás, impossível pensar na indústria
cultural hoje sem que seja conferido o caráter planetário que a sua capacidade de produção e de dis-
tribuição de bens simbólicos alcançou nos últimos anos (SAID, 2003, p. 253).

Silva (2000), nos esclarece que identidade e diferença estão sempre conexas às relações de poder, bem
como, associadas a sistemas de representação, esta última entendida como sistema de significação. Segundo
ele,
a representação expressa-se por meio de uma pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto,
de uma expressão oral. [...] Ela “não aloja a presença do ‘real’ ou do significado [...]. Em vez disso, a
representação é como qualquer sistema de significação, uma forma de atribuição de sentido. Como
tal, a representação é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente
ligado a relações de poder” (SILVA, 2000, p. 91).

Os sistemas classificatórios são dependentes de sistemas sociais e simbólicos sendo pois construídos
a partir das formas como as diferenças são marcadas em relação às identidades e estando estas vinculada as
relações de poder. Identidade e subjetividade se sobrepõem por envolverem sentimentos e pensamentos e, de
acordo com Woorward (2000, p. 56),
num contexto social no qual linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós
mesmos e no qual nós adotamos uma identidade, quaisquer que sejam os conjuntos de significados
construídos pelo discurso, eles só podem ser eficazes se eles nos recrutam como sujeitos.

Nessas condições é mister observar quais as relações de poder estabelecidas na construção das identi-
dades culturais piauiense pela ‘Revista Cidade Verde’ partindo de um olhar crítico à luz dos renomados autores
citados e na contemporaneidade em que os processos multiculturais estão imbricados.
Segundo Canclini (2010, p. 201), “deixou-se de perceber o poder apenas como uma ação dominadora
exercida verticalmente sobre os dominados e passou-se a considerá-lo como uma prática descentrada e mul-
tideterminada das relações políticas”, cujos conflitos e assimetrias são moderados pelo compromisso entre os
atores colocados em posições desiguais.
A perda de ação dominadora do poder, que ora é posto por Canclini (2010) como descentrado e mul-
tideterminado pelo compromisso entre os atores colocados em posições desiguais, em outros termos, significa
que há uma tendência à moderação da ação dominadora, ou seja, a informação dada e/ou veiculada prescinde
cada vez mais de adequação ao público em geral, tendo em vista a maior participação sócio-política dos sujei-
tos, bem como, o amplo e diversificado acesso aos conteúdos midiáticos.
Se por um lado, a revista em análise procura veicular informações sobre grandes empreendimentos
econômicos, roteiros turísticos e também propaganda de carros de luxo, atendendo a um público economica-
17
mente diferenciado; por outro, apresenta o microempreendedor como grande propulsor da economia, divulga
produtos, hábitos e costumes da cultura popular, buscando uma auto identificação entre ambos os públicos
pela construção de uma identidade cultural que contemple homogeneamente à diversidades de representações
sociais.
No entanto, as inferências feitas a partir das categorias analisadas nos levam a conclusão de que as iden-
tidades culturais são construídas considerando-se o cunho simbólico das mesmas, dado pela relação da revista
com seu público alvo, bem como, anunciantes e patrocinadores, e constituídas pelo direcionamento político e
ideológico. A busca pela homogeneidade da identificação cultural revela o caráter essencialista dado ao tema
e, por outro lado, revela o caráter mercantilista da informação pelo poder de manipulação e regulação daquilo
que é divulgado, atendendo a interesses outros que sobrepõe-se à informação ideal pela incompletude e/ou
imparcialidade que apresenta, e por desconsiderar a nova configuração dos processo de formação identitária
num contexto multicultural e globalizado.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.


CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra,1999.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. São Paulo: DP&A,2005.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-
-moderno. Bauru, SP: EDUSC,2001.
SAID, Gustavo Fortes. Dinâmica cultural no Piauí contemporâneo. In: SANTANA, R. N. Monteiro de
(org.). Apontamentos para a história cultural do Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2003. p. 341-353.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. IN: Silva, T. T. da
(org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis-RJ:
Vozes, 2000.

18
“Pedreiro e cineasta” - o trabalhador e seu duplo
no cinema feito nas periferias do Rio de Janeiro1
Liliane Leroux2

Resumo:
O acesso popular às aspirações relacionadas à atividade cinematográfica, coloca em cena a figura de “duplos”:
pessoas comuns, cujo sustento material provém de ocupações simples, mas que, fora do tempo de trabalho,
fabricam para si uma existência paralela como cineastas. Se isso lhes abre uma nova via que desfaz a cruel
correspondência entre um lugar social e um horizonte esperado de afetos, por outro lado, faz surgir formas
sempre renovadas de hierarquias a garantir sua distinção na ordem do sensível. Trazendo histórias reais de “pe-
dreiros-cineastas” das periferias e favelas do Rio de Janeiro, circulamos por elas a partir proposta de Poethical
Readings da filósofa Denise F. da Silva.

Palavras-chave: Cinema em periferias urbanas; Po-ética; Duplos.

“Cinema de Camelô”. “Cinema de Ouvido, instinto audiovisual”. “Edição freestyle”. “Cinema na pos-
sibilidade da cultura popular: um Sabotage com câmera nas mãos. Um Pixinguinha a bordo de uma ilha de
edição”.
Baixada Fluminense. Periferia do Rio de Janeiro. Vinte e nove de outubro de 2008. A sessão Catapulta
do cineclube Mate com Angu abre com o texto do qual retirei as expressões acima e que tem como título “O
digital é um forte”. Na eloquência do vendedor de rua e no virtuosismo do músico autodidata – do samba ao
rap -, é na inteligência, na palavra e no ritmo que, desde a virada do milênio, novas imagens chegam para “des-
gentrificar” o cinema e o audiovisual. O sertanejo segue um forte, agora como cineasta, pegando carona no
digital.
A música popular, especialmente o samba ou o funk, tem sido historicamente a via mais comum e
aceita através da qual alguém de origem simples consegue ingressar no campo artístico no Brasil. No campo
literário, esta inclusão se mostra um pouco mais difícil, mas mesmo assim vemos casos de escritores de classes
menos favorecidas que alcançaram algum reconhecimento e prestígio. Um trabalhador comum - um pedreiro,
um açougueiro, um vendedor ambulante -, ser (ao mesmo tempo) poeta ou músico não chega a causar grande
estranhamento. Mas, que resolvam fazer filmes, isso sim é um fenômeno mais recente.
Em 2008, pesquisando cinema popular há quatro anos, participei de uma mostra de cinema na Cidade
de Deus, favela carioca já retratada em filme bastante conhecido. Eram produções de pessoas que começavam
a fazer cinema em periferias e favelas e os autores estavam presente no evento. Ao me despedir de um deles,
recebo um cartão de visitas que trazia seu nome e logo abaixo a frase “pedreiro e cineasta”. Alguns anos mais
tarde, dentro da pesquisa de mapeamento e etnografias dos cineastas da Baixada Fluminense, periferia do RJ,
que realizo desde 2010, comecei, em paralelo, a acompanhar o modo de vida desses “pedreiros-cineastas”, que
definem o sentido de suas próprias existências ao reivindicarem e exercerem a igual capacidade de qualquer um
experimentar qualquer tipo de vida.
O acesso popular em escala visível às competências e aspirações relacionadas à atividade cinematográ-
fica, que surge na virada do século com as novas tecnologias audiovisuais mais simples e baratas, coloca em
cena a figura desses “duplos”. São pessoas comuns, cujo sustento material provém de ocupações simples, mas
que nas horas vagas, fora do tempo de trabalho diário, fabricam para si toda uma existência paralela como

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)- campus Baixada Fluminense. Socióloga (IFCS/
UFRJ), Doutora em Educação (UERJ), Pós-doutorado em Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas (UERJ). Procientista em
Artes (FAPERJ/UERJ), criadora e uma das coordenadoras do NuVISU - Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas (CNPq/
UERJ). Co-coordenadora do ST Cinemas Pós-Coloniais e Periféricos na SOCINE e do GT Cinemas Pós-Coloniais e Periféricos na
AIM - Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (Portugal). E-mail: liliane.tashi.leroux@gmail.com
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cineastas. A figura do duplo – aquele que já não pode mais ser tão bem identificado assim, uma vez que esca-
pa de um ethos, de um lugar definido, tem sido algo temido nas linhagens mais tradicionais tanto da filosofia
como da sociologia, uma vez que manter uma relação de confirmação recíproca entre uma condição social e
um modo de ser (agir, pensar, olhar, se afetar) é uma maneira bem poderosa de manter hierarquias e distinções
sociais3. A ordem social sempre se organizou de forma que, de um lado, existissem aqueles cujo privilegiado e
ocioso modo de vida os dispõem a se interessarem por questões “não-práticas”, como a abstração intelectual
ou o distanciamento estético (gosto) e de outro lado, estariam os trabalhadores, com suas disposições específi-
cas, desejos e afetos limitados por sua posição social. O trabalhador seria aquele cujo tempo não lhe pertence.
Aquele que não poderia ter tempo a perder em devaneios, escrevendo ou pensando, que dirá criando imagens
em movimento.
Em seu manifesto “Por um Cinema Pedreiro”, Lincoln Péricles, cineasta de Capão Redondo, periferia
paulista, contesta a longa trajetória do cinema brasileiro, composto por “engenheiros e arquitetos (…), aqueles
que sabem, com distância, de tudo”. Anseia, então, por um “cinema pedreiro”: cinema daquele que “sabe como
erguer uma casa” e seu aprendizado “vem do corpo inteiro (…), um cinema como necessidade bruta de levantar
um espaço, um lugar, uma coisa”.
Esses “pedreiros” – tanto o que me entregou o seu cartão de visitas, quanto o que inspira o tipo de cine-
ma que Péricles busca e defende -, são os duplos: os que se desidentificam e tomam para si o poder de represen-
tar qualquer coisa e de serem quem quiserem ser. Por esta razão, são, desde Platão, acusados de “imitadores”.
O “duplo” seria o trabalhador que quebra a correspondência esperada entre um lugar social e um horizonte de
afetos e assume para si uma posição que sempre foi reservada à elite: a do artista. Um gesto que coloca toda a
sociedade em questão.
Neste trabalho, trago alguns exemplos concretos de trabalhadores-cineastas, de periferias e favelas do
Rio de Janeiro, que roubam esse tempo do trabalho diário e insistem em fazer filmes. Que desafiam cotidia-
namente a hierarquia e separação entre os que fazem o trabalho braçal e os que estão aptos para o trabalho
criativo do pensamento. Para eles, o cinema se constitui como sua paixão e mesmo seu “modo de vida”. Como
a única vida que vale ser vivida, embora só exista no limitado tempo permitido por sua atividade principal.
Para circular por entre as histórias desses cineastas autodidatas das periferias e favelas, foi necessário
buscar caminhos fora do texto moderno, que já se revelou inócuo para pensarmos a diferença, a desigualdade,
as hierarquias, as violências em um contexto pós e neocolonial como o nosso. Por essa razão, experimento o
conceito de po-ética (poethical readings) criado pela filósofa, mulher, brasileira, negra Denise Ferreira da Sil-
va, que permite desrrazoar e abrir a imaginação e o pensamento para formas mais vagas, confusas, incertas e
não-coloniais para encararmos a complexidade da existência para além dos princípios da não–contradição, da
identidade e da localização. Em resumo: permitem pensar esses pedreiros-cineastas, esses trabalhadores e seus
duplos, fora e contra a construção ontoepistemológica moderna que é (e segue sendo) a própria causa de sua
condição.

Referências

FERREIRA DA SILVA, Denise. In the Raw. e-flux. Journal #93. Setembro 2018.
______. Sobre Diferença sem Separabilidade. Catálogo da 32a Bienal de São Paulo. 2016.
PÉRICLES, Lincoln. Manifesto – Cinema Pedreiro. Catálago da Mostra Periferia da Imagem. Rio de Janeiro:
Caixa Cultural. 2018.
RANCIÈRE, Jacques. The Philosopher and his Poor. London: Duke University Press. 2003.

3 ver Jacques Rancière. The Philosopher and his Poor.


20
O AUDIOVISUAL NA MÚSICA INDEPENDENTE
LUDOVICENSE: incidência e repercussão1
Rafael Figueiredo da Silva Batista2

Resumo:
Este trabalho intenta verificar a incidência e repercussão da produção audiovisual na música independente em
São Luís – MA entre os anos de 2012 e 2018. Para tanto, se volta a perceber a ocorrência dessa produção como
consequência de modificações na estrutura social, cultural e econômica advindas de avanços tecnológicos e da
democratização do acesso aos meios de produção e distribuição dos bens culturais que tangem as práticas da
música independente. Tais mudanças desequilibram a lógica econômica de oferta e demanda, fazendo necessá-
rio compreender os atores sociais como promotores de uma rede de estrutura social, afetiva e econômica entre
produção audiovisual e música independente.

Palavras-chave: música independente; produção audiovisual; mercado.

Após os anos 2000, avanços tecnológicos em diferentes áreas facilitaram o acesso técnico e econômico
aos meios de produção fonográfica e audiovisual. Interfaces digitais de áudio com baixo custo, câmeras foto-
gráficas DSLR com recurso de gravação de vídeo e a circulação de áudio e vídeo nas plataformas de streaming,
possibilitaram a divulgação de um trabalho artístico com certa qualidade a um custo acessível.
Frente ao contexto de constantes adaptações das tecnologias de informação e comunicação aos proces-
sos de produção, circulação e consumo de música, se sugere a deflagração de uma crise no modelo hegemônico
da indústria cultural (KISCHINHEVSKY; VICENTE; DE MARCHI, 2018).
De acordo com os relatórios da Federação Internacional da Indústria Fonográfica entre 1999 a 2014 a
arrecadação da indústria fonográfica internacional caiu de 25,2 bilhões de dólares para 14,2 bilhões em 2014
(IFPI, 2018). O mesmo relatório aponta 2015 como um ano de retomada do faturamento com a arrecadação de
14,7 bilhões. Já no último levantamento, de 2017 a arrecadação foi de 17,3 bilhões de dólares com 54% de ven-
das digitais, e apesar de ter sido o terceiro ano consecutivo depois de 15 anos de queda, o rendimento equivale
a aproximadamente 68,7% de 1999, ano que antecede esta crise (IFPI, 2018).
Durante o intervalo de baixa da indústria fonográfica, a produção independente ganhou força. Este tra-
balho se direciona a entender de que forma o vídeo musical protagonizou as articulações em torno da produção
musical independente se desenvolvendo através de redes de afetos, sensibilidades e negociações, de forma a
bater de frente com o complexo estruturado das grandes gravadoras – as majors – da indústria fonográfica.
Para tanto, é tomado como base o cenário local de São Luís do Maranhão entre 2012 e 2018. Portanto,
este estudo se volta a perceber a incidência do vídeo musical na inserção do artista em uma posição de destaque
no cenário independente. Desta forma, nos voltamos ao ano 2012, considerado como anterior ao fenômeno da
maior ocorrência de vídeos musicais até o momento presente, 2018, para se verificar a incidência e repercussão
destes vídeos.
Para este trabalho, a experiência e proximidade do pesquisador enquanto integrante de banda indepen-
dente e produtor audiovisual possibilitou fundar a base metodológica na observação participante e conversação
espontânea em visitas a estúdios de áudio e sessões de gravação de vídeo, além da análise de páginas no Face-
book e vídeos no Youtube.

A reconfiguração da indústria fonográfica

A reorganização dos processos produtivos de música e vídeo aproximou os modos de fazer dos peque-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1.Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Rafael Figueiredo da Silva Batista, graduado em Comunicação Social – Rádio e TV (UFMA), especialista em Direção de Arte
(UNESA) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFMA). E-mail: rafsbat@gmail.com
21
nos aos dos grandes produtores. A perda do controle sobre os meios de distribuição e a democratização dos
meios de produção fez com que os lucros das grandes gravadoras e editoras multinacionais ficassem instáveis.
Com a retomada de “uma lógica de consumo remunerado de música” através das plataformas de digitais de
streaming3 , as novas especificidades ofereceram ao artista independente e ao mainstream4 condições similares
(KISCHINHEVSKY; VICENTE; DE MARCHI, 2018, p. 27).
Porém, o segmento independente atua com através de “lógicas sociais”, ou seja, um conjunto de ações
estabelecidas durante certo período pelas quais os atores envolvidos se submeteriam sendo afetados pela sua
estrutura social ao mesmo tempo em que afetariam esta estrutura (MIÈGE, 1987 apud DE MARCHI, 2011).
Estas “lógicas sociais” nos remetem à categoria de cena musical, que possibilita a discussão do fenômeno mu-
sical abrangendo suas relações sociais, econômicas e simbólicas.
Os estudos sobre cenas musicais chamam atenção para a importância dos atores sociais envolvidos nas
práticas musicais, das microestruturas econômicas desenvolvidas ao seu redor, das experiências sensoriais e
estéticas quanto à fruição da música, e da ocupação dos espaços por onde estas práticas acontecem (JANOTTI
JUNIOR, 2012).
A consolidação de uma cena depende assim de sistemas de articulação e lógicas econômicas (STRAW,
1991), que se formam pelas relações sociais e colocam em diálogo: criação, produção cultural, mercado, consu-
mo, apropriações de espaço e circulação de afetos (JANOTTI JÚNIOR; PIRES 2011).
Deste modo, o estudo do mercado da música independente pressupõe um estudo das formas de organi-
zação e percepção da realidade comum àquele grupo, incluindo suas relações sociais, econômicas e simbólicas
entre os diversos atores sociais que interferem nas práticas culturais relacionadas à produção musical.

Produções audiovisuais na dinâmica da música independente em São Luís

De acordo com Pires (2013, p. 42) ser independente está relacionado a uma gama de práticas e valores
que envolvem mídia especializada, público e artistas, e não apenas ser o responsável pelos custos de produção
de seu trabalho artístico ou não ter contrato com gravadoras.
Dos anos 2000 em diante, o objetivo dos artistas independentes passa a ser o de estabelecer um “circuito
articulado de eventos voltados para o fomento do mercado nacional independente” (GALLETTA, 2014, p. 66).
Herschmann (2010) afirma a importância dos intermediários culturais na articulação de um campo de signifi-
cados aos produtos e serviços de forma a estabelecer uma identificação mais clara e efetiva entre os produtos e
os consumidores. Entre eles o produtor audiovisual tem aparecido cada vez mais na lógica produtiva da música
independente.
Um dos motivos da presença maciça da produção audiovisual na música independente, pode se dar
pela diversidade de possibilidades de linguagens audiovisuais atuais. Um dos formatos citados por Bryan (2011)
como simples, dinâmico e adequado para a plataforma virtual é o de apresentações “ao vivo”, conhecidas como
“live sessions”.
Em São Luís observamos a ocorrência de alguns produtores com iniciativas neste formato espalhadas
pelo YouTube, como: “Sobre o Tatame Sessions”; “Black Room Sessions”; “Monotonia”; “Andar de Cima Ses-
sions”; “BaseSLZ Áudio & Imagem”; “CantariaFilmes” “AcústicaStudio”.
A partir da leitura do perfil das iniciativas elencadas, percebemos algo em comum: muitas partem de
estúdios gerenciados por músicos envolvidos no circuito independente e que iniciaram suas atividades com
gravação de áudio e perceberam no vídeo uma oportunidade para atender uma nova demanda. Já outras, par-
tem de produtores audiovisuais, que possibilitaram o primeiro registro audiovisual de alguns artistas.
Essas iniciativas contribuem para o aumento da produção de vídeos musicais principalmente na cate-
goria de performance, seja ela registrada ao vivo ou simulada para aparentar este formato.

3 Sites e aplicativos que utilizam a forma de transmissão simultânea de conteúdos multimídia em que o usuário visualiza o conteú-
do ao mesmo tempo em que recebe as informações digitais, sem a necessidade de armazená-las na memória física do aparelho que
acessa a plataforma.
4 O termo mainstream vem da língua inglesa com o significado de “corrente principal” e é utilizado na música para se referir aos
artistas que estão ligados aos principais meios de comunicação e gravadoras.
22
O audiovisual na música independente tem uma função estratégica de marketing em relação à divulga-
ção do trabalho musical e também negocia significados na produção de sentidos mediando linguagens e pro-
jetando a qualidade estética daquele artista em relação ao seu público. Há ainda o empreendimento de novas
iniciativas no mundo virtual, os vídeos de “live sessions” não são um formato essencialmente inédito, mas a
forma que se espalham pelo YouTube e as estratégias lançadas sobre sua produção caracterizam novos usos.

Referências

BRYAN, Guilherme. A autoria no videoclipe brasileiro: estudo da obra de Roberto Berliner, Oscar Rodri-
gues Alves e Mauricio Eça. Tese (Doutorado em Meios e Processos Audiovisuais) Programa de Pós Gradua-
ção em Meios e Processos Audiovisuais, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

DE MARCHI, Leonardo. Novos modelos de negócio na indústria da música: uma análise do P2P, do down-
load pago, do podcast e dos serviços de streaming. Trama: Indústria Criativa em Revista. Dossiê: Paisagens
sonoras midiáticas Ano 3, vol.5, agosto a dezembro de 2017: 220-227. ISSN: 2447-7516, 2017.

DE MARCHI, Leonardo. Transformações estruturais da indústria fonográfica no Brasil 1999-2009: De-


sestruturação do mercado de discos, novas mediações do comércio de fonogramas digitais e consequências
para a diversidade cultural no mercado de música. Tese (doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Escola de Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, 2011.

GALLETTA, Thiago Pires. Para além das grandes gravadoras: percursos históricos, imaginários e práticas
do “independente” no Brasil. Música Popular em Revista, Campinas, ano 3, v. 1, p. 54-79, jul.-dez. 2014.

HERSCHMANN, Micael. Indústria da música em transição. São Paulo: Estação das Letras, 2010

INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY (IFPI). Global Music Report


2018: Annual state of the industry. 2018. Disponível em: <http://www.ifpi.org/dl/?url=http://www.ifpi.org/
downloads/GMR2018.pdf>. Acesso em: 8 mai. 2018.

JANOTTI JUNIOR, Jeder. ARE YOU EXPERIENCED?: Experiências e mediatização nas cenas musicais In:
Contemporânea Revista de Comunicação e Cultura. vol. 10 n. 01 janeiro-abril 2012, UFBA, 2012, Bahia.

JANOTTI JÚNIOR, Jeder; PIRES, Victor de Almeida Nobre. Entre os afetos e os mercados culturais: as
cenas musicais como formas de mediatização dos consumos musicais. In: JANOTTI JÚNIOR, Jeder; LIMA,
Tatiana Rodrigues; PIRES, Victor de Almeida Nobre. Dez anos a mil: Mídia e Música Popular Massiva em
Tempos de Internet. Porto Alegre: Simplíssimo, 2011.

KISCHINHEVSKY, Marcelo; VICENTE, Eduardo; DE MARCHI, Leonardo. A consolidação dos serviços de


streaming e os desafios à diversidade musical no Brasil. In; Revista Eptic Vol. 20, nº 1, jan-abr. 2018.

PIRES, Victor de Almeida Nobre. Além do Pós-Rock: As cenas musicais contemporâneas e a nova música
instrumentalista brasileira. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Programa de Pós-Graduação em Co-
municação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

STRAW, Will. Systems of articulation, logics of change: scenes and communities in popular music. Cultu-
ral Studies. v. 5, n. 3, 361-375, Oct. 1991.

23
DE DESEJO E ENTREGA:
a arte como matéria bruta1
Juliana Freitas Ferreira Lima2

Resumo:
De desejo, entrega: a arte como matéria bruta, parte de uma imersão nos sítios rupestres do Vale do Catimbau.
Trata-se do mapeamento dos símbolos e das assimilações subjetivas despertas ao observar a arte rupestre como
o dispositivo ancestral, em interlocução com o indígena local. Na investigação compartilhada articulam-se
encontros de identidades, singularidades, expressões gráficas e subjetivações. Ativações estéticas e políticas do
encontro do com o elo ancestral, o indígena contemporâneo relacionado e transformado pelos encontros e o
universo simbólico do seu ancestral. Nesse processo, volta-se às subjetivações e ao cruzamento de territórios,
dos geográficos aos simbólicos.

Palavras-chave: expressão gráfica; cartografia afetiva; subjetividade; identidade e singularidade.

Toda imersão, assim como toda atividade artística, se nutre de desejo e entrega. O desejo, como mo-
tivação original, rege, move e opera por meio da ação em resposta aos impulsos e no intuito por satisfazer
exclusivamente o próprio desejo e/ou estabelecer uma comunicação com o outro. Na arte, há certamente um
propósito de transformação e reconfiguração desenvolvida quanto experiência na manipulação dos objetos, na
interação com o ambiente, e no desempenho do corpo, desde os primeiros humanos. Os objetos, os que se con-
fronta, estimulam a manifestação da experiência e são apreendidos perante o desejo e manipulados mediante
a entrega.
A pesquisa em curso refere-se à imersão nas manifestações gráficas do Vale do Catimbau, no modo de
vida do indígena local em interlocução com os grafismos rupestres da região localizada na transição do agreste
para o sertão pernambucano. Focalizada no reencontro do indígena contemporâneo com seu elo ancestral,
esta explanação assume o lugar da observação e, mais do que elaborar teorias, comparações e análises técnicas,
objetiva uma cartografia do simbolismo local a partir da ocupação afetiva do território. De um lado, um sujeito
movido pelo sentimento de afinidade, o grupo de indígenas Kapinawás num arrebatamento pelos códigos de
um outro tempo. Como coabitante do mesmo espaço, a entrega à experiência do reconhecimento. O ser indí-
gena contemporâneo, a identificar-se com os símbolos do outro, o seu elo ancestral. Por meio das expressões
gráficas percorridas durante imersão do projeto cultural “Ocupação, estamparia e grafismos Kapinawá”, os
grafismos, as pinturas e gravuras da região do Catimbau são investigados com o sentido de assimilação e apro-
priação do universo simbólico ancestral.
O Vale do Catimbau, marcado por imponente geomorfologia de relevo e pela biodiversidade da Caatin-
ga, pela abundância de inscrições rupestres e pela (re)existência da identidade indígena Kapinawá, é percorrido
como espaço de imersão em outros tempos e subjetividades. Uma imersão coletiva acessada no contexto das
manifestações gráficas dos seus habitantes de 2 a 6 mil anos atrás suscita associações e intersubjetividades
apropriadas ao contexto da identidade étnica local. No processo desse encontro, o desejo de investigar a relação
entre os sujeitos e os grafismos rupestres da região deriva defrontar com singularidades de manifestações grá-
ficas. Da relação entre o contemporâneo e o ancestral local é observada um reencontro de expressividades dos
sujeitos, cosmologia e símbolos afins. A autoidentificação Kapinawá, vinculada aos desenhos gráficos refere-se
ao reconhecimento de representações do próprio corpo, do ambiente e do universo, o antropocosmos, onde o
indivíduo contemporâneo “retoma consciência do seu próprio simbolismo” (ELIADE, 1991, p.30-32) e da sua
identidade étnica.
A direção segue além dos aspectos formais e investe num jogo de diagnóstico das expressões espontâ-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, Mídia e Cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós Graduação em Design – Mestrado. julijubis@gmail.com

24
neas, da entrega, das trocas simbólicas e das configurações determinadas pela materialidade. A pura descrição
dos elementos gráficos não contempla todos os significados passíveis de tradução dos desenhos. Aliás, os sím-
bolos jamais deveriam ser encerrados em significados únicos, e sim, como num jogo de “produção semiótica de
uma etnia” (GATTARRI; ROLNIK, 1986, p. 73), ser atualizados e, com todo seu empenho, contextualizado. E,
“ao invés de reificar uma noção como a da cultura de um grupo social”, provocar a fruição de “agenciamento
de processos de expressão” (GATTARRI; ROLNIK, 1986, p. 71).
Seriam os sítios rupestres habitados por bandos diferentes e rivais? Ou seria um mesmo grupo a demar-
car as pedras durante os deslocamentos? Trata-se de grupos nômades de tempos distintos que recorriam aos
paredões de pedras para comunicarem-se entre si? Seriam eles testemunhos ou profetas das ações retratadas?
É quase impossível conter o impulso de traduzir, interpretar ou supor o que representam. Na interlocução com
os Kapinawás, o que inspiram os códigos ancestrais revela muito do seu contexto estético e político, a autode-
terminação como identidade étnica atrelada e referenciada ao meio, às lutas e ao modo de existência como in-
dígena. Nas associações de contato com o passado, os painéis de inscrições rupestres atuam como dispositivos
de reconhecimento de si através do outro e seu tempo, onde brotam associações autorreferentes. Os indivíduos
assimilam, os símbolos sobrevivem e a partir desse contato, a difusão de uma cultura conectada com seu pas-
sado e tradições.
O grupo de indígenas reconhece nos grafismos rupestres uma afinidade com sua cosmologia ao asso-
ciar formas idênticas em suas pinturas e ornamentos artesanais. Uma apropriação natural de quem comparti-
lha de um mesmo ambiente? Uma condição que é própria de muitos símbolos gráficos, serem universais? Um
partilhar de um imaginário vivenciado num mesmo contexto de estímulos visuais? Ou, conforme explanado
por Flusser (2017, p. 128), o mundo imaginário programou e elaborou a forma de existência de nossos antepas-
sados durante inúmeros milhares de anos: para eles o “mundo” era um amontoado de cenas que exigiam um
comportamento mágico. Seria esse “comportamento mágico” o que hoje definimos como arte?
Os indígenas reconhecem os códigos como se lançassem no tempo e numa apropriação relacionam
seus ritos, comportamentos, as lutas, o ambiente e a conexão com o sagrado. Um retorno ao ontem para prever
coincidências, relacionar os motivos aos objetos daquele entorno3 e situar-se pela herança cultural dos seus
antepassados. E ávidos pela atração de articular sua cultura com os mistérios de códigos milenares, seguem
o desejo de vincularem-se aos símbolos originais e aliados pelo respeito ao sagrado, este também associado à
simbologia ancestral.
Em nosso Território, há muitos sítios arqueológicos. Para nós, Kapinawá, eles têm muita importân-
cia, pois representam a presença de nossos antepassados e nossas antepassadas que viveram nessa
terra. [...] Dizem que “os mais velhos que deixaram como prova de que eles existiram”. Falam que “os
sítios arqueológicos representam muitos conhecimentos dentro da nossa cultura, mostrando a forma
como viviam nossos antepassados, e assim deixaram marcados seus registros nas pedras. (ANDRA-
DE; MENDONÇA, 2016)

Na assimilação coletiva, a leitura e reconhecimento do homem nativo é mais propícia às interpretações


puras devido a sua familiaridade espacial e cultural. Os diálogos decorrentes do encontro com os símbolos an-
cestrais e da intenção de traduzi-los é natural situar às próprias experiências de vida e, assim, confrontar sím-
bolos e referências. E nessa assimilação manifestam-se os códigos particulares de quem compartilha daquele
entorno. No processo de identificação ressaltam os motivos geométricos, figurativos, os antropomorfos, fito e
zoomorfos, e alguns tão estranhos que podem assumir o lugar de muita coisa. No entanto, apresentam maior
relevância os desenhos associados aos elementos próprios da cultura indígena onde descrevem como a dança
do samba de coco, o ritual do toré, objetos artesanais, ferramentas e agrupamentos humanos.
No decorrer dessa ocupação dos territórios geográficos e simbólicos, um outro encontro surpreende:
uma senhora indígena que tem por hábito desenhar seu cotidiano e o imaginário local. Ao chegar na casa de
dona Lia, já se reconhece sua inspiração artística pela fachada e terreiro da casa, composta de pinturas a ornar
a entrada. Uma artista singular. As pinturas de flores, ou folhas, remetem imediatamente às inscrições rupes-

3 No caso de um grafismo rupestre semelhante a uma bolsa, para os indígenas seria a Aió, uma bolsa tradicional do repertório
indígena, feita da palha de caroá. A Aió é identificada em várias representações da arte rupestre local.
25
tres, pelo traço firme do pincel, pela espontaneidade da experiência, ou pelo contexto em que se encontram,
onde meio, objetos e acontecimentos são retratados a partir de uma leitura e síntese igualmente singular. A
casa simples é toda decorada com o cuidado de quem reaproveita objetos, expõe folhas de papel com desenhos
e sobrepõe diversos elementos a enfeitar o seu ambiente, para si e os seus.
Dona Lia, uma indígena de 90 anos, atualmente é conhecida por poucos, pois sua idade avançada lhe
permite pouca circulação entre as aldeias e sítios rupestres da região. E com a propriedade de quem muito
vivenciou a sua região lembra das cantorias, histórias dos mais velhos, as danças, o toré, o samba de coco, os
acontecimentos marcantes do seu povoado. Lia recorda sobretudo de um antigo repertório local: o trabalho e
atividades na extinta casa de farinha, localizada num dos sítios rupestres demarcados; os achados das “ossadas
de gente” identificadas como de indígenas antepassados; e o testemunho do encontro com uma onça caçada,
“eu vi só a pata da onça vermelha, a que pega bode”.
Dona Lia apresenta seus cadernos desenhados com caneta esferográfica, as folhas reutilizadas e preen-
chidas com traços de quem tem gana da experiência de riscar com um sentido, o de criar figuras. Os desenhos
marcam a materialidade do papel revelando a força empreendida. Nada parece contido nos desenhos de D. Lia,
onde o gesto submete a intenção do desenho final como apenas um meio de expressão da sua energia. Ela fala
do seu desejo, da agonia e vontade por riscar esses “desenhos endoidados”. Em entrevista, ela arrisca interpre-
tar seus desenhos de prática cotidiana. Em dezenas de cadernos cria personagens da vida, animais da lida ou
alguns motivos compreendidos através da televisão, as igrejas (que parecem ocas), os cantadores de viola, os
símbolos religiosos, a fauna e flora local, umas flores coloridas, a onça, além de árvores bastante sintetizadas
com ramificações que se assemelham a alguns desenhos rupestres. São representações de um imaginário par-
ticular, mas o que parece importar é o ato em si, praticamente sagrado, onde a carga e o cansaço da labuta são
finalmente expurgados.
O gesto experienciado pela entrega da ânsia de desenhar define as características estéticas, além da ma-
terialidade do suporte do papel. Mas é na variação da ferramenta manipulada que esta senhora indígena define
a relação da sua força com o material utilizado. Na comparação dos desenhos em caneta esferográfica, dona Lia
lamenta a pouca demarcação da cor ao aplicar giz de cera sobre papel, em algumas composições. Como numa
ação de quem lamenta o resultado de alguns dos seus desenhos, reclama: “esses aqui ficaram desmerecidos”.
É provável que o caráter um tanto claro e desbotado, das pinturas em giz de cera, torne esses desenhos menos
interessantes de serem apresentados por D. Lia, apesar de ainda cumprirem o propósito da expressão.
Dona Lia começou a criar seus desenhos já depois de idosa, e como ela mesma relata: “ninguém me
ensinou a fazer esses desenhos”. “Meu pai guiava era na enxada, todo dia na roça trabalhando. Naquele tempo
não tinha professor, por isso que era tudo bruto”. Em diversos momentos no decorrer da conversa, D. Lia se
referia como pessoa bruta. A autoidentificação nativa, do ser bruto, referente a pessoa não alfabetizada, parece
ter relação com o gesto, no qual, a investigação em curso associa aos grafismos rupestres. Ao referir-se bruta,
Lia parece falar das pedras. Ao afirmar “eu sou bruta”, declara-se como uma espécie de ser inalterado, íntegro,
não lapidado nem polido. O ser bruto a que dona Lia se refere diz muito da arte encontrada nela, uma arte
vinculada à própria existência, e uma artista que não carece significar ou identificar-se artista (ou polida) para
fazer sua arte de desejo e entrega.

Referências

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Ensaio sobre o simbolismo mágico religioso. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FLUSSER, Vílem. O mundo codificado. Por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Ubu Editora, 2017.
GUATTARI, Felix. ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Editora Vozes Ltda, Rio de Janeiro, RJ. 1986.
Professores/as Indígenas Kapinawá (org.); ANDRADE, L. E.A. (org.); MENDONÇA, Caroline (org.). Kapinawá – Ter-
ritório, Memórias e Saberes. ed. Olinda: CCLF. 2016. V. 1000. 120p.

26
TECNICIDADES E RITUALIDADES DAS DELEBS:
mediações de Martin-Barbero Sobre a Espessura ao Espetáculo1
Patrick Alexsander Bastos Santos2

Resumo:
A proposta da comunicação é demonstrar como o mapa noturno das mediações de Martin-Barbero oferece
uma perspectiva ampla sobre a experiência com as novas tecnologias. As mediações da tecnicidade e rituali-
dade servirão para mapear a experiência com espetáculos holográficos póstumos, de modo a compreender as
instâncias acionadas pelo objeto tecnológico em oposição a qualquer abordagem mediacêntrica. O espetáculo
é entendido para além do show, a partir de Guy Debord, e desenvolvido de modo a explicitar como liga a ri-
tualidade ao tecnicismo. Exploramos, portanto, as implicações características das mediações que operam nos
estratos da política, cultura e comunicação.

Palavras-chave: Martin-Barbero; Holograma; Tecnicidade; Ritualidade; Novas tecnologias;

Nos últimos anos tem sido cada vez mais comum trazer os mortos de volta à vida com o poder da tec-
nologia. Não que estejamos vivendo na era ou na sociedade dos mortos-vivos - ou será que estamos? -, bem
talvez e somente talvez, estejamos começando a adentrar uma cultura dos mortos-vivos. É incerto, pois não há
como dizer ainda se o uso desta tecnologia irá “vingar” e se terá uma aderência constante e global ou se acabará
se sedimentando em alguma outra coisa. Além do mais, não necessariamente este fenômeno marca algum tipo
de cisão histórico-cultural a partir de novas tecnologias, parece mais plausível que represente a continuidade
da insatisfação expressa perante a morte, que é presente em boa parte das culturas humanas.
Bem, sem mais delongas, explicamos: a tecnologia a que nos referimos é a performance holográfica uti-
lizada em espetáculos póstumos de celebridades falecidas, as delebs3. São apresentações musicais que simulam
a apresentação real do artista falecido – e, claro, para isto simula o próprio corpo e as idiossincrasias do artista
numa imagem digital, feita, geralmente, a partir da montagem de uma cabeça totalmente digitalizada que du-
bla o áudio tocado encaixada na imagem do corpo de um impersonator que grava a performance previamente;
a edição cuida de boa parte do trabalho. Por fim, o efeito pretendido é a imagem mais fidedigna possível ao
artista vivo – se nos permite, já que parece pertinente, extrapolar a termos da cultura cristã: criados à imagem
e semelhança - de sorte que cause nos fãs o fascínio de estar diante do ídolo mais uma vez.
Um dos primeiros casos, ao mesmo tempo em que foi massivamente midiatizado, causou sobressaltos,
foi o da projeção holográfica e performática de Tupac Shakur no festival Coachella (Indio, Califórnia) em 2011.
A apresentação foi bem recebida pela maioria das críticas, inclusive segue sendo mais convincente que algumas
tentativas com outros artistas depois dela. O holograma foi produzido pela produtora hollywoodiana de efeitos
especiais Digital Domain e a projeção ficou por conta da também hollywoodiana AV Concepts (DRECOLIAS,
2014).
Este artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que investiga, a partir dos espetáculos holográficos
de delebs, as questões da sensibilidade e da presença. Para isto fazemos um percurso que passa pela dimensão
estética e sensível da tecnologia, acionando conceitos como performance e espetáculo. Abordamos aqui este
último, numa tentativa de indagar as disposições do objeto empírico e dialogando com a perspectiva cultural
barberiana, ou ainda, comunicativa da cultura. Para tal, usaremos o mapa noturno das mediações de Martin-
-Barbero, focando nas mediações: ritualidade e tecnicidade. De modo a buscar compreender as relações entre o

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, Mídia e Cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Mestrando em Comunicação: Mídia e Formatos Narrativos, linha de pesquisa: Mídia e Sensibilidade no Programa de Pós Gradu-
ação em Comunicação da UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Email: patrick8alexsander@gmail.com
3 Termo cunhado por Denver D’Rozario, da aglutinação entre “dead” e “celebrity”, para referir-se às celebridades que após a morte
continuam a ter visibilidade e a produzir interesse artístico e principalmente, comercial (ou potencializam estes efeitos). (D’ROZA-
RIO et al, 2007)
27
espetáculo e a dimensão ritual das relações humanas; assim como a relação entre o espetáculo e as tecnicidades.
Observando com clareza que nenhum destes campos se exime totalmente do outro, se não, estão os quatro, na
verdade, imbricados de alguma forma.
Portanto, o objetivo desta comunicação é explanar, a partir do mapa noturno das mediações, de que
forma as ritualidades e as tecnicidades são parte de uma estrutura que constrange profundamente as perfor-
mances holográficas de delebs, consideradas como novas tecnologias. De tal modo que discute como Martin-
-Barbero é inserido nessa pesquisa acerca das novas tecnologias com uma proposição metodológica comunica-
tiva da cultura.
O uso das mediações de Jesús Martin-Barbero traz uma perspectiva enriquecedora para o trabalho à
medida que a sua metodologia escapa ao utilitarismo da teoria da informação, assim como desloca a Comuni-
cação de um modelo de modernização desenvolvimentista que coloca o campo como um difusor de inovações
e como tal, dá um papel central à tecnologia à medida que a destitui de todo seu aspecto social, histórico, cultu-
ral, enfim, humano. Martin-Barbero antropologiza a técnica e com isso almeja um espectro muito mais amplo
e politicamente engajado.
O entendimento das mediações como uma forma de uso social dos meios permite, portanto, um re-
torno às questões particulares dos variados processos de mediação com o social, das quais os meios
de comunicação de massa são uma ocorrência recente – o que evita um mediacentrismo. Afinal com-
preender as formas de mediação com o simbólico não implica, necessariamente, fazê-lo sempre pelo
viés da mediatização. Os meios de comunicação são apenas uma das forças que participam dos pro-
cessos de agenciamento cultural e político, mas não é a força exclusiva. (CARDOSO FILHO, p. 64)

Assim, pensar os meios de comunicação na atualidade numa concepção barberiana é compreender as


implicações dos processos hegemônicos que trazem profundas mudanças simbólicas, desistoricizam e frag-
mentam ao mesmo tempo em que homogeneízam (MARTIN-BARBERO, 2002). Compreender isto na atuali-
dade é notar que:
A experiência audiovisual e tecnológica (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001) impõe novas formas de
relação com a realidade, incluindo diferentes percepções do espaço e do tempo. A argumentação
faz pensar sobre a emergência de dispositivos que implicam em mudanças nos vínculos sociais, ao
lidarmos com os outros, cada vez mais, por meio das mediações do mundo da técnica. Obviamente,
sem abandonar as práticas de comunicação interpessoal, em que o ritual da proximidade se mantém
como dispositivo organizador, passamos a conviver com modelos comunicacionais mediados por
tecnologias cada vez mais complexas. (BRIGNOL, 2018, p. 124-125)

Considerando o prospecto organizador e agregador do ritual é que investigamos a mediação da ritua-


lidade a partir de um cruzamento de Martin-Barbero (2002) com a perspectiva performática de Richard Sche-
chner (2013) e se é possível falar de uma ritualidade referente aos espetáculos holográficos.
A noção de espetáculo serve como estrato organizador político, cultural e comunicativo entre as me-
diações de ritualidade e tecnicidade. Vemos tanto em Martin-Barbero, como em Schechner (2013) a forma com
que os rituais frequentemente engendram uma dimensão teatral, que por sua natureza, levam ao espetáculo.
Portanto, é importante para a nossa perspectiva teórica ressaltar, ainda que brevemente, as noções de Guy
Debord (2003) aliadas às de Jesús Martin-Barbero, que apontam como a espetacularização nem começa, nem
termina no espetáculo propriamente dito; e seus desdobramentos são calcados por um processo hegemônico,
assim como suas raízes são profundamente políticas e mercadológicas.
Uma vez explicada esta relação, podemos nos voltar mais enfaticamente à tecnologia, mas não de um
ponto de vista tecnicista ou mediacêntrico, mas sob outro, segundo o qual nos diz Girardi Júnior (2018):
O desenvolvimento e a expansão das chamadas novas mídias, da convergência digital e das tecnolo-
gias móveis, aliadas à possibilidade de fruição de bens culturais em múltiplas telas e ambientes, além
da interatividade, e a associação desses elementos a uma nova dinâmica cultural globalizada fizeram
com que Martín-Barbero procurasse dar maior atenção àquilo que chamou de tecnicidade – um tipo
novo e particular de mediação13. (p. 163)

28
A técnica é notada por Martin-Barbero não somente como técnica, mas como sistema – de modo que o
autor vê nessa midiatização contemporânea, não uma mera relação distanciada, utilitária e sem maiores con-
sequências com a técnica, mas sim um entorno midiático, de forma que ele prefere chamar esta mediação não
de técnica, mas de tecnicidade (2009). “As perguntas geradas pela tecnicidade indicam então o novo estatuto
social da técnica, restabelecimento do sentido do discurso e da práxis política, o novo estatuto da cultura e
os avatares da estética.” (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 19) Adotaremos, portanto esta abordagem, refletindo
sobre ao menos algumas destas questões.
Neste ponto do processo foi possível construir e estabelecer relações entre diferentes dimensões do
objeto empírico e notar contiguidades, continuidades e sobreposições entre elas. A tentativa aqui é não ceder a
regimes totalizadores e a partir da aproximação com estes autores, assegurar que as relações humanas estejam
implicadas no trabalho, de modo a não espetacularizar o espetáculo da hiperrealidade audiovisual, mas sim
adotar uma visão crítica. Acreditamos que as investigações e elocubrações feitas neste trabalho serão bastante
proveitosas para o amadurecimento na relação com o objeto de pesquisa e com as teorias trabalhadas, além
de indicar caminhos para que o corpus empiricus mostre as relações que produz diante de uma interpretação
comunicativa da cultura.

Referências

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ção: Sérgio Paulo Rouanet. Vol. 1, 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987.
BRIGNOL, Liliane Dutra. Tecnicidade e identidades migrantes: contribuições de Martín-Barbero para pes-
quisas sobre migrações e usos sociais das mídias. Intexto. Porto Alegre, n. 43, p. 119-134, set./dez. 2018.
CARDOSO FILHO, Jorge Luiz Cunha. Práticas de escuta do Rock: experiência estética, mediações e ma-
terialidade da comunicação. 2010. 216 f. (Doutorado em Comunicação) -Programa de Pós-graduação em
Comunicação Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2010.
CHIGNOLA, Sandro. Sobre o dispositivo: Foucault, Agamben, Deleuze. Cadernos IHU ideias. Universida-
de do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Ano XII, Nº 214, V. 12. 2014.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Trad. <www.terravista.pt/IlhadoMel/1540> Paráfrase em
português do Brasil: Railton Sousa Guedes, Coletivo Periferia <www.geocities.com/projetoperiferia>. Ed.
EbooksBrasil.com, 2003
DRECOLIAS, Michael Spiro. “Tupac and Beyond: The Implications of the Tupac Hologram on Copyright
and the Right of Publicity and What it May Mean for the Future of Music”. Law School Student Scholarship.
South Orange, New Jersey, 427, n/p. mai. 2014.
D’ROZARIO, Denver, et al. The Use of Images of Dead Celebrities in Advertising - History, Growth Factors,
Theory, Legality, Ethics and Recommendations. NA - Advances in Consumer Research. V. 34, ed. Gavan
Fitzsimons and Vicki Morwitz, Duluth, MN : Association for Consumer Research. p. 446-450. 2007.
ELMORSHIDY, Ahmed. Holographic Projection Technology: The World is Changing. Journal Of Tele-
communications, California, V. 2, N. 2. n/p. Maio de 2010.
GIRARDI JÚNIOR, Liráucio. De mediações em mediações: a questão da tecnicidade em Martin-Barbero.
São Paulo, V.12, Nº 1. jan./abr. p. 155-172, 2018.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Prefácio. In: MARTIN-BARBERO, J. e REY, Germán. Os exercícios
do ver: Hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Prefácio à quinta edição espanhola. In: Dos Meios às Mediações. 1998.
__________. Ofício de Cartógrafo: Travesías Latinoamericanas de la comunicación en la cultura. México;
Santiago, Chile: Fondo de culura econômica, 2002.
SCHECHNER, Richard. Performance Studies: An Introduction. 3 Ed. Routledge, 2013.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Trad: Waltensir Dutra. RJ: Zahar Editores, 1979.

29
SUJEITOS E MEMÓRIAS:
breve reflexão sobre representações e identidades de
trabalhadores rurais angolanos1
Flávia de Almeida Moura2
Osmilde Augusto Miranda3

Resumo:
As reflexões trazidas para esta comunicação estão relacionadas ao contexto angolano e giram em torno de
identidades e memórias de trabalhadores rurais bem como suas representações e identificações com relação aos
seus modos de vida e de trabalho. Recolhemos, durante trabalho de campo realizado em três aldeias localiza-
das no sul do país, imagens e relatos desses sujeitos que dizem respeito às suas relações com a terra, tradições
e memórias de guerra. A visita às localidades supracitadas ocorreu em agosto de 2018, como parte de projeto
de pesquisa que busca fazer comparações entre trabalhadores rurais do Maranhão e de províncias do Sul de
Angola.

Palavras-chave: Sujeitos; Memórias; Representações; Identidades.

O trabalho apresentado tem como objetivo refletir sobre as metodologias utilizadas durante trabalho
de campo realizado em três aldeias localizadas no Sul de Angola em agosto de 2018 para desenvolvimento de
projeto de pesquisa que investigou as relações entre comunicação, trabalho e migração numa perspectiva com-
parada entre grupos de trabalhadores rurais do Maranhão e de três províncias de Angola: Benguela, Huambo
e Huíla. As reflexões trazidas para esta comunicação estão relacionadas ao contexto angolano e giram em torno
de identidades e memórias dos sujeitos investigados bem como suas representações e identificações princi-
palmente com relação aos modos de vida e de trabalho. Recolhemos, durante trabalho de campo, fragmentos
de imagens e relatos desses sujeitos que dizem respeito às suas relações com a terra, tradições e memórias de
guerra.
Percorremos durante o mês de agosto de 2018 três aldeias localizadas nas províncias do Sul Benguela,
Huambo e Huíla e ouvimos relatos de migração e trabalho de camponeses que costumam se deslocar para a ca-
pital Luanda em busca da venda de seus produtos agrícolas excedentes e também de outras formas de trabalho
para complementação de sua renda, necessária para a reprodução da agricultura bem como para o sustento.
Embora as famílias, em geral, possuam plantações para subsistência e ainda produtos excedentes para
vendas, relataram que precisam complementar a renda com trabalhos fora da agricultura e, consequentemente,
também fora da aldeia. Daí a necessidade da migração. Seu João4, de 56 anos, morador da aldeia Sakaliñga,
localizada no município da Caála, na província de Huambo, nos contou que já migrou várias vezes para a ca-
pital Luanda e que tem familiares (filhos e sobrinhos) na região de Kikuxi, província de Luanda, trabalhando
em fazendas agrícolas empresariais. Ele afirmou que já se deslocou por necessidade de complementar a renda
familiar. Saiu algumas vezes para vender alguns produtos excedentes de sua lavoura e também acabou prestan-
do alguns serviços no comércio informal em Luanda como bagageiro5 em armazéns localizados no bairro do
Benfica, em Luanda.
Entendemos as representações a partir de Stuart Hall (2010), como um processo histórico, ideológico,
cultural e político do indivíduo no seu contexto social. Segundo o autor, representação significa usar a lingua-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1 - Estética, Mídia e Cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação profissional e do Departamento de Comunicação da UFMA,
doutora em Comunicação e pós-doutora em Sociologia e Antropologia; flaviaalmeidamoura29@gmail.com
3 Aluno do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA, graduado em Comunicação/Jornalismo,
osmildemiranda@gmail.com
4 Nome fictício para fins de preservação da identidade.
5 Espécie de carregador de caixas com produtos alimentícios, utensílios domésticos ou de roupas.
30
gem para dizer algo com sentido sobre o mundo ou para representá-lo de maneira significativa para as outras
pessoas. Dessa forma, a representação é entendida como uma parte essencial do processo mediante o qual se
produz e troca sentidos entre os membros de uma mesma cultura. Representar implica no uso da linguagem,
dos signos e das imagens que estão no lugar das coisas, que as representam. Mas o autor ressalta: não se trata
de um processo direto e simples. Os sujeitos investigados nesta pesquisa representam-se como camponeses,
mesmo que estejam em situações de trabalho informal nos centros urbanos. A relação com a terra como re-
produção familiar e ancestralidade está além da questão territorial ou das circunstâncias temporária e sazonal
dos migrantes estarem na zona rural ou urbana, uma vez que há trânsito entre essas esferas e o campesinato
perpassa esses espaços como forma de identidade coletiva do grupo.
Partimos do entendimento de Hall (2013) sobre a identificação como um processo de articulação, uma
suturação sujeita ao jogo da diferença. Percebemos este movimento nas conversas com os entrevistados. No-
tamos aqui a identificação dos sujeitos enquanto camponeses operando por meio da diferença (mesmo que
estejam fora do campo) e envolvendo um trabalho discursivo ao retratar o fechamento e a marcação de fron-
teiras simbólicas, o que Hall (2013) chama de produção de “efeitos de fronteira”. Neste sentido, os “efeitos de
fronteira” dos migrantes investigados nesta pesquisa podem ser entendidos como formas de resistência sobre as
principais características de pertencimento que os identifica no mundo, isto é, sobre suas identidades recons-
truídas, a cada momento, a partir dos relatos de memória.
Durante o trabalho de campo realizado nas aldeias supracitadas, utilizamos a metodologia qualitativa
com inspiração etnográfica, juntamente com a realização de entrevistas individuais e coletivas, que chamamos
grupos de discussão, e registro fotográfico documental, além da observação participante. Nos dias que passa-
mos nessas localidades, tivemos a oportunidade de almoçar nas casas de lideranças comunitárias e também
fizemos visitas rápidas até os locais de trabalho (lavouras, espaços de armazenamento dos produtos e locais de
cultivo de animais de pequeno porte). A partir deste contato, tivemos a oportunidade de recolher imagens que
demonstram um pouco a sociabilidade nas aldeias bem como os seus traços culturais, tradicionais e de me-
mória, que estão presentes também nos relatos recolhidos. Esse material fotográfico será apresentado durante
comunicação oral no IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia, a ser realizado em São Luís, Maranhão, em abril
de 2019.
Nas aldeias, tivemos acesso aos sobas, autoridades tradicionais reconhecidos como “chefes” das comu-
nidades, que nos contaram que a questão da migração não é uma característica específica da atualidade, mas
remonta tempos antigos, e esteve relacionada historicamente com os períodos de guerra no país e hoje, apre-
sentam outras motivações, como a questão econômica e a busca pelo trabalho fora das aldeias.
A região sul de Angola foi muito afetada nos combates, uma vez que uma das províncias, Huambo, se-
diou uma resistência da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), partido de oposição
ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que lutaram pela Independência de Portugal e, após
conquistarem, lutaram entre si para o controle do governo. Também as outras duas províncias visitadas, Huíla
e Benguela, foram fortemente afetadas nos combates e, por este motivo, grande contingente de pessoas tiveram
de migrar durante o período de guerra do sul para o norte de Angola.
Na aldeia de Cavissi II, localizada no município da Cacula, província da Huíla, encontramos um grupo
de mulheres mais velhas da localidade, que contaram um pouco sobre esses deslocamentos:
No tempo colonial, a gente já vivia aqui. No tempo dos escravos. A gente chegou a trabalhar quando criança
para os colonos. (...) Nossos bisavós já andavam por Luanda para conseguir algum negócio; com a venda
de alguns produtos que eles conseguiam plantar. Naquela época, o café era o principal produto plantado
na região, mas a gente tinha que sempre sair para trabalhar em outras regiões para fugir da seca e, depois
de 1975, da guerra . (Trecho de entrevista concedida por Maria , 96 anos, moradora da aldeia Cavissi II,
Cacula, Huíla, Angola, agosto de 2018)

Meus pais foram nascidos aqui. Os bisavós chegaram do Norte. Em 1986, saímos daqui para Kipungo (mu-
nicípio próximo) por conta da guerra. Ficamos lá por muito tempo. Voltamos em 2003, depois da guerra.
Quando voltamos, aqui não tinha nada mais de plantação aqui. Tivemos de fazer tudo de novo...reconstruir
do zero. (...) Antes era muito duro. Agora tá melhor, até porque não tem que sair no susto. (Trecho de entre-
vista concedida por Joana, 92 anos, moradora da aldeia Cavissi II, Cacula, Huíla, Angola, agosto de 2018)
31
As narrativas remontam a ideia do sofrimento do passado em detrimento de um presente “mais calmo”
ou “menos duro”, principalmente por conta do fim da guerra e da ideia de reconstrução nacional, que perpassa
a reconstrução da agricultura e consequentemente da vida dos camponeses.
Quando as narrativas tratavam sobre algo do passado, as vozes autorizadas a falar sempre eram dos
mais velhos, e os sobas sempre davam a legitimidade a eles. Mas quando o assunto era terra, campesinato e mi-
grações contemporâneas e os jovens falavam, os sobas exerciam sua autoridade e, em alguns casos, cerceavam
as falas, silenciando-os. Neste sentido, percebemos que havia um jogo de disputas que oscilava entre relatos
de memória e silenciamentos, presentes nas narrativas dos entrevistados. Atribuímos esse jogo como formas
de estratégia de sobrevivência desses grupos sociais, que devido principalmente a questões políticas e de guer-
ra, tiveram que se deslocar para outras regiões do país ou até mesmo de países vizinhos. Os silenciamentos
vinham, muitas vezes, principalmente quando a questão dizia respeito ao posicionamento político do grupo,
uma vez que os sujeitos investigados possuem um histórico de perseguição e represálias por questões políticas.
Notamos a questão da memória e do silenciamento como estratégias dos camponeses recontarem a sua pró-
pria história, bem como a história do seu lugar e de seus familiares e ancestrais, preservando suas identidades
e principalmente tendências políticas. Neste sentido, Orlandi (2007) afirma que o silêncio foi relegado a uma
posição secundária, como o “resto” da linguagem. Em contraposição a isso, ela diz que há sentido no silêncio e
que todo dizer é uma relação fundamental com o não-dizer.
Há um modo de estar no silêncio que corresponde a um modo de estar no sentido e, de certa manei-
ra, as próprias palavras transpiram silêncio. Há silêncio nas palavras (...) o estudo do silenciamento
(que já não é silêncio, mas ‘pôr em silêncio’) nos mostra que há um processo de produção de sentidos
silenciados que nos faz entender uma dimensão do não-dito absolutamente distinta da que se tem
estudado sob a rubrica do ‘implícito. (ORLANDI, 2007, p.11-12)

O silenciamento foi mais perceptível, durante visitas nas aldeias, quando o assunto era principalmente
política, religião, terra e ancestralidade. Quando questionados sobre esses assuntos, os camponeses ou silencia-
vam, ou pouco falavam alegando às vezes esquecimento ou mesmo desconhecimento dos assuntos tratados.
Portelli (2000) nos adverte que a memória não deve ser encarada como preservação da informação, mas
como sinal de luta e como processo em andamento. Vale destacar que as províncias visitadas foram altamente
impactadas pela guerra civil, com fortes consequências de insegurança alimentar e de violência física e simbó-
lica, que perduram até os dias atuais.

Referências

HALL, Stuart. El trabajo de larepresentación. In: Sin garantias: Trayectorias y problemáticas enestudioscul-
turales. Perú/Colômbia/Ecuador, 2010.
_______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Editora da Unicamp, Campi-
nas, 2007.
PORTELLI, Alessandro. Memória e diálogo: desafios da história oral para a ideologia do século XXI. In:
FERREIRA, Marieta de Moraes; FERNANDES, Tania Maria; ALBERTI, Verena. (Org.). História oral: desa-
fios para o século XXI. Rio de Janeiro : Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas,
2000. ePub [livro eletrônico].

32
MIGRAÇÕES DE SENTIDO DO FEMININO:
o poder dos agentes folk no espaço público1
Francinete Louseiro de ALMEIDA2
Josefa M, e S. Bentivi Andrade – ZEFINHA BENTIVI3
Protásio Cezar dos SANTOS4

Resumo:
O artigo apresenta um estudo sobre as manifestações artísticas que circulam no espaço público (midiático,
sobretudo, em razão das redes sociais), à luz da Folkcomunicação, observando-se a atuação dos agentes folk-
comunicacionais, por meio da análise da voz feminina do funk, em produções culturais que colocam grupos
marginalizados ou minorias no protagonismo midiático. O método utilizado – a análise do discurso, possibili-
tou-nos ouvir as vozes femininas do funk que reivindicam sua autonomia, poder, liberdade sexual e expressão,
negando uma lógica que as estigmatiza e as coloca num lugar de fala de submissão, a moral heteronormativa
que ainda se estabelece como um valor de verdade.

Palavras-chave: Sentido; feminino; agente folk; espaço público; visibilidade

A folkcomunicação5 (única teoria da comunicação genuinamente brasileira) apresenta, desde seu nas-
cedouro, uma preocupação com os sistemas sociais desiguais que instituíram (e instituem) a sociedade bra-
sileira, tanto na dimensão cultural quanto social e histórica. Conforme Hohlfeldt (2009, p. 99), Beltrão “não
se limita a constatar uma situação presente, que identifica, descreve e estuda pormenorizadamente, mas bus-
ca suas origens e seus fundamentos”. Tal direcionamento aponta para a forte identificação desta abordagem
com os problemas sociais, notadamente na elucidação e na crítica do comportamento das elites brasileiras e,
em simultâneo, em movimento oposto, do potencial de crítica e transformação dos segmentos de maior vul-
nerabilidade e exclusão social. Nesses termos, os estudos e pesquisas folkcomunicacionais voltam-se para a
compreensão das diferenças, que são fruto das desigualdades sociais, dos grupos, nos termos de Beltrão (1980),
marginalizados6. Para Maciel (2017),
[...] Até os dias atuais a diferença continua sendo valorada de forma depreciativa, em consequência,
estar de fora dos padrões sociais hegemônicos resulta em maior vulnerabilidade e exclusão social.
Com isso, aquele que não se enquadra nos padrões hegemônicos (raça, etnia, sexo, classe social, gê-
nero, geração, povos tradicionais, etc.) vive em condições menos favoráveis e passa a ser alvo habitual
de preconceitos e discriminação, o que resulta em exclusão da cidadania e falta de acesso e fruição
a direitos considerados fundamentais, comprometendo, assim, o mínimo indispensável a uma vida
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 01 - Estética, mídia e cultura do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutora em Comunicação Social pelo Programa de Pós – Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul-PUC/RS e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. Email: nethlouzeiro@
yahoo.com.br
3 Jornalista, Professora Adjunta da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Doutora em Comunicação pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande de Sul (PUC-RS), Mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especia-
lista em Jornalismo Cultural pela UFMA, email: zefinhabentivi@yahoo.com.br
4 Profissional de Relações Públicas, Professor Associado III da Universidade Feral do Maranhão. Doutor em Ciências Ambientais.
Mestre em Comunicação. Especialista em Administração. Email: labcom17@bol.com.br
5 “Processo de intercâmbio de mensagens através de agentes e meios ligados direta e indiretamente ao folclore e, entre as suas
manifestações, algumas possuem caráter e conteúdo jornalístico, constituindo-se em veículos adequados à promoção de mudança
social” (BELTRÃO, 2001, p. 73).
6 “A expressão marginal surge, na literatura científica, pela primeira vez em 1928, em artigo de Robert Park sobre as migrações
humanas, publicado no American Journal of Sociology. O migrante é ali definido como um ‘híbrido cultural’, um ‘marginal’, que,
embora compartilhe da vida e das tradições culturais de dois povos distintos, ‘jamais se decide a romper, mesmo que lhe fosse per-
mitido, com seu passado e suas tradições, e nunca (é) aceito completamente, por causa do preconceito racial, na nova sociedade em
que procura encontrar um lugar” [...] ‘É um indivíduo à margem de duas culturas e de duas sociedades que nunca se interpenetram e
fundiram totalmente’” (BELTRÃO, 1980, p. 38-39) (Grifos do autor).
33
digna (MACIEL, 2017, p. 5840).
Partindo da compreensão de que a teoria construída por Beltrão é “aplicável a todas as sociedades, de-
senvolvidas ou não, industrializadas ou não, mas especialmente para as sociedades onde remanescem grandes
diferenças sociais, econômicas e culturais” (HOHLFELDT, 2013, p. 186-187). Considerando, portanto, os prin-
cípios teóricos alinhados aqui, este artigo, analisa as manifestações artísticas que circulam no espaço público
(midiático, sobretudo em razão das redes sociais), à luz da folkcomunicação, com foco na atuação dos agentes
folk, especificamente a voz feminina no funk7 brasileiro, produções culturais que sintetizam bem o que Hohl-
feldt (2013, p. 187) designa de múltiplos fluxos que têm como consequência colocar estes grupos marginaliza-
dos no protagonismo midiático, o que altera o espaço público pela circulação/migração de sentidos das perife-
rias para os centros. Para tal, realizamos uma discussão sobre os agentes folkcomunicacionais e a atualidade da
teoria beltraniana, com ênfase na voz feminina do funk; também discutimos aspectos relacionados ao espaço
público e à circulação dos múltiplos e contraditórios fluxos de comunicação; seguindo-se de uma análise das
letras de quatro canções do funk nas quais se observa a circulação de um discurso contra-hegemônico em re-
lação à condição feminina.
As canções analisadas foram: Jeito Malicioso (Dani Russo); Se eu mandar (Lexa); Eu não presto (MC
Marcelly) e Quero que tu vá (Ananda), e o uso do palavrão na voz de mulheres, ainda soa como uma subversão
ou uma resistência à hegemonia heteronormativa (SPARGO, 2006) em torno da sexualidade. Um fenômeno
cultural que se explica, na teoria de Luiz Beltrão (1980), como uma ação de grupos culturalmente margina-
lizados , do tipo classificado pelo autor como erótico-pornográfico, formado por indivíduos que contestam a
cultura e a organização social estabelecida. Conforme o autor:
Desse grupo participam todos os que não aceitam a moral e os costumes que a comunidade adota
como sadios, propondo-se a reformá-los em nome de uma liberdade que não conhece limites à sa-
tisfação dos desejos sexuais e práticas hedônicas consideradas perniciosas pela ética social em vigor
(BELTRÃO, 1980, p. 104).

Aos olhos atuais, conforme atestam Fernandes e Woitowicz (2015), a caracterização destes grupos por
Beltrão carrega a marca do tempo e assim deve ser recepcionada, inclusive em relação às marcas linguísticas
presentes na definição do grupo, contudo os autores, ao atualizarem a abordagem beltraniana, reconhecem o
pioneirismo do pesquisador brasileiro em apresentar, à época, as demandas sociais das minorias relacionadas
à questão de gênero. Na concepção dos autores, as demandas atuais dos grupos culturalmente marginalizados8
ou, como preferem nominar, as minorias, dizem respeito à luta por direitos civis, políticos, culturais e comu-
nicacionais. Especificamente sobre gêneros, apontam que estes grupos lutam “pela transformação de valores” e
“por reconhecimento da autonomia sobre o corpo e a liberdade sexual” (FERNANDES; WOITOWICZ, 2015,
p. 4).
É nesse cenário que se podem estabelecer relações entre os grupos marginalizados por não se ade-
quarem aos papeis tradicionais de homem e mulher e as teorias de gênero que problematizam a
questão da diferença com base na sexualidade (FERNANDES; WOITOWICZ, 2015, p. 4).

A reflexão dos autores também passa pela constatação de que tais grupos se instituem e se comunicam,
no contexto social, majoritariamente por meio dos líderes ou agentes folk. No caso em tela, o que se infere é que
a voz feminina no espaço público, proferindo palavrões que são considerados proibidos pela moral vigente ou
mesmo construindo cenários que empoderam a mulher num lugar de fala pouco usual, porque não submissa,
acaba por estabelecer uma ponte entre os sistemas que configuram a sociabilidade. Portanto, seguindo esse en-
7 Estilo de musical que tem como características: o ritmo sincopado, a densa linha de baixo, uma seção de metais forte e rítmica,
além de uma percussão (batida) marcante e dançante. O funk surgiu como uma “mescla” entre os estilos R&B, jazz e soul.
Funk - Brasil Escola (https://brasilescola.uol.com.br/artes/funk.htm)
8 Os grupos culturalmente marginalizados “constituem-se de indivíduos marginalizados por contestação à cultura e organização
social estabelecida, em razão de adotarem filosofia e/ou política contraposta a ideias e práticas generalizadas da comunidade. Desse
modo, forçada ou voluntariamente, tais grupos se acham apartados dos demais que, entretanto, procuram atrair às suas fileiras,
utilizando no proselitismo métodos e meios acessíveis ao público rural e urbano a que se destinam suas mensagens, sejam conven-
cionais ou de folk, que manejam com habilidade e audácia”. (BELTRÃO, 1980, p. 103).

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tendimento foi realizado um exercício de atribuição de sentido a fragmentos das letras de canções escolhidas,
com objetivo de examinar como a voz feminina constrói a imagem da mulher, garantindo, assim, visibilidade
a grupos duplamente marginalizados: a mulher e a funkeira, ambas representantes de minorias historicamente
discriminadas.
Nossa tese é que tais discursos promovem a circulação de novos sentidos sobre o feminino no espaço
público, garantindo visibilidade a respeito dos sujeitos femininos, sobretudo nas redes sociais. Para dar conta
da análise partimos da concepção interacional (dialógica) da língua (KOCH; ELIAS, 2015), considerando que
os usuários da língua são “sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto”. Nes-
sa perspectiva, “o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos”. (KOCH; ELIAS, 2015, p.10-11).
Assim, produção e recepção são os polos que produzem sentido em circulação que posicionam o discurso em
seu engendramento e seus efeitos (FERREIRA, 2010).
Nestes termos, o que tradicionalmente se estuda como marcas linguísticas, nessa nova abordagem,
passa a ser traços ou pistas da operação de engendramento e/ou de reconhecimento, que definem o
sistema de referência das leituras possíveis. (FERREIRA, 2010, p. 54).

Partindo, pois, das considerações de texto, sentido e circulação alinhadas aqui, buscamos na análise
de discurso inferir os sentidos dos textos por nós selecionados. Conforme Benetti (2007), a análise de discurso
é uma metodologia adequada para mapeamento de vozes e identificação de sentidos, quer nos textos verbais,
quer nos textos imagéticos. Dessa maneira, buscamos orientação na Teoria Social do Discurso (FAIRCLOU-
GH, 2001), onde entendemos ser o discurso uma prática social e não uma atividade puramente individual ou
reflexo de variáveis situacionais. Concepção que tem as implicações, pois suscita, de um lado, que o discurso é
um modo de ação das pessoas sobre o mundo, sobre as outras pessoas, como também um modo de represen-
tação. De outro, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os
níveis. Esta condição é que nos faz acreditar no poder transformador dos discursos que dão voz às minorias,
discursos normalmente proferidos pelos agentes folkcomunicacionais. Por tudo isso, acompanhamos Hohlfel-
dt (2013, p.187) para reafirmar que “Beltrão mostrou que o processo do duplo fluxo, na verdade, é mais que isso.
É um processo de múltiplas fluxos, sucessivos, contraditórios e simultâneos, que se enriquecem mutuamente.
Esta foi sua grande lição”. A nossa também!

Referências

BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980.
_____, Luiz. Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão.
Porto Alegre: Editora EDIPUCRS, 2001.
BENETTI, Marcia. Análise do discurso em jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In: LAGO, Cláudia; BENETTI,
Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: UnB, 2001.
FERREIRA, Giovandro Marcus. Teorias da Comunicação, Teorias do Discurso: Em busca do sentido. In: FER-
REIRA, Giovandro Marcus; HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz Martino; MORAIS, Osvando J. de. (org.).
Teorias da Comunicação: Teorias Investigativas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
_____, Antonio. Uma teoria da comunicação para sociedades com grandes diferenças. In: FERREIRA, Giovandro
Marcus; HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz Martino; MORAIS, Osvando J. de. (org.). Teorias dos Meios de
Comunicação no Brasil e no Canadá. V.1. Salvador: Edufba, 2013.
HOHLFELDT, Antonio. A comunicação enquanto diálogo em Paulo Freire e Luiz Beltrão. Revista da ALAIC,
n.II, p. 94-102, 2009.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2015.
SPARGO, Tamsin. Foucault e a Teoria Queer. Rio de Janeiro: Pazulin; Juiz de Fora: UFJF, 2006.
FERNANDES, Guilherme Moreira; WOITOWICZ, Karina Janz. Folkcomunicação e Estudos de Gênero: aproxi-
mações conceituais e tensionamentos. Trabalho apresentado no GP Folkcomunicação, XV Encontro dos Grupos de
Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Disponível em: < http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/indiceautor.htm> Acesso em 22 de mai.2017.
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MISSÃO ARTÍSTICA MARANHENSE:
apropriação de litogravuras de Jean Baptiste Debret para
aquarelas (re)existentes1
Alexandre de Albuquerque Mourão2

Resumo:
Este trabalho tem como objetivo uma apropriação simbólica de litogravuras originais de Jean Baptiste Debret,
publicadas no livro L’Universe, de Ferdinand Denis (1837). A partir da escolha de duas litogravuras, nos propo-
mos a ressignificar as mesmas a partir de análise de duas pinturas em aquarela feita pelo pesquisador-autor. A
ideia, partindo da metodologia da pesquisa em artes, de Sandra Rey, é relacionar um patrimônio cultural imagé-
tico - as imagens de Debret - com questões contemporâneas e pensar a questão da (re)existência indígena. Como
resultado, o processo de pesquisa culminou na realização de duas exposições em galerias de arte de São Luís.

Palavras-chave: litogravuras; aquarelas; Debret; reapropriação; povos indígenas

Este trabalho possui como tema litogravuras originais produzidas por artistas franceses e publicadas
no livro L’Univers. Histoire et Description de Tous les Peuples (1837), de Ferdinand Denis (1798-1890), pai dos
estudos brasileiros na França3. A rara publicação oitocentista foi adquirida na Europa pelo próprio autor des-
te texto e deu ensejo a esta pesquisa. Ela aborda o Brasil Colônia e Império relegando oito páginas à terra de
Upaon-Açu. Além disso, 83 litogravuras originais de importantes artistas como Jean B. Debret, Spix e Von
Martius e Théodor de Bry, retratando a fauna, flora, povos e costumes do Brasil, compõem o livro.
A relação do Brasil com a França, desde o processo de colonização, a partir do século XVII é motivo
de debates e estudos principalmente no campo histórico e do patrimônio cultural. No que tange à perspectiva
artística e memorial, ainda se carece de um levantamento considerável e de uma publicização de obras artísti-
cas voltadas para o contexto de séculos passados4. Apesar de ser relativamente conhecida a temática da Missão
Artística Francesa no Brasil, publicações recentes das obras completas dos artistas franceses, como os catálogos
raisonnés de Jean Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas, demonstram a necessidade de uma maior divul-
gação das primeiras imagens do Brasil antes da existência da fotografia.
Nesta pesquisa temos como objetivo principal apresentar duas litogravuras presentes no livro de Ferdi-
nand Denis e duas aquarelas produzidas pelo próprio autor. Em seguida, a partir da metodologia da pesquisa
em artes, analisaremos um processo pictórico de ressignificação das litogravuras partindo das aquarelas. Na
pesquisa em artes, segundo Rey (2002, p. 1), “os conceitos extraídos dos procedimentos práticos são investi-
gados pelo viés da teoria e novamente testados em experimentações práticas”. A obra é ao mesmo tempo um
processo de formação e um processo no sentido de processamento, de formação de significado (Rey, 2002). Ao
trazermos para o universo desta pesquisa um patrimônio cultural, como litogravuras originais de 1837 com
releituras das mesmas a partir da aquarela, somos processados pela obra e passamos a repensar nossos parâ-
metros, como destaca Sandra Rey.
A seguir apresentaremos as duas gravuras e as duas aquarelas seguidas das análises.

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, Mídia e Cultura do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professor de Artes Visuais da Universidade Federal do Maranhão, doutorando em Psicologia pela Universidade de Brasília.
alexmourao1@gmail.com
3 Fonte: https://bndigital.bn.gov.br/dossies/franca-no-brasil/matrizes-nacionais/figuras-de-viajantes/ferdinand-denis/
Na contramão desta conjuntura, necessário citar o trabalho de SILVA, Frederico Fernando Souza. Coleção de gravuras Arthur Aze-
vedo: memória e patrimônio cultural. 2011. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História) - Universidade Presbiteria-
na Mackenzie, São Paulo, 2011.
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Figura 1 - Caboclos Índios Civilizados.


Litogravura sobre papel. Jean Baptiste Debret, 1837. Acervo pessoal.

Figura 2 - Debret Revolucionário.


Aquarela sobre papel couchê. Alexandre de Albuquerque Mourão, 2018. Acervo pessoal

A primeira litogravura analisada (figura 1) é, provavelmente, um dos trabalhos mais conhecidos de


Jean Baptiste Debret. Na cena observamos um índio em uma posição inusual de caça. Debret, no livro Viagem
Pitoresca ao Brasil (1834), comenta que a cena se passa com um índio Guaytakazès, na Aldeia de São Louren-
zo, fundada em 1567, por um governo português, situada próximo à antiga capital do império, Rio de Janeiro5
(Debret, 1834 p. 21). O nome “civilizado” era dado naquela época aos índios que passavam por uma tentativa
de catequização pela igreja católica.
A aquarela (figura 2), de 2018, foi feita tanto inspirada na litogravura de Debret, como na fotografia
de Sérgio Lima, durante um protesto de indígenas, em Brasília, no ano de 2014. A perspectiva trazida com a
aquarela é demonstrar uma cena de resistência de índios que, mesmo depois de mais de cinco séculos, ainda
vivem em situações de perseguições e genocídios por parte do Estado brasileiro e de grupos de madeireiros,
grileiros, etc. Ao invés da cena “exótica” do índio caçando, a aquarela tenta demonstrar que o uso particular
do arco e flecha demonstra o caráter permanente dos povos indígenas de resistirem pela demarcação de suas
terras assim como para viverem e manterem seus modos de vida. O Congresso Nacional ao fundo e a tropa de
choque se aproximando criam um tensionamento demonstrando como o estado brasileiro tem se relacionado
com as matrizes indígenas. O que permaneceu e o que se modificou desde a gravura feita em 1837, por Debret?

5 “Dans la province de Rio Janeiro, on donne le nom générique de Cabocle à tout Indiencivilisé, c’est-à-dire qui a reçu le baptême.
Nous citerons, pour exemple, la population deYAldea de San Lourenz, située à peu de distance de la capitale de l’empire. Ce villa-
geindien, fondé en 1567 par un gouverneur portugais...” (Debret, 1834, p. 21)
37
Figura 3 - Homem e Mulher Kamakã Mongoio.
Litogravura sobre papel. Jean Baptiste Debret, 1837. Acervo pessoal.

Figura 4 - Homem Kuikuro e Mulher Guajajara.


Aquarela sobre papel couchê. Alexandre de Albuquerque Mourão, 2018. Acervo pessoal

Para a terceira imagem analisada, expomos os olhares profundos do casal de índios Kamakãs Mon-
goiós (figura 3). Segundo Bandeira e Lago (2017, p. 50), os índios de Debret são ora guerreiros, ora criaturas
simiescas muitas vezes inventados pelo ideal davidiano. Havia nele uma “...preocupação em representar índios
em sintonia com valores protorromânticos da natureza, impregnados do bom selvagem...” (Bandeira e Lago,
2017. p. 51). Se o olhar estrangeiro, nesta litogravura, parece romantizar os índios, a aquarela (figura 4) procura
ressignificar a mirada neoclássica pra trazer a potência de vida dos índios Kuikuro, da região do Alto Xingu
e dos Guajajaras, do Maranhão. A proposta da aquarela é demarcar um olhar de (re) existência. O homem
Kuikuro e a mulher Guajajara nos fitam e parecem nos dizer: “estamos aqui, presentes”. Um processo de pro-
torromantização dá espaço a um processo de insistência em resistir, apesar de todas perseguições e tentativas
de destruições de dezenas de povos indígenas brasileiros. Os traços certeiros das litogravuras dão espaço à
espontaneidade dos pigmentos coloridos da aquarela assim como o romântico dá espaço ao real, ao que está
aqui, insistindo em viver.

Resultados
As imagens de Jean Baptiste Debret assim como de outros pintores da Missão Artística Francesa, mes-
mo ligadas a um padrão de arte neoclássica, não devem ser analisadas e fechadas a partir de uma leitura su-
perficial de uma provável crítica a uma arte elitista ou folclórica. Queiramos ou não, as pinturas dos artistas
franceses são as primeiras representações imagéticas das diversas matrizes formadoras do povo brasileiro.
Apesar de haver exageros em algumas composições, no sentido de darem conotações neoclássicas, elas surgem
imbricadas a um processo de memoria e história que podem, ainda, terem suas narrativas disputadas. Neste
sentido, as litogravuras não perdem suas forças de serem os primeiros patrimônios imagéticos do nosso povo
e, em certo sentido, servir até de comprovação, por exemplo, dos povos indígenas que foram massacrados e dos
38
que resistem.
Por fim, além disso, como resultado deste processo de pesquisa, outras 20 gravuras e aquarelas foram
expostas à sociedade maranhense na Galeria Trapiche, da Secretaria de Cultura de São Luís e na Casa de Cultu-
ra Huguenote, no centro histórico ludovicense. O artista pesquisador, a partir da imersão nas fontes primárias
procurou trazer um pouco do seu processo criativo para, em uma articulação entre pesquisa e pintura, refletir
sobre temáticas importantes para consolidação do nosso imaginário e de nossas existências.

Referências

BANDEIRA, Julio; LAGO, Pedro Corrêa. Debret e o Brasil: obra completa, 1816-1831. Julio Bandeira, Pedro
Corrêa de Lago : prefácio de José Murilo de Carvalho. 5. ed. rev. e ampl.- Rio de Janeiro : Capivara, 2017.
BIBLIOTECA NACIONAL. Ferdinand Denis. Acesso em: Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/dos-
sies/franca-no-brasil/matrizes-nacionais/figuras-de-viajantes/ferdinand-denis/> Acesso em: 31 jun 2019.
DEBRET, Jean Baptiste. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil ou Séjour d’un Artiste Français au
Brésil. Paris, Firmin Didot Frères, Imprimeurs de L’Institut de France, 1834.
DENIS, Ferdinand. Brésil. Colombe et Guyanes. Collection L’Univers ou Histoire et description de tous les
peuples, de leurs religions, moeurs et coutumes, Paris: Firmin Didot, 1837.
REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. In: BRITES, Blanca; TESSLER,
Elida(Org.) O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre : E. Universi-
dade/UFRGS, 2002. p.123-140.

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DA ÁFRICA À DIÁSPORA:
o kílómbò de lá e o quilombo de cá1
Andressa Cabral Botelho2

Resumo:
Os quilombos carregam um imaginário que nos remete à ideia de um espaço do século XIX, tipicamente rural,
isolado e prioritariamente negro, quando na verdade é um território plurirracial, em maioria negra, e que pode
ser encontrado tanto em contexto rural como urbano. Haja vista as diferenças entre os quilombos do campo e
da cidade, assim como os da diáspora e os da África, a semelhança que os une é a resistência contra um siste-
ma que essas pessoas não querem aceitar. No caso dos quilombos urbanos do Rio, a resistência para se manter
naquele território dotado de poder físico e simbólico caminha ao lado da ressignificação do espaço para sobre-
vivência de seus moradores e do resgate cultural.

Palavras-chave: quilombos; imaginário; Rio de Janeiro

Ao falar de quilombo, uma das primeiras imagens que se pensa é de um espaço rural, calmo e isolado,
refúgio dos negros fugidos das senzalas e hoje terra dos remanescentes de pessoas escravizadas. O que muitos
não sabem e causa estranheza a alguns é que os quilombos não são restritos apenas ao espaço rural, existindo
também nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro. As associações quilombolas, em meio a vivências parti-
culares, se aproximam pelo passado e presente de fortalecimento cultural, de resistência e luta por reconheci-
mento territorial.
O conceito de quilombo (kílómbò) surgiu entre os séculos XVI e XVII e é originário dos bantu, idio-
ma de grupos etnolinguísticos cujos territórios quilombolas se dividem hoje entre Angola (majoritariamente)
e República Democrática do Congo. A sua formação se dá num movimento separatista, seja de pessoas que
perdiam batalhas para outras tribos e não queriam se submeter a novos costumes ou de pessoas insatisfeitas
com as suas linhagens de origem (MUNANGA, 1996, p. 58). O quilombo era um espaço novo, desocupado, que
passava a ser povoado por pessoas de linhagens diversas que passavam por rituais de iniciação com objetivo
de apagar suas referências culturais originais. Consequentemente, a população que passava por esses ritos de
passagem transformava-se em soldados que protegeriam as suas novas terras de moradia. Dessa forma, o qui-
lombo na África era mais voltado para treinamento militar que para a cultura de alimentos e animais.
No Brasil, a formação dos primeiros quilombos se dá a partir do século XVII, tendo o Quilombo dos
Palmares ou Angola Janga/Pequena Angola como um dos maiores e mais conhecidos na história do país, abri-
gando de 20 a 30 mil pessoas no período de sua existência. Diferente dos quilombos de Angola e República
Democrática do Congo, no Brasil o quilombo era formado por diversos mocambos3 que tinham atividades
distintas, o que se assemelha a ideia de um município e seus bairros (D’SALETE, 2017).
Os espaços se aproximam na ideia de ser um refúgio para aqueles que se rebelavam diante a estrutura
política e cultural que estavam inseridos. No caso dos países da África era referente às linhagens culturais e na
diáspora à escravidão, fazendo com que em ambos lugares o quilombo fosse um campo de resistência e negação
a esses sistemas. No Brasil, no entanto, o refúgio acolhia majoritariamente negros fugidos das senzalas, mas
também negros libertos, indígenas e brancos marginalizados, sendo um espaço plurirracial (BARBOSA, 2015)
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Mestranda em Comunicação Social no PPGCOM UERJ, na linha de pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social,
graduação em Jornalismo pela UERJ (2014) e graduanda em Relações Públicas pela UERJ. Atua com comunicação comunitária e
Direitos Humanos. acabralbo@gmail.com
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001
3 Segundo Antônio Geraldo da Cunha (2010), mocambo (mu’kamu) é uma palavra quimbundo – assim como kílómbò – e significa
esconderijo. Antes de quilombo, era essa a palavra adotada pelos colonos para falar dos territórios de refúgio.

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que fazia uma transição do trabalho escravo para o campesinato.
Fora dos espaços de refúgio, entretanto, os quilombos ganhavam um outro sentido, o que incentivava
o seu desmonte. De acordo com o Código de Posturas da Cidade de São Leopoldo (RS), aprovado pela Lei Pro-
vincial nº 157 de 9 de agosto de 1848, os quilombos eram “a reunião no mato ou em lugar oculto de mais de
três escravos” (SANTOS, 2015, p. 97). Esses territórios representavam uma ameaça à sociedade por serem vistos
como espaços que aglomeravam cativos4 que se rebelavam contra a colônia. A dicotomia quilombo-colônia nos
faz refletir uma série de questões – como busca de autonomia por meio do trabalho camponês e dependência
por conta do trabalho escravo; produção interna para existência e lucro com a exportação; exaltação cultural
e aculturação/assimilação – e desta forma, nos faz entender – do ponto de vista do colonizador – como era
importante o desmanche desses espaços para se manter a lógica de funcionamento das colônias.
Para os moradores dos quilombos atuais, ali é um local de convivência e apoio. De acordo com Barbosa
(2015, p.15), essa necessidade de resistir e de (re)existir é algo que vem do período pré-abolição e que com o
latente processo de urbanização e globalização, apenas se transformou e intensificou conforme as necessidades
desses grupos quilombolas da atualidade. Esse processo de exclusão é algo imposto desde a fundação dos qui-
lombos, visando minimizar a relevância cultural desses espaços de resistência.
Pensando justamente nessa questão do apagamento que se deve pensar numa série de imaginários que
existem acerca dos quilombos. Entendendo imaginário como uma criação de imagens de uma representação
coletiva (PESAVENTO, 1995, p. 9) – e podemos ver essa criação de imagens tanto por meio da literatura escolar
assim como a contada e representada por diversos produtos midiáticos –, que ainda criamos e ratificamos a
ideia de que os quilombos são ocupações de terras feitas por pessoas negras que foram escravizadas e se rebe-
laram, localizados exclusivamente em locais bucólicos, como o campo. Indo na contramão desse imaginário
criado, temos a definição dada pela SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República (2012, p. 2) –, deixando claro que as comunidades quilombolas tem origens diversas,
como “doações de terras realizadas a partir da desagregação de monoculturas; compra de terras pelos próprios
sujeitos, com o fim do sistema escravista; terras obtidas em troca da prestação de serviços; ou áreas ocupadas
no processo de resistência ao sistema escravista”. E é justamente por conta dessa imagem criada sobre os qui-
lombos que existe a dificuldade de visualizar esses territórios inserido no ritmo acelerado das cidades, princi-
palmente como a cidade do Rio de Janeiro.
Há de se pensar na separação espaço-temporal que existe entre os quilombos. Há quilombos situados
em espaços rurais e urbanos; há os que utilizam o espaço físico do mesmo modo que seus antepassados e os que
ressignificaram o seu uso. Entretanto, apesar dessa diferenciação entre o quilombo rural e urbano, ainda existe
um forte imaginário que liga o quilombo ao campo. Os quilombos urbanos, também chamados por alguns
teóricos como quilombos contemporâneos, carregam características em comum com os espaços rurais, assim
como tiveram que se adaptar por estarem inseridos nas cidades. E é justamente esse um dos maiores desafios
que as lideranças quilombolas encontram: conseguir combinar elementos da ancestralidade com o contexto
urbano que estão inseridos, atribuindo novos sentidos e significados sem que a sua origem se perca.
Um desses exemplos é o quilombo da Pedra do Sal, localizado na região central do Rio de Janeiro, área
que foi reformada no período dos megaeventos e que possui sua história intimamente ligada à escravidão e à
resistência negra. Foi a partir do século XVI, pelo Cais do Valongo, área próxima do quilombo – e reconhecido
desde 2018 como Patrimônio Mundial da Unesco –, que a mão de obra escravizada entrava no Rio de Janeiro.
Com a vinda dos negros para carga e descarga de sal e por manter as tradições afro-brasileiras – no que tange
a cultura e religião –, o local passou a ser conhecido como Pequena África (BOTELHO, 2015).
A Associação das Comunidades Remanescentes do Quilombo da Pedra do Sal abriga cerca de 25 fa-
mílias ao longo de quase dois séculos de história. Reconhecido em 2005 pelo Incra, a região, de forte apelo
cultural, recebe desde as conhecidas rodas de samba de segunda e de sexta a eventos quilombolas e culinários
que atraem frequentadores, passantes e moradores de outros quilombos da cidade. Apesar da efervescência
cultural, há um atrito grande entre organizadores de eventos e moradores, que são lesados com o barulho e

4 Cativos, segundo Joel Rufino dos Santos (2015), eram os negros que nasceram no país e/ou os que se adaptaram à cultura domi-
nante. Entretanto, esses “bons crioulos”, apesar de preferirem viver como escravizados, rebelavam-se de forma coletiva.

41
desrespeito à lei do silêncio. O espaço é reconhecido como Área de Especial Interesse Cultural (AEIC) de acor-
do com a Lei Nº 5781/20145 e faz parte de um dos pontos de cultura do Plano Diretor da cidade.
O objetivo dessa pesquisa é identificar como o imaginário dos quilombos, já mencionado anteriormen-
te, se perpetua até os dias atuais, assim como perceber como as pessoas que vivem em grandes centros, como a
cidade do Rio de Janeiro, desconhecem a história dos locais que frequenta, como é o caso da Pedra do Sal, local
que antes de ser palco para diversas manifestações culturais afro-brasileiras, como rodas de samba, ensaios de
blocos de carnaval, bailes charmes, é também um território quilombola.
Para levantar esse questionamento, é necessário entender a importância do estudo do imaginário por
meio de autoras como Sandra Jatahy Pesavento e Márcia Janete Espig e compreender a diversidade dos qui-
lombos nos tempos mais remotos e no século XXI, como bem explicam Kabengele Munanga, Joel Rufino dos
Santos e Diosmar Santanna Filho. A etnografia se faz muito importante, permitindo entender na prática o que
é explicado no campo teórico, além de possibilitar ouvir e compreender um pouco a vivência daqueles que
ocupam esses espaços.

Referências

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REDEH, 2005, 85p.
BOTELHO, Andressa Cabral. Povo quilombola eterniza legado cultural. Viva Favela. Disponível em
<http://vivafavela.vivario.org.br/701-povo-quilombola-eterniza-legado-cultural/ > Acesso em: 28 jan. 2019.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Lexicon, 2010.
D’SALETE, Marcelo. Angola Janga: uma história de Palmares. São Paulo: Veneta, 2017, 432p.
MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo, n. 28, p. 56-63,
fev, 1996. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/28364>. Acesso em: 26 jan. 2019.
ONU BR. Cais do Valongo, no Rio, recebe oficialmente título de patrimônio Mundial da UNESCO.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/cais-do-valongo-no-rio-recebe-oficialmente-titulo-de-patrimonio-
-mundial-da-unesco/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Rev. Bras. de Hist.,
São Paulo, v. 27, n. 53, p. 11-23, jan-jun. 2007.
_____________. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. Rev. Bras. de Hist., São Pau-
lo, v. 15, n. 29, p. 9-27, jan-jun.1995.
SANTANA FILHO, Diosmar Marcelino. A geopolítica do estado e o território quilombola no século XXI.
Jundiaí, SP: Paco, 2018, 260p.
SANTOS, Joel Rufino dos. Saber do negro.1. ed. – Rio de Janeiro: Pallas, 2015, 184p.
SEPPIR. Principais marcos que reconhecem e asseguram os direitos desses segmentos. Disponível em
<http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos/folder-secomt>. Acesso em: 26 jan. 2019.

5 Reconhecimento da Pedra do Sal como Área de Especial Interesse Cultural. Disponível em: <https://portomaravilha.com.br/
conteudo/legislacao/leis-ordinarias/lei_5781_14.pdf>. Acesso em: 30 set. 2018.
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NENHUM MURO A MENOS:
expressões comunicacionais inscritas em Juazeiro do Norte1
Elane Abreu de Oliveira2
Joedson Kelvin Felix de Oliveira3
Luan Duarte Romão4
Romênia Gomes de Oliveira5
Thamyres de Souza Fernandes6

Resumo:
Este trabalho é derivado de uma pesquisa de Iniciação Científica sobre Comunicação Urbana e Visual em Jua-
zeiro do Norte. Apresentam-se resultados da terceira fase da investigação, que mapeou, entre os meses de maio
e junho de 2018, inscrições nos muros da cidade (pichações, grafites, lambes e estêncils). Este mapeamento
possibilitou o contraste de representações e expressões da cidade, que foi dividido em sete categorias: metalin-
guagem, afetos, política, lugar de fala, consciência ambiental, crenças e expressões místicas, e regionalismo e
traços artísticos. O repertório de imagens e mensagens convocam a pensar a diversidade de existências afetivas
e políticas na cidade.

Palavras-chave: cidade; comunicação; pichação; imagem; Juazeiro do Norte.

A cidade é palco de múltiplas sociabilidades e mediadora entre espaço e cultura. É “espaço construído”
e “espaço de vida”, abrigando manifestações culturais, ideológicas, políticas, religiosas, dentre outras (IVO,
2007). Como afirma Marina Vieira (2011, p.95), “as cidades são obras coletivas construídas no tempo e no
espaço por homens organizados coletivamente. Como fruto desta organização física e social que é a cidade,
surgem as mais variadas representações do urbano”. Dito isso, é compreensível que as intervenções visuais no
espaço urbano tenham se tornado cada vez mais parte do cotidiano da cidade e impactado de diversos mo-
dos nos espaços de convivência e na paisagem, alterando as visualidades desses ambientes. Como inscrições/
intervenções visuais expressivas das cidades, para além de representações, olhamos as pichações, os lambes, os
grafites e os estêncils como constituintes da comunicação urbana.
A superfície de inscrições possibilitada nos espaços urbanos engaja subjetividades, tanto de realizado-
res/autores (pichadores, grafiteiros, artistas) quanto de observadores que realizam percursos na cidade. Com
isso, atua-se na memória dos espaços, ainda que seja característica das manifestações de rua a efemeridade.
José Oliveira (2013, p.231) comenta que autores de pichações e grafites atuam “na tentativa de efetivar o perten-
cimento a uma qualidade nova: informação e comunicação. Visto que o lugar é sempre mutável e é ao mesmo
tempo o mesmo lugar na memória, o mesmo de sempre e ao mesmo tempo outro”. Essa provocação da dife-
rença, do novo, do mutável, do transgressor, é importante para a compreensão diversa de imagem da cidade
instaurada pelas inscrições/intervenções visuais.
Na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, há um repertório de representações ligadas à figura de Padre
Cícero, personagem de devoção popular cuja imagem é midiática. O turismo religioso centrado na figura do
Padre fortalece a experiência mística da cidade, que, unida ao incentivo comercial e empresarial, situa Juazei-
ro como “metrópole do Cariri”. Movidos pelo interesse em investigar as representações urbanas de Juazeiro
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, Mídia e Cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Doutora em Comunicação e Cultura pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (ECO - UFRJ), e-mail: elane.abreu@ufca.edu.br
3 Estudante do 7º semestre do Curso de Jornalismo da da Universidade Federal do Cariri (UFCA), email: joedsonkelvincomunica-
cao@gmail.com
4 Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Cariri (UFCA), email: luanduarter14@gmail.com
5 Estudante do 7º semestre do Curso de Jornalismo da da Universidade Federal do Cariri (UFCA), email: romenia.go@gmail.com
6 Estudante do 7º semestre do Curso de Jornalismo da da Universidade Federal do Cariri (UFCA), email: souza02thamyres@gmail.com

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do Norte, na pesquisa de Iniciação Científica, estudamos primeiramente as representações governamentais/
institucionais da cidade, depois partimos para as representações midiáticas dos veículos locais e, por último,
dedicamo-nos às manifestações dos muros em forma pichações, grafites, lambes e estêncils, tendo em vista
que estas são expressões comunicacionais que contrastam com as representações formais. Esta última etapa de
pesquisa é o foco do presente trabalho.
Partiu-se do mapeamento de manifestações/inscrições nas ruas da cidade entre os meses de maio e
junho de 2018. O trabalho de campo se centrou em alguns dos bairros que constituem o centro da cidade,
pólo desenvolvido e mais fortemente passível às ações humanas e sua competição de discursos. Da coleta de
imagens, dividimos as pichações, grafites, lambes e estêncils encontrados em sete categorias: metalinguagem,
afetos, política, lugar de fala, consciência ambiental, crenças e expressões místicas, e regionalismo e traços artís-
ticos.
A primeira delas, a metalinguagem, dedica-se às manifestações em pichações e grafites que versam
sobre a própria cidade como espaço de inscrição. Elas reivindicam a posse da cidade ao deixarem marcas nela.
As inscrições colocam em pauta a criminalização da pichação, que foi a forma de expressão artística mais en-
contrada em nosso recorte. Criticam as definições usuais do que se entende por arte, reclamam a propriedade
da cidade, dos muros; trazem uma perspectiva humanizada do que se entende por cidade e ainda questionam a
verticalização do espaço urbano. Alguns exemplos são: “Arte no muro”, “Tá na rua é nosso”, “Marque a cidade”
“Você prédio acho tédio”, “Nenhum muro a menos”, dentre outras.
Outra categoria é destinada aos afetos. Nela, destacamos as manifestações que se dedicam a sensibili-
zar para uma experiência mais leve com o ambiente urbano, comumente relacionado ao caos. Além de frases
que evocam liberdade, incentivam o interlocutor a viver, olhar nos olhos (“Olhem nos olhos”), ter coragem e
estimular o amor (“Amor Humor”). Nesta categoria, percebe-se uma das principais características das mani-
festações de rua: a troca de subjetividades no diálogo entre autor das inscrições/artista e observador.
Já no conjunto dedicado à política, encontramos discursos tanto em contexto local quanto nacional. As
questões apresentadas fazem crítica aos governantes, mas se expandem ainda para as políticas públicas. Tra-
zem desde expressões massivamente conhecidas pelas manifestações políticas no Brasil, como “Fora Temer”
e “Bolsolixo”, até questões como a prisão de Lula (“Não à prisão de Lula”), a proposta da escola sem partido,
reivindicações anarquistas e críticas ao sistema de saúde (“Saúde de quem?”) e ao coronelismo da cena política
local. Nessa categoria, é importante destacar a atualidade daquilo que é pautado, o que reforça o papel das ins-
crições de rua como porta-vozes de conflitos que se colocam no tempo e espaço. Percebe-se a efemeridade das
ações ao passo que as manifestações vão substituindo o antigo (passado) pelo novo (presente).
Na categoria destinada ao lugar de fala, dialogamos com Djamila Ribeiro (2017) para evidenciar as
expressões daqueles que desenvolvem ideias a partir de seu lugar marginalizado na sociedade, a fim de provo-
car reflexões e expandir perspectivas sobre relações de poder. Desse modo, em uma sociedade que privilegia a
branquitude, a masculinidade e a heterossexualidade, enquanto violenta simbolicamente ou fisicamente aque-
les que fogem dessas definições, as inscrições de rua ocupam lugares de passagem a fim de trazer para o debate
cotidiano questões que fortalecem grupos identitários minoritários, como as mulheres, os negros e negras e os
LGBTQI+. Expõem-se nos muros questões como o racismo, a resistência e a visibilidade em mensagens diretas,
como “Trans vive!” e “Preta resiste!”.
Em consciência ambiental, agrupamos questões sobre a preservação do meio ambiente e de crítica ao
descaso das práticas humanas quanto à natureza, especificamente no contexto urbano. A rua se mostra como
possibilidade de convivência entre o urbano e o cuidado ambiental. Nesse contexto, as manifestações se apro-
priam do espaço da cidade para questionar costumes que parecem intrínsecos ao processo civilizatório moder-
no, como a utilização de automóveis. As expressões que encontramos falam do ciclismo como cultura (“Ciclis-
mo é cultura”) e buscam fazer das bicicletas protagonistas da cena urbana.
Já na categoria de crenças e expressões místicas, reunimos as manifestações que dizem respeito às di-
versas questões relacionadas ao misticismo e à fé. Aqui fica evidente a diversidade convocada na rua enquanto
espaço público para debate e coexistências de crenças uma vez que anúncios de romaria, contato para cartas,
tarô (“Mariana cartas e tarô”), simpatia e búzios, passagens bíblicas, evocação de orixás (“Que os orixás me
protejam”) e expressões ateístas, dividem o mesmo espaço.
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A última divisão é dedicada ao regionalismo e traços artísticos, na qual unimos tanto as manifestações
voltadas principalmente para as expressões artístico-estéticas, como também as inspirações visuais na cultura
local, que são evidenciadas através de referências da cultura popular. Grafites com personagens características
da região como os membros de grupos de reisado e o Padre Cícero (em traços de xilogravura) se misturam a
pequenos ornamentos como flores pintadas e traços em grandes painéis e murais. Há marcas também de um
projeto de arte de rua mundial que passou pela cidade e traz um coração como símbolo principal do movimen-
to mundial do amor, a love experience.
Esta última categoria citada (regionalismo e traços artísticos) traz imagens que seriam mais comumente
associadas a Juazeiro do Norte, devido à grande força de seus ícones já midiáticos e tradicionais, mas pelo ma-
peamento realizado percebemos que a cidade se expande para além do regionalismo e abriga também obras de
traços autorais e projetos artísticos que são mundialmente conhecidos.
O grafite, a pichação, o lambe e outras manifestações artísticas de rua se cruzam em um panorama
diverso de expressões. Muito além das tintas, papéis e outros materiais, essa forma de comunicação é atraves-
sada por desejos de fala, de rebeldia, de ruptura com imagens urbanas espetaculares. Elas manifestam críticas
políticas, econômicas e identitárias aos modos de se viver nas cidades. Sendo Juazeiro do Norte uma cidade
economicamente desenvolvida, sob o título de “metrópole do Cariri”, seus muros expressam embates ideológi-
cos e trazem marcas visuais à margem das imagens “autorizadas” pelo poder público.
As mensagens de cunho sociocultural e ambiental comparecem como vozes ativadoras, dissonantes e
questionadoras dos espaços construídos, bem como convocam o olhar sensível dos passantes para temas igno-
rados ou pouco lembrados nas agendas públicas urbanas. Junto a elas, os traços artísticos compõem a diversi-
dade de inscrições que reimagina existências e resistem comunicando no seio das cidades.

Referências

IVO, Any. Cidade-mídia e arte de rua. Caderno CRH, v. 20, n. 49, 2007.
OLIVEIRA, José Geraldo de. Grafitecidade e visão travelar. In BUITONI, Dulcilia Schroeder (orgs). A cidade
e a imagem. Jundiaí, SP: Editora In House, 2013.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Edição 1ª. Letramento, 2017.
VIEIRA, Marina Cavalcante. Imagem de cidade e representação urbana. Revista Intratextos, v. 2, p. 93-106.
2011.

45
A AÇÃO EDUCATIVA NO CENTRO DE CULTURA
POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO:
considerações em torno do processo de mediação cultural e artística1
Deyla Dayanne Rabelo Silva2
Lucas Vinícius Lima Coimbra3
Luciana Silva Aguiar Mendes Barros4

Resumo:
O estudo que aqui se descortina, é fruto das discussões realizadas em sala de aula no contexto da disciplina
denominada “Ação educativa em espaços culturais” no curso superior em Artes visuais- licenciatura do Insti-
tuto Federal do Maranhão, Campus São Luís- Centro Histórico. Através deste trabalho, pretendemos realizar o
exercício de análise acerca da ação educativa adotada pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho,
na cidade de São Luís-Maranhão, buscando compreender como tem ocorrido nesse espaço o trabalho de cura-
doria, mediação e ação educativa de modo geral, levando em conta as literaturas pertinentes e necessárias para
“iluminação” do objeto de estudo em questão, para isso tratamos das percepções e considerações em torno da
importância da mediação cultural dentro do contexto da educação em arte.

Palavras-chave: Mediação cultural; Ação educativa; Educação não formal.

No artigo 205 da Constituição brasileira, a educação, está determinada nos seguintes parâmetros: “di-
reito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho”. Junto a ela, diante de muitas lutas e reivindicações da sociedade organizada, profissionais da edu-
cação e intelectuais, foram devidamente conquistadas as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, das quais
estão determinadas pela lei 9.394/ 96, no exercício de garantir o pleno funcionamento do ensino-aprendizagem
para todos, conduzindo-os a gerar objetivos sugeridos por outros documentos inerentes, que visa regulamentar
o sistema educacional brasileiro. (BRASIL, 1996)
Por meio da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foram revogadas disposições ante-
riores e a disciplina “Artes” foi reconhecida, tendo seu ensino se tornado obrigatório na educação básica, con-
forme dispõe o parágrafo 2º do artigo 26: o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos
diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos, abrangendo a
música, as artes cênicas, a dança e as artes visuais, sendo que à última fica a responsabilidade pelo ensino das
linguagens visuais, somados a fotografia, o audiovisual, o cinema, as novas tecnologias digitais como meios de
produção artística, etc..., (BRASIL, 2016).
Tendo em vista estas considerações, destacamos uma definição de Benedito Nunes, que ressalta a com-
plexidade e amplo campo do conhecimento da Arte, ao “defini-la” como:
[...] a Arte excede, de muito, os limites das avaliações estéticas. Modo de ação produtiva do homem,
ela é fenômeno social e parte da cultura. Está relacionada com a totalidade da existência humana,
mantém íntimas conexões com o processo histórico e possui a sua própria história, dirigida que é
por tendências que nascem, desenvolvem-se e morrem, e às quais correspondem à estilos e formas
definidos. Foco de convergência de valores religiosos, éticos, sociais e políticos, a Arte vincula-se à
religião, à moral e à sociedade como um todo, suscitando problemas de valor (axiológicos), tanto no
âmbito da vida coletiva como no da existência individual, seja esta a do artista que cria a obra de arte,
seja a do contemplador que sente os seus efeitos [...]. (NUNES, p. 09, 1999)
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT1. Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduanda, no curso superior em Artes Visuais - Licenciatura, do Instituto Federal do Maranhão. deylarabelo2@gmail.com
3 Graduando, no curso superior em Artes Visuais - Licenciatura, do Instituto Federal do Maranhão. lucas.coimbra1077@gmail.com
4 Doutora em Informática na Educação, Instituto Federal do Maranhão. lucianabarros@ifma.edu.br
46
Os dispositivos educacionais, tanto os referentes ao ensino das Artes Visuais, quanto às demais disci-
plinas que fazem parte deste contingente axiológico do conhecimento científico, cultural e linguístico, podem
contar com diversos fatores para a promoção da educação, podendo ainda ser exercida para além dos espaços
escolares convencionais como as salas de aulas e laboratórios. Para isto os educadores contam com espaços
culturais, museus, e outros espaços que garantem a promoção deste ensino de valores artísticos e que servem
para as Artes como laboratórios dinâmicos, onde a educação poderá ser trabalhada de forma mais próxima às
realidades dos indivíduos inseridos em tal processo.
A ação educativa em espaços não formais tem sido amplamente discutida nos últimos anos por diversos
estudiosos que se concentram principalmente no campo da arte-educação. Conceitos como educação não for-
mal, mediação cultural, mediador, entre outros, são constantemente problematizados no intuito de promover
avanços no que diz respeito à função educativa que espaços culturais, museológicos, artísticos e expositivos
possuem de forma orgânica e que pelo simples fato de existirem são lócus de conhecimentos que pulsam por
serem disseminados.
Nesse sentido, este trabalho pretende debater algumas das questões que envolvem essas terminologias,
assim como aplicar alguns conceitos à realidade dos espaços expositivos existentes no contexto da cidade de
São Luís no Maranhão. Para tanto compreende-se aqui, que estes espaços constituem um ambiente propício
para a disseminação de culturas, valores, além de um laboratório de conhecimentos de Artes, sendo, portanto,
um espaço genuinamente educativo.
O estudo é de natureza etnográfica, realizado através do método participante, com base na experiência
de visitação mediada no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho (CCPDVF); logo, as considerações
a serem apresentadas neste artigo, estão respaldadas nas observações feitas em torno de elementos diversos que
de alguma maneira envolvem a prática educativa dentro deste espaço. Para tal, lançamos mão das colaborações
teóricas feitas por Ana Mae Barbosa (2009), Alencar (2008), Martins (2005), Paulo Freire (1987), entre outros.
Ao refletir sobre os conceitos de educação formal, informal e não formal; Alencar (2008) recorre às contri-
buições de Libâneo em torno destas categorias no campo da educação. Para Libâneo, o que difere a educação
formal da não formal é o grau de estruturação e sistematização, teoricamente inerente à primeira, mas presente
em baixos graus na segunda.
Compreendendo a função educativa que desempenham museus, centros culturais, casas de cultura,
entre outros; podemos constar que o trabalho de mediação cultural se insere na condição de educação não
formal, contudo, diferentemente do que Libâneo (2005) pressupõe e que Alencar (2008) problematiza, o exercí-
cio da educação dentro desses espaços pode ser de “um alto grau de estruturação e sistematização do trabalho
pedagógico (...) ao pensar, desenvolver e refletir sobre roteiros de visita e atividades pedagógicas no espaço
expositivo, por exemplo.” (ALENCAR, 2008, p.31)
Barbosa (2009) aponta que se fala do conceito de educação como mediação desde a maiêutica socrática,
perpassando ainda por Vygotsky, John Dewey e, mais próximo de nós, Paulo Freire. Em suma, pode-se utilizar
do pensamento de Freire de forma a sintetizar o que seria uma “premissa” da mediação, quando conclui que
“ninguém aprende nada sozinho e ninguém ensina nada a alguém, aprendemos uns com os outros mediati-
zados pelo mundo” prevendo, então, que a mediação deve ser um espaço para a construção através do contato
dialógico, que considere todas as partes nele inserida. Diante disto, devemos refletir sobre as maneiras pelas
quais a mediação pode acontecer de modo a garantir que haja aprendizado significativo entre ambas as partes
do diálogo mediado.
No processo de ensino e aprendizagem, fica a critério de professores, o compromisso de frequentar,
conhecer e articular com esses espaços que são promotores de educação e conhecimento. O estudo das Artes
Visuais, vai além da apreciação e estudo da estética, como fenômeno social e cultural, logo, é imprescindível que
nas construções de atividades educativas esteja o hábito de frequentar esses espaços culturais e compreender sua
dimensão no processo de desenvolvimento histórico das sociedades, como vemos também em Barbosa (2004).
Localizado no casarão de número 221- Rua do Giz, no bairro da Praia Grande - São Luís, o CCPDVF,
tem como missão:
[...] promover, preservar e difundir o patrimônio histórico e cultural, material e imaterial do Mara-
nhão, com um espaço museológico composto de três pavimentos e um vasto acervo artístico e cul-
47
tural pertencente à exposição de longa duração retratando as manifestações culturais do Maranhão,
onde podemos encontrar indumentárias, artesanatos, réplicas, produções artísticas, artefatos, entre
outros [...] (LOPES, 2015, p.29)

O espaço possui muitas imagens, utensílios, indumentárias e objetos, no entanto, a identificação e con-
textualização das peças expostas fica completamente a cargo do trabalho de mediação, uma vez que não há
identificação direta das peças e raríssimos textos que as acompanhem. No primeiro contato com a exposição, a
mediadora tratou de selecionar pontos específicos dentro das salas para pontuar informações gerais em torno
de cada uma das manifestações religiosas que se viam apresentadas ali.
Pudemos identificar, durante percurso, o tipo de mediação abordada dentro do centro; que se trata
justamente daquela que Alencar (2008) apresenta como mediação atrelada à ideia de intermédio, fundada nos
moldes da “educação bancária” tão criticada por Paulo Freire.
Apesar de riquíssimo e satisfatório às demandas que se propõe atender, o acervo do centro, tem sido
exposto às intempéries do tempo, seja pela luz solar incidindo diretamente sobre elas, ou pela ausência de ma-
nutenção adequada. A quantidade absurdamente grande de objetos expostos causa uma espécie de “overdose
visual”, que em nada colaboram na compreensão das manifestações culturais apresentadas dentro da exposição.
Ainda que haja um esforço por parte do trabalho de mediação, em fazer acontecer uma ação educativa
significativa dentro deste espaço, as ações de curadoria e exposições têm caminhado num sentido paralelo a esta
intenção, dificultando na realização da incumbência a que o centro de cultura se propõe cumprir, atentando-nos
para a necessidade de se debater os conceitos discutidos neste trabalho, assim como superar os paradigmas que
envolvem a ação educativa dentro dos espaços museológicos, culturais, artísticos e expositivos de modo geral.
É de extrema importância observar os aspectos abordados, do ponto de vista da compreensão de que
o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, tem como missão “promover, preservar e difundir o pa-
trimônio histórico e cultural, material e imaterial do Maranhão”, e a partir de então pensar, até que ponto o
centro tem de fato contribuído para, e com a promoção, preservação e difusão da cultura popular maranhense.
Infelizmente o que foi possível perceber através da experiência empírica dentro deste espaço, é que a imagem
que o centro tem transmitido ao público é de descuido e até mesmo de pouca importância destinada às práticas
da vasta produção de cultura popular no estado do Maranhão.

Referências

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imagens/história e suas interpretações. Tese (Doutorado em arte) – programa de pós-graduação em artes,
Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 2015. Disponível em:<http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/
bd/cathedra/10-12-2015/000855938.pdf>. acesso em: 10 de janeiro de 2019.
_______. O mediador cultural: considerações sobre a formação e profissionalização de educadores de
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Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 2008. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/
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BARBOSA, Ana Mae. COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. Editora
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 2017. Disponível em:
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MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do ensino de arte: a língua do mundo, poetizar, fruir e
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NUNES, Benedito. IN: Introdução à filosofia da Arte. 1999.
48
AS TRAMAS DA RENDA DE BILRO:
transformações na produção artesanal no município de Raposa – MA1
Ádilla Danúbia Marvão Nascimento2

Resumo:
O presente trabalho toma para objeto de análise as transformações ocorridas na produção artesanal da renda
de bilro no município de Raposa, no Maranhão, considerando a interferência de agentes externos e as repercus-
sões dessas ações na vida das artesãs. Com a realização de trabalho de campo mediante a utilização da observa-
ção direta e participante observou-se mudanças na produção (volume, desenhos e no preço), circulação (cres-
cimento dos intermediários, das feiras, mercados e lojas) e consumo (apreensão do gosto dos consumidores
pelas artesãs raposenses) desse artesanato tradicional e o papel de cada agente exógeno nessas transformações.

Palavras-chave: Artesanato Maranhense; Relações Sociais de Produção; Cultura Popular.

O presente trabalho toma para objeto de análise as transformações ocorridas na produção artesanal da
renda de bilro no município de Raposa, no Maranhão. Essa prática, que que se popularizou com o transcurso
dos anos, tem sua origem associada à presença de migrantes cearenses que se instalaram no município e re-
monta aos anos 1950.
O incremento do turismo e a intervenção de agentes externos3 contribuíram para a alteração das rela-
ções de produção das mulheres que se dedicam à confecção de distintos artefatos com a técnica da renda de
bilro. Esses fatores concorreram para dar mais visibilidade ao trabalho desenvolvido por mulheres do municí-
pio de Raposa, conferindo destaque à produção artesanal por elas realizada.
Com o objetivo principal de compreender as transformações na produção artesanal da renda de bilro
no município de Raposa- Maranhão, considerando a interferência de agentes externos e as repercussões dessas
ações na vida das artesãs, realizou-se uma análise dos trabalhos anteriores feitos sobre o município e sobre o
trabalho artesanal da renda de bilro, onde encontramos diversos trabalhos, a exemplo de Reis (1997), Sousa
(2006), Tavares (2011), Mendes (2010), Ramos e Ramos (1948), Vieira (1977), comparando-os com o que foi ob-
servado durante o transcurso da pesquisa de campo, na qual realizou-se mediante a utilização da observação
direta e participante.
A pesquisa ocorreu no município Raposa-MA, elevada à categoria de município em 1994 e localizada
na ponta norte da ilha de São Luís, a 28 km do centro da capital maranhense. O povoado que deu origem ao
município surgiu nos anos 1950, e começou a se desenvolver com a chegada de pescadores naturais de Acaraú,
no Ceará. Considerada a maior colônia de pescadores cearenses no Maranhão, a cidade ficou nacionalmente
conhecida pelo artesanato em renda de bilro, que, juntamente com a atividade pesqueira e o turismo, constitui
sua principal fonte de renda. A origem do artesanato em Raposa se confunde com a origem do próprio povoa-
do, já que foram as mulheres dos pescadores que trouxeram consigo esse ofício quando de sua migração (REIS,
1997).
As peças manufaturadas em renda de bilro são produzidas seguindo-se suas tradições originárias do
Estado do Ceará. A renda de bilro se diferencia dos outros tipos de renda principalmente pela utilização dos
bilros, pequenas peças de madeira que auxiliam o traçar dos fios e que dão nome à atividade. A técnica arte-
sanal de renda de bilro consiste em tecer os fios com pequenas bobinas feitas de semente (coco) da palmeira de
tucum, com hastes de madeira ou bambu, tendo como base moldes de papel ou papelão fixados numa almofada
cilíndrica, onde, a partir de perfurações com alfinetes ou espinhos em sua superfície, são desenhados os moti-
vos e pontos que darão forma ao produto final. A grande maioria desses moldes ou papelões “picados”, como
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Técnica em Audiovisual no IFMA Campus São Luís – Monte Castelo, Mestre em Ciências Sociais – UFMA, adilladanubia@gmail.com
3 Agentes externos, quando citados neste trabalho, referem-se aos atravessadores, lojistas, consumidores, agentes de turismo, as
entidades privadas e órgãos governamentais que são externos ao município.
49
são denominados pelas rendeiras, são reproduções dos originais vindos do Ceará ainda na década de 1950,
mas na pesquisa foram identificadas duas rendeiras que criam desenhos, inovando e renovando a produção
dos moldes4. A rendeira utiliza os seguintes utensílios e apetrechos para a confecção das peças: A almofada, os
bilros, a rodilha, o “picado”, o fio ou linha, e outros acessórios.

Figura 1 – Apetrechos e utensílios da renda de bilros


Foto: (http://thatsourcinggirl.com/achados-renda-de-bilro/)

Segundo Marx (1996), as relações de produção são as formas como os seres humanos desenvolvem suas
relações de trabalho e distribuição no processo de produção e reprodução da vida material. Sendo assim, as
relações de produção são as relações que se estabelecem entre os indivíduos na produção, na troca e na distri-
buição dos bens.
O cooperativismo e o associativismo são considerados nos trabalhos artesanais, também como formas
de relações desse trabalho. Segundo Keller (2011), muitos artesãos veem a necessidade de estabelecer diálogos
institucionais ou mesmo informais com órgãos, ONG’S, estabelecimentos que podem de alguma forma contri-
buir na organização desse trabalho na sociedade. Sendo assim, a pesquisa aconteceu em uma organização as-
sociativista, na Associação de Rendeiras Bilro de Ouro, que possui sede própria e conta com aproximadamente
55 associadas. Outro local de pesquisa no município foi o chamado “corredor da rendeira”, nome dado pelos
moradores à Avenida Principal, onde está concentrado o maior número de lojistas de renda de bilro. Alguns
artefatos são de origem cearense e pode-se observar, além das rendas, uma miscelânea de produtos, oriundos
de diversos lugares, reflexo da intensa atividade de atravessadores.
Dito isso, faz-se necessário compreender a especificidade desta prática artesanal, que é tida como tra-
dicional. Essa prática, mesmo considerada tradicional, não significa que seja imutável. Hobsbawm e Ranger
(1984) observam que toda tradição é uma invenção que surgiu em algum lugar do passado, podendo ser altera-
da em algum lugar do futuro. As tradições estão sempre mudando, mas há algo em relação à noção de tradição
que pressupõe persistência: se for tradicional, uma crença ou prática tem uma integridade e continuidade que
resistem aos contratempos e às mudanças. A tradição sobrevive de citações que podem ser sônicas e/ ou visuais
e que consistem em traços de referências de elementos que transportam para o passado.
Portanto, observou-se que sob a justificativa do incremento de vendas, foram realizadas variadas in-
terferências na prática das rendeiras, seja na configuração formal do produto, pelo consumidor ou lojista ao
encomendar determinadas peças, seja diretamente no processo produtivo, pelas próprias artesãs ao apreender
o gosto do consumidor/turista ou por entidades privadas e iniciativas governamentais, supervisionando este
processo e inserindo, através de cursos e programas de incentivo, etapas de planejamento e sistematização da
produção.
As principais mudanças observadas na produção foram o desenho de novas peças, com iconografias
maranhenses para se diferenciarem das rendas cearences; criação de fichas técnicas dos artefatos, possibilitan-
do assim o orçamento das peças e favorecendo as encomendas; a regularização e formalização da Associação
das Rendeiras, possibilitando às associadas a adoção de empréstimos para investimentos na produção. Essas
4 Durante muito tempo as rendeiras utilizaram moldes cearenses por não saberem criar. Atualmente na Raposa existem duas ren-
deiras que sabem elaborar os moldes, renovando a produção e diferenciando os produtos da Raposa dos vindos do Ceará.
50
novas habilidades foram introduzidas atraves de cursos ministrados pelo SEBRAE.
Quanto a circulação observou-se mudanças no crescimento dos intermediários, as rendeiras têm nos
ultimos anos acesso a feiras fora do municipio e até do estado; contam hoje também com vendas pela internet.
Nos últimos anos elas tem tido maior destaque por conta da inserção em projetos nacionais de fomento ao ar-
tesanato, como o Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART)5 e do SEBRAE,
contando com premiações como TOP 100 e aparições na mídia Maranhense. Atualmente há pontos de vendas
fora da Raposa; na Casa de Nhozinho, da Superintendência de Cultura Popular no Centro Histórico em São
Luís, no CEPRAMA6, que além de gerar renda direta para as rendeiras, sensibiliza e encaminha o fluxo turís-
tico da capital para Raposa, conforme informação das associadas.
No consumo constatou-se que as rendeiras, ao apreenderem o gosto dos consumidores, mudam sua
produção com a inserção de novos produtos como a confecção de bijuterias de renda, e novos materiais, ao
exemplo do uso de fio dourado ao invés das linhas de algodão; uso de cores e coleções segundo a tendência do
momento. Outro fato relevante observado foi a ressignificação dos produtos conforme o ambiente em que são
vendidos. Se as rendeiras vendem seus produtos em uma feira de cultura afro, um centro de mesa é vendido
como um turbante. Assim, as rendeiras observam o gosto e ressignificam seu uso conforme o anseio do mer-
cado.

Figura 2 – Renda de Bilro com fio de ouro Figura 3 – Colar de renda de bilro e fibra
Foto: Arquivo da Associação Foto: Arquivo da Associação

Esse trabalho possibilitou, por fim, uma ampliação da discussão acerca das relações que envolvem a
produção artesanal, como forma de contribuir no conhecimento e valorização dessa atividade artesanal, além
de mostrar como as rendeiras mantiveram a tradição de fazer rendas por gerações adaptaram novas funciona-
lidades ao produto artesanal, bem como transformações que ocorreram após a interferência de agentes exóge-
nos ao município.

Referências

HOBSBAWN, E. & RANGER, T. (orgs.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1984. 316p.
KELLER, Paulo F. Trabalho Artesanal e Cooperado: realidades, mudanças e desafios. Sociedade e Cultura.
5 Programa desenvolvido pela Associação de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro, como parte do Programa Mais Cul-
tura, do Ministério da Cultura, sob gestão do CNFCP / Departamento de Patrimônio Imaterial / IPHAN em parceria local com a
Casa de Nhozinho / Superint. de Cultura Popular / Sec. Est.de Cultura do Maranhão e o Instituto de Desenvolvimento do Artesana-
to Maranhense (IDAM).
6 Centro de Comercialização de Produtos Artesanais do Maranhão, que é um espaço organizado especificamente para venda de
artesanato maranhense, localizado no centro de São Luís- MA

51
Revista de Pesquisas e Debates em Ciências Sociais. UFG. V. 14. N. 1. 2011.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro, tomo 1. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MENDES, R. M. L. Meios e Ambientes: natureza e produção na carpintaria naval e artesanal de Raposa- MA.
130f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). UFMA. Orientador: Horácio Antunes Sant´Ana Júnior. São
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RAMOS, L. & RAMOS, A. A renda de bilros e sua aculturação no Brasil: nota preliminar e roteiro de pesquisa.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, 1948.
REIS, José R. S. dos. Raposa: seu presente, sua gente, seu futuro. São Luís: [s.n], 1997. 252p.
SOUSA, B. de J. Mulheres que tecem histórias: uma abordagem sobre a produção de renda de bilro em Raposa
a partir do trabalho feminino. 2006. 106 f. Trabalho de conclusão de curso (Especialização em Histó-ria do
Maranhão) – Universidade Federal do Maranhão, 2006.
TAVARES, Flávia C. Raposa de redes e rendas. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2011.
VIEIRA FILHO, D. Folclore Brasileiro – Maranhão. Rio de Janeiro: Funarte/MEC, 1977.

52
Na Rede com o [Aparelho]-: ou [Mapa-Relatos]-:1
Bruna Suelen Silva Barros2

Resumo:
O presente trabalho é um recorte da dissertação de mestrado intitulada Nu[Aparelho]-: relatos sobre Co-
letivo, Arte e Colaboração apresentada em 2013 ao Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA. Ele se
propõe a expor as experiencias poéticas-conceituais da Rede[aparelho]-:, coletivo que atuou nas ruas de Belém
do Pará de 2006 a 2016, em que predominava o uso de dispositivos tecnológicos, tais como internet, rádio,
celulares e grafismos urbanos como forma de questionamento nos planos político, artístico, cultural e econô-
mico pautados na livre distribuição e circulação de arte na Amazônia Brasileira, através da fala dos próprios
participantes. Este trabalho tem a cartografia como suporte metodológico, onde o pesquisar não pretende o
saber sobre, mas se trata do saber junto. Buscando nas experiencias aquilo que movimenta um estado de coisas,
deste modo, ouvidos, narizes, bocas e mãos vasculham os acontecimentos para dar-lhes corpo. Não interessa
aqui perguntar a razão dos acontecimentos, mas mostrar seu modo, tentando não se livrar do que é fugidio
buscando a permanência das perspectivas, apoiando-se na apresentação de relatos de experiências dos partici-
pantes desse coletivo. Ao invés de descobrir a verdade, trata-se de uma afirmação no encontro da vida. Deleuze
e Guattari com sua Cartografia, Rizoma e Máquina de Guerra de são grandes influenciadores dessa pesquisa,
além da Internacional Situacionista com sua deriva psicogeográfica.

Palavras-chave: Coletivo; Mapas; Colabaroção; Arte; Redes.

Foi no final de 2005 que a Rede[aparelho]-: se encontrou em Belém. Passando a viver na intercessão com
os filhos da cidade nascidos e crescidos aqui, assim como com os agregados à terra – gente vinda de outros Esta-
dos por trabalho ou a passeio. Nossa produção aconteceu, desde então nos encontros. Queríamos compartilhar
informação com a intenção de ir para as ruas e criar um convívio diverso e circular a produção do que cha-
mamos de arte e cultura livre. E a convivência, a linguagem e a comunicação a partir de uma rede solidária e
“solúvel”, inerente ao seu tempo. Nas reuniões públicas fizemos cineclubismo e transmissão sonora. Em nossas
casas nos reuníamos para almoços, grupo de estudos, etc. desde então fomos acumulando, 1. O acervo (vídeos,
textos, música) acolhido por cada um. 2. O intercambio de experiencias pela internet, utilizando-se de listas de
e-mails e redes sociais; 3. Vivencias entre grupos, organizações ou coletividade do campo artístico, midiático,
ou de tecnologia digital (ferramenta/softwares) pelo Brasil. 4. Experiencias coletivas intervencionistas. Para
os que circulavam no entorno dessas reuniões nas feiras, ruas e praças: os trabalhadores de rua, passantes, ou
circuitos de amigos, parentes, afins..., comuns... o interesse era o mais diverso: parar para assistir a um filme,
trocar música, gravar depoimentos, fotografar, filmar... o envolvimento, mesmo que passageiro, era direto! E
intervinha no simbólico, apontando para um modelo autônomo de produção em arte visuais e informação
audiovisual, e a ação é interminavelmente aberta ao exercício da vontade e da imaginação.
Montado nas ruas, o [Aparelho]-: era um sistema simples de transmissão sonora e visual, com data-
-show, caixa de som, potência de 600W, mesa e microfone. Uma rede velha com os punhos cortados virava
tela de cinema, quando a potência falhava pegávamos uma caixa amplificada e assim íamos produzindo com
a ajuda de todos, transformando a ação em algo público realizado por muitos, compartilhando computadores,
projetor, câmera digital, filmadoras, toca disco de vinil, dvd player, e promovendo ações nas ruas com uma pro-
gramação que ia de experimentações poéticas, troca de conteúdo, conhecimento livre até vivências. As ações
de rua construíam-se numa pequena rede que se expandia a redes maiores a partir de mobilização, troca de in-
formações e utilização dos meios digitais. As trocas convividas aconteciam a partir dessa rede “hidrosolidária”,
sendo esta uma alternativa de disseminação de informação e mídia pelas participações ao vivo, transmissão de
entrevista gravadas, vinhetas e vídeos, produzidos ou não pela Rede [Aparelho]-:. Nas reuniões a intenção era

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1 Estética, Mídia e Cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutoranda em Artes pelo PPGARTES/UFPA. blovynha@gmail.com
53
o compartilhamento de ideias e conteúdos para reprodução e reciclagem de informações, disponibilizando-os
posteriormente em forma de arquivos sob licença copyleft, que é uma licença que se quer apropriada e livre,
questionando a ideia de copyright ou propriedade intelectual. Aos poucos era coletivizado os argumentos em
torno da liberdade de criação, de comunicação e ação que circulavam na rede. Os assuntos eram a discussão
e produção em software livre, a pirataria, a informalidade na economia, a autonomia na produção artística e
cultural brasileira, ou as licenças ( copyleft, copyright, gnu/gpl, creative comuns), ou modelos distributivos de
informação em redes, conexões diversas, meios digitais (portáteis), até filme, resenhas textos, música... e o que
ocorresse, pois quase sempre ocorriam poéticas visuais e performáticas para o lugar da reunião.
Sendo assim, este trabalho é um recorte dentro uma cartografia realizada em forma de dissertação de
mestrado sobre a Rede[Aparelho]-: e suas ações. Uma cartografia é o acompanhamento do traçado de um pla-
no ou das linhas que o compõem. A tessitura desse plano não se fez de maneira só vertical ou horizontal, mas
também transversalmente, criando atravessamentos onde a um só tempo descreve, intervém e inventa efeitos.
Propagar é ampliar a força das potencias em uma desestruturação do que é dado como modelo a ser seguido.
Nesse sentido, conhecer a realidade é conhecer seu processo de constituição, o que não se pode realizar sem um
mergulho no plano da experiencia. Barros e Kastrup nos dão suporte epistemológico a essa ideia, dizendo que:
[...] a ciência moderna inventa práticas de produção do conhecimento capazes de fazer desaparecer
sua origem inventiva sob o manto da descoberta cientifica. O dispositivo experimental, concebido
para realizar a separação entre sujeito e objeto, surge como dispositivo político, operando a hierar-
quização das invenções, ou, antes, convertendo uma delas na única representação legitima do fenô-
meno em questão” (BARROS E KASTRUP, 2012. p. 55)

O acompanhamento de processos é a base do método cartográfico de pesquisa não a representação de


um objeto, o que exige também uma produção coletiva de conhecimento. Compressão que me fez escolher os
relatos de experiencia dos que passaram pelo [Aparelho]-: como fundamentação teórica de minha dissertação
de mestrado e vos apresentarei aqui neste simpósio. São relatos de afetos próprios de um território, de um
modo de fazer. Assim, os relatos são exemplos de como a escrita, ancorada na experiência, protagonizando os
acontecimentos, pode conduzir à produção de dados. A partir desses relatos, surgem referênciais teóricos que
fundamentam as experiências poéticas, artísticas e políticas ocorridas, nos revelando uma realidade que se
comunica de forma multidimensional, em uma dinâmica coletiva. Logo, os relatos de experiência traz o coleti-
vo Rede[Aparelho]-: para a comunicação, o que potencializa não mais um sujeito-pesquisador a delimitar seu
objeto, neste caso eu, mas possibilita sujeito e objeto se fazerem juntos, insurgindo um plano de afetos.
Uma pesquisa aberta ao plano de afetos, precisa se deixar levar por forças coletivas que confirmam pro-
cessos. Compreendidos como processualidades, os objetos de processos pedem uma pesquisa igualmente pro-
cessual, representada por esses relatos. Não é coleta de dados e sim produção de dados apontando a dimensão
coletiva dessa construção abrolhando junto um material, fazendo, portanto um mapa. E mapear é encontra-se
em vias de fuga, em dimensões mínimas que abrem problemáticas ilimitadas, sem espaço para binarismos
advindos da partição abstrata do mundo em categorias estanques.
Na Rede com [Aparelho]-: ou [Mapa-Relatos]-: é um trabalho que acredita na escrita inclusiva das con-
tradições, dos conflitos, dos enigmas e dos problemas que restam em aberto em um campo de afetos, um mapa
relatos é o pano de fundo para apresentar o movimento das relações, já que a noção de um coletivo é transindi-
vidual e transversal. Os relatos dos articuladores culturais da Rede[aparelho]-:, que são os grandes personagens
conceituais dessa pesquisa, pois são aqueles que vão dizer os conceitos, as poéticas, que despertam para ques-
tões teóricas em Arte, na Arte-Colaborativa, no Artivismo na Amazônia, durante 10 anos deste século XXI..
Tais como, o uso do conceito de coletivo na contemporaneidade e seu sentido nas artes e no que é chamado
hoje de arte colaborativa, apontando a amizade como fundamento nos agenciamentos em arte e ainda aspectos
históricos que os norteiam, dentre outras questões que perpassam a relação intrínseca entre arte e resistência
politica na Amazônia.

54
Referências

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BARRUS, Edson. Geração Comum / a mania de dizer A GENTE: Portas Lógicas e Conexões Periféricas para
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_______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. V.1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2005.
_______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. V.2. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2005.
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cultura 1.0: Digitofagia. São Paulo: Radical Livros, 2006.
PASSOS, Eduardo. BARROS, Regina Benevides de. A cartografia como método de pesquisa intervenção. In:
PASSOS, Eduardo. KASTRUP, Virginia. ESCÓSSIA, Liliana. Pista do método da cartografia: pesquisa inter-
venção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012.
SUELEN, Bruna. [NU]-: Aparelho-: Relatos sobre coletivo, arte e colaboração. Dissertação de mestrado apre-
sentada ao programa de pós graduação em artes. Belém: UFPA, 2013.

55
Eu vou botar a minha rede na varanda,
eu quero ver a minha rede balançar:
dança e capoeiragem como
prática colaborativa na ACESA Belém1
Carmem Pricila Virgolino Teixeira2

Resumo:
O presente trabalho é um relato de experiência, que se propõe a refletir sobre a utilização de algumas mídias
como plataforma de registro para produções poéticas da ACESA (Associação Cultural Eu Sou Angoleiro) de
2017 até a atualidade, mas também como forma de intervenção na realidade da periferia, na qual o trabalho
está inserido, na cidade de Belém, no bairro da Terra Firme, que possui um cotidiano mais violento e desigual
em relação a outros bairros centrais na cidade. Pretende-se evidenciar com este relato a importância da utili-
zação destes recursos midiáticos como instrumento de intervenção político/social. Este trabalho tem o método
etnográfico como suporte, numa perspectiva dialógica de ecologia de saberes, na qual a pesquisadora é uma
das construtoras do conhecimento produzido em constelação com todos os outros agentes culturais das práti-
cas de matriz africana em questão.

Palavras-chave: Coletivo; Capoeira Angola; Dança Afro-brasileira; Colaboração; Redes.

O trabalho que segue pretende apresentar, por um lado a utilização das redes sociais como espécies de
diários de bordo coletivo da Associação Cultural Eu Sou Angoleiro em Belém, no núcleo do treinel Edimar
Silva, e por outro lado as produções estéticas de teatro, dança, performances, oficinas, eventos produzidos pelo
grupo, do período de 2017 até a atualidade. Estes registros e práticas vem servindo também como elementos
constitutivos da elaboração da Tese de doutorado desenvolvida neste momento no Programa de Pós Gradua-
ção em Artes da UFPA, pela pesquisadora que propõe esta comunicação. Esta tese vem sendo construída na
perspectiva de ecologia dos saberes, nos termos de Boa Ventura de Souza e Santos (2011), na qual os saberes
dos camaradas praticantes de capoeira angola e adeptos do candomblé de angola tem sido a agulha que puxa a
linha neste tecido de produções.
Norteada pelo treinamento de capoeira angola e dança afro-brasileira e em consonância com a metodo-
logia da antropologia da dança, esta pesquisa tem o engajamento do corpo em experiências ritualísticas, como
ponto de partida, para pesquisa estética em andamento: o trabalho pretende refletir sobre práticas de matriz
africana como ferramentas de intervenção estético política no cotidiano da cidade de Belém.
As práticas culturais de matriz africana trazem consigo em seus princípios de cosmovisão ações pau-
tadas em comunitarismo. Este princípio de cosmovisão influencia a produção de estéticas colaborativistas nas
produções que desdobram a partir das práticas do grupo. Os relatos trazidos neste trabalho que pretende ser
apresentado tratam de ações desenvolvidas com capoeira angola da ACESA, numa Associação Cultural de Boi-
-bumbá, na periferia de Belém no bairro da Terra Firme, mas também de experiências com práticas de dança
afro-brasileira em dois terreiros de candomblé angola na cidade: o Mansu Nangetu e o Rundembo de Bambu-
rucema.
Espaços sagrados, que se tornam poéticos, políticos, multuidimensionais, quando dança, canto e ba-
tuque nos fazem espiralar no tempo. O espaço maior que nos circunda: a cidade de Belém. Belém e suas águas
doces e fortes. Belém e seus mangues, várzeas que circundam a cidade toda, fazendo-a bem antiga. Belém e
suas lutas, terra marcada por desigualdades gritantes. Cidade atravessada na atualidade por grandes violências
e descasos políticos, altos indicies de mortandades direcionadas, sobretudo, contra o povo negro e pobre das

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1 Estética, Mídia e Cultura do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Doutoranda em Artes pelo PPGARTES/UFPA. carmemvirgolina@gmail.com
56
periferias. De que forma as práticas de matriz africana na periferia de Belém funcionam como espaços de re-
sistência e reinvenções de sentidos contra estas violências?

Referências

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n. 1, p. 31-38, jan. / jun. 2009.
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TURNER, Victor. O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura. Tradução: Nancy Campi de Castro. Petrópo-
lis: Vozes, 1974.

57
FRAGMENTOS DE UM FUTURO EM GESTAÇÃO:
Oficina Performativa Interdisciplinar Inclusiva como
metodologia para uma mediação teatral ‘com a cena’1
João Victor da Silva Pereira2

Resumo:
O presente ensaio pretende analisar como a ‘Oficina Performativa Interdisciplinar Inclusiva’ do Grupo Cena
Aberta (MA) tem em seu cerne metodologias de abordagens para uma mediação teatral, onde o espectador é
coprodutor, partícipe da cena e corrobora com a fruição do produto cênicos final apresentado, o espetáculo
‘Negro Cosme em Movimento’. Para isso analisa-se os documentos e registros textuais do mestre-encenador,
diretor-pedagogo Luiz Pazzini, como também o cruzamento destas com bibliografias sobre a questão de abor-
dagem.

Palavras-chave: teatro; mediação teatral; pedagogia do espectador; grupo cena aberta.

O Grupo Cena Aberta desenvolve atividades de pesquisa e extensão a mais de 15 anos, vinculado a
Universidade Federal do Maranhão. Dentre os seus inúmeros processos, destaco para essa pesquisa o “Projeto
Memória e Encenação em Movimento: ABC da Cultura Maranhense” (PROEXCE/UFMA) que teve em seu
cerne a montagem e manutenção do espetáculo “Negro Cosme em Movimento”, para além das ofertas da ofi-
cina “Performativa Interdisciplinar Inclusiva”, a qual debruço o meu interesse na investigação da sua relação
direta com a mediação teatral, quando a sua oferta seguida da apresentação do espetáculo supracitado.
A oficina “Performativa Interdisciplinar Inclusiva” foi elaborada pelo mestre-encenador, diretor-pedagogo
Luiz Roberto de Souza (Luiz Pazzini) e tem como ponto de partida em sua elaboração as relações de caráter só-
cio-politico-cultural intrínsecas na dramaturgia “Caras Pretas” de Igor Nascimento e na encenação de “Negro
Cosme em Movimento”.
Antes de darmos prosseguimento ao foco central do escrito preciso esclarecer sobre o que trata a dra-
maturgia encenada e em que contexto ela foi sendo inserida para melhor entendermos os impactos providos da
proposta de mediação teatral sobreposta a oficina formativa em questão.
O espetáculo Negro Cosme em Movimento entre fatos e ficção tem em seu cerne narrativo uma das
maiores revoltas populares do período regencial do Brasil3, que ocorreu no Maranhão entre os anos 1838 e
1842, a Balaiada, revolta esta composta em sua maioria por negros e sertanejos em luta contra o monopólio
político de fazendeiros aristocratas daquela região. Luiz Pazzini, que assina a encenação do espetáculo, co-
pilou fragmentos precisos do texto “Caras Pretas” de Igor Nascimento, para contar essa história por meio de
estações: 1) Estação Vila da Manga do Iguará: eclosão da revolta com a invasão da cadeia da Vila por um dos
líderes, Raimundo Gomes; 2) Estação Caxias: a fuga do prefeito da cidade, a tomada da cidade pelos revoltosos
e a chegada de Luiz Alves de Lima e Silva, atual Duque de Caxias; 3) Estação Itapecuru-Mirim: enforcamento
do principal líder da revolta, Cosme Bento das Chagas, Negro Cosme, o tutor da liberdade, surgindo assim, o

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estética, mídia e cultura, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Graduando do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão; Bolsista do Programa de Iniciação Cien-
tífica pelo Laboratório de Tecnologias Dramáticas (LABTECDrama); Membro do Projeto de Extensão “Memória e Encenação em
Movimento: ABC da Cultura Maranhense.”; jvsilper1@gmail.com
3 Período histórico restrito aos anos 1931 e 1840, marcado pela saída de D. Pedro I do governo imperial e a incapacidade de D.
Pedro II de assumir o cargo por conta de sua menoridade, assim, o poder de governar o Brasil era disputado por agentes políticos
daquela época, que em sua maioria eram grandes proprietários de terra, comerciantes e algumas pequenas parcelas das classes mé-
dias urbanas, que se subdividiam em: liberais moderados, liberais exaltados e conservadores. E neste período, por conta da precária
hegemonia do estado brasileiro, a regência foi marcada por levantes e rebeliões por todo o país, entre elas, a Balaiada, no Maranhão.

58
espetáculo “Negro Cosme em Movimento”. A estética de encenação proposta por Luiz Pazzini4 sempre indica-
va para o revivamento de memórias, desde a cenografia – uma vela de barco octogenária -, adereços e figurinos
– espada que pertencia a seu avô -, transpassando para a escolha dos locais onde seria apresentado o espetáculo
– espaços tidos como patrimônio artístico e/ou histórico. O encenador explica as interseções que são inerentes
ao texto e consequentemente na cena, e que mais tarde poderemos perceber a reverberação nos espectadores,
que participaram da oficina:
O texto instaura uma discussão sobre a dialética das ações do homem enquanto ente político e social,
apontando as contradições que são inerentes à luta não apenas pelo poder, mas por justiça social e
igualdade de direitos de uma sociedade em transformação. Na tessitura da escritura dramática estas
questões desenvolvem-se por meio da fábula, não obstante há uma interdependência das cenas que
não se encadeiam linearmente, revelando uma hibridação de gêneros (aspectos épicos, líricos e dra-
máticos) no cruzamento entre ficção e história, que apontam para o mote essencial desta discussão,
pois como diz o próprio autor como narrador - “... pois se a história fosse sempre verdade, não carecia
de ser chamada de história, e sim, de verdade e ponto final”. (SOUZA, 2013)

Dentre as apresentações de Negro Cosme em Movimento, destaco aquelas que foram realizadas nas
cidades-estações, por onde passou a revolta, no Maranhão – Nina Rodrigues (antiga Vila da Manga do Iguará),
Caxias e Itapecuru-Mirim -, locais que carregavam consigo um valor mnemônico, pois sediaram os principais
marcos históricos da revolta em questão e que, as duas primeiras cidades receberam a “Oficina Performativa
Interdisciplinar Inclusiva” como metodologia de mediação teatral.
Em contínuo partiremos para as proposições da oficina e seus desdobramentos, como também para as
suas reverberações enquanto metodologia em mediação teatral.
Ofertada em vários municípios maranhenses, tanto para alunos do ensino básico, como para professo-
res em formação continuada, a oficina consiste em um roteiro simples que: 1. Permeia a sensibilização ao jogo
teatral, como também da dança, lançando mão de jogos teatrais organizados por Viola Spolin, como os jogos
propostos pro Augusto Boal em sua Poética do Oprimido, somado às proposições pedagógicas de Paulo Freire;
2. Perpassando por reflexões a cerca do ser sócio-político, através de análises da obra e de sua correlação com
o seu meio social, transportando-os para o corpo por meio da sensibilização frente ao quadro Angelus Novus
(1920), de Paul Klee e do recurso do Modelo de Ação desenvolvido por Bertold Brecht frente às reflexões pro-
postas pelo mediador acerca da IX Tese de Walter Benjamin Sobre o Conceito da História (1940) e o Anjo Infe-
liz, de Heiner Muller; 3. E desembocando na inserção dos participantes na apresentação do espetáculo “Negro
Cosme em Movimento”, junto com os atores e atrizes da companhia.
Podemos aqui já refletir sobre esse novo olhar que se lança para o espectador que se desloca da sua
passividade e se torna partícipe da cena. Um pensamento que acompanha as atividades do Grupo Cena Aber-
ta, e que direciona o seu olhar para a preocupação em buscar trazer para a cena pessoas que estão alheias de
processos artísticos, estimulando, assim, a angariar vozes para um discurso cênico que lhes dizem respeito.
E isso só se faz possível, pois a oficina, o espetáculo e os espectadores estão mutuamente se alimentando, se
reverberando de seus materiais para conceber um atravessamento experiencial, desde a sua germinação, como
diz as palavras do diretor teatral Jean-Marie Piemme:
Cada espectador que vem ao teatro traz sua parcela de vida feita de dias bons e maus, em uma so-
ciedade que funciona mais ou menos bem. Essa parcela de vida ele a investe naquilo que vê, escuta
em cena, naquilo que compreende intelectualmente e naquilo que sente em contato com o que lhe
é proposto. O potencial de experiência da arte teatral (ou seja, sua capacidade de provocar a experi-
ência no destinatário) se degrada onde a construção da representação em si mesma não é um tema
de experiência para aqueles que a elas se dedicam. Se a arte do questionamento não se faz presente
na fabricação, ela será débil na recepção. O espectador não pensa a partir de um material que não se
pensa a si mesmo. (PIEMME, 2016)

4 Luiz Roberto de Souza (Luiz Pazzini) é Mestre em Artes pela USP, com a dissertação “Heiner Muller no Brasil: A Recepção de A
Missão (1989 -1998)”. Professor aposentado do Departamento de Artes Cênicas da UFMA. Homenageado pela quinta edição do
Simpósio Nacional de Arte e Mídia por suas contribuições na área.
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Destarte, coloca-se em questão os meios pelos quais se dão a mediação teatral que usualmente é conce-
bida pelo antes, o durante e o depois do espetáculo, mas que aqui o espetador é tomado por uma função direta
na obra, se vendo inserido não só na cena propriamente dita, mas em seu contexto sócio-político. O campo de
abordagem se transfere do “sobre a cena” para o “com a cena”, como bem explica Pupo:
Revelador da aspiração ao convívio, o estabelecimento de diálogos sobre a cena com outros espec-
tadores sem dúvida constitui um eixo relevante para orientar a mediação teatral. No entanto, em
sintonia com a ideia de tradução apresentada por Rancière, podemos avançar e traçar em nosso
horizonte outra perspectiva, a do estabelecimento de diálogos com a cena. (PUPO, p. 314, 2016. Grifo
da autora).

Essa abordagem bem se constata no trabalho desenvolvido na “Oficina Performativa” quanto coloca o
espectador em noção ativa e lhe delega uma importância crucial para a experiência cênica. A co-autoria suge-
rida para o espectador corrobora com a fruição do produto cênico final apresentado.
Por entender o teatro como algo que se constrói sentindo, e o espectador como membro irrevogável
deste, acredito que a oficina Performativa Interdisciplinar Inclusiva abre ainda mais a fissura do limiar que
permeia o fazer e o pensar teatro no Maranhão, que a sua metodologia de mediação teatral se consagra como
um fragmento do futuro em gestação onde o espectador é coprodutor e partícipe da cena, um espect-ator.

Referências

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e his-
tória da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. 2ed. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,
1980.
DESGRANGES, Flávio. A interferência dos processos de criação nos modos de recepção artística: percursos de
um pretérito imperfeito. In: DESGRANGES, Flávio; SIMÕES, Giuliana. (orgs.). O ato do espectador: perspec-
tivas artísticas e pedagógicas. São Paulo: Hucitec; Florianópolis: iNerTE, 2017.
PIEMME, Jean-Marie. Tonic Accents, 2016. Disponível em: <https://blog.alternativestheatrales.be/2016/01/
page/2/> Acesso em: 10 de fev. de 2019.
PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Diálogos sobre a cena, diálogos com a cena. In: DESGRANGES, Flávio;
SIMÕES, Giuliana. (orgs.). O ato do espectador: perspectivas artísticas e pedagógicas. São Paulo: Hucitec;
Florianópolis: iNerTE, 2017.
SOUZA, Luiz Roberto de. Palco da Memória: Trilogia da Balaiada, 2013. Disponível em: < http://cptcena-
aberta.blogspot.com/search?updated-max=2013-10-09T14:17:00-07:00&max-results=7>. Acesso em: 10 de fev.
de 2019.

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INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS URBANAS:
um olhar para os processos educativos e comunicacionais
estabelecidos em Boa Vista/RR1
Leila Adriana Baptaglin2
Hemanuella Karolynne Moura Vieira3

Resumo:
Este trabalho busca apresentar a etapa de contextualização do projeto de iniciação científica Intervenções artís-
ticas contemporâneas: as visualidades artísticas em contextos educacionais periféricos de Boa Vista/RR. Nesta
etapa objetivamos cartografar as intervenções artísticas urbanas existentes no contexto educacional periférico
de Boa Vista/RR. Para isso foram realizadas pesquisas nas redes sociais e contato com os artistas urbanos.
Diante da investigação apresentamos 2 coletivos: Coletivo Macu-x e Movimento Urbanus. Ambos realizam
ações de integração com a comunidade e estabelecem um processo de comunicação com os espaços culturais
consolidando o Circuito da Arte e as relações educacionais.

Palavras-chave: Intervenções artísticas urbanas, processos educativos, processos comunicacionais.

1. INTRODUÇÃO:

O presente ensaio faz parte do projeto de iniciação científica “Intervenções artísticas contemporâneas:
as visualidades artísticas em contextos educacionais periféricos de Boa Vista/RR” o qual busca compreender
como as intervenções artísticas urbanas instigam o desenvolvimento artístico e cultural nos espaços educacionais
de Boa Vista/RR e com isso, amplia a possibilidade de inserção das comunidades periféricas nos espaços cultu-
rais. O projeto conta com o desenvolvimento de 3 etapas de desenvolvimento: 1-Pesquisa no e sobre o contexto;
2-Desenvolvimento das atividades artísticas; 3-Execução das atividades. Para esta escrita buscamos trazer al-
guns dados relativos a 1 etapa referente o contexto da Arte Urbana em Boa Vista/RR.
Com o conhecimento do campo das artes buscamos ampliar as possibilidades de inserção destes sujei-
tos no espaço cultural roraimense dando visibilidade as produções que são realizadas nas escolas e na comu-
nidade desmistificando alguns preconceitos existentes em relação à linguagem do Grafite, Muralismo, Pixo,
Lambe-Lambe, o Happer e o Breakdance (B.boy ou B. gyrl). O conhecimento artístico e histórico das lingua-
gens amplia o repertório de valorização da produção artística justificando sua produção e inserção no espaço
artístico.
A hipótese da pesquisa é que no contexto roraimense há grupos que trabalhem com intervenções ar-
tísticas urbanas, mas que não apresentam o devido reconhecimento e/ou registro. Desta forma, a 1 etapa de
desenvolvimento da pesquisa pauta-se na pesquisa no e sobre o contexto de intervenções artísticas urbanas no
espaço urbano periférico de Roraima possibilitando assim, a visualização deste cenário e a compreensão da
dimensão expressa pelo mesmo. Assim, buscamos nesta etapa, atentar para o objetivo geral de: Cartografar as
intervenções artísticas urbanas existentes no contexto educacional periférico de Boa Vista/RR. Para isso, organi-
zamos alguns objetivos específicos: 1-Levantamento dos Coletivos que trabalham com Arte Urbana; Levanta-
mento das ações realizadas pelos coletivos.
A investigação está sendo desenvolvida através de uma metodologia que abranja o ensino, a pesquisa e
a extensão. Isso, pois acreditamos que, como pilares da educação, estes três segmentos não devem vir separa-
dos. Desta forma, calcados em um olhar dialógico e coletivo, vemos como necessário, em primeira instância,
compreender o contexto em que estamos inseridos, no caso, a capital Boa Vista/Roraima. Por ser caracterizada
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT1, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora Efetiva do Curso de Artes Visuais Licenciatura/UFRR; Doutora em Educação/UFSM, e-mail: leila.baptaglin@ufrr.br
3 Acadêmica do Curso de Artes Visuais Licenciatura/UFRR; Graduanda, Bolsista PIC/UFRR (2018-2019); e-mail: hema.ella@outlook.com
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como uma capital interiorana (a menor dentre os Estados brasileiros) Boa Vista apresenta algumas peculia-
ridades, dentre elas, a falta de acesso a espaços culturais e artísticos. A capital, no entanto, apresenta grupos
que tem trabalhado com intervenções artísticas contemporâneas ainda consideradas marginalizadas como o
Grafite, o Muralismo, o Pixo, o Lambe-Lambe, o Happer e o Breakdance (B.boy ou B.girl).
Para o desenvolvimento desta etapa do projeto realizamos uma busca nas redes sociais dos coletivos e,
posteriormente entramos em contato com os artistas que desenvolvem suas produções com Arte Urbana e com
isso, pudemos perceber alguns elementos singulares ao contexto da produção artística Urbana em Boa Vista/
RR.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES INVESTIGATIVAS

No estado de Roraima temos dois grupos de Arte Urbana: Movimento Urbanus e Coletivo Macu-x.
Pela recente origem como Estado (1988), Roraima ainda carece de desenvolvimento e compreensão para com o
setor cultural e artístico. Estes fatores são, em grande parte, decorrentes de sua história do garimpo (BARBO-
SA, 1993) e da migração (COSTA, BRANDÃO, OLIVEIRA, 2018) que contribuíram como o desenvolvimento
econômico cultural, mas que impuseram inúmeras barreiras para a potência da cultura local, em especial a
indígena, presente em terras roraimenses.
Desta forma, destacamos que o Movimento Urbanus é um projeto sociocultural que trabalha com
eventos, palestras, campeonatos, oficinas na área do Hip Hop e do Grafite. O Movimento acolhe a comunidade
local e vem trabalhando expressivamente na recepção dos artistas venezuelanos dando visibilidade ao trabalho
com a Arte Urbana.

Imagem 01: Batalha de B.boy


Fonte: Facebook Movimento Urbanus

As competições ao ar livre e nos diferentes eventos da cidade vêm tomando espaço e reconhecimento
ampliado a possibilidade de territórios (CUNHA, 2008) de acolhimento e visibilidade da cultura e da Arte Ur-
bana. Cunha (2008) nos apresenta a discussão de espaço, lugar e territorialidade sinalizando para o território
como uma potência de interlocução do sujeito com o lugar trabalhando as relações coletivas e de poder (SAN-
TOS, 2010).
O Coletivo Macu-x trabalha com ênfase com o desenvolvimento do Grafite nas ruas e nas escolas de
Boa Vista/RR. Com um grupo de artistas de localidades diferentes e flutuantes, o Coletivo Macu-x vem toman-
do espaço e consolidando algumas ações a partir do momento em que ingressa em um processo de valorização
da Arte Urbana e de recepção de artistas de diferentes locais.
A Arte Urbana em Roraima é um movimento ainda em expansão. Há somente dois grupos que traba-
lham com a Arte Urbana e, mais especificamente, o Movimento Macu-x com propostas visuais. Estes, focados
na produção com a linguagem Grafite.

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Figura 2 – Coletivo Macu-x
Fonte: III Grafita Roraima

Figura 3 – Coletivo Macu-x


Fonte: Facebook Grafite Roraima

Apesar da existência desses movimentos, ainda não há um cenário para a valorização da produção ar-
tística. O que percebemos é a inserção desses movimentos nos espaços educacionais e nas organizações sociais
o que nos sinaliza para a potência das ações educomunicacionais verificadas como instrumento mobilizador
de ideais calcados na liberdade, na apropriação e pertencimento dos sujeitos à sociedade (KAPLÚN, 1999). Isso
instiga a construções das propostas coletivas calcadas em elementos representativos da região amazônica com
animais, plantas e comunidades indígenas. A situação apresentada vincula-se muito a uma proposta de valori-
63
zação local, de reconhecimento dos saberes e, segundo Santos (2010, p. 51) a consolidação de uma ecologia dos
saberes a qual se volta para o “reconocimiento de la diversidad epistemológica y la pluralidad”.
Ao buscarmos compreender os processos comunicacionais das proposições de Arte Urbana boavis-
tense, percebemos que no limiar do Circuito da Arte (BAPTAGLIN, SANTI, 2018), há uma Produção/Poética
urbana, embora careça de consolidação coletiva (TORROW, 1997). No entanto, a construção do Texto e Leitura
pressupostos básicos para a Comunicação social, ainda não são visíveis por fatores que envolvem a falta do
entendimento cultural e das problemáticas alicerçadas nas Culturas Vividas o que influi diretamente no Con-
sumo e, consequentemente no Financiamento. Assim, para adentrar na consolidação de uma proposta artística
urbana que atenda a proposição alicerçada pela Arte Urbana requer que tanto os produtores, quanto os con-
sumidores atentem para o conhecimento da cultura local adentrando em uma ecologia de saberes (SANTOS,
2010) que compreenda os diferentes tipos de conhecimentos.
Por mais incomuns e críticas que sejam as produções de arte contemporânea (CAUQUELIN, 2005), elas
carregam consigo uma carga ideológica repleta de poder e conhecimento a que poucos têm acesso e que ainda é
pouco compreendida pelo público em geral. Roraima apresenta uma sociedade carente desta interlocução com
o Circuito da Arte o que limita a expansão do conhecimento amazônico pelo campo artístico local e nacional.

CONSIDERAÇÕES

Na proposta de, na 1 etapa da pesquisa “Cartografar as intervenções artísticas urbanas existentes no


contexto educacional periférico de Boa Vista/RR” pudemos identificar 2 coletivos: Movimento Urbanus e Co-
letivo Macu-x. Estes coletivos buscam trabalhar interlocuções educomunicacionais com o Circuito da Arte
propondo ações sociais e educativas que potencializam a cultura local. Assim, entendemos a proposta de um
olhar desenvolvido pelos movimentos artísticos urbanos de Boa Vista/RR para uma ecologia dos saberes locais
e principalmente da região amazônica como um todo.

Referências
BARBOSA, R. I. Ocupação humana em Roraima. II. Uma visão do equívoco da recente política de crescimen-
to e desenvolvimento desordenado. Bol. Mus. Par. Emílio Goeldi 9 (2), 1993.
BAPTAGLIN, L. A.; SANTI, C. J. C. As intervenções artísticas urbanas no Circuito da Arte em Roraima eu o
potencial comunicativo dos saberes artísticos amazônicos. Revista Observatório, Palmas, v.04, nº 04, Jul-Set,
2018.
CAUQUELIN, A. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005.
COSTA, E; BRANDÃO, I; OLIVEIRA, V. Fuga da fome: como a chegada de 40 mil venezuelanos transformou
Boa Vista.G1 Roraima. 2018. Disponível em : < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/fuga-da-fome-como-a-
-chegada-de-40-mil-venezuelanos-transformou-boa-vista.ghtml>. Acesso em: 20 de novembro de 2018.
CUNHA, M. I. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos da formação dos docentes
universitários. Revista Educação Unisinos, 12(3):182-186, setembro/dezembro, 2008.
KAPLÚN, M. Processos educativos e canais de comunicação. Revista Comunicação e educação, São Paulo
(14): 69 a 75, jan. abr., 1999.
SANTOS, B. S. Descolonizar el Saber, reinventar el poder. Montevideo. Ediciones Trilce, 2010.
TORROW, S. El poder en movimiento: Los movimientos sociales, las accíon colectiva y política. Madrid:
Alianza Editorial, 1997.

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GT2 ARTE CONTEMPORÂNEA
E O CONTEMPORÂNEO DAS ARTES
Estados e estudos contemporâneos das artes
Artes integradas e sociedade contemporânea fragmentada
História social da arte
Ensino das artes e da cultura visual
Pensamentos emergentes sobre processos criativos e artísticos como existência e
resistência
ESCAVANDO TERRITÓRIOS DE ARTE
E CULTURA VISUAL DO MARANHÃO:
pesquisa imagética e de memória oral
para o ensino das Artes Visuais na Educação Básica1
Monica Rodrigues de Farias2

Resumo:
Uma pesquisa de campo, documental, bibliográfica e icnográfica oriunda da verificação da ausência de mate-
riais didáticos voltados aos temas relacionados às artes visuais maranhense na educação básica do estado do
Maranhão, tema de uma dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Artes – Prof-Artes. Os resulta-
dos práticos foram: a produção de pranchas visuais com reproduções de obras e documentários com entrevis-
tas com os artistas Airton Marinho, Beto Nicácio, Dinho Araújo, Dila, Marlene Barros, Miguel Veiga, Murilo
Santos, Paulo César, Thiago Martins de Melo e Rogério Martins. A apresentação do processo da pesquisa, seus
resultados e reflexões é o que compõe esse relato.

Palavras-chave: Memória das artes visuais maranhense; Registros imagéticos; Meios de Ensino e Aprendizagem3
para Educação Básica.

INTRODUÇÃO

Nas ações docentes como profissional da escola pública do Governo do Estado do Maranhão, a busca
pela produção das artes visuais maranhenses como tema sempre esteve presente nas pesquisas de materiais di-
dáticos contextualizados com a produção das artes visuais local. A ausência destes recursos – é um dos motivos
da grande dificuldade que tem um professor de Arte4 de estabelecer correlações entre os conhecimentos das ar-
tes visuais universal e nacional e regional. Assim, oriundo das necessidades constatadas pelo exercício docente
pessoal e de outros profissionais da área Arte5, o problema científico levantado foi: Como superar a carência
de MEAs específicos sobre as artes visuais maranhense do século XXI, nas aulas de Arte da Educação Básica
do Maranhão? Definiu-se então como objeto central da pesquisa a elaboração de MEAs contextualizados com
a temática das artes visuais maranhense.
Partindo da observação docente da carência de MEAs voltados ao ensino de artes visuais, objetivou-se
produzi-los a partir de obras dos artistas visuais maranhenses, atuantes no período do século XXI e suas res-
pectivas biografias, assim como a elaboração de proposições metodológicas para a aplicabilidade destes recur-
sos pelos arte-educadores com o intuito de oportunizar a contextualização desses conhecimentos referentes ao
ensino da Área no Maranhão. Seguindo essa diretriz geral, os objetivos específicos buscados, foram: 1 Realizar
um levantamento biográfico em registros documentais, audiovisuais e fotográficos de dez artistas produtores
do século XXI6 e algumas de suas obras relevantes no campo das artes visuais maranhense com a participação
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT2 – Arte Contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional
de Arte e Mídia.
2 Mestra em Artes: PROFARTES/UDESC/UFMA: Professora de Artes Visuais do Ensino Médio – Secretaria de Educação do Esta-
do do Maranhão – SEDUC. E-mail: rodriguesdefarias.monica@gmail.com
3 MEAs – sigla utilizada para o referido termo.
4 Ao se usar a grafia “Arte” ao se referir a Área de Conhecimento da Educação Básica e ao usar “arte” a atividade expressiva huma-
na. O mesmo cabe para “Artes Visuais” = disciplina e “artes visuais” = expressão artística.
5 Ver artigo “Materiais de Ensino e Aprendizagem para as aulas de artes visuais no Maranhão: contextualização, uso de TICs e
novas possibilidades” em referências.
6 É importante informar que essas produções artísticas escolhidas para realização dos MEAs (pranchas visuais) não necessitam
ser obrigatoriamente do século XXI, pois os artistas podem ter iniciado sua produção ainda no século XX. A obrigatoriedade é no
sentido de o artista continuar produzindo artisticamente obras no século XXI.
66
do alunado, incentivando-os à iniciação científica; 2 Estimular o conhecimento e a valorização da cultura local
dos alunos a partir da pesquisa de artistas visuais locais e suas produções artísticas; 3 Utilizar TICs nos proces-
sos de pesquisa e na difusão dos resultados coletados, que se tornarão MEAs com enfoque visual/audiovisual/
conceitual em formato de pranchas visuais, DVDs e caderno educativo; 4 Elaborar proposições metodológicas
de leitura de imagens a partir das pranchas visuais e documentários e baseadas na abordagem triangular e no
rizoma em caderno educativo voltado aos educadores de Arte7.
O público alvo dessa pesquisa foram alunos da Educação Básica, e por esse motivo a formação de uma
equipe de alunos do Ensino Médio do CETI Domingos Vieira Filho, para realizarem a iniciação a pesquisa
científica foi fundamental para o processo, assim como a participação de voluntários8 no apoio à pesquisa, que
aconteceu em São Luís do Maranhão, no período entre 2016 a 2018.

BASES TEÓRICAS

A pesquisa @rte.ma têm consonância com o pensamento de Ana Mae Barbosa, em relação ao objetivo
primordial da arte/educação e sua missão social, ela diz:
O que a arte/educação contemporânea pretende é formar o conhecedor, fruidor, decodificador da
obra de arte. Uma sociedade só é artisticamente desenvolvida quando ao lado de uma produção
artística de alta qualidade há também uma alta capacidade de entendimento desta produção pelo
público. (BARBOSA, 2012, P. 32).

Entendendo também que o ensino e a pesquisa são fontes para manutenção do desenvolvimento artís-
tico de uma sociedade, respalda o pensamento de Paulo Freire, que diz “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa
sem ensino” (FREIRE, 1996, p. 29). Seguindo então esses pressupostos, busca-se resistir e evitar de certa forma
a fragmentação da identidade cultural local diante da ação da globalizante que preconiza Hall (2006). Nesse
intento, as palavras do professor Pedro Demo resumem exatamente o mote dessa pesquisa: “a preocupação cru-
cial será cultivar a proximidade entre o que se aprende na escola com a vida real, não só por conta da utilidade
imediata, nem sempre muito visível, mas sobretudo por conta da relação entre teoria e prática”. (DEMO, 2015,
p. 55). Na questão referente aos currículos que orientam a educação nacional em relação ao Ensino de Arte,
segundo a própria LDB, esse ensino deve ser complementado em seus conteúdos por uma parte diversificada,
em que as características regionais e locais se inserem, diz o Art. 26 Parágrafo 2º da Redação da Lei nº 13.415,
de 2017, que: “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricu-
lar obrigatório da educação básica”. (BRASIL, 1996, grifo nosso). Continuando o percurso nos textos/marcos
legais da educação em Arte, o documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs diz, que como objeto
de apreciação significativa o aluno deve ter: “Convivência com produções visuais (originais e reproduzidas) e
suas concepções estéticas nas diferentes culturas (regional, nacional e internacional)” (BRASIL, 1997, p. 63,
grifo nosso). Ainda nesse mesmo documento, há encaminhamentos sobre como realizar essas ações:
Pesquisa e frequência junto das fontes vivas (artistas) e obras para reconhecimento e reflexão sobre a
arte presente no entorno. Contato frequente, leitura e discussão de texto simples, imagens e informa-
ções orais sobre artistas, suas biografias e suas produções. Elaboração de registros pessoais para
sistematização e assimilação das experiências com formas visuais, informantes, narradores e fontes
de informação (BRASIL, 1997, p. 65, grifo nosso).

E nos PCNs de Arte de quinta a oitava séries, continuam as orientações, dizendo que o aluno precisa
“Identificar, relacionar e compreender a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhe-
cendo, respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patri-
mônio cultural” (BRASIL, 1998, p.48, grifo nosso).

7 Guia com proposições/sugestões de metodologias possíveis ao uso didático do material destinado ao apoio do trabalho do educa-
dor de arte, no formato de encarte impresso e posteriormente virtual (e-Books). Esse item delega maior tempo de trabalho e ficou
para ser realizado com a continuidade da pesquisa.
8 Adriana Tobias, Andréa Frazão, Wilka Sales, Murilo Santos e Pedro Magalhães.
67
Diante de todos esses pressupostos teóricos que respaldam a necessidade da pesquisa sobre as artes vi-
suais local, buscou-se os mecanismos para pôr em prática o projeto, e nisso as TICs foram parceiras, a própria
Unesco se manifesta sobre o tema (DELORS, 2006, p. 190-191):
Ensinar é uma arte e nada pode substituir a riqueza do diálogo pedagógico. Contudo a revolução
mediática abre ao ensino vias inexploradas. As tecnologias informáticas multiplicaram por dez as
possibilidades de busca de informações e os equipamentos interativos e multimídia colocam à dis-
posição dos alunos um manancial inesgotável de informações.

Outros teóricos orientaram essa pesquisa, entre eles: Mirian Celeste (2012, 2014), Lèvy (1999, 2011),
Gilles & Deleuze (2011), Fernandez (2001), Baldissera (2001), Bastos (2008), Bates (2016), Bauer (2002) e outros,
dentro da linha de pesquisa em Educação em Artes Visuais e TICs.

METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa-ação9, numa abordagem qualitativa/quantitativa e


linha exploratório-descritiva, pautada em procedimentos de coleta de dados bibliográficos e iconográficos via
pesquisa de campo (registros visuais das obras e documentários sobre seus artistas). A metodologia da pesqui-
sa-ação foi escolhida justamente por sua característica de priorizar o “conhecer” e o “agir” coletivo, que são
também o foco dos procedimentos desta pesquisa social que busca a resolução de um “problema coletivo” com
agentes participantes “representantes da realidade” a ser investigada, como define Thiollent (1985).
As ações de coleta de dados objetivaram a formatação dos MEAs em dois suportes: pranchas visuais e
os DVDs documentários. Passou por etapas de enquetes para se chegar aos nomes dos dez artistas10, que par-
tiu da sondagem com professores de Arte, agentes culturais e artistas do Maranhão – O método Delphi11, foi
adaptado aos recursos de tecnologias acessíveis: Facebook e Formulários online do Google.
As etapas compreenderam: estudos sobre a biografia do artista; visita informal ao seu local de trabalho,
residência ou espaço escolhido; momento para o GT PesquisAção conhecer o artista (ocasião também para
acertar detalhes da entrevista e da escolha das obras a serem disponibilizadas para feitura das pranchas visuais
do MEAs); realização da entrevista individual semiestruturada12 com um único respondente (cada artista foi
entrevistado individualmente) e apoio de um tópico guia com as questões; registros fílmicos e fotográficos.
Para maiores detalhes do processo, O blog “Diário de bordo PesquisAção”13 foi criado para ser repositório de
informações sobre a pesquisa de campo, podendo ser acessado online para visualização de todos os registros
fotográficos e alguns vídeos feitos pelo celular dos pesquisadores e colaboradores, antes, durante e depois da
entrevista e comentários.

RESULTADOS DA PESQUISA

A criação dos protótipos dos MEAs pelo volume de detalhes de diagramação das pranchas visuais e
edição dos documentários ao final da pesquisa constituíram uma amostragem e não um produto finalizado,
pois para tanto, deverá passar ainda por aprimoramentos. Os MEAs criados foram o resultado desta pesquisa
9 A pesquisa-ação (investigação-ação) provém das Ciências Sociais e foi introduzida no campo da educação e no planejamento
rural por João Bosco Pinto, sociólogo brasileiro. É concebida como estratégia metodológica utilizada para incentivar a participação
dos camponeses nos processos de planejamento e desenvolvimento regional e local. Também baseia a sua proposta teoricamente no
conceito de educação libertadora” (BALDISSERA, 2001, p. 7).
10 1. Miguel Veiga, 2. Paulo César, 3. Marlene Barros, 4. Dila, 5. Airton Marinho, 6. Murilo Santos, 7. Beto Nicácio, 8. Rogério Mar-
tins, 9. Dinho Araújo, 10.Thiago Martins.
11 “Seu propósito original era obter o mais confiável consenso de opinião de um grupo de especialistas...” (THANGARATINAM &
READMAN, 2005, p.120, tradução nossa).
12 As entrevistas estruturadas são aquelas que são direcionadas e previamente estabelecidas (SEVERINO, 2011, p. 125). Como no
caso relatado, um formulário online foi enviado aos artistas, para que tivessem o contato previamente com as questões da entrevis-
ta, porém não foi respondido por todos, então escolheu-se repassar presencialmente antes da entrevista os tópicos orientadores, que
também foram sendo adaptadas e flexibilizados de acordo com a necessidade durante o processo ficando “semiestruturada”.
13 Endereço do blog: https://diariodebordopesquisacao.blogspot.com.br. Ver referências.
68
e pretende-se apresentá-los em exposição de artes visuais (as pranchas), e em sessão fílmica (os documentários
em DVD). Também começarão a ser aplicados em sala de aula para verificação dos objetivos pretendidos de
aprendizagem em artes visuais local, mediante metodologias de leitura visual com os alunos, uma outra etapa
da pesquisa que agora se inicia. Para a divulgação e disponibilização destes MEAs, pretende-se usar as TICs
assim que finalizados os detalhes, para usufruto de professores e alunos interessados.
Importante ressaltar o apoio da CAPES com o Mestrado profissional PROF-ARTES e da FAPEMA – pelo pro-
jeto Com Ciência Cultural, que contribuíram para a realização dessa pesquisa.

Referências
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BALDISSERA, Adelina. Artigo. Pesquisa-ação: uma metodologia do “conhecer” e do “agir” coletivo. Socie-
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THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez,1985.

69
DO PROSAICO AO POÉTICO
NA OBRA DE ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO:
uma reflexão sobre o conceito de sublime
na arte contemporânea1
José Almir Valente Costa Filho2
Lucas Viana Silva3
Maria Celeste Miranda Pinheiro4

Resumo:
O presente artigo trata da relevância do conceito de sublime na arte contemporânea, a partir da concepção de
estética do cotidiano como abordada na obra Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário. Analisa o
conceito de sublime, como elaborada por Immanuel Kant, como sentimento subjetivo, em sua relação de dis-
tinção e aproximação com o sentimento do belo. Retoma as Lições sobre a Analítica do Sublime realizadas por
Jean-François Lyotard como relevante para a caracterização da concepção de arte contemporânea. Por fim,
aponta a obra de Arthur Bispo do Rosário como característica de uma forma peculiar da arte contemporânea,
para cuja leitura o conceito de sublime se torna de grande valia.

Palavras-chave: Arte contemporânea; Estética; Cotidiano; Sublime; Ressignificação.

O destaque que damos à arte contemporânea se especifica ainda mais na arte a partir da cotidianidade,
o que nos conduz ao que Almir Valente Costa Filho (2016) passa a chamar de estética do cotidiano na produção
artística contemporânea, isto é, uma aproximação ou uma reciprocidade entre dois contextos díspares, o mun-
do da arte e o mundo da vida do cotidiano; sendo assim, uma realização por meio da experiência estética que
incorpora valores sociais, políticos, éticos, etc., do local no qual se originou. É neste panorama que circunscre-
vemos nosso objeto de estudo: como afirma Costa Filho (2016), as artes plásticas contemporâneas produzidas
no Brasil, por meio de seus processos criativos, elevam objetos do cotidiano a objetos artísticos para, assim,
produzir uma experiência estética.
O que nos motivou a escrever o presente artigo foi justamente a seguinte questão: “A ideia de sublime é
ainda relevante para a reflexão filosófica sobre a arte contemporânea?”.
A ideia de sublime está no presente pensamento ocidental desde a Antiguidade; ganha destaque na Mo-
dernidade, sobretudo vinculado ao desenvolvimento da Estética, como disciplina filosófica autônoma, o que
está intimamente ligado ao romantismo nascente, e chega até a contemporaneidade. Por isso, para realizar uma
reflexão sobre esta ideia na arte contemporânea, faz-se necessário, primeiramente, estabelecermos o conceito
de sublime, aqui referenciado a partir de Immanuel Kant e Jean-François Lyotard, para em seguida, fundamen-
tarmos nossa reflexão sobre a arte contemporânea.
Escolhemos no universo da arte contemporânea produzida no Brasil a obra intitulada Manto da Apre-
sentação do artista Arthur Bispo de Rosário (1913-1989). A obra de Bispo de Rosário foi produzida por meio de
uma experiência estética no cotidiano, transformando objetos prosaicos em objetos poéticos, elevando-os de sua
condição de ordinário para a de extraordinário.
O sublime – termo de origem latina utilizado de início na retórica, significando um estilo sublime, isto
é, muito elevado, esmerado. Surge com esse sentido em Longino (ou Dionísio) no tratado Do Sublime (Peri
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Instituto Federal do Maranhão - Campus Centro Histórico, Doutor em Comunicação e Semiótica, almirvcosta@ifma.edu.br.
3 Instituto de Estudos Superiores do Maranhão, Mestre em Ética e Epistemologia lucas_viana_silva@hotmail.com.
4 Universidade Federal do Maranhão, Mestre em Filosofia Contemporânea, celestepinheiro@oi.com.br.

70
Hupsous), no século III.
Entre os séculos XVII e XVIII, o termo reaparece na França, vinculado à crítica literária e à retórica,
através de Nicolás Boileau-Despréaux, que em 1674 publica a tradução do tratado de Longino. Nova aparição
acontece em 1757 na Irlanda, com Edmund Burke, no texto Philosophical Inquiry into the origin of our ideas
of the sublime and the beautiful (1757), que exerceu notável influência sobre Immanuel Kant e Jean-François
Lyotard, como veremos adiante.
O sublime torna-se um clássico a partir de Kant. Enquanto conceito filosófico, passa a ser algo como
um sublime de pensamento, expresso filosoficamente pela simplicidade. É retomado pela filosofia francesa no
século XX, onde se destaca a tematização de Lyotard. Neste contexto, trataremos do conceito de sublime de
modo exclusivo na esfera do pensamento kantiano e lyotardiano.
Immanuel Kant (1724-1804), uma extraordinária referência na história da Filosofia Ocidental, trata do
sublime em duas obras principais: Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime, de 1764, e Crítica da
faculdade do juízo, de 1790.
A obra Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime situa-se na denominada fase pré-crítica do
pensamento kantiano e se prolonga também em considerações de outra natureza. Reteremos aqui somente os
aspectos significativos para o desenvolvimento do trabalho.
Ao tratar do tema, Kant considera que há uma prevalência dos sentimentos que são produzidos no ho-
mem pelas qualidades e aspectos contidos nos objetos sobre a característica dos objetos enquanto tais. “[…] as
diferentes sensações de contentamento ou desgosto repousam menos sobre as qualidades das coisas externas,
que as suscitam, do que sobre o sentimento, próprio a cada homem, de ser por elas sensibilizado com prazer ou
desprazer.” (KANT, 1993, p. 19).
Para Kant, os sentimentos refinados são de dupla espécie: o sublime e o belo, os quais se contrapõem,
produzindo diferentes emoções agradáveis: “o sublime comove” e “o belo estimula”, nos diz o autor.
Na Analítica do Sublime, segundo livro da primeira seção de sua Crítica, Kant trata deste em conexão
com o belo, evidenciando pontos convergentes e divergentes entre ambos.
As concordâncias: “[…] ambos aprazem por si próprios; ulteriormente, no fato de que ambos não
pressupõem nenhum juízo dos sentidos, nem um juízo lógico-determinante mas um juízo de reflexão […]”
(KANT, 1993, p. 89). E acrescenta ainda que se tratam de juízos singulares, embora universalmente válidos e
que somente reivindicam o sentimento de prazer.
As divergências:
O belo da natureza concerne à forma do objeto, que consiste na limitação; o sublime, contrariamente,
pode também ser encontrado em um objeto sem forma, na medida em que seja representada ou que
o objeto enseje representar nele uma ilimitação, pensada, além disso, em sua totalidade; de modo que
o belo parece ser considerado como apresentação de um conceito indeterminado do entendimento, o
sublime, porém, como apresentação de um conceito da razão. (KANT, 1993, p. 90).

Esta analítica do Sublime é retomada na filosofia contemporânea pelo francês Jean-François Lyotard
(1924-1998). Lyotard é um importante teórico da pós-modernidade, autor da conhecida obra A condição pós-
-moderna (1989), além de várias outras dedicadas ao tema do sublime. Além da referida obra, utilizaremos
neste contexto Response a la question: qu’est-ce le Post Moderne? (Resposta à questão: que é o pós-moderno)
(1982) e Lições sobre a analítica do sublime (1993).
Lyotard retoma o tema kantiano do sublime, tendo como horizonte referencial a pós-modernidade,
significando “[…] o estado da cultura após as transformações que afectaram as regras dos jogos da ciência, da
literatura e das artes a partir do fim do século XIX. Estas transformações serão situadas aqui relativamente à
crise das narrativas.” (LYOTARD, 1989, p. 11). Entendidas estas como o metadiscurso filosófico legitimador do
discurso da Ciência Moderna como, por exemplo, a Dialética do Espírito etc. São profundas as transformações
nas práticas técnico-científicas, as quais repercutem em todos os setores da sociedade: política, economia, filo-
sofia, direito, ética e estética.
Lyotard trata do sublime vinculando-o à arte de vanguarda. Acredita que o sublime possa se constituir
em uma alternativa que a justifique.

71
Outro aspecto central é a produção de Arthur Bispo do Rosário (1909/11–1989), mais especificamente,
a obra Manto da Apresentação.
O Manto da Apresentação foi produzido por Arthur Bispo do Rosário na ocasião de sua permanência
na Colônia Juliano Moreira entre os anos de 1939 e 1989. Não se sabe ao certo a datação exata de quando ini-
ciou ou terminou a produção dessa obra.
Trata-se de uma vestimenta, um manto todo cortado, costurado e bordado a mão pelo artista.
Destacamos o caráter processual e poético do seu trabalho, um processo estético, que transita da ins-
tância do cotidiano para chegar à condição de arte, e que é observado em vários momentos da Arte Moderna
e principalmente da Arte Contemporânea. Então, uma característica marcante reside nesse aspecto processual
da arte de Bispo, em constante devir. O Manto da Apresentação seria um objeto ritualístico para empreender
uma passagem entre a vida e o além da vida. Por isso, enfaticamente, o Manto da Apresentação é uma presen-
tificação. Arte e vida se tangenciam de modo visceral.
O Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário nos instiga por toda a sua complexidade enquan-
to objeto artístico e pelos modos de como se dá a produção de sentido construído pelo discurso da obra.
É vestindo o Manto da Apresentação que se pode alcançar o “fazer sentido” da sua própria existência.
Assim, à disforia da vida comum dessemantizada na sua cotidianidade, mundano, às coisas e aos prazeres do
mundo, próprio do mundo terrestre, se opõe a euforia da semantização da vida, com a possibilidade de passa-
gem para outro “plano”, transcendente, divino, espiritual, celestial.
O contexto contemporâneo nos apresenta profundas transformações, com a diversidade de recursos, de
linguagens, de meios de expressões artísticas, novas tecnologias. Além do mais, podemos observar: as modifi-
cações ocorridas no conceito de tempo, de espaço e da matéria; a importância dada ao processo; as mudanças
ocorridas na relação com o espectador; a apropriação, as relações entre texto e contexto, as estratégias utiliza-
das pelos artistas na construção de suas obras, etc. Tantas transformações gera a necessidade de ampliação dos
referenciais para a compreensão atual do mundo artístico. Além disso, há uma patente dissolução da normali-
dade, ou seja, falta de regras e noções permanentes ou ainda, é o fim das certezas no campo artístico.
Momento propício para uma nova reflexão estética pelo viés do sublime, o qual poderá se constituir em
um eficaz instrumento para a análise da arte contemporânea. Parece que as contribuições de Kant e Lyotard
podem propiciar elementos substanciais para a referida análise. Possibilidade dos fundamentos da estética kan-
tiana e de sua retomada por Lyotard serem exequíveis para uma compreensão fecunda da estética na atualidade

Referências

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cotidiano. 2016. 219 f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – São
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TASSINARI, Alberto. O espaço moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

72
Um olhar Narcísico contemporâneo na narrativa de
“Ataliba, o vaqueiro” por Francisco Gil Castelo Branco1
Aluiso Castelo Branco2
Gustavo Fortes Said3

Resumo:
A presente análise, “Um olhar narcísico contemporâneo na narrativa de ‘Ataliba, o vaqueiro’ por Francisco
Gil Castelo Branco”, fundamenta-se no discurso psicanalítico de Freud e nas ideias de Lasch sobre narcisismo,
tendo por objetivo identificar manifestações do narcisismo contemporâneo na obra como expressão do pen-
samento crítico manifesto no processo criativo. A pesquisa empírica descritiva de caráter qualitativo revelou,
por meio da análise textual discursiva (Barros, 2010), que as manifestações narcisistas na narrativa literária em
análise mantém aspectos da contemporaneidade expressos artisticamente no processo criativo como forma de
(r)existência, configurando-se como registro documental de experiência sócio-política e estética.

Palavras-chave: Literatura piauiense; Comunicação; Narcisismo.

Conforme Reis (2012), a obra “Ataliba, o vaqueiro” de Francisco Gil Castelo Branco, publicada em 1878,
é o primeiro romance essencialmente regionalista que focaliza de forma realista o drama da seca no Piauí. Re-
lata a trágica vida de um vaqueiro nordestino que, nas palavras do autor, “numa paisagem inóspita pintada em
cores fortes; a brutalidade da natureza e dos animais supera a força do homem” (REIS, 2012, p. 16).
Fundamentando-se no discurso psicanalítico de Freud e nas ideias de Watson Chistopher Lasch sobre
narcisismo, busca-se na presente pesquisa identificar manifestações do narcisismo contemporâneo na narra-
tiva da obra “Ataliba, o vaqueiro” de Francisco Gil Castelo Branco, desveladas pela aproximação entre texto e
contexto, realidade e ficção na relação produção/comunicação/público como expressão do pensamento crítico
no processo criativo. A pesquisa caracteriza-se empírica descritiva de caráter qualitativo, sendo utilizada aná-
lise textual discursiva por meio da categorização semântica a partir da sistematização descritiva do conteúdo
que permite, segundo Barros (2010), análises inferenciais centradas nos aspectos implícitos da mensagem ana-
lisada.
Conforme Araújo (2010), o termo narcisismo, de origem grega, significa o amor do indivíduo por si
mesmo. No discurso psicanalítico é definitivamente incorporado por Freud (1914/1974) como elemento consti-
tutivo do amor-próprio e da autoestima, destinado à auto- preservação do sujeito e formação dos laços sociais.
Para Freud, a auto-estima depende de três aspectos: do resíduo do narcisismo infantil, das realizações do ideal
do ego e de relações amorosas satisfatórias.
Assumpção (2007) destaca, conforme Freud, uma peculiaridade do desenvolvimento do “eu” que con-
siste na conversão do eu-prazer em eu-realidade. O primeiro baseado na fuga do desprazer aproxima-se do
narcisismo por desconsiderar as relações com a existência das coisas. O segundo, afastando-se do narcisismo
busca o útil e a fuga de danos. Entende-se, dessa forma, que “uma atitude narcísica pode resultar em um alhe-
amento da realidade, já que a relação com o mundo externo depende da capacidade de distinção entre o perce-
bido e o representado, a qual cabe ao eu”.
Conforme Lasch (1983, p.30),
Não obstante suas ocasionais ilusões de onipotência, o narcisista depende de outros para validar
sua auto-estima. Ele não consegue viver sem uma audiência que o admire. Sua aparente liberdade
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 2: Arte contemporânea e o contemporâneo das artes , do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí-PPGCOM/UFPI,
alucasbra@yahoo.com.br
3 Professor da Universidade Federal do Piauí-UFPI/Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação, doutor,
gsaid@uol.com.br

73
dos laços familiares e dos constrangimentos institucionais não o impede de ficar só consigo mesmo,
ou de se exaltar em sua individualidade. Pelo contrário, ela contribui para sua insegurança, que ele
somente pode superar quando vê seu “eu grandioso” refletido nas atenções das outras pessoas, ou ao
se ligar àqueles que irradiam celebridade, poder e carisma. Para o narcisista, o mundo é um espelho,
ao passo que o individualista áspero o via como um deserto vazio, a ser modelado segundo seus
próprios desígnios.

Para Silva (2005), o entrelaçamento entre história e literatura, realidade e ficção, nos mostra novos va-
lores, subjetividades e crenças na transformação da percepção de mundo. Segundo ela, os ficcionistas retratam
os dilemas e problemas do fenômeno da seca como forma de denuncia em todas as suas abrangências socioeco-
nômicas e políticas, reafirmando o objetivo prático e ideológico da arte com fins e intenções de transformação
social.
De acordo com Said (2017, p.195), “a produção midiática de ficção, em geral, reflete as culturas que a
produzem e consomem, abordam tendências, hábitos, ideais, crenças e valores” sugerindo pontos de contes-
tação ou reforçando práticas sociais, devendo o código entre produção e público ser estabelecido em sintonia,
despertando um sentimento de identificação e projeção.
Publicada em forma de folhetim no “Diário de Notícias”, do Rio de Janeiro, a obra “Ataliba, o vaqueiro”
aborda o tema da seca pela popularidade que o mesmo havia tomado chegando a chocar o cidadão carioca
pelas consequências causadas à população. Ao mesclar notícias com romance, como estratégia narrativa de
aproximação com o leitor, Francisco Gil o faz pela idealização de personagens na tentativa de minimizar as
injustiças sociais e denunciar a exploração do homem do campo. Busca também no relato de aventuras, amores
e no heroísmo de um vaqueiro, a disseminação de sua produção literária sem bater de frente com o pensamento
burguês formador do público leitor à época. Contrapõe dessa forma, a imagem de um pobre e problemático
esquelético a de um homem forte e destemido.
A partir das reflexões de Freud sobre o ideal do ego forjado pelas realizações pessoais e do sentimento
de ser amado que leva a autoestima e constitui-se na forma do narcisismo secundário, vê-se na obra em análise,
que Ataliba, o “herói do sertão”, representava a maior autoridade local dada sua posição de vaqueiro, primeiro
lugar na hierarquia social sertaneja. Na ausência do fazendeiro todo poder lhe era dado, administrando e to-
mando as decisões da fazenda. Sua aparência física o diferencia dos demais personagens e revela sua superiori-
dade:
Ataliba era moço, tinha figura atlética e a fisionomia cheia de franqueza. O seu trajar caprichoso
indicava desde logo que ele era um vaqueiro e enamorado.[...] as suas perneiras, o seu guarda peito,
o seu gibão e o seu chapéu com trancelim e bordas de fios de cor, eram de finas peles de bezerro,
lavradas com esmero por hábeis mãos de mestre. Um maço de cordas de couro adunco, dobrado em
vários círculos, passava-lhe sobre do pescoço por sob o braço esquerdo: era a sua faixa de honra [...]
(CASTELO BRANCO,2012, p.22).

Outro olhar narcísico observa-se na idealização da mulher, pela valorização de sua beleza corporal
observado no delineamento do perfil da personagem Teresinha que, segundo a própria narrativa, exerce muito
fascínio e poder de sedução. A idealização da imagem como reflexo de sua própria autoestima é manifesto por
meio da relação amorosa satisfatória chegando à divinização do amor, como narrado na obra:
O primeiro beijo de amor eletriza a alma, queima-a, sufoca-a em um gozo sublime: um olhar ar-
dente, como aquele que Teresinha deitava a Ataliba, purifica, enobrece, cativa, seduz, é divino, é a
própria essência da vida, essência do amor, mas do que verdadeiro amor, que se corresponde pelo
espírito, cresce nas vigílias e nos sonhos, nutre-se de esperanças, esquecendo a sensualidade que ex-
cita a beleza e desprezando as seduções que as riquezas ostentam (CASTELO BRANCO, 2012, p. 39).

Num olhar crítico contextualizado, é possível inferirmos a posição narcísica do autor na passagem
abaixo pela manifestação patriarcal, postura hoje inaceitável, colocando a mulher como “coitadinha!”, dona de
casa por amor, totalmente submissa vivendo para cuidar dos filhos, concentrando toda a sua vida no exercício
da família, comportamento modificado pela da ascensão social da mulher na contemporaneidade. Vejamos:
74
Lá , como algumas plantas, ele vinga uma vez única naqueles largos peitos encourados dos rústicos
vaqueiros, e se gera nos corações da pobres donzelas, como a pérola a mais oculta no fundo dos ma-
res. Elas amam nas suas cabanas, coitadinhas! _ como as juritis nos seus mimosos ninhos, entre os
galhos do espinheiro; vivem arrulhando saudades ou trabalhando para os filhinhos, nunca alargan-
do o horizonte do seu voo para longe do seu tesouro! (CASTELO BRANCO, 2012, p. 39).

Para Lasch (1983), o individualismo como valor é característico das sociedades industriais modernas
cujos anseios por transformações são desacreditado impedindo auto identificação narcisista com a prosperi-
dade prevalecendo “a ética da autopreservação e da sobrevivência psíquica radicada na experiência subjetiva do
vazio e do isolamento”.
Na obra, o alheamento é marcado pela indiferença dos próprios personagens com os problemas sociais
que os envolvia resistindo até a morte na espera por algum “milagre”. Por outro lado, o único sobrevivente ficou
louco diante de tanto infortúnio. Como afirma o próprio Lasch (1983), a busca da felicidade reduzida a uma
preocupação narcisista com o eu é expressão do homem psicológico do século XX, que diante das adversidades
deixam de sonhar e deixam-se sobreviver aos infortúnios.
As manifestações narcisistas se confirmam na narrativa de Francisco Gil Castelo Branco e mantém
aspectos da contemporaneidade. O movimento criativo, em forma de (r)existência, se configura na relação
produção – público, pelo envolvimento do sentimento de auto identificação e auto projeção na obra. Sua ânsia
por mudanças políticas e sociais em relação à realidade retratada o faz sofrer ao ver refletida sua imagem e não
reconhecer-se nela. Dessa forma, a idealização atua como código que busca uma perfeita sintonia entre arte
literária e expressão política ideológica na construção social sendo, como registro documental, a um só tempo
uma experiência sócio-política e estética.

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lisa. Comunicação, identidade e subjetividade. Teresina: Nova Aliança, 2017.
SILVA, Raimunda Celestina Mendes da. A representação da seca na narrativa piauiense: séculos XIX e XX.
Rio de Janeiro: Caetés, 2005.

75
Dona Rosita, O Simbólico Do Trágico De Lorca
Para A Cena Intermedial1
Andressa Cristina Aguiar Alves Tavares2
Fernanda Areias de Oliveira3

Resumo:
Com o interesse em experimentar a intermedialidade tecnológica na cena teatral, a pesquisa aborda as pos-
sibilidades midiáticas dentro do jogo cênico intermedial, atores e tecnologias. A pesquisa consiste em estudos
teóricos sobre o trágico e dramaturgia com aplicabilidade do Teatro Digital através da projeção do desenho ao
vivo, potencializa, dar formas imagéticas a essa apresentação simbólica do trágico de Frederico Garcia Lorca,
autor da obra utilizada para tal pesquisa, Dona Rosita, a Solteira.

Palavras-chaves: Trágico, Teatro Contemporâneo, Cena Intermedial, Teatro Digital.

A pesquisa da cena intermedial inserida dentro da narrativa do trágico de Frederico Garcia Lorca
para a representação do simbólico lorquiano através da projeção do desenho ao vivo na cena. É uma forma de
esboçar e reforçar a rubrica da dramaturgia, expondo e dando potência a esse trágico que é repensado numa
proposta de cena contemporânea.
Não há como representar os símbolos lorquianos sem mergulhar no trágico de Lorca, herdeiro da
transposição do trágico grego, onde Lorca busca nas fontes clássicas e as apropria para sua então realidade
hispânica em que viveu. A herança trágica comparece como questionamento, embora teatral, de raiz filosófica,
apontando para reflexões em torno da natureza(possivelmente trágica) dos heróis e, com maior precisão, das
heroínas lorquianas. Isso é algo que difere ele à tragédia clássica que estava muito mais voltada à ordem social
mesmo que personagens femininas fossem elementos do drama mais visíveis dentro da narrativa. Lorca coloca
as personagens femininas, suas heroínas lorquianas num degrau em que os demais personagens masculinos se
tornam a mercê, simples joguetes das personagens.
Esse projeto propõe pinçar os símbolos mais relevantes e que potencializem o trágico encontrado
nessa dramaturgia, através do traço (o desenho) que será esboçado ao vivo e projetado durante a cena. Uma
criação para encenar, externar, o íntimo da personagem que passa ano fiel a sua paixão pelo primo e noivo, que
promete casar-se com ela. A trama tem seu ponto mais relevante à espera da personagem que vai perdendo sua
juventude por algo que nunca virá se concretizar.
Encontra-se, por exemplo, signos muito fortes e relevantes na obra que até mesmo em relação com o
seu título: a flor e o jardim. Símbolos que se busca trabalhar fortemente como se mantem presente dentro do
contexto do drama. Rosita, personagem título, a flor que está relacionada à beleza, à juventude, à vida e até mes-
mo ao romantismo mais tradicional; o jardim ligado com o ambiente que a personagem convive, os ideais que
acredita e cultiva-os ao decorrer da trama, ganharão destaque de como suas presenças podem ser uma leitura
para o espectador que talvez só tivesse esse entendimento com a leitura da dramaturgia.
[...] com Rosita já beirando os cinquenta anos, a paisagem cênica é de intensa frustração e pungente
melancolia, frente à revelação de que o Primo se casou com outra. A casa que outrora o já falecido
Tio perfumara com as flores cultivadas graças à sua prática como botânico (daí o título simbólico El
lenguaje de las flores) é, finalmente, abandonada. A despedida ratifica a assimilação de que se esgotou
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes, do IV Simpósio Nacional de
Mídias.
2 Graduanda do Curso de Licenciatura em Teatro UFMA. Bolsista Pibic do Laboratório de Tecnologias Dramáticas (LabTecDra-
ma). E-mail: andressa-aguiar92@hotmail.com
3 Professora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal do Maranhão. Coordena o grupo de pesquisa Laboratório
de Tecnologias Dramáticas (LabTecDrama), que desenvolve pesquisas acerca da formação de professores de teatro e metodologias
para cena intermedial. Doutora em informá-tica na educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: nandaa-
reias1@gmail.com
76
a esperança: o antigo orquidário não passa de um jardim abandonado, exposto ao vento e às flores
ressequidas. (CASTRO FILHO, 2009).

A metaforização presente dentro da estética do Lorca também reforça esse propósito que a pesquisa
propõe, coletando suas principais simbologias do texto traz para a cena um jogo com os atores, expondo essa
rubrica que diz muito sobre o universo íntimo da personagem que é a principal fonte de extração dessa simbo-
logia.
Após a identificação da simbologia lorquiana presentes na dramaturgia, coloca-se em experimentação
da tecnologia. O uso de dispositivos e programas ou aplicativos servem como principais ferramentas para exe-
cutar o desenho ao vivo que é projetado ou no espaço cênico ou no próprio corpo de um ator. Segundo Marta
Isaacson (2013), a intermedialidade de tecnologias no teatro se dá com características como o ator torna-se o
dispositivo ou; o ator joga com o dispositivo e o ator joga com o dispositivo. Com esse embasamento, os recur-
sos midiáticos como projeções de vídeos e imagens (o desenho ao vivo e vídeos projeções) são inseridos no
jogo dos atores com esses recursos que participam desse jogo permitindo que elenco possa potencializar na
cena as características simbólicas do trágico hispânico. Para o Casiraghi (2017), vincular a tecnologia à cena
exige uma investigação de como os dispositivos interferem na percepção do público. A relação entre as diferen-
tes mídias que compõem a cena (corpo, música, palavra, luz, vídeo etc.) e como suas tensões operam durante a
cena jogar com os dispositivos.
Enquadra-se em uma característica conhecida como multimodal termo usado na área da comunicação
em que existem diversas modalidades comunicativas como: falas, texto, gestos, processamentos de imagens etc.
A forma que se orienta esse estudo é a modalidade pesquisa criação, que implica o estudo a partir da prática,
onde a investigação é a prática artística, apresentada como resposta, comparação e evidência. Considerando-se
a prática artística como mecanismo de indagação.
A prática como pesquisa envolve um projeto de pesquisa em que a prática artística é uma meto-
dologia chave de investigação e onde, no que diz as artes, criação artística (escrita criativa, dança,
partitura musical, performance, teatro/performance, exposições de artes visuais, cinema e outras
criações culturais) é apresentado como evidência substancial em resposta à questão de pesquisa.
(NELSON, 2013)

Como Nelson (2013) explica, a prática somente como pesquisa surge quando um processo criativo sig-
nificador provoca um conhecimento prático, o processo apresenta-se como parte da evidência. A pesquisa em
que se busca narrar a rubrica do trágico Dona Rosita, A Solteira através do desenho midiatizado, enquadra-se
justamente nesse método que busca obter os resultados esperados levando à experimentação dentro teatro
intermedial. Nesse processo de criação mescla-se técnicas e tecnologia (teatro intermedial a partir do desenho
ao vivo e atuação, encenação) numa ordem investigativa que podem ressignificar os moldes estruturais de uma
proposta cênica.
Outro meio que contribui para esse diagnóstico dentro desse recorte é o uso de diário de bordo, ferra-
menta que coleta dados do campo de pesquisa muito indicado nas ciências sociais, mas principalmente para
o ramo da pesquisa criação. Segundo Coguiec (2003) este item se torna essencial dentro da pesquisa criação e
traz um modo particular de desenvolver a pesquisa a partir da visão do pesquisador deixando de uma maneira
mais solta e livre da linguagem acadêmica, tecnicista, para uma linguagem mais pessoal que é na verdade é
uma mescla , que para Coguiec se torna teorizar a prática, propondo assim uma reflexão de um ponto de vista
estético e técnico da pesquisa a partir da perspectiva do pesquisador.
A pesquisa ainda está em desenvolvimento. Durante os encontros de laboratório de cena no LABTEC
Drama puderam ser testados várias ferramentas tecnológicas como o uso do retroprojetor, câmeras que fil-
mam o desenho ao vivo projetados para dentro da cena e não somente discussão como testes com equipamen-
tos mais viáveis que se encaixem proporcionando uma concepção cênica que atenda os critérios da pesquisa.
Basicamente a pesquisa encontra-se em laboratório de ensaios para que a técnica do desenho ao vivo
possa ser aprimorado. Atualmente foram testados o desenho utilizando celular e tablet a partir de programas
de desenho digital (Seketchbook Autodesk), onde os dispositivos são conectados ao projetor com auxílios de

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aplicativos como Google Home e CastPad que possibilitam a projeção da tela desenhada digitalmente para
qualquer plano de projeção. Nessa opção do desenho digital encontrou-se bastante dificuldade pelo pouco tem-
po de treinamento desta técnica com o jogo do elenco. Posicionar o desenho no corpo dos atores ou no espaço
cênico, demarcação e acompanhamento do tempo durante a cena sincronizados com o tempo do desenho têm
sido os desafios e obstáculos que ainda precisam ser solucionados.
Com o concilio de estudos, prática, entendimento e apoio tem tornado uma jornada progressivamente
estimulante, que tem juntado duas linhas de interesse apreciadas: o trágico de Lorca e o Teatro intermedial,
num eixo teatral ainda pouco explorado em nossa localidade.

Referências

CASIRAGHI, Mauricio Pezzi. Insônia: A Tecnologia Audiovisual como Catalisador para a Imersão no Teatro.
Porto Alegre, RS. 2017
ISAACSSON, M. Intermedialidade na Criação Cênica: Ator e a Tecnologia. Programa de Pós Graduação em
Artes Cênicas. UFRGS; CNPq; produtividade de pesquisa 1C. Porto Alegre, RS. 2013
LE COGUIEC, Éric. Ficção, Diário de Campo e Pesquisa-Criação. Montreal: Universidade de Québec em
Montreal. Revista Cena. n 20. 2016
NELSON, Robin. La práctica como investigación. Principios, protocolos, pedagogías y resistencias. 2013.

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REFLEXÕES SOBRE AÇÕES EDUCATIVAS EM ARTE:
análise sobre caderno educativo em exposições1
Dinalva Garcez dos Anjos2

Resumo:
A pesquisa analisou o uso do caderno educativo como recurso em ações de mediação em instituições cultu-
rais, materiais de exposições de âmbito nacional e de São Luís. Assim, procurou-se investigar a atuação dos
mediadores e a utilização do educativo, assim como a recepção do recurso por professores. Como um leque
de possibilidades, o caderno facilita tanto o trabalho de mediação como o processo de aprendizagem em arte,
através de textos reflexivos e atividades durante a visitação, e auxiliam os professores no desdobramento desse
momento em sala de aula.

Palavras-chave: Arte/educação; Educação do olhar; Caderno educativo.

Para a educação do olhar ou educação visual como defendem alguns teóricos, faz se necessário o exer-
cício constante do olhar frente às visualidades, seja no cotidiano, na sala de aula ou em instituições culturais.
Sendo assim, com o intuito de promover ações mais efetivas que possam preparar o indivíduo para a recepção
dessas visualidades cotidianas e artísticas, principalmente em instituições culturais, esses espaços começa-
ram a promover ações educativas, para que o observador possa refletir criticamente sobre elas. Deste modo, a
presente pesquisa buscou investigar a importância do caderno educativo na prática da mediação da exposição
para a ampliação do olhar. Para tanto a pesquisa foi referenciada por autores como Barbosa (2008, 2009 e 2010),
Coutinho (2009), Orloski (2008), dentre outros.
Ana Mae Barbosa é uma grande expoente no Brasil ao se falar sobre ações educativas em arte, ressalta
sobre o espaço que a arte tem na aprendizagem nas instituições culturais, “Reconhecemos que a arte representa
a apoteose cultural de uma sociedade, mas reservamos um espaço bem pequeno para sua aprendizagem nas
instituições culturais.” (2009, p.33) Fato que, possivelmente intensificou as ações educativas nesses espaços, de
forma a tornar o conhecimento em arte mais efetivo.
Atualmente já se observa em algumas instituições a preocupação com a recepção e percepção do objeto
artístico pelo espectador, por mais que seja uma realidade que caminha lentamente, “é preciso possibilitar o
acesso aos bens culturais e provocar, primeiramente, uma aproximação e uma relação mais íntima com este
espaço, envolvendo atividades de mediação dos objetos” (BEMVENUTI, 2007, p.619 apud MEURA, 2012, p.
01).
As ações educativas nas instituições culturais, tem como referência inicial a Abordagem Triangular,
pois esta propõe a articulação entre o currículo escolar às “dimensões da leitura das produções do campo da
arte, sua produção e contextualização. É uma proposta flexível que não envolve uma hierarquia entre as três di-
mensões, deixando a cargo do educador a construção de seu método de ensino.” (COUTINHO, 2009 p.173), o
educador ao compreender o que significa de fato a Abordagem Triangular, poderá sistematizar o conhecimento
e objetivo da ação educativa desejada.
É com base nos três eixos da Proposta Triangular que são produzidas as ações que delineiam o caderno
educativo, objeto de estudo em questão, e que servem de base ao trabalho de mediação, no entanto não basta
apenas ter em mãos o caderno educativo faz se necessário conhecer seu embasamento teórico, pesquisar sobre
as ações sugeridas, para que o professor/mediador possa interferir com propriedade e fazer uma abordagem
instigante do momento de visitação, e sensibilizar o visitante para que esse saia com vontade de conhecer mais
sobre o que lhe foi apresentado, motivando-o a visitar outros espaços expositivos, ampliando a capacidade de
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia
2 Graduada em Educação Artística pela UFMA: Professora de Arte no Município de Codó - MA, Especialista em Atendimento
Educacional Especializado, dinalvadosanjos@hotmail.com
79
observação não só para a arte, mas para tudo que envolve o cotidiano.
Apesar de não ser uma realidade de todas as instituições artístico-culturais, no entanto, algumas dis-
põem de materiais gráficos informativos e educativos de grande importância, sendo de vários tipos, “tanto do
ponto de vista conceitual e pedagógico, como também do visual”, como afirma Lamas e Marmo (2012,p.805).
Meio a esses materiais encontram-se folder, catálogo explicativo sobre as obras e sobre o artista, caderno edu-
cativo que na maioria das vezes é destinado ao professor e ao mediador contendo propostas para explorar a
exposição durante e após a visitação, e em alguns casos cadernos educativos com atividades lúdicas para o
próprio aluno.
Esses materiais têm como objetivo instrumentalizar os mediadores, até mesmo o professor, na ação
educativa referente à exposição, e mais ainda, convida o visitante à experiência estética e a pesquisa, fazendo
com que este desenvolva seu olhar crítico-reflexivo e que após a visitação o espectador continue a exercitar o
olhar tanto na escola como fora dela, além de incentivá-lo não apenas voltar ao espaço visitado, mas que o ins-
tigue a conhecer outros espaços. No artigo que trata dos “Materiais artísticos e educativos desenvolvidos por
instituições culturais e museológicas” pesquisa realizada por Lamas e Marmo, onde as pesquisadoras eviden-
ciaram três formatos de materiais educativos:
materiais dependentes de exposições de arte, ou seja, aqueles que não podem ser trabalhados inde-
pendentes dessas ou mesmo fora do espaço do museu, pois as atividades são direcionadas para as
obras que compõe a mostra em atividades que exigem a fruição diante do original; materiais mistos,
que são concebidos a partir do estudo de uma determinada mostra ou acervo, mas que podem ser
trabalhados dentro da exposição ou também fora dela; e materiais independentes desenvolvidos de
forma dissociada de exposições e que, muitas vezes, são contemplados por obras de diferentes acer-
vos, tanto institucionais, como também particulares. (LAMAS; MARMO, 2012, p.807).

Embora as autoras tenham analisado apenas alguns materiais, essa classificação se aplica a muitos edu-
cativos. Podendo ser adotada pelas instituições culturais que se dedicam à confecção de materiais para esses
espaços, visto que, ao analisar outros materiais educativos de outras exposições, pode-se identificar e relacionar
cada tipo de material de acordo com esta classificação e suas principais características. Elas buscaram “com-
preender as suas propostas educativas, os pressupostos teóricos e metodológicos, a qualidade visual e a sua
funcionalidade, com vistas a construir novos materiais (...)”. (2012, p.806).
Meio às proposições do caderno educativo, o mesmo conta com perguntas e propostas que servem para
mediar o olhar do espectador meio á exposição, conduzindo-o à reflexão. Além de servir como subsídio para
os mediadores e professores, pois trata-se de um material de caráter pedagógico. Esse contato com o caderno
educativo, dependendo do seu formato, pode iniciar antes mesmo da visitação, pois o professor de posse desse
material pode se preparar para levar os alunos, de forma que não interfira e não prejudique o aluno na aprecia-
ção, podendo ser também utilizado durante a exposição e posteriormente.
Tendo como base a pesquisa realizada pelas autoras citadas acima, busca-se analisar alguns cadernos
educativos utilizadas em algumas instituições culturais, levando em consideração principalmente sua metodo-
logia, formato e propostas educativas, a fim de identificar sua importância para o processo de ensino/aprendi-
zagem no espaço de educação não formal.
Foram analisados de forma sucinta seis cadernos educativos ou pedagógicos (Portinari: Trabalho e
Jogo, “O Compadre de Ogun” de Carybé e Jorge Amado, “Canteiro de Obras” de Claudio Tozzi, 9ª Bienal do
Mercosul / Porto Alegre, Projeto Sabença “Museu Escola:Nossa cultura para a juventude”, “Beatriz Milhazes:
um itinerário gráfico”), sendo que, quatro desses educativos foram produzidos pelo projeto ArteSesc3, um
produzido pelo projeto Sabença, ambos utilizados em exposições que aconteceram São Luís e um material
educativo da Bienal de Porto Alegre, e de acordo com suas configurações, foi possível perceber que todos são
“materiais mistos”4, por mais que sejam projetados para um determinado acervo ou exposição, podem ser uti-
lizados fora do espaço expositivo e em qualquer momento.
3 O ArteSesc é um projeto de circulação nacional, criado em 1981 pelo Serviço Social do Comércio, promove além exposições,
oficinas, palestras, debates sobre arte.
4 Os materiais educativos mistos, oferecem a possibilidade ainda maior em relação ao diálogo entre educação formal e não formal.

80
Os materiais educativos, quando direcionado ao aluno/visitante funciona por si só como mediador,
uma vez que ele delineia caminhos a serem seguidos, explorando, dialogando, questionando, instigando a per-
cepção e a reflexão, no entanto, não anula o papel do educador, pois este pode dar novos rumos às proposições
adaptando de acordo com contexto do educando, e faixa etária do mesmo. Nos cadernos educativos foi obser-
vada uma forte presença dos três eixos da Abordagem Triangular, uns aprofundam mais e outros menos.
Apesar de alguns educativos serem de certa forma “completos” e outros mais limitados, percebe-se algo
em comum entre ambos, a preocupação com a metodologia no que diz respeito a alfabetização visual e em
tornar a vivência em arte uma constante na vida dos educandos. Nessa perspectiva, conclui-se que é necessário
que se invistam na produção de materiais gráficos educativos, pois os mesmos favorecem o contato do público
com as instituições culturais, permitindo o diálogo entre o espaço e tudo o envolve. Em muito contribuem para
que se explore o conhecimento presente nos espaços expositivos.
O caderno educativo não é uma receita ou uma fórmula mágica para o trabalho de mediação, é um
recurso pedagógico, propositivo para a educação do olhar, e fonte de pesquisa que permite ao mediador lançar
novas ideias e novos olhares ao material, podendo adaptar ao seu contexto sociocultural. Que pode favorecer e
ampliar o conhecimento não só em arte, permitindo diálogos que ultrapasse os limites do espaço expositivo.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. As Mutações do conceito e da prática. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e
mudanças no ensino da arte. - 4ª.ed. - São Paulo: Contez, 2008.
____. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. - 7ª.ed. rev. - São Paulo: Perspectiva, 2009.
COUTINHO, Rejane Galvão. Estratégias de mediação e a abordagem triangular. p.171-185. In: BARBOSA,
Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora
UNESP, 2009.
LAMAS, Nadja de Carvalho; MARMO, Alena Rizi. Material educativo em arte: investigação conceitual e me-
todológica. Disponível em: http://www.anpap.org.br/anais/2012/pdf/simposio5/nadja_lamas_e_alena_mar-
mo.pdf (Acesso em 20 abr. 2013)
MEURA , Ana Paula. Ações Educativas: uma ferramenta para a educação em arte. Disponível em:
<http://www.mbp.uem.br/cim/pages/arquivos/anais/TS1/ST1-17.pdf> Acesso em 17 mar. 2013
WEBER, Dorcas. Ação Educativa em Museus de Arte: uma proposta para o MUnA. Disponível em:
http://www.nupea.fafcs.ufu.br/atividades/5ERAEA/5ERAEA%20%2812%29.pdf (Acesso em 17 mar. 2013)

81
CORPO, PAISAGEM E PRÁTICA ARTÍSTICA1
Isaias Paulo Nunes de Almeida2

Resumo:
Tendo o corpo enquanto objeto potente na produção estético artístico na arte contemporânea, o intuito da
pesquisa é dialogar sobre práticas artísticas autorreferencial partindo da relação entre corpo e paisagem. Um
Corpo Gordo em estado de poieses na paisagem da região do Cariri cearense e pernambucano é contaminado
por reflexões comparativas do que podemos encontrar na natureza para a construção de imagem, assim bus-
ca-se sentidos nessas relações das formas corpóreas a aspectos existentes na paisagem natural. Tem-se como
diálogo referêncial a artista Laura Aguilar na série “Grounded” (2006).

Palavras-chave: Corpo, Paisagem, Arte contemporânea.

No conceito de paisagem geográfica que se identifica não somente pela estruturação física do espaço
(seja ela natural ou cultural) e suas transformações através do tempo, mas também do aspecto subjetivo que
nos atravessam outros sentidos, sensoriais e perceptivos de compreensão do mundo. Buscando constantemente
essas relações individuais no processo criativo, no qual representa aquilo que está associado às contribuições
do pensamento de como o objeto estudado CORPO se coloca no mundo e suas interferências no espaço ocupa-
do. O Corpo como pesquisa central, que absorve e é absorvido, é lugar de abrigo de tudo que lhe é apresentado;
na busca constante de entendê-lo como provocador de posições e imposições.
A pesquisa tem como intencionalidade discutir as relações entre Corpo e Paisagem como disseminação
das possibilidades de criação na arte contemporânea. O corpo como integração da natureza, como camada
de formação, seja em proporção de medida ou de sentido de mundo. Na produção de imagem em relação a
paisagem enquanto efêmera, Renata Moreira Marquez (2006) fala sobre a representação enquanto não real do
espaço, mas uma tentativa de entender a complexidade do mundo:
As categorias geográficas de lugar, paisagem e território constituem intermediações possíveis entre
a imagem e o espaço real. Mas o corpo insere-se nos lugares, esquadrinha os territórios, compara
paisagens, tece a realidade vivida. A análise geográfica é contaminada pelo estar-no-mundo. (MAR-
QUEZ, 2006, p. 11)

Como pertencente ao um corpo gordo, trazendo reflexões sobre a sua negação e como isso interfere
no “bem-estar social” no momento em que obriga-se a nos padronizarmos a um perfil preestabelecido numa
espécie de ditadura dos corpos; partindo da premissa de que fazemos parte do “todo”, do corpo enquanto
paisagem, começo a observar ao meu entorno no aspecto comparativo, do que poderia encontrar na natureza
numa tentativa de incorporação.

2. CORPO POÉTICO

Na Chapada do Araripe, entre idas e vindas a meio do cariri cearense e pernambucano, entro no pro-
cesso de investigação para desenvolvimento de material artístico. Me adentrei especificamente nas relações
em que poderia observar do meu corpo com a matéria no qual poderia encontrar na natureza, materiais que
em certo modo possa ter ligações que permeassem as minhas características corporais, flácida, gorda, grande,
maciça, dentre outras. A árvore “Barriguda” aparece como ponto de partida em relação a sua forma avantajada,
normalmente no meio do tronco, no qual constitui uma reserva de água para períodos de sobrevivência na seca
da caatinga.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia
2 Aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA, bolsista do
Programa Residência Pedagógica/Artes Visuais, membro do grupo de pesquisa PAIRAR, isaias.almd@gmail.com
82
Para desenvolver o trabalho realizei um percurso voltando a um lugar que fez parte de minha infância,
um sítio chamado Domiciano em Pernambuco; a vivência parte dessas minhas relações com o espaço/árvo-
res, fazendo ações performáticas do corpo gordo em várias situações; uma espécie de incorporação, adoração
e de compararam a essas bioformas volumosas e abundantes. A noção do experimento é trazer a questão da
imagem e semelhança do corpo gordo com a natureza, como se o “homem” voltasse ao seu estado natural e
despisse de tudo o que lhe foi colocado como verdade; de todo preconceito que esse corpo carrega. Apresento
um dos resultados dessa investigação imagética, a fotografia “Corpo empático de proteção” (2017) (imagem1).

Imagem 1: Fotografia, “Corpo empático de proteção” 2017, Isaias Almeida.

No processo de pesquisa a artista mexicana-americana Laura Aguilar (1959-2018) surge enquanto


referencia artística, especificamente na série “Grounded” (2006), no qual posiciona-se com seu corpo gordo e
nu em paisagens com formações especifica de um tipo pedra, Laura quase camufla-se sobre essas pedras, com-
põem-se sobre elas em relação as linhas do seu corpo, criando uma ligação entre elas. “Novamente pensando
em sua busca por imagens fora de padrões que cerceiam a liberdade de nossos corpos, aqui vem à tona o corpo
obeso, curvilíneo e com áreas de claro-e-escuro da artista.” (FONSECA, 2018).
Outros trabalhos desenvolvidos me interessara as relações físicas entre corpo e natureza, o trabalho
“Camadas superficiais” (2018) (imagem2), traz uma investigação minuciosa das camadas das barreiras na cas-
cata no geopark do araripe na cidade do Crato-ce, dentre camadas das pedras argilosas, firmes porém dissol-
ventes, modeláveis. Resultou também uma série de fotoperformance “Camadas camufladas” (2018) no qual
insiro o meu corpo nessa formação, como se fosse parte dela, o copo enquanto constituinte de várias camadas,
dentro de várias outras camadas.

Imagem 2: Fotografia, “Camadas superficiais” 2018, Isaias Almeida.

83
Provocado pela reflexão acerca das possíveis relações dos elementos da natureza, esses que estão pre-
sente em todo o espaço de maneira subjetiva do que consideramos como sensíveis a respeito de como as coisas
nascem por meio de suas junções, e de como esses elementos se reduzem ou compacta-se aos estados físicos da
matéria por meio da força de coesão e repulsão que da forma e volume.
Outro interesse adquirido foi sobre o movimento desse corpo, como essa matéria se comporta em
contato com outras matérias em movimento (nesse caso, um carro em deslocamento), de como a paisagem
pode ser considerada enquanto percurso, da construção de territórios, num mapeamento de idas e vindas pelo
mesmo caminho constantemente. Dentre essas reflexões surge a fotografia intitulada “Dispersão em zona de
fusão” (2018) um vídeo “Fluxo interligado” (2018) e uma série de desenhos “Sem título” (2018) que fazem parte
das mesmas proposições, esses exercícios perpassam em deslocamento pela floresta nacional da chapada do
Araripe.

CONCLUSÃO

Tendo o copo como centralização da discussão artística, o propósito foi dissolvê-lo em outras pers-
pectivas, apropriando dos conceitos da paisagem na relação entre arte e natureza explorando a ambiguidade
em que ela de propõe. A intenção foi criar e recriar outras proposições ao meu corpo, restabelecê-lo em outras
situações e reflexões.

Referências

CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. Martins, 2007.


MARQUEZ, Renata Moreira. Arte e geografia. Freire M., Costa B. e Braga M. Imagens marginais. Natal:
EdUFRN (2006): 11-22.
FONSECA, Rafael. Laura Aguilar. Disponível em: <http://gabinetedejeronimo.blogspot.com/2018/04/laura-
aguilar.html> Acesso em: 09 de fevereiro de 2019

84
GESAMTKUNSTWERK: Artes Integradas
e sociedade contemporânea fragmentada nas
aproximações entre as aulas de música do IFPI – CASJPI
e a montagem da Ópera Serra da Capivara (PI)1
João Batista Rodrigues Cruz Compagnon2
Alberto Pedrosa Dantas Filho3

Resumo:
A pesquisa aborda os aspectos de integração entre as linguagens artísticas que compõem o componente cur-
ricular Arte e suas aproximações com a produção artística híbrida local na contemporaneidade. Um estudo
sobre as aulas de música no Instituto Federal do Piauí – Campus São João do Piauí, em conexão com a Ópera
Serra da Capivara no município de São Raimundo Nonato – PI, partindo do conceito do Gesamtkunstwerk
como arte total adaptada para a educação musical, objetivando compreender essas aproximações e os meca-
nismos que a compõem. Realizada por procedimentos bibliográficos, descritivos, comparativos; de enfoque
quanti-quali, com pesquisa de campo, análise de relatórios e produções práticas.

Palavras-chave: artes integradas; arte total; ensino de Arte/música.

Ao observar, tanto na prática profissional docente com atuação em Arte/Música, quanto nas buscas
como pesquisador, a lacuna existente no entendimento entre ensino de música e educação musical nos conteú-
dos de música, bem como da separação cada vez mais acentuada das linguagens que compõem o componente
curricular; notou-se a viabilidade de elaborar um projeto de pesquisa com ênfase numa aplicação mais abran-
gente: a música como fio condutor numa pretensa construção artística/escolar total. Colaborando, portanto,
para os avanços das pesquisas sobre música, ao mesmo tempo em que fomenta a aplicação em sala de aula.
A pesquisa, portanto, se baseia na Gesamtkunstwerk do compositor Richard Wagner (1813 – 1883), que
concebeu, em diversas óperas, o ideal de arte total, onde a música conduzia um espetáculo que carregava em
si elementos que também eram do teatro, da dança e das artes visuais. Pois, para Wagner a música sempre foi
parte integrante das outras artes, sendo separada paulatinamente no decorrer da História, sem ao menos nos
darmos conta.
A presente pesquisa lança a proposta de ensinar música na educação básica como fio condutor que liga
as outras linguagens do componente curricular Arte (artes visuais, dança e teatro), para a produção de espetá-
culos musicais. Direcionamento este que vem alicerçado na própria realidade dos alunos do IFPI Campus São
João do Piauí, em sua proximidade com o munícipio de São Raimundo Nonato (PI), onde acontece, desde 2017
a montagem do espetáculo híbrido Ópera Serra da Capivara. Ao aproximar as duas práticas buscamos, além de
motivar o interesse dos alunos pelas aulas, a sua inclusão de forma plena nas aulas, pois eles terão a oportunida-
de de vivenciar a música per si e pelos ritmos da dança, as marcações do teatro ou mesmo a representatividade
da carga dramática da visualidade que compõe o espetáculo, ajudando numa execução fidedigna.
É um projeto relevante pelo caráter integrador e inclusivo, pois possibilita alunos, que outrora não mos-
traria.m interesse em participar das atividades práticas da música, a sentirem-se incluídos, pois os mesmos são
estimulados pela linguagem que mais se identificam, mesmo o foco sendo a música, pois muito existe de sono-
ro nas outras artes. O projeto propicia, portanto, o desenvolvimento de recursos pedagógicos musicais vastos,
que não excluí o fato de que a música está presente nas atividades de dança, teatro e visuais. Ainda oferece para
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo na arte, do IV Simpósio Nacional de Arte e
Mídia
2 Instituto Federal do Piauí – IFPI, mestrando do Prof.Artes – UFMA, joaocompagnon@ifpi.edu.br
3 Universidade Federal do Maranhão – UFMA, doutor, apdf62@gmail.com

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os profissionais de Arte Educação a possibilidade de unirem-se em um trabalho que envolva as quatro lingua-
gens, inclusive oportunizando, também, aos discentes um contato inicial com alguma linguagem que ainda
não está sendo ofertada pelo estabelecimento de ensino. Destacando, então, entre vários outros aspectos, a im-
portância de que cada linguagem seja ministrada por um professor devidamente habilitado, deixando a cargo
de cada profissional conduzir seu conteúdo específico, mas também preocupado com que o aluno não tenha
perdas de conteúdo provocada pela ausência de algum dos quatros professores das linguagens que compõem o
componente Arte, e, consequentemente, que não seja a ele (aluno) negado um contato, mesmo que superficial
com o teatro, dança ou visuais.
O objetivo da pesquisa trata-se, portanto, As aproximações entre as aulas de música e as produções
híbridas locais. Tendo como objetivo geral Compreender as aproximações entre o fazer artístico propriamente
dito com as atividades desenvolvidas na educação musical, afim de promover alternativas para o ensino da mú-
sica na educação básica, motivando os alunos, principalmente aqueles que não se identificam imediatamente
com o conteúdo, a aprenderem de uma forma mais ampla ao possibilitar uma conexão da música com as outras
linguagens do Componente Curricular Arte (artes visuais, teatro e dança).
Ao partimos da adequação do que seria os conceitos da Arte Total de Richard Wagner para a educa-
ção, num experimento de aproximações entre a prática da interação entre as quatro linguagem que formam o
componente curricular Arte no Instituto Federal do Piauí – Campus São João do Piauí, e a produção de arte
híbrida Ópera Serra da Capivara, realizada sempre no município de São Raimundo Nonato (PI), percorremos
um longo caminho no sentido de aprofundarmos e termos toda a fundamentação teórica necessária para nos
conduzir no transcorrer desta pesquisa.
Para todo o trabalho, até o presente momento, alguns autores se fizeram notados, seja para esclarecer
alguns aspectos ainda obscuros pelos ditames teóricos, ou pela complexidade da transposição de conceitos e/
ou análises das aproximações. Elencamos, portanto, três autores que dão o suporte fundamental para o corpo
do projeto, nesse primeiro momento. São os autores que nos elucidam, percorremos conosco o longo trajeto até
o dia da defesa:
Miguel Serpa Pereira, Professor Doutor em Artes-Cinema pela escola de Comunicações e Arte da USP,
nos possibilita enxergar através de um viés de adequações que culminam no que pretendemos enquanto pes-
quisadores. Ele trata do Cinema e sua aproximação com a Ópera Wagneriana, passeando pelas questões esté-
ticas de uma arte do futuro em sua multiplicidade. Configura-se, então, arcabouço teórico para recorrermos
nessa etapa da construção de nossa pesquisa.
Carlos Calado, autor e crítico musical, abriu possibilidades de conexões reais e imediata entre as artes,
principalmente no tangente a sua obra O Jazz como espetáculo que nos leva a perceber o quanto de cênico temos
numa apresentação musical. Suporte imprescindível para o entendimento das facetas menos óbvias da música,
além de uma confirmação, através de projeções, de que a música enquanto conteúdo, pode ser trabalhada de
forma amalgamada (ou quase) e ainda continuar sendo música.
Em Schopenhauer buscamos desvendar a música nos enigmas filosóficos que inevitavelmente surgem
em forma de perguntas no transcorrer de toda a pesquisa. E poucos autores trabalham tão bem a influência
do contexto musical sob o olhar da filosofia. O autor vai ainda mais fundo dentro daquilo que precisamos
enquanto resolução das provocações entre nosso objeto de estudo e árdua tarefa entre transpor aquilo que
pesquisamos daquilo que escrevemos. O autor nos elucida sobre as distinções entre a música e as demais artes
e sua devida importância na vida do ser humano. Em uma vida envolta em música, temos a oportunidade de
colher os frutos filosóficos que, sem Schopenhauer, dificilmente nos seria permitido.
Os procedimentos metodológicos que servem de base para a pesquisa são os bibliográficos, descritivos,
comparativos; com enfoque qualitativo e alguns aspectos quantitativos, através da pesquisa de campo, análise
dos relatórios de pesquisa e produções práticas. É uma pesquisa em andamento, que ainda está em processo de
execução prática e teórica, e, portanto, os resultados ainda estão em análise. Porém, até o presente momento,
mostra-se uma alternativa promissora a educação musical oportunizada aos alunos do ensino básico.

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Referências

BAUDELAIRE, Charles. Richard Wagner e Tannhäuser em Paris. São Paulo, EDUSP, 1990.
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
BRASIL, Planalto. Projeto de Lei nº 11.769, 18 de agosto de 2018. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na
educação básica.
CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. Editora Perspectiva, 1990.
CAZNÓK, Yara Borges; NETO, Alfredo Naffah. Ouvir Wagner: ecos nietzschianos. São Paulo: Musa, 2000.
CLÉMENT, Catherine. A Ópera ou a Derrota das Mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
COELHO, Lauro; A Ópera Alemã. São Paulo: Perspectiva, 2001.
GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1997.
MEC – EDUCAÇÃO – Ensino de música será obrigatório. 2008.
LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. 8º Edição. Campinas, São
Paulo. Papirus, 2012.
OLIVEIRA, Alda de Jesus. A educação Musical no Brasil. Revista ABEM – Associação Brasileira de Educa-
ção Musical. Nº 1 Ano 1, maio 1992.
PEREIRA, Miguel Serpa. Cinema e Ópera: um encontro estético com Wagner. Dissertação de Mestrado. Es-
cola de Comunicação e Artes – USP, 1995.
SCHNEIDER, Marcel. Wagner. São Paulo: Martins Fontes, 1991
SCHOPENHAUER. Schopenhauer. São Paulo: Nova Cultural, 2005.

87
DESENHO E VÍDEO:
entre o registro e a ficção1
José Carlos Suci Júnior2

Resumo:
O presente estudo propõe uma breve análise do meu processo de criação que parte da linguagem do desenho e
se direciona para a produção de vídeo, transitando entre as características do registro através da observação e
da qualidade ficcional que a invenção e imaginação possibilitam. Assim, a discussão acerca dos alargamentos
entre as duas linguagens contribui para refletir sobre processos contemporâneos e os limites borrados caracte-
rísticos da arte contemporânea.

Palavras-chave: processo criativo; desenho; vídeo; arte contemporânea.

A investigação dos procedimentos de criação no campo das artes visuais propõe a colaborar nas dis-
cussões acerca do pensamento e do fazer artístico a partir do próprio artista e de todos os elementos que os
cerca durante o percurso de seu trabalho. Nesse sentido, este trabalho apresenta a arquitetura poética que se
estrutura em meus processos criativos, cujos alicerces são a linguagem do desenho e do vídeo em seus entre-
cruzamentos, destacando portanto, a reflexão que considera a linguagem do vídeo a partir de um pensamento
em desenho, contribuindo na discussão de narrativas híbridas presentes nas visualidades contemporâneas.
Acerca da gênese de um projeto poético, Maria Cecilia Salles comenta sobre as ocorrências percebidas
pelo sujeito criador e que estimulam o movimento criativo e produtivo como oriundas das mais diversas fontes
presentes no mundo que cerca o indivíduo criador:
Essas imagens que agem sobre a sensibilidade do artista são provocadas por algum elemento primor-
dial. Uma inscrição no muro, imagens de infância, um grito, conceitos científicos, sonhos, um ritmo,
experiências da vida cotidiana: qualquer coisa pode agir como essa gota de luz. O fato que provoca o
artista é da maior multiplicidade de naturezas que se possa imaginar. O artista é um receptáculo de
emoções (SALLES, 2013, p.61).

Neste processo de coletas, elegi como eixo central da minha produção artística os pequenos gestos
corporais realizados pelos indivíduos em duas situações: observados na realidade do cotidiano em seus diver-
sos contextos, e na Disponível em: < https://vimeo.com/49240673> Acesso jan. 2019. ficção construída pela
linguagem cinematográfica. Gestos que apresentam, sobretudo através das mãos e do rosto, dentre outras con-
figurações, signos comunicativos, supersticiosos, afetivos, etc3 e também aqueles que se mostram na interação
com objetos corriqueiros, cujas funções iniciais são extrapoladas para uma semântica aberta e relativa, con-
forme há na contemporaneidade4. Essas pequenas ações são, assim, reproduzidas corporalmente por mim em

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UNICAMP. Mestre em Artes Visuais pelo
Instituto de Artes da UNICAMP. juniorsuci@gmail.com
3 Disponível em: <http://www.juniorsuci.com/wa_24_p/pa_1sr1cw5cyq83y5v/big_1__20Sem_20T_C3_ADtulo_20_28posso_29.
jpg?22w7zkkvmuox2a; http://www.juniorsuci.com/wa_24_p/pa_1sr1cw5cyq83y5v/big_2__20Sem_20T_C3_ADtulo_20_28pos-
so_29.jpg?22w89skvmuox2a; http://www.juniorsuci.com/wa_24_p/pa_1sr1cw5cyq83y5v/big_3__20Sem_20T_C3_ADtu-
lo_20_28posso_29.jpg?22w8k0kvmuox2a; http://www.juniorsuci.com/wa_24_p/pa_1sr1cw5cyq83y5v/big_4__20Sem_20T_C3_
ADtulo_20_28posso_29.jpg?22w8u8kvmuox2a> Acesso em jan. 2019.
4 Disponível em: <http://www.juniorsuci.com/wa_22_p/pa_6vgzrk5cyq8y411/big_Objeto_20Secreto_20I_2C_20da_20s_C3_
A9rie_20Meus_20Grandes_20Segredinhos.jpg?248d1kkvmuox04; http://www.juniorsuci.com/wa_22_p/pa_6vgzrk5cyq8y411/
big_Objeto_20Secreto_20II_2C_20da_20s_C3_A9rie_20Meus_20Grandes_20Segredinhos.jpg?248dbskvmuox04; http://www.
juniorsuci.com/wa_22_p/pa_6vgzrk5cyq8y411/big_Objeto_20Secreto_20III_2C_20da_20s_C3_A9rie_20Meus_20Grandes_20Se-
gredinhos.jpg?248dm0kvmuox04 http://www.juniorsuci.com/wa_22_p/pa_6vgzrk5cyq8y411/big_Objeto_20Secreto_20IV_2C_
20da_20s_C3_A9rie_20Meus_20Grandes_20Segredinhos.jpg?248dw8kvmuox04> Acesso em jan. 2019.
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meu espaço de trabalho e traduzidas pelo desenho figurativo através da auto-observação das minhas próprias
mãos, rosto, pés e, eventualmente, outras partes do corpo como genitália, cotovelo e peito.
Os desenhos, em pequenos formatos, se apresentam sequencialmente, como frames. As linhas trêmulas
e canhestras que constroem a silhueta desses fragmentados do corpo em ações tão comezinhas, parecem “que
não se enraízam no espaço do papel de tal maneira que se balançássemos a folha, elas cairiam para fora. No
entanto estão confinadas num campo quadrado e pequeno” (DERDYK, 2009, n.p), qualidade que confere que
toda tensão da representação é vivida ou sentida no próprio gesto. Porém, como aponta o crítico Douglas de
Freitas,
Alguns desses desenhos são mais representações do que registro. É inviável realizar um desenho de
observação das próprias mãos durante algumas dessas ações, e isso coloca em dúvida a fidelidade
como registro, levantando suspeitas, sempre alimentadas pelo artista, sobre até que ponto a execução
dessa ação (...) foi bem sucedida (2012, n.p).

Tal mescla de registro e ficção é percebida, dentro da série, com as variações que as imagens apre-
sentam do corpo; se em um desenho uma mão aparece solitária, em outro do mesmo conjunto as duas mãos
são desenhadas. Dessa maneira, torna-se perceptível que o desenho de observação (registro) recebe camadas
imaginadas (ficção), fato que o posiciona entre dois aspectos da linguagem em desenho, conforme comenta a
historiadora e crítica de arte Fernanda Pitta:
Dessa linguagem, explora duas dimensões que de certa maneira sintetizam pólos opostos: a invenção
e o registro. O desenho pode ser o emblema da capacidade inventiva, projetiva, designativa do ser
humano, como também ser, mais modestamente, um modo de registro, dos mais imediatos e triviais.
Protagonista de um fazer ou ferramenta auxiliar. É dessa ambiguidade da linguagem que parte Suci.
Seus desenhos representam ações, performances, que podem ser reais ou imaginárias (2011, n.p).

Ora, esses desenhos configurados em séries, tais quais frames de um filme, estimularam a ampliação
dos gestos trazidos tanto pelos traços hesitantes à grafite ou caneta esferográfica quanto por aquilo que eles
apresentam como imagem, e iniciaram uma transferência para outro modo de registro: o vídeo. E do mesmo
modo, as cenas que trazem, em close-up, fragmentos do corpo em situações de gestos de pequena escala, carre-
gam também a coexistência da ação que foi verificada durante as coletas de referência e a invenção gestual que
insere a ficção nas sequências5. Esses vídeos,
apresentados ao modo do desenho, com tarjas e projetados sobre papeis emoldurados, também não
são registros fieis dessas ações. Mais uma vez nos enganamos, agora pela ilusão da imagem real do
artista. As cenas fortemente posadas, enquadramento e edição milimetricamente pensados e diri-
gidos, deixam claro que os vídeos não são registros. Assim como nos desenhos, pode ser a verdade,
uma mentira, uma verdade inventada, ou melhor, uma realidade aprimorada à vontade do artista
(FREITAS, 2012, n.p).

Assim, a partir da linguagem do desenho, a estrutura do pensamento elaborado ao longo do processo


criativo considerou o transbordamento da linguagem gráfica produzida em grafite sobre papel para a imagem
fílmica, sob a mesma abordagem temática firmada como alicerce nessa construção poética. Se os pequenos
gestos são o grande eixo norteador das discussões trazidas por estes trabalhos e o desenho em si também uma
manifestação gestual, já que, segundo Ana Leonor Madeira, “precisa de um corpo para ser realizado [...], pre-
cisa do tremor da mão, do olhar vago, da paixão ou raiva ou frustração” (2016), o projeto poético excede os
materiais e meios expressivos e concentra-se no gesto em si – portanto, no gesto de desenhar outros gestos e na
ação de filmar outras ações. O gesto do indivíduo contemporâneo, na sua relação consigo mesmo, com o outro
e com as coisas do mundo, se torna, então, o próprio material dessas produções e reconfigurados pelo lápis ou
pela câmera.
Tal método de construção se consolida numa prática produtiva que considera os conjuntos de trabalhos
reunidos – e não cada qual, séries de desenho ou vídeos, isoladamente; em outras palavras, este pensamento
5 Disponível em: < https://vimeo.com/49240673> Acesso jan. 2019.

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aqui exposto abrange soluções visuais na linguagem do desenho e do audiovisual, onde cada qual é contami-
nado entre si, criando uma unidade narrativa cujas características categóricas de linguagem ou classificações
que julguem realidades e ficções são borrados. Durante o percurso de criação e produção, o pensamento se
mobiliza entre as imagens gráficas do desenho e as imagens captadas pela lente da câmera – e, na recepção dos
trabalhos postos em conjunto, os desenhos funcionam como cenas de filmes e vice-versa:
É muito salutar como o artista paulista embaralha características típicas de cada meio, e faz des-
sa subversão um combustível que move novos e relevantes sentidos para as séries. O cinema, por
exemplo, é um motor importante da visualidade de Suci, mas ele se faz menos visível nos próprios
resultados audiovisuais que exibe – os vídeos, por exemplo – e dá o norte em variadas peças gráficas.
(GIOIA, 2015, n.p)

A necessidade pelo hibridismo que atravessa a prática em desenho sempre presente nesta trajetória é
um recurso que surge, portanto, do próprio objeto central tratado em todo o percurso de criação, apontado no
início desse texto: o gesto humano presente no cotidiano e nos corpos presentes na linguagem cinematográfica.
Quando definimos recurso, enfatizamos como aquele artista específico faz a concretização de sua
ação manipuladora da matéria-prima chegar o mais perto possível de seu projeto poético, ou seja, o
mais próximo possível daquilo que ele busca” (SALLES, 2013, p.111)

Assim, se aproximar da discussão acerca dos pequenos gestos corporais e seus papeis subjetivos, bem
como da relação íntima e particular entre o indivíduo e os objetos que o cercam através de imagens que se pro-
duzem a partir da realidade e da invenção, coexistindo no espaço de um mesmo trabalho, é viável na utilização
de linguagens que se inter-relacionam a ponto de convergirem em uma única categoria. Aliás, tentar pensar
um campo híbrido para a prática poética – como defende Rosalind Krauss (1984, p.87-93) ¬– sem classificações
tradicionais e consagradas pela história da arte ocidental, é estar livre de nomeações e categorizações. Partir
do desenho ao vídeo e tomá-los como unidade dentro do pensamento poético pode ser entendido, nas palavras
de Rodrigues (2003, p.117), que “desenhar extrapola toda e qualquer definição para se restringir ao conceito, e
o que sobra é uma ‘ideia de desenhar’ em que o instrumento é qualquer, e apenas o gesto permanece” e ainda
que “a câmera é o meu lápis, o meu lápis pode ser uma atitude conceitual e já nem gesto é, e, agora, toda a ação
pode tornar-se desenho” (2003, p.118). Ação esta que desenha e é desenhada, que filma e é filmada e, sobretudo,
que se apresenta como real, ficcional ou ambos.

Referências

DERDYK, Edith. Entre as medidas do enunciado e a potência do desejo, São Paulo, 2009. Folheto elaborado
para a exposição Fôlego do gesto.
FREITAS, Douglas de. Película. São Paulo, 2012. Folheto elaborado para a exposição Película.
GIOIA, Mario. Ineficiências. São Paulo, 2015. Folheto elaborado para a exposição A ruína.
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Revista Gávea, Rio de Janeiro, nº 1, 1984.
PITTA, Fernanda. Necessidade do objeto. São Paulo, 2011. Catálogo elaborado para a exposição Necessidade
do objeto.
RODRIGUES, Ana Leonor M. Madeira. O que é desenho. Lisboa: Quimera Editores, 2003.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2013.

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“...Todo menino sonha em ser um jogador de futebol..”:
uma experiência visual1
Leurimar Souza Monteiro2
Resumo:
O presente trabalho é um relato de experiência pedagógica de performances e-Arte/Educativa com alunos do
7ª ano da escola publica municipal professor Rubem Almeida, localizada no bairro do coroadinho. Inspirado
no livro “Futebol-Arte: do Oiapoque ao Chuí” de Caio Vilela, o experimento fotográfico resultou na exposição
“País do futebol” e vídeo registro “País do Futebol: O craque da seleção de hoje é o eterno menino peladeiro
da periferia de outrora”, realizada na própria escola, durante o projeto pedagógico sobre a Copa do Mundo,
respectivamente parte da pesquisa cientifica em vídeo na disciplina “Arte expandida” da pós graduação Arte/
Educação e Intermidiática Digital da UFG.

Palavras-chave: e-Arte educação; fotografia; linguagem digital

A frase emblemática “Todo menino sonha em ser um jogador de futebol”, ganha vida entre jovens
adolescentes do Brasil inteiro, em especial, nas ruas das periferias do conhecido ‘país do futebol’, essa paixão
ganha movimento, força, tempo, como parte do próprio cotidiano, contribuindo para a formação da identidade
local. Como as famosas “peladas de rua” que se estendem as quadras comunitárias do bairro, quanto na pró-
pria escola e outros inusitados lugares como registrou as lentes de Caio Vilela, reunidas e publicadas no livro
“Futebol-Arte: do Oiapoque ao Chuí”(2013).
Diante dessa fonte de conhecimento e inspiração, aproveitando projeto sobre a copa do Mundo traba-
lhado pela Rede Municipal de Ensino, exploramos experiências visuais através da fotografia na Escola professor
Rubem Almeida no bairro do coroadinho em São Luis – MA. Usando de meios digitais acessíveis como apare-
lhos de celulares, os alunos exploravam ângulos previamente estudados em sala de aula, tendo como exemplos
grandes registros de jogos mundiais e ao longo da história, como o famoso “Gol de placa” do Pelé em março de
1961 registrado pelo fotografo Alberto Ferreiro até o gol de bicicleta do jogador Cristiano Ronaldo, registrado
pelo fotografo Angel Martinez em abril de 2018. O trabalho de campo com uso de aparelhos celulares já de
pertencimento dos alunos, registrou seus próprios jogos, em um trabalho coletivo, as trocas das imagens entre
os alunos e a professora orientadora do projeto Leurimar Monteiro foi possibilitada através do aplicativo ‘Sha-
reit’, que após reveladas resultou em uma exposição de uso da técnica de ‘paspatour’ com recursos recicláveis,
permitindo uma experiência estética e em memória da sua própria realidade.
A experiência intermidiática digital no contexto escolar contempla o Sistema Triangular Digital, uma
leitura à abordagem triangular já estudada e aplicada por Ana Mae Barbosa nos estudos das Artes Visuais.
O Sistema Triangular Digital vem com a preocupação de uma abordagem de ensino e-arte/educativo, ou seja,
arte/educação digital. O e é de eletronic; arte/educação eletrônica digital. Então, por meio da vivência da arte e
seu ensino no universo digital, no universo intermidiático. Tem-se a preocupação pedagógica para o desenvol-
vimento da mente digital critica desses jovens. (CUNHA, 2017, p.3)
Os experimentos pedagógicos que construiu o referido trabalho, vivenciou as três ações e-ler, e-fazer,
e-contextualizar potencializando o processo de aprendizagem, a linguagem digital permitiu e permite a inter-
pretação critica dos conteúdos trabalhado como Artes Visuais: Fotografia.

Referências

CUNHA, Fernanda Pereira da. Depoimentos provocativos. 2017; disponível em https://docs.wixstatic.com/


ugd/0c494c_c465ee365c684d519a752aef9d658a14.pdf, acesso em 10 de fevereiro de 2019.
CUNHA, Fernanda Pereira da. Do e-laissez – faire à educação intermidiática crítica. 2018
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT 2 do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Pós graduada em Arte/Educação Intermidiática Digital pela Universidade Federal do Goiás.
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STENCIL ART: uma experiência de ensino-aprendizagem
com alunos da UEB Gomes de Sousa1
Maria Risolange Tavares de Oliveira2
Almir Valente Costa Filho3

Resumo:
O presente trabalho se propõe a pesquisar e transformar as imagens existentes nas paredes da Unidade Básica
Gomes de Sousa, localizado na zona rural de São Luís, região em que a população convive com a dicotomia so-
cial, de um lado as carências e mazelas sociais, econômicas e culturais que atinge aquele povo e, de outro lado,
as grandes empresas que transportam as riquezas do Maranhão através do Porto do Itaqui, porta de entrada
do comércio exterior. Como proposta de modificação para essas marcas deixadas nas paredes da escola pelos
alunos, como manifestação de protesto e alto afirmação, temos o objetivo de propor através da Stencil Art4, a
transformação desses espaços, utilizando a arte contemporânea como forma de inclusão social e educacional,
mostrando que através da “arte da sucata” podemos adequar recursos e materiais que os alunos utilizam no
seu dia-a-dia, ressignificando-os.

Palavras-chave: Stencil art; Arte contemporânea; Escola; Ensino-aprendizagem.

1. Arte contemporânea na UEB. Gomes de Sousa

Pensar arte no espaço escolar é oportunizar momentos de reflexão sobre o que é arte e a existência da
mesma na vida da comunidade estudantil; é possibilitar o olhar estético sobre si e o outro e a partir deste olhar,
saber ver arte na Unidade de Educação Básica Gomes de Sousa. Esse foi o nosso objetivo durante o desenvol-
vimento desta pesquisa, pois a escola está localizada na zona rural de São Luís-Ma, onde o entorno simples,
de construções precárias e vida humilde, se mistura ao progresso industrial, esse que se mostra transvestido
de responsabilidade social, mas que vem crescendo o índice de marginalização por falta de implantações de
políticas sociais; a anemia destas políticas continua oprimindo as minorias e essa questão reverbera no espaço
escolar, as transgressões surgem de imediato registradas nas paredes da escola.
Diante desse registro transgressor iniciamos nossa pesquisa sobre as imagens existentes neste espaço
escolar. Surgiram assim, alguns questionamentos. O que é arte e o que é sujeira visual? Propomos o exercício
do ver, refletir e levantar hipóteses sobre as imagens e textos existentes nas paredes da escola.
O importante não é ensinar estética, história e crítica da arte, mas desenvolver a capacidade de for-
mular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos acerca de imagens e de arte. Para isso
usa-se conhecimento de história, de estética e de crítica de arte. (BARBOSA, 2012, p.69).

Diante da possibilidade de desenvolver capacidades artísticas e estéticas, nos colocamos a pensar num
projeto de intervenção artística para que os alunos, além de se questionarem, refletissem e experienciassem o
fazer arte, entendendo que a imagem e texto escrito nas paredes de salas e corredores da escola deixam uma
mensagem, mesmo que transgressora.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GTs 2 - Arte contemporânea e o contemporâneo das artes), do IV Simpósio Nacio-
nal de Arte e Mídia.
2 Mestranda do Programa de Mestrado Profissionalizante em Artes – Prof-Artes (UFMA – 2018). Especialista em Arte/Educação
pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Crato-Ce. Professora de Arte no Município de São Luís - Ma. Email: risolangeolivei-
ra@hotmail.com
3 Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC/SP – 2016). Professor (DE) de Artes Visuais do Ensino Básico Técnico e Tecnológico
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão IFMA. Email: almircosta@ifma.edu.br
4 Tornou-se um movimento artístico, urbano, feito na rua e para a rua, com desenhos cada vez mais elaborados, com cortes eletrô-
nicos, onde possibilita muito mais a criatividade do artista.

92
Utilizamos a técnica do stencil para aproximar os alunos do 9º ano da referida escola, do universo da
arte contemporânea utilizando-se de materiais reciclado para desenvolver os trabalhos no intuito de apresen-
tar possibilidade de fazer arte no espaço escolar de forma a respeitar o meio ambiente, propondo atitudes de
responsabilidade social e sustentabilidade com os alunos.
A partir de oficinas proporcionamos momentos práticos, utilizando materiais reciclados como a placa
de raio X, propondo a ressignificação do objeto, o respeito e conservação do meio ambiente, assim como o novo
olhar para as imagens que permeiam o espaço escolar. Entendendo a importância da interação teoria/prática
como propulsora para o ensino-aprendizagem.
Trabalhamos com o significado de Stencil art a partir do (Dicionário Oxford de arte, 2001), arte con-
temporânea (Couquelin, 2005), imagem (Barbosa, 2012), Experiência (Larrosa, 2011), Arte como experiência
(Dewey, 2010).
Apresentaremos trabalhos artísticos dos alunos e registros sobre o desenvolvimento da oficina de estêncil.

2 Trabalhando Stencil Art

A proposta teve início com um passeio guiado pela escola, na qual os alunos deveriam observar o que
havia de imagens nas paredes por onde passávamos, todos olhavam curiosos para registros que até então pas-
savam despercebidos ou, tão rotineiro que não chamava a atenção, quanto naquele momento, em que deveriam
ficar atentos a todo e qualquer detalhe existente.
No retorno à sala de aula, fomos discutir sobre tudo que haviam visto durante esse passeio, nesse mo-
mento surgiram comentários de que a escola estava suja, em uma referência de que as paredes estavam riscadas
não por imagens, mas por palavras e textos referentes a uma facção criminosa que atua na localidade, nomes
de alunos e palavrões.

Foto 1 – Parede da UEB.Gomes de Sousa, ano 2018


Fonte: Acervo da autora Maria Risolange T. de Oliveira

A partir dessas observações, questionamos aos alunos como poderíamos modificar tudo que havia vis-
to e que não teve aprovação dos mesmos, na qual um dos alunos, propôs que pintassem a escola, nesse momen-
to apresentamos a Stencil art, como forma de modificação do espaço, tornando através da arte e da produção
artística de cada aluno, um lugar de experiências estéticas.
Toda experiência, seja ela de importância ínfima ou enorme, começa com uma impulsão, e não como
uma impulsão. Digo “impulsão” em vez de “impulso”. Um impulso é especializado e particular; mesmo quan-
do instintivo, é simplesmente parte do mecanismo envolvido em uma adaptação mais completa ao meio. “Im-
pulsão” designa um movimento de todo o organismo para fora e para adiante, e dela alguns impulsos especiais
são auxiliares. (DEWEY, 2010, p.143).
A impulsão em conhecer sobre a técnica mobilizou os alunos ao interesse em saber mais sobre a ela-
boração do stencil , falamos sobre o conceito da Stencil Art, apresentamos artistas que utilizaram a técnica
para produzir suas obras, tais como: Blek le Rat e Banksy, que após falar sobre os mesmo e apresentar algumas
de suas obras, pedimos para que cada aluno trouxesse na aula seguinte, uma placa de raio X e um estile, que
esse era o recurso necessário para a elaboração da atividade, ou seja, mesmo diante das carências financeiras
93
enfrentadas por aqueles alunos, todos tinham em casa esse material, que não teriam custo nenhum e ainda
estariam reciclando e ressignificando aquele objeto tão inútil depois de sua utilização primeira e ao mesmo
tempo tão perigoso de ser deixado no lixo comum.
Quando nada existe, deve entrar o professor como motivação ininterrupta da pesquisa, multiplicando
para o aluno oportunidades de praticar a busca de materiais, que ele mesmo procura e traz. Pode lançar mão de
todo material viável, mesmo que seja o aproveitamento do lixo, a coleta disponível no meio ambiente, o estoque
que vai fazendo aos poucos de coisas úteis para motivar os alunos a serem indagativos. Valem jornal, ou revista,
ou livros específicos, ou material retirado de alguma biblioteca pública, sobretudo vale o matéria feito por ele
mesmo, dentro da disciplina. Isso quer dizer que o professor criativo induz o aluno a criar também, ao montar
matérias que permita ao aluno manipular, experimentar, ver de perto, e principalmente refazer. (DEMO, 2015,
p. 27)
Na aula seguinte, todos desenharam o que gostariam de passar para o stencil, alguns fizeram flores,
outros animais, mas todos estavam envolvidos naquela atividade. Depois do desenho pronto, mostramos como
se faz para tornar a placa de raio x, transparente, onde deixamos as mesmas, repousando em água sanitária
pura durante alguns minutos, e logo a placa estava pronta para uso.
Depois de todo o material recortado, demos inicio a impressão do stencil na parede da escola, transfor-
mando o que antes era visto como um espaço de rebeldia, agora essa paisagem se modificava, dando lugar a um
espaço de expressão artística.

Foto 2 – Alunos pintando na parede o stencil, ano 2018


Fonte: Acervo da autora Maria Risolange T. de Oliveira

Foto 3 – Parede da UEB. Gomes de sousa depois da intervenção dos alunos, ano 2018
Fonte: Acervo da autora Maria Risolange T. de Oliveira

Talvez reivindicar a experiência seja também reivindicar um modo de estar no mundo, um modo de
habitar o mundo, um modo de habitar, também, esses espaços e esses tempos cada vez mais hostis
94
que chamamos de espaços e tempos educativos. Espaços que podemos habitar como experts. Como
especialistas, como profissionais, como críticos. Mas que, sem dúvida, habitamos também, como
sujeitos da experiência. Abertos, vulneráveis, sensíveis, temerosos, de carne e osso. (LARROSA, 2011,
p. 24)

A partir das experiências vividas pelos alunos no trabalho com a arte contemporânea, através da stencil
art, os mesmo tiveram a oportunidade de experienciar o poder que a Arte tem em transformar, mesmo que não
sejam utilizados recursos economicamente caros, mas, percebendo que através da reutilização dos materiais,
podemos ressignificar e deixar um lugar atrativo, que chama a atenção pela beleza, e pela produção artística
inserida em um contexto que antes era local onde não havia interesse em aproximar-se, agora se transformava
em um espaço propício para ser usada como pano de fundo de uma fotografia.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2012.
COUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, São Paulo: Autores associados, 2015.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
LARROSA, Jorge. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.19, n2,
p.04-27, jul./dez. 2011.

95
EXTRAORDINÁRIO: loucura, desrazão e fantasma1
Milena de Lima Travassos2

Resumo:
O texto analisa a videoarte “extraordinário”, 2017, resultado da residência artística “um lugar dentro dele”
aprovada no IV Concurso de Residências Artísticas – Fundaj (2016). A residência artística ocorreu no Hospi-
tal Ulysses Pernambucano (HUP), antigo manicômio inauguração em 1883 em Recife. As ideias de loucura,
desrazão e de fantasma nortearam a residência, a videoarte e esta análise. Intentamos, através da atividade
artística e do pensamento filosófico, lançar luz sobre um tema ainda pouco abordado em nossa sociedade, a
loucura, valendo-se de uma abordagem que não a romantiza, nem a teoriza de modo científico, mas a vê en-
quanto modo para se pensar o fora, a desrazão.

Palavras-chave: loucura; desrazão, fantasma; arte, videoarte;

Em 2017, ao aprovarmos o projeto “um lugar dentro dele” no IV Concurso de Residências Artísticas
– Fundaj (2016), iniciamos uma pesquisa no Hospital Ulysses Pernambucano – conhecido como Tamarineira
– antigo manicômio inauguração em 1883 em Recife. O objetivo do projeto foi nos aproximarmos das ideias de
loucura, desrazão e de fantasma tendo o Tamarineira enquanto norte concreto para a realização de trabalhos
artísticos. A residência resultou em uma exposição individual homônima do projeto composta por vídeos,
instalações, objetos, desenhos e uma performance montada na Galeria Baobá em Recife. Durante o período de
pesquisa também iniciamos o Grupo de Estudos “Arte: loucura, fantasma e feminismo” vinculado as Facul-
dades Integradas Barros Melo, instituição onde lecionamos. O presente texto faz um recorte nessa pesquisa e
toma a videoarte “extraordinário”3, um dos trabalhos presentes na exposição “um lugar dentro dele”, enquanto
chave de reflexão. “Extraordinário” dialoga com as ideias já mencionadas e traz a fotografia, o vídeo, a perfor-
mance e o pré-cinema em seu processo de criação. Para melhor encadeamento do texto, o dividimos em três
partes: a pesquisa um lugar dentro dele, a mulher fantasma e o tempo extraordinário.
Primeira parte. A pesquisa um lugar dentro dele. O hospital Tamarineira tem edifício e jardim tomba-
dos pelo Patrimônio Histórico do Estado de Pernambuco. Funciona enquanto unidade psiquiátrica atendendo
urgências e internamentos de longa duração. Durante o ano de 2017 frequentamos tal hospital, observamos
um pouco de sua rotina, de sua arquitetura e entorno. Conversamos, informalmente, com pacientes mulheres,
enfermeiras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, com porteiros e vigilantes. Durante essas visitas nos
interessamos em acessar os mais antigos prontuários de mulheres que lá estiveram internadas, eles datavam
de 1941. Os prontuários, acompanhados por fotos em preto e branco das pacientes, indicavam alguns perfis
recorrentes: donas de casa, pouca instrução, negras e pardas, católicas; muitas com constantes e inexplicáveis
crises de choro. O choro, a raiva, o medo, a desobediência e a sexualidade da mulher por muito tempo foram
considerados comportamentos histéricos que precisavam ser corrigidos. O manicômio por muito tempo foi
uma punição para o comportamento tido como inadequado e o responsável por diversos traumas. Há na his-
tória da psiquiatria mulheres que foram enclausuradas e ‘torturadas’, com aprovação de suas famílias, como
forma de punir e tentar ‘consertar’ comportamentos considerados inadequados. Fundamental lembrar que
essa história guarda fatos e procedimentos carrascos com a loucura. O enclausuramento, a lobotomia, o eletro-
choque (eletroconvulsoterapia) evidenciam esse passado de dor e de morte. No Tamarineira nos aproximamos
dessa antiga história e das histórias de algumas atuais internas do hospital. Acompanhamos um pouco de suas
rotinas, presenciamos sessões de terapia ocupacional, conversamos no pátio e compartilhamos alguns almoços
– as internas sempre insistiam no convite para comer com elas. As enfermeiras relatavam que os diagnósticos
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia.
2 Professora das Faculdades Integradas Barros Melo – AESO. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janei-
ro – UFRJ. milena.travassos@gmail.com
3 Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ZOM-Ko72VbQ
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mais recorrente entre as atuais internas eram: esquizofrenia, bipolaridade e depressão. Nos contagiamos com
o passado e presente do Tamarineira. Sabíamos que em um momento posterior as obras produzidas nesse pe-
ríodo participariam de uma exposição individual, e desejávamos ter no corpo as experiência vividas lá.
Conduzir o Grupo de Estudos “Arte: loucura, fantasma e feminismo” nas Faculdades Integradas Barros Melo
nos fez mergulhar em leituras de cunho filosófico e histórico sobre os temas chaves da pesquisa. Temas expli-
citados no próprio nome do Grupo que segue em atividade e já soma dois anos e meio de duração. O Grupo é
formado por estudantes – mulheres em sua maioria – de Cinema e Audiovisual, Fotografia e Artes Visuais e já
realizou trabalhos coletivos em vídeo e algumas performances.
Desenvolvemos uma proposta de criação voltada para às novas linguagens e aberta a experimentação.
A exposição “um lugar dentro dele”, composta por uma série de trabalhos em diferentes suportes, é um dos
resultados desse período de pesquisa vinculado ao IV Concurso de Residências Artísticas – Fundaj (2016). Du-
rante esse período o Tamarineira foi entendido enquanto lugar de muitas camadas, um lugar dentro dele. Cada
trabalho da exposição também operou com essa ideia.
Segunda parte. A mulher fantasma. As ideias de loucura e de fantasma nos chegaram através do lugar
escolhido e do material guardado por ele: o hospital psiquiátrico Tamarineira – antigo manicômio – e seus
velhos prontuários. Local de forte carga histórica, repleto de memórias, de construções abandonadas, habitado
por experiências do passado, experiências de delírio, de dor, de tempo, de morte – quem sabe de vida. Ao re-
fletirmos sobre loucura, além de Michel Foucault e Nise da Silveira; Peter Pál Pelbart foi fundamental. Através
deste último um conceito essencial nos chegou, o de desrazão. Esse possibilitou entender que o nosso processo
de criação apostava e se arriscava em um fora, mas não se deixava enclausurar por ele. Um processo de vai e
vem entre forças distintas. Na desrazão o caos, o acaso, o desconhecido, a ruína são experienciados de perto,
mas sempre há a volta, o não enlouquecimento. Chamamos de fantasma certas imagens do passado que voltam
e nos assombram. Apostamos, assim como Aby Warburg e Georges Didi-Huberman, nas imagens-fantasmas,
na sobrevivência das formas e impurezas do tempo. Em relação ao fantasma Giorgio Agamben formula uma
pergunta crucial: “De que é feito um espectro?”. E a responde: “De signos, aliás, mais precisamente, de assina-
turas, isto é, daqueles signos, cifras ou monogramas que o tempo arranha sobre as coisas. Um espectro traz
sempre consigo uma data, ou seja, é um ser intimamente histórico” (2014, p. 63). Assim é o Tamarineira.
Esteticamente realizamos um trabalho de criação envolvendo a fotografia, o vídeo e a performance.
Para “extraordinário” criamos um personagem-fantasma, misto de mulher, de sombra e de espectro em diá-
logo com o Tamarineira; lugar histórico-fantasmático. Histórias fabuladas, narrativas contadas por frequenta-
dores do Tamarineira também compuseram esse personagem que não fala, mas expressa em gestos o choro, a
raiva, o medo, a desobediência e a sexualidade. Trata-se de um trabalho de caráter poético e não documental.
Em “extraordinário” a estranheza muitas vezes imobilizadora da loucura converte-se em estranheza desejante
própria a desrazão.
O Tamarineira – e tudo o que ele comporta nos seus 136 anos de existência – não tem limite preciso, sua
estrutura e história são “fantasmas calcificados” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 426). São o que sobreviveram
das mulheres incomuns que por lá passaram. A espectralidade é uma forma de vida. “Uma vida póstuma ou
complementar, que começa somente quando tudo acabou [...]” (AGAMBEN, 2014, p. 64). Comparados ao nos-
sos corpos de massa densa, são corpos fluidos, portadores de graça e astúcia. São sempre os vivos que invadem
sua moradia e forçam sua privacidade. Fomos cautelosos com nossa invasão. Nos aproximamos de sua forma
esgarçada, nos tornamos mais fluidos e sensíveis, nos tornamos fantasmas atentos aos aspectos históricos, so-
ciais, políticos e estéticos da nossa paisagem. Nos metamorfoseamos com o porão onde realizamos as fotos do
trabalho em questão. Com as imagens que nele foram projetadas. Aqui, corpos distintos se transformaram em
um único, como uma criança que ao se postar “atrás do reposteiro se transforma em algo flutuante e branco,
num espectro” (1995, p. 91). Reinventamos nosso corpo, nos tornamos uma mulher fantasma.
Terceira e última parte. O tempo extraordinário. A videoarte “extraordinário”, foi realizada a partir da
animação de imagens fotográficas. Tal obra reúne e expressa nossos três temas, a loucura, a desrazão e o fantas-
ma. Nesse trabalho, alucinações, sonhos, realidade, passado e presente se encontram. Criamos um ambiente
anacrônico e fantasmagórico que refletiu a situação de dor e delírio vivida por uma mulher em transtorno men-
tal. Para tanto, projetamos, através de uma lanterna mágica do século XIX – objeto do pré-cinema – imagens de
97
mulheres em “atitudes passionais” (Charcot) nas paredes do porão. As imagens projetadas foram pintadas em
pequenas placas de vidro que fazem referência a algumas fotografias de mulheres do século XIX realizadas no
Hospital da Salpêtrière. Outras imagens também foram pintadas e projetadas, a última delas mostra a cabeça
de uma medusa. Figura mitológica presente nos delírios de uma antiga interna do Tamarineira, relato citado
em um de sus antigos prontuários. O preto e branco, a utilização de luz e sombra bem marcadas confere um
tom trágico ao trabalho. Nele o som remete a um tempo dilatado, ouvimos uma antiga máquina de costura em
funcionamento e, em seguida, o som de uma caixa de música que toca “Little Fugue in G Minor” (1703-1704)
de Johann Sebastian Bach.
“Extraordinário” aposta e investe em situações extra-cotidianas, em cenas com um grande teor de fa-
bulação, com composições corporais que reinventem a própria noção de corporeidade. Corpo-sombra. Corpo-
-parede. Nele o corpo compõe com os outros elementos de cena um conjunto tão coeso que fica difícil mapear
onde acaba o corpo e onde começa o entorno. Um tipo de cena que configura o uso da câmera engendrado
com a lógica do trabalho. As cenas não foram realizadas para a câmera, mas com a câmera. A ação de caráter
performático foi seu eixo estruturante. Presença corporal a relacionar-se fluidamente com seu entorno, desta
forma receptiva, inteligente e sensível esteticamente aos elementos de cena, incluindo a câmera (FABIÃO, 2010,
p. 322).
O Tamarineira, as leituras, uma série de antigas fotos nos deram as coordenadas para reinventar nos-
so corpo e gestual; para inventar imagens. Trabalhamos com uma realidade-ficcional e poética, incitamos a
memória a fantasiar, ato já implicado nela. Criamos imagens implicadas em uma zona de co-habitação entre
mundos aparentemente apartados – passado-presente, loucura-razão, corpo-fantasma, sombras-parede, corre-
dor-sala –, mas que assombram um ao outro.
O antigo manicômio, atual hospital psiquiátrico, é uma espécie de comunidade apartada da sociedade.
Nos sentimos visados pelas imagens do Tamarineira, pela estranheza da loucura, pela abertura oferecida pela
desrazão. A passagem do tempo impresso em suas paredes e acervos, e hoje seus novos usos, desusos e contex-
tos caminham lado a lado. Passado e presente convertem-se em “ocorrido” e “agora”. A relação entre eles não é
mais temporal, nem continua, é dialética, uma imagem que salta (BENJAMIN). Ocorridos e agoras caminham
imbricados nesse território.
“Extraordinário” é habitada por outro tempo; o tempo da arte, do louco, o tempo do anjo (PÁL PEL-
BART, 1993), nela o ponteiro do relógio pifou. Aberta ao fora, à volúpia, ao imprevisível, configura uma expe-
riência com a desrazão; com os possíveis que a arte precisa sempre inventar.

Referências

AGAMBEN. Giorgio. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II – Rua de mão única. Trad. Rubens Rodrigues Torres. Filho. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente – História da arte e tempo dos fantasmas segundo
Aby Warburg. Trad.Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
FABIÃO. Eleonora. Corpo cênico, Estado cênico. Revista Contrapontos - Eletrôn, Vol. 10 - n. 3 - p. 321-326 /
set-dez 2010. Link: http://www6.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/2256
PELBART, Peter Pál. A nau do tempo-rei – 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: ed. Imago,
1993.

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Mossane, expressão de subjetividades femininas
no cinema africano de Safi Faye1
Nayra Helena Albuquerque Silva2

Resumo:
O presente resumo observa a formação imagética do filme Mossane (1996) da cineasta senegalesa Safi Faye
(1943-) no âmbito de uma composição de subjetividades ou realidades psíquicas femininas em comunidades
rurais do Senegal, como modo de resgatar culturas ancestrais e também refletir sobre os modos de tratamento
do corpo da mulher, além de criar maneiras de fazer cinema alinhadas ao pensamento africano como uma
cineasta que entender as questões da terra, diferenciando-se do pensamento etnográfico dos imigrantes, que
em sua época, na década de 70 e 80 eram ainda hegemônicos na construção de discursos e imaginários sobre a
população e o território africano por meio do cinema.

Palavras-chave: Cinema; Pensamento; África; Mulher

Até a década de 60, o cinema africano era feito por etnólogos imigrantes como a exemplo, Jean Rouch,
que produziam recortes fílmicos que criavam olhares antropológicos sobre a África.
O Cinema chega à África via colonialismo e não havia como ser diferente, uma vez que à época da
invenção do cinematógrafo na Europa o continente africano se encontrava sob ocupação. Por esse
motivo, a abordagem dos primeiros contatos dos povos africanos com o Cinema passa necessaria-
mente pelas iniciativas dos colonizadores.3

A partir dos processos de independência das nações africanas, então, tem-se o aparecimento cada vez
mais forte de produções cinematográficas realizada por africanos.
Devido a inúmeras motivações, e principalmente pelas necessidades de descolonizar os modos de olhar
após a independência, a produção de cinema africano é notadamente formada por uma preocupação em regis-
trar e representar a realidade africana para além do visível, como afirmou Ousmane Sembène (2011), durante
debate com o etnógrafo francês Jean Rouch: “no ramo do cinema, não basta ver, é preciso analisar. Estou
interessado no que vem antes e depois do que nós vemos”4. O cinema africano então é marcado pela criação
de uma autonomia narrativa africana, a criação de suas próprias histórias a partir da utilização de elementos
cinematográficos, por vezes fazendo uso da gramática do cinema ocidental para afirmar sua própria narrativa
através de mecanismos já legitimados globalmente.
É neste contexto, de filmes que surgem numa afirmativa do modo de vida africano, que Safi Faye, nas-
cida no Senegal em 1943, torna-se, sob a influência dos estudos em Antropologia e posteriormente estudos em
cinema, uma diretora de cinema documental tendo realizado seu primeiro filme La Passante (1972), na França.
Anos após, em 1985, Safi, realiza o seu primeiro filme em solo africano, tornando-se assim a primeira cineasta
africana tento realizado cerca de 15 filmes até a atualidade.
Por meio dos mecanismos do seu cinema, Safi busca o encontro com as realidades específicas e os afetos
surgidos da configuração dos povos que formam seu país, e tem sua produção cinematográfica como um meio
de representação de culturas rurais do Senegal, raízes de sua nação, buscando exprimir, em imagem, som e
ritmos, cujo o tempo evidencia a subjetividade, os modos de vida africanos, ultrapassando então o modo de
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Arte contemporânea e o contemporâneo das artes) do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Nayra Helena Albuquerque Silva, realizadora audiovisual, graduada em Rádio e Televisão, Universidade Federal do Maranhão,
nayra.albuquerque@gmail.com / @nayralbuquerque
3 JUNIOR, David Marinho Lima. Descolonizando as mentes: Ousmane Sembéne e a proposta de um cinema africano na década de
1960. Revista PUC - Rio 2014. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/25074/25074_4.PDF. Acesso em 10/02/2019.
4 CERVONI. Albert. Um confronto histórico entre Jean Rouch e Ousmane Sembène em 1965: “Vocês nos olham como se fôssemos
insetos”. Tradução: Pedro Henrique Gomes. Disponível em: http://tudoecritica.com.br/?p=2218. Acesso em: 17 de dez/2016
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ver do etnógrafo estrangeiro que deixa registrado o acontecimento, mas ainda bastante distante dos afetos ali
surgidos e que encadeiam significados específicos para quem os vive.
No filme de ficção, Mossane (1996), Safi Faye estabelece um contato com o modo de vida de uma jovem
senegalesa de 14 anos, cujo nome próprio dá nome ao filme. Mossane, vive transições em sua vida que per-
passam por aspectos de seu gênero, sexualidade, experiências físicas e subjetivas. O filme passa analogamente
por fases de sua adolescência e sua vida social. Mossane é uma jovem admirada pelos espíritos dos ancestrais e
por todos de sua comunidade, todos na comunidade apreciam sua beleza, inspira paixões, e tem uma amiga já
casada, que lhe diz sobre experiências sexuais e amorosas.
Dividido em sequências como se acompanhassem as fases das experiências de Mossane, o filme num
primeiro momento utiliza a poética das formas e do tempo das imagens para deixar aparecer certos afetos5 que
Mossane sente através das descobertas das sensações do corpo da mulher, a água é elemento recorrente nesta
fase em que Mossane vive livremente sua vida de menina, em movimento pelas terras, seguida por meninos,
amada pelos próximos, no que a cineasta nos deixa ver imagens-tempo6, ou seja, referências diretas ao tempo e
às conexões possíveis no pensamento, cuja variação das imagens nos deixa ver as águas que escorrem, os jogos
de sombra e luz, enquanto que Mossane vive os acontecimentos cotidianos em movimento alegre e afirmativa,
numa referência, na minha compreensão, à liberdade vivida por Mossane naquele momento de puberdade e da
descoberta do corpo no espaço e no tempo.
Logo Mossane se apaixona por seu primo que está ali de passagem, mas descobrimos, depois de viver-
mos juntos passeios apaixonados com Mossane e seu primo, que a jovem está prometida a um homem nativo,
mas que trabalha na Europa, que não está presente, mas somente uma espécie de duplo seu aparece devido ao
poder econômico por ele ostentado. Logo entendemos que a família abastada de Mossane é sustentada econo-
micamente pelo noivo devido a esta promessa de casamento.
É nesta segunda fase de Mossane, em que ela é obrigada a casa e vive momentos de muita tensão, que
as imagens a acompanham e logo se tornam velozes, imagens-movimento, cuja única intenção é mostrar as
relações clichês entre os movimentos dos corpos, almoços de família, conversas com a mãe, ansiedade. O filme
desloca-se das imagens temporais mais longas e contemplativas para o encadeamento de imagens óbvias, assim
como Mossane se vê, aprisionada por uma tradição clichê que não lhe confere a opinião para fazer decisões
sobre sua vida.
Durante todo o filme percorremos por aspectos da comunidade rural cuja narrativa se passa. É através
de seus próprios pensamentos e discursos, modos de falar e costumes, suas ritualísticas ligadas à terra e à na-
tureza, e relações de poder ligadas aos saberes ancestrais e místicos, que percebemos o espaço ao redor, ou seja,
o mundo em que o filme se passa. Mas neste mundo há atravessamentos, vindos de culturas distantes, tanto
a cultura ocidental europeia através da presença fantasmagórica do noivo rico e que mora na Europa, quanto
a cultura mulçumana, que é no filme, inclusive, a regra que faz a mediação entre as famílias, o casamento e o
dinheiro.
Estes atravessamentos na comunidade rural, ainda florida de seus velhos anciãos, injetam modificações
nas relações de maneira sutil, mas muito profundas. Cultura tradicional e cultura que atravessa de maneira
que estas se ligam justamente onde se conectam as razões semelhantes: a jovem Mossane, corpo-mulher, bela,
tem seu caminho previamente traçado pelos demais, pois muito desejada, estava sendo impelida a casar por
seu tio, sua mãe, o griot conselheiro de sua mãe, sua amiga e diversos outros ao redor. De modo que Mossane
tem sua vida controlada por sua própria cultura, pela cultura que diferencia o poder econômico de seu noivo
prometido, e pelas relações familiares.
A vida de Mossane entristece juntamente com as imagens poéticas e temporais que agora já pratica-
mente desapareceram, tornadas agora narrativa fílmica comum cujos movimentos são clichês reconhecíveis
a qualquer um, de encadeamento lineares e explicativos sobre os meandros do casamento, enquanto que os
afetos de Mossane já não são vistos mais por dentro em imagens subjetivas, mas somente por fora, ao vermos
5 “A afecção é o aqui e o agora, enquanto o afeto é a passagem. A afecção implica o afeto. (ULPIANO, 2018, p.165). ULPIANO,
Cláudio. Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento / Claudio Ulpiano. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Ritornelo Livros, 2018.
6 DELEUZE, Gilles, 1925 – 1995. A imagem-tempo / Gilles Deleuze tradução Eloisa de Araújo Ribeiro; revisão filosófica Renato
Janine Ribeiro. – São Paulo : Brasiliense, 2013 – (Cinema 2) Título original: L’image-temps – Bibliografia
100
agora sua expressão entristecida. Já não temos imagens contemplativas e temporais senão nos momentos de re-
beldia de Mossane, em que, correndo desesperada em plena madrugada, sem perspectiva para a fruição de seu
próprio desejo, observa o movimento abstrato da luz da lua na água, é quando então, Mossane entra nas águas
do rio e morre, nas mesmas águas que antes foram a representação das suas experiências de suas descobertas e
prazeres.
A diretora Safi Faye, em Mossane (1996) adentra sutilmente à subjetividade feminina através da per-
sonagem central deste filme, ao relacionar a construção da temporalidade das imagens de acordo com as fases
psíquicas de Mossane, que variam, por sua vez, de acordo com os acontecimentos ao seu redor. O filme perpas-
sa por representações do corpo livre em movimento ao corpo privado de liberdade e por fim morto. Mas não
sem o aviso dos anciões.
Safi Faye faz parte de uma geração de realizadores de cinema que busca fazer alusão aos modos de pen-
samento do povo africano, aos costumes, práticas e maneiras de viver da cultura ancestral, não sem criticá-la
de modo coerente ou refletir sobre ela. A geração surgida a partir da década de 60, é uma geração de cineastas,
que critica a atuação dos etnólogos e a aculturação vivida por alguns africanos. Estabelecendo através de seus
filmes uma conexão com o pensamento de descolonização da subjetividade africana. Assim, “sua obra é per-
meada pelo ambiente rural, as consequências da colonização, economia, questões climáticas, como também,
relações familiares e de gênero” (SACRAMENTO, 2016, p.90)7. A trajetória de suas narrativas vai mudando
gradativamente de suas experiências na Europa até a criação do lugar de discurso da própria africana que é,
através da representação dos acontecimentos da área rural, um ambiente de análise e reflexão das problemáti-
cas políticas e econômicas do país.
A experiência cinematográfica de Safi Faye traz ao contexto brasileiro, especificamente à contempora-
neidade, doses de estímulos para a busca local por uma produção autônoma e descolonizada no que tange à
lógica da narrativa proposta por uma peça audiovisual. É neste sentido que eu tomo enquanto realizadora de
audiovisual brasileira, maranhense, a diretora Safi Faye como uma inspiração e mesmo uma mestra do saber
sobre métodos cinematográficos para se chegar a aspectos da cultura da terra, ou seja, no contexto brasileiro
contemporâneo, a cultura mantida por povos e comunidades tradicionais, como uma das expressões do modo
de viver e de pensar brasileiros que por séculos tem sido subjugado, ou mesmo, pouco valorizado como expres-
são de vida e de conteúdo para o cinema.

Referências

CERVONI, Albert. Um confronto histórico entre Jean Rouch e Ousmane Sembène em 1965: “Vocês nos
olham como se fôssemos insetos”. Tradução: Pedro Henrique Gomes. Disponível em: http://tudoecritica.com.
br/?p=2218. Acesso em: 17 de dez de 2016.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. tradução Eloisa de Araújo Ribeiro; revisão filosófica Renato Janine Ri-
beiro. São Paulo: Brasiliense, 2013.
JUNIOR, David Marinho Lima. Descolonizando as mentes: Ousmane Sembéne e a proposta de um cine-
ma africano na década de 1960. Revista PUC - Rio 2014. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.
br/25074/25074_4.PDF. Acesso em 10 de fevereiro de 2019
SACRAMENTO, Evelyn dos Santos. Safi Faye: cinema e percurso, In: Dossiê Áfricas - Revista Cantareira.
Edição 25 / jul-dez, 201690. ISSN: 1677-7794
ULPIANO, Cláudio. Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento / Claudio Ulpiano. – 2. Ed. – Rio de
Janeiro: Ritornelo Livros, 2018.

7 SACRAMENTO, Evelyn dos Santos. Safi Faye: cinema e percurso, In: Dossiê Áfricas - Revista Cantareira - edição 25 / jul-dez,
201690. ISSN: 1677-7794
101
CINEMA DE ENCONTRO:
um filme-jurema1
Nayra Helena Albuquerque Silva2

Resumo:
O presente resumo apresenta o filme Florações Jurema (2018) como uma peça audiovisual resultado de pes-
quisas acerca do modo de pensamento afroindígena em contato com aspectos narrativos e técnicos do fazer
cinematográfico, como mote para a criação de um novo cinema, surgido através do acontecimento e afetos
que compõe o encontro entre a técnica/pensamento cinematográfico que é resultado do pensamento ocidental
euroamericano e o modo de ser e de narrar calcado na oralidade de uma dirigente de comunidade de terreiro
cuja cultura afroindígena é o costume. Afirmando assim a possibilidade de criação de um cinema pautado no
encontro entre pensamentos e corpos que se afetam mutuamente.

Palavras-chave: Cinema; Pensamento; Encontro

Modificar os modos de realização de cinema e audiovisual hegemônicos é possível devido à sua maté-
ria-prima ser aberta à própria vida, ou seja, o cinema é composto de aspectos de espaço-tempo, e a uma neces-
sidade pungente de valorização de corpos e modos de vida há muito subjugados e desvalorizados pelo sistema
de colonização que vigorou no território brasileiro por séculos, e que ainda mantém seu legado de pensamento
colonizador, ou seja, nas relações sociais, e nas formações psíquicas mesmo, fazer existir a legitimidade para
determinados pensamentos e hábitos que sejam herdeiros da cultura europeia, e, norte-americana, em detri-
mento a outros pensamentos advindos de outras formações culturais como as indígenas e africanas. O cinema
de encontro surge devido a necessidade de ajudar a descolonizar os modos de perceber, ver e praticar audio-
visual numa sociedade cada vez mais conectada globalmente por imagens em movimento, com o objetivo de
abrir caminhos para a instauração de outras maneiras de viver, e com isto, ampliar o respeito à coexistência de
diferenças.
O cinema de encontro é então um modo de modificar termos, práticas e intenções da realização au-
diovisual. Ter o encontro como o mote de realização cinematográfica, possibilita que a atenção do realizador
cinematográfico esteja voltada para o afeto3 criado a partir das potências de afetar de todos os envolvidos, tanto
o “autor” quanto o “personagem”/”tema”, o que quer dizer que o problema do cinema pode estar situado em
possíveis processos que modifiquem seus parâmetros técnicos e formas narrativas de acordo com a abertura a
estímulos criados pelas perspectivas e pensamentos contidos na realidade do tema.
O filme Florações Jurema (2018) se atem aos aspectos lógicos da cultura que compõe a temática encon-
trada, a cultura da jurema, deste modo, se depara com costumes que resistem através dos séculos de dominação
colonial, como a oralidade, a contação, as doutrinas, as lógicas materiais e imateriais de significar o mundo, a
natureza e as relações, e que se configuram como maneiras de resistir a aculturação e coerção do pensamento
racional ocidental sob as culturas indígenas, nativas da terra, e africana advinda da diáspora escrava para o
Brasil.
Assim, o tema já não é abordado, mas sim, encontrado, de modo que o cinema já não se situe mais no
território conhecido da predeterminação lógico racional e das representações de sistemas de pensamento hege-
mônicos e efetive então peças audiovisuais cujo espaço-tempo é moldado pelas diferenças dos modos de ser do
tema com o qual o cinema se põe em estado de encontro. Tornando o conteúdo do filme justamente o processo
de afetar e ser afetado pelas singularidades do pensamento que molda a realidade encontrada.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Arte contemporânea e o contemporâneo das artes) do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Nayra Helena Albuquerque Silva, realizadora audiovisual, graduada em Rádio e Televisão, Universidade Federal do Maranhão,
nayra.albuquerque@gmail.com / @nayralbuquerque
3 ULPIANO, Cláudio. Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento. 2. Ed. – Rio de Janeiro: Ritornelo Livros, 2018.
102
Este cinema necessita então do encontro com temas e perspectivas cujo modo de ser, pensar, ver e agir
de seus personagens sejam distintos dos modos hegemônicos. O filme-jurema é descrito neste trabalho como
produto de um processo de encontro entre: o reconhecimento do cinema como prática surgida de um pro-
gresso de pensamento ocidental, técnico, socioeconômico reproduzido desde as máquinas fotográficas até os
modelos narrativos; e a realidade de memórias e costumes afroindígenas que resistem à coerção colonizadora
através dos séculos por meio da cultura das comunidades de terreiro, especificamente neste trabalho, através da
mãe de Santo Dona Filomena dirigente do terreiro Oxóssi Cabocla Jurema situado em São Luis – Maranhão.
Dona Filomena é mantenedora do costume indígena da bebida da planta sagrada jurema no contexto
de terreiro de mina, existência surgida do encontro entre as semelhanças e diferenças das culturas afro-bra-
sileiras e indígenas, a cultura afroindígena. Assim, a realização do filme “Florações Jurema” (2018) baseado
no costume afroindígena jurema, é tido neste trabalho como uma experiência sensível de afirmação política
através da instauração do pensamento afroindígena nas gramáticas audiovisuais. Instaurar é “a operação pela
qual uma existência ganha em ‘formalidade’ ou em solidez” (LAPUJADE, 2017. p.81), ou seja, pela imagem
capturar os gestos do pensamento afroindígena contido em práticas de terreiro e pelo som alinhado à oralidade
capturar os pensamentos e modos de ser ainda em resistência, criando, consequentemente, um encontro entre
o pensamento ocidental na narrativa cinematográfica e o pensamento ancestral da terra efetivado na oralidade
e na contação.
O cinema de encontro é um cinema que se estabelece no entremeio do encontro, na imagem que oscila
entre índices informativos e variações afetivas cultivadas com o tema, buscando encontrar o intensivo do cine-
ma ao apresentar modos de viver como existências que importam em detrimento a comunicação em série de
representações predeterminadas pelo pensamento ocidental colonizador hegemônico.

Referências

ALBUQUERQUE, Ulysses (Org.). As muitas faces da jurema: de espécie Botânica à divindade afro-indígena,
Mota, Clarice Novaes, Ulysses Paulino de Albuquerque (Organizadores) Recife: Bagaço, 2002.
DELEUZE, Gilles, 1925 – 1995. A imagem-tempo. tradução Eloisa de Araújo Ribeiro; revisão filosófica Renato
Janine Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2013.
LAPOUJADE, David. Deleuze, os movimentos aberrantes. Título original: Deleuze, les movuvements aber-
rants. Tradução: Laymert Garcia dos Santos – São Paulo: n-1 edições, 2015. 320 pp.
ULPIANO, Cláudio. Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento. 2. Ed. – Rio de Janeiro: Ritornelo Li-
vros, 2018.

103
MEMÓRIAS DE RESISTÊNCIA:
mulheres negras e o cabelo crespo na arte contemporânea1
Nayra Mayara Gomes de Souza

Resumo:
Nesse trabalho busco falar sobre empoderamento estético das mulheres negras e como isso vem fazendo parte
dos meus recentes trabalhos desenvolvidos, trabalhos esses que são criados a partir de cotidiano, memórias
familiares e resistência, buscando discutir o empoderamento feminino a partir da estética do cabelo crespo.
Fazendo análises, discutirei a descolonização e o quanto ainda é doloroso o processo de apropriação do cabelo
crespo, falando sobre experiências pessoais e também de mulheres negras que conheço. Farei links entre os
meus processos criativos e os processos de outras artistas que também tem como discursão o cabelo.

Palavras-chave: Cabelo; Crenças; Feminismo; Empoderamento; Mulheres Negras;

Esse trabalho traz relatos sobre a minha vida, o quanto demorei a entender o meu lugar no mundo, traz
minhas reflexões sobre ser artista e mulher negra na contemporaneidade, memórias e referências artísticas
na arte contemporânea e história da arte, como Priscila Rezende e Juliana Dos Santos, artistas que trataram
em suas produções o cabelo crespo algo que tem estado muito presente nos meus trabalhos. O corpo negro
carrega em si memórias e marcas de todas as agressões sofridas ao longo de toda a história da humanidade,
esse corpo que foi vendido, violentado, estigmatizado e tornou-se propriedade de um individuo branco. Outro
contraponto é o fato de vivermos numa sociedade onde o patriarcado é o que domina, temos mulheres que são
objetificadas e violentadas e agimos de maneira pacifica. O corpo das mulheres negras ainda carrega consigo
mais estimas, o corpo das mulheres negras passou mais fortemente por processos de violação.
Vejo o cabelo crespo como um material extremamente potente para as produções contemporâneas,
pensando nessa potencialidade desenvolvi um trabalho de vídeoperformance intitulado como “Engula” que
foi desenvolvida durante os seis primeiros meses do ano de 2018, faz parte das minhas recentes pesquisas sobre
estética e cultura afro-brasileira, tem como proposito o protesto, pelas inúmeras vezes que as pessoas negras
foram violentadas por conta da estética do seu cabelo, além de todas outras questões que estão ligadas ao este-
reótipo que relaciona o negro no Brasil. Nessa obra coloco vários tufos de cabelo na boca até não caber mais,
fazendo analogia ao cansaço que sente por conta do racismo estrutural do pais, e também com o intuito de
causar um incômodo ao espectador.
Depois que resolvi deixar meu cabelo natural percebo que ele atrai muito olhares e infelizmente comen-
tários bem maldosos, esse trabalho surge desta necessidade de colocar pra fora um sentimento de revolta que
carrego por às pessoas estereotiparem tanto o cabelo crespo de cabelo “ruim”, passei muito tempo da minha
vida com medo e odiando o cabelo que eu tinha, muitas vezes eu me pagava pedido pra ter os cabelos lisos pra
que me conseguisse sentir completa, sempre foi muito doloroso, hoje eu apresento esse trabalho como uma
resposta a todas as palavras ditas de maneira negativa em relação à textura do meu cabelo.

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Arte contemporânea e o contemporâneo das artes) do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
104
https://youtu.be/v0yFBt_m7xk

Hoje ainda é possível encontrar muitos salões de beleza que insistentemente oferecem parar suas clien-
tes maneiras de acabar com o volume de cabelo, fazer com que os cabelos crespos tenho o aspecto de cabelo
cacheado ou até mesmo alisa-los, fui uma das pessoas que passou por esse processo, comecei a alisar meu
cabelo desde muito cedo, sempre foi doloroso, o processo de negar a negritude acaba trazendo várias outros
sentimentos ruins para a vida, danos que acabam não sendo reparados quando a sociedade ainda em grande
maioria é uma sociedade racista. Fazendo minhas reflexões chego à conclusão que deixar o meu cabelo natu-
ral é político, faz dois anos que não aliso, me sinto mais forte e mais leve, particularmente falando esse ato é
importantíssimo, deixei de me odiar e consigo bater de frente com os medos que no passado me deixava com
as amarras do embranquecimento, meu cabelo é incrível e tem uma potencialidade tão grande que consigo
trabalhar com ele artisticamente, esse tem sido o meu maior objetivo. Segundo Renata Felinto:
Assim como a democracia racial encobre os conflitos raciais, o estilo de cabelo, o tipo de penteado,
de manipulação e o sentido a eles atribuído pelo sujeito que os adota podem ser usados para camuflar
o pertencimento étnico/racial, na tentativa de encobrir dilemas referentes ao processo de construção
da identidade negra. Mas tal comportamento pode também representar um processo de reconheci-
mento das raízes africanas assim como de reação, resistência e denúncia contra o racismo. E ainda
pode expressar um estilo de vida. (Santos, Renata Aparecida Felinto dos (2017) “Rapunzel, cabelos
que tocam o céu: a arte contemporânea como tratamento artístico/cosmético/estético dedicado aos
capilares crespos.” p.8).

Referências

FEMINISMO NEGRO PARA UM NOVO MARCO CIVILIZATÓRIO - Djamila Ribeiro


SER NEGRA AQUI É SER ESTRANGEIRA NO PRÓPRIO PAÍS - Djamila Ribeiro
A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NAS ARTES PLÁSTICAS BRASILEIRAS: DIALOGOS E IDENTIDADES
- Renata AP. Felinto dos Santos.
NEM EXCEPCIONAIS, NEM AMADORAS: ARTISTAS PROFISSIONAIS - SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti.
CORPO E CABELO COMO SIMBOLISMO DA IDENTIDADE NEGRA - Nilma Lino Gomes
RAPUNZEL: A ARTE CONTEMPORANEA COMO TRATAMENTO COSMÉTICO/ESTÉTICO A PARTIR
DAS PERFORMACES DE JULIANA DOS SANTOS E DE PRISCILA REZENDE
ENTRE AFETOS E ESTRANHAMENTOS: OBJETOS MAUS E CABELOS NO MUNDO DA ARTE - Marize
Malta

105
ROBÔS ARTISTAS E O IMPACTO NA ARTE1
Pamella Regina D’Ornellas2


Resumo:
A ficção científica deixou de ser apenas ficção para se tornar realidade, propondo projeções imaginárias de um
futuro possível que já estamos vivendo. Real e imaginário se confundem quando algumas comparações são
feitas: o filme Chappie narra a existência de um robô que é capaz de produzir obras de arte; paralelamente,
robôs artistas com diversas habilidades têm sido desenvolvidos e aprimorados. A tecnologia, suas inovações e
avanços trazem questionamentos à sociedade e ao papel do ser humano com relação às suas funções profissio-
nais. Assim, surgem indagações acerca de os robôs artistas ocuparem a posição profissional do próprio artista;
reflexões pertinentes surgem acerca do tema.

Palavras-chave: Robô artista; arte tecnológica; ficção científica.

O tema e objeto de estudo desse artigo são os robôs artistas e os desdobramentos que propõem na socie-
dade, principalmente por assumirem a posição de artistas e produzirem arte comercializável. A partir da ficção
científica, identifica-se que pessoas têm imaginado diversas perspectivas acerca dos avanços tecnológicos e de
seu impacto social. A abordagem aqui utilizada tem enfoque em filmes de ficção científica que trazem robôs
em suas narrativas.
Mesmo que os filmes de ficção sejam produto da imaginação humana, real e imaginário podem se
mesclar nas narrativas fílmicas. Para que a ficção aconteça, tem que ter indícios do real. Ao comparar sonho
e narrativas fílmicas, ambos são projeções irreais e, a partir dos dois, o ato de imaginar vai além da realidade.
Edgar Morin (1997, p. 251) comenta sobre o desenvolvimento de técnicas e tecnologias a partir de sonhos e do
cinema, e também do imaginário humano projetado em imagens.
O imaginário confunde, numa mesma osmose, o real e o irreal, o fato e a carência, não só para atri-
buir à realidade os encantos do imaginário, como para conferir ao imaginário as virtudes da realida-
de. Todos os sonhos são uma realidade irreal, que aspira, contudo, a uma realização prática. [...] São
os nossos sonhos que preparam as nossas técnicas: máquina entre as máquinas, o avião nasceu dum
sonho. São as nossas técnicas que conservam os sonhos: máquina entre as máquinas, foi o cinema
aspirado pelo imaginário.
A comparação entre o real e o imaginário se faz necessária. A sociedade é circundada por imagens,
nas suas mais variadas formas e exposições. Assim, toda e qualquer imagem comunica, transmite alguma
informação, que se origina na concepção de alguém. Juliana Tonin e Larissa Azubel trazem uma introdução à
relação entre imagem e imaginário, ao proporem que “os imaginários são bacias semânticas de onde jorram re-
presentações em forma de imagens” (TONIN; AZUBEL, 2017, p. 01). Então as imagens podem ser consideradas
representações que decorrem do imaginário de quem as concebe.
O ser humano recorre à imaginação para situar-se no mundo e o próprio imaginário é o estímulo que
impulsiona suas criações. Edgar Morin (1997, p. 249-250) afirma que “o imaginário é o fermento do trabalho
do eu sobre si próprio e sobre a natureza, através do qual se constrói e desenvolve a realidade do homem”. En-
tão o ser humano precisa recorrer ao interno e impalpável para construir o externo e visível; parte de dentro
para fora, assim como o cinema, que surge de uma ideia que, posteriormente, é transformada em imagem, é
projetada e passa a habitar o mundo exterior. São as grandes questões internas do ser humano sendo expostas
e discutidas em imagens e sons.
A partir de uma manifestação fílmica específica, é possível visualizar um exemplo de robô artista fic-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 2 (Arte contemporânea e o contemporâneo das artes), do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia.
2 Mestranda em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com bolsa CAPES, email:
pamellard@gmail.com
106
cional. O filme Chappie traz o personagem robótico Chappie, que é o protagonista da narrativa e, num mo-
mento específico do filme, Chappie é induzido pelo personagem Deon a fazer uma pintura artística (Figura 1)
numa cena da narrativa fílmica. Assim, Chappie é colocado num ambiente externo e é disponibilizada tinta
azul, um pincel e uma tela ao robô. Deon diz a Chappie que “na vida, muitos vão tentar lhe dizer o que não
pode fazer, mas nunca acredite neles. Se quiser pintar, você pode. Pode fazer o que quiser na vida. Não deixe
as pessoas tirarem seu potencial”, incentivando Chappie a pintar e se expressar artisticamente. Chappie é um
robô ficcionalmente dotado de inteligência artificial e, paralelamente à ficção, foram mapeados alguns robôs
que desenvolvem técnicas de pintura e/ou desenho.

Figura 1: Chappie pintando e Deon, personagens do filme Chappie (2015).3

Um desses robôs é o Mr. Head (Figura 2), que é uma máquina capaz de produzir arte. A ideia surgiu a
partir do artista Masato Yamaguchi, que se apropriou de um robô de limpeza e acoplou frascos de tinta e um
bocal de gotejamento a ele4. Porém, o Mr. Head não tem total autonomia sobre as obras que faz, pois é somente
condicionado à sua movimentação no espaço determinado para a pintura.

Figura 2: Mr. Head, robô desenvolvido por Masato Yamaguchi e apresentado publicamente em 2014.5

Diferente de Mr. Head, E-David (Figuras 3) é um braço robótico industrial que foi programado para
fazer pinturas autônomas. Dessa forma, E-David não reproduz nenhuma obra existente, mas realiza suas pró-
prias obras de arte, baseado no que vê através de uma câmera apontada para a tela e dos materiais que são
disponibilizados a ele6. Assim, esse robô artista é dotado de um software que analisa as pinceladas que o braço
3 Disponível no filme Chappie aos 43’30”.
4 Disponível em: <https://www.engineering.com/DesignerEdge/DesignerEdgeArticles/ArticleID/16692/Mr-HEAD-Creates-Robo-
tic-Paintings.aspx>. Acesso em: 05 nov. 2018.
5 Disponível em: <https://laughingsquid.com/mr-head-an-abstract-painting-robot-built-from-a-roomba/>. Acesso em: 05 nov.
2018.
6 Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/e-david-robo-pintor/>. Acesso em: 05 nov. 2018.

107
robótico faz na tela e decide onde deve pintar em seguida, baseando-se no que for necessário para o aperfeiçoa-
mento da obra7. Tanto Mr. Head quanto E-David podem ser denominados robôs artistas e trazem a ficção para
a realidade quando comparados ao personagem Chappie.

Figura 3: E-David, robô desenvolvido pelo Prof. Dr. Oliver Deussen, Thomas Lindemeier, Mark Tautzenberger
and Dr. Sören Pirk, do Departamento de Ciência da Computação e da Informação.8

O objetivo desse artigo é mostrar alguns robôs artistas existentes, suas funções e perspectivas futuras,
além de analisar o impacto que podem causar no mercado da arte e a projeção e relevância profissional de
máquinas inteligentes em meio a artistas. Teóricos como Umberto Eco e Edgar Morin são adotados para abor-
dagens teóricas acerca das artes e do imaginário. Kevin Kelly e Klaus Schwab, autores contemporâneos, con-
tribuem com aproximações acerca da tecnologia e do impacto da utilização dos robôs na continuidade do uso
de mão-de-obra profissional humana. Por fim, demonstra-se o choque que a inserção de robôs artistas podem
causar no campo artístico, apesar da diversidade de abordagens artísticas que os artistas humanos produzem,
e a limitação de máquinas inteligentes têm na concepção e realização das obras de arte.

Referências

AZUBEL, Larissa; TONIN, Juliana. Nas representações, imagens e imaginários. Associação Nacional dos Pro-
gramas de Pós-Graduação em Comunicação XXV, Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016. Disponível em: <http://www.compos.org.br/biblioteca/artigocom-
po_s-comautoria_3402.pdf >. Acesso em: 14 set. 2018.
ECO, Umberto. La definición del arte. Barcelona: Martínez Roca, 1970.
KAKU, Michio. A física do futuro: como a ciência moldará o destino humano e o nosso cotidiano em 2100.
Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
KELLY, Kevin. Inevitável: As 12 forças tecnológicas que mudarão nosso mundo. São Paulo: HSM, 2017.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.
249 p.
OLIVEIRA, Fátima Régis de. Como a ficção científica conquistou a atualidade: tecnologias de informação e
mudanças na subjetividade. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo, v.28. n.1, jul/dez 2005.
Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=69830958006>. Acesso em: 15 dez. 2017.
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
7 Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/e-david-robo-pintor/>. Acesso em: 05 nov. 2018.
8 Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/278871401904830079/>. Acesso em: 06 nov. 2018.
108
O VAQUEIRO DE LUXO NA INTERNET:
mudanças de referenciais identitários do sertanejo na música1
Sanny Ravanne da Cunha Rêgo2
Gustavo Fortes Said3

Resumo:
Atualmente, têm-se a visão mais ampla acerca da tecnologia e, principalmente, da internet no processo de mo-
dificação e/ou construção de novas identidades. Pensando nisso, a presente pesquisa cujo tema é O Vaqueiro
de Luxo na Internet: Mudanças de Referenciais Identitários do Sertanejo na Música, traz uma metodologia de
cunho bibliográfico, e abordará a análise de conteúdo, com o objetivo de compreender noções de identidade
a partir de um recurso de marketing do mercado fonográfico, no que se refere ao vaqueiro rico abordado nas
músicas e shows de uma nova categoria musical do gênero forró: a ostentação. Para isso, foi feita uma breve
análise de conteúdo de três videoclipes do cantor Mano Walter, no YouTube. Concluindo-se, desta forma que,
ser “vaqueiro” rico é incompatível a ser vaqueiro, pois este último trata-se de um pobre empregado e não de um
sujeito luxuoso como as letras de músicas buscam mostrar.

Palavras-chave: Vaqueiro de Luxo; Forró; Música; Identidade; Internet.

Quando falo em Vaqueiro de Luxo, quero deixar claro, aqui, que esta definição é um termo utilizado
nesta pesquisa para designar possíveis novas referências identitárias do sujeito em questão. Há muito tempo,
o vaqueiro é visto como a própria imagem do nordestino, simbolizando a cultura e a identidade da Região
Nordeste, e na mesma linha teórica, o assunto Nordeste vem sendo bastante discutido, na intenção de se com-
preender a concepção do que é o Nordeste como lugar físico-espacial, presente no mapa geográfico e político
brasileiro, e imaginário além, também, do que é “Ser Nordestino”.
Perante essas discussões, para melhor entendimento, é válido tomar os tipos simbólicos e característi-
cos nordestinos e o vaqueiro é um deles e, ao mesmo tempo, um importante elemento neste estudo.
É o que o autor Durval Muniz de Albuquerque Jr analisa em algumas de suas obras referentes a essa tema e na
intenção de explicar essas “questões nordestinas”.
Traços culturais característicos do Nordeste podem ser vistos em obras de arte e músicas, por exemplo,
retratando famílias com honra e moral, ao mesmo tempo em que interage com outros componentes identitá-
rios regionais, como o clima semiárido, a seca, a pobreza, o sol, os animais, a fome, o subdesenvolvimento e a
precariedade, que unidos sustentam a ideia da nordestinidade. (ALBUQUERQUE Jr, 2013).
Durval é um exímio estudioso do tema e expõe com clareza como teria ocorrido o início da região
Nordeste como uma invenção imaginária a partir de meados de 1910, já que sua existência espacial e geográfica
data bem antes disso, mais precisamente em 1500, com a “descoberta do Brasil”, por Pedro Álvares Cabral. O
termo Nordeste foi usado pela primeira vez em 1919, para designar um lugar necessitado de políticas próprias
que resolvessem questões decorrentes do problema seca.
A literatura possui forte tendência de tentativa de construção da identidade cultural nordestina e os
escritores, assim como os leitores, buscam isso como uma forma de reafirmar a sua identidade local e perten-
cimento, além de quererem se reconhecer dentro da história (ALBUQUERQUE Jr, 2013).
O autor aborda que a identidade cultural de Nordeste teria sido construída como um fruto de um
discurso praticado por uma elite para unificar os costumes de sujeitos heterogêneos. Servem para perpetuar
imagens e estereótipos, ou seja, mitos. Práticas e discursos nordestinizadores, primeiramente dispersos, foram
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes (GT 2), do IV Simpósio Nacio-
nal de Arte e Mídia.
2 Universidade Federal do Piauí, graduada em Comunicação Social: Jornalismo e Relações Públicas, mestranda em Comunicação.
E-mail: sanny_rav@hotmail.com
3 Universidade Federal do Piauí, Doutor em Ciências da Comunicação. E-mail: gsaid@uol.com.br
109
sendo repetidos e agrupados e veio à tona um Nordeste imagético-discursivo, pautado no saudosismo e tradi-
ção, e nos seus tipos simbólicos, como o vaqueiro, o mestiço tropical que luta todos os dias contra a seca e na
lida com o gado no mato, em busca de sobrevivência através do seu trabalho perigoso e pondo em risco sua
vida em prol da defesa de sua família que necessita de seus atos diários para manterem-se vivos, por mais que
a pobreza seja uma presença constante.
Embora o vaqueiro seja pertencente a uma classe pobre de pessoas que trabalham com a lida do gado
no sertão, sendo esta uma profissão envolta de símbolos, alguns conceitos e estereótipos são construídos para
os designar: vaqueiro herói, vaqueiro sofredor, vaqueiro corajoso, vaqueiro sobrevivente da seca. Essas desig-
nações foram e são decorrentes da literatura, das músicas, das artes, da história, da política; tudo isso, ao longo
do tempo. Hoje, vê-se uma nova imagem sendo construída em torno deste sujeito: a do luxo, da ostentação, da
riqueza e que, de certa forma, não condiz com a verdade empírica dos fatos.
Para a lógica mercantilista, transformar e modificar o vaqueiro pobre, trabalhador rural e sofredor, em
um vaqueiro rico que ostenta bens materiais é mais vantajoso, economicamente falando.
Artistas que se dizem vaqueiros para construir uma identidade para seu público e promover músicas e
shows tornaram-se comuns na sociedade atual, principalmente, na indústria fonográfica, em especial o forró.
Ao estudar a cultura do vaqueiro nordestino e as questões atuais que a envolvem, é possível observar uma
identidade, de certa forma, volátil e fluida, podendo ser considerada uma construção de linguagem como outra
qualquer.
Isso ocorre, com mais insistência, pela existência do que foi denominado, por Canclini (1997), como hi-
bridação cultural; conceito que colabora ainda mais com o fato de uma identidade não ser fixa e caracterizada
por mudanças conforme tempo, espaço e situação.
É válido ressaltar e iniciar este tópico explicando o fato de que este estudo não pretende definir a iden-
tidade de um novo vaqueiro nordestino, mas expor possíveis mudanças de referenciais identitários existentes a
partir de músicas e cantores que utilizam o termo vaqueiro para se designarem, à medida em que expõem um
estilo de vida contraditório à própria imagem do vaqueiro tradicional que se tem conhecimento, historicamen-
te e socialmente falando.
Este “novo vaqueiro de luxo”, ou “vaqueiro rico” é exposto, principalmente em letras de músicas do
gênero forró, através da internet e, para a análise nesta pesquisa, utilizou-se a plataforma de vídeos, Youtube,
para tomar alguns exemplos propícios ao tema em questão.
O forró que, desde sua origem na década de 40, com Luiz Gonzaga, possui forte ligação com a própria
região Nordeste, sendo um símbolo cultural do lugar. Luiz Gonzaga colocava em suas composições musicais
e na maneira de interpretar, um forte apelo de nordestinidade e, ao cantar, sempre exibindo sua voz caracte-
rística do sertão, além do sotaque e signos nordestinos. O ritmo do forró de Gonzaga era dançante, ao mesmo
tempo em que abordava, nas canções, problemas da região, como a seca e a saudade de quem sai do lugar mas
sempre pensa em retornar.
O novo forró que apresenta o novo vaqueiro não possui tais características, pelo contrário, mostra um
sujeito desprendido do sertão, morador da cidade, mas que possui fazendas com gados como atividade de lazer
e não de trabalho. O ambiente pastoril é exibido nos videoclipes e nas letras das músicas para fazer relação com
a história do vaqueiro tradicional, que é decorrente deste.
Para melhor entendimento, foram selecionados três clipes do cantor de forró Mano Walter.
José Walter Tenório Lopes, o Mano Walter, é cantor e compositor, nascido em 13 de julho de 1986, na
cidade de Quebrangulo, no Estado de Alagoas. Filho de um pecuarista e de uma professora, cresceu no meio
rural e começou a cantar e compor acompanhando seu pai nas vaquejadas e festas de apartações. É engenheiro
agrícola, além de cantor, e denomina-se, ainda, sendo vaqueiro. Seu primeiro CD levava o título “Cavalo Ciu-
mento”. (PORTAL MEIO NORTE, 2016)

Referências

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CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade . Tradução
110
de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-350: Culturas híbridas, poderes
oblíquos.
FOUCAULT, M. Ditos e escritos IV. Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
HALL, Stuart., 2004. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A.
MAFFESOLI, Michel. 2014. O Tempo das Tribos. O declínio do individualismo na sociedades da massa. Rio
de Janeiro: Forense Universitária.
MEIO NORTE. Mano Walter e o ritmo de vaquejada que conquistou o Brasil. Disponível em: < https://www.
meionorte.com/entretenimento/mano-walter-e-o-ritmo-de-vaquejada-que-conquistou-o-brasil-298095>.
Acesso em: 22 de Maio de 2018.
ROSE, N. Inventando nossos selfs. RJ: Editora Vozes, 2011.
WOODWARD, Kathryn. (2009). Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, To-
maz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. 9.ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. p. 7-72.

111
ARQUEOLOGIA PESSOAL: historicizando o invisível1
Suyane Oliveira Santos2

Resumo:
Este resumo trata dos elementos introdutórios e conceituais da minha pesquisa de monografia. Onde apre-
sentarei uma arqueologia pessoal baseada no conceito de micro-história, discutindo questões sobre a mulher
negra na sociedade contemporânea, vivências e memórias que impactam na sua construção e autoidentificação
como tal. A pesquisa conterá entrevistas com outras mulheres negras além das mulheres de minha família. O
resultado completo dessa pesquisa será apresentado em artigo abordando as questões da mulher negra no Ca-
riri cearense, uma obra de arte na forma de livro de artista baseado nas memórias da minha mãe e minha avó
materna e uma exposição com o resultado plástico dessa pesquisa.

Palavras-chave: mulher negra; arqueologia pessoal; memória; artes visuais; livro de artista.

A universidade mesmo com a política de cotas raciais como forma de diminuir os prejuízos históricos
da população negra permanece um espaço elitizado, reservado, preferencialmente para os brancos, principal-
mente homens. O percurso que nós negrxs e pobres percorremos até chegar aqui é bastante dificultado, bem
planejado para que nunca alcancemos determinados espaços, principalmente nós mulheres negras.
Mas, que lugar esses corpos negros ocupam na sociedade? O que esses corpos carregam como história
e memória? O que eles transmitem a partir do olhar do outro?
Somos frutos de uma sociedade machista e racista, frutos da colonização e da escravidão. Mas esses corpos,
mesmo que calejados, resistem. Somos sinônimo de luta, desde nossos antepassados até os dias atuais. Se hoje
existo é porque vieram várias antes de mim. Duas dessas são Antônia Ana de Jesus, minha avó, e Maria do
Socorro Oliveira Santos, minha mãe.
Todas as experiências racistas que vivi dentro da escola me obrigavam a não me adequar a esse espaço.
Porém, guiada pelos ensinamentos da minha mãe continuei nesse caminho com o sonho de me tornar “alguém
na vida”, que sem os estudos seria impossível. Ela sempre se colocou como um exemplo a não ser seguido pois
passou mais ou menos 12 anos até voltar para a escolar e concluir o Ensino Médio, depois fez um curso técni-
co para conseguir um emprego e nos sustentar financeiramente. Minha avó, por exemplo, nunca estudou, só
trabalhava e vivia de forma bastante precária. Sua história de vida sempre foi um pouco incerta, pois muitas
coisas ela não lembrava ou simplesmente se negava a falar. Documentos e fotografias quase não existem. A
partir dessas observações pude perceber que a história de vida de pessoas de origem pobre, majoritariamente
negras em nosso país, são propagadas pelas histórias faladas, por isso com o tempo elas podem ser modificadas
e tendem ao esquecimento.
A oralidade tem um papel essencial e é supervalorizada na cultura dos povos africanos, sobretudo na
região subsariana, pois é por meio dela que as pessoas transmitem suas crenças e saberes de geração em gera-
ção. Já no Brasil essa oralidade toma uma nova dimensão, sedimentada na desvalorização e no esquecimento,
tendo em vista que aqui essa tradição só se fez presente nas pessoas negras, oriundas de sua ancestralidade, e
que foram sistematicamente empobrecidas e marginalizadas, devido a escravidão e racismo perpetrado pelos
brancos, que construíram a ideia de que apenas a tradição escrita tem algum valor. Assim, a vida e história das
pessoas negras, como a minha avó, vão desaparecendo da historiografia oficial ou são desconsideradas pelas
pessoas da academia.
Pensando nisso dividirei o trabalho de conclusão de curso em dois livros e uma exposição. No primeiro
livro, farei uma breve explanação sobre o processo de ser mulher negra, reconhecimento e autoidentificação na
sociedade em que vivemos de modo geral e com recorte no contexto do Cariri cearense, tendo embasamento
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia.
2 Estudante da Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri – URCA, suyaneosantos@gmail.com

112
teórico em pesquisas já realizadas sobre o tema, em documentos oficiais e políticas públicas. Farei uma reflexão
sobre os aspectos conceituais, os motivos de realização desse trabalho plástico, as técnicas que utilizarei para
desenvolvê-los e o referencial artístico e teórico, inspirada pelas ideias da Rosana Paulino apresentadas em sua
tese Imagens de Sombras (2011), na qual ela defende a importância de falarmos desses elementos para que as
pessoas possam ampliar a compreensão sobre o processo de criação, não como uma defesa ou explicação da
obra, mas como uma forma de expandir a compreensão sobre o trabalho.
Produzirei um livro de artista baseado em memórias tendo como referência o livro Quarto de Despejo
(1960), de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), porém, com uma proposta estética diferente. Contarei em forma-
to de diário experiências vividas pela minha família, principalmente, pela minha avó e minha mãe a partir das
entrevistas que realizarei com elas e investigação nos álbuns fotográficos. Partindo da reflexão sobre a falta de
fotografias e documentos que mostrem um pouco o que foi a vida da minha avó e dos sonhos da minha mãe que
nunca foram realizados devido a essa “falta de oportunidade” que o racismo e o machismo geram em nossas vidas,
realizarei um trabalho de modificação das imagens que recolherei dos álbuns da minha família, criando um resul-
tado plástico de sonhos não realizados. Assim como a artista Telma Saraiva (1929-2015) fazia em suas fotopinturas
e, como já havia feito em um trabalho para a disciplina de Fotografia a partir das carteiras de identificação de
estudante do meu pai. Nesse processo também estarão minhas experiências e meu processo de autoaceitação.
A exposição trará obras que serão executadas no processo de criação do trabalho de conclusão do
curso. Essas obras serão criadas a partir de objetos que venho recolhendo da minha família com o objetivo de
problematizar questões que são impostas de geração a geração a nós mulheres negras, como por exemplo, a
doutrinação a partir do cristianismo na vida da minha família e principalmente na vida da minha vó.
Por sempre estarmos na condição “de o outro do outro” como fala a Grada Kilomba (KILOMBA, p.
124, 2017), muitos dos nossos direitos são negados. Um desses é o nosso direito de existir na história. Mulheres
que tiveram papel fundamental em grandes feitos na humanidade tiveram suas histórias apagadas, esquecidas.
Especialmente mulheres negras. Imagine micro-histórias como a da minha família ou de cada umas dessas
mulheres que entrevistarei? Não somos nada para a sociedade em que vivemos, aliás somos corpo para uso, por
não ocuparmos um lugar de destaque e principalmente pela nossa cor e gênero.
Esses três momentos têm como objetivo discutir questões sobre a mulher negra na sociedade em que
vivemos, tais como autoidentificação da mulher negra, feminino e feminismo negro, solidão da mulher negra e
outras questões divididas em dois tempos, passado e presente. Pensar como era a vida dessas mulheres no pas-
sado com minha mãe e avó, os problemas que elas enfrentaram por serem negras e como se deu esse processo
de autoidentificação, se é que ele aconteceu de fato. E como nós, mulheres de hoje vivemos. Será que os mesmos
problemas do passado nos afligem ou hoje em dia temos mais força para sermos quem realmente somos?

Referências

KILOMBA, Grada. Descolonizando o conhecimento. Palestra-performance apresentada das 16h às 18h no CCSP –
Centro Cultural São Paulo em 06/03/2016.
______. Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism. Münster: Unrast Verlag, 2012.
NOGUEIRA, Isildinha B.. O corpo da mulher negra. São Paulo: Pulsional Revista de Psicanálise, 1999.
OLIVEIRA, Alecsandra M. de. Mulheres, negras e perigosas. São Paulo: Jornal da USP, 2017.
OSE, Elvira Dyangani. Usos da memória. Caderno SESC_Videobrasil: usos da memória. São Paulo: Edições SESC São
Paulo, 2014, pp. 3-10.
PAULINO, Rosana. Imagem de Sombras. São Paulo, 2011.
PISCITELLI, Adriana. Recriando a Categoria Mulher. Campinas-SP. 2001.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte(MG): Letramento, 2017.
SANTOS, Renata Ap. Felinto dos. O Feminino negro na obra de Janaina Barros. Revista da Faculdade de Belas Artes
de Lisboa. CSO 2013.
______. Rapunzel: a arte contemporânea como tratamento cosmético/estético a partir das performances de Juliana dos
Santos e de Priscila Rezende. Revista da Faculdade de Belas Artes de Lisboa. CSO 2017.
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. O corpo inacessível. Uberlândia-MG: ArtCultura, 2007.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil - Folha Explica. Publifolha, 2001.

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Videodança entre territórios e provocações transdisciplinares
no Human Connection Project1
Tiago Amate2

Resumo:
E se dançássemos imagens? A partir da videodança Trezentos pretende-se discutir o processo de criação em
dança-cinema no âmbito de uma pesquisa transdisciplinar quando de sua origem entre as artes visuais, artes
performativas e imagens em movimento no ciberespaço da web. O Human Connection Project, em sua pers-
pectiva de criação de vídeos em rede, manifesta um ponto de encontro entre artistas cujos processos de criação
são díspares, provocando a convergência de experiências estéticas na ideia de um tecido comum: as imagens.
Índices em fotografias e pinturas permitem a um grupo de artistas, ainda que separados geograficamente,
investigar as possíveis relações do corpo em movimento com as imagens, improvisando distintas iconografias
por meio de um pensamento que não é necessariamente lógico ou linear, pois vem dançando.

Palavras-chave: videodança; Human Connection Project; arte contemporânea; transdisciplinaridade; ecologia


do fantasma

Como conceber a dança a partir de iconografias? Não seria mesmo a experiência do corpo dançante um
pensamento a que se atribui imagens em fluxo, estas que se dão entre o pensamento não-linear e o corpo em
movimento no espaço-tempo? Se o corpo dançante é metáfora do pensamento, há de se pensar nas inúmeras
imagens e sensações que culminam nessa espécie de acontecimento. Imagens ora projetadas ora presenciadas,
visões espaciais, lapsos, memórias, vestígios, imagin-ações sobre o próprio corpo que dança. Você por acaso
é capaz de se imaginar dançando enquanto dança? Seria possível não imaginar? Corpo e pensamento são in-
dissociáveis. Os sentidos desencadeiam pensamentos e também projetam imagens. E são nessas experiências
estéticas de um corpo-pensamento que a dança contemporânea se localiza. Dançamos vendo o espaço, obser-
vando partes dos nossos próprios corpos, presenciando o outro que também nos vê, dançamos ouvindo sons,
sentindo cheiros, vivendo experiências hápticas, atualizando-se a cada novo movimento do próprio corpo.
Dançamos porque somos corpos, dançamos porque pensamos. E não se trata meramente de um pensamento
logocêntrico, mas de sentidos, imagens, sensações.
Partimos, então, de algumas indagações sobre os possíveis contornos epistemológicos entre dança,
imagem e pensamento com a finalidade de debater a criação em videodança. Recupero o processo de Trezen-
tos, obra coletiva exibida no Human Connection Project3, projeto transdisciplinar que envolve 11 universidades
brasileiras e a Harvard University. O convite para participação se deu como parceria no contexto do grupo de
pesquisa Ágora: modos de ser em dança4, da Universidade Federa da Bahia, sob orientação da pesquisadora
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia. O Human Connection Project é um projeto vinculado à Universidade de São Paulo.
2 Docente no Instituto Estadual do Maranhão. Mestre em Dança pela Universidade Federal da Bahia, com a pesquisa Videodança
autorreferente: dança-cinema em trânsitos híbridos no ciberespaço da web. Seu projeto Aloka das Américas pode ser encontrado
em plataformas com Vimeo e Youtube. Contato: <shungranger@gmail.com>
3 O Projeto Human Connection surgiu a partir do convite realizado pelo professor PhD. Shigehisa Kuriyama da Universidade de
Harvard, para o encerramento (em junho de 2013) do projeto de Pós-Doutorado da Profa. Dra. Cecilia Noriko Ito Saito. De acordo
com os conceitos do professor, o projeto procura refletir sobre as inúmeras questões ligadas às formas de ler, estudar e lidar com o
conhecimento, utilizando recursos das novas mídias tecnológicas para ligar assuntos complexos. Fonte: < https://humanconnec-
tionproject2013.wordpress.com/about/ > Acesso: 10/02/2019 - O Grupo de Pesquisa destina-se a acolher pesquisas relacionadas à
Dança, Arte, Cognição e Política sob o conceito grego da ágora que significa reunião, assembleia, espaço público, vasta localização.
Assim como uma pequena cidade dentro de uma grande, um sopro público, concebemos o grupo como uma estrela dentro da
grande constelação UFBA. Fonte: <http://www.ppgac.tea.ufba.br/grupos-de-pesquisa/agora/ > A. 10/02/19
4 Não se trata de cena. Portanto também não se trata de conteúdo representado por uma forma. Aloka das Américas é, sobretudo,
um experimento ambulante em corpo-câmera, que problematiza uma economia consolidada sobre a arte híbrida em seus esquemas
burgueses, eugênicos e neoimperialistas. É uma ode à loucura, à ausência de disciplina e de seus consequentes planejamentos num
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Gilsamara Moura. Decidimos, a partir de pesquisas que já estavam em progresso no grupo, por dar início a
um processo criativo em videodança que se relacionasse às imagens escolhidas como mote pelo pesquisador
Shigehisa Kuriyama, pois o Human Connection Project trabalha com uma vasta qualidade de imagens em
movimento em torno de uma provocação inicial, feita a partir de fotografias, desenhos ou pinturas. Não neces-
sariamente o resultado final precisa ser uma experiência estética, pois o projeto se interessa mais em investigar
como funciona a produção de conhecimento em torno das imagens, relacionando várias áreas. No entanto,
diante das quatro imagens disponibilizadas (entre elas, uma fotografia e três pinturas), a opção pelo hibridismo
em dança-cinema se deu tanto pelas áreas de conhecimento dos pesquisadores envolvidos quanto por uma
necessidade de aproveitar as pesquisas em corpo-câmera já em andamento.
No caso específico das contribuições que pude dar ao processo de criação da videodança, enumero a
experiência do canal Aloka das Américas5, para o qual tenho criado videodanças há quase 4 anos a partir de
uma premissa transdisciplinar em corpo-câmera, sem que as hierarquias epistemológicas vinculadas à noção
comum de videodança se sobreponham aos acontecimentos que se dão no hibridismo dança-cinema. São expe-
rimentos que permitem inúmeros jogos entre o corpo que dança, a câmera, bem como o processo de filmagem
e montagem da videodança. Sob uma perspectiva autorreferente, os vídeos não se limitam à documentação de
uma performance ou a dar função narrativa à dança, mas investigam sua concepção com a própria câmera,
desfazendo tanto algumas expectativas cênico-narrativas com o corpo em movimento, quanto a demanda por
um cinema linear que sirva à lógica da representação na forma cinema, conceito concebido por André Parente
para assinalar o modelo hegemônico adotado historicamente pela indústria cinematográfica. “Para o cinema
experimental o que interessa não é a impressão de realidade, ponto nodal do cinema de representação, mas a
intensidade e a duração das imagens. (PARENTE, 2007: 20)”. Nesse sentido, o projeto Aloka se localiza num fa-
zer experimental do cinema, aliando a isso as incursões num pensamento em dança contemporânea que tam-
bém recusa a representação quando permanece “na ambiguidade de um objeto que não é dança, mas também
não deixa de ser; permanecendo no limiar de uma recusa em passar a ser dança e sua correlata incapacidade
de já não sê-la.” (ROCHA, 2016: 49). Tais procedimentos que se desviam das formas hegemônicas no projeto
Aloka foram incorporados nas experiências em grupo para a videodança Trezentos.
Ao conceber a improvisação do corpo que dança com a câmera como uma espécie de jogo, desvendam-
-se alguns procedimentos de criação em rede responsáveis por romper com barreiras geográficas, porque as
imagens podem, então, ser produzidas a qualquer momento e em qualquer lugar, bastando em algum período
do processo reuni-las na montagem, e por também explorar as rupturas com a exigência de um fazer drama-
túrgico tradicional que organize um sentido limitado aos corpos em movimento. Dessa maneira, a improvisa-
ção como metodologia em dança-cinema permitiu inúmeras interações abstratas com os dispositivos cinema-
tográficos e as imagens selecionadas para o processo de criação em grupo. Dançar as imagens6, portanto, na
tentativa de criar outras imagens que se relacionem, não havendo, para isso, uma finalidade das imagens em si,
como se estas últimas (as imagens em movimento criadas na videodança) tivessem de representar as primeiras
(as imagens estáticas indicadas pelo projeto). Trata-se de materializar em vídeo as interações possíveis entre a

sistema produtivo de mais valia, que herda a lógica industrial de uma reprodutibilidade técnica. Aloka das Américas, então, é qual-
quer coisa que se dá na relação corpo-câmera sob uma perspectiva autorreferente. Qualquer coisa pois não se configuram mais os
limites que determinam categoricamente aquilo que pode ou não ser nomeado como arte. Fonte: <https://alokadasamericas.wixsite.
com/alok/about>
5 Não se trata de cena. Portanto também não se trata de conteúdo representado por uma forma. Aloka das Américas é, sobretudo,
um experimento ambulante em corpo-câmera, que problematiza uma economia consolidada sobre a arte híbrida em seus esquemas
burgueses, eugênicos e neoimperialistas. É uma ode à loucura, à ausência de disciplina e de seus consequentes planejamentos num
sistema produtivo de mais valia, que herda a lógica industrial de uma reprodutibilidade técnica. Aloka das Américas, então, é qual-
quer coisa que se dá na relação corpo-câmera sob uma perspectiva autorreferente. Qualquer coisa pois não se configuram mais os
limites que determinam categoricamente aquilo que pode ou não ser nomeado como arte. Fonte: <https://alokadasamericas.wixsite.
com/alok/about>
6 Das quatro imagens indicadas pelo Human Connection Project, apenas duas foram escolhidas para o processo de criação em
Trezentos, visto que esta videodança é apenas parte de uma configuração mais extensa onde serão incluídas outras intervenções em
dança-cinema. As filmagens ainda em andamento propõem a criação de outras obras além de Trezentos, manifestando interações
entre os vídeos e todas as imagens estáticas indicadas como referências no projeto.

115
improvisação do corpo dançante e a iconografia das imagens estáticas sugeridas. Vestígios de imagens que se
manifestam na dança com a câmera e também na montagem do filme. Nessas interações, a dança é concebida
como metáfora do pensamento (BADIOU, 2002) que participa ativamente de um cinema híbrido, um cinema
que pensa com o corpo; um pensamento movente que transborda seus acontecimentos para o filme. São as
imagens resultantes desse processo que, em seguida, estarão na rede mundial de computadores.
Da experiência de filmar danças em diferentes cidades, então, três artistas tentam se conectar por meio
de imagens seculares. Dançando entre a França e o Brasil, os artistas estabelecem links entre a experiência de
seus corpos em improvisação e os registros ontológicos de organizações sociais dogmáticas e/ou herméticas.
Os confrontos e diálogos possíveis entre a contemporaneidade dos corpos dançantes e algumas pinturas da-
tadas dos séculos XVI e XIX, revelam rupturas e/ou revoltas com as formas de pensar a humanidade a partir
das desgastantes alegorias simbolizadas pelo colonialismo, imperialismo e capitalismo mercantil. Duas das
pinturas7 utilizadas no processo de criação foram disponibilizadas pelo projeto interinstitucional a fim de que
servissem de diálogo com imagens em movimento da atualidade num objeto híbrido, contemporâneo. O desa-
fio de dançar formas fixas e datadas, sem cair no lugar-comum de representá-las, teve o princípio de interligar
os experimentos advindos de um pensamento em dança contemporânea, ou melhor, de um pensamento que
vem dançando e vaza para a câmera, tornando-se imagem em movimento, às alegorias existentes nas pinturas
seculares sugeridas pelo projeto. Dessa maneira, Trezentos é um experimento em videodança que recupera das
pinturas seus vestígios históricos, saindo do Renascimento na Europa em direção ao período próximo a Era
Meiji no Japão. Entre as duas temporalidades, trezentos anos. Mas e entre as pinturas e nós, que dançamos
agora? Quanto tempo, quantas questões passam? Trezentos são outros trezentos. Representam a ordem das
centenas, em cuja ordem não há sentido determinado, a não ser uma história logocêntrica que nos é sugerida
pela disputa de poder entre potências que visam à hegemonia de um planeta governado por forças bélicas.
Num ato de resistência, dançamos os três em diferentes configurações espaciais e temporais a fim de
problematizar e/ou abstrair os sentidos das pinturas escolhidas. Trazendo questões outras ou complementares
àquelas dispostas em seus sentidos iniciais, avançamos. Para onde? Não há destino certo. Diria que não há
mesmo um destino. Avançar no sentido de atualizar, configurar no presente. Assim, corpos em Nice, São Luís
e Votorantim se enlaçam na ausência de limites geográficos para as tecnologias virtuais a fim de criar outras
temporalidades numa videodança hiper-secular que foge à estética da representação. Para tanto, a experiência
estética do corpo dançante resgata não apenas os vestígios iconográficos presentes em imagens dos séculos
passados, mas aquilo que a coreógrafa Vera Mantero nomeia como resíduo e se encontra no limiar entre o
consciente e o inconsciente: talvez a fonte de suas incursões na dança a partir de técnicas como a improvisação.
“Aquilo que resta de uma série de coisas que o ser humano gosta de fazer para manter o seu espírito num deter-
minado ponto de possibilidade. Talvez não só de possibilidade como de interesse. Um ponto em que é possível
e interessante existir” (MANTERO, 1998:3)
Esse pensamento se alia ao que Felix Guattari chamará de ecologia do fantasma, uma ecologia mental
que privilegia a experiência em detrimento do consumo, configurando formas distintas de se relacionar com
o próprio corpo numa experiência social que repercute violências cotidianas. Afinal, como direcionar essas
pulsões para outras formas de existência que não sejam a mera reprodução simbólica ou mesmo uma censura
sobre seus vestígios? Antes de tudo, a ecologia do fantasma prevê singularização, mas não sob o domínio da
psicologia do indivíduo, pois prefere desestabilizar as fronteiras individuais para uma organização em sistemas
ou “espírito”, em cujas linhas de ação não há coincidência necessariamente com um contexto, mas com a ideia
da subjetividade que se instaura “no seio das paisagens e dos fantasmas que habitam as mais íntimas esferas do
indivíduo” (GUATTARI, 2001: 55). Iconografias ilógicas, pensamentos não lineares que viram dança. É disso
que se trata Trezentos, de uma experiência em rede que reinventa as relações entre sujeito e corpo, repercutindo
seus rastros na leitura das imagens.

7 The Ambassadors, de Hans Holbein (1533) e Nihonbashi Fish Market, de Hasegawa Settan (1834).
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Referências

BADIOU, Alain. Pequeno Manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
DELEUZE, Gilles. O ato de criação. São Paulo: Folha de São Paulo, 1999.
GUATTARI, Felix. As Três Ecologias. Campinas: Papirus, 2001.
MANTERO, Vera. A desfazer-se. In: Elipse-Gazeta Improvável. Lisboa: Relógio d’água, Nº1, Primavera 1998,
p. 3-4.
PARENTE, André. Cinema em trânsito: do dispositivo do cinema ao cinema do dispositivo. In: MARA, India
(org.). Estéticas do Digital - Cinema e Tecnologia. Rio de Janeiro: LABCOM, 2007.
ROCHA, Thereza. O que é dança contemporânea?. Uma aprendizagem e um livro de prazeres. Salvador, Co-
nexões Criativas, 2016.

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UMA PERFORMANCE SOBRE O AMOR:
o antes e o depois de a “menina com balão” de Banksy1
Vanessa Santos2

Resumo:
O presente trabalho trata-se de uma breve análise crítica a respeito do belo clássico na arte de hoje através da
venda da obra “a menina e o balão” realizada num leilão de arte na casa Sotheby’s em 2018. Traça-se paralelos
comparativos entre Banksy, autor dessa obra, Fontaine (1917) de Duchamp e as serigrafias de Andy Warhol.
Abordando questões relativas à posição do artista contemporâneo além de problematizar filosoficamente as
questões da obra nela mesma e atrelá-las à sua própria apresentação intelectual e estética.

Palavras-chave: Banksy, performance, arte contemporânea, grafite.

A obra “Menina com balão” muda de nome após sua performática venda num leilão de arte na casa
Sotheby’s no dia cinco de outubro de 2018. No site do artista se encontra publicado um vídeo documental que
mostra o processo desde a confecção do mecanismo que tritura a imagem sendo acoplado internamente à
moldura até sua autodestruição onde fica clara a sua posição que mostra testes anteriores feitos em seu ateliê
deixando explícito que em todos os ensaios a obra foi totalmente triturada. A questão é a mesma desde o início,
o amor que por si só se esvai ao vento a priori na representação, e a posteriori de forma física ao perder sua
unidade enquanto imagem se transforma em pequenas e diversas tiras de papel soltas ao vento, literalmente fa-
lando. O amor aparece desde a composição visual da imagem através do símbolo do coração como balão sendo
lançado ao ar e ao acaso até a própria ação de se auto destruir no momento da venda da obra. A ressignificação
feita pelo artista é bastante pertinente e foi bem aceita pela compradora que manteve seu interesse na aquisição.
Na verdade, essa nova perspectiva a respeito da questão abordada pelo artista pode, inclusive, dobrar seu valor
de revenda segundo a imprensa britânica.
Há diversas camadas de significados nesse trabalho a serem problematizadas: de fato, algo aconteceu
durante a performance que fugiu da intenção do artista quando esta foi parcialmente triturada e permaneceu
dividida visualmente pela moldura exuberante e clássica que acopla o triturador. A escolha do tipo de moldura
contrasta com a imagem da menina com o balão que já foi bastante difundida na principal galeria de arte onde
o trabalho desse artista aparece: na rua. A moldura faz referência às pinturas clássicas, às Belas Artes que eram
acompanhadas de enormes e grosseiras estruturas que delimitavam com muita veemência o que pertencia
ao campo da arte. Até então, além de proteger tinha o propósito de separar de forma incisiva arte e vida. O
problema das Belas Artes era o lugar de sagrado e a função pragmática que a beleza ocupava naquilo que uma
obra de arte mostrava. As esculturas não fugiam de seus pedestais assim como as pinturas eram aprisionadas
em largas molduras nos grandes salões, feiras e leilões de arte. Havia uma grande necessidade de despertar o
deleite estético nas pessoas, e com ele despertar o amor durante a sua experienciação. Não é a toa que o tema
abordado em a “menina e o balão” seja o amor e com aquela moldura.
Em 1917, com os ready-mades de Duchamp, um dos mais conhecidos ainda se trata de Fontaine, de-
masiadamente discutido, um urinol sobre um pedestal de escultura exposto num salão de arte problematiza a
questão da beleza atrelada à definição filosófica da arte. Que mudou um pouco de viés nos anos 1990 quando
a beleza foi declarada como o problema decisivo da década pelo crítico americano Dave Hickey. Porém ocor-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte contemporânea e o contemporâneo das artes, do IV Simpósio Nacional de Arte
e Mídia.
2 Atua como professora EBTT com regime de dedicação exclusiva (40hs) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFRJ) na área de Artes Visuais. Fez mestrado como bolsista da CAPES na linha de pesquisa de Linguagens Visuais no programa
de pós-graduação em Artes Visuais da UFRJ é bacharel em Artes Visuais/Escultura pela UFRJ e licenciada em Artes Visuais pela
UNOPAR. É artista visual, suas áreas de interesse são: Crítica de arte, arte contemporânea, escritos de artista, além de produzir e
publicar análises críticas de trabalhos de arte contemporânea. E-mail: santos.vanessa@ifrj.edu.br

118
reram exposições que, na realidade, ao invés de buscar a beleza como tal consideraram a hipótese de construir
outras visões sobre sua essência. As exposições foram: Em 1999, Regarding Beauty: Perspectives on Art since
1950 (A respeito da beleza: perspectivas sobre a arte desde 1950) com curadoria de Neil Benezra e Olga Viso
que com apenas três anos de diferença em 1996 curaram uma exposição aparentemente inversa disso que se
chamava Distemper: Dissonant Themes in the Art of the 1990s (Inquietação: temas dissonantes na arte dos
anos 1990). Outra questão que aparece nesse tão difundido trabalho de Duchamp é o anonimato. Ele assina a
obra com “R. Mutt” e a submete à Sociedade de Artistas Independentes sem revelar a sua real identidade. Assim
como na performance da “menina com balão” o botão é acionado durante o leilão, filmado, já que aparece no
vídeo documental no site do artista, mas em momento algum a sua identidade é revelada. Outro ponto interes-
sante, o lugar do artista em Duchamp não é mais o do artesão ou mestre conhecedor de uma técnica, todavia
a partir dele se pode escolher ser ou não. Dá-se, portanto um novo lugar para aquele que faz arte que é o lugar
de problematizar filosoficamente as questões e atrelá-las à sua própria apresentação intelectual e estética. Ele
pode, a partir daí propor um conceito, uma ideia acima de tudo, comunica-se algo através da produção artís-
tica. Algo que põe o espectador em crise e a se questionar enquanto sujeito que experiencia esteticamente um
objeto comum desassociado de sua utilidade e posto como um objeto de arte.
Por volta de 1962, Warhol revisita alguns pontos introduzidos por Duchamp a respeito da arte. Quando
reproduz em serigrafias latas de sopas campbells, brillo boxes que eram objetos muito comuns no cotidiano
da sociedade americana e as expõe instaladas como se vê nos supermercados a questão toma uma nova pers-
pectiva. Se o questionamento a respeito da arte deixa de ser “Isso é belo?” e passa a ser “Mas, isso é arte?”, em
Warhol essa questão permanece quando ainda põe o sujeito que experencia a obra em crise e a questionar o
que ele vê, mas além disso ele gosta do que vê, as cores e a composição fazem bem ao seu olho, são interessantes
visualmente. Em certa medida uma nova ressignificação é feita em Warhol não só pelo viés da problemática a
respeito da definição filosófica de arte, como também sobre o que viria a ser então o belo naquele momento.
De uma forma ou de outra ele consegue dizer que arte pode ser bela e ao mesmo tempo ser interessante para o
intelecto. O que Danto no seu livro “O abuso da beleza” divide em beleza interna e beleza externa, a primeira,
no fundo, se trata de uma beleza concentrada na lógica, na linguagem e na filosofia da arte e a segunda em
relação à forma.
O que Banksy fez com esta performance, no fundo, se trata de uma revisitação ao questionamento le-
vantado por ambos tanto Duchamp quanto por Warhol. No momento em que o martelo é batido pelo leiloeiro,
o artista que mantém sua identidade velada aciona por um controle remoto o triturador. No instante em que
isso acontece simbolicamente a moldura clássica torna-se a responsável pela destruição da imagem que desce
até certo ponto. A moldura deixa de indicar de maneira perspicaz o que é arte e a própria arte rompe com
este lugar se projetando para fora dela. O timing foi o melhor, durante um leilão, diversas pessoas atuantes no
mercado de arte assistem pasmadas a obra se autodestruir. Como na imagem, o balão como símbolo do amor,
se afasta da menina e sai voando mas ele ainda aparece “vivo” através de sua cor saturada dentro do quadro
e a menina, depois da ação “sai” do quadro se aproximando do corpo das pessoas, do cotidiano das ruas, da
vida em si e rompe com o ritual do leilão. Nela, não há a exigência de um objeto material. Voltando à questão
do Duchamp e Warhol, além de se afirmar enquanto intelectual, além de ser uma imagem bonita e lúdica, “a
menina e o balão” problematiza de maneira crítica o lugar da arte de rua no mercado de arte. A vontade de
Banksy era desmaterializá-la pois dessa maneira passaria à categoria de arte conceitual. Além de ser visual-
mente e intelectualmente interessantes é uma obra crítica que se infiltra no mercado e devolve para ele todos
os “insultos” em relação à marginalização da arte de rua. A sua própria desmaterialização no momento em
que a venda é realizada põe a prova a legitimidade do ritual naquele espaço. Ao mesmo tempo em que passa
por diversas definições e sentidos que a filosofia da arte já apontou. Desde o belo e sagrado, na escolha da mol-
dura, e também remete à serigrafia, à arte pop, ao mesmo tempo é grafite, arte de rua chegando ao ponto de
arte conceitual na tentativa de desmaterialização de sua forma ao desejar deixar uma moldura imponente na
parede vazia, ao querer destruir a obra por inteiro e ao mesmo tempo marcar presença como resto ou memória,
contudo de fato não se chega a esse ponto. O trabalho não atinge o pretendido pelo artista quando só tritura a
imagem até a sua metade. O mais impressionante e o que o artista não contava foi que a obra se autodestruiu
até certo ponto e parou no meio. Uma performance que era para ser sobre o amor transformado em lixo, na
119
verdade acaba sendo surpreendida pela própria arte que performa e apresenta, na realidade, outra questão, a
de que o amor deve continuar porque, na verdade, ele nunca é de fato destruído por inteiro, tem sempre algo
que permanece enquanto registro, memória, afeto. Mesmo que a intenção fosse destruir o amor por completo,
uma reviravolta ao acaso afirma que algo permanece vivo e nesse caso ainda é o símbolo do coração pintado de
vermelho e também a pergunta:
mas e afinal, o que restou do belo clássico na arte de hoje?

Referências

CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: o engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002.
DE DUVE, Thierry. Kant depois de Duchamp. 1ª Edição. Rio de Janeiro: 1998. 28 páginas. Disponível em:
https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/Kant-depois-de-Duchamp-Thierry-De-Duve.pdf
Acesso em: 20 de dezembro de 2018.
DANTO, Arthur C. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte / Arthur C. Danto; tradução Pedro Süs-
sekind – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015.
DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar comum. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FRANÇA, Renata Reinhoefer. O ato poético como experiência estética no readymade de Duchamp. 1ª Edição.
Rio de Janeiro: 2010. 8 páginas. Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/
ae20_renata_franca.pdf Acesso em: 20 de dezembro de 2018.

120
ARTES VISUAIS, ARTIVISMO GAY E UTOPIAS
PEDAGÓGICAS COMO GESTO DE (RE)EXISTÊNCIA1
Wandeallyson Dourado Landim Santos2
Fábio José Rodrigues da Costa3

Resumo:
O presente artigo é um esforço nosso de trazer para o debate um pequeno recorte da pesquisa em andamento
“Ensino das Artes Visuais e Escola sem Homofobia” e “Gay Power, Ensino de Artes Visuais e Utopias Peda-
gógicas na América Latina” vinculada ao Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos
– GPEACC/CNPq, na linha de pesquisa “Didática do Ensino das Artes Visuais”, ao Núcleo de Estudos e Pes-
quisas em Ensino da Arte - NEPEA do Centro de Artes Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseu da Univer-
sidade Regional do Cariri – URCA. O artigo tem por objetivo apresentar um conjunto de artistas, produção,
contextos e circuito do artivismo de artistas gays já catalogados como primeira aproximação para a inserção
dessa produção nas aulas do componente curricular Arte na escola de educação básica e sua contribuição para
o combate a homofobia. O artigo situa sua abordagem, recorte e análise a partir dos anos de 1960 como marco
do surgimento do movimento LGBTT nos Estados Unidos e, também no Brasil.

Palavras Chave: Ensino; Artes Visuais; LGBTT; Artivismo.

Introdução

Um debate contemporâneo tem tomado os principais centros de pesquisa de vários contextos culturais, tanto
no Brasil como em diversos países, em torno de uma historiografia da arte que tradicionalmente excluiu de
seus registros (livros, catálogos, artigos, documentários etc.), a produção artística de pessoas assumidamente
homossexuais e de mulheres. Para tanto, alega-se a inexistência dessa produção, como Gombrich (1909-2001)
em entrevista para Ana Mae Barbosa e publicada em Arte-Educação: leitura no subsolo (1997), ao tratar da
produção artística feita por mulheres:
Não penso nada, porque nós simplesmente não sabemos nada. Veja: há muitas tapeçarias, coisas
muito belas, feitas na Idade Média. Como se pode dizer se foram feitas por homens ou por mulheres?
Não se sabe. Não tem sentido. E não importa. Se eu ligo o rádio e ouço alguém tocando algo muito
bem, não posso dizer se é homem ou mulher. Não tem o menor sentido. É irrelevante. Na literatura
também, como saber em alguns casos? Jane Austen, por exemplo, sabemos que era mulher. Mas, Ge-
orges Sand poderia não ter sido mulher, ela inclusive tentou não ser. É algo que não posso realmente
conceber. Não há uma arte da mulher. (p. 39-40)
Se para um dos mais importantes historiadores da arte não importava se a produção artística era feita
por homens ou mulheres, o que dizer então sobre arte produzida por homossexuais? E o que pensar sobre essa
mesma produção entrar para o elenco de opções que @s artistas/professor@s/pesquisador@s tenha disponível
para um ensino de artes visuais que ultrapasse a heteronormatividade na sala de aula? Como apreciar/ler/con-
textualizar/interpretar a vasta produção artística presente em museus, centros culturais, bienais e mostras de
artivistas gays e lésbicas?
Parece-nos necessário e urgente atualizar discussões e registros acerca das produções em artes visuais
a partir do protagonismo de artistas gays e lésbicas, movimento que se impulsiona devido a uma outra história
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Estudante do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, membro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contem-
porâneos – GPEACC/CNPq e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq do Centro de
Artes da Universidade Regional do Cariri - URCA. wandeallyson@gmail.com
3 Professor Associado do Departamento de Artes Visuais, líder do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contempo-
râneos – GPEACC/CNPq do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA. fabio.rodrigues@urca.br
121
da arte que vem sendo escrita por historiador@s, crític@s, curador@s e artistas revelando não só uma vasta e
significativa produção, como que esta produção traz em seu eixo questões relativas ao gênero, a sexualidade e
as práticas culturais da comunidade LGBTT.
Ao mesmo tempo em que se descortina, revela e vem a público uma centena de artivistas gays e lésbi-
cas, também são demonstrados procedimentos, técnicas, materiais e suportes usados por estes para denunciar
o status quo que procura mantê-l@s em diversos contextos culturais como sujeitos de menor prestígio social,
político e de representação.
Observa-se, portanto, a construção de outras narrativas e projetos emancipatórios que se propõem a re-
organizar o modelo social, econômico, político, religioso e artístico contrário às estratégias neoconservadoras
e neocolonizadoras das elites dominantes em diferentes contextos culturais contemporâneos.
Na arte também assistimos à desconstrução de imaginários em torno de uma produção artística pre-
dominantemente heteronormativa. Produção essa excluída dos livros de história da arte e mesmo da formação
d@ artista/professor@/pesquisador@.
Outras abordagens que contestam a história da arte tradicional e, consequentemente, canônica surgem
no interior do movimento LGBT desde a década de 60 do século passado. Este movimento vem trazendo à
luz uma produção artística que ultrapassa o lugar de uma arte erótica como lugar para artistas gays e lésbicas,
como alguns historiadores situaram por muito tempo a produção artística desde as pinturas rupestres até as
performances dos anos 1970, tanto no Brasil como na América Latina.
Atualmente não só mais artistas ativistas do movimento LGBT ocupam espaços em Bienais, Centros
Culturais, Museus e Galerias, como o fazem reafirmando que são artistas que em seus trabalhos problemati-
zam essa mesma sociedade heteronormativa e seu projeto opressor.
Nos últimos anos tanto no Brasil como em outros países das Américas e da Europa assistimos iniciati-
vas de judicialização e criminalização de artistas, curadores e instituições por exibirem corpos nus em perfor-
mances, pinturas, fotografias, colagens, instalações, esculturas, vídeo art que demonstram práticas da cultura
LGBTT ou mesmo heterossexual.
Nas escolas da educação básica professores e professoras não recebem atualizações sobre essas abordagens e
desconhecem as produções artísticas de gays e lésbicas que produziram e produzem arte em diferentes contex-
tos socioculturais.
A educação tem sido orientada por uma concepção eurocêntrica, heteronormativa e branca, portanto,
uma história da arte que reforça uma pseudo superioridade do homem sobre a mulher, do segmento branco
sobre os não brancos, da heteronormativa sobre as demais formas de identidade e sexualidades.
Assim as instituições de escolarização e de formação inicial e continuada de professor@s impedem que
estudantes tenham contato com outras perspectivas e abordagens artísticas, afastamento que ocorre da edu-
cação infantil ao ensino médio e mesmo nos cursos de licenciatura. Tal omissão dificulta ou impede que estu-
dantes, cidadãos e cidadãs, se reconheçam a partir de pensamentos e concepções não normativos e, portanto,
construam suas próprias identidades como sujeitos de direitos ou mesmo desenvolvam o respeito por pessoas
que diferem de sua condição de existência.
O presente artigo é um esforço nosso de trazer para o debate um pequeno recorte da pesquisa em anda-
mento “Gay Power, Ensino das Artes Visuais e Utopias Pedagógicas na América Latina”, vinculada ao Grupo
de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq, na linha de pesquisa “Didática
do Ensino das Artes Visuais”, ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte - NEPEA do Centro de
Artes Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseu da Universidade Regional do Cariri – URCA.
O artigo tem por objetivo apresentar um conjunto de artistas, produção, contextos e circuito do arti-
vismo de artistas gays já catalogados como primeira aproximação para a inserção dessa produção nas aulas do
componente curricular Arte na escola de educação básica e sua contribuição para o combate a homofobia. O
artigo situa sua abordagem, recorte e análise a partir dos anos de 1960 como marco do surgimento do movi-
mento LGBT nos Estados Unidos e também no Brasil.

122
1. Ativismo político e as primeiras estratégias de resistência

Nos anos sessenta o artista espanhol Juan Hidalgo (1927-2018) elaborou alguns projetos tendo como
expressão o desejo homossexual em uma época de censura e autocensura que atingiu desde o cinema até as
histórias em quadrinhos, uma consequência da violenta ditadura franquista. A produção artística de Hidalgo
não foi exibida na Espanha, sendo Flor y hombre de 1969, uma série fotográfica, exibida em locais privados.
Nesta série, composta de 12 fotografias, o artista mostra um homem com seu rosto cortado e, portanto, irre-
conhecível que enquanto se despe coloca sua flor em um suporte e, ao passo que tira a roupa a flor aumenta de
tamanho e na última imagem a flor parece ter engolido seu pênis que, ereto, passa a ocupar o lugar do pistilo.
(VIVENTE ALIAGA; G. CORTÉS, 2014).
No Brasil, o artista, arquiteto, escritor e performer Flávio de Carvalho (1899-1973), lança New Look
(1956) e sai pelas ruas de São Paulo vestindo uma saia, passando a ser considerado o pioneiro a colocar em
discussão a ortodoxia de gênero em nosso país. As transformações ocorridas nos anos 60/70 nas sociedades
ocidentais trouxeram a pauta do dia as relações afetivas e práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo. É por
volta desse período que surge nos Estados Unidos, os estudos sobre gays e lésbicas, se desenvolvem e se inten-
sificam os movimentos em favor do combate ao preconceito, à exclusão e opressão aos homossexuais.
Podemos dizer que a noite de 28 de junho de 1969, quando a polícia invadiu o bar Stonewall é o marco
histórico do surgimento do movimento gay em New York e provocou, desde então, mudanças significativas em
relação à comunidade LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais tanto nos Estados Unidos
quanto em diversos países. Stonewall Inn passou a ser o símbolo da resistência do movimento LGBT nos Es-
tados Unidos, recebendo em 1979 uma grande homenagem encomendada por Peter Putnam (1927–1987), um
rico patrono das artes da Luisiana e curador do Mildred Andrews Fundation, que encomendou a George Segal
o Momumento de Libertação Gay.
O Gay Liberation Monument só foi instalado e inaugurado em 1992, depois de uma longa jornada de
processos judiciais e levantes do movimento LGBTT. Em 24 de junho de 2016, o então Presidente Barack Oba-
ma, oficializou o bar Stonewall Inn como monumento nacional.

2. HIV/AIDS/Ativismo/Artivismo

Artistas como Felix Gonzalez-Torres, José Leonilson, David Wojnarowicz entre tantos outros, enxerga-
ram a possibilidade de incorporar a AIDS como tema de seus trabalhos questionando as perdas (de parentes e
amigos) causadas pela doença e alguns por terem sido contaminados pelo HIV. Neste contexto de transforma-
ções advindas de posicionamentos políticos sobre os direitos LGBT, das denúncias sobre violência e assassinato
de membros da comunidade, as Artes Visuais (do desenho a performance) passaram a traduzir por meio de
práticas artísticas questões relativas à comunidade LGBT.
Hoje nos deparamos com uma infinidade de imagens produzidas por artistas ativistas do movimento
e estes trabalhos estão adentrando as principais mostras de artes do mundo como é o caso da Bienal de São
Paulo que em sua 31ª Edição (2014) dedicou espaços a artistas como o filósofo/artista Giuseppe Campuzano
e seu Museo Travesti del Peru e Yeguas del Apocalipsis - As Duas Fridas, de Francisco Casas e Pedro Lemebel/
Chile.
A produção artística contemporânea vem somar à luta incansável d@s que estão diretamente empenha-
d@s em reconceitualizar a visão pejorativa e depreciativa sobre a comunidade LGBT e, principalmente, gay.
Sendo assim, as Artes Visuais assumem papel relevante quando seus criadores se propõem a tratar de temas
tão delicados e as lançam aos olhos de uma sociedade conservadora. “(...) as representações também podem ser
consideradas o meio pelos quais os indivíduos, grupos e instituições manifestam suas ideias e suas percepções
de mundo, sua imaginação a fim de estabelecer uma relação de comunicação (...)”. (SILVA, 2008, p. 03).
No movimento artístico denominado Queer Art encontramos três vertentes que se sobressaem: arte
erótica (com ênfases no homoerotismo), arte conceitual e arte contextual (com ênfases nas pautas do movimen-
to LGBT). Tanto na arte conceitual quanto na arte contextual se destacam artistas como Pierre & Gilles, Robert
Mapplethorpe, Fernando Carpaneda entre outros.
123
Considerações Finais

Nosso presente vem sendo marcado pela contradição entre conquistas de direitos LGBTT e extermínio.
É urgente repensarmos a escolarização como processo de humanização dos humanos e, neste sentido, as Artes
Visuais, o Artivismo LGBTT se constituem em Utopias Pedagógicas como gesto de (RE) EXISTÊNCIA
Responsáveis por suas criações @s artistas têm o poder de elaborar imagens e criar objetos que serão
expostos ao público, e estes, carregam em si um conjunto de elementos que constituem um discurso visual. Tal
discurso só poderá ser decodificado por alguém que tenha pelo menos um conhecimento mínimo da gramá-
tica visual. O que reforça a importância do componente curricular Arte como obrigatório na escolarização de
crianças, adolescentes e adultos. Mas, também, da presença d@ professor@ licenciad@ em Artes Visuais.
Aprender a ler imagens da arte e da cultura visual é aprender sobre nós mesmos e sobre os outros. Os
outros estão ao nosso lado e como nós vivem enfrentando um mundo que foi se constituindo como lugar da
heteronormatividade em todos os aspectos da vida em sociedade. A sala de aula tem muito que aprender com
a arte contemporânea, pois esta nos causa dúvidas, nos provoca, nos inquieta e nos desestabiliza (BENDO,
2010), uma vez que problematiza as estruturas enrijecidas que tentam modelar a tod@s apoiada em plataformas
políticas que beneficiam um projeto neoconservador e neoliberal
Observamos na arte contemporânea uma abertura de criações que agregam interculturalidades, tran-
sitos por territorialidades, incorporação e mescla de elementos do presente e do passado, bem como o trabalho
coletivo ou em duplas de artistas (EFLAND, FREEDMAN, STUHR, 2003). Uma educação contemporânea e
um ensino de arte contemporânea pautada na humanização é libertadora, é reconstrutora. Promove a (re)so-
cialização, a (re)cognição e (re)invenção (SOUZA, 2004) de cada um de nós.

Referências

BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
BENDO, Juliane. Arte, roupa e memória: diálogos sobre a identidade. Monografia. UNESC. Criciúma, 2010.
EFLAND, Arthur. FREEDMAN, Kerry. STUHR, Patricia. La educación en el arte posmoderno. Barcelona:
Paidós, 2003.
SILVA, Fábio Ronaldo. A representação de homossexuais nas revistas DOM e Júnior. UFCG. Campina Gran-
de, 2008. Fonte: www.bocc.ubi.pt/pag/silva-fabio-representacao-doshomossexuais.pdf
SOUZA, João Francisco de. E a educação - quê? A educação na sociedade e/ou a sociedade na educação. Re-
cife: Bagaço, 2004.
VICENTE ALIAGA, Juan e G. CORTÉS, José Miguel. Desobediencias: Cuerpos dissidentes y espacios subver-
tidos en el arte en América Latina y España: 1960-2010.

124
“AQUI ESTÁ MINHA CARA. FALO POR MINHA
DIFERENÇA. DEFENDO O QUE SOU.”1
Lucas Viera de oliveira2
Fábio José Rodrigues da Costa3

Resumo:
As questões e pautas do movimento LGBTT tem ganhado força nas produções de artistas visuais tanto nacio-
nais quanto em contextos internacionais, principalmente nos últimos anos do século XX, em razão da opressão
a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, bem como, no trato com à epidemia da AIDS. Neste artigo
nos propomos a analisar tais questões na produção do artista chileno Pedro Lemebel (1952-2015) e, principal-
mente, sua produção no coletivo “Yeguas Del Apocalipsis” durante a ditadura chilena4. Suas ideias e produção
artística influenciaram não somente as artes visuais, mas tem provocado um significativo debate no que diz
respeito aos modos de viver da comunidade LGBTT, tanto no Chile quanto em diferentes contextos culturais e
de exclusão. O artigo é um recorte da pesquisa em andamento “Ensino de Artes Visuais e Escola sem Homo-
fobia”, vinculada ao Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq e ao
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte – NEPEA do Centro de Artes da Universidade Regional do
Cariri – URCA.

Palavras-chave: Pedro Lemebel, LGBTT, Ensino de Artes Visuais.

“A vida como obra de arte – ‘ a existência não como sujeito, mas como obra de arte’”5

Pedro Lemebel nasceu em Santiago, em 1952 e, aos 62 anos de idade, sofrendo de câncer na laringe
morre no dia 23 de janeiro de 2015. Foi escritor, cronista, artista visual e ativista social, um ativista da luta
do movimento LGBTT. Aos 26 anos passou a trabalhar como professor de Artes Plásticas em duas escolas
secundárias, experiência de curta duração, pois foi demitido no mesmo ano devido à sua aparência, pois fazia
questão de deixar clara a sua homossexualidade por meio de uma estética queer. Sua militância na esquerda foi
problemática, causava desconfortos por onde passava devido a sua aparência e de suas posições como homos-
sexual. Em 1986, em uma reunião da esquerda na estação Mapocho, Lemebel leu um manifesto “Eu falo pela
minha diferença” provocando inquietações e impacto no público presente. Como artista, performer e como es-
critor, seu trabalho causou provocações em razão das denúncias sobre questões políticas, sociais e da violência
contra gays.
Junto com Francisco Casas fundou o coletivo “Yeguas del Apocalipsis” que esteve em atividade entre
1987 e 1997. O coletivo tinha uma forte oposição ao sistema de legitimação de instituições artísticas e se negava
aos registros formais e tradicionais de exposições e circulações artísticas.

Yeguas Del Apocalipsis


Criado em 1987 por Pedro Mardones Lemebel (1952- 2015) e Francisco Casas Silva (1959), na cidade de
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia. - “Aquí está mi cara. Hablo por mi diferencia. Defiendo lo que soy.” Esta frase faz parte do manifesto apresentado como
intervenção em um ato político da esquerda em setembro de 1986, em Santiago no Chile.
2 Estudante da Licenciatura em Artes Visuais, membro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos –
GPEACC/CNPq do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA, bolsista da Fundação Cearense de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico – FUNCAP. lucas.villi@yahoo.com.br
3 Professor Associado do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA, líder do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq. fabio.rodrigues@urca.br
4 A ditadura militar chilena foi um governo autoritário presidido por Augusto Pinochet entre o período de 1973 e 1990 que durou
17 anos e chegou ao fim após a posse de um novo presidente eleito pelo povo.
5 Gilles Deleuze 2008, p. 120 citado por Ângela Saldanha 2014, p. 23.
125
Santiago - Chile, o coletivo teve uma intensa produção em fotografia e performances, muitas delas exibidas em
espaços públicos e sem aviso prévio. Devido ao posicionamento dos dois artistas sobre as formas tradicionais
dos roteiros e espaços destinados às artes, suas performances transitaram principalmente em espaços alterna-
tivos da cultura punk e/ou de encontros de artistas da música, da poesia, da pintura e do cinema.
O forte posicionamento político do coletivo e suas alianças com agentes do campo político e intelectual
de esquerda, tiveram grande importância nas lutas pela redemocratização do Chile durante a ditadura militar.

A produção artística
A produção artística de Pedro Lemebel está permeada pela crítica a questões sociais vividas dentro de
um país que passava por uma forte ditadura militar e que como homem gay que estava desposto a enfrentar o
sistema de repressões sociais principalmente aos LGBTs (Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais) dedicou seus
10 anos de produção nas artes visuais enquanto membro do Coletivo Yeguas Del Apocalpsis a colocar as ques-
tões vividas pela comunidade em pautas e lutar por direitos. Colocando em cheque experencias que sã vidas
pelos GLBTs no mundo tanto em relação à o que é da cultura LGBT como violências sofridas.

¿De que se ríe presidente?6


A performance foi realizada quando o então candidato a presidente Patrício Aylwin apresentava no Te-
atro Cariola, as propostas que seriam realizadas caso viesse a vencer as eleições. Na reunião estavam presentes
artistas e intelectuais e nomes importantes da politica chilena, Lemebel e Casas abriram uma grande faixa que
continha a frase “Homossexuais para a mudança”, que causou grande desconforto nos democratas cristãos que
se faziam presentes na ocasião.
Em uma entrevista cedida ao jornalista Luiz Albert Mancil, publicado na revista Punto Final.7 Pedro
fala:
Tivemos que sair quase correndo do teatro Cariola, porque queriam nos linchar, acrescenta Pancho
Casas. Patricio Aylwin, em pessoa, mandou cancelar as notícias essa noite, o gesto não saiu em ne-
nhuma parte por ordem presidencial. Dez anos depois foi publicada na revista Página Aberta, mas já
havia passado o impacto, relembra Pancho Casas.8

A performance, enquanto ato estético/artístico/político colocou o corpo gay nos debates, que até então
estavam fora do cenário das discussões políticas. Pedro e Casas costumavam usar batom e roupas femininas e
devido às agressões e preconceito sofridos resolveram a partir disso montar o coletivo que procurava dar visi-
bilidade as travestis, gays e transexuais.
Graças a coletivos que foram surgindo em defesa das pautas LGBTTs como o MOVILH (Movimiento
de Integración y Liberación Homosexual) que surgiu em 28 de junho de 1991, como organismo defensor dos
direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTT) surge como citada por Colling
em um artigo publicado na Revista Lua Nova9 tendo com um de suas bandeiras de luta a descriminalização
da homossexualidade, que era considerada crime de acordo com o artigo 365 do Código Penal do país, sendo
modificado no ano de 1999.

La Última Cena – Video Casa Particular


Inspirado na última Ceia (1495–1498) de Leonardo Da Vinci, Pedro Lemebel e Francisco Casas, visitam casas
de prostituição de travestis, mas especificamente a “casa particular”, convida as travestis para realizar uma
releitura em que elas estarão perfomando com Lemebel sentadas a mesa reproduzindo a cena.
Uma das travestis localizada no que seria o espaço reservado para Jesus, com um pedaço de pão e um
6 Do que está rindo presidente?
7 Acessada pelo site http://banderahueca.blogspot.com.br
8 Tuvimos que salir casi arrancando del teatro Carriola, porque nos querían linchar, agrega Pancho Casas. Patricio Aylwin, en persona,
mandó a cancelar las noticias esa noche, el gesto no salió en ninguna parte por orden presidencial. Diez años después lo publicó la
revista Página Abierta, pero ya había pasado el impacto, rememora Pancho Casas.
9 Revista fundada em 1984 no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

126
copo de vinho anuncia “esta é a última ceia, a última ceia deste governo, este é meu corpo, este é o meu sangue ”10.
Uma total inversão das tradições católicas e de questionamento dos padrões ao tirar os homens e colocar tra-
vestis em seus lugares. Causando rupturas na concepção de sociedade que criminaliza o corpo, o feminino e o
que dele se aproxima.
Na análise da produção de Pedro Lemebel no coletivo Yeguas Del Apocalipsis é possível constatar como
suas performances tinham cunho politico e a importância das mesmas para a reformulação dos partidos da
esquerda chilena. Durante o período de atividade do coletivo, os dois artistas tiveram grande importância nas
lutas pelos direitos dos gays e travestis e questionaram os padrões de gênero e sexualidade existentes na socie-
dade, e quando travestidos performavam em espaços que nem sempre eram destinados a arte.
Em pouco mais de 10 anos o coletivo teve uma vasta produção direcionada as tensões causadas pela
exclusão e opressão. Neste sentido fazendo a análise da produção estético/artística de Pedro Lemebel e o tra-
vestismo presente, uma produção que nos sugere novas formas de pensar a cultura, o poder e a força da arte na
luta contra as intolerâncias de gênero e sexualidade e no combate a homofobia sendo de extrema importância
para o ensino das artes visuais contemporâneo.

Referências

COLLING, Leandro. Panteras e Locas Dissidentes: o ativismo queer em PortugaL e Chile e suas tensões com
o movimento LGBT. Lua Nova [en linea] 2014, (Septiembre-Diciembre): [Fecha de consulta: 4 de abril de 2018]
Disponible en:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=67335779009> ISSN 0102-6445
SANTOS, Renato Caio Silva; SCHOR, Néia. As primeiras respostas à epidemia de aids no Brasil: influên-
cias dos conceitos de gênero, masculinidade e dos movimentos sociais. Psicologia Revista, [S.l.], v. 24, n. 1,
p. 45-59, ago. 2015. ISSN 2594-3871. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/
view/24228>. Acesso em: 05 abr. 2018.
GOMES, Ângela Maria Mendes Saldanha Silva. No caminho para casa. Um estudo a/r/tográfico de recolha de
memórias numa comunidade informal. Tese (Doutorado em Educação Artística) – Faculdade de Belas Artes
da Universidade do Porto. Porto, 2014.

10 “Esta es la última cena, la última cena de este gobierno. Este es mi cuerpo, esta es mi sangre”.
127
ARTE, GRAFFITI E O ESPAÇO URBANO DE SÃO LUÍS:
a cena dos grafiteiros da ilha1
Iago Henrique Costa Melonio2
Jackson Barros da Silva3
Diêgo Jorge Lobato Ferreira (orientador)4

Resumo:
O presente resumo é fruto de uma pesquisa sobre o posicionamento dos artistas grafiteiros de São Luís, expon-
do os processos de transição, e as várias formas com que a arte marginal do graffiti passa a se tornar uma ati-
vidade profissional e solicitada, adentrando os múltiplos espaços, mostrando a força da liberdade de expressão
do movimento hip hop organizado, além de voltar sua atenção para projetos socioeducativos em comunidades
periféricas, desde sua introdução na década de 80 até os dias atuais, além de apontar seus principais atores, suas
temáticas e os locais de suas atuações.

Palavras-chave: Arte; Graffiti; São Luís

O graffiti5 chegou em São Luís de forma tardia por volta da década de 80 influenciado pelas grandes ca-
pitais como São Paulo, através dos meios midiáticos como descreve (SANTOS, 2008, p.03); Sendo um dos qua-
tro elementos da cultura hip hop, um movimento popular praticado em maior porcentagem por comunidades
periféricas, representando artisticamente sua liberdade de expressão, podendo ser produzida e contemplada
por qualquer um em qualquer lugar.
Circulando pelo centro urbano de São Luís, é possível encontrar trabalhos produzidos por artistas que
se utilizam dos muros para expor suas obras. Uma parte dessas obras é de autoria desconhecida, porém exis-
tem alguns grafiteiros que já alcançaram um reconhecimento tanto pela quantidade, quanto pela qualidade no
graffiti. Por serem veículos de expressão das necessidades e dos pensamentos de determinadas comunidades,
uma parte dos grafiteiros opta por utilizar a sua tag “assinatura”, a identificação do grafiteiro como forma de
resistência e existência frente ao sistema governante, utilizando-se de todas as técnicas adquiridas e cores pos-
síveis para produzir letras dos mais variados estilos e com as características pessoais do grafiteiro, podendo ser
um singelo estilo de grapicho, um bomb, letras em 3D ou as mais complexas letras do Wild Style. Contudo há
aqueles que preferem a reprodução de personagens, podendo ser estes animais ou até figuras com característi-
cas singulares, como braços e pernas alongadas propositalmente.
O interesse pelo graffiti deve-se por sua estética, por suas formas, por seus desenhos, por suas cores e
pelas temáticas variadas. Mesmo com a expansão dessa arte na atualidade, há ainda quem pense que o graffiti
é uma mera atividade feita por pessoas despreparadas e sem ocupação, muito pelo contrário, como toda arte o
graffiti necessita de empenho, estudo e muita prática. o graffiti ainda é confundido com a pichação, que é uma
atividade ilícita, um fato que ocorre por ambas atividades serem praticadas paralelamente e por usarem os
mesmos suportes, socialmente acabam generalizadas como atividades de mesmo calibre, gerando preconceito

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Arte Contemporânea e o Contemporâneo das Artes, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, 3° período do curso de Licenciatura em Artes Visu-
ais, E-mail: marshal.ih54@gmail.com
3 Aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, 3° período do curso de Licenciatura em Artes Visu-
ais, E-mail: jacksonbarros@acad.ifma.edu.br
4 Professor da Licenciatura em Artes Visuais do IFMA - Campus Centro Histórico, Supervisor do PIBID de Artes Visuais do Ins-
tituto Federal do Maranhão. Mestre em Design, Arte e Tecnologia pela Universidade Anhembi Morumbi, E-mail: diego.ferreira@
ifma.edu.br
5 Original da língua italiana, graffito no singular e Graffiti em sua forma plural. Os termos, grafite e grafito são termos aportuguesa-
dos, que significam inscrição, figura ou risco, geralmente de caráter informativo, contestatório ou jocoso, traçado em monumentos
ou muros, segundo o minidicionário Larousse língua portuguesa.
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e falta de reconhecimento quanto a sua cultura e seus valores, porém são práticas completamente diferentes,
o picho faz o uso de letras e frases que direcionam, identificam ou atacam, já o graffiti trabalha com a arte, a
estética e a técnica, é uma modalidade artística que tem como principal vitrine, as ruas, os grandes paredões,
as esquinas e agora os espaços privados, graças à capacidade e seriedade dos artistas grafiteiros o tabu marginal
dessa arte contemporânea vem sendo quebrado tornando-se uma atividade respeitada e profissional.
Basicamente o graffiti é da ordem pictórica e a pichação é da ordem da escrita. O primeiro privilegia a
imagem, as formas e a policromia; o segundo, a palavra, a rapidez e é monocromático. No graffiti, as
palavras ganham espessura, peso, forma e algumas vezes, chegam a adquirir “volume”. Na pichação,
o peso é da palavra, ou pelas mensagens ou pela a quantidade de inserções. Em ambos os casos, as
palavras, muitas vezes, não fazem sentido ou mal podem ser lidas pelos que apenas as observam de
“fora”, conformando assim um território restrito. (BISSOLI, 2011, p.22)
Mesmo encontrando ainda inúmeros obstáculos quanto a disponibilidade de espaço, tempo e local
para sua aplicação a cena do graffiti em São Luís passa por um valido processo de aceitação, os trabalhos dos
artistas grafiteiros vêm ganhando muito espaço dentro e fora das periferias, pois de forma política os aman-
tes dessa arte persistem em aparecer constantemente. Por meio do G1 Maranhão portal de notícias da globo
podemos analisar uma matéria do Reporte Mirante 2014 que mostra na integra o trabalho de profissionais do
graffiti, descrevendo o dia a dia e o árduo processo de produção, a entrevista dá voz a vários nomes do graffiti
ludovicense, como: Edi Bruzaca, Jorge Luís “Jubão”, Gil Peniel, Hamilton Silva “Kio”, Fábio Byo, Gil Leros en-
tre outros, todos artistas grafiteiros que expressam seus profundos sentimentos em suas produções artísticas
levando o graffiti a um outro nível. Além da atividade artística e profissional, como muralistas, os grafiteiros
desempenham também um trabalho social com crianças e adolescente ensinando a juventude sobre técnicas
de desenho e pintura. Gleydson Rogério “Gegê” hoje além de grafiteiro é arte-educador, compõe o Quilombo
Urbano, um coletivo de militantes do movimento hip hop organizado e o grupo de grafiteiros D’Skerda Crew,
Gegê realizou em 2014 um projeto com crianças e adolescentes no Centro de Ensino Ribeiro Amaral chamado
“Aquarela Periférica” que teve dentre vários objetivos ensinar técnicas do graffiti aos alunos. Projeto este que
cominou com sua monografia.
Os trabalhos de graffiti na ilha de São Luís são dotados de técnica meticulosa e apuradíssima descreve
(VALENTE, 2014) sobre a repercussão do graffiti e seus autores, citando o grafiteiro Edi Bruzaca várias vezes,
por sua grande influência na arte contemporânea e seu traço surrealista. Bruzaca hoje além de grafiteiro tam-
bém é arte-educador trabalhando com oficinas e projetos, e também nos agracia com uma publicação na revis-
ta Plural, sobre o histórico, a tipografia e outros termos do graffiti. Em uma das parede na praça de alimentação
do Shopping Rio Anil por exemplo localizado na área urbana de São Luís ele produziu um grande painel de
cores vibrantes, a arte faz parte de uma serie intitulada “O Mundo do Pescador de Sonhos”, essa é uma das
provas de que o graffiti está adentrando vários espaços públicos e se tornando “a arte do momento”.
Vários outros grafiteiros se destacam por suas técnicas e propostas diferenciadas, o grafiteiro Gil Leros
é outra referência que tem vários de seus trabalhos decorando fachadas, escritórios e instituições como a Facul-
dade de Arquitetura da UEMA localizada no Centro Histórico, dono de um Currículo extenso com variadas
produções, como o painel do Ginásio Costa Rodrigues localizado no Centro de São Luís produzido com cole-
tivo “Efeito Colateral” e outros.
Todavia existem outros grupos (Crews), fortemente articulados atuando em diferentes regiões da cida-
de, como o coletivo “D’Skerda Crew” vinculado ao Quilombo Urbano, o grupo “Vírus Urbano”, o “Cospe Tinta
Crew”, e o pessoal da “E.F.C.O.”, da região da área Itaqui-Bacanga. De forma geral, encontramos alguns atores
com produções consideráveis em São Luís, como o “INKE, o Naldo Saori, o W.B.S.”
Para elaborar este trabalho fizemos uso de uma pesquisa bibliográfica, busca de documentários e en-
trevistas, livros e artigos científicos. A metodologia aplicada tem caráter qualitativo, com intenção de instigar
sobre a valorização e reconhecimento dessa arte. Ainda se faz necessário um melhor mapeamento na busca de
informações sobre as questões levantadas nesse resumo.
A ilha São Luís hoje, possui um repertório imagético multicultural e simbólico, com estilos diferencia-
dos, o graffiti por ser uma atividade efêmera, constantemente absorve a evolução da contemporaneidade. Celso
Gitahy em seu livro “O que é Graffiti?” nos diz que: Talvez, um dia, todo centro urbano, apesar de caótico,

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possa vir a ser uma grande galeria de arte a céu aberto. (GITAHY, 1999, p.14). Deste modo, podemos dizer
que sendo o graffiti algo nascido nas comunidades a margem da sociedade dominante, é “fácil” observar que a
maior parte da sua produção parte de lá, porém com a sua expansão e ocupação de espaços antes não imagina-
dos, hoje além dos becos e vielas lotados de pinturas em suas paredes, encontramos graffiti em grandes muros
de avenidas bem movimentadas da cidade, mostrando o quanto essa atividade está democratizando a Arte.

Referências

BISSOLI, Daniela Coutinho. Graffiti: paisagem urbana marginal. A inserção do graffiti na paisagem urbana
de Vitória, 2011.
BRUZACA, Edi. Grafite em São Luís in Revista Plural – São Luís, Instituto Geia 2014.
COUTINHO, Gleydson R. L. S. Aquarela periférica na escola: a arte do graffiti desenvolvida pelo movimento
organizado de hip hop do maranhão Quilombo Urbano, in Monografia - São Luís, IFMA 2018.
G1 MARANHÃO. Arte urbana no MA: conheça o trabalho dos grafiteiros de São Luís, disponível em: <
http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2014/07/arte-urbana-no-ma-conheca-o-trabalho-do-grafiteiros-
-de-sao-luis.html> Acesso em 7 de fevereiro de 2019.
GITAHY, Celso. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999.
PORTALDOGOVERNO. Após reforma, governo inaugura Ginásio Costa Rodrigues com fachada artística.
disponível em: < http://www.ma.gov.br/agenciadenoticias/politicas-sociais/apos-reforma-governo-inaugura-
-ginasio-costa-rodrigues-com-fachada-artistica >Acesso em 7 de fevereiro de 2019.
SANTOS, Rosenverck Estrela. A história do hip hop em São Luís do Maranhão: periferização da cidade e
resistência político-cultural da juventude negra dos anos de 1990. Outros Tempos, Dossiê Religião e Religiosi-
dade, v.5, n.6, dez. 2018, p. 01-14.
VALENTE, Almir. As imagens poéticas e utópicas dos grafites no Maranhão in Revista Plural - São Luís, Ins-
tituto Geia 2014.

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GT3 CINEMA, FOTOGRAFIA E VÍDEO
Tecnologias
Linguagens e estéticas fotográficas e audiovisuais
Narrativas: hibridismo e transmidiação
Visualidades e visibilidades contemporâneas
Videoarte
Fotografia artística
Usos sociais e cotidiano das imagens técnicas
Suportes e materialidades
A MONTAGEM E A COMPOSIÇÃO DE VÍDEO
PERFORMANCES GENERATIVAS1
Bruno Mascena2

Resumo:
A comunicação oral proporá discussão acerca das implicações formais e dramáticas da programação procedu-
ral na montagem ou composição de vídeo performances. Para isso discutiremos a poética e a estrutura de víde-
os generativos a partir das especificidades do generativo, de definições clássicas da montagem cinematográfica,
da linguagem videográfica e de paralelos com a composição musical. Isso, tendo como objeto a obra synap.sys,
2014, do músico e artista digital brasileiro, Henrique Roscoe. Deste modo pretende-se colocar o debate: ainda
podemos falar de montagem ao pensar sobre audiovisual generativo? Por quê?

Palavras chave: Montagem, arte generativa, performance audiovisual.

Para analisar as implicações formais e dramáticas da programação procedural na montagem ou com-


posição de performances audiovisuais generativas nos cabe antes discutir o que é arte generativa e o que é
montagem. Tendo clareza sobre a acepção de cada termo poderemos construir um debate sólido sobre a poética
e a estrutura de algumas obras - pensando sempre poética e estrutura como elementos retroalimentativos. A
partir do debate colocaremos a questão principal deste trabalho: o audiovisual generativo ainda é montado?

1. O que é arte generativa?

“Arte generativa” refere-se a qualquer objeto artístico desenvolvido em parte ou inteiramente através de
um sistema, seja ele computacional ou não, desde que esse sistema seja colocado em funcionamento com certo
grau de autonomia.
Em seu texto What is Generative Art? Complexity theory as a context for art theory, 2003, Philip Galan-
ter categoriza o generativo como um método de criação que pode ou não estar vinculado a uma tecnologia ou
poética. Nesse sentido o termo apenas aponta para um subgrupo da arte - do qual múltiplos resultados podem
surgir a partir da utilização de padrões com funcionalidade minimamente autônoma.
No artigo What is generative art?, 2009, Margaret Boden e Ernest Edmonds vão ao encontro de Galan-
ter e reforçam que as regras e os padrões utilizados devem por obrigação ser construtivos ou organizativos e
influenciar ou determinar a estrutura formal e/ou poética da obra sem interferência do artista, mesmo que em
parte. Caso contrário qualquer obra construída de maneira lógica, seguindo um conjunto de códigos, poderia
ser considerada como generativa.

2. A poética e a forma do generativo

Considere os exemplos abaixo, seguidos pela descrição do funcionamento de seus sistemas generativos
para que em seguida possamos analisar suas especificidades estruturais e semânticas:

1. BBBBBBBBBBBBBBB
2. ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ
3. KKKKKKKKKKKKKKK
transmissão aleatória de uma letra e sua repetição consecutiva

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Bolsista FAPESP de iniciação científica, graduando em audiovisual pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Email: bruno.
mascena.santos@usp.br
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4. VGDRYJOOSAZFEAD
5. ATOSDORMEMMUITO
6. GATOSFRIOLEITE
transmissão aleatória de letras

7. GAAHBPIIQJETTFU
transmissão aleatória de duas letras, seguida pela repetição dessa segunda letra, transmissão da letra subsequen-
te à primeira e, por fim, a transmissão da letra subsequente às duas letras repetidas.

Nota-se que o mesmo sistema é capaz de resultar em objetos mais ou menos abertos e estruturalmente
diferentes. (1), (2) e (3) são contínuos, sem modulação, resultados de uma transmissão extremamente ordenada.
(1) talvez não conduza nenhuma informação ou significado. (2) e (3) também podem, por exemplo, ser inter-
pretados respectivamente como onomatopeia do sono e gargalhadas em redes sociais. A estrutura define-se,
nos três, pela repetição de pequenos fragmentos. (4) também parece não conter sentido e informação, mas em
oposição à transmissão dos exemplos anteriores, a sua é extremamente desordenada. Não há, portanto, estru-
tura. (5) e (6) transmitem informações claras e concretas: gatos, dormem, muito e gatos, frio, leite. É simples e
instintivo dividi-los em blocos menores, captar a essência de cada um desses blocos e ressignificá-los através de
associações com os blocos anteriores e posteriores. (5) é semanticamente definido e a leitura é feita no sentido
posto, ou seja, gatos costumam dormir bastante. (6) é mais aberto e exige que o leitor faça conexões, assim, a
leitura pode ser (a) gatos, no frio, gostam de leite, ou (b) gatos não gostam de leite frio, ou (c) gatos preferem
leite frio. (7) parece tão aleatório quanto (4), mas sua transmissão não é desordenada. Para que (7) se construa
é preciso que tenhamos duas letras escolhidas ao acaso: GA. Depois a segunda letra será repetida e sucedida
pela subsequente à primeira, logo a sequência continuará com as letras A e H. Por fim, a letra subsequente às
duas que foram repetidas, logo, o bloco terminará com a letra B. Um novo bloco começará em seguida com o
sorteio de duas letras quaisquer e assim sucessivamente. É possível prever o comportamento desse sistema e
suas tendências, que não é, portanto, aleatório, mas, sim, caótico.
Como demonstram os exemplos, um sistema pode resultar em formas e poéticas diferentes. A alea-
toriedade absoluta não permite estrutura, o caos, sim. A existência de uma estrutura permite que o todo seja
dividido em objetos menores, compostos por um ou mais elementos. E a relação entre esses objetos pode ou não
gerar informação e significado.
Aqui, começamos a caminhar para uma analogia bastante óbvia com a montagem dos planos no cine-
ma: blocos (planos, cenas, sequências) que se relacionam com os que os cercam, significando, comunicando e
causando sensações. Mas será que a montagem é capaz de abarcar todas as possibilidades do generativo? Antes
de tentar responder a essas perguntas cabe investigar o que é montagem.

3. O que é montagem?

Em seu aspecto cinematográfico, estritamente técnico, e relacionado à linearidade da experiência, mon-


tagem é a disposição dos fragmentos - dos planos de um filme - com consequente definição de suas durações
e ordem, a fim de que se construa um trabalho linear pela justaposição de trechos com situações narrativas e
não-narrativas, tempos e espaços intrínsecos a eles.
A evolução técnica da montagem possibilitou a integração de elementos da imagem virtual, computa-
dorizada, ao processo de edição, já presente no vídeo analógico principalmente nas experiências em arte. Amiel
coloca que a montagem virtual “permite os chroma keys, as modificações na imagem, as combinações dentro
do enquadramento (AMIEL, 2014, p. 114), rompendo, assim, a organização linear dos fragmentos.
Philippe Dubois, em Cinema, vídeo, Godard, aponta que as imagens computadorizadas trouxeram mu-
danças e consequências extremas na relação homem-máquina do fazer artístico e no produto das obras por elas
geradas:
A maquinaria que se introduz aqui é extrema. Ela vem não apenas se acrescentar às outras (como era
o caso das máquinas de captação, inscrição, visualização e transmissão), como também, por assim
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dizer, voltar ao ponto de partida e refazer, desde a origem o circuito de representação. De fato, com
a imagem informática, pode-se dizer que é o próprio “Real” (o referente originário) que se torna ma-
quínico, pois é gerado por computador (DUBOIS, 2004, p. 47).

Assim, sem aprisionar-se a um referente já existente e definido, limitado à concretude do real, é que
a imagem informática permite uma maior gama de experimentações estéticas na materialidade do meio, ou
uma radicalização dos experimentos já presentes no cinema e no vídeo analógico, como as sobreposições, as
incrustações, a construção de diferentes espaços e tempos em um mesmo plano, a justaposição de janelas e o
uso do pixel como representação. Ou, ao contrário, permite negar suas antecessoras e desenvolver construções
que sugerem ausência diegética de tempo e espaço.
Pode-se interpretar as colocações de Amiel ainda numa outra camada e pensar nas modificações dentro
das imagens. Pode-se entender o pixel como análogo ao plano e analisar uma montagem interior à montagem
dos próprios planos, uma montagem interna a cada um deles. Aqui, o plano não seria mais o menor elemento
passível de distorção, mas composto por outros elementos maleáveis.
Ao excluir-se a organização horizontal dos fragmentos em timeline, acentua-se a imprecisão de termos
desenvolvidos sob o prisma das construções narrativas e essenciais às teorias da montagem, como plano, cena
e enquadramento - contudo, ainda utilizados ao decompor-se o vídeo e a performance audiovisual.
Colocam-se as seguintes questões: A operação de montar planos no cinema é a mesma de editar ima-
gens em vídeo? Ou de construir e editar imagens digitais? A manipulação da malha digital da imagem é uma
forma de montagem? Quais as consequências estéticas, dramáticas e receptivas dessas escolhas?

4. A performance audiovisual generativa

A montagem tradicional é indissociável de uma estrutura que gira ao redor de conceitos como tempo e
espaço, dos quais seus termos derivam (plano, enquadramento, cena, etc). Quando tal estrutura sofre transfor-
mações, os termos e métodos de análise exigem revisão e questiona-se a natureza do processo.
Entretanto, no vídeo, ainda pode-se delimitar o todo e as partes, as justaposições, as sobreposições e as
composições dentro da montagem. No gerativo essas referências se esvaem, em maior ou menor grau, depen-
dendo da definitude da estrutura formal da obra - que, como vimos nos exemplos da seção 2, variam caso a
caso mesmo que utilizando-se a mesma regra generativa.
Tal estrutura ainda pode ser manipulada ao vivo, durante a reprodução da obra através de técnicas que
ficaram conhecidas por live coding. Com o live coding há a programação e a criação e modificação das regras do
sistema durante sua própria execução.
Além disso, sons e imagens digitais são representados e armazenados a partir de um código binário
comum, permitindo a tradução algorítmica de parâmetros sonoros para imagéticos e vice-versa, ou ainda, que
ambos sejam criados e controlados por um mesmo sinal eletrônico. Essa correspondência estrutural possibilita
a transferência das lógicas construtiva e organizativa de um sistema para outro. Se as imagens são organizadas
a partir de um input sonoro elas ainda são montadas? O processo não está mais próximo ao da composição?
Durante a explanação pretende-se ilustrar a fala a partir da obra synap.sys, 2014, Henrique Roscoe, que se cons-
trói sobre muitos dos recursos e das possibilidades discutidas, acumulando procedimentos que a aproximam e
distanciam da montagem cinematográfica e da composição musical.

Referências

AUMONT, J. A montagem. In: A estética do filme. Papirus, 1995.


AMIEL, V. Estética da montagem. Lisboa: Texto e Grafia, 2007.
BODEN, M & EDMONDS, E. What is generative art?, 2009
DUBOIS, P. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: CosacNaify, 2004.
ECO, U. A obra aberta. Perspectiva, 2015.
EISENSTEIN, S. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
134
GALANTER, Philip. What is Generative Art? Complexity theory as a context for art theory. New York Uni-
versity, 2003.
MACHADO, A. Pré-cinemas e pós-cinemas. 6 ed. Papirus, 2011.
MORAN, P. (org). Cinemas Transversais. Iluminuras, 2016.
_________. “Outras montagens, novas temporalidades: primeiras notas”. In: XII Estudos de Cinema e Au-
diovisual. Socine, 2011.
_________. “Poéticas das correspondências”. In: Interartes. Editora UFMG, 2010.
TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
XAVIER, I., D.W. Griffith: o nascimento de um cinema. São Paulo: Brasiliense, 1984

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APARELHO “ÓPTICOFOTOGRÁFICO” DE
IMAGENS-HISTÓRIAS DE PAULA SAMPAIO1
Helder Fabricio Brito Ribeiro2
Analaura Corradi3

Resumo:
Esta pesquisa estuda as andanças da fotógrafa Paula Sampaio por vários lugares no Estado do Pará, como a
Belém-Brasília e Transamazônica, reveladas em imagens-histórias descritas em relatos pela fotógrafa. Partindo
de contribuições feitas por pesquisadores paraenses em arte, em que revelam olhares diferenciados nos ensaios
fotográficos de Paula Sampaio como construções estéticas, documental, memória, identidade.

Palavras-chave: Fotografia, Paula Sampaio, Relatos.

A fotógrafa Paula Sampaio firma seu trabalho em fotojornalismo com base em sua formação acadêmica
em Comunicação Social, na Universidade Federal do Pará (UFPA), e nas suas saídas fotográficas que nasceram
nas salas das redações dos jornais, provenientes das solicitações de pautas. Mas foi sua sensibilidade aguçada, o
olhar privilegiado da fotógrafa, seus processos de pesquisa e sua atitude diante da vida que a conduziram a uma
fotografia autoral, marcada por uma assinatura, um estilo. O resultado foi uma produção vasta, participação
em inúmeras exposições e o reconhecimento nacional.
A fotógrafa interessa-se em pesquisar pessoas e sua realidade nas rodovias (Belém-Brasília, Transama-
zônica). Todo esse contexto de realidade entrelaça-se com sua história de vida, pois, quando ainda menina vem
morar no Pará. Suas imagens estão interligadas aos segmentos de vivências como repórter fotográfica. Sempre
atenta ao dia a dia de moradores que encontra em suas andanças seja as realizadas pelo jornal sejam efetuadas
por conta própria, relacionadas aos seus projetos de pesquisa. A artista percorreu vários pontos das rodovias
acima em busca das histórias vividas pelos sujeitos que ficaram esquecidos pelas autoridades políticas, despro-
vidos de recursos financeiros. Conforme Paulo Herkenhoff: “Ela cria fusões entre esse corpo e essa saída, essa
rota, ao mesmo tempo em que atribui um discurso a essas imagens, ou seja, ela trabalha com muitos graus de
representação e simbolização”4.
Em função das inúmeras andanças por estradas e rios, Paula Sampaio considera que esse convívio de
certa forma fica registrado em seu corpo, afirma que “pele, [está] tatuada de rios, florestas e rastros de seres de
todo tipo”5.
É como se as pessoas e a cultura provenientes das várias regiões por aonde andou nela se abrigassem ou
dela fizessem parte.
Em meados da década de 90 a fotógrafa realiza projetos que envolvem povos que migram para Amazô-
nia, principalmente os que vivem às margens de estradas construídas na região nos últimos 50 anos. Seus pro-
jetos geralmente são de longa duração, estão relacionados a patrimônios, memória, reflexões, questões sociais
e políticas que envolvem o ser humano omitido pela história oficial.
Como jornalista, em pesquisas ou para realizar ensaios fotográficos, Paula Sampaio viaja por muitos
lugares com o intuito de conhecer essa gente esquecida que habita o Brasil, mas que dificilmente entra para
história oficial, é a essas pessoas que, na contramão, ela dá visibilidade. Neste desbravar de estradas e rios,
Paula Sampaio se depara com a realidade de uma sociedade bastante sofrida e desprezada pelo poder público.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade da Amazônia - UNAMA, Doutorando do programa de pós-graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura,
heldrribeiro_pa@yahoo.com.br
3 Universidade da Amazônia – UNAMA, professor titular do programa de pós-graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura,
corradi7@gmail.com
4 Entrevista de Paulo Herkenhoff concedida à Márcia Carvalho, transcrita no jornal O Liberal, 21 de outubro de 2012.
5 Site da fotógrafa Paula Sampaio. Disponível em: <http://paulasampaio.com.br/Acesso>. Acesso em: 17 jan. 2015.

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Essas experiências de vida são determinantes para a criação de suas imagens, dos seus trabalhos. Trata-se de
uma espécie de mapeando, marcas que ficam atreladas às lembranças e que remetem ao esquecimento de um
povo. São rostos e histórias que registra em sua máquina fotográfica, aos quais ela denomina “caleidoscópio de
imagens-histórias”6.
No site de Paula Sampaio podemos ter contato com os seus percursos fotográficos e com as imagens
dos ensaios por ela elaborados. Também é possível encontrar algumas críticas ao trabalho da fotógrafa por
profissionais que são referências no contexto artístico local e nacional. É o caso do artista e curador Armando
Queiroz, autor do texto “Embarque”, elaborado especialmente para quando a artista foi à homenageada do 31º
Arte Pará. Queiroz comenta:
Artista homenageada do 31º Arte Pará, a fotógrafa Paula Sampaio convida-nos ao embarque. Ao
deixar-se levar. Este projeto foi concebido justamente como ação de percurso. Percurso este, não
necessariamente linear. Assim sugere o curador Paulo Herkenhoff ao referir-se às possíveis trajetó-
rias pelas quais podemos acompanhar a artista: “ao embarcar, perder-se, desnortear-se...”. Deixar-se
levar por caminhos diversos, tramar relações insubordinadas ao que já está posto.

O convite ao “Embarque” não faz referência apenas aos percursos que a artista fez e faz para desen-
volver seus ensaios, refere-se também às estações representadas pelos diferentes museus onde expôs suas
fotografias e instalações. Tratava-se, na verdade, da possibilidade ímpar que o visitante do Arte Pará tinha de
“embarcar, perder-se e desnortear-se” nas imagens de Paula Sampaio.
A fotógrafa foi uma das seis artistas pesquisados e abordados no livro publicado em 2009, resultante do
projeto “Rios de Terras e Águas: Navegar é Preciso”, selecionado e financiado pelo Programa Petrobras Cultu-
ral. Janice Lima (2009, p.112) hoje atual Diretora do Museu de Arte de Belém (MABE) e uma das colaboradoras
do livro, no artigo “Paula Sampaio: uma andarilha entre a floresta e o mar” analisa o trabalho da fotógrafa:
Em suas fotografias surgem mulheres e homens que migraram de suas cidades de origem ou de
outros lugares para as localidades que se estendem ao longo dessas estradas. Assim, vai colhendo as
histórias de vida e registrando o cotidiano daqueles que se aventuraram ao desconhecido em busca
de uma vida mais digna, trabalho e moradia. Mais que pessoas e seus cotidianos, Paula Sampaio
captura por meio da lente de sua máquina sonhos e vidas. Em sua humaníssima capacidade de com-
preender o outro, entende que cada ser humano, ao longo da vida, constrói identidades e memórias,
que são recortes de sonhos, histórias de vidas. Portanto, o respeito por essas identidades e memórias
é determinante na sua maneira de conduzir-se por esses caminhos.

A observação de Lima (2009) faz sentido e é concernente ao respeito com que Paula Sampaio conduz as
suas imagens, produto da história de vida dessas mulheres e homens que escrevem suas histórias silenciadas e
ainda conseguem sonhar. São memórias recolhidas por quem conhece o valor daquele que resiste e enfrenta as
adversidades com dignidade.
Outros pesquisadores que se detêm na poética das imagens Paula Sampaio são os críticos e curadores
Marisa Mokarzel e Orlando Maneschy (2012, p. 143) que, ao analisarem o fluxo da arte contemporânea na
região Amazônica, no artigo escrito em conjunto, “Fora do centro, dentro da Amazônia fluxo de arte e lugares
na estética da existência”, fazem referência à produção de Paula Sampaio. Eles comentam, entre outros ensaios
fotográficos, a série “Refúgio”, proveniente do projeto “Terra de Negro” e a série “Nós”. Sobre a série observam
como a artista, algumas vezes, oculta a identidade do fotografado e provoca a mimetização dos corpos com a
natureza. Para os autores, trata-se de:
Identificações e subjetividades [que] presentificam-se no humano, na paisagem e no lugar que habi-
tam. O olhar de Paula Sampaio amplia essa realidade e nos faz ver o que ali existe e se potencializa.
Trata-se de um olhar político e incisivo que, sem esquecer as questões estéticas, transforma a cena
em uma poética e contundente imagem.

A transformação da cena fotográfica em poética da imagem sem perder a força e a contundência crítica
é uma das características do trabalho desenvolvido por Paula Sampaio, característica também reconhecida
6 Site da fotógrafa Paula Sampaio/As Rotas. Disponível em: <www.paulasampaio.com.br>.
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pelo crítico Paulo Herkenhoff, curador geral do Arte Pará, revela que:
Paula Sampaio, quando viaja, está saindo daquilo que durante muito tempo foi uma ilha terrestre: a
cidade de Belém. Ela percorre essas longas rodovias buscando criar um fluxo de imagens que juntem
as pessoas, o sujeito, a subjetividade, o ambiente de trânsito, tudo que ele representa de impasses, mas
também de conexões, lama, encontros, desencontros, violência.

De fato, as leituras possíveis de suas fotografias acontecem pelo viés da complexidade que traz diferen-
tes representações e interpretações, mesmo que sempre perpassem pelo sentido crítico da dura realidade que
cerca os que habitam as longas rodovias, rios e estradas. Nas imagens fotográficas de Paula Sampaio estão pre-
sentes as angústias vividas, nelas podem-se testemunhar os relatos das comunidades, anotados na convivência
da artista com os fotografados, na intenção de conhecer a realidade de cada um. São cenários muitas vezes de
difícil acesso, nos quais enfrenta obstáculos sem perder o foco de sua lente para capturar a imagem que traz a
representação simbólica de uma cultura vivida no limiar da sobrevivência.
De acordo com González Flores (2011, p. 125) “a fotografia realiza uma operação similar à da memória
ao fixar algo tão frágil como um perceptor. Ambas, fotografia e memória têm como objetivo principal arma-
zenar algum tipo de essência imaterial, instantânea e volátil”. Na inter-relação com a memória, as fotografias
de Paula Sampaio armazenam essa essência imaterial. Assim, a fotógrafa consegue, com as imagens por ela
criadas, narrar histórias recentes.

Imagem 01- PROJETO/Antônios e Cândidas têm sonhos de sorte. Belém-Brasília / Candangolândia - DF, 2004.
Fonte: Fotografia de Paula Sampaio - Acervo da artista.

O imaterial de uma imagem pode corresponder ao elemento artístico sensorial nela presente. Segundo
González Flores (2011) para que essa correspondência ocorra é preciso que se deixe de lado, em parte, a questão
documental e se associe à subjetividade da expressão que se encontra atrelada ao processo artístico, no qual
os códigos vindos da realidade são absorvidos pelos códigos artísticos formadores da linguagem poética. Na
fotografia (Imagem 01) seguinte é identificado esse processo de subjetividade/documental no simples brincar
das crianças das comunidades que esbarra no exercício da memória lúdica.

138
Referências

Entrevista de Paulo Herkenhoff concedida à Márcia Carvalho, transcrita no jornal O Liberal, 21 de outubro de
2012.
GONZÁLEZ FLORES, Laura. Fotografia e pintura: dois meios diferentes? Tradução de Danilo Vilela Bandei-
ra; revisão da tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2011. (Coleção Arte & Fotografia).
QUEIROZ, Arando. Embarque. 31ª Ed. Do salão Arte Pará. Disponível em: < http://paulasampaio.com.br/
wp-content/uploads/2012/11/EMBARQUE-por-Armando-Queiroz1.pdf> Acesso em Nov. 20 de 2014.
LIMA, Janice. Paula Sampaio: uma andarilha entre a floreta e o mar. In: MOKARZEL, Marisa (Coord.). Rios
de Terra e Águas: navegar é preciso. Belém: Unama, 2009.
MANESCHY, Orlando; MOKARZEL, Marisa. Fora de Centro, Dentro da Amazônia: fluxo de arte lugares na
estética da existência. In: HERKENHOFF, Paulo. Amazônia: ciclos de modernidade. São Paulo: Zurita, 2012.
Site da fotógrafa Paula Sampaio/As Rotas. Disponível em: <www.paulasampaio.com.br>. Acesso em Jun. de
2014.

139
IMAGENS DO NEGRO NA AMAZÔNIA NO SÉCULO XIX:
reflexões sobre a série de Fotografias “Tipos Mistos” realizada
na expedição Thayer em Manaus1
Luana Beatriz Lima Peixoto2

Resumo:
Este trabalho objetiva compreender a construção da imagem do negro na Amazônia, por meio da análise de fo-
tografias do século XIX. No âmbito da expedição Thayer, que sob o comando do naturalista Louis Agassiz pro-
duziu uma série de fotografias conhecida pelo nome de “raças mistas”. Essa série realizada em Manaus desvela
o uso da fotografia para a construção de teorias racialista e racistas, que pretendiam comprovar a inferioridade
da raça negra e condenar o hibridismo entre as raças humanas. Ao nos debruçarmos sobre a construção estéti-
ca da imagem do século passado, concluímos a fotografia e ciência, utilizadas como ferramentas de dominação
podem ainda ressoar ideias evolucionistas e as origens dos povos da Amazônia.

Palavras-chave: Negro na Amazônia, Imagem, Fotografia

O tráfico de africanos e seus descendentes escravizados para a Amazônia tem início no século XVI,
contudo é intensificado nos séculos seguintes, tendo ápices no XVIII e XIX, contrastando com o fluxo do res-
tante do país durante o ciclo cacaueiro no sul e sudeste, a demanda para a região Norte era intensa (BEZER-
RA NETO, 2012). Mesmo com a importância da população negra para o desenvolvimento econômico e para
cultura de toda a região, sua presença e identidade foram “sufocadas”, sendo recorrente a ideia que prevalecia
somente a miscigenação entre de indígenas e brancos (CONRADO, CAMPELO, RIBEIRO, 2015, p. 215).
Na década 1960, vários trabalhos acadêmicos são apresentados questionando esse pensamento, que
afirmam a presença diminuta do negro da Amazônia (AMARAL, 2014, p. 87). Os dados históricos e escritos,
gravuras e fotografias realizadas por viajantes são as principais fontes para investigar e compreender esse pro-
cesso. Para o estudo da arte e da fotografia, esses registros produzidos por estrangeiros são significativos, para,
a partir do que escapa às informações superficiais, pensar sobre a construção da imagem dos não-brancos na
Amazônia e do negro especificamente, no momento em que nasce o fazer fotográfico da região.
As imagens produzidas a partir de processos químicos e aparelhos ópticos têm início no século XIX,
sendo o ano de 1829, o marco da primeira fotografia. Essas, logo passaram a integrar as formas de construir
narrativas, principalmente as narrativas sobre o “outro”, o não europeu. Com o desenvolvimento de conven-
ções visuais próprias para fotografar africanos, afrodescendentes e indígenas, o que ficou conhecido como os
“tipos exóticos”.
Esses registros são encontrados em várias situações como nas missões de grupos eclesiásticos em outros
continentes, viagens de cientistas das diversas áreas do conhecimento e em estúdios; geralmente eram destina-
dos ao exterior, como venda para saciar a curiosidade dos ocidentais ou para serem objetos de pesquisas. Essas
convenções, circunscritas no domínio da fotografia, representam o domínio do colonizador sobre o discurso
acerca do nativo ou do africano em diáspora, que significa decidir como contar, mostrar e representar seus
corpos e suas histórias.
Os primeiros fotógrafos que percorreram e/ou fixaram estúdios na Amazônia, a partir dos anos 1840,
eram estrangeiros, como Charles DeForest Fredericks, Walter Hunnewell, Albert Frisch, Felipe Augusto Fi-
danza, George Huebner. Para a reflexão nesse artigo, trago as imagens produzidas no âmbito da expedição
Thayer no Brasil, que percorreu o país nos anos de 1865-1866, coordenada por Louis Agassiz, naturalista suíço,
que idealizou em 1850 junto com Joseph T. Zealy, na Carolina do Sul, uma coleção daguerreotípica, cujo o ob-
jetivo “era ser uma documentação visual de todos os tipos raciais existentes no mundo, com especial atenção
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes, no Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará.
140
aos negros e seus descendentes mestiços” (MACHADO, 2010, p. 30). Intenção esta, que estava profundamente
ligada às teorias criacionistas e à condenação do hibridismo no contexto norte-americano antes e durante a
Guerra Civil (1861 – 1865).
Consequentemente, dentre vários estudos que a expedição realizou, um dos focos estava em ampliar
essa coleção, e resultou em quase 200 imagens sobre a população brasileira daquele século, dividindo-as entre
“tipos puros” e “tipos mistos”, realizadas primeiramente no Rio de Janeiro, registradas pelo fotógrafo alemão
Augusto Stahl e em seguida em Manaus, registrada pelo jovem estudante de Harvard, Walter Hunnewell.
Estas imagens permaneceram até 1975 esquecidas no Museu Peabody, na Carolina do Sul, tendo sido,
em parte, exposta em 1992 na exposição Nineteenth-century Photography, organizada pelo Museu Amon Car-
ter (Texas, EUA). Porém, Louis Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz publicaram seus diários de viagem em 1869,
na França e nos Estados Unidos, contendo algumas xilogravuras, que foram baseadas nas fotografias.
Meu interesse nesta produção é de criar ligações entre passado-presente-futuro da fotografia, ciência e
raça. A revisão dessas imagens pretende repensar as estruturas raciais presentes até hoje, relacionando com o
pensamento crítico ao colonialismo para refletir em como tais estruturas coloniais se reformulam mantendo e
administrando relações de poder.

Referências

AGASSIZ, Elizabeth; AGASSIZ, Louis. Viagem ao Brasil 1865 – 1866. Brasília: Senado Federal, 2000.
BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará (séculos XVII – XIX). Belém: Paka-tatu, 2012.
CONRADO, Mônica; CAMPELO, Marilu; RIBEIRO, Alan. Metáforas de Cor: morenidade e territórios da
negritude nas construções de identidades negras na Amazônia Paraense. Afro-ásia, 2015.
DE DEUS, Zélia Amador. O corpo Negro como marca identitária na Diáspora Africana. XI Congresso Luso
Afro Brasileiro de Ciências Sociais – Diversidades e (Des)igualdades. Salvador, 07 a 10 de agosto de 2011.
DOSSIN, Francielly. Sobre o regime de visualidade racializado e a violência da imageria racista: notas para
os estudos da imagem. Anos 90, Porto Alegre, v. 25, n 48, dez. 2018.
FOÉ, Nkolo. Africa em diálogo, Africa em autoquestionamento: universalismo ou provincialismo? “Acomo-
dação de Atlanta” ou iniciativa histórica? Educar em Revista nº 47, Curitiba: Editora UFPR, 2013.
MACHADO, Maria Helena P. T.; HUBER, Sasha (Org.). Rastros e Raças de Louis Agassiz: Fotografia, Corpo
e Ciência, Ontem e Hoje. Rio de Janeiro: Capacete Entretenimento, 2010.
MÁRCIO, Souza. A breve história da Amazônia. Manaus: Agir, 1994.
MBEMBE, Achille. As Formas Africanas de Auto-Inscrição. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 23, nº 1, 2001.
_________. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
MIGNOLO, Walter D. COLONIALIDADE – O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ci-
ências Sociais – Vol. 32 Nº 94.
RATTES, Cecília. Retratos do Outro: as fotografias antropológicas da Expedição Thayer e da Comissão Ge-
ológica do Império do Brazil (1865-1877). Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010.
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
SCHWARCZ. Lilia. in PEDROSO, Adriano; CARNEIRO, Amanda; MESQUITA, André (Org). Imagens da
Escravidão o Outro do Outro (Século 16 ao 19). Histórias Afro-atlânticas: [vol. 2] antologia. São Paulo: MASP,
2018.

141
FOTOGRAFIA E VIDA ÍNTIMA:
conversa sobre imagens latentes1
Marcelo Barbalho2

Resumo:
Vinte filmes preto e branco, feitos por mim há dez anos durante uma viagem de férias com meus filhos, nunca
foram revelados. Fomos de carro de Salvador para o Rio de Janeiro pelo litoral e voltamos para a Bahia pelo
sertão. Iara e Emiliano, que eram crianças na época, têm poucas lembranças dessa viagem. Este texto marca o
início de uma reflexão sobre o que essas imagens podem suscitar para mim e meus filhos quando tornarem-se
visíveis. Parte da hipótese de que a fotografia, um meio poderoso de recordar o passado, pode ser uma chave
para tudo o que veio antes e depois de um acontecimento vivido. Trata-se de um trabalho autobiográfico, que
visa discutir a memória a partir de uma crônica familiar.

Palavras-chave: Fotografia; família; arquivo; memória.

No verão de 2009, fiz uma viagem de carro com meus filhos, Iara e Emiliano, que viviam em Fortaleza.
Nos encontramos em Salvador, onde eu morava desde o ano anterior. Fomos para o Rio de Janeiro pela BR-101
(via litoral) e voltamos para a capital baiana pela BR-116 (via sertão). A viagem durou cerca de um mês – até
hoje a mais longa que fizemos juntos. Eu não fotografava desde minha saída de Fortaleza, onde havia passado
nove anos – nesse período constituí um arquivo familiar de mais de doze mil negativos, slides e polaroides. No
entanto, conservava uma câmera fotográfica e quis documentar a viagem. Comprei uma lata de filme preto e
branco, que rendeu vinte rolos com 36 chapas cada um, o equivalente a 720 imagens. Fotografei nossa passa-
gem por lugares como Ilhéus, Guarapari, Ouro Preto e Vitória da Conquista. Iara e Emiliano, que tinham nove
e sete anos de idade, lembram pouco dessas férias. Iara lembra de ter assistido novela na casa de uma vendedora
de cachorro-quente em Itacaré; Emiliano recorda dos “seis dedos” numa das mãos de um morador de Cumuru-
xatiba. Eu também tenho dificuldade para trazer à memoria parte das situações vividas durante a viagem. Isso
porque os filmes nunca foram revelados.
Os filmes ficaram guardados na casa de minha ex-mulher, Marina. Desde 2016, quando voltei para
Fortaleza e os recuperei, tenho alimentado a vontade de revelá-los, de ver as fotos com Iara e Emiliano. A ex-
pectativa não é simplesmente resgatar a memória visual da viagem que eu e meus filhos fizemos juntos quando
eles eram crianças. Mas ressuscitar lembranças que estão além dos instantes registrados nas imagens e ser
apanhado pelos sentimentos provocados pela via de mão dupla entre passado e presente. Ao escrever sobre a
obra de Marcel Proust, Walter Benjamin (1985, p. 37) diz que “um acontecimento vivido é finito, ou pelo me-
nos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma
chave para tudo o que veio antes e depois”.
De fato, coisas que vieram antes e depois daquela viagem podem manifestar-se por meio das fotos.
Algumas podem ser previstas neste momento, outras não. As imagens podem fazer lembrar, por exemplo,
do espírito conturbado pelo fim de meu casamento; da figura de Marina, ausente das fotos, mas diretamente
ligada ao contexto emocional que envolveu a viagem; e de uma fugaz sensação de liberdade na estrada. Para
Iara e Emiliano, hoje jovens no início da idade adulta, as fotos podem estimular lembranças que preservaram
de seu pai naquela época. A fotografia, com toda a sua carga de subjetividade, de vida psíquica, como modo de
recordar o passado, pode se transformar no estopim de um processo capaz de trazer à tona questionamentos,

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professor do curso e Jornalismo da Uni-
versidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa); leitebarbalho@gmail.com

142
frustrações e ressentimentos – afinal, como diz Mauricio Lissovsky (2011), “a fotografia não é indolor”3. Nada
impede, portanto, que um acontecimento fixado após o disparo do obturador extrapole a imagem e se expanda
numa direção não indicada pelo seu conteúdo visível.
Isso é notável no documentário “Conversações em Vermont” (1969), de Robert Frank. O curta-metra-
gem é uma tentativa do fotógrafo suíço-americano de se reaproximar de seus filhos e recuperar um pouco do
tempo que estiveram separados. O filme se desenvolve em torno do encontro de Frank com Pablo e Andréa, na
época recém-saídos da adolescência. O trio recorda o passado, quase sempre com auxílio de fotos e cópias-con-
tato levadas pelo próprio autor para a fazenda de Vermont, de propriedade da família. A conversa por vezes é
difícil, dura e dolorosa, apesar de não totalmente triste. O filme é o primeiro de uma trilogia de Frank sobre si
mesmo e sobre a relação que mantém com seus filhos. Minhas imagens também compõem um trabalho auto-
biográfico que implica num exercício de autoanálise, visando ainda discutir a memória a partir da fotografia
de família.
A fotografia testemunhou minha relação com Iara, Emiliano e Marina. Havia uma motivação intuitiva
e natural comum a qualquer pai com filhos pequenos que procura um meio para recordar e documentar a vida
familiar. Eu estava dentro daquele pequeno universo, inserido na intimidade daquelas pessoas, com as quais
tinha uma ligação afetiva muito forte. Havia um acordo implícito entre nós. Não era preciso dizer nada para
que aceitassem minha presença com uma câmera no quarto de dormir, num supermercado ou num evento
típico para celebrar laços familiares, como uma festa de aniversário. Não havia um método de trabalho estru-
turado, uma lista de temas ou situações para serem registradas. Fotografar minha família tampouco foi um ato
artístico, no sentido de buscar reconhecimento como um fotógrafo que expõe em galerias e museus – embora
hoje pense que essas imagens privadas possam vir a tornar-se públicas, mostradas num livro ou exposição.
As fotos foram feitas originalmente para serem compartilhadas com pessoas próximas (pais, avós, ir-
mãos, tios, amigos etc.), guardadas e revisitadas no futuro. Apesar disso, elas não se assemelham aos instantâ-
neos tipicamente amadores, caracterizados por cenas mal enquadradas e personagens com “olhos vermelhos”.
As fotos estavam de acordo com uma certa “visão fotográfica”, um pouco ingênua, é verdade – eu trabalhava
como professor de fotografia numa faculdade de jornalismo e estava sob influência das leituras e dos fotógrafos
que admirava, entre eles Walker Evans. Na época, Luís Humberto, fotógrafo e ex-professor da Universidade de
Brasília (UnB), era minha principal – e única – referência na fotografia da vida íntima.
Mais tarde descobri que esse tipo de fotografia é um filão reconhecido no campo fotográfico. Está pre-
sente na obra de nomes como Larry Sultan, Nan Goldin, Nicholas Nixon e Eugene Richards. Esses autores, com
interesses e abordagens particulares, não atuam conforme a convenção social, notada na maioria dos registros
amadores, de construção de uma narrativa que realça tudo o que é positivo e agradável no ambiente familiar.
Richards, por exemplo, fotografou o processo devastador de um câncer que levou à morte sua amiga Dorothea
Lynch. Já o fotógrafo amador geralmente evita registrar momentos de tristeza, dor ou tensão. O amador rara-
mente assume algum tipo de risco ao expor sua própria vulnerabilidade e/ou a de seus retratados. A fotografia
é usada como uma forma de autoafirmação pessoal e familiar, sem revelar fragilidades ou inseguranças.
Minha fotografia que está lá, invisível, em estado latente, à espera da hora de despertar, está de certo
modo localizada entre esses dois polos. Sem dramas domésticos, não documenta, pelo menos não explici-
tamente, o sofrimento de ninguém – por exemplo, não há fotos da ida de meu filho ao hospital para levar
pontos na cabeça após cair da mesa da cozinha. Todavia, assume algum tipo de risco ao expor momentos de
instabilidade dos retratados, às vezes vistos com expressões que denotam angústia, melancolia, inquietação ou
irritação. Minha fotografia geralmente também privilegia a banalidade da vida cotidiana, sem nada de extra-
ordinário. Enfim, ela não torna glamorosa a vida privada.
Apesar de ser um trabalho autobiográfico que se expressa como uma crônica familiar, os filmes expos-
tos e guardados há dez anos à espera de serem revelados contribuem para uma reflexão sobre a supressão, pro-
porcionada pela fotografia digital, do intervalo entre o momento do clique e a visualização da imagem. Joan
3 Esta frase foi pronunciada pelo professor Mauricio Lissovsky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante o curso
“Fotografia e espaço público” (ESC 852), oferecido aos alunos do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da uni-
versidade no segundo semestre de 2011.

143
Fontcuberta afirma que a latência da imagem fotográfica, além de uma dimensão mágica e poética, representa
uma “aposta”. “De modo geral, a presença da imagem latente como mediação entre a experiência visual e a
imagem consumada nos fala de esperança e desejo: das esperanças e desejos que depositamos em um ato de
expressão cujo resultado permanece no terreno da incerteza” (FONTCUBERTA, 2012, pp. 39, 40). Isso desapa-
rece com as novas tecnologias. Hoje, qualquer pessoa pode tomar uma fotografia e visualiza-la imediatamente,
além de propaga-la para outras pessoas via redes sociais, contribuindo assim para um enorme fluxo de imagens
online.
As ideias esboçadas aqui articulam, portanto, caminhos distintos que se cruzam no processo de revela-
ção dos filmes e na minha relação com Iara, Emiliano e Marina. É preciso ressaltar, porém, que esta proposta,
ainda em fase de desenvolvimento, comporta o risco de não se realizar como está sendo vislumbrada aqui e
se desdobrar numa outra coisa. E se, após uma década na geladeira, não houver mais nenhuma imagem nos
negativos?

Referências

BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. In: Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e his-
tória da cultura. Obras escolhidas (volume 1). São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
FONTCUBERTA, Juan. A câmera de Pandora. A fotografi@ depois da fotografia. São Paulo: Editora G. Gilli,
2012.

144
PEQUENAS LUZES E GRANDE LUZ1
Annádia Leite Brito2


Resumo:
Esta comunicação busca analisar Flash Happy Society (2009), de Guto Parente, percebendo suas formas de
uso do fotográfico (BELLOUR). Investigam-se a permanência do índice (ROSEN) e a remediação das mídias
analógicas do cinema e da fotografia nas tecnologias digitais utilizadas (BOLTER; GRUSIN), observando no
meio de realização dessa obra contemporânea a presença de uma carga histórica das tecnologias anteriores de
formação de imagem. Aproxima-se, assim, o trabalho artístico da filosofia de Didi-Huberman quanto à sobre-
vivência das pequenas luzes.

Palavras-chave: Fotográfico; índice; remediação; sobrevivência.

Flash Happy Society é um curta-metragem de 8 minutos que acompanha os momentos anteriores ao


início de uma apresentação musical. Foi realizado entre 2008 e 2009, quando as câmeras digitais amadoras e
compactas eram bastante populares e ainda não haviam sido substituídas pelas pequenas câmeras dos telefo-
nes celulares. O olhar de Guto Parente3 (diretor, fotógrafo e montador deste filme assinado por um só) espreita
de cima as pessoas que se fotografam enquanto aguardam o começo do evento. No entanto, a velocidade das
imagens não permanece fluida em sua duração como seria comum em um registro documental. A cada vez que
um flash dispara, o tempo contínuo do vídeo – também de uma câmera fotográfica, a Nikon D90 – é ralentado
até a parada, voltando posteriormente ao movimento. Mesmo na impossibilidade de ver as imagens feitas por
aquelas pessoas, a ação de fotografar incide sobre o tempo do filme e afeta diretamente seu espectador, permi-
tindo que ele veja uma outra imagem estática e que sobre ela projete sua própria reflexão.
A estratégia de operação da obra é apresentada desde o plano geral e os planos de conjunto do início.
A cada disparo de luz, a música e o alto burburinho da mistura de vozes se interrompem enquanto a imagem
passa por uma suspensão. Veem-se os corpos parados, como em um congelamento do tempo, mas, como a luz é
mais veloz, sua curva de atuação – desde o aparecimento até o ápice do brilho e sua extinção – marca a duração
da suposta parada na imagem. Essa suspensão poderia ser tomada como uma falsa interrupção, posto que a
gradação da luz dá a ver a passagem do tempo ainda acontecendo no vídeo, porém, tomando como referência
os corpos em quadro, é como se o decurso do tempo para o ser humano cessasse por um breve período – mo-
mento este distendido pelo vídeo através do efeito de slow motion.
Aos 4 minutos, apagam-se as luzes da casa de shows, ocultando as pessoas antes observadas. Contudo,
é ainda o flash que lhes dá visibilidade e que, mesmo sem que elas saibam, as torna presentes e notadas pelo
espectador. Nesse momento, o som ambiente continua, assim como a imagem, passando por rupturas devido
às paradas causadas pelas luzes, mas agora esses momentos são acompanhados por um ruído de fundo grave,
uma ambiência que, junto à atuação da montagem, desloca a sensação do documental para o fantástico. A
intensidade do número de flashes aumenta até que venha do palco a luz final, que engolfa a todos lentamente
enquanto os vemos paralisados.
Flash Happy Society, como já dito, foi capturado com uma câmera DSLR capaz de filmar vídeos em
alta definição. É interessante notar como toda uma reflexão sobre o ato fotográfico e a espetacularização das
experiências cotidianas surgiu através de imagens produzidas por um equipamento tão próximo ao universo
técnico das máquinas que ele observa em uso. A textura que a câmera observadora confere às imagens termina
por potencializar a experiência do espectador que as vê na sala escura. Quando as luzes menores são disparadas
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ), annadialeite@gmail.com
3 Cineasta, nascido em Fortaleza em 1983. Foi um dos fundadores do coletivo e produtora Alumbramento, dirigindo, junto com
Pedro Diógenes, Luiz e Ricardo Pretti, o longa-metragem Estrada para Ythaca (2010) e, em co-direção com Uirá dos Reis, o longa
Doce Amianto (2013), entre outros filmes.
145
e também quando da luz maior ao fim, a imagem do vídeo é afetada porque os espectadores também – assim
como aqueles sentados nas cadeiras de plástico ansiando pelo show – são engolfados pela experiência de luz. É
produzido certo espelhamento, que torna a tela cinematográfica uma membrana osmótica entre as situações.
A montagem opera as passagens entre o movimento e a pausa – ponto central do trabalho e onde se
insere a dobra temporal que o caracteriza. No curta de Guto Parente é possível ver materializado o conceito
de fotográfico (BELLOUR, 2008, p.251, tradução nossa), entendido como algo mais amplo que a fotografia e
que “existe em algum lugar entre; é um estado de “estar entre”: no movimento, é aquilo que interrompe, que
paralisa; na imobilidade, talvez sugere sua relativa impossibilidade”. Reconhece-se o tempo da fotografia no
movimento cinematográfico e o tempo que existe, ainda que em menor tamanho, dentro da própria tomada
fotográfica, marcado pela gradação da luz e ampliado pelo efeito do vídeo. Ainda que em Flash Happy Society
a estrutura de encadeamento dos planos não fuja do que se pode qualificar como parte da forma usual do cine-
ma, seus momentos de frenagem do movimento, congelamento dos corpos e suspensão do som se evidenciam
como fragmentos destacados de um evento cotidiano, como instantes nos quais se dão experiências sensoriais.
Flash Happy Society trabalha com modulações do tempo a partir do fotográfico no ato de sua tomada,
ao mesmo tempo que observa as circunstâncias afetivo-tecnológicas que geraram as fotografias de terceiros.
Veem-se as tecnologias, quem as opera e os instantes de disparo, atrelados ao indicial, mesmo que seu proces-
samento fílmico tenha sido realizado através de tecnologias digitais – vídeo de câmera DSLR e ilha de edição
em computador.
Entre alguns teóricos há uma tentativa utópica de remeter as tecnologias digitais unicamente à abstração
dos códigos binários, estabelecendo-as como radicalmente novas e as opondo ao índice das imagens técnicas
analógicas (ROSEN, 2001, p.304-305). No entanto, Rosen (2001, p.308-309) afirma que as câmeras digitais, as-
sim como as analógicas, tomam a luz através das lentes, extraindo dados numéricos a partir do real, e observa
a capacidade de visualização de imagens sob a tradição perspectivista em monitores – quadro geral que o autor
denomina como “mimetismo digital”. Ademais, as câmeras DSLR, as de vídeo digital e a interface dos progra-
mas de edição comumente emulam os mesmos mecanismos presentes em câmeras analógicas e em ilha de mon-
tagem, o que também se alinha ao conceito de remediação, criado por Bolter e Grusin (2000, p.45) ao analisarem
que é recorrente na história das mídias a representação de um meio anterior por um meio posterior.
Vê-se que na obra aqui abordada o afastamento do índice não procede. Ele está presente por meio da
observação primeiramente documental sobre um acontecimento social na cidade e suas implicações temporais
na imagem. A câmera é apontada diretamente para aquilo no mundo sobre o qual se quer refletir e, os meios
utilizados, mimetizando aqueles temporalmente anteriores, terminam por ressaltar a discussão tecnológica
das passagens e reminiscências.
Entre as pequenas luzes, que restam insistentes na escuridão, e a grande luz do final, é possível ainda se
aproximar da teoria de Didi-Huberman (2011) quando o autor encontra na figura dos vagalumes pasolinianos
uma emblema de resistência à grande luz do fascismo. É aquilo que não desaparece, mas constantemente deve
ser procurado nas zonas de penumbra e trevas. Ainda que diegéticamente seja possível compreender os flashes
do filme como um sintoma de espetacularização do momento, se vê que as pequenas luzes fazem parte da ex-
periência tanto daqueles presentes no show quanto – principalmente – dos espectadores quando da exibição
do curta. São as pequenas luzes em distensão temporal que dão a ver e a pensar sobre a resistência nos meios
digitais da fotografia e do cinema, mais uma vez se desterritorializando e se reinventando.

Referências

BELLOUR, Raymond. Concerning “the photographic”. In: BECKMAN, Karen; MA, Jean (Orgs.). Still mo-
ving: between cinema and photography. Durham, NC: Duke University Press, 2008.
BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: Understanding new media. Cambridge, MA: The MIT
Press, 2000.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
ROSEN, Philip. Change mummified: cinema, historicity, theory. Minneapolis, MN: University of Minnesota
Press, 2001.
146
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS A RESPEITO DAS
CONDIÇÕES DE ‘ABERTURA CRÍTICA’ NOS TRAILERS1
Caio Menezes Graça de Carvalho2

Resumo:
Os trailers geralmente são os responsáveis pela primeira concepção que o público tem a respeito do filme
anunciado. Criam-se, com base nestas peças publicitárias, expectativas a respeito do que será posto em desen-
volvimento na obra anunciada – não raro sob a forma de pressuposições. Tais expectativas, a serem parcial ou
integralmente confirmadas pelo filme, são aquilo que nos permitem falar em uma ‘possibilidade de abertura’
nos trailers, a transformar uma relação ‘dada’ com a obra em um nível (mínimo que seja) de relação crítica. A
partir do conceito umbertiano de obra aberta, dessa forma, propomos discutir a seguinte questão: faz sentido
falar de trailers também como obra aberta?

Palavras-chave: trailers; cinema; obra aberta; Umberto Eco; semiótica.

Desenvolvido pelo semioticista Umberto Eco desde o começo dos anos 1960 e originalmente destinado
a dar conta dos novos desdobramentos conceituais a respeito da definição de arte – atiçados pelo aparecimento
vanguardista de obras tais quais Finnegans Wake (1939) de James Joyce ou a Trilogia da Incomunicabilidade
(1960 – 1962) de Michelangelo Antonioni (sem falar, é claro, dos expoentes da música serial e da pintura infor-
mal) –, o conceito de “obra aberta” mostrou-se teoricamente extensível a qualquer obra de arte, independen-
temente de ser ‘de vanguarda’ ou não. Dos estudos realizados e publicados nos anos ulteriores à Obra Aberta:
formas e indeterminação nas poéticas contemporâneas (1962), de Apocalípticos e Integrados (1964) até Lector
in Fabula (1979), passando por A Estrutura Ausente (1968) e culminando (em termos de arcabouço teórico)
com o Tratado Geral de Semiótica (1975), Eco empenhou-se progressivamente em acentuar os mecanismos que
impõem, que permitem – e que também, diga-se não de passagem, limitam, represam – tais graus de ‘abertura’
pertinentes ao resultado de qualquer uso estético da linguagem. Seus estudos voltados para a história das po-
éticas – a configurar sua fase ‘pré-semiótica’ – o levaram, desse modo, às problemáticas da recepção artística,
que lhe desafiavam a responder
como uma obra de arte podia postular, de um lado, uma livre intervenção interpretativa a ser feita
pelos próprios destinatários e, de outro, apresentar características estruturais que ao mesmo tempo
estimulassem e regulassem a ordem das interpretações (ECO, 2011, pág. IX).

Se o diferencial do ato comunicativo estético é nos “reenviar antes de tudo não às coisas de que a obra
fala, mas ao modo pelo qual ela fala” (ECO, 2015, p. 334) – fundando, assim, uma auto-reflexividade calcada em
uma manipulação dos ‘códigos de base’ –, uma obra de arte não deixa de exigir respostas originais traduzidas
enquanto esforço interpretativo por parte do destinatário, seja este, por exemplo, um leitor ou um espectador,
fazendo-o a perguntar a que ela, a obra, veio. O calibre desta resposta, desta ‘abertura interpretativa’, irá de-
pender do quão demonstrável é o investimento da obra em cima de sua própria vocação em ser uma máquina
pressuposicional e preguiçosa (Idem, 2011, p. 11) que exige que o destinatário faça uma parte do seu próprio
trabalho, a fazê-lo tirar aquilo que o texto não diz, mas que pressupõe, promete, implica e implícita (Idem,
ibidem, p. IX). Este investimento é o que nos possibilita falar em uma oferta de liberdade “que tende a sugerir
não um mundo de valores ordenados e unívoco, mas [...] um ‘campo’ de possibilidades, e que, para obtê-lo,
exige cada vez mais uma intervenção ativa, uma escolha operativa [...]” (Idem, 2016, p. 271). A menor ou maior
ambiguidade de uma obra de arte está diretamente relacionada a este investimento – o qual está, por sua vez,
vinculado ao que o semioticista chama de estratégia textual (Idem, 2011, p. 39) ou idioleto estético (Idem, 2013,
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho ‘Fotografia, cinema e vídeo’ do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Bacharel em Ciências Sociais pela UFMA (2013) e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2018). E-mail: cmgdcarva-
lho@gmail.com.
147
p. 58), um código ‘próprio’ à obra, que se faz apreensível dentro de uma solidariedade contextual, sendo insti-
tuído ao mesmo tempo em que o produto de sua arregimentação é recepcionado.
Por outro lado, aquele mundo de valores ordenados e unívoco citado acima – ou pelo menos explicita-
mente construído de maneira a querer estabelecer-se como ordenado e unívoco –, situado em relação de oposi-
ção a esse discurso estético, concerne ao que Eco denominou de discurso persuasivo, característico do discurso
publicitário, ainda que não exclusivo a este.
O discurso persuasivo [...] quer levar-nos a conclusões definitivas; prescreve-nos o que devemos de-
sejar, compreender, temer, querer e não querer. Para dar um exemplo, se o discurso aberto quer nos
apresentar de um modo novo o problema da dor, o discurso persuasivo tende a nos fazer chorar, a
estimular nossas lágrimas, como pode acontecer com uma fotonovela (ECO, 2015, p. 344).

Faz-se mister ressaltar, contudo, que nenhuma obra, por mais inquestionável que seja seu estatuto artís-
tico, está à margem de acionar estratégias estéticas demarcadas por traços persuasivos / ideológicos3, tal como
Boogie Nights (Prazer Sem Limites, 1997) de Paul Thomas Anderson, ao colocar-se em posição de repulsa ao
que a década de 1980 representou para o filme; ou Bronenosets Potyomkin (O Encouraçado Potemkin, 1925) de
Sergei Eisenstein, ao louvar o poder do levante popular revolucionário diante de injustiças e violências institu-
cionalizadas – isso para ficarmos apenas com dois exemplos e bem diferentes entre si. Faz-se permissivo, assim,
a convivência de traços identificáveis de persuasividade – quando convir, obviamente, apontar a existência e o
tipo de tais traços quando e se houver – em discursos estéticos.
Caso possa haver discurso ‘persuasivo’ no discurso estético, o que me possibilitaria e o que me dificul-
taria, portanto, a reivindicar, mutatis mutandis, uma implicação de abertura no discurso publicitário? Um
contrassenso, a priori, far-se-ia presente. Todo texto, enquanto entidade a prever – e, em razão disso, desejar
– determinado tipo de leitor – o leitor-modelo (ECO, 2011, p. 39) – possui algum grau de consciência a respei-
to do que deseja evitar em termos de efeitos e/ou leituras por parte da recepção do destinatário previsto. E os
profissionais da publicidade, pela natureza do discurso trabalhado por eles, se empenham em pré-programar
com cuidado os modos de leitura. Mas é igualmente verdade que a competência do destinatário não é neces-
sariamente a do emissor (Idem, ibidem, p. 38) ou, pior – ou melhor, a depender do caso –, a competência do
destinatário pode, muitas vezes, não ser prevista com suficiência “por carência de análise histórica, erro de
avaliação semiótica, preconceito cultural, subavaliação das circunstâncias de destinação” (Idem, ibidem, p. 41).
O caso, por exemplo, das propagandas4 da marca de cerveja Schin, ao querer positivar aquilo que é anunciado
como o “movimento Porque Sim”, “pra quem não curte ficar dando explicação pra tudo”, alimenta discussões
a respeito disso. Se a ação de tomar essa cerveja é tão ‘entendível’ quanto pagar um ano de academia e só ir a
um dia – como fica claro nas propagandas, dentre outras situações retratadas por elas –, coloca-se em questão
o quão conscientes os realizadores estavam a respeito das implicações cabíveis a estes comerciais. Sarcasmo
crítico perante o critério de escolha do consumidor brasileiro de cerveja? Autodeboche em meio ao descrédito
nacional do próprio produto posto em anunciação? Várias conjecturas podem ser postas em jogo.
Assim sendo, qualquer texto, incluindo os textos publicitários – usando aqui o termo ‘texto’ em seu
sentido lato, a abarcar uma ‘tessitura’ de registros visuais, sonoros e verbais –, não deixa de ser também, de
modo condizente a cada circunstância e contexto, uma máquina pressuposicional. Mas até que ponto é permis-
sivo também falar em mensagens publicitárias que possibilitem estabelecer níveis consideráveis de interação
comparáveis a uma relação de participação cooperativa com uma obra de arte? Recoloca-se, assim, em foco de
estudo as possibilidades de interação com o discurso publicitário, persuasivo, ‘desbancadas’ por práticas já co-
roadas pela cultura participativa, como o compartilhamento e a apropriação. Referimo-nos, pois, a um campo,
dentro do discurso predominantemente persuasivo, no qual tais níveis de interpretabilidade, de participação
cooperativa, a colocar em dialética a forma e a abertura – no que diz respeito à mensagem – e a fidelidade e a
iniciativa – no que concerne ao destinatário, tão próprios a uma relação de comunicação com uma obra de arte,
podem ser analogicamente trabalhados – dadas as devidas reservas a serem expostas. Referimo-nos, enfim, às

3 Estamos nos referindo aqui às relações estreitas entre retórica e ideologia, no que tange às situações performáticas comunicacio-
nais pelas quais são conotadas formas culturalmente reconhecíveis de pensar-se em sociedade.
4 Veiculadas entre final de dezembro de 2013 e final de março de 2014.
148
propagandas de ‘produtos artísticos’, cujo teor exemplificativo mais imediato encontra-se na figura dos trailers,
assumidos aqui enquanto nosso objeto de estudo a nos fazer discutir, pautados na semiótica de Umberto Eco,
sob que circunstâncias podemos encará-los também como ‘obras abertas’.
Discerne-se o trailer como um breve texto fílmico criado para apresentar imagens de um filme es-
pecífico no intuito de promover o lançamento deste e comprovar sua qualidade (KERNAN, 2004, p. 1). São
propagandas, pois objetivam divulgar e, por consequência, atiçar ou aumentar o desejo de ver (consumir) o
filme (mercadoria), e o fazem, em sua maioria, recombinando de forma articulada e sintética partes desta
mesma mercadoria narrativa para se constituir. São textos, mas também paratextos, como nos ressalva Kernan
na mesma página, pois encarnam um discurso dos realizadores da obra sobre a obra e é direcionado àqueles
interessados em fruir o filme – para que fiquem com mais vontade ainda de frui-lo – e àqueles que possam vir
a se interessar em consumir a obra. Os trailers não intencionam um diálogo crítico com o filme enunciado,
mas também não impedem que uma abertura crítica a ele, em prol de qualquer expectativa suscitadas por eles
– consideradas aqui enquanto contingências ou possibilidades sugeridas, porém não realizadas ou não bem
desenvolvidas na obra –, seja levada a cabo. O trailer pode funcionar, portanto, como um ponto de partida
a depositar todo o rompante de possibilidades relacionais críticas entre a obra anunciada e o próprio trailer.
Sendo assim, encarar o trailer como “obra aberta” é posicionar-se criticamente perante a obra anunciada, seja
em qualquer categoria de análise cujo direcionamento foi sugerido pelo trailer, mas não cumprido na obra.

Referências

ECO, Umberto. Lector in fabula. Trad.: Attílio Cancian. – São Paulo: Perspectiva, 2011. 2º edição.
_____________. Estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. Trad.: Pérola de Carvalho. – São
Paulo: Perspectiva, 2013. 7º edição.
_____________. Tratado geral de semiótica. Trad.: Antônio de Pádua Danesi e Gilson Cesar Cardoso de
Souza. – São Paulo: Perspectiva, 2014. 5º edição.
_____________. Obra aberta: formas e indeterminação nas poéticas contemporâneas; tradução de Giovanni
Cutolo. Trad.: Giovanni Cutolo. 10º ed. – São Paulo: Perspectiva, 2015.
_____________. A definição de arte. Trad.: Eliana Aguiar. 1º ed. – Rio de Janeiro: Record, 2016.
KERNAN, Lisa. Coming attractions: reading american movie trailers. Austin: University of Texas Press, 2004.

149
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL COMO
PROCESSO POLÍTICO DO COTIDIANO:
perspectiva metodológica amparada na análise cultural1
Márcio Leonardo Monteiro Costa2
Patrícia Kely Azambuja3

Resumo:
Com o intuito de articular o produto audiovisual e suas instâncias de produção e consumo, relata-se aqui as
atividades desenvolvidas no âmbito do projeto de pesquisa coordenado pelos autores, cujo objetivo principal
é a elaboração de um modelo de análise aplicada afinado com a tradição dos estudos culturais em sua relação
com o campo da Comunicação.

Palavras-chave: audiovisual; abordagem metodológica; estudos culturais; circuito cultural.

Entre os principais pesquisadores vinculados aos estudos culturais, temos Raymond Williams (2003,
2011) e Richard Johnson (2010, 2004), para os quais a cultura está relacionada aos modos particulares de vida.
Logo, definições vinculadas à essa ultrapassam cânones artísticos historicamente instituídos ou valores esta-
bilizados pelos processos de aprendizagem, mas envolvem instituições e comportamentos cotidianos comuns.
O método designado por materialismo cultural decorre dessa compreensão. Para Cevasco (2016), a redefinição
de cultura proposta por Williams (2003) era também uma redefinição da política cultural que tinha, de modo
geral, o objetivo de difundir os produtos da alta cultura entre todas as classes sociais. A noção expandida de
cultura precisava, em contrapartida, incluir os significados e valores que organizavam a vida comum, ou seja,
a cultura deveria ser pensada como parte constitutiva da vida concreta e não como uma instância separada.
Este artigo organiza dados preliminares acerca de protocolo teórico-metodológico que permita, a partir
do materialismo cultural de Williams (2003, 2011) e do circuito cultural de Johnson (2010), o estabelecimento
de análises culturais de produtos audiovisuais que levem em conta a dimensão política, econômica e a articu-
lação entre produção e consumo.
Por meio do circuito da cultura, produtos e processos culturais são mais bem compreendidos quando
analisados a partir de um modelo mais complexo e não fragmentado. Embora seja distinto dos demais, cada
momento depende do outro e é indispensável para o todo. Os quatro momentos do circuito são: 1) textos; 2)
produção; 3) culturas vividas; e 4) leituras.
Se os produtos audiovisuais são fundamentalmente mercadorias, a produção e a recepção são impli-
cados por condições de consumo (compra e venda). Ambos estão articulados às culturas vividas que, por sua
vez, são implicadas pelas relações sociais. Para que seja efetivamente considerada conjuntural, a análise pre-
cisa necessariamente levar em conta todos esses fatores cotidianos, contemporâneos, que implicam os demais
momentos do processo, além de uma combinação de metodologias, orientadas de acordo com cada produto e
especificidade.

1 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social e pesquisador vinculado ao Observatório de Experiências Expan-
didas em Comunicação - ObEEC/UFMA. Doutor em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e
pós-doutorando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenador do projeto de pesquisa “Construção
de protocolo teórico-metodológico para análise cultural de produtos audiovisuais”. E-mail: marcio.ufma@gmail.com.
3 Professora Adjunta do do Departamento de Comunicação Social e pesquisadora vinculada ao Observatório de Experiências Ex-
pandidas em Comunicação - ObEEC/UFMA. Doutora Psicologia Social pela UERJ, mestre em Artes Visuais pela UNESP e autora
do livro Televisão Híbrida: recepção de TV sob a perspectiva sociotécnica da Teoria Ator-rede. Coordena o projeto de pesquisa
“Mise-en-scène plástico: culturalmente construído ou pela imaginação subvertido?” (Financiado pela FAPEMA) e participa como
coordenadora adjunta do projeto de pesquisa “Construção de protocolo teórico-metodológico para análise cultural de produtos
audiovisuais”. E-mail: patriciaazambuja@yahoo.com.br.
150
Sobre os textos, imagem e audiovisual

Para Hall (2016, p 17), a linguagem é “o meio privilegiado pelo qual ‘damos sentido’ às coisas”. Para ele,
as diferentes formas de produção são consideradas tal qual línguas pelo simples fato que são “sistemas de re-
presentação [...] utilizam algum componente para representar ou dar sentido àquilo que queremos dizer e para
expressar ou transmitir um pensamento, um conceito, uma ideia, um sentimento” (HALL, 2016, p. 23). Consi-
dera-se desde já uma primeira ponderação metodológica: a combinação de ferramentas de análise dependerá
exclusivamente do que cada objeto de pesquisa suscita. Tomando como exemplo a imagem, Aumont (1993, p.
14) afirma tratar-se de uma discussão ambiciosa, pois busca atender à diversidade de atividades humanas e está
longe de ser um processo simples. Logo, para discutir a complexidade do audiovisual contemporâneo, pas-
samos a perceber “o sentimento generalizado de se viver em um mundo onde as imagens são cada vez mais
numerosas, mas também cada vez mais diversificadas e mais intercambiáveis”. A análise fílmica, por exemplo,
teve início com a linguagem cinematográfica e ampliou-se através do potencial expressivo da imagem em mo-
vimento, que passou a transitar por diferentes meios e, consequentemente, incorporar diversos “paradigmas
de interpretação” (HALL, 2016, p. 21). Pela mesma razão, sempre buscamos analisar o audiovisual incluindo,
neste debate, um aglomerado de atravessamentos possíveis e influências diversas. Parte dessa discussão, assim
como, um extenso levantamento bibliográfico estão comentados em artigo publicado na revista Comunicação
& Inovação (MONTEIRO e AZAMBUJA, 2018).
Reconhecemos a existência de propostas consolidadas no campo de estudo da linguagem imagética,
mas compreendemos ser necessária uma maior especificidade em relação às dimensões internas e externas
dos produtos a serem investigados. Isso inclui levar em consideração: tanto as produções em si (signifiucantes/
significados), como os modelos de negócio; os gêneros e formatos diversos; diferentes regimes de visualidades;
movimentos culturais que têm influenciado a constituição da linguagem audiovisual; práticas midiáticas que
fazem mediação entre a indústria e os consumidores; aspectos relacionados a disputas de poder; e possibilida-
des cada vez mais particulatizadas de consumo e de atribuição de sentido.

Sobre as condições de produção: hegemonia do visível e poder

Apesar de Hall (2016, p. 48) afirmar que a “linguagem nunca pode ser um jogo inteiramente privado” e
nossos sentidos, ainda que pessoais, tenham “de entrar nas regras, códigos e convenções da linguagem para se-
rem compartilhado e entendidos”, ele também argumenta que as linguagens têm poder de usar signos para di-
ferentes fins e não “existe um simples relação de reflexo, imitação ou correspondência direta entre a linguagem
e o mundo real” (HALL, 2016, p. 53). Logo, a construção desse mundo depende de abordagens diferenciadas,
que funcionam em níveis distintos de interpretação (tanto históricos, como linguísticos e culturais). Compre-
ende-se, dessa forma, a existência de múltiplas estratégias para a representações, nem sempre reveladas a priori.
Ele nos alerta para o fato de que se a linguagem fala de nós como indivíduos também, no entanto, em
certos momentos históricos algumas sujeitos têm mais poder para falar sobre determinados assuntos que ou-
tros, neste sentido, já reconhecemos de antemão a existência de “modelos de representação”. “O conceito de
discurso não é sobre se as coisas existem, mas sobre de onde vem o sentido das coisas” (HALL, 2016, p. 81).
Nesse caso específico, a coleta documental - reportagens, filmes, fotografias, diários, cartas, relatórios, tabelas
estatísticas ou documentos oficiais - é essencial para o estabelecimento da argumentação sobre as condições de
produção. Parte do trabalho do analista, então, seria fazer um levantamento detalhado do que, por exemplo,
foi dito a respeito do produto e do contexto específico da produção.

Sobre as culturas vividas: registro de modos de vida

“[Foucault] defendeu que, em cada período, o discurso produz formas de conhe- cimento, objetos, sujei-
tos e práticas de conhecimento que são radicalmente diferentes de uma época para outra, sem uma necessária
continuidade entre elas” (HALL, 2016, p. 84), portanto, as representações minuciosamente planejadas para os
produtos audiovisuais, em seu contexto histórico específico e suas correlações à vida profissional dos produto-
151
res envolvidos, certamente querem dizer mais. Para Hall (2016, p. 86), a relação entre discurso, conhecimento e
poder marcou o paradigma da representação pautado em uma estrutura fechada “puramente formal e deu a ela
um contexto operacional histórico, prático e ‘global’”, conectada de maneira mais íntima às práticas sociais e às
questões de poder. A noção de representação assume portanto a necessidade de entendimento das condições de
representação. “Nesse contexto, da ‘representação como política’, não ter voz ou não se ver representado pode
significar nada menos que opressão existencial” (HALL, 2016, p. 13).

Sobre a relação entre produção e consumo: principais ferramentas

Apesar da afirmação de Hall (2016, p. 59) sobre a linguagem não ser um jogo in- dividual, algumas prá-
ticas específicas podem alterar sentidos socialmente aceitos. Entre significante, significado e processo histórico,
há mudanças com poder de transformar o “mapa conceitual da cultura”. A partir do modelo proposto por Hall
na década de 1970, que, conforme pontua Escosteguy (1998), apostava na pluralidade dos modos de recepção
dos programas televi- sivos, a análise semiótica e as abordagens etnográficas passaram a compor conjunta-
mente um tipo particular de análise cultural (ROCHA, 2011). Mais do que buscar compreender as diversas
possibilidades de leitura dos textos midiáticos na relação com o sentido preferido pela instância produtora,
pretendia-se investigar apropriações, usos, práticas cotidianas implicadas pela mídia.
Buscamos aqui perceber os processos de produção audiovisual como processos políticos profunda-
mente ligados às experiências cotidianas da sociedade como um todo. O circuito cultural opera no sentido de
propor para o audiovisual - seja cinematográfico, autoral ou comercial, seja televisionado ou compartilhado
pela internet - um conjunto de procedimentos metodológicos capaz de dar conta de uma realidade de produ-
ção de fato complexa, envolvida com as diferenças e suas múltiplas influências: textos, condições de produção,
culturas vividas e recepção. Portanto, os textos não fariam parte de uma estrutura narrativa pré-definida que
antecede as experiências sociais, mas são atravessados por elas, sendo o lugar a partir do qual se alimenta e para
o qual retorna em forma de repertório.
Parte considerável do esforço de professores e alunos ligados a este projeto de pesquisa está em identi-
ficar modos de acessar conjuntamente as dimensões político-econômicas, as relações conjunturais e a articu-
lação entre produção e consumo que constituem os produtos audiovisuais. Para finalizar, os analistas deverão
identificar, relacionar e interpretar todos esses aspectos como integrados.

Referências

CEVASCO, M. E. Dez lições sobre Estudos Culturais. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016. ESCOSTEGUY, A. C.
Uma introdução aos estudos culturais. Revista Famecos, v. 5,n. 9, 1998.
______. Quando a recepção já não alcança: os sentidos circulam entre a produção e a recepção. E-compós,
12, 1, 1-15, 2009.
HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Apicuri, 2016.
JOHNSON, R.; CHAMBERS, D.; RAGHURAM, P.; TINCKNELL, E. The practice of cultural studies. Lon-
dres: SAGE Publications, 2004.
JOHNSON, R. O que é, afinal, Estudos Culturais. In: SILVA, T. T. da. O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
MONTEIRO, M.; AZAMBUJA, P. Análise cultural de produtos audiovisuais: relato de construção de protocolo
teórico-metodológico. Comunicação & Inovação, v.19, n. 41, 2018.
MORAES, A. L. C. A análise cultural. Questões Transversais, v. 4, n. 7, 2016.
ROCHA, S. M. A análise cultural da televisão. In: JANOTTI JUNIOR, J.; GOMES, I. M. M., Comunicação e
estudos culturais. Salvador: EDUFBA, 2011.
WILLIAMS, R. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión, 2003.
______. Cultura e materialismo. São Paulo: Unesp, 2011.

152
A “DIMENSÃO IMPRECISA” NO CINEMA MAINSTREAM:
caso A Forma da Água1
Patrícia Azambuja2
Teodoro Montenegro3

Resumo:
A “dimensão imprecisa”, presente em algumas manifestações imagéticas de vanguarda (CÁNEPA, 2006), são
abordagens presentes no trabalho do Diretor Guillermo Del Toro, que levanta discussões sobre paradigmas de
representação (HALL, 2016) e linguagem cinematográfica (METZ, 2014). Relacionar estes temas, no sentido de
compreender a papel da criatividade e da ação imaginativa na produção de imagens de grande circulação, faz
parte do objetivo central deste trabalho, voltado a pensar métodos de análise de dêem conta de analisar aquilo
que nem sempre vemos, mas que estão presentes, de uma forma ou de outra (DIDI-HUBERMAN, 1998).

Palavras-chave: cinema; vanguardas artísticas; representação; imaginação.

The Shape of Water (2017, EUA) a priori ganha destaque pelos prêmios e indicações das academias de
cinema mundiais (BAFTA Awards, Globo de Ouro e Oscar), em contrapartida, chama atenção também pela
característica híbrida do formato cinematográfico proposto: a “estranha” combinação entre romance, drama,
aventura, fantasia, dentro de uma atmosfera densa e sombria. Tem-se, portanto, como proposta para este arti-
go compreender dentro dessa estrutura narrativa complexa o potencial da fantasia para a produção de efeitos
imaginativos e ampliadores das sensações projetadas pelo audiovisual. Partindo de depoimentos do diretor
Guillermo Del Toro4 - que de antemão afirma não tratar-se de um filme de monstro, mas de uma estratégia vi-
sual para questionar o mundo real - assim como, de recortes acerca da estrutura dramática, busca-se de forma
preliminar um levantamento bibliográfico que nos oriente na percepção do poder da imprecisão na imagem
que, apesar de sua aparente incompletude desperta sentimentos e afetos absolutamente relevantes para a rela-
ção diegética entre produtores e espectadores.
Filme A Forma da Água estreou no Brasil em 2018 e tem na história central o relacionamento amoroso
entre Elisa Esposito (Sally Hawkins), funcionária de serviços gerais de um laboratório dos EUA na década de
60, e uma espécie de anfíbio humanóide (Doug Jones) capturado pelo exército. Elisa é muda e vivencia conflitos
com o militar encarregado do setor onde a criatura é mantida algemada; Richard Strickland (Michael Shan-
non) demonstra profunda aversão ao que chama de “coisa suja”, e reitera a todo instante, através de diálogos
permeados por citações bíblicas, suas certezas e moralidades religiosas: “Você não pode achar que Deus se
pareçacom aquilo, acha? Deus se parece com um humano como eu. Ou até como você, talvez. Mais comigo, eu
acho”. Alguns pesquisadores do mesmo laboratório, no entanto, afirmam tratar-se de um ser anfíbio originário
da Amazônia, considerado um deus indígena com poderes mágicos; fato que corrobora com o paradoxo pro-
posto: diferentes pontos de vista, diferentes personificações humanas/não-humanas ou subjetividades, ensejam
questões sociais pertinentes ao momento de aceitação das diferenças. Nesse caso, é o relacionamento amoroso

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 3. Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora Adjunta do do Departamento de Comunicação Social e pesquisadora vinculada ao Observatório de Experiências Ex-
pandidas em Comunicação - ObEEC/UFMA. Doutora Psicologia Social pela UERJ, mestre em Artes Visuais pela UNESP e autora
do livro Televisão Híbrida: recepção de TV sob a perspectiva sociotécnica da Teoria Atorrede. Coordena o projeto de pesquisa
“Mise-en-scène plástico: culturalmente construído ou pela imaginação subvertido?” (Financiado pela FAPEMA) e participa como
coordenadora adjunta do projeto de pesquisa “Construção de protocolo teórico-metodológico para análise cultural de produtos
audiovisuais”. E-mail: patriciaazambuja@yahoo.com.br
3 Aluno graduando do 5o período do curso de Rádio e Televisão da UFMA. Email: teo_monte@hotmail.com
4 Entrevista com o diretor Guillermo del Toro produzida por Christina Radish, disponibilizada em 12 de fev de 2010, através do
link: http://collider.com/guillermo-del-toro-the-shape-of-water-interview/#lady-bird
153
(clichê do cinema mainstream), mas inviável para padrões reconhecíveis, a conexão entre fantasia e questões
obre o mundo real. Del Toro afirma: “é um conto de fadas para tempos problemáticos”5.

Monstros, terror e experiências emocionais: raízes nas vanguardas artísticas

O monstro da Lagoa Negra (1954) foi a principal inspiração de Guillermo Del Toro para a idealização
do filme. Dirigido por Jack Arnold, faz parte de um grupo de clássicos filmes de terror da Universal. Tais
filmes possuem raízes estéticas vinculadas às experiências cinematográficas dos movimentos de vanguardas
artísticas, em especial, o Expressionismo. O gabinete do Dr. Caligari (1919) e Nosferatu (1922) são alguns filmes
oriundos desse movimento, que surge da pintura alemã, nos anos 1920. De acordo com Laura Cánepa (2006),
por lidar com impulsos criativos de natureza emocional quase primitiva, os expressionistas são responsáveis
por produzir uma tendência atemporal de manifestação estético-cultural, pois o movimento se manifesta para
além de uma materialidade plástica particular, ressalta as “experiências emocionais do artista sob formas ex-
cepcionalmente vigorosas, [enquanto] ‘convida o espectador a experimentar um contato direto com o senti-
mento gerador da obra’” (p.56). Os representantes desse movimento defendiam ideias emancipatórias, faziam
declarações inflamadas, ultrajantes e quase sempre com esperança de redenção ou reaparição da fraternidade
universal perdida; ao contrário, “tiveram parte de suas fileiras dizimadas durante a Primeira Guerra, o que deu
aos sobreviventes uma carga de emoções catastróficas que encontraria eco na população alemã durante a crise
política, cultural e econômica que se sucedeu ao conflito” (p.57).
Os expressionistas destacavam expressões faciais de momentos vulneráveis, de pavor, susto, e valori-
zavam o medo do desconhecido, criaturas misteriosas e “personagens que pareciam ter saído da imaginação
sombria de um conto fantástico” (CÁNEPA, 2006, p.74). No cinema, deu origem aos filmes de monstros, sus-
pense, terror, e foram pioneiros em técnicas cinematográficas (angulação de câmera, cenário, luz e sombra),
usadas para manipular plasticamente a realidade, acentuar expressões na cena ou criar deformações expressi-
vas.
Esse vínculo entre a obra de Del Toro e o expressionismo é analisada também por Fabíola Tarapanoff
(2018), em seu trabalho acerca da imperfeição dos “outsiters”, com destaque à beleza das imagens desviantes,
à identificação de Del Toro com seres monstruosos e solitários, assim como, suas influências nos romances
góticos (séc. XVIII e XIX), contos de terror (Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft) e filmes expressionistas. A
perfeição, para Del Toro e Scott Zicree (2013), é uma impossibilidade que insistimos em acreditar para torturar
a nós mesmos e contradizer a natureza. Há, portanto, uma densa proximidade entre a obra de Guillermo Del
Toro e a tendência vanguardista de produzir, através de imagens, impulsos primitivos, criativos e emocionais.
Interessa a este trabalho compreender essa tendência como estratégia para o cinema mainstream.

A complexidade da estética vanguardista e questões vinculadas à representação

O levantamento sobre as condições de produção situa alguns aspectos inovadores e priorizados pelo fil-
me, que não estabelece a monstruosidade como cerne da questão dramática. “Não estamos criando um mons-
tro, estamos criando um galã, um personagem masculino protagonista”, afirma Del Toro6. Obviamente nem
todos os espectadores concordam com esse direcionamento sugerido para a narrativa, e questionam a relação
insólita entre protagonistas. De todo modo, para o diretor, a figura do monstro no filme não tem objetivo de
amedrontar, de causar espanto, mas sim de desconstruir a ideia de que o diferente deve ser temido. Fato cons-
tatado quando da comparação entre os anfíbios humanóides (quase idênticos) nos dois filmes: em O monstro
da Lagoa Negra, a criatura era vista com a vilã do filme, o qual os heróis protagonistas tinham o objetivo de
detê-la e causava medo, já em A Forma da Água, a criatura é utilizada para questionar o papel exercido pelo
“diferente” na sociedade em que ele está inserido, que neste caso acontece por força de ação militar. De fato,
5 Entrevista concedida pelo diretor a Jimmy Kimmel Live, disponibilizada em 13 de dez de 2017, pelo link: https://www.youtube.
com/watch?v=iZeZHllQ96Y
6 Entrevista concedida pelo diretor a Jimmy Kimmel Live, disponibilizada em 13 de dez de 2017, pelo link: https://www.youtube.
com/watch?v=iZeZHllQ96Y
154
Del Toro também ironiza as relações envolvidas com a corrida armamentista e o anticomunismo do período
da Guerra Fria, no entanto, coloca também em xeque os “sistemas de representação”, que visam permitir “dar
sentido ao mundo por meio da construção de um conjunto de correspondências, ou de uma cadeia de equiva-
lências, entre as coisas - pessoas, objetos, acontecimentos, ideias abstratas etc.” (HALL, 2016, p.38). Para Stuart
Hall (2016), estes sentidos não estão estabelecidos de forma definitiva e mudam de acordo com os movimento
históricos e culturais, por isso, considera que sempre “há uma imprecisão necessária e inevitável sobre a lin-
guagem” (p.60).
O diretor de A Forma da Água coloca luz nesta questão, ao desestabilizar a própria ideia de estabilidade
representativa. De todos os problemas ligados à teoria do cinema, Christian Metz (2014) aponta a “impressão
de realidade vivida pelo espectador diante do filme” (p.16) como o mais significativo, pois a imagem fílmica
tem poder de produzir a sensação de estarmos vivenciando de forma crível aquela experiência narrativa, de-
sencadeando um processo que combina, simultaneamente, percepção racional e afecção psíquica. O que Metz
(2014) chama de sentimento direto de credibilidade possui de fato fundamentos psicológicos, que valem tanto
para filmes insólitos como para os com tendência realista. Tais argumentos nos servem para entender que, o
realismo de um vale-se da “familiaridade tão agradável à afetividade” (p.17) e, o irrealismo do outro, do “poder
de desnorteio tão estimulante para a imaginação” (p.17). Temos aqui uma problematização bastante resistente
no campo da cinematografia: a necessidade de incorporar procedimentos de produção convincentes e “realis-
tas”, gerando assim mais empatia e engajamento junto ao espectador.
Um paralelo à afirmação de Metz (2014) é proposto por Hall (2016), sobre o papel da representação:
“Imagens e signos visuais, mesmo quando carregam uma semelhança próxima às coisas a que fazem referência,
continuam sendo signos: eles carregam sentido e, então, têm que ser interpretados” (p.39). O autor ratifica que
mesmo quando a relação entre conceito e signo é direta e estável, esta não é uma questão simples, inclusive, à
“medida que a relação entre o signo e o seu referente se torna menos clara, o sentido começa a deslizar e a esca-
par de nós, caminhando para a incerteza” (p.39). O filme A Forma da Água talvez seja um bom exemplo recente
para análise desses aspectos não inteligíveis, ou quando a relação entre o mapa de conceitual e o conjunto de
signos estruturados corrobora mais incertezas que clarezas interpretativas. Para Hall (2016) a linguagem e o
universo conceitual por ela estabelecido não podem “nunca ser finalmente fixado” (p.45), são construídos so-
cialmente, internalizados inconscientemente e, “resultado de uma prática significante - uma prática que produz
sentido, que faz os objetos significarem” (p.46).

Considerações sobre a imprecisão do ‘signo selvagem’

Desse universo de práticas de produção de sentido pela linguagem, destaca-se o cineasta e sua busca
pela “imprecisão necessária e inevitável sobre a linguagem” (HALL, 2016, p.60). A ideia de representação den-
tro de um contexto social sugere que o diretor Guilhermo Del Toro, ao definir o contexto da Guerra Fria e o
protagonismo centrado em seres híbridos (ou com particularidades especiais), sugere um conjunto de regras
(significante) que produzem sentido (significado) para além da ideia de reflexo, mas ao contrário, evidenciando
abstrações e simbologias para além dos contextos históricos (ou estratégias de produção) convencionados.
Autores como W. J. T. Mitchell (2009) e Georges Didi-Huberman (1998, 2018) passam a propor outros
olhares para as imagens contemporâneas. Mitchell (2009) questiona: “E se a imagem fosse o ‘signo selvagem’
que escapa a todas as definições, sistemas e mídias? Isso certamente seria uma crise para a teoria, pelo menos
para o tipo de teoria que tenta pacificar ou conter a imagem” (p.2). Como acadêmico, sugere métodos pautados
na ação de caçar-coletar “imagens [...] livremente transgredindo fronteiras históricas e disciplinares [...] espe-
cialmente interessado na migração das imagens, seus cruzamentos (crossbreeding) e hibridações, característi-
cas cruciais da evolução histórica as imagens” (p.3). Como cineasta, Guilhermo Del Toro também transgride
fronteiras históricas, de gênero, de representação incontestável, e até crível. Por outro lado, assim como propõe
Georges Didi-Huberman (1998), alerta, através do seu pacto com a fantasia, a darmos ouvidos às questões que
as emoções têm a nos dizer. “Abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais veremos -
ou melhor, para experimentar que o que não vemos como toda a evidência (evidência visível)” (p.34).

155
Referências

CÁNEPA, Laura Loguercio. Expressionismo Alemão. in: MASCARELLO, Fernando (org.). História do
cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006.
DEL TORO, Guilhermo; ZICREE, Scott Mark. Cabinet of curiosities. Nova York: Harper Collins, 2013.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, O que nos olha. São Paulo, Editora 34, 1998.
HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016.
METZ, Christian. A significação no cinema. São paulo: Perspectiva, 2014.
MITCHELL, William J. Thomas. Como caçar (e ser caçado por) imagens: entrevista com W. J. T.
Mitchell. E-compós, v. 12, 2009. Disponível em: http:// www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/
view/376/327.
SILVA, Silvano Alves Bezerra da. Estética Utilitária: interação através da experiência sensível com a
publicidade. João Pessoa: A União Editora/Editora UFPB, 2010.
STRICKLAND, Carol. Arte Comentada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
TARAPANOFF, Fabíola. Beleza imperfeita: “Outsiders” e Expressionismo em Guillermo Del Toro.
Anais Encontro Socine, 2018. Disponível no link: https://www.socine.org/encontros/trabalhos-aprovados-
-2018/?id=17544

156
Cinema: ciência e ficção das imagens, em movimentos1
Ramusyo Brasil2

Resumo:
Este trabalho indaga o desenvolvimento do cinema enquanto linguagem. Ausculta o paradigma da ficcionali-
dade que domina a indústria do cinema e o campo de produção como arranjo produtivo e aparelho de manipu-
lação dos tempos/espaços. Parto da ideia de que a fruição estética no cinema se assenta nos valores próprios da
modernidade do século XX, calcados na sociedade de consumo e da informação, onde os valores sinestésicos
do choque e do estranhamento estão resgatados no saber-ser do sentido, com base na ideia de estética como
confuso inteligível: para Rancière, propriamente a estética como espaço do pensamento e do não-pensamento.
(2009)

Palavras-chave: cinema, ciência, ficção, real-idade.

Partilhando do segredo dos espelhos, o cinema esforça-se ao máximo por nos fazer crer que reflete
aquilo que é, quando ele faz bem melhor (ou bem pior) que isto: fabrica aquilo que virá a ser. (Co-
molli, p. 166, 2015.)

Se o cinema nasce dos avanços científicos em função da descoberta da persistência retiniana e dos ex-
perimentos de pré-cinema preconizados, entre outros, por Étienne-Jules Marey (1830 – 1904) com sua crono-
fotografia, proporcionando, com ela, a ilusão de movimento, sua consolidação enquanto artefato se dá através
da patente do cinematógrafo pelos irmãos August e Louis Lumière, outrora perdida por Léon Bouly. Isto lhes
rendeu muito dinheiro. Porém, até então, o cinematógrafo era simplesmente um aparelho, algo da ordem da
invenção, da lógica dos inventores. Somente com a inserção da narrativa, a partir das experimentações do ilu-
sionista George Méliès, o cinema surge enquanto produto, enquanto linguagem. Posteriormente, com a cons-
trução da gramática cinematográfica por D. W. Griffith, com base na literatura e na ideia de diegese, ou seja, da
realidade própria à narrativa, pode-se dizer que temos o cinema tal e qual o entendemos hoje em dia, mesmo
que em sua faceta mais rudimentar.
Para Benjamin, “(...) a reprodutibilidade técnica da obra de arte emancipa-a, pela primeira vez na his-
tória, de sua existência parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma
obra de arte criada para ser reproduzida.” (p. 186, 2012) Neste sentido, o cinema, enquanto obra de arte que
evoca em si o valor de exposição, traz em sua reprodutibilidade a capacidade de estabelecer vínculos signifi-
cativos com o público que o frui. Em diferenciação ao valor de culto das obras de arte tradicionais, como a
pintura, que, em Benjamin, estão imortalizadas por sua aura, que, por sua vez: “É uma teia singular, composta
de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa de distante, por mais perto que ela esteja.”
(Idem, p. 184). Assim, a fruição estética no cinema se assenta nos valores próprios da modernidade do século
XX, calcados na sociedade de consumo e da informação, onde os valores sinestésicos do choque e do estranha-
mento estão resgatados no saber-ser do sentido, com base na ideia de estética como confuso inteligível: para
Rancière, propriamente a estética como espaço do pensamento e do não-pensamento. (2009)
Nas dimensões narrativas e de montagem, tal como no procedimento cinematográfico, protagonizam
nessa forma de percepção estética a noção de inconsciente em Freud (o cinema como fábrica e interpretação
dos sonhos e pesadelos), o apolíneo e o dionisíaco nietzschiano (em evocação e reconhecimento às forças dioni-
síacas, afastadas da noção do belo, na Arte), e as ideias de constelação crítica e montagem literária em Benjamin
(sobretudo, porém, não somente, no livro das Passagens, onde se impõe o método da montagem).
Interessa indagar, aqui, que no desenvolvimento do cinema enquanto linguagem, o paradigma da fic-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Marcus Ramusyo de Almeida Brasil, docente dos Programas de Mestrados Profissionais em Artes - ProfARTES (UDESC/UFMA)
e em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT (Rede Federal de Educação Profissional); e-mail: ramusyo@ifma.edu.br

157
cionalidade domina a indústria e o campo de produção do cinema como arranjo produtivo e aparelho de ma-
nipulação dos tempos/espaços. Se, por um lado, é pensado como continuidade da transparência do realismo
reivindicado pelo próprio cinema como modo de fazer, por outro é visto como dispositivo de opacidade entre
percepção e mundo, fábrica de sonhos, de ilusões, de narrativas e ficções, que sempre, no limite, e, por si só,
evocam, em nós, um inconsciente estético, que, entre o real e o imaginário, instauram a possibilidade de um
conhecimento profundo entre o mundo e o umbigo, o tempo e o ente.

Referências

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 2012.
RANCIÈRE, Jacques. O inconsciente estético. São Paulo: Ed. 34, 2009.
COMOLLI, Jean-Louis. O espelho de duas faces. In YOEL, Gerardo (org.). Pensar o cinema: imagem, ética e
filosofia. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

158
Vestígios, ruínas e fotografias... ou sobre alguns
acontecimentos da imagem1
Rubens Venâncio2

Resumo:
Este artigo traz reflexões sobre o trabalho com a memória em suas manifestações poéticas por meio da fotogra-
fia, a partir da criação do ensaio “iminências”, realizado em três locais do Ceará e composto por duas coleções:
“lugar-ruína” e “lugar-memória”. Para tanto, adotei a ideia de “memória-montagem” que, junto a um fazer
conceitual e artístico, possibilitou o entrelaçamento entre memória, esquecimento e ruína.

Palavras-chave: Fotografia; memória; ruína; esquecimento.

Olhar para as ruínas é desejar a explosão, perceber o que fugiu ao continuum (BENJAMIN, 2007, p.
517).

Ao mapear particularidades e problemáticas nos distritos do Baixio das Palmeiras, Baixio do Múquem
e Cococi (locais que serão mais a frente apresentados), identifiquei dois cenários que pautaram a investigação
visual e foram assim nomeados: os dois primeiros começam a ser fotografados a partir da ideia de “iminência
da desapropriação” e o terceiro a partir da ideia de “iminência do desaparecimento”.
A coleção “lugar-memória” é composta por imagens criadas livremente sobre locais significativos apon-
tados pelas narrativas dos moradores – seja por motivações afetivas, de memória, ou razões de outra ordem.
Nessa coleção (em formato digital e realizada nos três espaços) procurei perceber pela via da criação fotográ-
fico-imaginativa a relação com o espaço durante um cenário de desaparecimento e de imposição de desapro-
priações.
Já em “lugar-ruína” (feito com o filme – vencido – Polaroid grande formato) trabalhei no sentido de
estabelecer memórias a partir das complexidades vividas pelos habitantes que estão dentro do contexto das
iminências, mais especificamente, sobre os moradores dos Baixis que já se encontram nas novas residências
após desapropriação e os que vivem em Cococi em meio aos destroços.
Uma questão norteadora surgiu nessa investigação que se deu entre 2013 e 2017: como, com a narrativa
fotográfica e as discussões propostas, surgirá uma tessitura que envolverá indivíduos, memória e ruínas? A
criação dos “lugares” dependeu dessa questão. Mas que pessoas são essas, em qual cenário as experiências se
deram?
Nos distritos rurais do Baixio do Múquem e no Baixio das Palmeiras moram centenas de famílias que
vivem, em sua maioria, da agricultura familiar e partilham uma história e um intenso cotidiano de vivências.
Ambos são distritos do município de Crato, região do Cariri cearense, e se encontram geograficamente entre
suas principais cidades: Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Atualmente as comunidades estão ameaçadas
pelo projeto do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), maior obra hídrica do Estado, que prevê a construção de
um canal que, entre outros, trará água da Transposição das Águas do Rio São Francisco para o Ceará.
O discurso da segurança híbrida não foi suficiente para convencer os moradores do abandono de suas
residências e da agriculta familiar baseada na sustentabilidade ambiental – estes, por sua vez, não sabem por
onde exatamente passará o canal, quantas famílias serão desabrigadas, para onde vão e qual será impacto am-
biental – friso a proximidade dos locais com a Chapada do Araripe.
Nesse contexto não está em curso apenas a desestruturação territorial, mas outra de ordem humana: o
desmonte de laços afetivos, alteração do modo de vida e, principalmente, a influência na memória dos mora-
dores pela alteração/perda de vários vínculos, com suas memórias e identidades – momento em que a questão

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Fotografia, cinema e vídeo”, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutor, professor adjunto do curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri (URCA), rubens.venancio@urca.br.

159
do esquecimento se põe. Algumas famílias já foram desapropriadas e outras aguardam as decisões do Estado,
mas todas têm em comum a mesma preocupação: a iminência da desapropriação.
Cococi (“coco pequeno” em tupi-guarani), que já foi vila, distrito e cidade (extinta na década de 1960),
está localizada no sertão dos Inhamuns, Ceará. Símbolo da colonização cearense, Cococi foi sede de uma das
maiores sesmarias do Estado, desempenhando o papel de importante povoamento do Interior. Com suas his-
tórias míticas e muito abalada pelo medo (a pistolagem e a violência contra os índios), o local já foi cantado em
versos de Luiz Gonzaga.
Hoje, noticiada como abandonada, é um distrito de Parambu, a 50 km da sede do município. Na ver-
dade um quase-local com sete moradores divididos em duas famílias que vivem da agricultura de subsistência,
da venda de animais e outros serviços. Da antiga cidade, fora algumas casas que teimam em ficar de pé, ainda
restam uma igreja (datada do século XVIII), o cemitério, uma parte da sede da prefeitura e o palacete da família
Feitosa – família que fundou a então cidade.
Achada, Cococi perde-se nela mesma. Constituiu-se como um lugar que entrou em estado de latência,
dormente, que parece não esperar mais nada além da passagem...do tempo. Os silêncios dos destroços, ou os
destroços causados pelos silêncios habitam esse distrito, bem como as ranhuras, fendas, espaços aberto-esque-
cidos, onde é possível perceber as particularidades da relação entre as ruínas, as pessoas e a paisagem. Algo
também é comum a esses poucos moradores: a iminência do desaparecimento.
O que se apresentou a mim como pesquisador e fotógrafo não foi apenas a situação de degradação ou
abandono em que chegaram as edificações, mas como essas pessoas encontram-se envoltas nas iminências: por
quanto tempo a cidade ficará de pé? Que memórias as pessoas levaram para as novas habitações? Como cons-
truir lembranças a partir da experiência do esquecimento?
O trabalho fotográfico trouxe à baila a questão da ruína e, assim, propus uma dobra: entre o contexto de
ruínas ao qual as pessoas estavam submetidas e as da superfície fotográfica. A partir daí comecei a imaginá-las:
de como essas iminências, ao anunciarem desapropriações e desaparecimentos, aparecem como elemento que
detonariam uma visualidade.
Em Benjamim (2007), Ricoeur (1997), Simmel (1998), a ruína tem uma nuance em comum: ela aponta
para algo fora dela, por isso em sua base conceitual ela pode ser interpretada enquanto pista, abertura, repre-
sentando algo que não existe. Esse “fora dela” desdobrou-se, para mim, no seguinte sentido: nas narrativas
imaginadas construídas a partir dos relatos que, por sua vez, funcionaram como pistas que a fotografia perse-
guiu.
Em “lugar-ruína”, o intervalo do deslocamento entre uma casa e outra determinou essa coleção, onde
o significado mais latente da ruína não estaria na casa abandonada, mas na atual, sem os antigos laços, uma
representação edificada da ausência. Deslocamentos esses que foram compostos por pequenos entremeios:
o esperar sair da casa após o aviso de desapropriação, a busca pela nova moradia, o mudar-se, o tempo para
construir, o início do tempo do esquecimento, o adaptar-se ou não – para mim, todas são medidas temporais
do abandono.
O “lugar-memória” também prescindiu de uma narrativa lacunar, que precisou do intervalo, por si-
tuar-se entre o tempo que escuto as pessoas e fotografo; que precisou considerar as durações individuais dos
moradores, na forma como cada um construiu suas expectativas e anseios. Muitas vezes voltava dias depois das
entrevistas e vagueava pelos locais em busca de imagens inspiradas pelos relatos. Em outros, ia com os mora-
dores pedindo que me indicassem lugares, o que me permitia voltar para fotografar.
Vejo o gesto fotográfico trabalhando essas memórias enquanto um acontecimento criado para/pela a
imagem ao ordenar essas lembranças em nível narrativo-visual, onde as coleções representam a concretização
do esquecimento em memórias performadas pela poética fotográfica. Gesto que também atuou levando em
consideração que “(...) pra recordar é preciso imaginar” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 97).
A “memória-montagem” permitiu-me elaborar uma narrativa sobre ruínas pela fotografia, relatos e
pelo texto – vide as coleções, os testemunhos e a discussão teórica – ao funcionar como uma maneira de orde-
nar vozes, escritas, imagens, e ao exibir o que está nas entrelinhas, o que está por escapar ao olhar, o que surgiu
pelo trabalho imaginativo da memória.
As coleções foram um instrumento e efeito da montagem ao criar uma visualidade ao mesmo tempo
160
em que as imagens também giraram em torno dos testemunhos. Assim, a memória surgiu como fenômeno
pelo trabalho poético da imagem – ou “(...) as proposições de experimentação da memória que as imagens po-
dem evocar no presente. A imagem poética exercita o confronto com a perda e é capaz de reescrever uma nova
memória” (KLATAU FILHO, 2012, p. 22).
O procedimento da “memória-montagem” significou a elaboração de um conhecimento pautado pela
narrativa fotográfica e pela narrativa de memória dos interlocutores, no caso, pelos testemunhos que versaram
sobre a relação com os lugares vividos e imaginados, os laços de afetividade, a relação com a água e, também,
sobre o que é recordar baseado em um cenário de esquecimento e instabilidades.

Referências

BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Impressa Oficial do Estado de São
Paulo, 2007.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.
KLATAU FILHO, Mariano. Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia: memória das imagens. Bélem:
Diário do Pará, 2012.
LISSOVSKY, Maurício. A memória e as condições poéticas do acontecimento. In: DODEBEI, Vera; GONDAR,
Jô (orgs). O que é memória social?. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2005.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Vol. 3. Campinas: Papirus, 1997.
SIMMEL, Georg. A ruína. In: Simmel e a modernidade. SOUZA, Jessé e ÖELZE, Berthold. Brasília: UnB.
1998.

161
RESGATANDO MEMÓRIAS E HISTÓRIAS:
o Memorial IFMA e as fotografias de Helber Macambira1
Tiago Martins Azevedo2
Fernanda Evangelista3
Terezinha de Jesus Campos de Lima4

Resumo:
O presente estudo se desenvolveu mediante o que tem sido desenvolvido pelo projeto Memorial IFMA. O mes-
mo faz um breve panorama sobre a fotografia, de modo geral, e aborda sobre um acervo de mais de cinco mil
imagens produzidas por Helber Macambira, servidor da instituição que fez registros, principalmente entre as
décadas de 1950 e 1980. É comentado sobre como tem se dado o processo de catalogação das imagens. Como
bases do estudo ROUILLÉ (2009), KOSSOY (2001), FARTHING (2011), CAFÉ e PADILHA (2014) e OLIVEIRA
e BITTENCOURT Jr (2013).

Palavras-chave: Fotografia; Memorial IFMA; Helber Macambira; catalogação.

Este estudo tomou como foco, de modo geral, as fotografias, enquanto técnica que se desenvolveu em
múltiplos aspectos e dentro de um contexto institucional da historicidade do atual Instituto Federal do Mara-
nhão. O objetivo é comentar um pouco de como tem se realizado o processo de catalogação das imagens.
Desde sua criação, a fotografia tem ganhado mais espaço, mudando seus significados e modos de apli-
cação desde que foi posta ao mundo, inicialmente de forma limitada, e atualmente de forma tão deliberada que
pode ser feita a um toque. Com caráter fortemente documental, a fotografia, em suas múltiplas possibilidades
de apreensão de um momento e fragmento do mundo, possibilitou o registro de muitas realidades, contando
sempre muitas coisas diante do recorte feito a partir das lentes e intenções de quem as fez.
Na metade do século XIX, surgiu a fotografia, aproveitando-se de uma crise profunda da verdade,
de uma perda de credibilidade, que atingiu os modos, de representação em vigor, fosse texto ou de-
senho, demasiadamente dependentes da habilidade manual e da subjetividade humana. (ROUILLÉ,
2009, p. 28)

A trajetória da fotografia faz-se de mudanças. Marcada por evoluções, os recursos tecnológicos que
envolveram e envolvem a técnica transformaram-se diante de demandas e ambições por melhorias. Ao longo
do tempo os desejos quanto ao que poderia ser registrado passou por diferentes interesses, mas em essência,
sempre teve o cunho de documentar, de aprisionar um momento. “Toda fotografia tem sua origem a partir do
desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado
lugar e época.” (KOSSOY, 2001, p. 36).
Mediante o registro feito as fotografias passaram a servir de testemunha de acontecimentos. “[...] A
imagem do real pela fotografia (quando preservada ou reproduzida) fornece o testemunho visual e material dos
fatos aos espectadores ausentes da cena.” (KOSSOY, 2001, p.36, 37).
Em seu caráter documental, a fotografia de modo geral, sempre tem algo a dizer a quem a toma com

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 3 – Fotografia, cinema e vídeo) , do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduando de Licenciatura em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA
Campus São Luís Centro Histórico; participante do Projeto Memorial IFMA; e-mail: sr_thiago_martins@hotmail.com
3 Graduanda de Licenciatura em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA
Campus São Luís Centro Histórico; participante do Projeto Memorial IFMA; e-mail: Fernanda_evangelista@hotmail.com
4 Doutorado em Educação e Mestrado em Gerontologia pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP); Especialização em Planejamento Municipal Sustentável pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA); Bacharelado
em Turismo pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão (IFMA) ligada ao Eixo Tecnológico Turismo, Hospitalidade e Lazer. Líder do Grupo de Pesquisa Velhice,
Cultura e Sociedade/GEVCS-IFMA-CNPq. E-mail: Terezinha@ifma.edu.br
162
o olhar, podendo contar detalhes, fragmentos de histórias, fatos, eventos, e possibilidades. As imagens produ-
zidas carregam em si evidências não apenas da realidade em que foram feitas, a partir do recorte visual, mas
também por conta do processo físico e químico que a compõem.
Os processos de produção das imagens foram se aprimorando, chegando até o contexto do século XX
com modos nunca antes pensados de representação, e servindo para registro de fatos diversos, como as duas
grandes guerras, mas também a serviço da moda e em zona de apropriação da arte. Com artistas, as fotografias
ganharam outras dimensões. (FARTHING, 2011).
Neste cenário, os acessos a paramentos da fotografia ficaram, a certo modo, mais acessíveis, fazendo
parte de diferentes realidades em diferentes localidades. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Maranhão – IFMA, instituição centenária, abriga em sua historicidade uma trajetória de muitas mudanças.
Nos trechos de sua história que compreendem a então Escola Técnica Federal do Maranhão e Centro de Edu-
cação Federal do Maranhão – CEFET, Helber Macambira, foi o maior registrador e documentador visual da
história da instituição, criando um acervo de mais de cinco mil imagens sobre o cotidiano da escola.
Em seu acervo já foram mapeadas fotografias que compreendem, principalmente, um período da década de
1950 a 1980. Helber Macambira Pinto adentrou na instituição como assistente de administração e faleceu em
2012, já como servidor aposentado5.
Considerando toda a carga histórica e memorial que o fotografo conseguiu reunir, somados a outros
bens, o Projeto Centro de Preservação da Memória do Instituto Federal do Maranhão – Memorial IFMA pas-
sou a ser executado, efetivamente, a partir de 2015. Professores de diversas áreas uniram forças para fazer o
resgate das memórias e histórias da instituição, assim como fazer sua preservação e manutenção.
Em sua Fase I o projeto já conseguiu reunir um acervo com peças como móveis, louças, fotografias, tro-
féus, uniformes, livros e fotografias. E tem, mais recentemente, buscado ampliar as pesquisas e coletado relatos
orais de servidores aposentados ou em atuação que compartilham suas memórias, ajudando o projeto a se am-
pliar. Dentre as ações do projeto já se configuraram montagem de exposições, cursos e trabalhos acadêmicos.
Levando em conta a importância do acervo fotográfico, por meio do Memorial IFMA, as professoras Creudecy
Costa, Terezinha Campos e Janete Chaves criaram o Projeto de pesquisa intitulado FOTOGRAFIA E FOR-
MAÇÃO PROFISSIONAL: lugares, imagens e práticas escolares pelas lentes do fotógrafo Helber Macambira
(1953 - 1985). Com o projeto de pesquisa passaram a se envolver alunos da graduação – Licenciatura em Artes
Visuais / IFMA – CCH – e professores ligados ao Memorial IFMA.
Foram feitas duas vertentes para a realização do projeto: primeiro, criar uma biografia de Helber Ma-
cambira, e segundo trabalhar com o acervo fotográfico, estudando cada imagem e considerando os aspectos de
cada fotografia. O projeto cita em sua descrição dentro da metodologia
Elaborar fichas de preliminares de classificação e de catalogação das imagens em que devem constar
ano de produção, número do álbum em que se encontram, acrescidos de números referentes à série
e subsérie de seu número de acervo. Executar procedimentos de classificação das imagens por eixo-
-temático e espacial, criando subdivisões por tipologia de eventos [...], gerando série temáticas [...]6

Desde agosto de 2018 alunos do próprio campus e também graduandos do curso de História da UFMA,
em envolveram na catalogação das fotografias. Os encontros para catalogação do acervo são realizados sema-
nalmente, mediante acordo prévio. O processo de tratamentos das imagens diante das condições é feito ou
na sala do Memorial IFMA no prédio anexo do IFMA – CCH, o CRA, ou no Laboratório de Fotografia de do
IFMA CCH com ajuda do servidor/técnico de Fotografia do campus Carlos Eduardo Cordeiro. Nestas ativida-
des, as imagens foram separadas por ano, compreendendo um período da década de 1950 a 1980.
Conforme expõe Bräscher e Café (2008, p. 5), “o objetivo do processo de organização da informação
é possibilitar o acesso ao conhecimento contido na informação”. Para tanto, é necessário realizar a
descrição física e de conteúdo dos objetos informacionais, o que resulta na representação da infor-
mação. Conforme Café e Sales (2010, p. 118), “a descrição física de um objeto informacional se dá
5 https://portal.ifma.edu.br/2012/01/27/nota-de-falecimento-13/ [acesso em: 09/02/2019 às 22:16].
6 Parte do projeto de pesquisa do Grupo de Pesquisa História, Cultura e Patrimônio - FOTOGRAFIA E FORMAÇÃO PROFISSIO-
NAL: lugares, imagens e práticas escolares pelas lentes do fotógrafo Helber Macambira (1953 - 1985) – de 2018.

163
pelo processo de catalogação cujo resultado é a representação do suporte físico ou documento. Pode
utilizar linguagem específica, normas e formatos que padronizam esse tipo de descrição”. (CAFÉ e
PADILHA, 2014, p. 94).

As fotografias são manuseadas com luvas pelos professores, técnicos e graduandos, mantendo assim, de
certa forma, a segurança das impressões e também com máscaras. O mais importante do processo é feito com
cada imagem, que recebe uma fixa impressa (pois ainda não há um sistema digital) contendo dados a serem
preenchidos como: acervo, álbum, data, dimensão, tipo (técnica), legenda, estado e observação.
Cada imagem é assim, catalogada e colocada junto a sua ficha. O trabalho ainda está em curso, sendo
muitas imagens, carecendo de atenção em cada fotografia. O processo ainda demorará alguns meses para sua
conclusão. Mas cabe destacar que alguns servidores aposentados também desempenharam importante papel
ao nos informarem quem estava representado nas fotografias, sobre os locais onde foram registradas, e curio-
sidades, nos ajudando a remontar a cena onde se desenrolou cada imagem.
[...] os registros fotográficos revelam-se de pertinaz importância por permitir a observação cuida-
dosa das rupturas e continuidades os ambientes urbanos, sociais e culturais, em épocas distintas
tornando possível compreender estes processos pelas informações que o material fotográfico fornece.
(OLIVEIRA e BITTENCOURT Jr, 2013, p. 1).

O projeto ainda não foi finalizado e encontra-se me fase de andamento, mas pretende além de ter por
produção estudos de caráter acadêmico, formar também material para o Memorial IFMA, que tem se configu-
rado como um espaço museológico visando a salvaguarda das memórias da instituição.

Referências

FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.


KOSSOY, Boris. Fotografia & História. – 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
https://portal.ifma.edu.br/2012/01/27/nota-de-falecimento-13/ [acesso em: 09/02/2019 às 22:16].
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo : Editora Senac São Paulo,
2009.
PADILHA, R. C.; CAFÉ, L. M. A. Organização de acervo fotográfico histórico: proposta de descrição. InCID:
Revista de Ciência da Informação e Documentação, v. 5, p. 90-111, 2014.
BITTENCOURT Jr; OLIVEIRA, R. S. A FOTOGRAFIA COMO FONTE DE PESQUISA EM HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO: usos, dimensão visual e material, técnicas e níveis de análise. 2013.

164
ABREM-SE AS CORTINAS DO PALCO DA MEMÓRIA:
elementos visuais do espetáculo Negro Cosme em Movimento1
João Victor da Silva Pereira2

Resumo:
O presente trabalho tem como principal ensejo discorrer acerca das escolhas e construções materiais, estéticas,
simbólicas, históricas e sociais dos elementos que compõem a visualidade cênica do espetáculo “Negro Cosme
em Movimento”, do Grupo Cena Aberta (MA), e tentar mensurar as variantes contribuintes para o conceito
de Direção de Arte pensada para o teatro partindo da minha vivência experiencial como ator-pesquisador do
grupo e a partir do cruzamento de bibliografias e análise dos documentos do grupo.

Palavras-chave: teatro; visualidade da cena; direção de arte; encenação; grupo cena aberta.

No teatro, que é a abordagem central deste escrito, apesar de que a ideia de se pensar o visual da obra
cênica tenha nascido de suas entranhas imagéticas, a direção de arte era, e ainda é diluída entre vários profis-
sionais responsáveis pela composição do visual. Contudo, se torna indispensável a figura de uma pessoa que
pense o processo criativo, plástico e estético, na obra teatral como um todo.
Durante muito tempo a criação visual para o teatro ficou a cargo de um cenógrafo criando e projetando
a cenografia, um figurinista o figurino e um iluminador a luz. Muito pouco diálogo ocorria entre estas três
funções. Os diretores de modo geral têm um cuidado muito grande com os seus atores, com o texto, com as
emoções, com as marcações, com a concepção de seus espetáculos relegando a um segundo plano a direção de
arte e sua visão espacial expressa através dos cenários, figurinos e elementos cênicos. (PEREIRA, p. 46, 2016)
Na concepção de Negro Cosme em Movimento, embora não se tenha assumido a função explícita da
figura do Diretor de Arte, nota-se que as escolhas criativas, plásticas e estéticas do espetáculo ficaram a cargo
do encenador Luiz Pazzini3. Isso se dar, talvez, pelo próprio entendimento da figura do “encenador” que se
difere da do “diretor”, no teatro, onde agora esse agente se distancia da ideia de escrita intermediária entre o
dramaturgo e o espectador para se preocupar com uma estética própria que imprime uma originalidade, em
um processo mais horizontal com os outros agentes criativos da obra (atores, músicos, dramaturgo). Como
bem observa Torres (2001):
Parte-se do pressuposto de que a pesquisa por uma linguagem cênica estaria sendo elaborada unica-
mente pelo encenador, enquanto que o diretor manteria a sua investigação acerca de uma linguagem
que funcionaria exclusivamente como uma escrita intermediária entre a palavra do autor teatral e
o espectador, agenciando somente a realização cênica do que está previsto ou sugerido no texto. O
diretor estaria circunscrito ao universo de um autor. (TORRES, 2001, p. 69)

Não é de intenção deste trabalho um aprofundamento maior sobre as questões que permeiam os con-
ceitos entre “diretor” e “encenador”, contudo coloco isso para que melhor possa-se localizar a função do diretor
de arte, no caso específico de “Negro Cosme em Movimento”, na figura do encenador Luiz Pazzini. Por outro
lado, não haveria problema algum que Luiz Pazzini assumisse declaradamente também a função de diretor de
arte na ficha técnica do espetáculo.
Conclui-se nessa primeira parte que o que se entende pelo conceito de direção de arte adotada pelo
cinema, bem se aplica à um espetáculo teatral, seja assumindo essa função explicitamente, seja a concentração
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 3 – Fotografia, cinema e vídeo) , do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduando do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão; Bolsista do Programa de Iniciação Cien-
tífica pelo Laboratório de Tecnologias Dramáticas (LABTECDrama); Membro do Projeto de Extensão “Memória e Encenação em
Movimento: ABC da Cultura Maranhense.”; jvsilper1@gmail.com
3 Luiz Roberto de Souza (Luiz Pazzini) é Mestre em Artes pela USP, com a dissertação “Heiner Muller no Brasil: A Recepção de A
Missão (1989 -1998)”. Professor aposentado do Departamento de Artes Cênicas da UFMA. Homenageado pela quinta edição do
Simpósio Nacional de Arte e Mídia por suas contribuições na área.
165
dessa função com a da figura do encenador, que é o caso do espetáculo em questão.
O espetáculo “Negro Cosme em Movimento”, advindo do texto Caras-Pretas, do dramaturgo mara-
nhense Igor Nascimento, é o resultado da pesquisa conjunta com o Grupo Cena Aberta sobre uma das maiores
revoltas populares do período regencial do Brasil que ocorreu no Maranhão entre os anos 1838 e 1842, a Ba-
laiada, revolta esta composta em sua maioria por negros e sertanejos em luta contra o monopólio político de
fazendeiros aristocratas daquela região. A encenação foi concebida para ser apresentada em espaços inusitados
4
para o acontecimento teatral, especificamente em lugares de patrimônio histórico e cultural maranhenses.
Essa informação torna-se relevante para entendermos a escolha do cenário, figurino e outros componentes da
visualidade cênica.
Comecemos pela vela de barco que carrega consigo 80 anos de história e que para a cena foi ressignifi-
cada para o espaço de jogo dos atores e atrizes, compondo assim a principal peça do cenário.
A obra teatral tem uma dinâmica funcional diferente (jornada de ensaios e apresentações), e o espetáculo “Ne-
gro Cosme” em especial esteve presente no repertório ativo do grupo desde 2012 a 2016, o que inevitavelmente
causou desgastes no material (furos, rasgos) da vela-cenário. Para isso, Pazzini criou uma solução que poten-
cializa ainda mais esse elemento cenográfico, que é a costura de outras velas de barco por cima desses estragos,
que veio a chamar de “cacos de memórias” sendo enxertadas na vela-cenário.
A cor ditada pela vela-cenário indica para o uso de tons terrosos e envelhecidos para a visualidade da
cena e que estarão esteticamente ligados a narrativa da peça, como as questões mnemônicas propostas por Pa-
zzini. A encenação indica um “diálogo com os mortos”, onde estão em cena personagens protagonistas de uma
história real e que não estão mais vivos. História essa que conta uma revolta de luta por terras e suas benfeito-
rias, discussões territoriais. O tom terroso também traz uma experiência quente que remete ao sertão, locação
imagética de onde se passa a narrativa da balaiada. Tudo se inclinava para a relação com a terra/solo/memória,
o que elucida as próximas escolhas.
Aqui entra um trabalho plástico mais intenso que será o tingimento de todo esse material, para que eles
apresentem as tonalidades terrosa e envelhecida almejadas. Então, o artista plástico Cláudio Costa foi convida-
do para dar uma oficina de tingimento com mangue - material orgânico que também consegue-se fazer uma
relação solo/terra – onde todos os figurinos foram o material de confecção artística da ação formativa. Como
num processo de reciclagem de tecidos, no final, tínhamos vários resultados da união das cores originais dos
tecidos com a cor predominante do mangue.
O trabalho plástico de Cláudio Costa não parou por aqui, ele foi solicitado para fazer o trabalho visual
da capa que iria compor o figurino do protagonista Negro Cosme, assim como a sua calçola e faixa. Em uma
espécie de quadro-capa e ainda usando elementos advindos do mangue, Cláudio desenvolveu um produto que
era uma verdadeira obra de arte e que enquanto figurino, tornou-se uma obra itinerante - o quadro estaria em
todas as apresentações do espetáculo, sendo utilizado pelo ator. Vale ressaltar que toda a estruturação do qua-
dro para o formato de figurino foi realizada pelo Luiz Pazzini, assim como a calçola e a faixa.
Partimos em direção agora a um outro personagem que também teve um tratamento especial em sua composi-
ção visual, o “Anjo Infeliz”. Esse personagem foi enxertado na encenação como o prólogo da peça, o prenúncio
da relação arte-espaço-tempo que se consolida no restante da encenação. É um texto dramatúrgico de Heiner
Muller, baseado na nona tese de Walter Benjamim “Sobre o Conceito da História”, onde analisa o quadro An-
gelus Novus, de Paul Klee:
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afas-
tar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas
abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós
vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente
ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. (BENJAMIN, 1987, p. 226)

Desse modo, o personagem foi composto com a reciclagem de tecidos tingidos por mangue e com rasgos, re-
cortes e saliências intencionais que facilitavam o seu manejo e a movimentação da atriz. Vale ressaltar que a
4 Entende-se como espaços inusitados aqueles que de trânsito normal de pessoas ou nichos não habitados, que se tornam espaços
teatralizáveis.
166
confecção deste foi feito em boa parte pelas atrizes que o interpretavam, porém, a concepção ainda era assinada
pelo mestre Luiz Pazzini.
Queria ressaltar também um outro elemento muito importante na composição cenográfica, que havia
citado mais a cima deste escrito e que não poderia deixar passar despercebido – o uso de espaços de patrimônio
histórico e cultural para as apresentações de Negro Cosme. Ao se apropriarem da arquitetura e do potencial
mnemônicos desses espaços urbanos, eles já fazem parte intrinsecamente da composição cenográfica do es-
petáculo, só que de forma mais volátil e rotativa, por não serão sempre os mesmos espaços que doariam a sua
silhueta e memória para aquele acontecimento teatral. Trago como exemplo a apresentação de “Negro Cosme
em Movimento” na antiga cadeia5 do município de Itapecuru-mirim, onde Negro Cosme foi preso à espera
de seu enforcamento com finalização da peça na praça do enforcamento6, onde supostamente ele tenha sido
enforcado. Ali, os fundos cenográficos já têm seus próprios impactos históricos e sociais e ao se apropriarem
intelectualmente dele pra cena, a potencialização dos elementos e da narrativa se expandem a outras dimen-
sões até então ocultas. De tal modo que essa escolha estética influencia diretamente na movimentação espacial/
cenográfica do fazer teatral do espetáculo analisado.
Para finalizar trago um trecho de Pereira (2016), que explicita bem o trabalho de direção de arte reali-
zado no espetáculo em tela, que tem o propósito final de comunicar algo ao espectador, em contato com a obra.
Ao afirmar que a direção de arte equivale a “obra de arte”, pois se apropria de códigos e procedi-
mentos de diversas linguagens como a pintura, a fotografia, o desenho, constata-se também que ela
se apoia em seus elementos constitutivos, tornados ferramentas à sua disposição. Essas ferramentas
são a cenografia, o figurino, a maquiagem, a caracterização, etc., que, sob a tutela da direção de arte,
configuram linguagens narrativas essencialmente visuais e, quando analisadas à luz de um recorte
semiótico, percebi que refletem escolhas, intenções, propósitos e vontades que exprimem não só o
seu significado, como também sua visualidade, através das quais articulam a comunicação com o
receptor, ou seja, o público. A interrelação comunicação - transmissão - destinatário se dá por esse
meio. No teatro e no cinema o axioma: “não é possível não se comunicar” é incontestável, pois atra-
vés dessas ferramentas a direção de arte comunica-se continuamente com o espectador. (PEREIRA,
2016, p. 373-74)

Então, ao se constituir tudo isso como fruto de uma pesquisa aprofundada das relações materiais, es-
téticas, simbólicas, históricas e sociais, podemos dizer que o trabalho realizado pelo Luiz Pazzini, na função
de encenador, se assemelha ao do diretor de arte, por todos esses desdobramentos e planejamentos imagéticos
que compuseram a obra teatral Negro Cosme em Movimento, ao deixar fluir o abrir das cortinas do palco da
memória.

Referências

BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito de História (1940). In: Obras Escolhidas, v. I, Magia e técnica, arte e
política. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 226.
HAMBURGER, Vera. Arte em cena. São Paulo: Ed. Senac, 2014.
MULLER, Heiner. TransAtlantik, 1990-94, p. 15
PEREIRA, Luiz Fernando. A direção de arte servidora de dois amos: o teatro e o cinema. 2016. 386 p. Tese
(Doutorado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.
TORRES, Walter Lima. Introdução histórica: o ensaiador, o diretor e o encenador. Revista Folhetim, v. 9, 2001.

5 Atual Casa da Cultura Professor João Silveira, Itapecuru-mirim- MA.


6 Atual Praça do Mercado Municipal de Itapecuru-mirim-MA.
167
NEGA SIM, SUA NÃO:
a decodificação do olhar para mulher negra do Brasil1
Sunshine Cristina de Castro Reis Santos2

Resumo:
O presente artigo aborda aspectos da instalação fotográfica realizada no Centro Cultural Vale Maranhão atra-
vés do edital Ocupa CCVM 2018, onde expõem um retrato contundente da realidade da mulher negra no Bra-
sil. Por intermédio de um exercício sensorial e imagético fruto da interligação de uma pesquisa bibliográfica e
da vivencia, o eu coletivo apresenta-se de forma denunciativa e emancipatória em busca da transição do objeto
de pesquisa ao sujeito condutor de uma escrevivência que tem na sua existência o maior ato de resistência. A
exposição que teve sua abertura no dia 10 outubro de 2018, apresentando 22 fotografias de uma mulher negra
ensacada e as mesmas são exibidas em embalagem a vácuo e penduradas em ganchos como mercadorias hu-
manas juntamente com uma tabela de dados que representam as violências múltiplas, a vulnerabilidade com-
provada pela estatística, um ambiente escuro e frio uma composição que remete a um açougue, gerando um
desconforto proposital. A primeira consideração analisada é a motivação da titulação, que se apresenta como
uma sátira ao vocabulário racista, visto que as palavras, ditos populares são exemplos de como as teorias ra-
cistas estão enraizada em nosso cotidiano, expressões que muita das vezes é lida como recreação, reproduzem,
acentuam e mantém um sistema de estereotipação, logo em seguida analisaremos de maneira individual cada
um dos dados, refletindo sobre os processos de construção dos signos presente nas concepções acerca do que
vem a ser uma mulher negra na sociedade brasileira, que louva a miscigenação fruto do estupro colonial, con-
templando a hipersexualização configurada nos números de feminicídio, na violência domestica, na negação,
comercialização, na maternidade transferida configurada na violência obstétrica, na mortalidade materna e o
epistemicídio como estratégia de manutenção da supremacia eurocêntrica que reporta as afro-brasileiras o não
lugar, o não ser. A instalação torna-se um convite a compreensão da interseccionalidade, logo que olhar atento
para realidade da mulher negra é olhar para inclusão, compreender suas problemáticas estéticas, emocional,
afetiva, é compreender a problemática do Brasil sem maquiagem, somente esse conhecimento nos trará a pos-
sibilidades reais de gerar articulações eficazes para alinhar as políticas de longo e curto prazo de forma eficaz
para que a mesma não sejam estratégias de dominação carismática ou marketing eleitoreiro, mas que sejam
revolucionárias, e que tenham como objetivo central no empoderamento que rompem subalternidade e huma-
niza. Uma legislação somente não tem uma vitalidade natural, é necessária que haja uma dinâmica de atuação
pautada nas peculiaridades relacionadas a gênero, raça e classe; vislumbrando o protagonismo da mulher ne-
gra periférica para além do viés estético cultural, almejando uma independência política, social e intelectual.
Isso só será possível, se houver um afrontamento ao colonialismo que polariza ideologias como o darwinismo
social e a hegemonia, que respaldam a desigualdade social; materializando-se em um legado discriminatório
com desumanização histórica estrutural e institucional, como (DAVIS, 2017) afirma “Quando a mulher negra
se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da
base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”.

Palavras-chave: Fotografia, Mulher, Negra, Violências, Resistência.

Introdução

Ser mulher e negra é mergulhar em ausências; o resistir é involuntário, é necessidade básica para exis-
tência, das Abayomi á Marielle, a nossa dor é desqualificada. Em nome de uma suposta “igualdade” ignora-se
a pluralidade humana, o contexto histórico e a disparidade social. O Brasil que dissimula suas teorias de em-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 3), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Universidade Federal do Maranhão, Graduanda em Turismo, sanycastro12@hotmail.com

168
branquecimento com a romantização da miscigenação, vende a “mulata exportação”, reafirmando “Branca
para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar” (FREYRE, 1933) proclama o racismo individual e o
titula como velado, para não expor o racismo estrutural.

A TITULAÇÃO E A IRONIZAÇÃO DE UM VOCABULARIO RACISTA

Os signos existentes em nossa sociedade são fundamentais para estruturação do nosso pensamento, o
imaginário coletivo é impregnado de juízo de valor que não são neutros, que
tende a naturalização de uma cultura dominante.
“É perceptível que, a linguagem tem sido profundamente marcada pela cultura preconceituosa e pode denotar
que os próprios vocábulos, estruturas e entonações da língua trazem consigo uma história carregada de senti-
dos culturais e políticos”. (RECH, 2015) A escolha do titulo “Nega sim, sua não” foi uma resposta a expressão
rotineira “Eu não sou tuas negas” em busca da correlação da internalização e externalização no processo de
construção imagética da mulher negra.
Vê-se que o termo negro vem carregado de conotação negativa. Denegrir significa tornar negro, logo,
o termo negro sugere que isso é ruim. Exemplos com estes nos mostram problemas, expressões que
se incorporam no cotidiano das sociedades, que naturalizam o que não deve ser naturalizado, bana-
lizam situações que não devem ser banalizadas, inferiorizam pessoas e os lugares que estas ocupam
nos grupos sociais. (COQUEIRO, 2008)

O ser mulher negra no Brasil

• Da hipersexualização ao feminicídio

O feminicídio, isto é, o assassinato de mulheres por sua condição de gênero, também tem cor no
Brasil: atinge principalmente as mulheres negras. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras
assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de feminicídios de brancas caiu 10% no mesmo pe-
ríodo de tempo. Os dados são do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Ameri-
cana de Estudos Sociais. Uma evidência de que os avanços nas políticas de enfrentamento à violência
de gênero não podem fechar os olhos para o componente racial. As mulheres negras também são
mais vitimadas pela violência doméstica: 58,68%, de acordo com informações do Ligue 180 - Central
de Atendimento à Mulher, de 2015. (ATLAS DA VIOLÊNCIA 2017 apud CARTA CAPITAL,2017)

Nunca houve uma genuína ruptura nos moldes de violência estabelecida pela hierarquia patriarcal e
racial forjada dentro do cenário escravista, os estupros eram considerados naturais, já que a condição da es-
cravizada embutia a idéia de pertencimento, essa pratica difundiu a visão da mulher negra como acessível no
qual os homens podem soltar seus impulsos, visto que as esposas mulheres brancas eram ditas como puritanas,
ideologias que geraram a hipertextualidade da mulher negra que atualmente transitam entre medo do abuso e
a política de respeitabilidade sem a possibilidade de vivenciar a sexualidade sem represálias.

• Da negação á maternidade transferida

“Elas também são mais atingidas pela violência obstétrica (65,4%) e pela mortalidade materna (53,6%),
de acordo com dados do Ministério da Saúde e da FioCruz.”(CARTA CAPITAL, 2017) Um dado pautado na
mitologia que a mulher negra seria mais forte e “boa parideira” expressão clara do racismo institucional onde
podemos observar que a sacralização da maternidade mais uma vez é eletiva.
Mas é necessário salientar que os moldes familiares que nos são apresentando não pertencia a popu-
lação negra, logo que todos os membros da possível configuração familiar eram subordinados à autoridade
absoluta dos escravocratas, eram forçadamente despedaçadas quando existente, separada através da venda
indiscriminada. “As mulheres negras como trabalhadoras não podiam ser tratadas como o sexo fraco ou como
esposa/dona de casa, os homens negros não podiam ser candidatos à figura de chefe de família”. A mulher ne-
169
gra foi marcada pela maternidade transferida destinada a ama de leite ate a reprodução de mão de obra.

• Epistemicídio

Baixa representatividade no cinema e na literatura. Só 10% dos livros brasileiros publicados entre
1965 e 2014 foram escritos por autores negros, afirma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB)
que também analisou os personagens retratados pela literatura nacional: 60% dos protagonistas são
homens e 80% deles, brancos.
Já a pesquisa “A Cara do Cinema Nacional”, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, revelou que
homens negros são só 2% dos diretores de filmes nacionais. Atrás das câmeras, não foi registrada
nenhuma mulher negra.

Sueli Carneiro em sua tese de doutorado diz: “O Não-ser assim construído afirma o Ser. Ou seja, o Ser
constrói o Não-ser, subtraindo-lhe aquele conjunto de características definidoras do Ser pleno.” Ela para emba-
samento teórico utiliza o pensamento Boaventura Sousa Santos (1997), para quem o epistemicídio se constituiu
e se constitui num dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnica/racial, pela negação que
empreende da legitimidade das formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelos grupos domina-
dos e, conseqüentemente, de seus membros enquanto sujeitos de conhecimento.
Há esse imaginário que se faz da mulher negra que samba muito bem, dança, canta, cozinha, faz o sexo
gostoso, cuida do corpo do outro, da casa da madame, dos filhos da madame. “Mas reconhecer que as mulheres
negras são intelectuais em vários campos do pensamento, o imaginário brasileiro, pelo racismo, não concebe.”
(EVARISTO, 2017)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuro nesse trabalho aborda aspectos fundamentais para a compreensão da vulnerabilidade imposta
à mulher negra, seu processo de estruturação, seus signos de manutenção, destacando a necessidade de uma
olhar interseccional, assim gerir alternativas de erradicação, mobilização indutora de protagonismo e ressigni-
ficações identitária. Neste sentido criar uma estratégia de empoderamento no sentido de reivindicar o direito
a humanidade. Os dados apresentados não podem ser desconhecido e muito menos ignorado em um país que
ainda coloca em questionamento as poucas ações afirmativas.

Referências

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cartacapital.com.br/sociedade/seis-estatisticas-que-mostram-o-abismo-racial-no-brasil/> Acesso em: 11 jan.
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170
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CARNEIRO, APARECIDA SUELI. Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser. Feusp.
2005. Disponível em: <http://ttps://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-
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RECH, Maria Daise Tasquetto. Linguagem: o preconceito por trás das palavras: uma análise de termos que
expressam o racismo. Conclusão do curso - Curso de Especialização em Educação das Relações Étnico – Ra-
ciais (UFPR), Curitiba, 2015.

171
FOTOGRAFIA ANALÓGICA:
uma ferramenta no espaço do sagrado1
Adson Luis Barros de Carvalho2

Resumo:
O presente trabalho trata–se de um relato etnofotográfico de uma experiência fotográfica de um registro ana-
lógico com reflexão no tempo do fazer fotográfico. Proponho uma reflexão sobre o fazer atual da imagem foto-
gráfica, com um fazer que pode ser considerado vintage: a fotografia analógica. O uso da fotografia analógica, é
uma prática que faz um deslocamento no tempo, exige domínio técnico e reflexão sobre o tema antes de apertar
o botão. Dentro do espaço da festa do Divino Espírito Santo da Casa de Nagô, o deslocamento temporal se
tornou maior. A festa faz transporta-se no tempo e no espaço. O exercício da fotografia analógica reforça essa
quebra de temporalidade. Deter o conhecimento de todo o procedimento de um fazer, quebra a lógica capitalis-
ta que trabalha com partes e não com um todo. Portanto, desenvolver todo um processo necessita-se de tempo
para pensar e desenvolver um trabalho, uma técnica.

Palavras-chave: Fotografia Analógica; Fotografia Digital; aparelho; ritual; tempo.

O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, a fim de descobrir dele
novas potencialidades. Seu interesse está concentrado no aparelho e o mundo lá fora só interessa
em função do programa. Não está empenhado em modificar o mundo, mas em abrigar o aparelho a
revelar suas potencialidades (FLUSSER, 2011, p.36).

Fotografar dentro de um terreiro, um espaço religioso, do sagrado, me causou um impacto atemporal,


um deslocamento, algo que não fazia parte do meu dia-a-dia. Neste impacto, fui-me convidado a bailar com as
caixeiras. Mas, mesmo com esse convite, com o som dos tambores, minha dança, meus movimentos e passadas
eram discretas, isso, porque apesar de ser notado, minha presença enquanto fotógrafo devia ser menos obser-
vado quanto possível. Assim, andando pelos cantos da Casa, entrei em transe inúmeras vezes nesse ritual, nesse
ato de fotografar, que, entre uma sensação, um sentimento, um gesto, uma aísthesis, que pode ser resumido
grosseiramente entre levantar e abaixar o meu aparelho ou mecanismo fotossensível, eternizei aquele momento
que não era mais, mas, que, tornou-se um quadro, um símbolo eterno. Esse transe não acorreu no sentido de
possessão como acontece no tambor de mina, mas no sentido de se sentir deslocado de sua temporalidade, de
se sentir deslocado no tempo por um espaço cheio de reinsignificações.
Aqui, neste espaço do sagrado, do acontecimento da festa, me permiti a um deslocamento na maneira
de registrar também atemporal e ainda maior do que estava acostumado. Me fiz registrar este espaço de manei-
ra analógica. Para alguns, este ato pode parecer nada demais, mas, na verdade, ou pelo menos é o que importa
para mim, este tipo de fotografia, este modos operante de fotografar, de registrar, faz um deslocamento do fa-
zer e do se fazer fotografar atual ou pelo menos a forma com o qual a maioria dos fotógrafos atualmente estão
habituados a fazer. Esse tempo muda a forma de observar as coisas. Com o Digital, a instantaneidade faz com
que todas as repostas apareçam imediatamente. Com o analógico, o tempo se dilata para execução em suas
funções, é por mais demorado, mas ele se tornou demorado ou parece demorado quando o comparamos com
o Digital, porque conhecemos esta prática e a utilizamos como ponto referencial e querendo ou não, perdemos
com o tempo a habilidade manual de uso de uma câmera analógica. A percepção do tempo se torna maior, pois
devemos executar um grande número de movimentos até termos o objeto fotografado. Perdemos a habilidade
de executar movimentos em um espaço curto de tempo. Aqui, destaco a citação de tempo para qual Santo
Agostinho utiliza:
Mas não medimos os tempos que passam, quando os medimos pela sensibilidade. Quem pode me-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 3), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Licenciado em Artes Visuais (IFMA), bacharelando em Ciências Sociais (UFMA), adson7avisual@hotmail.com
172
dir os tempos passados que já não existem ou os futuros que ainda não chegaram? Só se alguém se
atrever a dizer que pode medir o que não existe! Quando está decorrendo o tempo, pode percebê-lo
e medi-lo. Quando, porém, já tiver decorrido, não o pode perceber nem medir, porque esse tempo já
não existe (AGOSTINHO, 1999, p.325).

Essa pegada, este ato por ser mais mecânico, reflexivo, requer uma atenção extra, um cuidado a mais.
Isso em modo geral, significa uma demanda maior de tempo e percepção entre um disparo e outro dependen-
do das condições de luz ou das condições que se queira registrar o motivo. Tempo, senhor dos mundos, fez
mudar todos os processos artísticos e com a fotografia, seria injusto se o fosse diferente. Com isso, o analógico
necessita de um tempo, de uma execução diferente do digital, do meio quase autônomo. O ato de fotografar
no analógico, faz se ter uma percepção totalmente diferente do quadro a ser registrado. A condição de se estar
limitado por um número mínimo de frames que uma bobina de filme pode proporcionar, leva esse ato, a cada
disparo, respirar, imaginar, prever o próximo movimento. Neste processo, não vemos a imagem que foi cap-
turada na hora, se necessita de uma ida ao laboratório para revelar o filme. Não vemos a imagem que foi feita
no momento decisivo, apenas temos o deleite de imaginar o quadro que foi feito e isso causa um efeito de não
querer, de não poder “errar” o registro fotográfico, pois esse, só poderá ser avaliado, observado in loco após o
acontecido.
(...) é gesto caçador no qual aparelho e fotografo se confundem, para formar unidade funcional in-
separável. O propósito desse gesto unificado é produzir fotografias, isto é, superfícies nas quais se
realizam simbolicamente cenas. Estas significam conceitos programados na memória do fotógrafo
e do aparelho. A realização se dá graças a um jogo de permutação entre os conceitos, e graças a uma
automática transcodificação de tais conceitos permutados em imagens (FLUSSER, 2011, p.50).

Esse gesto de caça faz incorporar o aparelho ao corpo, este se torna uma extensão dos olhos na palma
da mão. Os sentidos do corpo se tornam mais sensíveis a qualquer movimento e a espera que o acaso aconteça
deve ser aguardo com destreza e esse acaso será a ‘presa’. Esse acaso segundo Ivan Lima, “são os imprevistos
aos quais está sujeita a fotografia no instante da tomada da foto (...) A fotografia é a única arte (que se consagra)
em que há presença do acaso” (LIMA, 1988, p.91-92). A facilidade, de certa forma levou a uma alienação e de
certa alguma maneira até a perda do processo lúdico da produção da imagem, mas não o fim dela. De acordo
com Flusser, “O preto e o branco não existem no mundo, o que é grande pena. Caso existissem, se o mundo lá
fora pudesse ser captado em preto e branco, tudo passaria a ser logicamente explicável” (FLUSSER, 2011, p.53).
Pode ser uma pena, mas pelo menos foi me dado a opção entre transitar entre o universo da Cor e o universo
do preto e branco. É difícil a escolha, mas quem disse que para registrar eu necessariamente precise ter um e
somente uma?
As fotografias em preto e branco são a magia do pensamento teórico, conceitual, e é precisamente
nisto que reside o fascínio. Revelam a beleza do pensamento conceitual abstrato. Muitos fotógrafos
preferem fotografar em preto e branco, porque tais fotografias mostram o verdadeiro significado dos
símbolos fotográficos: o universo dos conceitos (Idem, 2011, p.54)

A fotografia atualmente é um dos modos mais populares e automatizados de se produzir e reproduzir


uma imagem. Apesar desta popularidade, no início, quando foi apresentada ao mundo, se discutiu muito se
esta, seria ou não seria Arte. Alguns ainda persistem nesta discursão um pouco quanto vaga. No seu surgimen-
to, foi questionada de todas as maneiras, até como coisa do demônio foi acusada (BENJAMIN,2017). O certo,
que os artistas ou funcionários da arte mais “espertos”, em vez de brigarem ou discutirem sobre o status de ser
ou não ser arte, pegaram para si e transformaram a forma de ver o mundo. Teve gente que utilizou a fotografia
como objeto de estudo para produzir desenhos, esculturas e até mesmo pinturas (VALÉRY, 2012). Outros por
sua vez prosseguiram produzindo retratos, paisagens e fotografias de cunho Surrealista, mas ambos logo cedo
enxergaram as inúmeras possibilidades que a fotografia proporcionou e proporciona. Em 1870, o pintor Antoi-
ne Wiertz, declarou:
Há alguns anos, para glória da nossa época, nasceu uma máquina que diariamente é o assombro dos
nossos pensamentos e o terror dos nossos olhos. Antes ainda de ter passado um século, essa máqui-
173
na será, para a pintura, o pincel, a paleta, as tintas, o talento, a experiência, a paciência, a destreza,
a segurança, o colorido, o verniz, o modelo, a perfeição, a quinta-essência (...) Não se acredite que a
daguerreotipia veio matar a arte... Quando a daguerreotipia, essa criança gigante, crescer, quando se
desenvolver toda a sua arte e a sua força, então o gênio irá agarrá-la pelo pescoço e exclamará: ‘Vem
cá! Agora és minha! Vamos Trabalhar Juntos (WIERTZ apud BENJAMIN, 2017, p.69).

Esse trabalhar juntos cria um sentimento de proximidade entre homem e máquina. Deixa o objeto foto-
gráfico mais sensível as sensações que o homem pode exprimir. Isso por que aqui, o homem controla a máquina
e assim pode direcionar essa ferramenta a captar a textura, a forma e as harmonias existentes no local. Este apa-
rato deve ser encarado como uma ferramenta como qualquer outra, onde jamais poderá operar sozinha. Sem-
pre haverá de ter um ser animal a direcionar a objetiva e através de uma sequência de escolhas técnicas obterá a
imagem. Essa frase foi proferida no século XIX e hoje, no século XXI pode ser confirmada sem muito esforço.
Basta ver ao nosso redor e visualizar a presença da fotografia nos diversos meios existentes. Seu surgimento
possibilitou que se desenvolvesse a televisão e outros meios de telecomunicações que se utilizam das imagens.
O mundo se tornou dependente de sua produção/realização e cada dia que passa, ganha mais importância em
campos cada vez mais distintos. Então, Walter Benjamin estava correto em afirmar que “o analfabeto do futuro
será aquele que não sabe ler imagens, as fotografias, e não o iletrado” (Ibid, p.70, 2017).
Podem surgir inúmeros questionamentos sobre a proposta de produção das imagens com a câmera
analógica e diversos poderão ser os argumentos a serem utilizados, como: não vai ter que esperar mais para
obter a imagem? Não é mais cara sua realização? E se der “errado” alguma parte do processo? Enfim, poderia
elencar inúmeras questões, mas o resultado final é o que conta. Sobre o tempo de espera, já foi comentado neste
espaço. O valor monetário como de qualquer produção de algo artístico não é pensado por essa via. E enquanto
ao “erro”, bem, na arte, essa palavra é apenas uma palavra.
Nos dias atuais, é cada vez mais difícil termos o hábito e a razão de ter imagens fotográficas fisicamente.
As imagens fotográficas geralmente se encontram em Hardwares (HDs), pen-drives ou nas “nuvens”. Isso se
deu pela velocidade das comunicações que interferiram na forma de se produzir e de se armazenar as imagens
fotográficas. A maioria das imagens que são produzidas transitam no mundo digital, sendo ela nos computado-
res, smartphones, entre outros aparelhos eletrônicos. A necessidade, o custo e de certa forma uma imposição,
fez com se mudasse o habitus, que como já dizia Bourdieu, não é imutável, mas é duradouro e o hábito de ser
ter álbuns fotográficos, que sempre acompanhou a história da fotografia e que se via fortemente até início do
século XIX, cada dia se torna cada vez mais raro (BOURDIEU, 2007).
Essa prática mesmo que demorada, é um ótimo exercício para desenvolver e aprimorar a atividade foto-
gráfica. A escolha do filme; da objetiva; do diafragma, do obturador, do enquadramento; da quantidade de pó
de revelador, interruptor, fixador, lavagem, secagem; ampliação e aqui, para integrar este trabalho, reprodução
da película 35mm em arquivo digital. Pode se perguntar: mas por que registrar com o analógico se no final se
terá uma imagem digital? Bem, além de tudo que já expliquei aqui, se tem um forte fator estético da imagem
que é muito diferente de uma imagem que foi produzida digitalmente. A modernidade nos obrigar a seguir
tempos e velocidades que muitas das vezes não nossos. Prazos, metas, tarefas, tudo isso desloca o ser humano
de humanidade, podemos nos transformar em máquinas. A tentativa desta prática foi aprimorar os sentidos,
reduzir o número de clicks. Vejo que o digital proporciona a sensação de infinito e o analógico diz “vai com cal-
ma”. Esse freio, me fez pensar mais um pouco sobre o capturar de cada imagem, respirar mais antes de apertar
o botão. Me ajudou em observar mais os detalhes sem estar muito preocupado em fazer a melhor foto mesmo
querendo-a fazer. A mudança do paradigma fotográfico mudou muito rápido. Em pouco tempo atrás, se levava
bombinas de filme para revelação e destas se obter fotos em papel. Hoje em dia é muito raro você imprimir uma
imagem. Estas ocuparam os diversos aparelhos eletrônicos e expostos nas mídias digitais. Nadar contra a maré
do seu tempo as vezes se torno muito laborioso, mas o resultado esperado é que dar forças para que se prossiga
com seu objetivo.

174
Referências

AGOSTINHO, Santo. Confissões. De magistro. Coleção “Os Pensadores” 2. ed. Tradução de J. Oliveira Santos,
S. J.. e A. Ambrosio de Pina, S. J. São Paulo : Abril Cultural, 1999.
BENJAMIN, Walter. Pequena História da fotografia. In ____: Estética e sociologia da arte. Tradução João
Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 49-70.
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: Crítica social do julgamento. São Paulo, SP: EdUSP; Porto Alegre, RS: Zouk,
2007.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Anna-
blume, 2011.
KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Nova Cultutal/Brasiliense, 1986.

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A impressão fotográfica na Revista do Norte
pela Typogravura Teixeira1
Amanda da Silva e Silva2

Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns resultados da pesquisa desenvolvida no mestrado
sobre as fotografias da cidade de São Luís impressas na Revista do Norte, uma publicação maranhense que
circulou no início do século XX. A fotografia reproduzida e impressa nos periódicos ilustrados, naquele come-
ço de século XX, era considerada a grande novidade das artes gráficas da época. Para tanto, recorremos a um
recorte temático das fotografias que demonstram representações da vida social e do espaço urbano da cidade
de São Luís. Utilizamos alguns teóricos, entre eles, Argan (1998), Kossoy (2009), que pensam sobre a cidade,
bem como a revista ilustrada como suporte para vinculação da fotografia.

Palavras-chave: fotografia; revista ilustrada; São Luís; arte gráfica.

A Revista do Norte foi uma publicação de literatura e arte, fartamente ilustrada com fotografias, pro-
duzida e impressa no Maranhão, entre os anos de 1901 e 1906, por Alfredo Teixeira e Antônio Lobo. A Revista
do Norte publicou diversas fotografias, reproduções artísticas, gravuras e tiras de humor. Entretanto, neste
trabalho abordaremos apenas as fotografias referentes à cidade de São Luís.
O objetivo é perceber, dentre outras coisas, quais as temáticas eram mais difundidas pelas fotografias
e qual a representação, no sentido de Chartier (1982), de cidade era demonstrada naquele início do século XX,
em termos de um “modelo” de cidade moderna.
De acordo com Turazzi (1995), o surgimento da fotografia até sua vertiginosa expansão, durante o sécu-
lo XIX, produzindo “um dos fenômenos mais importantes de universalização da cultura e cosmopolitização da
vida moderna” (TURAZZI, 1995, p.20), modificando de forma intensa o modo de vida e o cotidiano de homens
e mulheres ao redor do mundo.
Foi através do contato com a fotografia, que milhares de pessoas puderam conhecer outras culturas,
sociedades e ideologias, além de ampliarem o seu repertório visual. Este contato criou uma nova experiência
de tempo e do espaço de representações da realidade social vivenciada pelas pessoas, categorias indissociáveis,
que, segundo Turazzi (1995, p.29) são inerentes à linguagem fotográfica:
A fotografia permite empreender uma dada exploração visual do espaço em estreita sintonia com a
capacidade, até então inédita, de congelar e perenizar o tempo vivido. Tanto ou mais do que as es-
tradas de ferro, a navegação a vapor e os novos bulevares, a fotografia aproxima distâncias de modo
muito singular, contribuindo decisivamente para essa nova noção de espacialidade subjacente à in-
ternacionalização da economia e à cosmopolitização da cultura.

A fotografia, gradativamente, tornou-se (oni) presente no cotidiano das pessoas, passando a ser um
meio eficaz de encurtar distâncias entre as pessoas e saciar a curiosidade de um mundo até então desconhe-
cido. Neste último quesito, as revistas ilustradas, por meio da imagem fotográfica, desempenharam um papel
fundamental para a familiarização desse mundo distante e ainda inexplorado. Um exemplo são as reportagens
sobre países distantes ou considerados exóticos para os ocidentais.
Coube à fotografia, por intermédio do processo fotomecânico de reprodução e impressão de imagem,
marcar a história do periodismo como recurso de ilustração (ANDRADE, 2004). A fotografia, no início do sé-
culo XX, antes de qualquer coisa, era considerada um dos ícones da vida moderna e nada mais moderno do que
poder utilizá-la. A difusão da fotografia (originais e impressas) no Brasil ocorreu com características variadas
e em suportes (daguerreótipo, ambrótipo chapas de vidro positiva, imagens estereoscópicas em vidro ou papel,
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 3), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mestra, aruadegoncalves@gmail.com
176
ferrótipo, fotografia sobre porcelana, cartão cabinet, cartes de visite, cartões-postais, álbuns, revistas ilustradas
e etc.) e em cenários diversos.
O aumento na circulação da fotografia, em especial entre os últimos anos do século XIX, seguindo por
todo século XX, foi responsável pelo “‘alargamento visual’ do horizonte simbólico daquelas sociedades que
passaram a conviver com esse fenômeno” (TURAZZI, 1995, p.110). Embora em contextos diferentes, e ainda
citando Turazzi (1995, p.110), cada sociedade irá produzir, convenientemente, a imagem que quer de si mesma,
tanto em termos concretos como simbólicos. No Brasil e, por extensão, no Maranhão não será diferente.
As revistas ilustradas brasileiras com fotografias ainda eram consideradas uma novidade na imprensa nacio-
nal quando a Revista do Norte foi lançada no Maranhão, em primeiro de setembro de 1901, pela Typogravura
Teixeira.
Das revistas ilustradas maranhense com fotografias destacamos: a Revista Elegante (1892 a 1906) pio-
neira no uso de imagens fotográficas encartadas como suplemento artístico na revista; a Revista do Norte (1901
a 1906) considerada a principal revista ilustrada com imagens fotográfica maranhense - e objeto desse estudo; a
revista literária A Mocidade (1906 a 1908) vinha com alguns retratos e o semanário ilustrado A Avenida (1909)
que trazia fotografias da capital maranhense com a legenda “a São Luís Moderna”.
Dos álbuns de fotografias (comerciais ou de recordação), apontamos: o Maranhão Ilustrado (1899),
Recordação do Maranhão (1908), o Álbum do Tricentenário de Fundação da Cidade de São Luís (1913) e, por
último, o Álbum do Maranhão em 1908 (1908). Além, naturalmente, dos álbuns particulares de famílias que
pertencem a acervos privados.
Da lista citada acima algo chama atenção. Todas as revistas ilustradas e todos os álbuns, com exceção
do Álbum do Maranhão em 1908, foram produzidos e/ou impressos pela mesma empresa tipográfica: a Typo-
gravura Teixeira. Informação chave para compreender o circuito social da fotografia no Maranhão, referente
aos processos de produção, circulação e consumo dessas imagens fotográficas.
Conferimos que, praticamente, tudo que estava ligado à imagem (fotografias, gravuras, desenhos) e à imprensa
de São Luís estava a cargo da Typogravura Teixeira nesse início da jovem república, dando continuidade a mais
um capítulo da história das artes gráficas no Maranhão.
Para este trabalho fizemos um recorte representativo para as escolha das fotografias que representasse
elementos urbanos da cidade de São Luís, em busca inclusive das imagens dos excluídos e omitidos da socie-
dade, para depois, eventualmente, comparar (coadunando ou não) com o contexto feito tanto por relatos de
época, quanto de análises de autores da historiografia e literatura maranhense. Com isso, escolhemos quatro
pontos temáticos para a análise: tipos populares; transporte e mobilidade; reformas e embelezamento; monu-
mentos e memória.
As fotografias encontradas na revista são um instrumento significativo para pensar também a memó-
ria urbana da cidade, uma vez que, a fotografia como um suporte mnemônico, estabelece “elos documentais e
afetivos que perpetuam a memória” (KOSSOY, 2009, p. 139). Destacamos que a noção de delimitação do espaço
urbano da cidade, utilizada no trabalho é baseada no entendimento dado por Argan (1998).

Referências

ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do
Rio de Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Tradução Pier Luigi Cabra. 4.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: o uso de imagens como evidencia histórica. São Paulo: Editora UNESP,
2017.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1982.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839/1889). Rio de
Janeiro: FUNARTE: Rocco, 1995.

177
O ENCOURAÇADO PONTENKIN:
análise da construção imagética do filme1
Dandara Maira Pastana Kran2
Orientadora: Ana Patrícia de Freitas Choairy3

Resumo:
Este artigo apresenta uma análise da construção imagética do filme O Encouraçado Pontenkin, tendo como
foco a montagem cinematográfica. Utilizou-se o método de análise da imagem fílmica de Aumont & Marie
(2004). Buscou-se demonstrar, através da observação de detalhes da construção imagética, como a montagem
dialética é desenvolvida para gerar ideias no espectador, a fim de provocar identificação com o movimento re-
volucionário russo de 1905, utilizando para isso o livro do próprio diretor do filme Serguei Eisenstein, “A forma
do filme”. Com base em Penafria (2009) foi elaborada uma análise externa do filme, que relaciona aspectos
políticos onde o diretor, Serguei Eisenstein, estava inserido.

Palavras-chave: Montagem; Eisenstein; Encouraçado Pontenkin; imagem fílmica.

INTRODUÇÃO

O teatro kabuki é composto por pausas dramáticas básicas na construção cênica que trata de cenas de
clímax dramático que terminam em poses expressivas e estáticas, traduzindo a dinâmica da cena e se com-
portando como resumo do último ato. Enquanto isso, a poesia haikai integra o leitor a um ambiente visual
completamente psicológico, transporta o leitor a uma sensação com recortes de ambientes que em conjunto
geram a dialética da poética visual, (KUSANO, 2013). O haikai é como uma montagem escrita. Como defende
Einsenstein (2002, a. p. 44) “(...) montagem é interpretar, sem transições”. De acordo com Penkala (2008), os ja-
poneses ensinam a desenhar por diferentes pontos de vista, desintegram o elemento em quadros, esse elemen-
tos foram estudados por Einsenstein que os introduziu na sua própria linguagem artística para a construção da
montagem intelectual einseinsteiniana. Este ensaio objetiva analisar como foi realizada técnica da construção
imagética do filme O encouraçado Pontenkin, nomeada montagem dialética pelo autor e diretor Serguei Ein-
seinstein, através de uma análise fílmica.

ANÁLISE TEÓRICA
Parte 01 – Homens e vermes

A bordo do navio de guerra Pontenkin, marinheiros sofrem com as condições ruins de trabalho. Como
diz o letreiro desta cena: “O sono dos marinheiros é um pesadelo”. Os marinheiros são acordados às surras do
almirante. Os planos médio, geral e plano detalhe desintegram a mesma cena, mostrando com o choque de
imagens de diferentes planos, marinheiros dormindo em um espaço pequeno demais para o número deles. A
desintegração da cena por vários ângulos permite uma ampla visualização do ambiente e a soma dos diferentes
pontos de vista gera a ideia de aglomeração.
Obrigados a cozinhar a carne podre, os marinheiros, contrariados, cuidam dos afazeres da cozinha.
Um deles lava o prato, onde se pode ver o símbolo de trigo e a frase: “O pão nosso de cada dia”4. Revoltado, ele
atira longe o prato. Essa cena é desintegrada entre vários planos. A desintegração é aplicada e, como descreve
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT3), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduada em Licenciatura em Artes Visuais pelo IFMA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão),
dandaramaira@hotmail.com
3 Professora do ensino superior do IFMA, mestre, anafreitas@edu.com.br
4 Letreiro da primeira parte do filme Encouraçado Pontenkin de Serguei Einseinstein, mensagem inserida no prato de metal.

178
Einseinstein (2002), utilizada como forma de criar o ritmo e aumentar a dramaticidade da ação, pois a troca de
planos é rápida e os planos são de detalhes diferentes.

Parte 02 - O drama no Porto do Tendra

Marinheiros e almirantes se reúnem no convés. O enquadramento geral5 dessa cena permite ao es-
pectador avistar dois canhões da embarcação, que ficam no meio do enquadramento, onde se posicionam os
almirantes. Nas laterais chegam os marinheiros. Dessa forma, a geometria do enquadramento permite a de-
monstração da hierarquia presente no navio, a justaposição de planos geometricamente distintos gera o choque
de ideias e provoca o espectador a perceber o antagonismo entre os superiores e os marinheiros (MACHADO,
1982).
Antes da ordem de disparo do almirante contra marinheiros, o tempo da sensação é expandido. Para
causar mais impacto no drama vivido pelos marinheiros, utilizam-se planos indiferentes à ação: canhões, a
proa e salva-vidas. O tempo expandido é um recurso da arte japonesa, mais precisamente, do teatro Kabuki,
onde após um grande drama vivido por um personagem, acontecem outras atrações como o tocar de um
instrumento para expandir o tempo psicológico da cena, aumentando, desta forma, o impacto dramático e a
tensão do espectador sobre o que está para ocorrer em seguida (EINSENINSTEIN, 1982).

Parte 03 - Homem morto pede por justiça

O plano geral do cais mostra o navio atracando na cidade de Odessa e a população velando o corpo
de Vakulintchuk, marinheiro morto pelos almirantes. O diretor usa a desintegração cênica para ressaltar a
participação coletiva das ações. Mulheres e homens em plano médio encaram a barraca que abriga o cadáver
de Vakilintchuk. Discursos inflamados estabelecem-se a favor da revolução dentro e aos arredores do encou-
raçado. Membros distintos da sociedade aproximam-se. São enquadrados personagens em primeiro plano de
diferentes classes sociais, gêneros e idades, contidos dentro da mesma ação. O herói coletivo defendido por Ein-
seinstein (2002, a.) é estabelecido justamente através do enquadramento da participação de toda a comunidade,
representada pela diversidade de gênero, idade e classe social.

Parte 04 - A escadaria de Odessa

Da comunidade as doações de alimentos são levadas ao navio, um contraste com o tratamento dos
almirantes que os obrigaram a comer carne podre, este é mais um conflito de ideias, mesmo que as imagens
“carne podre servida por almirantes” e “comida boa doada pela comunidade” não sejam exibidas na mesma
cena, são exibidas no mesmo filme e a terceira parte da montagem ocorre na mente do espectador. Os guardas
atiram contra o povo. Uma é criança baleada em primeiro plano, desenvolve-se o início do clímax do filme.
Na sequência, a criança pede ajuda em primeiro plano, a mãe espanta-se, também em primeiro plano. Pés piso-
teiam a criança em plano detalhe, pessoas correm em plano médio, os olhos da mãe em expressão de desespero
em primeiríssimo plano. A mãe movimenta-se contrariamente ao restante do povo que desce a escada (conflito
de direções). Com a criança no colo, a mãe, caminha em direção aos guardas. O povo, em primeiro plano, pede
clemência. Os guardas continuam a sua marcha alinhada escada acima, mantendo a chacina da comunidade,
o rosto dos guardas nunca é enquadrado para provocar desumanização. Os canhões do encouraçado movi-
mentam-se em primeiro plano. O letreiro revela uma sequência a seguir: “o Encouraçado revoltoso respondeu
à barbárie das autoridades” . O navio bombardeia o Quartel General em resposta, nesse caso, o conflito da
imagem gera um efeito visual e simbólico ao mesmo tempo, uma metáfora referente à intensidade do momento
(MACHADO, 1982).

5 Mostra todo espaço onde se localiza a ação, in: A linguagem cinematográfica (MARTIN, 2005).

179
Parte 05 - O encontro com a esquadra

Após o massacre na escadaria, comícios dos marinheiros e trabalhadores acentuam-se no encouraçado.


Em primeiro plano, um marinheiro lidera o comício. Em plano geral, os marinheiros conversam entre si. Em
contra-plongé a proa onde estão unidos os marinheiros e trabalhadores é enquadrada. O letreiro aponta: “Po-
sição de combate!” . O homem toca trompete em primeiro plano para alertar toda a tripulação. Como aponta
o letreiro, “O Pontenkin estava sendo escoltado pelo Destroyer 267” , o navio Pontenkin e o Destroyer são en-
quadrados em plano aéreo. O marinheiro, em primeiro plano, pega o telefone e o letreiro aponta a mensagem
enviada à esquadra: “juntem-se a nós!” . O letreiro aponta outra dúvida: “Disparar?” ; um close enquadra rosto
de homem contente. O letreiro sugere: “Irmãos!” . O confronto não acontece, o plongé enquadra os marinhei-
ros do outro navio correndo pela proa, balançando seus chapéus em favor do movimento ocorrido no navio
Pontenkin. O plongé enquadra o navio Pontenkin e a outra navegação com marinheiros acenando; plano de-
talhe enquadra água, contra-plongé enquadra a proa do Pontenkin com marinheiros, acenando e jogando seus
chapéus no mar.

Análise externa do filme

Os encouraçados de guerra eram o maior investimento militar no início do século XX na Rússia, e


dentro deles o reflexo da desigualdade social czarista era acentuado. O Outubro Vermelho, como os russos cos-
tumavam chamar, transformou-se em uma revolução mais poderosa e vitoriosa (TROTSKY, 1922). O filme evi-
dencia a diferença entre os marinheiros e os almirantes através do vestuário, da dramatização de marinheiros e
despersonificação de almirantes e guardas. Essa diferença evidencia a luta de classes defendida pelo marxismo
(MACHADO, 1982). O filme narra a revolução de 1905 com uma técnica que permite ao espectador, sentir-se
parte do coletivo, explica Einsenstein (2002, a). Como defende Machado (1982), vai muito além do cinema pe-
dagógico, sugerido por Stálin, pois desperta a ideia do proletariado vitorioso.

RESULTADOS

O ensaio buscou analisar a construção imagética do filme, observando os elementos constituintes da


montagem dialética desenvolvida por Einseinstein, que se inspirou na arte japonesa para criar um cinema novo
e impactante. Ao apontar como foram elaboradas as imagens foi possível reconhecer de que maneira elas foram
utilizadas para gerar imagens mentais que foram previamente arquitetadas. Desta forma, foi possível compre-
ender como a montagem dialética pode ser utilizada para gerar gatilhos mentais específicos que causassem
identificação do público com a ideia do herói coletivo, ideia favorável ao comunismo russo.

Referências

AUMONT & MARIE. A análise do filme. 3 ed. Lisboa: Arnold Colin, 2004.
CANELAS, Carlos. Os Fundamentos Históricos e Teóricos da Montagem Cinematográfica: os contributos
da escola norte-americana e da escola soviética. 12f. Lisboa: Instituto Politécnico da Guarda, 2010. Disponível
em < http://www.bocc.ubi.pt/_listas/tematica.php? codtema=4>. Acesso em janeiro. 2016.
COLEÇÃO GRANDES CIVILIZAÇÕES DO PASSADO. A Rússia dos czares: em tempos de guerra e paz.
Folio: São Paulo, 2003.
EINSENSTEIN, Serguei. A forma do filme. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
KUSANO, Darci. Teatro tradicional japonês. Fundação Japão em São Paulo, 2013.b
MACHADO, A. Serguei M. Einseinstein. São Paulo: Brasiliense, 1982.
MARTIN, Marcel. A linguagem Cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005.
PENKALA, A. P. Einsenstein e os ideogramas japoneses: analisando a montagem intelectual em Outubro.
PUC/RS, 2008.

180
ALICES, O CINEMA E O TEMPO:
breve análise das adaptações cinematográficas do conto
“As aventuras de Alice no país das maravilhas”1
Dauriana Cristina dos Santos Pereira2
Pablo Luís França Castro3
Paula Francinete Barros Bezerra4

Resumo:
O presente trabalho visa fazer uma análise das adaptações cinematográficas do conto Alice no País das Mara-
vilhas de Lewis Carroll para os cinemas através da comparação entre alguns elementos dos filmes, tais como as
cenas, os personagens e as questões sociais vigentes na época em que cada filme foi realizado. Com o objetivo
de analisar as mudanças sofridas nas adaptações do conto a partir das influências culturais e sociais de cada
época, foram escolhidos os filmes que mais se aproximam do conto original.

Palavras-chave: Adaptação, Alice, Cinema.

1.INTRODUÇÃO

Para o desenvolvimento do presente trabalho foram realizadas pesquisas bibliográficas, a partir de pu-
blicações e estudos acerca do livro As Aventuras de Alice no País das Maravilhas e de suas adaptações para o ci-
nema. Desta forma, reunimos elementos artísticos, sociais e cinematográficos que possam demonstrar a forma
como os clássicos se adaptam de acordo com o tempo, espaço e suas mudanças de estilo, buscando relacionar
elementos presentes nas versões que serão trabalhadas neste artigo por serem reflexos das transformações no
meio cinematográfico.
O artigo aborda o clássico infantil através de sua história e de sua importância na literatura e no cine-
ma através de suas diferentes leituras, levando em consideração os limites tecnológicos do tempo e espaço na
sua elaboração. Trazendo uma abordagem que se inicia com a história do cinema, pontuando os movimentos
cinematográficos presentes nas adaptações e chegando ao momento de análise e reflexões sobre as adaptações.

2. ANÁLISE CINEMATOGRÁFICA

O cinema surgiu em 1895 pelos irmãos Lumière, inicialmente como forma de registro e não para contar
histórias, além disso, a criação do cinema é algo a se pensar, pois ele de certa forma já existia antes mesmo de
ser conhecido como cinema. Como explica o cineasta soviético Sergei Eisenstein em seu livro A forma do fil-
me: Certa qualidade cinematográfica existiam em obras realizadas antes do evento do cinema (EISENSTEIN,
1946), ou seja, tanto os poemas quanto as músicas já apresentavam artifícios do cinema, como a montagem e a
sucessão de cenas, porém somente após a criação de sua denominação é que se permitiu pensar melhor sobre
as leis que auxiliaram na formação desta sétima arte.
O cinema foi se desenvolvendo e com o tempo percebeu-se as diversas possibilidades de se contar his-
tórias por meio dessa nova técnica, assim ele se tornou o maior meio de expressão audiovisual. Dito isso, sobre
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduanda em Artes Visuais – UFMA – São Luís / MA – daurianadsantos@gmail.com
3 Graduando em Relações Públicas – UFMA – São Luís / MA – pablofranca09@gmail.com
4 Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. Graduada em
Licenciatura em Educação Artística - Artes Plásticas pela Universidade Federal do Maranhão. Professora do Curso de Licenciatura
em Artes Visuais da UFMA – paulabarros86@hotmail.com

181
a importância do cinema como meio de expressão, é importante destacarmos alguns dos movimentos cinema-
tográficos que foram marcantes para a transformação do cinema ao longo do tempo.
Podemos destacar assim o que é considerado o primeiro movimento cinematográfico, o Impressionis-
mo Francês que ocorreu entre 1918 a 1930 e tinha como característica, filmes que manipulavam o tempo das
tramas, os sonhos, as fantasias e a subjetividade do estado mental de seus personagens. Em seguida podemos
destacar o Expressionismo Alemão, que tinha como interesse mostrar a relação entre arte e sociedade, o movi-
mento representava ainda toda a desilusão, desconfiança e isolamento da sociedade nesse período. Já na década
de 1924 dava-se início ao movimento Surrealista, com filmes que proporcionaram experiências condenadas a
dúvida e a múltiplas interpretações.
Há ainda outros movimentos existentes, entretanto, optamos por escolher os que podem ser considera-
dos como os principais movimentos cinematográficos que serviram de influência para novas formas de narra-
tivas no cinema através de elementos como a própria narrativa, os personagens, a indumentária e a montagem
do cenário entre outros, que constituíram para a naturalização e a produção de uma história.
As traduções de obras literárias para o audiovisual têm uma de suas primeiras aparições com George
Méliès em sua obra intitulada Viagem à Lua baseada no conto literário de Verne. Desde então adaptar obras
literárias para o meio audiovisual vem se tornando um fator de êxito dentro do mercado cinematográfico. É
importante lembrarmos ainda que as adaptações cinematográficas não são releituras estritamente fiéis às obras
literárias, mais sim as tem como base, pois além do universo do cinema dispor de suportes e elementos diferen-
tes da literatura que possibilitam uma visualização da história sob outros olhares e perspectivas, deve-se levar
em consideração os fatores culturais, sociais, ideológicos, históricos e tecnológicos da época em que foram
feitas.
Sendo assim, se torna quase impossível que uma adaptação cinematográfica siga fiel em sua totalidade
à narrativa de uma obra literária. Sobre isso CASTANHEIRA et al (2010) faz uma observação em seu artigo
Alice no País das Maravilhas: Adaptação de uma Obra Literária Clássica para o 3D acerca das adaptações, onde
ela afirma que a escrita possui maior espaço temporal e permite ao receptor dominar o momento de fruição da
obra, já no cinema o espaço temporal é limitado e o telespectador não controla o processo, assim os filmes não
serão adaptações fiéis ao filme.

3. A HISTÓRIA CINEMATOGRÁFICA DO LIVRO AS AVENTURAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARA-


VILHAS E AS INFLUÊNCIAS SOCIAIS E TECNOLÓGICAS

O livro As Aventuras de Alice no País das Maravilhas é um clássico infantil de fantasia escrito por Char-
les Lutwidge Dodgson, mais conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll, e publicado em 4 de julho de 1865,
e se tornou de domínio público em todas as jurisdições em 1907, quando os direitos autorais sobre a história
expiraram no Reino Unido. O conto aborda sobre uma menina que cai na toca de um coelho e é transportada
para um lugar cheio de seres fantásticos, típicos de um sonho. Dentre as versões mais conhecidas do livro estão
a de 1951, que é uma animação produzida pela Walt Disney, e a versão de 2010, um filme estadunidense-britâ-
nico dirigido por Tim Burton que faz uso da tecnologia 3D.
Os filmes analisados serão as versões de Alice no País das Maravilhas compreendidos entre 1903 e
2010, levando como base as adaptações que se aproximam ao máximo da forma e do sentido do texto original.
Dentre as versões mais conhecidas do livro estão a de 1951, que é uma animação produzida pela Walt Disney,
e a versão de 2010, um filme estadunidense-britânico dirigido por Tim Burton que faz uso da tecnologia 3D.
As adaptações do filme Alice nos países das Maravilhas mudaram de acordo com o contexto sócio histórico,
pois as suas narrativas são estruturadas de acordo com o tempo espaço onde as abordagens acompanham o
pensamento social de cada época. Diante disso GUTFREIND (2005) afirma que para compreender um filme
ou um realizador, devemos levar em consideração a época em que a obra foi criada, as aspirações do momento
e as técnicas disponíveis; em suma, a conjuntura que permitiu ao cineasta conceber o seu filme
A exemplo, temos ao compararmos a adaptação de Tim Burton de 2010 com Alice de Lewis Carroll. A
Alice de Lewis Carroll, não consegue ser ela mesma dentro da sociedade que nesse período controla a figura
feminina e suas ações, já na adaptação de Tim Burton de 2010, temos uma Alice com a figura feminina que se
182
coloca contra situações sociais obrigatórias para uma jovem mulher inglesa do século 19. O símbolo de ruptura
notável está em sua recusa a proposta de casamento, o que a impulsiona para também viver sua aventura, fruto
das mudanças que ocorriam naquela época em que o contexto social visava a liberdade e o empoderamento da
mulher enquanto dona de sua vida, de suas escolhas e tendo participação ativa na sociedade.
Analisando as adaptações, percebemos que em alguns dos filmes, certas cenas são retiradas, reformu-
ladas ou mesmo distorcidas se comparadas ao conto de Lewis Carroll. Isso se deve a grande dificuldade da
elaboração das cenas com a tecnologia limitada nas primeiras adaptações. Utilizamos como exemplo alguns
trechos do filme em que a personagem Alice cai na toca do coelho. Nessa cena é possível observar os avanços
tecnológicos ocorridos nas adaptações, onde na primeira versão, de 1903, esta cena é reajustada, cortada ou
simplificada, sendo somente na versão de 1910 que começamos a observar a mesma cena sendo retratada de
maneira bem mais sutil. Essas mudanças são mais notáveis nas adaptações feitas no período entre 1903 e 1923
na ocasião em que Alice toma o líquido e diminui de tamanho. Cena a qual teve que ser reformulada devido à
dificuldade de elaboração da mesma.
Na representação de Alice da Companhia Edison de 1910, a cena é feita através de desenhos da persona-
gem em tamanhos diversos. Já na versão de 1982, de Annie Enneking, ao vermos Alice cair na toca do coelho
percebemos que ela está suspensa por cabos de aço, enquanto que na Alice de 2010 de Tim Burton, a cena é feita
de maneira mais moderna, onde os efeitos especiais dão uma ideia melhor de que a Alice está realmente caindo.

Referências

ALICE, no país das maravilhas. Direção: Tim Burton. Produção: Richard Zanuck, Joe Roth, Jennifer e Suzan-
ne Todd. Roteiro: Linda Woolverton. Fotografia: Dariusz Wolski. EUA:Twentieth Century-Fox Film Corpora-
tion, Lightstorm Entertainment, Giant Studios, 2010.Digital Vídeo.
ARDOLINO, Emile. Alice at the Palace. Director: 1982
BALDOMAR, Rubia Graziela Steiner. O Feminino Em Alice: Uma Análise Discursiva Da Mulher Além Do
Seu Tempo Florianópolis, 2016.
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas, através do espelho e o que Alice encontrou
lá e outros textos. Grupo Editorial Summus, 1980.
CARROLL, L. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho, 2002
DISNEY, Walt. Alice’s Wonderland .1923.
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. 1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
GERONIMI, Clyde, JACKSON, Wilfred. LUSKE, Hamilton. Alice no País das Maravilhas, 1951.
HEPWORTH, Cecil M., STOW Percy. Alice in Wonderland, 1903.
HENDERSON, John. Through the Looking Glass. 1998.
MCLEOD, Norman Z. Alice in Wonderland. 1933
MILLE, Jonathan, Alice no País das Maravilhas. 1966
PORTER. Edwin S. Alice’s Adventures in Wonderland. 1910.
POLLARD,Bud. Alice, 1928
POLLARD,Bud. Alice in Wonderland. 1931
STERLING, William. Alice’s Adventures in Wonderland, 1972.
YOUNG, W.W. Alice no País das Maravilhas, 1915.

183
DA PRODUÇÃO À EXIBIÇÃO:
existências concretas em dois documentários1
Denis Carlos Rodrigues Bogéa2

Resumo:
Baseado no relato de experiência através da realização de trabalhos artísticos, este trabalho busca refletir acerca
do processo dos documentários “Quem Toma Conta Da Conta” e “Iemanjá Pela Última Vez”, traçando nor-
tes a fim de demarcar pontos chaves na concretização destes que possam subsidiar e contribuir na existência
concreta de obras de outros realizadores. De forma efetiva trabalhar pontos nodais que possam redistribuir o
capital simbólico gerado na prestação de serviços no ecossistema do audiovisual, além de abordar temas como
festivais, agregadores de festivais e mecanismos de efetivação dessas existências.

Palavras-chave: Concretização; Documentário; Processo

Entre os anos 2003 a 2011, portanto 8 anos, fiz o registro audiovisual de vários eventos no Terreiro Fé
em Deus, de Mãe Elzita. Nesse tempo, de forma especifica, dei especial atenção ao Boi que é realizado naquele
Terreiro para Surrupirinha e Caboclo Velho. Trata-se de um Boi de Encantado3 que é feito há 50 anos, mesma
idade do Terreiro. Dessa atenção especial surgiu o Documentário Etnográfico “Quem Toma Conta Dá Conta”4.
O filme mostra o cotidiano, o transcorrer da festa, desde meados de maio até seu encerramento, aproximada-
mente em julho, compreendendo vários momentos: ensaios, bordados, gravações de toadas em mp3, além de
uma entrevista com Mãe Elzita.
Nas palavras de RIBEIRO (2007, pgs. 7, 8), encontramos apontamentos importantes para alguns dos
princípios fundamentais onde se assentam essas produções documentais etnográficas:
[...] uma longa inserção no terreno ou meio estudado frequentemente participante ou participada,
uma atitude não directiva fundada na confiança recíproca valorizando as falas das pessoas envolvi-
das na pesquisa, uma preocupação descritiva baseada na observação e escuta aprofundadas indepen-
dentemente da explicação das funções, estruturas, valores e significados do que descrevem, utiliza-
ção privilegiada da música e sonoridades locais na composição da banda sonora (RIBEIRO, 2007).

Posteriormente, em 2013, último ano de uma obrigação que durou sete anos de Allana Karoline, realizo
o filme “Iemanjá Pela Última Vez”, que acompanha a jovem durante os festejos de nossa senhora da Conceição
naquele Terreiro. Nesse sentido, afirmo que o trabalho que envolve questões voltadas a filmes de caráter etno-
gráfico sempre são muito delicadas, na medida em que estes possuem um leque de atuação muito grande.
Desde produções que remontam a uma abordagem positivista, em que filmes são resultado de uma
documentação “objetiva” da realidade, registros muitas vezes sem montagem ou som, até experiências
fílmicas diversas, interpretativas, que incluem filmes estruturados em torno de argumentos, segundo
convenções narrativas já instituídas nos documentários de maneira geral (TEIXEIRA, 2004, p. 98).

Percebemos com isso que trata-se de uma seara onde o terreno é pantanoso, mas fértil, uma vez que
lidamos com características e soluções diversas para filmes diversos. Isso, em última instância, faz com que o
gênero se torne difuso e tenha seu horizonte ampliado, uma vez que não se trata aqui de estabelecermos uma
morfologia do documentário [e do filme etnográfico] com a mesma metodologia que cerca, por exemplo, defi-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduado em História (UEMA), Artes (UFMA) e Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual (UCAM), diretor, fotógrafo
e editor dos Documentários “Quem Toma Conta Dá Conta” e “Iemanjá Pela Última Vez”, deniscrb@gmail.com
3 Brincadeira que é feita para uma entidade espiritual, seja como forma de obrigação, seja por divertimento. Aparentemente é uma
nomenclatura advinda de fora, mas naquela Casa, o Boi é comumente chamado dessa forma.
4 Para uma visão mais extensa a respeito do processo de construção do filme, conferir Filme Etnográfico: A construção do filme Quem
Toma Conta Dá Conta. Monografia de conclusão de curso de especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual. UCAM, 2018
184
nições nas ciências naturais” (RAMOS, 2008, pg, 22, grifos meus).
Após o processo de finalização5, a etapa de inscrição em festivais inicia-se em meio a uma torrente de
informações sobre os mesmos. Nesse sentido, era a primeira vez que mantinha contato com plataformas que
gerissem e catalogassem festivais nacionais6. Logo, a opção por escolher festivais nacionais deu-se na medida
em que os festivais internacionais exigiam legendas em outras línguas – preferencialmente em inglês, francês e
espanhol, a critério de cada festival. Na impossibilidade de concretização dessas legendas e traduções, os festi-
vais nacionais foram um alvo mais rápido e certo.
Há uma lógica dentro dos festivais que trata de minutagens e quantias de filmes exibidos X alcance
de público. O filme em questão, “Quem Toma Conta Dá Conta” tem ao todo 127 minutos de duração, ou seja,
são duas horas e sete minutos onde se vê na tela o cotidiano de um Terreiro com meio século de existência na
periferia de São Luís do Maranhão. Pode parecer coisa pouca, em termos de temática, mas devo a isto e a não
inclusão do filme nos festivais inscritos os motivos para tal.
Existe um modus operandi simples quando pensamos em inscrever filmes em festivais. É uma lógica
matemática: se definirmos quinze minutos como padrão de duração dos filmes de curta metragem, teremos
oito filmes sendo colocados de lado dentro de uma grade de programação. Utilizo aqui para essa matemática a
duração de 127 minutos do “Quem Toma Conta Dá Conta”. Isso, colocado em miúdos numa prestação de contas
onde a relevância do evento é medida também pela quantia de filmes inscritos e participantes de forma efetiva,
quer dizer muito. Em outras palavras, meu filme com duas horas e sete minutos tirava da programação outros
oito filmes curta metragens. Existe, contudo, uma estratégia frente a isso: a internet. Falaremos dela posterior-
mente. De logo, passada essa etapa – via crucis que leva aproximadamente um ano, tendo em vista a vontade de
abarcar o maior numero de festivais possíveis em minha inocência7, temos então a etapa da produção dos dvd’s.
As cópias (500 ao total), tendo sido lançadas com a presença do Terreiro, de Mãe Elzita, no Cine Teatro
Municipal, foram distribuídas para algumas bibliotecas, centros culturais, professores, estudantes de cinema,
produtores culturais e sua comercialização sendo revertida para o próprio Terreiro. Claro, existe aqui um al-
cance tímido e pequeno se formos colocar o acesso da obra em formato dvd diante do acesso da mesma pela
internet. Pois, passemos a ela.
10.523 visualizações. Este é o número de pessoas alcançadas segundo o youtube, onde está disponibi-
lizado o filme desde 3 de agosto de 2014. É um número significativo, levando em conta as mesmas variantes
postas por festivais e congêneres: duração, temáticas, alcance, etc, etc. Não são números fáceis. Trata-se de um
documentário etnográfico com uma duração não usual, onde a protagonista é uma mulher negra da periferia,
advindo de um Estado que, via de regra, é reconhecido nacionalmente por não ter uma tradição cinematográ-
fica, a despeito de todo o movimento superoitista8.
Já com o filme “Iemanjá Pela Última Vez”9, as estratégias diferem. Plataformas como o Kino Forum,

5 Durante os anos já citados, os recursos destinados para a realização da obra, ou seja, as filmagens, foram pessoais: transporte,
compra de material sensível – fitas mini dv, cartões de memória -, alimentação, manutenção das filmadoras e câmeras fotográficas,
compra de iluminação móvel – iluminador e bateria portáteis -, e fixa – lâmpadas específicas de intensidade alta para locais abertos
- dentre outras despesas, tudo originava-se não dos recursos públicos, como na finalização, mas dos proventos mensais de diversos
ambientes onde, ou estagiei, ou trabalhei.
6 A mais importante ferramenta utilizada para isto, sem dúvida, foi o site Kino Forum, onde o mesmo “traz mais de 230 eventos na-
cionais – entre festivais e mostras espalhados por todas as regiões do país – e 215 internacionais, para facilitar a vida de quem está
programando a carreira de seu filme” (GUIA KINOFORUM - FESTIVAIS AUDIOVISUAIS. Disponível em http://www.kinoforum.
org.br/guia/festival. Acesso em 28 jan. 2019).
7 Uma curiosidade é que, mesmo se tratando de uma obra ímpar tanto na temática quanto na “kilometragem”, o próprio festival Guar-
nicê, realizado em terras maranhenses e sobre a organização da UFMA, não elencou o filme em sua grade, nem nas chamadas mostras
informativas (aquelas nos quais os filmes não competem entre si) muito menos nas competitivas. Outro fato curioso é que, dentre os
membros da comissão responsável pela seleção dos filmes maranhenses, nenhum deles tinha efetivo trabalho na área audiovisual. A
comissão era composta por um fotógrafo, duas estudantes de comunicação e a então chefe do departamento do curso de Artes.
8 Faço um detalhamento maior e do alcance tanto em termos de produtividade quanto em termos de inserção do movimento
superoitista maranhense no cenário nacional em Cinema Super 8: Articulações sobre som e imagem no filme A Festa de Santa
Tereza. Monografia de conclusão de curso. UFMA, 2010
9 Documentário que acompanha o último ano de Karol como Iemanjá nos festejos de Nossa Senhora da Conceição, no mesmo
Terreiro antes filmado, ou seja, no Terreiro Fé em Deus.
185
Short Film Depot10, Fest Home11 e o Film Freeway12 foram de vital importância uma vez que tratam-se de
indexadores de festivais, tanto nacionais (como o fest home), quanto internacionais. Ali constam uma diver-
sidade de festivais, prazos, normas, formas de inscrição e upload de filmes de tal forma a facilitar o processo
de escoamento dos filmes que, neste caso, foram de vital importância para a visualização deste filme13. Um
ponto crucial nesse processo de visualização tem a ver com o fator “tempo”. Como festivais diferentes adotam
minutagens diferentes para curta metragens, a percepção disso e a experiência anterior resolveram e organi-
zaram muitas coisas no processo de inserção nos festivais. Dessa forma, versões com vinte, trinta, trinta e três
minutos foram sendo preparadas de acordo com as exigências de cada festival14. Mencionando esses detalhes
da construção do filme, somos lembrados e, de certa forma, acalentados daquilo que BERNARDET (1980, p.
37), referindo-se a esse processo, trata como um
[...] ato de recortar o espaço [...] com uma finalidade expressiva [...] portanto, um processo de mani-
pulação que vale não só para a ficção como também para o documentário, e que torna ingênua qual-
quer interpretação do cinema como reprodução do real (BERNARDET, Jean-Claude, 1980, p. 37).

Trata-se então de uma reelaboração de estratégias no sentido de inserir-se nos espaços15. A presença das
redes sociais aqui nesse momento é vital, uma vez que o compartilhamento das informações possui um alcance
maior e mais rápido. O conhecimento de plataformas que indexam e colocam à disposição dos realizadores
uma gama de festivais torna-se uma ferramenta importantíssima na busca de escoamento dessa produção que
se concretiza a partir da visualização das obras pelo público. Por fim, um maior número de visualizações e,
na mesma medida, um maior número de pessoas alcançadas pela obra se dá, também, a partir do comparti-
lhamento do conteúdo disponibilizado. Para isso, associações com páginas e sites que possam pulverizar esse
acesso tem sido uma forma de existência concreta frente a um mundo onde a produção audiovisual tem au-
mentando exponencialmente.

Referências

BERNARDET, Jean-Claude. O Que é Cinema. Ed. Brasiliense, 7ª edição, 1985.


BOGÉA, Denis Carlos Rodrigues. Cinema Super 8: articulações sobre som e imagem no filme a festa de Santa
Tereza. Monografia de conclusão de curso. Ufma, 2010.
_______. Filme Etnográfico: A construção do filme Quem Toma Conta Dá Conta. Monografia de conclusão
de curso de especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual. UCAM, 2018
GUIA KINOFORUM - FESTIVAIS AUDIOVISUAIS. Disponível em http://www.kinoforum.org.br/guia/fes-
tival. Acesso em 28 jan. 2019.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). Documentário no Brasil: tradição e Transformação. São Paulo, Sum-
mus, 2004.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...O que é mesmo documentário?. São Paulo, editora Senac São Paulo, 2008.
RIBEIRO, José da Silva. Jean Rouch - Filme etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line, n.03, Dezembro
2007, www.doc.ubi.pt, pp. 6-54. Acesso em 28 de jan. 2019.
10 Disponível em: https://www.shortfilmdepot.com/pt. Acesso em 28 fev. 2019.
11 Disponível em? https://festhome.com/. Acesso em 28 fev. 2019.
12 Disponível em: https://filmfreeway.com/. Acesso em 28 fev. 2019.
13 O filme participou de 8 festivais ao total, sendo um latino americano e um internacional, além de mostras específicas voltadas ao
filme etnográfico. Importante notar que o conhecimento das plataformas citadas se dá a partir de uma pesquisa pessoal no sentido
de perceber quais os mecanismos utilizados por grandes festivais para o processo de inscrição dos filmes. A partir disso, dessa to-
mada de conhecimento, tornou-se fácil perceber como outros realizadores conseguiam escoar suas produções tanto em festivais na-
cionais quanto internacionais, situação que anteriormente, com o “Quem Toma Conta Dá Conta” me era completamente nebulosa.
14 Inicialmente é um processo doloroso esse do corte e, por vezes, essa estratégia de inserção por meio de várias versões passa a
impressão de traição, de que você está traindo algo (?), algum princípio moral ou ético frente o filme idealizado, coisa muito típica
pra quem também edita seu próprio material.
15 A concretização dessa existência neste processo diz respeito também à sua própria criação de espaços simbólicos. Os blogs que
mantive quando da edição dos filmes dão conta disso. (Disponíveis em: https://quemtomacontadaconta.wordpress.com/. Acesso em
28 fev. 2019. Disponível também em: https://medium.com/@IEMANJAPELAULTIMAVEZ. Acesso em: 28 fev. 2019).
186
VÍDEO COMUNITÁRIO ESTUDANTIL:
a autorrepresentação de moradias universitárias1
Eduardo de Souza de Oliveira2

Resumo:
O presente projeto busca investigar o vídeo comunitário realizado por estudantes universitários acerca de mo-
radias estudantis universitárias. Através da análise de um corpus de videodocumentários, procuro abordar a
autorrepresentação dessas comunidades, imagética, textual e sonoramente construídas através da linguagem
do documentário. As condições de vivência, convivência, pertencimento, memória afetiva e reivindicação po-
lítica a partir da abordagem de residências/moradias/casas estudantis vinculadas a universidades públicas,
permitem caracterizar uma prática de realização videográfica sintonizada com mobilizações de representação
social e com a potencialidade tecnológica da imagem digital.

Palavras-chave: vídeo comunitário; videodocumentários; moradias estudantis; autorrepresentação.

A produção independente brasileira que se organizou nos anos de 1980 e 1990 em torno do vídeo re-
presentou um momento significativo de criação artística e engajamento político. A explosão da videoarte e das
produções de consistentes vínculos com os movimentos sociais propiciaram uma alternativa ao modelo da
televisão, visto como o meio de comunicação de massa hegemônico. O empoderamento pela imagem do vídeo,
principalmente pelo viés documentário, possibilitaram a sujeitos e coletivos representarem socialmente suas
demandas e reivindicações políticas.
A busca pelo poder conferido às imagens por meio da representação social de grupos histórica e social-
mente invisibilizados marca a história do cinema documentário brasileiro. Como uma espécie de má consci-
ência dentro de uma relação cineasta pequeno burguês e outro de classe, documentários representativos sobre
o “povo” brasileiro, realizados entre os anos de 1960 e 1970, debatiam sobre como representar uma alteridade
tão distante da vivência dos realizadores.
Algumas produções da época são pertinentes à análise designada por Bernardet (2003) como “modelo
sociológico”. A voz desses documentários enquadravam indivíduos tipificados como amostras de teses prees-
tabelecidas: “É a voz do saber, de um saber generalizante que não encontra sua origem na experiência, mas no
estudo de tipo sociológico; ele dissolve o indivíduo na estatística e diz dos entrevistados coisas que eles não
sabem a seu próprio respeito.” (p.17)
Contudo, dentre esses filmes analisados pelo pesquisador, há experiências que tentam desvirtuar essa
voz típica do documentário expositivo clássico em favor de compartilhar a operação da câmera ou registrar
sem subjugar o relato do outro de classe3. Tendo registros que tipificam o outro ou não, a representação social
desses cineastas sobre o popular/povo transmite uma forte distância entre o representante e o representado,
apontando para a necessidade de outros dispositivos.
Documentários brasileiros contemporâneos apresentam estratégias que tentam transferir o domínio do
retrato para o próprio “outro”. Passar conhecimento do tipo know-how sobre a realização de vídeos foi uma das
tentativas de “solução” em torno da representação. Experiências singulares como o documentário Prisioneiro
da Grade de Ferro e o projeto Vídeo nas Aldeias trazem o questionamento sobre a apropriação dos mecanismos
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Fotografia, cinema e vídeo - GT3), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Email: edusou-
zaoliva@hotmail.com
3 Bernardet relata as experiências dos filmes Jardim Nova Bahia de Aloysio Raulino e Tarumã da produtora Futura. Raulino coloca
a câmera na mão de sua personagem, porém a ineficiência técnica e linguística não produz bons resultados, o que revela a distância
entre os conhecimentos do cineasta e os impeditivos para a efetiva expressão pelo próprio personagem. Tarumã consegue ir mais
longe por entregar-se ao relato da mulher retratada, sem a intenção de comprovar teses ou enquadrá-la em um tipo determinado. A
mulher se expressa pela sua própria vontade enquanto a equipe cinematográfica registra o seu depoimento.

187
de construção representacional.
A representação realizada pela própria comunidade acrescenta outra dimensão. A mediação não seria
posse do cineasta profissional, com seus conhecimentos e aparelhos técnicos, mas do próprio integrante ou
coletivo comunitário. O popular como forma representacional tão característico do modelo sociológico ou de
uma certa visão de alteridade negativa marcada pelo horror da violência e miséria, se dissolve diante da repre-
sentação comunitária. RAMOS (2008) pontua:
A representação comunitária aparentemente desconstrói a dimensão popular. Retirando a mediação
de quem sustenta a representação, retira-se o marco da distância que assinala a dimensão de classe
que conforma o popular. Popular, até aqui, visto na medida de sua representação pela alteridade de
classe. Mas, tornando-se universo do mesmo (o popular representado pelo próprio povo e não pelo
outro de classe), não deixaria também de ser popular para outrem? O popular em si seria apenas o
mesmo de classe, pois ninguém é popular de si mesmo. A representação comunitária, na medida
em que contém representação de si por si, compõe o universo mesmo da comunidade, e não mais o
universo outro do popular. (p. 211-212, grifos do autor)

Uma radicalização contemporânea sobre a representação comunitária é o desejo dos representados de


vir a ser ao invés do simples registro do seu retrato. A problemática atual da representação de grupos estigma-
tizados é ultrapassar a condição de demonstrar o modelo “quem são e como vivem” para se apoderar do audio-
visual como instrumento de transformação social. Sotomaior (2014) citando a entrevista do ativista Fernando
Solidade do NCA4 (Núcleo de Comunicação Alternativa), movimento de audiovisual de periferia, o pesquisa-
dor analisa da seguinte forma: “O que vemos em Solidade e em outros participantes do movimento é algo que
propõe não só apontar o que os grupos, comunidades e movimentos “são”, mas também o que “querem” ser.”
(p.264, grifos do autor)
Mais precisamente no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990, o vídeo se tornou uma ferramenta de
expressão artística e política principalmente nas mãos de minorias sociais que reivindicaram o desejo de se
representarem, combatendo os estereótipos disseminados pelos meios de comunicação hegemônicos. A acessi-
bilidade de câmera portáteis, gravadores de som sincrônicos e o surgimento do formato eletrônico de imagens,
passou a impulsionar trabalhos videográficos que retratavam identidades e comunidades pelos seus próprios
sujeitos, engajados por um viés político. Sobre as perspectivas em torno do potencial político do uso do vídeo,
Santoro (1989) esclarece e afirma:
[…] o vídeo apresenta uma perspectiva bastante rica, que reforça o compromisso daqueles que se
preocupam com a realidade social latino-americana e brasileira. E isso fazendo uso de um meio de
comunicação que não é revolucionário, como muitos acreditam, mas que pode ser um componente
privilegiado das lutas populares em todo o continente, colaborando para que as classes populares
possam expressar a sua própria visão de mundo, informar-se, registrar a sua história, ou melhor,
POSSAM, COM UMA CÂMERA, TOMAR A SUA PRÓPRIA IMAGEM NAS MÃOS. (p.113, grifos
do autor)

Nessa proposta de tomar a própria imagem nas mãos, o movimento estudantil teve um engajamento
marcante. O contexto universitário vibrante de períodos marcados pelas reivindicações por direitos civis, con-
tra-reformas liberais e ditaduras militares, e a manifestação de lutas organizadas pelas esquerdas dentro do
espectro político no ocidente, fez com que as universidades também se tornassem um centro de impulsão de
ideias contestatórias que se rebelavam contra o status quo.
As universidades brasileiras, principalmente as públicas, angariavam destaque político nas suas formas
de protesto e militância. Houve nesse período trabalhos que representaram os estudantes universitários e suas
reivindicações. Documentários como Universidade em crise, de Renato Tapajós, gravado em 1965, e Estudantes
- Condicionamento e Revolta, de Peter Overbeck, registrado entre 1967 e 1968, retratam o contexto de vivência
e protestos estudantis universitários em pleno regime ditatorial.
Após a redemocratização, o foco de atenção se voltou para o interior das universidades, registrando os
descasos de infraestrutura, o seu cerceamento elitista, a pressão para abertura e estabelecimento de condições
4 NCA, VICENTE, Wilq (orgs.). Vídeo Popular: uma forma que pensa (Revista do Vídeo Popular n.1). São Paulo, 2008.
188
que beneficiassem os estudantes mais desfavorecidos em termos sociais e econômicos. Impulsionado pelo mo-
vimento da ABVP (Associação Brasileira de Vídeo Popular), o videodocumentário A experiência Cruspiana, de
Nilson Couto, lançado em 1986, aborda a criação e o histórico contemporâneo da moradia estudantil da USP,
o CRUSP. As entrevistas e registros de imagem de arquivo servem de alicerce para a representação da memória
de luta e da construção do espaço, das falas de estudantes que vivem o ambiente e da estigmatização que so-
frem.
Através dos videodocumentários analisados nesta pesquisa, que se expressam de acordo com o con-
texto histórico, com a revolução tecnológica, desejos artísticos e pelas campanhas políticas, a ideia de autorre-
presentação estabelece uma conexão com desejos de autonomia e iniciativa e com as novas tecnologias. Isso se
evidencia com o uso do formato digital, que amplia o acesso à produção, permitindo que indivíduos e coletivos
representem-se com um outro nível de qualidade de imagem e som. E tendo à disposição a internet e suas múl-
tiplas plataformas de emissão, distribuição e interatividade dos mais diversos materiais de audiovisual.
Tendo em vista esse contexto, o objetivo proposto é analisar os videodocumentários realizados por
universitários sobre moradias estudantis para que, junto com uma bibliografia específica e a realização de
entrevistas com os realizadores, investigar o processo de construção de uma autorrepresentação comunitária.
Assim, a pesquisa destaca nos discursos e registros desses vídeos imagens, texto e sons que compõem o ima-
ginário comunitário através de elementos como pertencimento, diversidade, vivência, convivência, memória,
identidade e reivindicação política.
Atualmente, a pesquisa está em desenvolvimento e alcançou resultados preliminares. A análise das
concepções de vídeo comunitário contemporâneo e de cinema de periferia perpassam os trabalhos de Clarisse
Alvarenga (2004), Gustavo Souza (2011) e Daniela Zanetti (2010). Estes estudos permitem verificar sintonias
entre a autorrepresentação de comunidades estudantis universitárias e as investigações acercas de comunida-
des periféricas demonstradas em análises de vídeos realizados por meio de oficinas de inclusão audiovisual.

Referências

ALVARENGA, Clarisse. Vídeo e experimentação social: um estudo sobre o vídeo comunitário contemporâ-
neo no Brasil. Dissertação de mestrado, Instituto de Artes da Unicamp, 2004.
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2003. 318 p.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...o que é mesmo documentário?. São Paulo, SP: SENAC São Paulo, 2008.
447p.
SANTORO, Luiz Fernando. A imagem nas mãos: o vídeo popular no Brasil. São Paulo, SP: Summus, 1989.
135p.
SOTOMAIOR, Gabriel de Barcelos. Cinema Militante, videoativismo e vídeo popular: A luta no campo do
visível e as imagens dialéticas da história. Tese (Doutorado em Multimeios). Instituto de Artes, Universidade
Estadual de Campinas. Campinas p. 393. 2014.
SOUZA, Gustavo. Ponto de vista em documentários de periferia: estética, cotidiano e política. Dissertação de
Doutorado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2011.

189
ANO 3000:
vídeo, gambiarra e afetividade na construção da obra1
Felipe de Aguiar Mendonça2

Resumo:
A pesquisa discorre sobre a feitura do curta-metragem experimental Ano 3000, apresentado como trabalho de
conclusão para o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará. Tal obra é executada a partir
de pesquisa sobre a relação entre cinema e vídeo, além disso, reflete sobre o cinema contemporâneo brasileiro,
suas estéticas e modos de fazer, com ênfase no seu caráter afetivo e no recurso chamado gambiarra. As pesqui-
sas, iluminadas por teóricos como Arlindo Machado e Iomana Rocha, visam discutir a feitura do filme, assim
como amparar reflexões acerca do contexto de produção dessa: independente e latino.

Palavras-chave: Afetividade; América Latina; Gambiarra.

O resumo expandido a seguir refere-se à pesquisa apresentada como trabalho de conclusão do curso de
Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará. Esta, um memorial, articula estudo teórico e estético
para dialogar com o fazer e pensar do filme Ano 3000 (2019), realizado e apresentado como produto prático
da pesquisa. Resumidamente, discutiremos aqui as relações entre cinema e vídeo e analisaremos o cinema de
garagem, termo cunhado para englobar certas práticas do cinema contemporâneo brasileiro.
Dentre as discussões pretendidas que a pesquisa e o filme levantam estão: os impactos sentidos pelo
cinema a partir da chegada do vídeo, em sua estética, narrativa e modos de fazer; a utilização de gambiarras na
visualidade e realização de filmes contemporâneos brasileiros e como isso denota diversos aspectos políticos e
sociais nestas obras; busca, ainda, pensar outro modo de produzir filmes na Amazônia, dispensando o título
de novidade ou vanguardismo, pensando no fazer alinhado ao cenário brasileiro contemporâneo.
Neste sentido, a partir da chegada do vídeo no cenário brasileiro, começa-se a pensar uma possível es-
tética para ele. Nota-se daí o início, segundo Ivana Bentes (2007), de uma “relação conflituosa” com o cinema,
intensa em suas primeiras décadas, em que videastas atestariam uma “modernidade que se esgotava” no mes-
mo, enquanto os cineastas desqualificariam o vídeo, para eles: um “mero suporte”.
Entende-se com base neste conflito o cinema como algo diferente do vídeo, apesar de um mesmo pro-
duto: o audiovisual. Pensando características únicas para a estética do vídeo, entendo-a como uma linguagem
livre - no que tange a rigidez dos materiais, das narrativas e dos fazeres - que tenciona constantemente a tradi-
ção do cinema3. Segundo Arlindo Machado (1997), o vídeo é um “sistema híbrido” e “O discurso videográfico
é impuro por natureza, ele processa formas de expressão colocadas em circulação por outros meios, atribuin-
do-lhes novos valores.”. Sendo então o vídeo detentor dessa linguagem impura onde não há certo ou errado,
limites e “o que se pode e o que não se pode fazer” (MACHADO, 1997).
Apesar de peculiaridades estéticas, ambos, em diversos momentos se confundem – enfaticamente na
contemporaneidade. Baseado nisto, buscando um conceito que abarcasse o vídeo, o cinema e outras formas
de fazer arte a partir de imagens em movimento, Machado (1997) propõe o termo “Arte do movimento”, esse
partiria de um entendimento lato sensu do cinema, analisando a etimologia da palavra - kínema-ématos +
gráphein, “escrita do movimento”. De acordo com ele estaríamos assim “diante de umas das mais antigas for-
mas de expressão da humanidade”, com isso seria cada vez mais difícil entender o cinema e o vídeo strictu sen-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará. E-mail: felipedea.mendonca@gmail.com
3 Importante delimitar o cinema a que se refere aqui. Esse diz respeito ao que André Parente chamou “Forma Cinema”, uma “forma
particular de cinema que se tornou hegemônica”; um conceito que daria conta de representar o cinema convencional e os três ele-
mentos que o constituem: “uma sala de cinema, a projeção de uma imagem em movimento e um filme que conta uma história em
cerca de duas horas” (2017), diz respeito também a uma “‘linguagem’ do cinema” que Arlindo Machado (1997) destaca como um
tipo de construção narrativa baseada na linearidade, continuidade e hierarquia dos cortes de câmera.

190
su. Esse conceito, então, englobaria diversos tipos de mídia, seja vídeo, cinema, computação gráfica, televisão,
gif, “seja lá o que for” (1997). Com isso, nota-se uma estética e linguagem em aglutinação, na qual vídeo, cinema
e fotografia se atravessam, resultando em algo diferente, base para pensar a construção de Ano 3000.
Em diálogo com o cinema contemporâneo brasileiro, a pesquisa e o filme propõem-se a estudar o no-
víssimo cinema, também chamado cinema de garagem. Apesar de certa indecisão na utilização dos termos,
ambos passíveis de problematização, eles visam representar, em linhas gerais, segundo Marcelo Ikeda (2012),
um novo modelo de produção: colaborativo, afetivo e de “baixíssimo orçamento”. Para Iomana Rocha (2017)
tal “cinema” é uma tendência, em que o modo de fazer e a linguagem se “reconfiguram” e “se reinventam”,
há nele a flexibilização do pensar o cinema, agora menos preocupado com os “rigores de qualidade típicos do
cinema mainstream” e “valorizando a potencialidade poética e discursiva das imagens”. Fruto dessa reinven-
ção e alternativa para o baixo orçamento está o que Eduardo Valente (2011) chama de “ação entre amigos”, tal
“conceito” diz respeito a um coletivismo, “um grupo de pessoas com laços pessoais de relacionamento que se
une para, juntos, efetivar uma ação”, além disso, “‘ação entre amigo’ tem também um sentido financeiro, onde
na ação está implicado menos ‘fazer’ algo do que ‘custear’ para que algo seja feito”.
Há, ainda, outro fazer atrelado ao escasso orçamento e aspecto fundamental deste cinema, a gambiar-
ra. Numa possível definição esta seria o produto, segundo Iara Regina Souza (2011), advindo de uma série de
eventos que envolvem soluções para necessidades imediatas, executadas sem ferramentas e matéria prima ide-
al, apropriando-se daquilo que se tem em mãos. Ela ainda comenta: “Alguma coisa de si sempre é colocada na
gambiarra”, atestado afetivo de quem o a produz (SOUZA, 2011). Rocha (2017) comenta, em relação ao cinema,
que a utilização da gambiarra está conectada ao ato de “se reinventar para sobreviver” e que esse recurso tem
se mostrado modo eficaz de transpor ideias de forma “poética, criativa e funcional”. Este também evidencia
“uma estética do artifício” (ROCHA, 2017), utilizado como alegoria, assumida estética e politicamente. Notado
o labor estético e afetivo empregado nesse processo, Rocha (2017) aponta nesses filmes uma “‘artesanalização’
do fazer cinematográfico”. Seria então a gambiarra arauto desta artificialidade, que flerta com o real, sendo um
improviso precário assumido intencionalmente por quem o faz. Um cinema cada vez mais autêntico, dialogan-
do com o precário inerente, agora ferramenta estética; inspiração para o fazer de Ano 3000.
No que tange a construção da obra, Ano 3000 é um filme experimental e amazônico, que busca as ar-
ticular questões estudadas acima. A “narrativa” é construída a partir da frase “o terceiro mundo vai explodir!”,
presente no filme O Bandido da Luz Vermelha (1968) de Rogério Sganzerla. Num terceiro mundo explodido
por uma bomba vinda do primeiro mundo, seres, talvez humanos, sobrevivem em restos. Lixo, pedaços de
metais, mato, pixel, cabos, galhos, o que resta é alimento e moradia. Híbridos, esses seres de boca prateada e
vestes improvisadas são relegados a viver em “cavernas” com seus lixos, crenças e memórias.
A obra é composta por sete trechos, essa forma de construção busca tencionar a narratividade, majoritária no
cinema. Possível e inspirada pela estética do vídeo que, como pontuado, desde sua chegada questiona aspectos
tradicionais do cinema. Propõe-se, ainda, a utilizar materiais diversos: fotos borradas – “descartáveis” -, Gifs e
o próprio vídeo (presente através de stories); consequência desses são suas texturas, então agregadas ao filme.
Tal experiência culmina em uma obra heterogênea, diálogo estético, narrativo e visual entre cinema e vídeo.
O vídeo põe em debate a tradição do cinema, “envenena” a obra, faz dela impura. Livre, pois vídeo, ainda que
cinema: “Arte do Movimento”.
No filme caminham perante a câmera seres esquecidos, com vestes em farrapos e bocas prateadas,
vivendo entre coletas e exílio em cavernas: o dormitório, depósito e refugio. A utilização da gambiarra é ne-
cessária e estética. A necessidade parte da inexistência de um orçamento – sem editais e poucos apoios -, a
estética advém do desejo por elementos visuais que dessem conta de construir uma alegoria que representasse
esse mundo distópico e reverbera-se no mundo, não distante deste, real, também terceiro mundo. Daí há a
construção de um processo útil-afetivo, em que elementos cotidianos e possíveis – desde o papel alumínio para
representar bocas de metais e rituais fúnebres, à oficina de meu pai, depósito de todos os restos que um dia
poderiam ser uteis para suas gambiarras, no filme: as “cavernas” - se integram à obra, visual e esteticamente,
assumindo a precariedade desse processo. Que assumir seja provocar, fazer pensar quem são os agentes e qual
cinema é esse, amazônico e latino-americano, “faminto”.
Em sua Eztétyka da Fome, Glauber Rocha (1981) evoca a importância de se assumir e aceitar como
191
terceiro mundo. Para ele a “fome latina”4 é mais do que sintoma, “é o nervo de sua própria sociedade” e a
autenticidade parte da própria fome, que apesar de sentida por todos não é compreendida na mesma escala
(ROCHA, 1981). Dialogando com Glauber, ser amazônico, latino-americano, é se entender como “faminto”,
entender que sua situação cultural, política, etc. advêm dessa fome e que aí está a potência dessa cultura, para
nós, desse cinema. Podemos enxergar com isso uma possível subjetividade latino-americana, noção que surge
para colocar em cheque a dominância cultural estabelecida pelo colonizador - o primeiro mundo - enquanto
valoriza e estabelece um novo patamar para a cultura latina, terceiro mundista.
Uma obra, embora pobre, livre. A busca por uma estética sem rótulos, cinema, vídeo, o que seja, a
liberdade para as texturas, materiais, narrativas, tempos, fluxos. Assumir e aceitar quem e o que é, entender
a importância do ato, existir independente do orçamento e resistir, cultural e politicamente. Ano 3000 surge
como pesquisa e obra para refletir sobre esses fazeres.
A confusão entre cinema e vídeo denota novos caminhos para ambos. Surge, então, novas possibili-
dades para o fazer: heterogêneo, todas as formas, narrativas e materiais são plausíveis, o experimentar guia o
fazer. Processos como a gambiarra escancaram uma precariedade do cinema brasileiro, ao passo que desvelam
um cinema político, que contesta e discute modos de fazer e existir. Tais apontamentos indicam como o cinema
amazônico pode conectar-se com a cinematografia nacional.
Entendendo isso a pesquisa e a obra propõe caminhos para o diálogo, com os modos precários desse
cinema, que ainda que aparentemente prejudiciais, são também alternativas ao modo imposto pelo coloniza-
dor – primeiro mundo -, a ponte para o cinema “faminto”. Propõe também estimular o conhecimento de todas
as possibilidades da “Arte do Movimento”. Caminhos para pensar o cinema feito AQUI, em conjunto com o
cinema feito no Brasil. Que os caminhos não tenham fim, nem os afetos, menos ainda a liberdade.

Referências

BENTES, Ivana. Vídeo e Cinema: Reações, Rupturas e Hibridismo. In: MACHADO, Arlindo (org.). Made in
Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras, 2007.
IKEDA, Marcelo. O “novíssimo cinema brasileiro”. Sinais de Renovação. 2012. Disponível em: https://jour-
nals.openedition.org/cinelatino/597. Acesso em 17/12/2018.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-Cinemas. Campinas – SP: Papirus, 1997.
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1981.
ROCHA, Iomana. A Gambiarra e o Alegórico no Cinema Contemporâneo Brasileiro. In: Arteriais n.04, Be-
lém, Ica – UFPA, 2017.
SOUZA, Iara Regina. A Gambiarra: O Devir artefato. Belém, 2011.
VALENTE, Eduardo. Ação entre amigos: Opção, afirmação ou necessidade. In: Cinema brasileiro anos 2000,
10 questões. São Paulo, 2011.
PARENTE, André. A forma cinema: variações e rupturas. In: MACIEL, Kátia (org). Transcinemas. Rio de
Janeio: Contra Capa, 2017.

4 Entendo por fome: miséria e subdesenvolvimento da região, herança de exploração e colonização.


192
OS CONCEITOS DE REALIDADE
NA CONSTITUIÇÃO DA FOTOGRAFIA:
análise do ensaio fotográfico
“Abandono, patrimônio e pertencimento”1
Lucio Silva de Jesus2
Joyce Layanne do Nascimento Nunes3
Petronilio Filipe Costa Ferreira4

Resumo:
Partindo do princípio de que o processo de produção fotográfica envolve a construção de realidades num
plano imaginário (contextual) e real (materialização da fotografia), analisaremos o ensaio fotográfico “Aban-
dono, patrimônio e pertencimento”, que retratou a obra da Biblioteca Central na UFMA paralisada em 2012.
Utilizam-se conceitos de construção de representações na constituição da imagem. Observa-se que as leituras
das representações contextualizam a época, conjuntura política e social no tempo/espaço da obra fotografada,
caracterizando um primeiro plano, enquanto o segundo dá-se no instante do “click” cristalizando um contexto
escolhido pelo filtro cultural do fotógrafo.

Palavras-chave: Representações; Fotografia; Ensaio fotográfico

Introdução

A fotografia como mecanismo de levantamento de discussões político-sociais tem sido utilizada em


larga escala. Jornais e revistas, redes sociais, profissionais da fotografia e pessoas comuns produzem, propa-
gam e discutem o universo de imagens obtidas diariamente. O Curso de Comunicação Social da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA) possui uma disciplina de Fotojornalismo, que objetiva ensinar os processos
e usos da fotografia no cotidiano e na reportagem, assim como seus aspectos técnicos e jornalísticos. Fruto
das vivências em ambiente universitário e sob orientação das diversas abordagens da fotografia ensinadas no
curso, surge um produto diferente na disciplina. O ensaio fotográfico intitulado “Abandono, patrimônio e per-
tencimento”5 agregou estudos técnicos e teóricos da fotografia obtidos pelo aluno Lucio Silva, com o potencial
artístico-performático da aluna de Artes Visuais da UFMA e modelo drag queen Há Venna, à problemática do
abandono da obra da Biblioteca Central da referida Universidade.
Dado o contexto de crise vivenciado no cenário nacional nos últimos anos, impactando diretamente
a continuidade da construção de 252 obras em 44 instituições federais de ensino superior (IFES), por todo o
Brasil6, com cortes de verbas e contingenciamento de investimento em educação superior, aliado às diversas de-
núncias de esquemas de corrupção, veio a inquietude: os cortes de verbas para conclusão das obras são justos?
Até quando os alunos das IFES devem esperar um consenso da conjuntura política em relação à continuidade
das obras?
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Autor do presente trabalho, graduando do curso de Comunicação Social (Relações Públicas) da Universidade Federal do Mara-
nhão, membro do Grupo de Pesquisas e Práticas Jornalísticas, luciosilvarp@gmail.com
3 Co-autora do presente trabalho, graduanda do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Federal do Maranhão,
membra do Grupo de Pesquisas e Práticas Jornalísticas, layanne.jnunes@gmail.com
4 Co-autor do presente trabalho, graduando do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Federal do Maranhão,
membro do Grupo de Pesquisas e Práticas Jornalísticas, filipeslz@globomail.com
5 Fotografias disponíveis em: https://drive.google.com/open?id=1zTmrhlUX_mZukkmFSLqeogu4PqWHYZRQ; Matéria veiculada
em jornal local: https://www.youtube.com/watch?v=leQu56jdyWY
6 Levantamento da Rede Globo em matéria veiculada no portal G1: https://g1.globo.com/educacao/noticia/mais-de-250-obras-es-
tao-paradas-em-44-universidades-federais-do-pais.ghtml
193
Essas inquietudes conclamaram o estudante Lucio Silva de Jesus a chamar atenção do poder público,
autoridades e setores competentes, através de um produto para a disciplina envolvendo um ensaio fotográfi-
co na obra de construção abandonada do prédio da Biblioteca Central da UFMA. Orçada em R$ 1,5 milhão
dos cofres públicos e alvo de diversas denúncias, a biblioteca segue se deteriorando com a ação do sol, chuva
e depredação. Pensando nisso, os estudantes objetivaram juntar a performance artística da personagem drag
queem em um ensaio fotojornalístico, utilizando a arte como forma de protagonismo denunciativo.

Base teórica de reflexão: aspectos de constituição da imagem

As denúncias sobre problemas sociais que envolvem questões relacionadas ao descaso do Estado, desa-
tendimento a uma demanda social, obra de escola, posto de saúde ou algo semelhante está sendo naturalizado
como hábito pelas pessoas. É cada vez mais comum, sobretudo com a facilidade do acesso à tecnologia somado
à conscientização política. A era da tecnologia atraiu cada vez mais pessoas às plataformas tecnológicas de
comunicação nas redes sociais, tornando-se potenciais participantes desse universo de produção de informa-
ções. Castels (1997, p. 39 e 42) reforça que há uma penetrabilidade da era da tecnologia “em todas as esferas das
atividades humanas”, e que “uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação começou
a remodelar a base material da sociedade”. O advento da tecnologia com foco em facilitar a comunicação tem
tido cada vez mais aceitabilidade. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE– em pesquisa
realizada em fevereiro de 2018 pelo Suplemento de Tecnologia da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio
Contínua, destacam que 94,2% dos brasileiros usam a internet para trocar textos ou imagens.
Com isso, nota-se que o uso da tecnologia no universo da fotografia, representa apenas um recorte do
processo de constituição da imagem fotográfica, conceituada por Boris Kossoy como “a produção da obra foto-
gráfica propriamente dita, por parte do fotógrafo” e do processo de construção da interpretação fotográfica “a
recepção da obra fotografada por parte dos diferentes receptores, suas diferentes leituras em precisos momen-
tos da história” (KOSSOY, 2009, p. 41)
Kossoy (2003) resume o processo de constituição da imagem em três etapas: o assunto, o fotógrafo e
a tecnologia. “O produto final, fotografia, é resultante da ação do homem, o fotógrafo que, em determinado
tempo, optou por um assunto em especial e que, para seu devido registro, empregou os recursos oferecidos pela
tecnologia”. (KOSSOY, 2003, p.37). Sendo assim, a produção da obra fotográfica compreende:
Um conjunto de mecanismos internos de produção de construção da representação, concebido con-
forme uma certa intenção, construído e materializado cultural estética/ideológica e tecnicamente, de
acordo com a visão particular de mundo do fotógrafo (KOSSOY, 2009, p. 42)

Aspectos da primeira e segunda realidades

Toda fotografia engloba uma realidade ou história oculta/interna a ser contada, refletida apenas no
universo da representação visual. Considerando as imagens do ensaio fotográfico “Abandono, patrimônio e
pertencimento”, percebe-se que a utilização da personagem Drag Queen, negra, estudante e diretamente afe-
tada pela não construção da biblioteca, associada à percepção imagética da obra abandonada gera inúmeras
interpretações. O contexto político-social e a crise reforçam a percepção de repulsa à política. Essas percepções
ou interpretações podem ser as mais variadas em torno do assunto em questão e inicialmente estão apenas na
primeira realidade, no plano interno, imaginário e visual.
A recepção da imagem subentende os mecanismos internos do processo de construção da interpre-
tação, processo esse que se funda na evidência fotográfica e que é elaborado no imaginário dos re-
ceptores, em conformidade com seus repertórios pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas con-
cepções ideológicas/estéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos,
profissionais, seus mitos (KOSSOY, 2009, p. 44).

O instante do registro compreende, portanto, uma segunda fase perceptiva da construção de realida-
des. A imagem obtida retrata não só a construção de uma realidade filtrada, enquadrada, recortada, organizada

194
pelo imaginário do fotógrafo, como cristaliza o momento de acordo com sua visão e concepção de mundo. O
fotógrafo apropria-se do objeto fotografado, recortando-o através de suas próprias leituras e visões de mundo.
“Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mun-
do, semelhante ao conhecimento — e, portanto, ao poder” (SONTAG, 2004, p. 8).
A junção de uma obra abandonada à representação artística de uma personagem Drag Queen faz parte
do processo de construção de uma realidade que vem do filtro do fotógrafo. Kossoy ressalta ainda que há um
confronto entre as realidades construídas no imaginário das pessoas e no documento/fotografia registrada.
“Há um confronto entre o documento presente (originado no passado) com o próprio passado intangível fisi-
camente, apenas mentalmente, subjetivamente” (KOSSOY, 2009, p. 46).
Diante disto, nota-se que o potencial artístico-performático da personagem foi essencial para a cons-
trução de ambas as realidades. O tom artístico traduziu um processo criterioso de composição presente na
realidade construída pelo fotógrafo, caracterizando o segundo plano apontado por Borys Kossoy. O autor
ressalta também que a fotografia já nasce delimitada para um fim específico. Nesse assunto, Rancière (2005) e
Benjamin (1975) enfatizam que a arte deve ter uma conotação política. A alma da obra está na politização das
mazelas sociais. Entendem os autores que, ao se postar diante da fotografia, o observador fica livre para enten-
dê-la da melhor forma, de acordo com as suas percepções. “Inquietam aquele que os olha: a fim de capacitá-los,
o espectador prevê que lhe é necessário seguir um determinado caminho” (BENJAMIN, 1975, p.19).

Resultados preliminares e possibilidades de pesquisa

Identificar o processo de construção de realidades, em seus primeiro e segundo planos compreende


uma análise inicial desta pesquisa, no entanto julgamos importante explorar diversos outros fatores como
a distância do fotógrafo entre as duas realidades (imaginada) e obtida (materializada, o instante do click). O
problema apresentado não pretende julgar ou definir a fidelidade da interpretação do registro fotográfico, mas
compreender como acontecem as análises fotográficas e as distâncias entre a primeira e segunda realidades do
processo constitutivo da fotografia em análises de outras fotografias. É necessário analisar também as relações
entre as linguagens que reúnem aspectos do fotojornalismo e da performance-artística da personagem drag
queen. Além disso, notamos, subjetivamente, que não podemos nos ater apenas às interpretações apresenta-
das no processo de construção de realidades. A realidade é um processo construído no espaço-tempo e nesse
universo temos diversas formas de concepções, principalmente na interpretação através de filtros pessoais.
A realidade demonstrada no ensaio fotográfico “Abandono patrimônio e pertencimento”, em que a união de
um problema político social, aliado a uma personagem que carrega consigo uma representação de questões
relacionadas ao gênero e outras demandas sociais reforça o caráter simbólico, em que a personagem, enquanto
componente do movimento de resistência ao preconceito, discriminação, igualdade de oportunidades e outras
questões sociais vão de encontro com o “esquecimento” de demandas extremamente importantes.

Referências

CASTELLS, Manuel. Prólogo: a Rede e o Ser. In: CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e
Terra, 1999, p. 39-44.
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Trad.: Rubens Figueiredo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.
BENJAMIN, W.; HORKHEIRMER, M.; W. ADORNO, T.; HABERMAS, J. Os pensadores. Trad.: José Grün-
newald. 1º ed. São Paulo, SP: Abril S/A Cultural e Industrial, 1975. p. 9-34.
RANCIÈRE, Jacques. Será que a arte resiste a alguma coisa? In: LINS, Daniel (org.). Nietzsche, Deleuze, arte
e resistência. Forense Universitária: Prefeitura de Fortaleza, 2007. Disponível em: https://we.riseup.net/as-
sets/94242/versions/1/sera que a arte resiste a alguma coisa ranciere.pdf.

195
A arte como ferramenta do processo
criativo na fotografia autoral1
Karla Noronha2

Resumo:
Este trabalho apresenta uma experiência vívida em um curso de fotografia artística que ainda está em curso.
O ensino da arte e educação tem permitido aprender e evoluir enquanto profissional de fotografia. Além disso,
amplia a capacidade de percepção e desenvolvimento de uma poética artística e visual permitindo a construção
de um trabalho fotográfico mais contextualizado e coerente a partir do estudo da arte e aplicação em atividades
práticas de fotografia.

Palavras-chave: Fotografia Autoral; Fotografia Artística; Fotografia; Fotografia Híbrida.

Desde as décadas de 60 e 70 a fotografia vem sendo utilizada com estratégia e ferramenta no processo
criativo de produção de imagens tanto de forma pensada quanto em experiências sem interferência direta do
artista. Cotton (1993) afirma que o processo artístico da fotografia contemporânea começa com uma ideia
criativa que se desdobra em um planejamento técnico gerando uma criação artística ou um ato artístico que
“consiste em direcionar para a câmera um evento especialmente para a câmera” (COTTON, 1993, p. 21).
Para a autora a arte conceitual na fotografia retrata as coisas e o cotidiano criando realidades alterna-
tivas (ficção) a partir de um fato dando mais profundidade a vida cotidiana. Esse processo é espontâneo ou
premeditado permite aos artistas produzir obras de arte mais críticas que são representadas de forma bidimen-
sional, uma foto emoldurada na parede, e tridimensional, quando fazemos interferências nas imagens como
uma forma de intervenção artística. Aqui vale pensar em como a arte pode ser um suporte de estudo e criação
para a fotografia produzida na atualidade.
A fotografia como arte abre as portas para uma experimentação infinita de elementos de composição
visual e material, utilizar técnicas padrão para alcançar resultados diferentes. Impressão, expressão, significado
e sentimento são elementos chave para que o processo de criação na fotografia artística possa ser realizado.
[...] a fotografia se tornou um veículo central na disseminação e na comunicação de maior amplitude
das apresentações artísticas, assim como de outros trabalhos de arte temporária. No âmbito da prá-
tica da arte conceitual, as motivações e os estilos dessa fotografia nitidamente diferentes dos modos
já consagrados pela refinada fotografia de arte [...] (COTTON, 1993, p. 21).

Sendo assim, a fotografia artística nos permitem transgredir o modo tradicional de enxergar e pensar o
mundo estimulando a experimentação entre a realidade e a ficção, o mundo das ideias. No processo de busca
de identidade visual a fim de ampliar a produção de fotografia autoral faz-se necessário se desalojar da superfí-
cie da vida cotidiana e da natureza essencial para desenvolver trabalhos de campo experimentais em que a arte
conceitual e a poética visual nos forçam a repensar o processo de criação de imagens.
Dentro desse contexto, o curso de extensão em Fotografia artística do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Paraíba - IFPB tem tido um papel fundamental nessa caminhada de construção de
uma linguagem fotográfica mais conceitual pois estimula através das aulas teórico-práticas o pensar e fazer
fotográfico a partir da reflexão sobre o que a imagem pretende representar, como ela será abordada e que tipo
de fotografia artística queremos construir: documental, interpretativa ou a combinação desses dois aspectos.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 3 - Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Professora Substituta na UFPB, coordenadora de pós-graduação na FABREC – Fábrica de Ensino Continuado, mestra em Co-
municação pela UFPB, aluna do curso de extensão em Fotografia Artística, atua como arte educadora pela FUNJOPE, professora
de fotografia no SENAC-PB. Participou de exposições coletivas e individuais na Usina Cultural Energisa, IFPB, Casarão 34, Salão
Nacional de Fotografia Pérsio Galembeck 2017 em Araras - SP e ExpoSesc Paraíba 2017, 1º lugar na categoria Fotojornalismo no
Prêmio ALPB de Jornalismo 2014. E-mail: noronhakr18@gmail.com

196
Durante o curso tem-se buscado desenvolver uma poética artística e visual com o intuito de desenvol-
ver projetos de fotografia autoral a partir de uma perspectiva da arte. Este processo inclui saídas fotográficas e
exposições coletivas dentro e fora do IFPB permitindo que os participantes do curso possam pôr em prática os
conceitos de arte aprendidos bem como ter a real percepção da própria evolução enquanto fotógrafo e artista
visual. (BITTENCOURT, 2018, p.7) afirma que “a arte é um terreno fértil para inúmeras possibilidades, apro-
priações, encontros, conexões, transversalidades”.
Uma das possibilidades de experimentação foi trabalhar com a fotografia híbrida, que de acordo com
(BITTENCOURT, 2018, p.38) “tem ênfase no fazer, misturando a fotografia com alguma outra coisa, subver-
tendo modelos já estabelecidos e criando diálogos únicos e complexos entre o artista e o seu processo criativo”.
As fotografias híbridas apresentadas receberam interferência de vários materiais para que pudéssemos expe-
rimentar uma produção artística e visual além da fotografia tradicional. Vidro, grade de ferro, café solúvel,
giz do tipo Oil Pastel, moedas, casca de ovos, remédios e alimentos foram alguns dos produtos utilizados nos
processos de intervenção fotográfico.

Fotografia Híbrida: atividade experimental

Foto: Rejane Ribeiro Foto: Hélder Nóbrega

Fotos: Karla Noronha e Wallison Medeiros

Foto: Hélder Nóbrega

No caso da autora desse trabalho participar do curso tem oferecido a possibilidade de enxergar a foto-
grafia autoral além do simples registro do cotidiano. Tem-se buscado a percepção de produzir fotos sobre ma-
nifestações culturais, fotografia de rua, pessoas através de uma perspectiva mais poética e contextualizada com
o intuito de envolver o espectador na história apresentada na imagem. Elementos visuais de composição como
cores, texturas e formas geométricas têm auxiliado no processo criativo de construção imagética bem como a
mescla entre realidade e ficção para ampliar o processo de criação e interpretação das imagens produzidas.

197
Série: Calle

Fotos: Karla Noronha

Além da produção de fotografia autoral também surgiu a necessidade de elaboração de uma série de
autorretratos, que ainda está em fase inicial, a partir do estudo do fazer artístico na fotografia bem como as
intervenções que podemos fazer nas fotografias para que o trabalho autoral adquira identidade e status de arte.
O olhar de dentro surge pela prática cumulada ao longo do tempo; e o olhar de fora, pelo questio-
namento direcionado às motivações e aos sentimentos que tanto provocam ou foram provocados
pelos incontáveis atos fotográficos construídos. [...] o objeto de estudo ganha uma dimensão mais
complexa quando duas formas de abordagem, interna e externa, surgem simultaneamente (SILVA,
2016, p. 24).

A série de autorretratos é um relato pessoal de sentimentos pessoais, é uma representação da minha


evolução e reconstrução enquanto mulher e ser humano com fotografias coloridas e preto e branco, forte con-
traste entre luz e sombra e manipulação de imagens para descrever a percepção e mudança do EU através de
um processo de autoconhecimento estimulado e provocado pela arte e fotografia.

Série: Infinito Particular

Fotos: Karla Noronha


O processo de construção de uma poética visual e artística é lento. Mas tem sido satisfatório porque

198
unimos a teoria e a prática. A professora do curso tem estimulado o processo criativo individual nos fazendo
repensar nossa maneira de fotografar e nos desafiando a ver e produzir fotos fora da zona de conforto a qual
estamos acostumados.
Vivenciamos desde o processo mais tradicional de pensar e produzir fotografia até as atividades que
nos levam a interferir e manipular fisicamente e digitalmente na fotografia. Dessa forma. O curso de Fotogra-
fia Artística nos tem feito despertar para um processo criativo de produção além dos métodos tradicionais de
fotografia nos estimulando a usar a arte para desenvolver imagens com mais sentimento e representatividade
sobre as nossas ideias.

Referências

BITTENCOURT, D. Fotografia Fine Art. 1. Ed. Santa Catarina: iPhoto Editora, 2017.
______. Fotografia Híbrida. 1. Ed. Porto Alegre: Gráfica Odisséia, 2018.
COTTON, C. A fotografia como arte contemporânea. 1. Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

199
UM FESTIVAL DE CINEMA ENQUANTO INTERMÍDIA:
a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo1
Nadia Cristina Biondo Costa2

Resumo:
Este artigo visa investigar a relação intermidiática entre festival de cinema e o cinema, com o intuito de com-
preender, a partir do método de análise pautado pela intermidialidade, como se estabelece a função de vitrine
de um festival. O evento analisado é a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que reúne diversas expe-
riências cinematográficas em diferentes edições do evento. A proposta se baseia na ideia de conceber a Mostra
de Cinema enquanto mídia que se relaciona com os filmes para além da temporalidade do evento, sugerindo
assim, a hipótese de que um festival de cinema exerce sua função de vitrine através ou apenas através de uma
relação intermidiática.

Palavra-chave: Intermidialidade, circulação de filmes, festival de cinema.

Segundo Chuck Tryon, em seu livro Cultura On-Demand (2013), o “festival de cinema se tornou um
lugar crucial de teorização sobre produção, distribuição, exibição e recepção de filmes” (2013, 4003/5576, tra-
dução nossa)3. No Brasil, os festivais de cinema aparecem tanto como, primeiro, uma vitrine para realizadores
e produções nacionais, quanto, segundo, um espaço alternativo para a circulação dos filmes que não alcançam
as salas comerciais espalhadas pelo país em função da predominância da distribuição de filmes estrangeiros
nas salas de exibição nacionais. Considerando o primeiro, podemos nos perguntar como se estabelece a função
vitrine de um festival? Para responder essa pergunta, este trabalho se propõe a analisar a relação do festival
de cinema com a circulação dos filmes a partir do método de análise baseado na intermidalidade, partindo da
hipótese de que um festival de cinema exerce sua função de vitrine através ou apenas através de uma relação
intermidiática. Para isso, optei por escolher a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo4 como locus empí-
rico para o artigo. A escolha se dá dentre outros eventos similares no país pelo caráter plural em que a Mostra5
se fundamenta, buscando incorporar diferentes suportes de exposição da temática “cinema”.

Intermidialidade e a Mostra
André Bazin, na década de 1950, propõe o termo impureza para debater as questões de essência, au-
tonomia e a especificidade do cinema (BAZIN, 1999), tal conceito vem sendo revisitado e pautado a partir da
intermidialidade nas discussões sobre o surgimento e encontro de diferentes mídias. Segundo Agnes Pethö
(2011), o caráter interdisciplinar e plural que o termo intermídia e intermidialidade carregam se desdobram em
diferentes abordagens e usos. Uma das possíveis abordagens elencadas por Pethö (2011, p. 41) é a intermidiali-
dade como um “ato performativo”:
Os textos teóricos de Henk Oosterling enfatizam esse aspecto da performatividade de vários pontos
de vista: da perspectiva do receptor, podemos dizer que a interpretação da intermidialidade requer
um observador ativo, disposto a participar da interatividade; Da perspectiva do artista intermidi-
ático do tipo vanguarda, temos o desejo de fazer uma afirmação (muitas vezes para passar uma
mensagem conceitual - não é de admirar que a performance possa ser vista como uma forma típica
de intermedialidade) e também, a partir de uma visão filosófica geral, podemos notar as diferenças

1 Artigo apresentado ao Grupo de Trabalho 3. Fotografia, cinema e vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Nadia Cristina Biondo da Costa, graduada em Comunicação Social – Rádio e TV (UFMA) e aluna de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos. email: ncbiondocosta@gmail.com
3 Play there fail to achieve any kind of theatrical distribution.
4 A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo surgiu em 1977 e foi oferecida pelo Departamento de Cinema do Museu de Arte
de São Paulo (MASP) como parte das comemorações de aniversário de trinta anos do museu.
5 Opto por utilizar “Mostra” com “M” maiúscula para me referir especificamente sobre a Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo.
200
tensionais dos meios de comunicação dentro dos fenômenos de intermedialidade. (OOSTERLING6
apud PETHÖ, 2011, p. 42, tradução nossa).7

Ao considerarmos os aspectos da performatividade que Pethö (2011) descreve a partir de Oosterling


(1998), o participante do festival de cinema pode ser esse agente disposto a interpretar a intermidialidade pre-
sente na Mostra de forma ativa, na busca de vivenciar o máximo de experiências disponibilizadas pelo evento,
gerando um acúmulo de referências e interpretações que outras vivências cinematográficas podem acionar em
outro momento. Com isso, podemos inferir se o festival de cinema enquanto uma mídia/intermídia tem papel
performático em relação ao cinema.
Jay David Bolter e Richard Grusin (1999) vão afirmar que as novas mídias não são “agentes externos
os quais vem perturbar uma cultura desprevenida. Elas emergem dentro do contexto cultural e reformulam
outras mídias que estão envoltas do mesmo contexto ou contextos similares” (1999, p.18, tradução nossa)8. Os
festivais de cinema como a Mostra, parecem materializar essa emersão citada por Bolter e Grusin, a partir do
encontro/confronto de diversas formas de experimentar o cinema. Por exemplo, o participante pode assistir a
um filme em uma sala, no parque ao céu aberto ou no vão do MASP, assim como pode debater na fila de espera,
discutir em uma masterclass ou ouvir declarações de realizadores sobre os filmes que marcaram suas vidas.
Tryon (2013) ressalta a importância dos paratextos produzidos pelos realizadores dos filmes como me-
canismos que interferem ou sugerem a interpretação preferencial ou a intenção que o realizador tem com o
filme. O autor chama de paratextos os materiais produzidos em função do festival, esses “paratextos oficiais
prestam um papel vital na produção de sentido e, no caso dos festivais, programas, pôsteres e outros materiais
promocionais ajudam a reforçar o festival como um lugar de espetáculo” (TRYON, 2013, 3717/5576, tradução
nossa)9. Os materiais produzidos, oficiais ou não, ressaltam o caráter intermidiático em que a Mostra se fun-
damenta e fazem com que a experiência do festival perdure não só para além da localidade do evento, mas
também do período de acontecimento. O que demonstra como os festivais de cinema estão inseridos em uma
lógica de práticas culturais que se relacionam com diferentes mídias.

A Mostra enquanto Prática Social


Luciana Corrêa de Araújo (2015) ao analisar os paratextos criados em torno da exibição do longa-me-
tragem Augusto Annibal quer casar! (Luis de Barros, 1923) enfatiza como o filme “incorpora todo um circuito
de práticas, acontecimentos e fenômenos (...) além de articular setores e categorias da esfera cinematográfica,
relacionando produção, exibição, curta e longa-metragem, ficção e não ficção” (ARAÚJO, 2015, p.63). Com isso,
a autora nos permite pensar que ambos, filme e Mostra, se estabelecem em um contexto plural, em uma “dinâ-
mica de articulações entre diversas práticas culturais, nas quais o cinema se insere” (ARAÚJO, 2015, p.71).
Bolter e Grusin (1999) ao trabalharem os conceitos de imediação, hipermediação e remediação, nos
permitem pensar a interação e presença que os festivais de cinema exigem dos seus participantes a partir de
um desejo de imediação entre cinema e espectador - considerando como participante tanto o público quanto
os realizadores dos filmes e do evento. Em 2009, a Mostra realizou o que ela denominou como o Primeiro Fes-

6 Cf. OOSTERLING, Henk. 1998. Intermediality. Art between Imagens, Words and Actions. In. Think Art. Theory and Practices in
the Arts of Today, eds. Marí Bartomeu and Jean-Marie Schaeffer, 89-100. Rotterdam: Witte de With, Center dor Contemporary Art.
7 Henk Oosterling’s theoretical writings emphasize this aspect of performativity from several points of view: from the perspective
of the receiver we can say that the interpretation of intermidiality requires an active viewer. willing to participate in interactivity;
from the perspective of the avant-garde type intermidia artist we have the desire to make a statement (often to deliver a conceptual
message - no wonder that performance can be seen as a typical form os intermediality), and also from a general, philosophical view
we can note the tensional differences of media within phenomena of intermediality.
8 New digital media are not external agents that come to disrupt an unsuspecting culture. They emerge from within cultural con-
texts, and they refashion other media, which are embedded in the same or similar contexts.
9 These official paratexts serve a vital role in the production of meaning; in the case of festivals, programs, posters, and other pro-
motional materials help to reinforce the festival as a site of spectacle.
201
tival Online10 do mundo em parceira com o The Auteurs/Mubi11. Esse experimento ressalta a pluralidade que o
evento busca proporcionar aos participantes, buscando se alinhar com as tecnologias disponíveis de exibição.
Outra iniciativa similar foi a exibição de dezenove filmes em realidade virtual realizada em 2017, sendo dois do
brasileiro Tadeu Jungle, Rio de Lama (2016) e Fogo na Floresta (2017). Outra diversificação tecnológica presente
na Mostra é a exibição de encerramento do evento, ao ar livre no Parque Ibirapuera em São Paulo, que ocorre
há oito edições. Na sessão, a Mostra exibe filmes silenciosos em película, restaurados e acompanhados por uma
orquestra ao vivo, sendo alguns acompanhamentos com partituras inéditas. O que nos levas a terceira sugestão
proposta pelo trabalho: a defesa de um festival enquanto mídia.

A Mostra enquanto Mídia


Ao consideramos a Mostra como uma mídia, podemos sugerir que a experiência proporcionada pela
exibição do filme silencioso do começo dos anos 90 dentro da programação, principalmente sendo a exibição
de encerramento, remedia a experiência dos cineteatros dos primeiros-filmes, onde se apresentavam prólogos
antes das projeções dos filmes, muitos deles elaborados pelos programadores dos cineteatros. Outra experiência
que nos permite inferir a Mostra enquanto mídia é o lançamento da coleção de livros Os filmes da minha vida
(2009-2013), organizados por Leon Cakoff e Renata Almeida. A coleção de livros é fruto do ciclo de debates
homônimo que ocorrem na Mostra desde 2008 em parceria com a editora e livraria Imprensa Oficial. Os livros
são organizados com o conteúdo dos debates e os depoimentos que ocorreram durante a sessão do evento.
Podemos apontar a Mostra como uma mídia aos moldes do próprio cinema, um lugar permeado por
“entres”12, como Pethö (2015) sugere, onde os limites de uma mídia se borram com outras, revelando seu es-
tado de impureza, de mistura (BAZIN, 1999). Estado este que tem papel crucial na circulação dos conteúdos
que estão presente nas suas edições. Assim, podemos sugerir que sem a intermidialidade, sem a passagem ou
encontros dos filmes para/com outros espaços, outros meios, os filmes se findariam no evento. Com a criação
dos paratextos (TRYON, 2013) sobre os filmes em função do festival, os filmes que apenas galgam uma exibição
em um festival acabam por proporcionar uma sobrevida, um conteúdo além do filme.
Com isso, podemos pensar também a relação intermidiática entre os festivais ou eventos relacionados
ao cinema, por exemplo, quais características um evento aciona de outro a partir da circulação de um dado
filme entre eles? Podemos inferir sobre diferentes níveis de intermidialidade trabalhados em diferentes eventos,
por exemplo, festivais que trabalham filmes com maior chance de passarem em salas de cinema, ou trabalham
somente com curta-metragem ou apenas com filmes de não-ficção, como se dá a relação intermidiática neles?
Há essa relação? São perguntas que surgem, ao analisar a Mostra, para outros festivais ou outras janelas de
exibição e circulação de filmes, a partir de uma abordagem pautada pela intermidialidade.

Referências

ARAÚJO, Luciana Corrêa de. 2015. Augusto Annibal quer casar!: teatro popular e Hollywood no cinema silencioso
brasileiro. Alceu, v.16, n.31, julho/dezembro 2015, p.62-73.
BAZIN, André. Por um cinema impuro - defesa da adaptação. In. Cinema - Ensaios. Trad. Eloisa de Araújo Ribeiro. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1991. p. 82-104.
BOLTER, J. David.; GRUSIN, Richard. Remediation: understending new media. MA: The MIT Press, 1999.
PETHÖ, Agnes. Cinema and intermediality: the passion for the in-between. UK: Cambridge Scholars Publishing, 2011.
TRYON, Chuck. On-demand culture: digital delivery and the future of movies. New Brunswick, NJ: Rutgers University
Press, 2013. (Kindle Edition).

10 Informações sobre o Primeiro Festival Online do Mundo disponível em: https://mubi.com/pt/notebook/posts/sao-paulo-throu-


ghout-all-of-brazil ou http://41.mostra.org/br/jornal_interno/1645-MOSTRA-INTERNACIONAL-DE-CINEMA-TEM-O-PRI-
MEIRO-FESTIVAL-ONLINE-DO-MUNDO. Acessados em: 19 de julho de 2018.
11 Grupo hoje responsável pelo site Mubi uma plataforma de vídeo sob demanda que disponibiliza um catálogo de trinta filmes por
mês relacionados a diversos festivais e realizadores, no caso do Brasil, contam com a parceria da Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo e o Festival do Rio.
12 O termo trabalhado pela autora é “in-between” ou “inbetweeness”, sem tradução direta para o português. O que seria uma subs-
tantivação da preposição “entre”.
202
VIVER É PRECISO:
em busca de Iara1
Nayara Helou Chubaci Güércio2
Patrícia Cunegundes Guimarães3

Resumo:
O artigo parte do pressuposto de que o atual momento político mundial — em especial, na América Latina e no
Brasil — requer um aprofundamento dos estudos históricos de regimes autoritários por meio do instrumento
audiovisual. O artigo “Viver é preciso: em busca de Iara” estuda a construção da imagem de Iara Iavelberg no
documentário “Em busca de Iara” (Brasil, 91 min, 2014), por meio das narrações e das entrevistas versus as
intenções autorais de Mariana Pamplona, roteirista e sobrinha da personagem-título. O principal objetivo é
analisar o universo simbólico que organiza socialmente o que se pode enxergar no corpo feminino por meio
da audiovisualidade documental.

Palavras-chave: gênero; documentário; ditadura militar.

Assassinada pelo regime civil-militar brasileiro em 1971, Iara Iavelberg tornou-se uma figura feminina
reputada pelos movimentos de resistência ao totalitarismo no Brasil. No entanto, Iara ainda permanece des-
conhecida aos olhos da população brasileira em geral. Segundo a versão oficial divulgada à época, Iara havia
atirado contra o próprio peito ao perceber que seria capturada pelos militares. A teoria de suicídio pouco
convenceu peritos na área, tampouco sua família que, desesperadamente, buscou desvendar os detalhes de sua
morte. Apenas em 2003, a família conseguiu autorização para a exumação do corpo de Iara, abrindo, portanto,
um novo processo de investigação.
O valor social e a imagem que o cinema e a sociedade fazem da figura feminina sempre estiveram muito
atreladas ao fator estético e aos silenciamentos que marcam os processos da mulher enquanto indivíduo. No
caso específico de Iara, percebe-se uma figura marcada pela beleza física e profundamente atrelada a uma ou-
tra figura — desta vez, masculina e sob um viés afetivo — a do capitão Carlos Lamarca. Iara era também uma
guerrilheira, mas a memória popular parece apenas lembrar-se de seus lindos olhos e sorriso sedutor.
Este trabalho parte do pressuposto de que o atual momento político mundial — em especial, na Améri-
ca Latina e no Brasil — requer um aprofundamento dos estudos históricos de regimes autoritários por meio do
instrumento audiovisual. O artigo “Viver é preciso: em busca de Iara” estuda a construção da imagem de Iara
Iavelberg no documentário “Em busca de Iara” (Brasil, 91 min, 2014), dirigido por Flávio Frederico e roteiriza-
do por Mariana Pamplona, sobrinha da personagem título.
A produção documental contemporânea, sobretudo nos filmes em são os filhos, netos, sobrinhos ou
outros parentes que reivindicam a memória do período, com a utilização de imagens de arquivo privado e de
testemunhos, explora, “através dos gestos, das falas e dos movimentos do corpo dentro da cena” os anos da
ditadura na forma da falta: “falta de imagens, falta de documentos, falta da verdade, falta da memória” (MAR-
TINS e MACHADO, 2014, p. 71). Como avalia Beatriz Sarlo (2007), os parentes de militantes que sofreram
torturas, que foram vítimas de desaparecimento forçado ou que foram obrigados a viver no exílio estão deses-
perados com a história dos pais, avós, tios, porque, ali, a fratura não foi só a da ditadura, mas a forma como a
ferida se agravou pelo silêncio, pois muitas famílias se esforçaram em esquecer os desaparecidos.
É evidente que, para as vítimas ou seus familiares, montar uma história é um capítulo na busca de
uma verdade que, de toda maneira, a reconstituição dos fatos no modo realista-romântico não tem,
invariavelmente, condições de restaurar. A prática dessa narrativa é um direito e, ao exercê-lo, em-
bora subsista a parte incompreendida do passado, e a narração não consiga responder às perguntas

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade de Brasília, mestra em Comunicação e Sociedade, guercio.nayara@gmail.com
3 Universidade de Brasília, mestra em Comunicação e Sociedade, patriciacunegundes@gmail.com
203
que a geraram, a lembrança como processo subjetivo abre uma exploração necessária ao sujeito que
lembra (e ao mesmo tempo o separa de quem resiste a lembrar). A qualidade realista sustenta que a
acumulação de peripécias produz o saber procurado e que esse saber poderia ter um significado ge-
ral. Reconstituir o passado de um sujeito ou reconstituir o próprio passado, através de testemunhos
de forte inflexão autobiográfica, implica que o sujeito que narra (porque narra) se aproxima de uma
verdade que, até o próprio momento da narração, ele não conhecia totalmente ou só conhecia em
fragmentos escamoteados. (SARLO, 2007, p. 56)

A produção audiovisual, ao reivindicar a memória dos chamados “anos de chumbo”, criou, também,
formas de resistência generalizada, representando as ditaduras, tornando públicos os lutos familiares, resga-
tando as identidades e intervindo no processo de rememoração do passado. Como nos aponta Beatriz Sarlo, as
narrações testemunhais sentem-se confortáveis no presente porque é a atualidade que possibilita sua difusão,
quando não, sua emergência. “Os fatos históricos seriam invisíveis se não estivessem articulados em algum
sistema prévio que fixa seu significado não no passado, mas no presente” (SARLO, 2007, p. 114).
Nos filmes sobre períodos traumáticos na história de um país ou de uma região, fica nítida essa tomada
de posição. Se, logo após o fim das ditaduras na América do Sul (nos anos de 1980), os documentários traziam
uma carga política grande, com uma urgência de denúncia (e expectativa de que os processos de abertura polí-
tica nos países viessem com a condenação dos perpetradores de violações de direitos humanos), a partir do fim
dos anos de 1990, a urgência era outra: uma geração de filhos, sobrinhos, netos de vítimas de desaparecimento
forçado de militantes mortos ou desaparecidos, ou que nasceram no exílio, precisava entender sua própria
história, resgatar a identidade da família, do parente desaparecido. Além disso, os atores dessa história estão
morrendo, a maioria passa dos 70 anos de idade, portanto documentar o que se passou é uma tarefa premente.
A retomada do tema veio em forma do desejo de justiça, de reparação e de resgate de histórias, memórias e
identidades apagadas, dentro de um contexto regional de intenso trabalho de comissões de verdade e justiça, e
de abertura de arquivos da ditadura, em alguns países. Revisitar nosso passado está na ordem dia.
Este trabalho se propõe a analisar a imagem que o documentário passa de Iara Iavelberg por meio das
narrações e das entrevistas versus as intenções autorais de Mariana Pamplona. O principal objetivo é apre-
sentar a análise do universo simbólico que organiza socialmente o que pode-se enxergar no corpo feminino
por meio da audiovisualidade documental. Os objetos de análises deste artigo são: (1) a entrevista de Mariana
Pamplona realizada especificamente para esta pesquisa e (2) a exploração do material fílmico. Este trabalho
utiliza-se da análise de conteúdo sob a perspectiva lógico-semântica, dividindo-se em seis etapas:
- 1ª etapa: exploração do corpus: filme (entrevistas e narrações) e entrevista com a diretora do filme.
Contato exploratório, com o intuito de encontrar“pistas” do discurso.
- 2ª etapa: Seleção de unidades de análise: escolha de palavras-chaves por meio da repetição de vocábu-
los na narração e nas entrevistas.
- 3ª etapa: quantitativa: contagem numérica (frequenciamento) dessas unidades de significados (filme e
entrevista com a diretora).
- 4ª etapa: quantitativa: agrupamento das unidades de significados por personagem ou grupo de perso-
nagens.
- 5ª etapa: qualitativa: análise dos dados: relevância das palavras.
- 6ª etapa: qualitativa: interpretação dos dados por meio de triangulação de teorias: gênero, cinema
documentário e análise do discurso.
A partir do entendimento de que conteúdo narrativo e discurso — também de gênero — são indisso-
ciáveis, o arcabouço teórico utiliza-se das teorias de teoria e crítica feminista, de análise de discurso de teorias
de documentário.
A imagem de Iara Iavelberg sempre esteve atrelada à imagem de Lamarca. Os relatos sobre a ditadura
civil-militar no Brasil normalmente destacam os personagens masculinos e o documentário de Flávio Fre-
derico e Mariana Pamplona, que surgiu a partir dos registros da exumação do corpo da militante, no início
dos anos 2000, pretende resgatar a identidade de Iara. A imagem da guerrilheira é recomposta a partir de
entrevistas com familiares, documentos e imagens de arquivo. Apesar da tentativa de mostrar Iara como uma

204
personalidade independente, a maioria dos entrevistados termina reforçando a beleza de Iara e a relação que a
guerrilheira mantinha com Lamarca – a bela, a protegida, a preferida, a que chegou no acampamento em que
ele estava e imediatamente caiu nas graças do capitão. A escolha dos entrevistados também corrobora para um
perfil que destaca os estereótipos femininos: no geral, os homens dão depoimentos sobre o sorriso, o corpo,
a forma de se comportar. Apenas as mulheres entrevistadas falam da autonomia intelectual de Iara e outras
características não estereotipadas. Por vezes, o filme tenta equilibrar a imagem a imagem da Iara guerrilheira,
com a da Iara apaixonada, que desejava ser mãe. Mariana e Flávio são bem sucedidos quando avançam nas
investigações sobre a morte de Iara, derrubando a tese oficial de que teria cometido suicídio. No entanto, ao
tentar reconstruir a identidade da tia – que tanto parece admirar –, Mariana apenas reforça a imagem já con-
solidada de Iara Iavelberg, a da bela mulher companheira de Carlos Lamarca. Uma pergunta final, não respon-
dida, emerge destas análises: se os gêneros de Iara e Lamarca se invertessem, será que o documentário ainda se
preocuparia em retratar com tanta ênfase a vontade do protagonista de construir uma família?

Referências

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Rio de Janeiro - RJ: Civilização Brasileira, 2010.
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em Comunicação e Semiótica. ISSN 1982-2553, [S.l.], n. 28, dez. 2014. Disponível em: <https://revistas.pucsp.
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SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Le-
tras; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

205
TONS POR VIR:
do silenciamento à utopia de existir1
Raíssa Fernanda dos Santos Sales2
Antônio Gabriel Bernardes Mota3
Isis Morais Furtado Brito4
Thiago Kalebe Lima Diniz5

Resumo:
O ensaio fotográfico “TONS POR VIR: Do silenciamento à utopia de existir” expressa a construção e flexibi-
lidade da identidade negra, exibindo suas nuances e estereótipos racistas já disseminados no senso comum da
sociedade brasileira. Cada foto mostra parte do processo, como a captura de peça do espectro no qual aflora a
construção do sujeito enquanto indivíduo negro por meio de marcas sociais. Traçando um contraponto com
essa realidade, é dado destaque ao afrofuturismo, utopia que permite aos negros existirem no futuro, já que
o passado e o presente são muito cruéis. Na fundamentação teórica, foram utilizados os conceitos vinculação
social, racismo, identidade e representações do outro.

Palavras-chave: Afrofuturismo, racismo, identidade, vinculação social.

Compreendemos que há várias formas de construir a realidade e que os discursos e concepções atuais
sobre a imagem do negro estão conectados a estigmas do passado. E, apesar de parecer que estas referências vão
se perdendo com o passar dos séculos, na verdade, ganham apenas uma nova estrutura. Consideramos que a
mídia também faz parte dessa estrutura, uma vez que ela nos institui como sujeito e cria estereótipos em torno
da figura negra.
De acordo com Muniz Sodré (2007), as novas tecnologias de informação alteram o sentido espaço-tem-
poral da sociedade. Essas materialidades organizam nossas formas de vida sem que percebamos. Nesse sentido,
a mídia tem papel preponderante, pois ao falarmos de determinado “pôr em comum”, estamos nos referindo à
organização de modos de vida, tanto àquele que produz, quanto àquele que recebe. “Esse novo bios é a socieda-
de midiatizada enquanto esfera existencial capaz de afetar as percepções e as representações correntes da vida
social, inclusive de neutralizar as tensões do vínculo comunitário” (SODRÉ, 2007, p. 21).
A vinculação [...] não se define como um fazer contato, como algo colocado entre os seres, e sim
como a condição originária do ser, desde já atravessado por uma exterioridade que o pressiona para
fora de si mesmo e o divide. Aqui é o lugar social da interação intersubjetiva [...] (SODRÉ, 2007, p. 19).

Sendo assim, colocamos aqui a mídia como parte dessa exterioridade e a forma como pode interferir
na construção do sujeito. Percebemos que ainda há uma forte permanência de falsas representações acerca do
negro, por mais que atores negros tenham conquistado um espaço maior, grande parte de seus personagens
ainda é marcada pelo racismo e pelo estereótipo. Esse contexto afeta a identidade das pessoas negras.
[...] identidade não é apenas um assunto pessoal. Ela precisa ser vivida no mundo, num diálogo com
outros. Segundo os construcionistas, é nesse diálogo que a identidade é formada. Mas, não é dessa

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Fotografia, cinema e vídeo), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Estudante do 5° período de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão, participa do Laboratório Integrado de Pesquisa
e Práticas Jornalísticas do Departamento de Comunicação Social da UFMA e do projeto Olhares do Brasil. Email: raissasales41@
gmail.com
3 Estudante do 5° período de Rádio e Tv da Universidade Federal do Maranhão. Estagiário da empresa “É Papu – Marketing Mo-
derno”. E-mail: antoniogabrielradio@gmail.com
4 Estudante do 5° período de Rádio e Tv da Universidade Federal do Maranhão. Estagiária da empresa “Abacaxi Digital”. E-mail:
isismfurtadobrito@gmail.com
5 Estudante do 5° período de Relações Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Técnico em Design de Móveis pelo Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, IFMA - Campus São Luís - Monte Castelo. E-mail: thiaggokld@gmail.com

206
maneira que ela é vivenciada. De um ponto de vista subjetivo, a identidade é descoberta dentro da
própria pessoa, e implica identidade com outros. O eu interior descobre seu lugar no mundo ao par-
ticipar da identidade de uma coletividade (KUPER 2002, p.298).

A respeito do outro e coletividade, Lévinas diz que a Comunicação só é possível quando se percebe o
outro como diferente de nós mesmos. É por meio da Comunicação que se instaura o comum e que as pessoas se
instituem como sujeito (LÉVINAS, 1998). Diante disso, entendemos que é necessário perceber o sujeito negro
de outra forma da que nos é apresentada tanto pela própria sociedade, quanto pela mídia.
Na realidade, a relação com o outro nunca é só relação com o outro: desde já o terceiro está represen-
tado no outro; na própria aparição do outro, o terceiro já está a me olhar. Isto faz com que a relação
entre responsabilidade para com o outro e a justiça seja extremamente estreita (LÉVINAS apud
HADDOCK-LOBO, 2010, p. 88).

O comum é construído por meio da diferença. A partir dessa dinâmica, surge o processo comunica-
cional. Ainda de acordo com Lévinas, a ética se efetiva por meio da comunicação e da linguagem (LÉVINAS,
1998). Estabelecendo um diálogo com as ideias de Muniz Sodré e Lévinas, analisamos que é por meio do pro-
cesso de vinculação social que tudo acontece. Nesse sentido, a alteridade também atua de forma importante,
uma vez que os sujeitos vão construir a transcendência do outro e procurar entendê-lo. O ensaio TONS POR
VIR pretende cooperar para o entendimento da sociedade sobre a visão errada que a maioria das pessoas pos-
sui do sujeito negro e, na segunda etapa do ensaio, exaltar o afrofuturismo. Ao analisar as fotos, é preciso ver
além do conteúdo, mas o contexto que o constrói.

O Ensaio

Para a realização do ensaio fotográfico, foi convidada a atriz e estudante de Teatro da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), Brena Maria Amorim e o estudante de Direito da Universidade CEUMA,
Hakkinen Martins. No total, foram tiradas oito fotos, quatro de cada personagem do trabalho. Utilizamos o
espaço da V8 – Boutique Automotiva (Av. dos Holandeses, 6 – Calhau, São Luís) como locação, por conta da
iluminação e elementos cênicos do local.

Primeira etapa: A falsa imagem do negro criada a partir do racismo

As quatro primeiras fotos têm o objetivo de mostrar como o negro é visto pela maioria da população e
representado pela mídia. Os modelos usaram roupas simples que remetiam à empregada doméstica, no caso da
atriz, e à figura criminosa, no caso do ator. Foram utilizados objetos cênicos como vassoura e faca para repre-
sentar essa ideia.

Segunda etapa: Afrofuturismo – a utopia de existir

“Esse movimento de transformar o presente, recriar o passado e projetar um novo futuro através de
nossa própria ótica é o afrofuturismo” (KABRAL, 2017). Nessa lógica do Fábio Kabral, escritor afrofuturista
brasileiro, o afrofuturismo busca imaginar a existência dos negros em um futuro, se distanciando de constru-
ções e estereótipos que diminuem a raça em diversos aspectos. Visto como um movimento, mas sendo pensado
como uma filosofia ou um conceito que reflete na arte, dança, música, cinema, literatura e política, o afrofutu-
rismo tem aspectos estéticos muito característicos que carregam todo o conceito do movimento e que foram
aplicados no ensaio “TONS POR VIR”.
“Afrofuturismo é traçar o seu próprio caminho como pessoa preta no mundo por meio da sua arte, por
meio da sua escrita. Afrofuturismo é africanizar o seu próprio caminho daqui por diante” (KABRAL, 2017).
Nesse sentido, a estética utilizada para criar uma identidade visual que remete ao movimento afrofuturista
prioriza dois aspectos principais: a cultura negra e tecnologia. Tudo é pensado com o objetivo de remeter a

207
um povo negro que vive em um futuro onde os negros sobreviveram e é uma raça, entre outras características,
tecnologicamente desenvolvida.
“O Afrofuturismo, orientado pela Afrocentricidade, nos convida a entender que os povos africanos é
que são os pioneiros da escrita, da ciência, da filosofia e das artes” (KABRAL, 2017). Dito isto, a utilização de
roupas que se mesclam entre o passado e o presente é intensificada. Para remeter o passado, é dado ênfase à
cores e estampas bem característica das tribos africanas. Ancestralidade é algo extremamente levado em con-
sideração dentro da estética afrofuturista.
Para caracterizar o futuro, é trazido marcas como tatuagens, pinturas, brincos, colares e pulseiras, tudo
isso aliado à tecnologia e a presença de metal, com predominância de cores como dourado e prata, membros
robóticos e penteados de cabelo característicos do povo negro.
O ensaio “TONS POR VIR” visou uma produção que contemplasse tais aspectos e fosse de viável rea-
lização. Os adereços utilizados pelos modelos foram confeccionados pelos integrantes da equipe, assim como
o processo de caracterização e as demais etapas de captação e edição. A equipe buscou utilizar a cor prata e o
contraste com mais cores artificiais adicionadas no ensaio para obter um resultado que remetesse ao conceito
do afrofuturismo. O tratamento das fotos foi utilizado apenas para realçar as cores originais e melhorar a qua-
lidade da imagem, nenhuma alteração drástica foi realizada e o ensaio se manteve fiel ao conceito original.
Em exposição, as fotos da primeira etapa do processo (estereótipo) e da segunda etapa (afrofuturismo),
devem ser colocadas lado a lado, para dar a ideia de contraste entre essas duas ideias, valorizando o conceito
afrofuturista.

Referências

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imagem da mulher negra. In: _______ Mídia e racismos, negras e negros: pesquisas e debates. Petrópolis, RJ:
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SODRÉ, Muniz. Sobre a episteme comunicacional. Revista Matrizes. N. 1 outubro 2007.

208
O CINEMA E A NARRATIVA DO ENCONTRO:
novas perspectivas a partir de O Abraço da Serpente1
Renata Carvalho Silva2

Resumo:
A proposta de trabalho aqui apresentada visa perceber, a partir de uma análise comparativa das obras Aguirre
a Cólera dos Deuses (1972) do cineasta alemão Werner Herzog e O Abraço da Serpente, (2016) do colombiano
Ciro Guerra, de que forma se opera uma mudança nas representações acerca das identidades étnicas na Amé-
rica Latina, bem como a oposição entre os paradigmas epistemológicos eurocentrados e as emergências pluri-
étnicas nos contextos pós-coloniais, a partir de um alinhamento aos pressupostos decoloniais estabelecendo,
assim, novas leituras acerca das narrativas sobre o encontro entre europeus e os povos nativos da América.

Palavras-chave: Cinema; Decolonialidade; História; Indígena.

O registro fílmico, enquanto documento histórico, - como qualquer outro documento produzido pelo
homem e passível de auxiliar na busca pela compreensão de determinada época a ele relacionada - pressupõe
uma meticulosa interpretação dos contextos sociais dos seus produtores e dos códigos a ele inerentes. Quando
se fala, ao trabalhar com documentos escritos, dos ditos e não-ditos inscritos nos textos, fala-se das escolhas
de exposição e ocultamento realizadas por seus idealizadores/realizadores (METZ, 2010). Na mesma medida,
o registro cinematográfico encerra escolhas realizadas por quem opera a câmera, quem constrói determinado
roteiro, os responsáveis pelos cortes e edições que vão desde as formas de enquadramento até os aspectos ou
modelos que se quer mostrar/ocultar. São os códigos, simbologias e propósitos inerentes às escolhas do autor,
que estão diretamente relacionados ao seu lugar no tecido social de seu tempo, os ingredientes de fato pertinen-
tes à possibilidade da análise do filme enquanto documento histórico (CODATO, 2010).

1. Aguirre, o olhar estrangeiro e a Amazônia intransponível

No presente trabalho, propomos analisar duas obras cinematográficas que trabalham com aspectos
fundamentais para a pesquisa anteriormente apresentada: a floresta amazônica e as populações indígenas
amazônicas. Buscaremos, dessa forma, considerar as semelhanças e diferenças na forma como ambas buscam
retratar esses dois aspectos. Trata-se aqui das seguintes obras: “Aguirre: a Cólera dos Deuses” do diretor alemão
Werner Herzog (1972) e; “O Abraço da Serpente” do diretor colombiano Ciro Guerra (2016). A forma como
a indústria cinematográfica produz, reforça ou reproduz estereótipos e imaginários fantásticos acerca desses
elementos ou a medida que busca se distanciar dos mesmos é nossa principal preocupação.
A obra do diretor alemão Werner Herzog, intitulada “Aguirre, a cólera dos deuses” de 1972 é uma das
obras fruto do movimento de renovação do cinema mundial impulsionado pelo realismo poético francês que
sucedeu as vanguardas estéticas de início do século XX e que também inspirou o neorrealismo italiano pós se-
gunda guerra mundial e que tinham como características transpor o paradigma de produção cinematográfica
norte americano vigente até então com suas grandes produções feitas em estúdio, retratando e exaltando, em
geral, o “american way of life”.
Em linhas gerais esse “Novo Cinema” tinha como características a busca por um cinema mais autoral,
visando retratar personagens e cenários mais realísticos, usando, às vezes, intérpretes não profissionais bem
como um minimalismo técnico que bem pode ser representado pela já consagrada frase “uma câmera na mão,
uma ideia na cabeça”. Assim é que Herzog se lança na ousada empreitada de, com um orçamento baixíssimo,

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 3 (Fotografia, cinema e vídeo), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Aluna do Programa de Pós-Graduação em História (Mestrado Profissional – UEMA). Bolsista da Fundação do Amparo à Pesqui-
sa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - FAPEMA.

209
produzir um épico para aquele período, retratando o episódio histórico da expedição de Don Lope de Aguirre
que tendo a tomada do império Inca pelos espanhóis como pano de fundo, sai em busca da lendária cidade do
Eldorado na Amazônia Oriental. Com um grande elenco e poucos recursos técnicos, o diretor consegue pro-
duzir um dos grandes clássicos do Novo Cinema Alemão com a ajuda da excepcional parceria e interpretação
do ator Klaus Kinski no papel do ambicioso Aguirre em uma jornada de loucura em meio a uma Amazônia
avassaladora e inexpugnável.
Apesar da proposta de renovação empreendida por Herzog, muitos são os elementos que ainda per-
sistem em sua obra frutos de uma leitura exotizada da região amazônica e seus habitantes. A floresta ainda é
vista como um espaço “infernal” que por conta das suas muitas e intransponíveis barreiras naturais, dizima a
coragem, a saúde e a sanidade do invasor mesmo que isso seja retratado através de uma forte crítica à ambição
desmedida daqueles que se lançavam em aventuras em busca de glória e riquezas (SILVA, 2006). Também a
predileção pelos planos abertos, inclusive o belíssimo plano inicial que abre a película, filmado em um movi-
mento de close up lento em uma multidão que mais se assemelha a uma procissão de formigas, além da pouca
e irracional participação do nativo em sua narrativa, atestam uma visão ainda bastante deturpada e eivada de
estereótipos de um olhar estrangeiro sobre a paisagem amazônica.

2. O Abraço da Serpente: cinema e história indígena em uma leitura decolonial

Baseado nos diários de viagem reais de dois cientistas europeus que desbravaram a Amazônia em dife-
rentes épocas da primeira metade do século XX, em O Abraço da Serpente Theodor Von Martius (interpretado
pelo ator belga Jan Bijvoet), inspirado no etnógrafo alemão Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) busca a ajuda
do índio desterrado da etnia Coihuano, Karamakate (interpretado pelo indígena Nilbio Torres) para encontrar
uma flor medicinal muito rara e única a poder salvá-lo de uma enfermidade que o assola. Utilizando, assim,
o recurso de duas frentes de narração, onde dois pontos temporais são separados e unidos na mesma história,
se entrecruzando no desenvolvimento da narrativa, encontramos, 40 anos depois, o segundo explorador, Evan
(interpretado pelo ator americano Brionne Davis) baseado nos diários do etnobotânico americano Richard
Evans Schultes (1915-2001), onde o mesmo também segue em busca da mesma planta medicinal, só que agora
por motivos diferentes, a planta pode lhe salvar do mal de nunca ter conseguido “sonhar”.
Através de inúmeras intencionalidades estéticas e manipulando uma temporalidade que extrapola a
linearidade e entremeia os dois momentos narrativos, o diretor e realizador da obra nos leva a desvendar dois
universos em confronto e a refletir sobre diversos elementos do histórico do contato: oposição civilização x bar-
bárie; descrença e desconfiança, o território como constituinte da memória e formadora da identidade étnica,
a utilização compulsória da mão de obra nativa na exploração da borracha amazônica no início do século XX,
dentre outros inúmeros aspectos simbológicos ricos de apreciação analítica, explorando assim, questões acerca
da construção das identidades em contato, buscando sempre empreender uma contraposição às produções
clássicas que tomam o elemento nativo a partir das tradicionais representações binárias do bárbaro primitivo
ou do herói idílico nacional.
É possível reconhecermos vários elementos de renovação do cinema latino americano contemporâneo
pós 1980 na obra de Guerra, que busca conjugar as referências do movimento cinema novo das décadas de
1960-70 como a filmagem em espaços reais, com intérpretes não profissionais e tomando os personagens mi-
noritários como personagens principais da narrativa, ao mesmo tempo em que busca conjugar tais referências a
uma maior qualidade técnica e não deixando de lado o interesse pelo reconhecimento internacional ao mesmo
tempo estético e mercadológico.
O termo decolonial utilizado aqui como categoria chave de entendimento parte de uma escolha teórica
baseada nos pressupostos epistemológicos advindos dos debates do grupo de investigadores latino americanos
intitulado Modernidad/Colonialidad surgida entre os anos 2000 e que visa entre outras coisas “se posicionar
de forma mais radical no debate pós colonial visando transcender a colonialidade, a face obscura da moderni-
dade, que permanece operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder” (BALLESTRIN, 2013,
p. 01). Nesse sentido o termo decolonial, grafado sem o “s” tem um aspecto de escolha política e epistemológica
uma vez que:
210
[...] marca uma distinção com o significado de descolonizar em seu sentido clássico. Deste modo a
intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento
pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O deco-
lonial implica, portanto, uma luta contínua (WALSH, 2009, p. 15-16).

Logo, busca-se aqui perceber de que forma o cinema latino americano contemporâneo coaduna-se com
as propostas de compreender as constituições identitárias no contexto dos contatos pluriétnicos e de mestiça-
gem/hibridização a partir de pressupostos conceituais específicos, dando ênfase a novas perspectivas de classi-
ficação e compreensão da experiência humana. Ou como nos aponta Grosfoguel:
Como resultado, el mundo de comienzos del siglo XXI necesita una decolonialidad que complemen-
te la descolonización llevada a cabo en los siglos XIX y XX. Al contrario de esa descolonialización, la
decolonialidad es un proceso de resignificación a largo plazo, que no se puede reducir a un aconteci-
miento jurídico-político (Grosfoguel, 2005, p. 17).

Sendo assim, a escolha do filme colombiano “O Abraço da Serpente” para o desenvolvimento da pes-
quisa parte principalmente das escolhas não só teóricas como estéticas do seu realizador que colocam o indiví-
duo nativo como elemento principal e direcionador da narrativa. É possível perceber tais escolhas nas palavras
do próprio diretor quando o mesmo aponta e discorre sobre algumas delas:
GUERRA – Esse projeto mobilizou 15 anos da minha vida e me deu capacidades que eu não teria
como resumir em palavras, porque, antes de tudo, o filme ensinou-me a ver o mundo de um outro
lugar, um outro ponto de observação: o dos xamãs, o da floresta. Perdi muito peso nesse processo.
Peso espiritual, peso intelectual, até um peso afetivo. Foi uma libertação, pois «O Abraço...» levou-
-me a buscar um novo estado de espírito na direção do sonho, de modo que eu pudesse me libertar
de referências sensíveis do próprio cinema e buscar o entendimento da novidade à minha frente sem
a muleta da lógica do pensamento cartesiano. (Entrevista concedida ao site da Revista Metropolis
em 13 de abril de 2016)

Assim, apesar de ser descrito por Guerra não como um retrato fiel do passado, mas um “ambiente do
passado reconstituído a partir de uma experiência sensorial” (Op. Cit.), a película nos coloca em contato com
uma rica reflexão sobre a questão do histórico de contato e suas múltiplas implicações num processo estético
de imersão na perspectiva da experiência multinaturalista das identidades indígenas da Amazônia. Questiona-
-se assim o papel dos cientistas e viajantes que desbravaram a Amazônia e a forma como construíram leituras
e classificações sobre as populações nativas, a forma como a influência das missões católicas desencadearam
novas experiências religiosas no contexto pós-colonial, bem como a forma contundente com que a exploração
comercial da borracha amazônica afetou, incisivamente, essas populações.
Várias são as escolhas técnicas e estéticas do autor que nos levam a perceber tais propostas narrativas
como a escolha do preto e branco do filme como forma de fuga da “mimese do real” não atingível pela lente
da câmera e como forma não só de fazer o espectador imergir através do uso recorrente dos planos intencional
e excessivamente amplos na extensão e imbricação entre homem e natureza amazônicos. Outra interessante
escolha para obra que nos apresenta o autor é o de rodá-lo em filme 35 mm. Assim o mesmo a explica:
La película está inspirada en las imágenes que tomaron los exploradores en los que se basa la historia,
imágenes que eran casi daguerrotipos. Son los únicos documentos que sobrevivieron que muestran
a muchas comunidades amazónicas. Queríamos que el filme se acercara a esa textura de las fotos,
que transportara directamente a esos años. Hicimos pruebas con varios formatos digitales, pero nos
dimos cuenta de que no servían para capturar la luz natural ni los detalles que ofrece la selva, no te-
nían la cualidad orgánica que buscábamos (Guerra, entrevista concedida ao site do jornal El Ibérico
em 06 de junho de 2016).

Assim, propomos que a análise das obras cinematográficas aqui brevemente analisadas, acerca de di-
ferentes grupos e indivíduos nativos a partir da perspectiva do encontro de culturas, nos permita entrever as
múltiplas representações históricas construídas acerca dos mesmos, buscando não só perceber as ideologias de

211
imposição de uma identidade estática e assim apagada do elemento nativo nas múltiplas linguagens e narrati-
vas, como tentando buscar, nas recentes produções, a integração das novas leituras e abordagens de natureza
histórica e antropológica que intentam alcançar as idiossincrasias dos diversos grupos embasados na valoriza-
ção das suas diferenças e particularidades pluriétnicas e multiculturais das quais todos também fazemos parte.

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212
AS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE ARTE:
um estudo sobre projeto “Cine animAÇÃO”
do IEMA-UP de Coroatá1
Ronaldo Correia Vieira2
Nathália Silva Mesquita3
Jacielle Ferreira da Silva4
Denilson dos Santos Ferreira5

Resumo:
O projeto “Cine AnimAÇÃO”, aprovado pelo Edital 006/2018 - Juventude com Ciência da FAPEMA, teve como
objetivo principal desenvolver no estudante a criatividade de maneira lúdica e atraente através da técnica da
animação usando a tecnologia como sua principal aliada. As animações produzidas durante as oficinas de Stop
Motion e Flip Book foram editadas por meio da ferramenta Windows Movie Maker, as imagens capturadas a
partir de celular e máquina fotográfica e os sons gravados através da ferramenta Audacity. O projeto “Cine
AnimAÇÃO” surge como uma alternativa de se trabalhar diversos assuntos dentro de uma dinâmica lúdica e
atraente na construção do conhecimento.

Palavras-chave: Tecnologia; Cinema; Animação.

CINE ANIMAÇÃO

Criado no Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IEMA, Unidade Plena
de Coroatá, o projeto denominado “Cine AnimAÇÃO” aprovado pelo Edital 006/2018 - Juventude com Ciência
da FAPEMA6 com o intuito de aproximar os alunos da linguagem do audiovisual fazendo uso das tecnologias
digitais.
Na sua primeira etapa foi realizada uma formação com quarenta alunos, com idades de 14 a 18 anos,
estudantes dos cursos Técnicos de Informática, Agronomia e Zootecnia, do 1º e 2º ano do IEMA - UP Coroa-
tá. Nessa etapa os alunos tiveram aulas teóricas e práticas de cinema e aprenderam técnicas de animação com
objetivo de introduzi-los na linguagem do audiovisual. As aulas teóricas foram ministradas no auditório e as
práticas no laboratório de informática, quadra de esporte e em outros lugares da escola.
Já na segunda fase do projeto oito alunos, entre os quarentas que passaram pela formação, foram reapli-
cadores das oficinas de animação, na cidade de São João do Sóter, município que faz parte do Plano Mais IDH,
no estado do Maranhão, tendo como público crianças, adolescentes, jovens e adultos. Esses alunos atuaram
como bolsistas da FAPEMA com orientação do professor de Arte do IEMA – UP Coroatá.
As oficinas foram ministradas pelos estudantes nos dias 24 e 25 de novembro de 2018. O primeiro
momento foi caracterizado por uma abordagem teórica sobre a história do cinema de animação e criação de
personagens. Já no segundo momento as oficinas foram marcadas pela criação do flip book, onde os alunos
aprenderam a fazer animação com bloquinhos de papel. O terceiro momento teve a oficina de Stop Motion com

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT3 do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.


2 Professor de Arte IEMA-UP Coroatá, Especialista em Gestão e Tutoria, ronaldocorrei@gmail.com
3 Estudante do IEMA-UP Coroatá, Curso Técnica em Informática, ns9044000@gmail.com
4 Estudante do IEMA-UP Coroatá, Curso Técnica em Agronomia, jaciellegf@gmail.com
5 Estudante do IEMA-UP Coroatá, Curso Técnico em Zootecnia, denilsonsantos2018@gmail.com
6 Edital 006/2018 - Juventude com Ciência, promovido pelo Governo do Estado do Maranhão e a Secretaria de Estado da Ciência,
Tecnologia e Inovação – SECTI, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do
Maranhão – FAPEMA, em parceria com a Secretaria Extraordinária da Juventude – SEEJUV, objetivando contribuir para a forma-
ção de estudantes, por meio da mobilidade acadêmica, para o desenvolvimento de projetos de caráter extensionista, por meio da
linha de ação “Popularização da Ciência” e no âmbito do programa “Mais Divulgação.
213
utilização de massa de modelar, criação de cenários, fotografias, captura de áudio e edição. No quarto momen-
to, já no último dia, foi realizado a culminância do projeto com exibição dos trabalhos produzidos pelos alunos
durante as oficinas.
As animações foram editadas por meio da ferramenta Windows Movie Maker7, as imagens capturadas
a partir de celulares e máquinas fotográficas e os sons gravados através da ferramenta Audacity8.

OBJETIVO PRINCIPAL

Desenvolver no individuo a criatividade de maneira lúdica e atraente através da técnica da animação,


tendo a tecnologia como principal aliada afim de torná-los protagonistas da sua própria aprendizagem desper-
tando assim o gosto pela sétima arte e posteriormente sua inserção no mercado de trabalho.

BASES TEÓRICAS

A história do cinema é marcada por vários processos de desenvolvimento tecnológico até se chegar aos
dias atuais. Muitas foram as pesquisas e experimentações desenvolvidas por cientistas, matemáticos, físicos,
químicos, técnicos e artistas, em que cada descoberta era um novo passo em busca do aperfeiçoamento dos
equipamentos e técnicas na produção das imagens tanto fixa como em movimento.
No entanto, a sensação de movimento deu-se por Thomas Edison (1847-1931) ao criar um aparelho que
movimentava os fotogramas dando início ao que chamamos de animação.
Animação vem do termo latim animare ou anima, e significa “dar alma”, “alma” ou “movimento”, ou
seja, desenhos de animação são desenhos em movimento que ganharam alma, vida.
O ser humano sempre foi fascinado por imagem e movimento, segundo Lucena Júnior 2011, a tentativa
de busca de movimento se inicia na Pré-História, com animais pintados em cavernas com uma quantidade de
pernas bem maior do que realmente tinham para representar velocidade.
Atualmente o cinema da animação vem crescendo de forma sublime abarcando importantes progres-
sos técnicos ligados a expansão do cinema, se tornado cada vez mais popular e vem merecendo grandes e
sofisticadas produções. Basicamente, nesse tipo de filme, desenhos são filmados sobre um fundo, fotograma
a fotograma. Além de personagens modeladas e fotografadas a cada movimento, existe grande diversidade de
produções destinadas ao público adulto, jovem e infantil.
Percebe-se que ao longo dos anos o cinema de animação vem ganhando novas formas, formas essas
de criar e de ser assistido. Esse novo momento se deu a partir da década de 80 com as técnicas de computação
apresentadas pelos irmãos Whitney, foi então que novas possibilidades técnicas e com formas gráficas traçava
o caminho para era a digital.
As novas tecnologias vêm sendo aprimoradas para as grandes produções brasileiras de animação, ge-
rando a expansão da participação no mercado cinematográfico.
No Maranhão, o cinema vem ganhando espaço tanto que já se implantou uma escola técnica de cinema,
uma das unidades vocacionais mantidas pelo governo do Maranhão, que capacita e atende uma demanda de
produção que existe no mercado. Foi pensando no fortalecimento da produção local, autoral e capacitação da
mão de obra que o curso foi implantado na capital São Luís - MA. De acordo com Jhonatan Almada (2017),
“A escola tem como objetivo promover a formação profissional de jovens e adultos articulada às demandas dos
setores produtivos locais e regionais e contribuir para o acesso de jovens e adultos ao mercado de trabalho me-
diante a formação profissional técnica”.

7 O Movie Maker é um software gratuito de edição de vídeos da Microsoft. Permite que seus usuários adicionem efeitos de transi-
ção, textos personalizados e áudio nos seus vídeos.
8 O Audacity é um software livre de edição de áudio que oferece vários recursos para melhorar o resultado do áudio, além da possi-
bilidade de se criar efeitos sonoros para uso em vinhetas, por exemplo. Depois de tratar o áudio o Audacity oferece a possibilidade
de exportar o arquivo para MP3.
214
RESULTADOS DE PESQUISA

Foi possível perceber que arte, tecnologia e educação podem caminhar juntas. Que o uso da linguagem
do audiovisual na sala de aula pode ser uma ferramenta muito importante para o ensino-aprendizados dos
alunos, ao desenvolver neles a criatividade e o protagonismo, além de influencia-los para uma possível carreira
profissional. Revelou ainda que professores podem estimular seus alunos a serem mais que meros expectado-
res, lhes proporcionando a experiência de produzirem seus próprios filmes. Tudo dentro de um aspecto lúdico,
que estimula a curiosidade para aprender.

Referências

BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da Animação. Editora Senac São Paulo, 2011.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte/ Secretaria de Edu-
cação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 130p.
FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo e FUSARI, Maria F. de Rezende. Metodologia do ensino de arte.
São Paulo: Cortez, 1999.
GUZZO, Augusto. Revista Acadêmica, São Paulo, v. 1, n. 19, p. 413-425, jan./jun. 2017.
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO (IEMA). Disponível em
<http://www.iema.ma.gov.br/governo-do-estado-lanca-edital-e-abre-periodo-deinscricao-para-curso-tecni-
co-na-escola-de-cinema-do-maranhao/> Acesso em:30. Mai.2018.
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do ensino de arte: a língua do mundo :poetizar, fruir e
conhecer arte / Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque, M. Terezinha Telles Guerra. – São Paulo : FTD, 1998.
PIMENTEL, Lucia Gouvêa. Novas territorialidades e identidades culturais: o ensino da arte e as tecnologias
contemporâneas. Disponivel em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/lucia_gouvea_pimentel.pdf>
Acesso em: 20.Mai.2018.

215
GT4 REDES SOCIAIS, MÍDIAS DIGITAIS
E ECONOMIA DAS IMAGENS
Economia e política das imagens
Midiativismo
Cultura visual e partilha em rede
Arte, design e comunicação visual
Curadoria digital
Arquivos e apropriações
NOVOS EMPREENDIMENTOS DIGITAIS DE
JORNALISMO: uma análise do Nexo Jornal1
Poliana Marta Ribeiro de Abreu2

Resumo :
O presente trabalho tem como principal objetivo analisar novas formas de difusão de conteúdos noticiosos
como alternativa aos veículos tradicionais de comunicação - notadamente o jornalismo impresso. Para tanto,
foi realizada uma análise de conteúdo do site do Nexo Jornal, uma das novas iniciativas de jornalismo que
emergiram com a popularização da internet. O veículo caracteriza-se por enfocar a contextualização das in-
formações e por buscar inovar na maneira como difunde seu conteúdo, utilizando infográficos e ferramentas
como a newsletter.

Palavras-chave: Nexo Jornal; Empreendimentos digitais; Jornalismo.

Fundado em 2015 pela cientista social Paula Miraglia, pela engenheira Renata Rizzi e pelo jornalista
Conrado Corsalette, o Nexo Jornal tem como proposta “oferecer aos leitores informações contextualizadas,
com uma abordagem original”. Para veículo, apresentar temas relevantes de forma clara, plural e independente
é essencial para qualificar o debate público”3.
A sede da startup fica em São Paulo, onde atuam cerca de 30 profissionais de várias áreas, como jorna-
lismo, arte, tecnologia, pesquisa, negócios e estratégia. Segundo Souza e Silveira (2017), o que possibilita que o
Nexo possa manter uma equipe enxuta – diferente do que ocorre nas redações de grandes veículos, por exem-
plo – é o fato de o empreendimento produzir conteúdo digital.
A inovação proposta pelo Nexo pode ser entendida como uma simplificação dos modelos de negócio
multimidiáticos. Por ser uma empresa jornalística totalmente voltada para a produção de conteúdos
digitais, a equipe pode ser mais enxuta do que a de um veículo tradicional. Enquanto veículos tradi-
cionais contam com uma estrutura mais complexa para dar suporte a diversos setores estratégicos e
atuar de forma integrada em múltiplas plataformas, o Nexo pode focar sua atuação na produção de
conteúdo para meio digital (SOUZA; SILVEIRA, 2017, p. 149).

Na época de seu lançamento, a idealizadora do projeto explicou ao Portal Imprensa (2015) o funciona-
mento do site. Segundo Paula Miraglia:

O ‘Nexo’ é dividido em seis núcleos que trabalham de forma integrada. Há uma separação básica
entre dois núcleos: um é responsável por política e economia e nacional e internacional, e o outro
responde por assuntos variados, que incluem cultura, esporte e cidades, entre outros. Além disso,
compõem a redação os núcleos de arte, pesquisa, materiais especiais e tecnologia, que trabalham
totalmente integrados (PORTAL IMPRENSA, 2015).

O modelo de negócio adotado pelo Nexo, baseado em assinaturas digitais, também proporciona que a
estrutura do empreendimento seja mais simplificada, pois não há necessidade de manutenção de um grande
departamento comercial, o que ocorre em empresas tradicionais de jornalismo, cuja fonte de receitas está di-
retamente ligada à publicidade. Este aspecto também é destacado por Souza; Silveira (2017), para quem “isto
influencia o conteúdo publicado no site, que, ao deixar de ter espaço destinado a anúncios, minimiza possíveis
interferências de informações externas” (p.149).
Mas de que maneira o Nexo Jornal produz o seu conteúdo e até que ponto é uma proposta jornalística
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 4 Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens, do IV Simpósio Nacional
de Arte e Mídia.
2 Jornalista, graduada pela UFMA, mestra em Cultura e Sociedade pela UFMA. E-mail: poliabreu@gmail.com
3 Texto de apresentação do Nexo Jornal disponível em https://www.nexojornal.com.br/about/Sobre-o-Nexo
217
de fato inovadora? Para identificar essa característica no veículo, foi realizado uma análise de conteúdo do
site, no período de 3 a 12 de setembro de 2018. Por meio da análise do site, pretendeu-se identificar como o
Nexo apresenta o seu conteúdo, sua linha editorial e o seu modo de produção. Uma vez que o veículo se define
como um jornal digital, faz-se necessário destacar as características do chamado webjornalismo, que, segundo
Canavilhas et al. (2014), tem no texto o seu elemento fundamental. Apesar de ter como principal referência
o jornalismo impresso, o online apresenta outras características e possibilidades, muitas das quais ainda não
totalmente exploradas.

Referências

CANAVILHAS, João et al. (Org.). Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. 1ª. ed. Covilhã,
Portugal: Labcom Books, 2014. 196 p. v. 1. Disponível em: <http://www.labcom-ifp.ubi.pt/livro/121>. Acesso
em: 10 set. 2018.
PORTAL IMPRENSA. Por notícias mais aprofundadas, profissionais lançam plataforma digital “Nexo”.
2015. Disponível em: <http://portalimprensa.com.br/noticias/brasil/75362/por+noticias+mais+aprofunda-
das+profissionais+lancam+plataforma+digital+nexo>. Acesso em: 13 nov. 2017.
SOUZA, Pedro Carlos Ferreira de; SILVEIRA, Letícia Lopes da. Experiências de inovação no Jornalismo di-
gital: um estudo de caso do Jornal Nexo. Parágrafo, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 147-156, jan. 2017. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/504>. Acesso em: 12 mai. 2018.

218
O TERRITÓRIO FOTOGRAFÁVEL: pensando políticas de
visibilidade a partir das fotografias nas mídias sociais1
Daniela Fonseca Moura2

Resumo:
Este trabalho propõe refletir sobre a construção de modos de ver o território no contexto das relações sociais
mediadas cada vez mais através da imagem. Parte-se de uma compreensão crítica da cultura-mundo, conceito
cunhado por Lipovetsky e Serroy, voltada para os processos de desterritorialização e diversificação cultural,
para pensar as políticas de visibilidade da fotografia na contemporaneidade. Numa perspectiva da teoria e crí-
tica da imagem, tendo como referência André Rouillé, Vilém Flusser, Martine Joly, Didi-Huberman e Rosane
Borges, analisam-se fotografias publicadas no Instagram a partir da hashtag #nordeste.

Palavras-chave: território; visibilidades; fotografia; Nordeste.

No contexto teórico contemporâneo em que muito se fala sobre o universo das representações no cam-
po da comunicação, sobre a função da imagem como mediadora das relações sociais a ponto de ela própria se
tornar a realidade, é necessário amplificar o diálogo com as teorias da imagem, em busca de um olhar crítico e
analítico sobre estas na contemporaneidade.
A fotografia surge com os paradigmas das sociedades industriais que nos antecedem, justamente nesse
movimento ambíguo de representação e evidência do real e de produção da própria realidade moderna a partir
da construção de um modo de ver (ROUILLÉ, 2009) e, nesse sentido, é um campo fértil para refletir sobre esse
processo de construção da realidade pelas suas formas de representação. Do seu surgimento na modernidade
à contemporaneidade houveram transformações na prática e objeto fotográfico, como nas pessoas que produ-
zem fotografias. Entretanto, mesmo em disputa com outros formatos de imagem como o vídeo, sua produção
e difusão continuam a crescer exponencialmente, principalmente através das mídias digitais.
Nesse sentido, esse artigo situa-se no esforço de um diálogo interdisciplinar entre as teorias acerca da
cultura na contemporaneidade e das teorias da imagem, tendo como objetivo especificamente pensar a cons-
trução dos modos de ver o território no Brasil através da fotografia produzida e consumida para/nas redes
sociais digitais.
Lipovetsky e Serroy (2011) falam em um capitalismo cultural que cresce exponencialmente, marcado
pela disseminação da cultura da tecnociência, do mercado e das mídias, e pela lógica do consumo e do espetá-
culo.
O imaginário cultural não é mais um céu acima do mundo “real”, e o mercado integra cada vez mais
em sua oferta as dimensões estéticas e criativas. Sem dúvida, o econômico jamais foi totalmente
externo à dimensão do imaginário social, sendo o mundo da utilidade material ao mesmo tempo
produtor de símbolos e valores culturais. Simplesmente agora essa combinação é explicitada, gerida,
instituída em um sistema-mundo globalizado. (LIPOVETSK; SERROY, 2011, p.11)

Nessa conjuntura da cultura-mundo, duas questões se tornam centrais: o processo de uniformização


globalitária e o de diversificação sócio-cultural. Se por um lado os indivíduos dispõem de mais imagens e re-
ferências para encontrar elementos de identificação mais diversificados, por outro, a cultura global funciona
como uma poderosa alavanca dos limites culturais dos territórios, de desterritorialização generalizada e de
normatização das séries e dos modos de vida (LIPOVETSKY, SERROY, 2011).
Entretanto, parece equivocado afirmar que esses dois movimentos, de homogeneização e heterogenei-
zação da cultura e das identidades progridem no mesmo passo. Tal proposição pode camuflar as relações de

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Mestranda na Faculdade Cásper Líbero, sob orientação da Priof. Dra. Simonetta Persichetti. fmouradaniela@gmail.com
219
poder, igualando os vetores, e suprimir a complexidade da realidade de cada território e grupo social. Ambos
estão inseridos na dinâmica de mercantilização das experiências, o que ocorre por renunciar e suprimir outras
formas de relações e experiências sociais que não se inserem na dinâmica da monetarização, do mercado e das
mídias e do espetáculo. Assim, busca-se refletir sobre as implicações desse filtro na produção e distribuição da
fotografia, e, por conseguinte, das representações construídas e difundidas acerca do território, conceituado
por Milton Santos como espaço humano habitado, constituído por objetos e ações, aspectos de unidade e di-
versidade e sujeito a transformações sucessivas (1998; 2006).
Para tanto, nesta pesquisa analisa-se uma seleção de fotografias publicadas na rede social digital Ins-
tagram, marcadas pela hashtag #nordeste, que retratem de alguma forma o território, trazendo alguma con-
textualização do espaço onde foram produzidas e com um número de curtidas superior a 100, como forma de
filtro daquilo que é postado e tem uma considerável repercussão e aceitação na rede social digital. A análise tem
como método de referencia a abordagem semiótica proposta por Martine Joly (2007), em que se consideram
os modos de produção de sentido, ou seja, a maneira como se suscitam significados a partir de signos plásticos
(cores, formas e composição), signos linguísticos (legendas, descrições e outros textos verbais) e icônicos (mo-
tivos e figuras).
As fotografias foram categorizadas em imagens referentes ao destaque atribuído às pessoas em cena e
ao espaço/paisagem. A todas as fotografias é comum serem imagens em cores, bem iluminadas, com pouca ou
quase nenhuma sombra, de modo que sempre se vê praticamente tudo que está em cena. Praias, centros histó-
ricos, espaços turísticos, cidades que mesmo com construções modernas, edifícios altos, convivem com uma
natureza estonteante. As pessoas, em sua maioria brancas estão no espaço a lazer e destoam da identidade ra-
cial miscigenada, de forte presença negra e indígena dos estados do Nordeste. A visibilidade do território nessas
fotografias está associada à experiência do turismo e não da vida cotidiana do trabalho, das trocas simbólicas,
afetivas e materiais. Raramente estão em cena pessoas que parecem se relacionar com o território que não a
lazer, com exceção das festas populares e a presença de pessoas como figurantes das imagens.
Historicamente a fotografia é responsável pela conexão e conhecimento de territórios distantes entre
si, pelo processo de mediação entre “o aqui e o lá”. A partir de um modo de ver estritamente moderno, viu nas
cidades o cenário do poder, o centro da construção simbólica da modernidade, e nas periferias geográficas e
político-econômicas territórios a serem “descobertos” e portanto “civilizados”, modernizados. Um olhar eu-
ropeu, numa perspectiva intrínseca ao processo de colonização, que importou para a fotografia no Brasil uma
estética específica e paradigmas ligados às teorias raciais e a percepção do Brasil como um país exótico e de
natureza exuberante (KOSSOY, 2011).
Muitas foram as alterações na prática fotográfica desde a introdução do meio no Brasil. Entretanto,
podemos perceber que as representações construídas sobre o território Nordeste nas fotografias publicadas no
instagram reiteram aspectos do modo de ver colonial, e condiciona as relações com o território sob a lógica
das experiências de um turismo predatório do fotografável e da midiatização. Predomina a imagem do país de
natureza exótica a ser conhecida e colonizada, que fez parte do primeiro desenho captado do Brasil, desenhado
sobretudo pelos fotógrafos viajantes e estrangeiros. “Se a natureza parecia embrulhada para presente, também
os nativos surgiam enquadrados pelas lentes e vestidos a caráter: prontos para exportação” “o que se esperava
do Brasil, um modelo de ‘natura in loco’, um cenário exótico” (SCHWARTZ, 2011, p.14).
Não se apresenta um território em conflito, mas estático e passivo. As contradições da complexidade da
vida social e do território sobre as quais se refere Milton Santos (1998; 2006) são escamoteadas em função do
turismo do fotografável em um representação passiva, de um território que existe a serviço das fotografias, das
experiências mercantilizadas a que se referem Lipovetsky e Serroy (2011).
No esforço de melhor compreender essas imagens, recorre-se às considerações sobre as imagens técni-
cas de Vilém Flusser (2011). Para o autor, a programação dos aparelhos fotográficos condiciona o que se deve
captar através da objetiva até o sensor, que inscreve previamente as superfícies simbólicas a serem produzidas,
como também pela programação do olhar. Esses sistemas, que aqui chamamos também de modos de ver ou
de políticas de visibilidade, interferem na sua programação e vice-versa, construídos a partir de uma série de
fatores, como o imaginário social, as experiências individuais e coletivas e a subjetividade do indivíduo.
[…] o fotógrafo crê que está escolhendo livremente. Na realidade, porém, o fotógrafo somente pode
220
fotografar o fotografável, isto é, o que está inscrito no aparelho. E para que algo seja fotografável,
deve ser transcodificado em cena. O fotógrafo não pode fotografar processos (FLUSSER, 2011, p.46).

Ainda que os algoritmos intensifiquem o processo de reiteração das representações que contribui para
o complexo jogo de uniformização e fragmentação das identidades, essa é uma questão que está para além das
redes sociais digitais. Georges Didi-Huberman (2014) e Rosane Borges (2016) contribuem para pensar a indis-
sociabilidade entre política e representação. Diante de cada vez mais imagens sendo produzidas, devemos ques-
tionar quão de fato avançamos na democratização e diversificação dos processos representativos, considerando
os processos de condicionamento estéticos e políticos das representações através da construção de imaginários
e modos de ver.
A partir do que consumimos enquanto imagem os modos de ver se constroem e são reiterados nas foto-
grafias que produzimos enquanto sociedade. Essas políticas de visibilidade condicionam a forma como vemos
o mundo e como nos relacionamos com ele, que num movimento cíclico são traduzidas novamente na prática
fotográfica.
Quanto mais conscientes da construção dos modos de ver, menos alienados dos instrumentos nos tor-
namos, no processo de disputa com o aparelho e sua programação, a que se refere Flusser (2011). As progra-
mações servem a interesses econômicos e a um sistema capitalista marcado pelo processo contraditório de
individualização e perda das referências identitárias coletivas que diferenciam os grupos entre si e possibilitam
reivindicar maneiras outras de vida que divergem do modo de vida capitalista baseado no consumo.

Referências

BORGES, Rosane. Política, imaginário e representação: uma nova agenda para o século XXI?. Blog da Boi-
tempo. São Paulo, fev. 2016. Disponível em: < https://blogdaboitempo.com.br/2016/02/16/politica-imaginario-
-e-representacao-uma-nova-agenda-para-o-seculo-xxi/ >. Acesso em 09 fev. 2019.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Pueblos expuestos, pueblos figurantes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Manantial, 2014.
DEBORD, Guy. A separação consumada e a mercadoria como espetáculo. In: A sociedade do espetáculo. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1997
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo : Anna-
blume, 2011.
JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Lisboa: Edições 70, 2007.
KOSSOY, Boris; SCHWARCZ, Lilia M. Um Olhar Sobre o Brasil: A fotografia na Construção da Imagem da
Nação 1833-2003. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008
ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2009.
SANTOS, Milton. O Retorno do Território. In: ______. SANTOS, Miltos; DE SOUZA, Maria Adélia; SILVEI-
RA, Maria Laura (org.) A. Território – Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec; Anpur, 4a
edição. 1998. p.15-20.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e sociedade no início do século XXI. Rio de
Janeiro: Editora Record, 9a edição. 2006, Cap I, IV e X.

221
IDENTIDADE INSTITUCIONAL:
uma análise das imagens postadas no perfil oficial do
Instagram da Universidade Federal do Piauí (UFPI)1
Maurício Santana de Oliveira Sobrinho2
Livia Fernanda Nery da Silva3

Resumo:

O artigo tem como objetivo apresentar como a rede social Instagram pode auxiliar na construção, fortaleci-
mento e consolidação de Identidade Institucional. O objeto do estudo foi o perfil oficial da Universidade Fede-
ral do Piauí (UFPI), no Instagram. O artigo investiga de que forma as imagens postadas nessa plataforma refle-
tem a instituição. Trata-se de compreender como a comunidade acadêmica enxerga-se como parte de um todo.

Palavras-chave: Instagram, UFPI, Identidade.

As redes sociais, em nossa sociedade contemporânea têm se firmado como fortes sistemas e meios de
comunicação. Essas formas de emissão e consumo de informações permitem interações e, com isso, mudan-
ças sociais e comportamentais cada vez mais significativas. Nas universidades, reflexo dessas transformações,
muitas demandas surgem das necessidades apresentadas por usuários, que nesse ambiente virtual participati-
vo, constroem “produtos” comunicacionais que favorecem construções identitárias em diversos espaços, tanto
institucional, quanto individual.
Em reconhecimento a essas mudanças, a Secretaria de Comunicação do Poder Executivo Federal, já
adota a existência de alterações no modelo de comunicação entre órgão e sociedade provocadas pela chegada
das redes sociais. Em resposta a isso, criou-se, em 2014, o Manual de Orientação para Atuação em Mídia So-
ciais, para servir de parâmetro de atuação de seus órgãos, e entre eles as universidades federais. No documento
afirma-se que “os tipos, suas composições, modelos e possibilidades de interação e captura de atenção das pes-
soas vêm colocando em jogo os fluxos de informações e a maneira como os cidadãos se relacionam entre si e
com as instituições”. (SECOM, 2014, p.09).
Assim, o presente trabalho busca compreender a produção de identidade institucional a partir de uma
abordagem qualitativa, de característica empírica, do perfil oficial do Instagram da Universidade Federal do
Piauí (UFPI)4. O perfil analisado se organiza em torno de informações sobre a UFPI, com notícias, informa-
ções básicas, fotografias diversas, vídeos, dentre outras interações com usuários em que o aplicativo permite. A
Universidade Federal do Piauí (UFPI), até a realização da análise, outubro de 2018, é a segunda universidade
pública mais seguida do país, com cerca de 54 mil seguidores, possui cerca de 11 mil publicações e está entre as
instituições de ensino superior, públicas e privadas, com maior número de seguidores no Brasil, de acordo com
UniRank Instagram University de 20185. O ranking considera o número de seguidores de cada perfil, levando
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (4) Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens, do IV Simpósio Nacio-
nal de Arte e Mídia.
2 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).Servidor Públi-
co/Jornalista e Coordenador de Comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Graduado em Comunicação Social/Jorna-
lismo pela Universidade Santo Agostinho (UNIFSA), mauriciosantana@ufpi.edu.br
3 Professora Adjunta II da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Doutora em Ciências da Comunicação UNISINOS, Mestre em
Educação UFPI, Especialista em Língua e Literatura Inglesa – UESPI, livianery02@gmail.com
4 O perfil do Instagram da UFPI encontra-se hospedado no link: https://www.instagram.com/ufpi/?hl=pt-br
5 O site UniRank Instagram University fornece informações sobre a adoção da plataforma social Instagram entre as Instituições de
Ensino Superior e leva à lista mais abrangente de universidades e faculdades com presença oficial na rede social. A lista é organiza-
da em ordem alfabética pelo nome do país e, em seguida, classificada pelo número total de seguidores. Os dados do Instagram são
extraídos e publicados duas vezes por ano, em março e setembro, e sua primeira edição é baseada em dados extraídos em setembro
de 2018. O diretório UniRank é um mecanismo de busca com avaliações e classificações de mais de 13.600 universidades e faculda-
222
em conta dados de setembro de 2018.
Partindo desse contexto, analisamos como o perfil da UFPI, no Instagram, tem construído sua identi-
dade nessa plataforma e como a mesma permite suas mutações, dentro do mesmo ambiente, por contribuições
da própria instituição e de seus usuários.
A Internet e o seu desenvolvimento, ao longo dos anos, vem atingindo instituições e sociedades por
todo o mundo. Entre elas, as alterações ocorridas na geração de informações possibilitadas pelas redes sociais.
Segundo pesquisas recentes, oito em cada dez brasileiros on-line acessam algum tipo de redes so-
ciais. A adoção dessas redes nas culturas ao redor do planeta tem sido tão grande que, hoje, as mídias
sociais são uma das formas mais importantes de mídia para o marketing. Isso tem provocado mu-
danças profundas no relacionamento com o consumidor e nas estratégias mercadológicas. (MAR-
THA, 2010, p.87-88).

É notório como o uso das redes sociais tem se destacado como uma ferramenta para o fortalecimento
de identidades. Por meio de suas publicações, tanto instituições como pessoas, enaltecem imagens com a qual
se deseja fortalecer diante da sociedade.
Como afirma Bueno (2005) à imagem corporativa, por ser uma representação mental, como assim ele
considera, de uma organização feita por indivíduo ou grupo, é construída a partir de percepções e experiências
concretas, o que ele define como momentos de verdade, com informações e influencias recebidas de terceiros
ou da mídia. Para ele, uma organização pode ter várias imagens dada as múltiplas e distintas experiências,
vivências, informação que alguém ou um grupo tem junto a uma organização. Com mídias, como as redes
sociais, podemos observar essa realidade ser ainda mais propagada.
Castells (2002), define identidade como um processo de construção de significado com base em um
atributo cultural. Para o autor, um determinado indivíduo pode ter identidades múltiplas e essa pluralidade é
fonte de tensão e contradição, tanto na representação de si mesmo, quanto na ação social.
No mundo atual, este fato pode ser observado por meio de comportamentos de pessoas nas redes so-
ciais, que muitas vezes, em cada tipo de plataforma, podem criar comportamentos diferentes. Diferenciando o
que é o mundo real, vivido em seu cotidiano, como o virtual, apresentado nas redes sociais.
A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possí-
veis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do obje-
to considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade, a entidade passa a encontrar
sua consistência essencial num campo problemático. (LÉVY, 1996, p. 17 e 18).

Em reflexões sobre construção de identidades, Bauman (2005), já apontava para essa fluidez identitá-
ria do sujeito pós-moderno, e que hoje pode-se observar a sua amplitude por meio do crescimento das novas
tecnologias de comunicação; como a internet. Com isso, alguns autores como Stuart Hall (2005) afirma que as
velhas identidades, que por um longo período unificaram o mundo, estão em declínio e, por isso, temos que
considerar a fragmentação do indivíduo moderno, pois não existe mais um sujeito uno.
Assim Hall (2011) considera que vivemos em uma crise de identidade e que isso representa o conflito
existente na percepção de tempo e espaço que alterou a forma como a humanidade se relaciona e se identifica.
Essas mudanças desconstruíram também o entendimento de espaço e lugar, dando-os um distanciamento
entre um e outro tornando o que era no sentido concreto e físico nas relações sociais, agora uma representação
simbólica e virtual.
Dentro dessa realidade, nas redes sociais, é cada vez mais comum instituições usá-las com o intuito de
consolidar uma identidade de forma mais positiva e que gera confiança na sociedade. No caso da pesquisa pro-
posta, o Instagram da UFPI, além de proporcionar um contato direto com seus usuários, por meio da interati-
vidade da plataforma, permite, por suas publicações, o uso de imagens (como fotos e vídeos) que potencializam
os seus processos identitários.
Partindo dessa observação, segundo Torquato (2008), os indivíduos constroem a imagem completa da
organização somando as imagens descritas. Para o autor, pode-se entender que para formar essas imagens são

des oficialmente reconhecidas em 200 países.


223
recebidas ao mesmo tempo múltiplas mensagens, no entanto acontece uma filtragem dada à atenção seletiva
de cada um tem. Segundo ele, a imagem se constrói na mente dos públicos, mas é constituída por uma grande
variedade de manifestações das organizações, por meio dos seus atos e da comunicação que fornecem as men-
sagens para a formação de imagens.
O Instagram tem se firmado como ferramenta de comunicação capaz de fortalecer características in-
dentitárias, das Instituições de Ensino Superior (IES). Pode-se observar que pela rotina traçada da plataforma,
junto à rotina da comunidade acadêmica e da própria Universidade, no caso a UFPI, há um fortalecimento da
relação com o público, por meio de sua interatividade.
O estudo demonstra que a reprodução de imagens pode servir de aliada na construção, fortalecimento
e consolidação de suas identidades, por meio das redes sociais, como o Instagram. A plataforma também apa-
rece como mais uma possibilidade de ferramenta comunicacional que permite a troca direta de informações
com seus usuários e assim entender quais demandas merecem mais atenção pelo desejo de seus seguidores,
além de diminuir condições burocráticas de acesso à informação, já que seus usuários e gerenciadores possuem
a capacidade de trocas de informação simples, eficaz e rápida.

Referências

BUENO, Wilson da Costa. A personalização dos contatos com a mídia e a construção da imagem das organi-
zações. Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, ano 2, n. 2. 1° sem. 2005.
Disponível em: <http://organicom.incubadora.fapesp.br/portal/edicoes/2/edicao-2>. Acesso em: 23 nov. 2008.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede – a Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (vol 01).
São Paulo: Paz e Terra, 1999.
_______. Paraísos comunais: identidade e significado na sociedade em rede. In:__________. O poder da
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GABRIEL, M. Marketing na Era Digital. São Paulo: Novatec Editora, 2010
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11a edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência - O Futuro do Pensamento na Era da Informática. São Paulo:
Editora 34, 1998
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do Poder Executivo Federal. 2014. Disponível em: http://www.secom.gov.br/pdfs-da-area-de-orientacoes-ge-
rais/internet-e-redessociais/secommanualredessociaisout2012_pdf.pdf. Acesso em: 20 de dezembro de 2018.
TORQUATO, Gaudêncio. Tratado de comunicação organizacional e política. 2. ed. reim. São Paulo: Cenga-
ge Learning, 2008.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ (UFPI). Instagram oficial da UFPI. Teresina, 2014. Disponível em: <
https://www.instagram.com/ufpi/?hl=pt-br > Acesso em 27 nov 2018

224
O jornalista frente à convergência de mídias1
Danielly Kelly Duarte e Silva2
Cristiane Portela de Carvalho3

Resumo:
O jornalista sempre busca deixar seu público bem informado, produzindo e atualizando as notícias e os acon-
tecimentos. Muitos grupos de comunicação, dessa forma, procuram integrar vários veículos, como impresso,
rádio, TV e portal de notícias. Em tempos de convergência, é comum que a notícia produzida para TV, por
exemplo, migre para os portais e vice-versa, pois existe uma colaboração entre os meios. Diante disto, este arti-
go tem como problemática central compreender como vêm sendo trabalhada a convergência de conteúdo pelos
profissionais de jornalismo do Piauí, a fim de analisar, por meio de relatos dos próprios jornalistas, a sincronia
entre conteúdos e redações.

Palavras-chave: Convergência. Jornalista. Prática profissional.

1 Introdução

A convergência de mídias no jornalismo, na esfera editorial, busca em sua essência aprimorar a qua-
lidade do conteúdo informativo, ou simplificar esse processo a ponto de ampliar a difusão do conteúdo noti-
cioso publicado na internet por diferentes veículos de comunicação e/ou diferentes jornalistas. Dessa forma, o
objetivo deste artigo é analisar, por meio das respostas de jornalistas a um questionário, como o jornalista vem
atuando frente à convergência de mídias; como desenvolve essa prática; como vem adequando às narrativas
textuais uma notícia que migra de um meio de comunicação para outro.
Ao pensar em convergência (e aqui falamos em convergência de conteúdo no jornalismo), logo se obser-
va a potencialidade dos diferentes formatos de mídias em seguirem a construção textual do meio de comuni-
cação ao qual pertence originariamente a notícia. Porém, é interessante lembrar o que é conteúdo convergente
na contemporaneidade, pois este envolve mais do que suportes de produção e distribuição de informação.
Para Salaverría e Negredo (2008), as empresas jornalísticas se preparam para lidar com conteúdos con-
vergentes, de modo que serão as empresas informativas deste século. “La convergencia periodística es una opor-
tunidad para reconvertir la organización de las empresas periodísticas del siglo XX en empresas informativas del
siglo XXI” (p. 17).
Essa questão se apresenta como um desafio tanto para os jornalistas quanto para as empresas, visto que
a publicação de conteúdo multimídia a partir da integração de redações de mídias anteriores, como das TV’s,
das rádios e dos impressos, não é mais suficiente para garantir espaço na agenda de consumo de informação.
Embora a convergência não seja exclusiva da internet, uma vez que iniciou com a TV, ao unir elementos grá-
ficos dos jornais impressos e elementos sonoros do rádio, a internet ampliou todo esse processo por ser um
espaço que possibilita a multimidialidade. Dessa forma, é preciso convergir as redações de forma a produzirem
conteúdo com uma linguagem que tire o melhor proveito dos códigos já conhecidos e do potencial das infor-
mações em rede.
As dimensões da convergência se caracterizam por tipos diferentes, porém estão interligadas, existindo
uma relação de interdependência e sincronia entre elas, de modo que tudo está relacionado ao âmbito empre-
sarial, tecnológico, profissional e ao conteúdo dentro do mercado jornalístico.
Todas as dimensões estão interligadas, visto que a facilidade de produção de conteúdo multimídia, pro-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens, GT4, do IV Simpósio Na-
cional de Arte e Mídia
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGCOM, da Universidade Federal do Piauí. Bolsista da Funda-
ção de Amparo a Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI). E-mail: daniellyduarte_@hotmail.com
3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGCOM, da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Comu-
nicação pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: crisportela14@yahoo.com
225
porcionada pela esfera tecnológica, leva os veículos jornalísticos a desejarem explorar comercialmente todos os
mercados da comunicação. Segundo Salaverria e Negredo (2008), “el periodista de hoy se caracteriza por una
polivalencia [funcional e midiática] cada vez mayor, que le lleva a asumir tareas que en el pasado eran patrimo-
nio de distintos periodistas” (p. 48). De acordo com esses autores, nos dias atuais, esta não é uma particulari-
dade dos grandes meios, pois pequenos veículos de comunicação estão cada vez mais se tornando verdadeiros
conglomerados multiplataforma. Associa-se, então, a dimensão empresarial neste processo de convergência,
exigindo abrangente conhecimento profissional dos jornalistas.

2 O que os jornalistas dizem sobre a convergência de mídias

Foi aplicado um questionário a três jornalistas que trabalham em veículos de comunicação distintos
no Piauí, com o objetivo de saber como é a atuação do jornalista frente à convergência de mídias. A análise é
realizada de acordo com o relato dos próprios jornalistas.
Pergunta 1: Como são trabalhadas as matérias que vem de outras plataformas de comunicação para o
portal?
Jornalista 1 diz que para cada meio o processo é diferente, porém observa que é feita somente a trans-
posição de conteúdo, uma vez que nas matérias provenientes da TV ele reproduz o vídeo e reescreve o texto
de acordo com o que já foi noticiado, sem mudar a narrativa, ou acrescentar informações. O mesmo acontece
com o impresso, pois diz que mantém a estrutura textual e, mais uma vez, há justaposição do conteúdo. Com
relação ao rádio, o jornalista 1 diz que, na maioria das vezes, é mais comum as matérias do portal irem para o
rádio e não mencionou sobre nenhuma produção no portal vindo do rádio.
Jornalista 2 diz que sempre adequa o que recebe de outros meios para o seu estilo textual, independente
se é uma matéria de um outro portal ou se converge dos meios do grupo do qual faz parte. Menciona ainda que,
apesar do grupo não possuir TV, quando faz matéria com vídeo de reportagem de algum telejornal escreve um
texto diferente da narrativa do vídeo, para deixar com seus traços, o que chama de “deixar com minha assi-
natura”. Diz que faz o mesmo com o rádio e lembra ainda sobre a importância de dar os créditos, pois coloca
“com informações de...”.
Jornalista 3 comenta que quando diz respeito ao jornal faz a velha lógica da transposição de conteúdo,
pois “geralmente do impresso apenas copiamos na íntegra”. Quando a matéria provem da TV, a jornalista 3
relata que posta o vídeo com a reportagem ou o apresentador dando a notícia e acrescenta informações. Sobre
as matérias de rádio, a jornalista 3 diz que antigamente costumava ouvir os radiojornais e produzir matérias,
porém sem utilizar o recurso do áudio ou podcast.
Diante das respostas dos jornalistas, podemos observar que a simples transposição de conteúdo de
outros meios para a internet ainda predomina. No entanto, já há algumas formas de convergência que ultra-
passam a justaposição de conteúdos, com algumas adequações nos textos, embora ainda demostrem utilizar
poucas potencialidades do jornalismo em ambiente digital.
Pergunta 2: Quais os outros meios de comunicação do grupo rendem mais matérias para o portal?
Jornalista 1 diz que o jornal tem mais entrada no portal, seguido da TV, com pouca entrada do rádio.
Os jornalistas 1 e 2 também dizem que o impresso “converge” mais com o portal.
Pergunta 3: Quais funções desempenha no meio de comunicação no qual trabalha?
Jornalista 1 diz que começou a trabalhar no portal do grupo e hoje é repórter da TV, mas que no meio
de comunicação no qual trabalha todos os jornalistas fazem de tudo um pouco, principalmente os que traba-
lham no portal de notícias.
Jornalista 2 afirma que é repórter do jornal impresso, mas que é multitarefa, pois tem que fazer repor-
tagens, fotografar, cobrir eventos e ainda assessorar clientes do grupo.
Jornalista 3 relata que também é repórter do impresso e do portal do grupo para o qual trabalha.
Observa-se que apesar dos jornalistas terem funções definidas, eles acabam sendo multitarefa, executando
diversas funções ao mesmo tempo. Salaverría e Negredo (2008) ressaltam sobre a polivalência do jornalista.
Pergunta 4: Quais os principais recursos multimídia você utiliza nas matérias que produz?
Jornalista 1 relata que para o portal os recursos mais utilizados são: texto, foto, links e vídeos e que os
226
considera mais importantes. A jornalista 2 acrescenta o podcast, para além dos recursos elencados pelo jorna-
lista 1, como forma de complemento do texto. A jornalista 3 diz que, além dos recursos já mencionados pelos
jornalistas 1e 2, também usa gráficos e charges.
Pergunta 5: Sobre a convergência de mídias, como ela é realizada?
Jornalista 1 diz que sempre leva matérias da TV e do jornal para o portal, devido à cobrança de metas
e pro-atividade do portal e que fica difícil trabalhar matérias com mais recursos porque demanda um pouco
mais de tempo. Acrescenta ainda que esse é um tipo de cobrança mais comum nos portais e jornais, pois na TV
e no rádio essa cobrança é menor.
Jornalista 2 diz que nas matérias de outros meios o texto é adaptado para o portal e, muitas vezes, até
busca outras informações e depoimentos para complementar a matéria, conservando as falas dos entrevistados
e alterando a estrutura textual de alguma forma.
Jornalista 3 relata que também usa matérias produzidas pelo jornal e TV e lembra inclusive que as redes
sociais podem fazer parte do leque de recursos que rendem bons conteúdos para as notícias.
É importante ressaltar que o ponto levantado pela jornalista 3, colocando em pauta a colaboração dos leitores
dos portais por meio das redes sociais, contribui significativamente para os recursos usados como elementos
multimidiáticos, o que influi também no processo de convergência de conteúdo, uma vez que os usuários pos-
tam ou enviam vídeos, imagens, informações e sugestões.

3 Considerações

Ao compreender a convergência jornalística como um processo estruturado em dimensões e gerações,


este trabalho buscou descrever e entender os rearranjos da convergência, por meio dos relatos de jornalistas
sobre a prática profissional, no que tange à produção jornalística em tempos de convergência. Nota-se que as
dimensões estão mais interligadas do que imaginamos, não são processos dissociados, estão intercalados e são
intrínsecos uns aos outros, ou seja, uma dimensão é dependente da outra, empresarial, tecnológica, profissio-
nal e de conteúdos. Contudo, na ótica dos profissionais de jornalismo, a convergência ainda é um desafio para
as empresas jornalísticas e para os próprios jornalistas. Diante das falas dos jornalistas percebe-se que, para
além da integração das redações, é preciso existir colaboração entre os profissionais. Percebe-se também a di-
ficuldade que os jornalistas têm em adequar os conteúdos para as distintas plataformas e que o mercado exige
muito do profissional, mas acaba restringindo as potencialidades que o jornalista tem para produzir conteúdo
convergente de qualidade, visto que é muito grande a sobrecarga de trabalho.

Referências

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lismo: 7 caraterísticas que marcam a diferença. Covilhã: LabCom, 2014. Disponível em: <www.livroslabcom.
ubi.pt>. Acesso em: 20 de nov./2018.
SALAVERRÍA, R. et al. Concepto de convergencia periodistica. In: GARCÍA, X. L.; FARIÑA, X. P. (Orgs).
Convergencia digital: reconfiguração de los médios de comunicacion em España. Santiago de Compostela:
Unidixital, 2010.
SALAVERRÍA, R.; NEGREDO, Samuel. Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganización de
redacciones. Barcelona: Sol90. 2008.

227
GRÊMIO VERSUS INTERNACIONAL:
uma disputa simbólica de identidades1
Boris Ernesto Gil Galeano2
Monalisa Pontes Xavier3

Resumo:
Este trabalho buscou analisar quais são as identidades que constroem os torcedores de Grêmio e Internacio-
nal no Facebook. Para tal propósito, se estudaram duas postagens do Facebook oficial do Grêmio e duas do
Internacional, realizadas em um dos últimos clássicos gaúchos. Durante a apresentação deste estudo, preten-
de-se explicar a importância do tema dentro do campo da Comunicação, narrar as inquietações que levaram
à escolha do conteúdo, explicar a metodologia e os resultados encontrados na pesquisa do artigo, assim como
também se mostrará de forma breve a análise feita nas quatro postagens selecionadas4.

Palavras-chave: Redes Sociais; Facebook; Identidade; Grêmio; Internacional.

O futebol é um fenômeno cultural que envolve um povo. No contexto internacional, o Brasil é reconhe-
cido como o país do futebol não só pela grande quantidade de jogadores que produz, mas, também, pelo apoio
popular ao torcer por este esporte. Dessa forma, os torcedores são a manifestação dessa paixão. O futebol, na
atualidade, é um fenômeno multitudinário que não teria o mesmo significado sem os torcedores, aqueles que
estão presentes, acompanhando seu time, partida após partida.
Segundo Hollanda (2009), o termo ‘torcedor’ surgiu na década de 1910, quando as mulheres começa-
ram a ir aos estádios torcer pelos jogadores, levando consigo lenços e fitas das cores dos seus times de preferên-
cia. Suas emoções eram expostas em suas expressões faciais e no torcer do lenço.
Com o decorrer do tempo, o crescimento das torcidas foi um fato que marcou a ampla popularidade do
futebol entre o público. Desta forma, um papel fundamental nas identidades dos times deu-se com o surgimen-
to da rivalidade entre as torcidas, pela supremacia frente aos outros. A maior manifestação desta rivalidade se
mostra nos clássicos onde os torcedores vivem o jogo como uma guerra que devem vencer.
Um dos maiores clássicos que expõe esta situação de rivalidade é o Grêmio X Internacional conhecido
como Grenal. O jogo que envolve estes dois times do Rio Grande do Sul é um clássico que tem 108 anos de
história, data que certifica ser uma das rivalidades mais antigas do futebol brasileiro.
O Grenal é muito mais do que um simples jogo, ele toca com as emoções e é capaz de alterar toda a
rotina dos gaúchos aficionados pelo futebol. Considerada como uma das maiores rivalidades do Brasil, o Grê-
mio X Internacional representa uma luta de hegemonia, dado que é o jogo que divide o estado. Portanto, este
artigo busca analisar a construção de identidade que se dá entre os torcedores de Grêmio e Internacional. Nesse
sentido, se tem como objetivo identificar o discurso que os torcedores, de ambos os times, constroem para vi-
sibilizar sua identidade na rede social Facebook.
O estudo busca entender quais são esses elementos que se destacam no discurso dos torcedores do
Grêmio e Internacional e como esta rivalidade influencia no processo de constituição das identidades dos tor-
1 Trabalho apresentado para o Grupo de Trabalho (Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens), do IV Simpósio Na-
cional de Arte e Mídia.
2 Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Formado em Comunicação Social, gilgaleanoboris@
gmail.com
3 Professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Doutora em Comunicação, monalisapx@
yahoo.com.br
4 Postagens consultadas o dia 15 de maio de 2018. Disponíveis em:
https://www.facebook.com/Gremio/photos/a.249432485088809/2023899250975448/?type=3&theater
https://www.facebook.com/Gremio/photos/a.249432485088809/2022574927774547/?type=3&theater
https://www.facebook.com/scinternacional/photos/a.180677965304796/1801775716528338/?type=3&theater
https://www.facebook.com/scinternacional/photos/a.180677965304796/1802736009765642/?type=3&theater
228
cedores da dupla Grenal. Assim, como também pretende-se investigar o que representa esta rivalidade entre os
torcedores dos times gaúchos.
Para poder alcançar nosso objetivo de estudo, decidiu-se analisar as páginas oficias do Facebook do
Grêmio e Internacional. Se optou por estudar os comentários dos torcedores em quatro postagens, duas no
perfil do Facebook do Grêmio e duas no perfil do Internacional. A amostragem delimitou-se a escolher uma
postagem antes e outra depois da partida de cada time. As postagens escolhidas foram as feitas durante o clás-
sico realizado no dia 12 de maio do ano 2018. Se optou por escolher as postagens deste jogo, pois, em relação
ao último clássico ocorrido em outubro, este encontro provocou uma maior participação no Facebook.
Nas quatro postagens foram escolhidos os comentários considerados mais significativos para a pesqui-
sa. A análise dos comentários foi feita por meio da análise de conteúdo. Segundo Bardin (2011, p.47), conforme
citado por Câmara (2012. p.182) o termo análise de conteúdo designa:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemá-
ticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis in-
feridas) destas mensagens (BARDIN, 2011, p. 47).

Na perspectiva de Bardin (2011), este tipo de análise consiste em uma técnica metodológica que pode
ser aplicada em discursos diversos e a todas as formas de comunicação. Nesta análise, o pesquisador busca
compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás das mensagens, assim para dar conta
do nosso objetivo o foco da análise estará em estudar as frases e palavras inseridas nos comentários dos torce-
dores, o que estas significam no âmbito da rivalidade gaúcha. A perspectiva teórica adotada está centrada nos
pensamentos de Alabarces e Garriga (2007), Castells (1999), Hall (2003), entre outros.
É interessante destacar que a identidade não é só uma questão superficial, ela representa uma luta de
poder, que se transforma nos modos em que uma torcida apoia a seu time. O caso particular Grêmio X Inter-
nacional exemplifica esta situação. O Grenal é uma luta de hegemonia que se acentua na rivalidade, deixan-
do o Rio Grande do Sul ainda mais dividido quando o assunto é futebol. Uma nova forma de destacar essa
identidade é por meio do apoio nos comentários que os torcedores fazem nas redes sociais. As diferenças das
identidades que eram construídas nos estádios entre as torcidas por meio de cantos e celebrações transcendeu.
Facebook se tornou um espaço de luta simbólica entre os torcedores colorados e do tricolor. As identidades
mudam e com elas os espaços.

Referências

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CÁMARA, R. H. Representação de amizade e irmandade para filhos únicos: estudo exploratório utilizando o
método clínico piagetiano. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 6, n. 2,p. 179-191, jul-dez. 2013.
CASTELLS, M. O poder da Comunicação. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PUC, Apicuri, 2016.
229
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HOLLANDA, B. B. B. Futebol, Arte e Política: a catarse e seus efeitos na representação do torcedor. Revista
O&S, v. 16, n. 48, 2009.
SILVA, T. T. (Org. e Trad.). A produção social da identidade e da diferença. In: Identidade e diferença: a pers-
pectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. P. 73-75.

230
Juventude e sociabilidades: um estudo sobre os modos como os
jovens da Universidade Federal do Piauí utilizam o Facebook
como ferramenta de sociabilidade1
Boris Ernesto Gil Galeano2
Monalisa Pontes Xavier3

Resumo:
O alcance dos meios de comunicação é um fenômeno sem precedentes. Atualmente as pessoas apresentam um
papel mais ativo frente a um evento internacional ou qualquer programa em algum meio de comunicação. No
século passado, eram as cartas para o diretor e as ligações para a mídia. Mas hoje em dia se pode enviar comen-
tários, participar nos debates, fazer perguntas aos convidados de um programa de televisão que é transmitido
ao vivo, etecetera. Este cenário possibilitou um contato mais “vivo” das audiências. Nesse sentido, um elemento
central da sociedade mediatizada são as tecnologias que se manifestam no aumento de processos sociais, onde
o que ocorre é uma aceleração e diversificação de formas pelas quais a sociedade interage com ela mesma.
(BRAGA, 2012). Como consequência de essas novas formas de se comunicar surge o que Braga (2012) chama
de “invenção social” que é o processo que dá sentido à tecnologia. Nas novas relações entre mídia e sociedade
a tecnologia aparece como um evento determinado, assim elas surgem dos novos modos de se comunicar que
busca a sociedade. Esta proposta de pesquisa de caráter qualitativo visa compreender quais são os modos que
os jovens estudantes do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) utilizam o
Facebook como um espaço de sociabilidade. Os aportes teóricos estarão fundamentados em Andrade (2007),
Braga (2005), Recuero (2009), Xavier (2014), entre outros. O trabalho de abordagem empírica tem como objeto
de estudo o Facebook. Lançado em 2004, o Facebook surgiu a partir da iniciativa de alguns estudantes da Uni-
versidade de Harvard, nos EUA, que tinham o objetivo de criar uma rede de contatos entre os universitários.
Para ingressar no sistema, era preciso estar vinculado a alguma instituição de ensino superior reconhecida.
Com o tempo, o sistema foi se abrindo também para estudantes de escolas secundárias (RECUERO, 2009). A
partir da apropriação dos usuários, o Facebook foi se transformando e rapidamente se espalhou para o mundo
todo. De propriedade do Facebook.inc, o Facebook tornou-se um império de comunicação e alvo de discussões
e investigações científicas acerca da privacidade e vigilância em rede, das restrições moralistas a conteúdos dis-
seminados e da relação com seus anunciantes em troca de informações dos usuários. Por ser uma pesquisa que
se encontra em andamento, a exposição do trabalho se focará em contar as inquietações e desejos que levaram
ao pesquisador a escolher o tema. Da mesma forma, pretende-se situar o tema da pesquisa. Portanto, tem se
contemplado durante a conversa narrar os antecedentes da pesquisa, a importância da temática inserida no
campo da Comunicação, a metodologia do trabalho e os objetivos da mesma. O desenvolvimento da apresen-
tação será exposto através dum slide que contemplará os elementos antes mencionados, assim como o planeja-
mento da pesquisa e o cronograma das atividades a realizar. Ao mesmo tempo, já que será uma apresentação
breve do trabalho, se deixará um espaço para que os estudantes interagirem com o pesquisador.

Palavras-chave: Comunicação; Juventude; Internet; Facebook; Sociabilidade

Na contemporaneidade, as lógicas midiáticas estão cada vez mais envolvidas na produção de significa-
dos no processo de configuração das temporalidades, do ambiente, dos modos de fazer e viver e representar a
realidade. O surgimento das tecnologias da informação e comunicação (TICS) permitiu uma reorganização
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens), do IV Simpósio Nacional
de Arte e Mídia.
2 Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Formado em Comunicação Social, gilgaleanoboris@
gmail.com
3 Professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Doutora em Comunicação, monalisapx@
yahoo.com.br
231
do espaço e do tempo, com o entendimento de que distância espacial não implica necessariamente a distância
temporária e a descoberta de um “Tempo simultâneo” que não implicam o mesmo lugar (THOMPSON, 2001).
Eles são os efeitos de senso de compressão espaço-tempo nos quais os sistemas e fluxos de comunicação de
informação são cada vez mais sofisticadas, como Harvey (2003) afirmou quando se referiu à associação com a
racionalidade técnica da distribuição de mercadoria que tornou possível acelerar o tempo de produção e cir-
culação dos produtos e de bens simbólicos, como a produção da televisão relacionada com a transmissão por
satélite.
Para falar de mediação, vamos recorrer à diferenciação entre sociedade dos meios e sociedade em vias
de midiatização. Na antiga sociedade dos meios, a mídia era concebida como elemento de mediação entre os
campos sociais. Na sociedade em vias de midiatização, as práticas individuais e sociais do cotidiano sofrem
várias alterações, na medida em que a mídia emerge como processo interacional de referência e passa a se cons-
tituir de forma agenciada com os vários campos sociais (BRAGA, 2005; XAVIER, 2014).
Se partimos que a midiatização é um processo de afetações, porque atravessa todos os campos socias,
este fenômeno se visibiliza através de circuitos, ou seja, relações múltiplas entre diferentes setores socias, antes
o limite de cada campo era negociado, hoje em dia a interação possibilita que uma cultura comunicacional
rompa as fronteiras. Em outras palavras, o que encontramos agora é uma articulação de processos e ambientes
que se combinam nas práticas socias.
Um elemento central da sociedade mediatizada são as tecnologias que se manifestam no aumento de
processos sociais, onde o que ocorre é uma aceleração e diversificação de formas pelas quais a sociedade inte-
rage com ela mesma. (BRAGA, 2012).
Braga (2012, p. 39) salienta que, mais do que pensar na relação produtor/receptor, interessa refletir que
a circulação ultrapassa a situação da recepção, afinal, o receptor “faz seguir adiante as reações ao que recebe”.
Como frisa o autor, o produto midiático entra em circulação, em um “fluxo adiante”, sem rotas definidas ou
fronteiras limítrofes para sua disseminação, podendo ser replicado e repercutido em outros tantos espaços.
Desta forma, a midiatização propicia que todos nos tornemos produtores e consumidores de conteúdos. As
tecnologias da Informação e Comunicação (TICS) são um exemplo claro que tem se intensificado este processo
onde a circulação de mensagens é infinita, geradora de novos sentidos sociais.
Neste cenário das TICS as redes socias tem adquirido um papel importante. O termo redes sociais é
hoje amplamente utilizado para se referir a sites como Facebook, Orkut e Twitter, ou ainda a aplicativos de tele-
fonia móvel, como o Instagram e WhatsApp. Dentre tantas características, o que os assemelha é a possibilidade
de, por meio de uma conta pessoal, entrar em contato com um grupo de conhecidos e amigos – ou até mesmo
conhecer novas pessoas – e partilhar informações e conteúdos diversos. Uma rede social na internet é formada
por dois elementos essenciais: a representação dos atores sociais e suas conexões (RECUERO, 2009).
Dentro da nova relação entre juventude e redes sociais, se destaca o uso do Facebook como principal
rede utilizada pelo público jovem. De acordo com uma pesquisa sobre redes sociais, realizada no painel de
respondentes do Opinion Box, entre os dias 19 e 24 de abril deste ano, as redes sociais preferidas dos internau-
tas são o Facebook (76%) e o Instagram (14%). O Twitter fica em terceiro lugar, escolhido por apenas 3% dos
entrevistados. Estes dados demostram que o Facebook tem um papel fundamental na juventude.
Neste contexto do ciberespaço a juventude é um dos grupos socias que tem sido mais afetado pelas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICS). Andrade (2007) aborda a juventude como uma experiência
etária específica, no sentido de que há uma idade ou uma temporalidade juvenil e “ser jovem é uma condição
particular, mas não homogênea [...]: existem várias juventudes vivendo esta experiência etária que se relaciona
com diferentes formas de sociabilidade”
O Facebook tem alterado a forma como os jovens interagem. Há alguns anos o relacionamento com
colegas e amigos de ambos os sexos era limitado ao contato físico em intervalos entre as salas de aula, escola,
faculdade ou pelas noites e fins de semana, hoje em dia o Facebook oferece uma possibilidade realmente nova:
ser contatado ou com outros permanentemente
As TICS fizeram da juventude um grupo social que emite informações através de canais que há alguns
anos seria impossível. O salto qualitativo e quantitativo desta informação é evidente em várias plataformas.
Através deles, a cada dia, um número crescente de jovens intensifica sua comunicação, seja por questões coti-
232
dianas, ou para obtenção de atenção nas instituições, empresas ou grupos em que estão inseridos.
Para Simmel, a sociabilidade exprime a própria formação de sociedade como um valor, sendo seu exer-
cício caracterizado basicamente “por um sentimento, entre seus membros, de estarem sociados, e pela satisfa-
ção derivada disso” (Simmel, 1983, p.168).
Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou gru-
pos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman e Faust, 1994; Degenne e Forse,
1999).
Neste sentido, embora as redes sociais, em específico o Facebook, tenham atingido toda a sociedade, foi
no grupo dos jovens onde o fenômeno mais impactou. Por ser o grupo populacional que mais uso faz das redes
sociais, a juventude adquiriu o termo de “nativos digitais” Prensky (2011).
Desta forma, a juventude tem encontrado no Facebook um novo “lar” para conectar com outros, mas
também para reforçar seus relacionamentos sociais com os próprios amigos e familiares. Em outras palavras,
a sociabilidade é o principal uso que os jovens procuram nesta rede, no entanto, parte-se que a sociabilidade
dentro do contexto da midiatização é uma dinâmica que agrupa diferentes formas de consegui-la. Portanto,
com a realização desta pesquisa procura-se descobrir de que modos os jovens estudantes do Centro de Ciências
da Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) utilizam o Facebook como um espaço de sociabilidade?
Atualmente a pesquisa está em andamento, e encontra-se na parte da fundamentação teórica. Esta pesquisa
tem como objetivo geral:
-Compreender de que modos os jovens estudantes do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal
do Piauí (UFPI) utilizam o Facebook como um espaço de sociabilidade.

Referências
ANDRADE, C. C. (2007). Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade
na periferia do Distrito Federal. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília/DF
BRAGA, J. Circuitos versus Campos Sociais. In: MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jader; JACKS,
Nilda (org.). Mediação e midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 31-52.
OPINION BOX. Redes sociais: pesquisa sobre o comportamento dos brasileiros na
internet. Opinion Box, 2018. Disponível em: https://blog.opinionbox.com/redes-sociais-
pesquisa/; Acesso em: 17/06/18
PRENSKY, M. Digital Natives, Digital Immigrants. On the Horizon, v. 9, p. 1-6, out.
2011. Disponível em http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-
%20Digital%20Natives,%20 Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf&gt; . Acesso em:
29/06/18
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
THOMPSON, JHON. Comunicação e contexto social. Em Thompson, Jhon. A midia e a
modernidade, p. 19-46, Petropolis, RJ. 2001.
SIMMEL, G. (1983), “Sociabilidade, um exemplo de sociologia pura ou formal”, In E.
MORAES FILHO (ORG.), GEORG SIMMEl: sociologia. São Paulo, Ática.
WASSERMAN, S. e FAUST, K. Social Network Analysis. Methods and Applications. Cambridge, UK: Cam-
bridge University Press, 1994.
XAVIER, M. A Consulta transformada: experimentações de dispositivos interacionais
“psi” na sociedade em midiatização. Tese (Doutorado em Comunicação) -Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, São Leopaldo-RS, 2014.

233
ATIVISMO E ARTE NAS INTERVENÇÕES SOBRE
ARQUIVOS TELEVISUAIS1
Leandro Pimentel2

Resumo:
Artistas, cineastas e ativistas, atentos aos regimes discursivos impostos pelos meios de comunicação hegemô-
nicos, utilizaram diferentes táticas para ultrapassar o bloqueio e intervir na produção das emissoras de tele-
visão brasileiras. Seja por meio de ações autorizadas ou clandestinas, eles buscaram criar um curto-circuito
na estrutura desses meios, questionando a exclusão de certas imagens e vozes representativas da diversidade
sociocultural do país. Ao analisar três trabalhos realizados em diferentes contextos, buscamos repensar o gesto
desses artistas e o espectador contemporâneo, a fim de os atravessamentos entre arte, ativismo e os meios de
comunicação de massa.

Palavras-chave: Arte-ativismo; arquivos televisivos; espectador

O controle sobre a produção midiática feita pelos monopólios da comunicação é um fenômeno espe-
cialmente perverso no contexto brasileiro. Ao observar três trabalhos realizados em momentos distintos – o
quadro de Glauber Rocha no programa Abertura da Rede Tupi (1979)3, o programa A Revolução Não Será Te-
levisionada (2002)4, do coletivo ARNST, e o filme Um Dia na Vida (2010)5, de Eduardo Coutinho - buscamos
analisar as estratégias de ação dos autores nesses diferentes contextos. Para isso, iremos repensar a transparên-
cia das estruturas de enunciação e a montagem como formas de deslocar as imagens de seu contexto original
para outros usos possíveis.
A atuação de ativistas na televisão visou, de um modo geral, criar atritos na sua estrutura de produção,
buscando estimular o pensamento crítico do espectador e questionando a exclusão de imagens e vozes repre-
sentativas da diversidade sociocultural brasileira. Tais interferências ocorreram, basicamente, de duas formas.
Uma delas, expondo o processo de construção dos programas, a fim de revelar os processos e as práticas que
normalmente os proprietários e a direção da emissora ou do programa mantiveram ocultos. Outra, por meio
da introdução de assuntos e abordagens que normalmente não teriam espaço na grade. Na prática, eram acres-
centadas na programação imagens imprevistas pelos editores ou, em uma via inversa, elas eram capturadas da
emissora, na maioria das vezes clandestinamente, para serem montadas e apresentadas em outros contextos.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 4: Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens), do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia.
2 Professor Adjunto da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, doutor, pimenteleandro@hotmail.com
3 O cineasta Glauber Rocha possuía um quadro semanal no Abertura, uma das experiências mais ousadas da televisão brasileira.
Dirigido por Fernando Barbosa Lima, o programa foi ao ar entre fevereiro de 1979 e março de 1980, quando o país já vivia um perí-
odo de gradativa abertura democrática sob a gestão do presidente general João Batista Figueiredo. No seu quadro, Glauber entre-
vistava pessoas como suporte para suas reflexões críticas sobre questões políticas, culturais e, mais especificamente, sobre o cinema
brasileiro, que ele considerava “a consciência nacional”. Acesso em 18/03/2019: https://www.youtube.com/watch?v=Kidwi7B6dO0
4 A Revolução Não Será Televisionada foi um programa realizado pelo coletivo ARNST exibido pela TV USP em 8 episódios, entre
31/08 e 13/08/2002,. Segundo Daniel Lima, membro do coletivo e produtor do programa junto com André Montenegro, Daniela
Labra e Fernando Coster, o formato é “de um anti-programa de TV, cujo objetivo é intervir na mídia televisiva utilizando conteúdos
artísticos e imagens jornalísticas.” Acesso em 18/03/2019: http://www.danielcflima.com/A-Revolucao-Nao-Sera-Televisionada
5 O filme Um dia na vida, de Eduardo Coutinho, começa com um texto em letras brancas sobre um fundo preto, em que é expos-
to o processo de produção: “durante 19 horas seguidas, da manhã do dia 1º de outubro de 2009, à madrugada do dia 2, no Rio de
Janeiro, foram gravadas alternadamente programas e comerciais das seguintes emissoras: Bandeirantes, CNT, Globo, MTV, Record,
Rede TV, SBT e TV Brasil.” Sem autorização das emissoras para o uso das imagens, o filme se manteve em uma certa clandestinida-
de, sem poder ser distribuído comercialmente. Sua projeção deveria ser feita somente com a presença do cineasta e um debate após
a exibição, a fim de caracterizá-la como um tipo de conferência do diretor. Coutinho chamava a atenção também para a necessida-
de do debate, com a finalidade de estimular a discussão em torno das imagens exibidas. Atualmente o filme se encontra disponível
no Youtube. Acesso em 18/03/2019: https://www.youtube.com/watch?v=SlAv8LbQVG4

234
A partir dos anos 60, junto com os movimentos de deslocamento dos processos artísticos para fora dos
museus e galerias e do esvaziamento do artista da sua aura divina, surge o espaço virtual da televisão como
uma nova realidade que penetra diretamente o cotidiano das pessoas. Diante desses dois fenômenos ocorre um
flerte com interesse de ambos os lados. A televisão percebe na ousadia experimental dos artistas a possibilidade
de um novo vigor para romper com o modelo de teatro filmado e do estilo cinematográfico pouco adequado
à tela precária e ao ambiente familiar. O artista, por sua vez, vê no dispositivo a possibilidade de um público e
um espaço bem diferente daquele encontrado em museus e galerias.
Ao olhar em direção ao público, podemos repensar os modos como os ativistas buscaram provocar o
espectador televisual e como, doravante, as intervenções articuladas com as novas mídias podem promover
a construção de um lugar instável, mas habitável. Um lugar que se afaste da perversidade das notícias falsas,
das imagens manipuladas de má-fé ou da cosmética do belo pelo belo, sem, contudo, cair em um neoplatonis-
mo que anseie por um mundo onde o retorno da verdade construa limites mais rígidos entre os diferentes. A
dissolução das fronteiras definidoras das hierarquias e dos limites entre o artista e o não artista, entre mestre
e aprendiz, entre outras, institui novas posições onde as potências profissionais e afetivas estariam menos de-
marcadas.
Consuelo Lins identifica na noção de espectador-montador a possibilidade de uma obra aparentemente
sem autor. Em um gesto de recuo, o artista aparece somente como responsável pela tarefa de reunir essas ima-
gens e entrega-las para um público capaz de usá-las. Há nesse apagamento do autor o risco da deriva e da recusa
do sacrifício da invenção ou, no caso da montagem com imagens da televisão, que elas se apresentem somente
como a comprovação “do horror do mundo midiático, da indústria cultural que aliena, do espetáculo que
captura a vida” (LINS, 2010, p.136). Todavia, nesse gesto, que se opõe ao do ativista esclarecido, que denuncia a
perversidade dos meios de comunicação, surge a figura de um outro espectador no centro da cena. Espectador
esse que, segundo a noção de Rancière, “tem a capacidade de se dissociar das intenções do artista e de traduzir,
de modo singular o que vê e sente” (LINS, 2010, p.138).
Há, nos três trabalhos analisados, diferentes modos de provocar o espectador a tomar posição, o que,
como destacou Georges Didi-Huberman, se diferencia do gesto de tomar partido. Neste caso, haveria a ausên-
cia de um distanciamento para a percepção das imagens e dos acontecimentos como um conjunto de forças di-
nâmicas, atuando e se dispersando. Dispor formas de visibilidade dessas forças implica um gesto de humildade
do artista ativista. Um recuo do sujeito autor que, possivelmente, irá se mostrar mais efetivo do que a atitude
pedagógica de apontar uma realidade por trás das aparências.
Abrir ao espectador a condição de sair da sua posição de contemplação para a de agente produtor de
conhecimento implica desmontar a divisão que se estabeleceu entre uma verdade abstrata, fora do discurso,
que os meios de comunicação preconizam por meio de um tal compromisso ético com o conteúdo informati-
vo e as formas cosméticas dos discursos, repletos de maneirismos. A quebra nessa separação é a tarefa que as
formas de ativismo parecem ter pela frente, a fim de que surja uma distância possível e necessária para que o
espectador contemporâneo se desloque da posição a que foi destinado e que parece se renovar, repaginada nas
novas tecnologias da comunicação.

Referências

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo, Brasiliense, 1994.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição. O olho da história I. Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2017.
LIMA, Érico Oliveira de Araújo; FURTADO, Sylvia Beatriz Bezerra. “Do moderno e do contemporâneo: polí-
ticas da imagem em Câncer, de Glauber Rocha.” In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nor-
deste, 13 Anais. Maceió: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2011.
LINS, Consuelo. “Do espectador crítico ao espectador-montador: Um dia na vida, de Eduardo Coutinho”. De-
vires, V.7, N.2. p.132-138. Belo Horizonte, UFMG, JUL/DEZ 2010.
MAIA, Ana Maria. Arte-veículo: intervenções na midia de massa brasileira. Recife: Editora Aplicação e Edi-
235
tora Circuito, 2015.
MAIA, Paulo Roberto de Azevedo. “Domingo tem Abertura: um programa de televisão na cobertura da aber-
tura política no Brasil”, Revista Tempo e Argumento, v.9, n.21, p.09‐42. Florianópolis, maio/ago 2017.
MAIA, Paulo Roberto de Azevedo. “Glauber Rocha no caminho da televisão”. Anos 90, v. 25, n. 48, p. 327-349.
Porto Alegre: Dez. 2018.
RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.
RIBEIRO, Ana Paula; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da Televisão no Brasil: do início aos
dias de hoje. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

236
Arte nas redes sociais: o uso do Instagram como promoção
artística1
Marina Costa Pantoja2

Resumo:
Parte da afirmação de que o artista se utiliza das ferramentas de acordo com as tecnologias vigentes. Apresenta
o Instagram, rede social elaborada com fins de ser uma plataforma para o smartphone para compartilhamento
de imagens e de vídeos. Sendo o Instagram uma rede social voltada para publicação de fotos e vídeos em feed,
este artigo exemplifica perfis de ilustradores da rede social que usam o aplicativo como forma de divulgação e
exposição do seu trabalho em dois tipos diferentes: aquela somente com desenho (Tipo 1) e a publicação que
apresenta uma composição de desenho e objetos (Tipo 2), em sua maioria materiais de arte que o artista usou
para fazer o desenho. Finaliza apontando para o crescimento do uso de redes social, em especial do Instagram,
como meio de promoção artística

Palavras-chave: Arte; Ilustração; Rede Social; Instagram; Produção Artística;

Introdução
O cenário artístico vem se adaptando de acordo com as tecnologias vigentes na sociedade onde vive
como afirma Machado (2007) ao dizer que “A arte sempre foi produzida com os meios do seu tempo”.
No século passado, os museus e galerias e as publicações impressas foram largamente utilizados por
artistas para promoção artística. Contudo, com o advento da internet e dos computadores, o modo de ver e pu-
blicar arte se modificou consideravelmente. De acordo com a Enciclopédia Digital do Museu Norman Rockwel
a respeito do avanço da internet:
Em meados da década de 1980 [nos Estados Unidos], ocorreu o maior avanço da tecnologia de comu-
nicação desde que Gutenberg inventou a imprensa. O computador desktop foi inventado. Com sua
combinação revolucionária de software e hardware, ele alteraria completamente as maneiras pelas
quais os designers trabalharam e forneceram a promessa de um novo meio dinâmico para os ilustra-
dores. (ENCICLOPÉDIA DIGITAL DO MUSEU NORMAN ROCKWEL, 2016)

Instagram
Com a popularização das redes sociais, e o que antes necessitava de um intermediador entre o ilustra-
dor e o cliente já não se faz tão necessário; o próprio artista procura por mais visibilidade no mercado artístico
à níveis que superam os limites físicos.
O Instagram é uma rede social para compartilhamento de imagens e de vídeos via smartphone, surgido
com a premissa de compartilhamento de imagens utilizando o padrão “fotos Polaroid”, com filtros de cor in-
corporados em seu aplicativo.
Por ser uma rede social que visa o destaque de imagens, muitos artistas viram nesta ferramenta um
meio pelo qual publicar seus trabalhos na internet, pois por ser uma rede social de fácil acesso e simples, muitas
pessoas aderiam a ela tanto para publicações pessoais como profissionais.

Feed artístico
Com o aumento do uso do Instagram, surgiu um tipo de “padrão fotográfico” nas fotos publicadas em
sequência pelos usuários (feed). Contudo, pode-se notar que há diferenças entre perfis de mesmo conteúdo:
no caso de perfis artísticos, alguns postam fotos de suas artes com objetos, em outros, apenas o desenho ou

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT 4: Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens), do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia.
2 Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará, marycp9@gmail.com

237
pintura.
Através do método comparativo utilizando o feed de alguns usuários como objeto de estudo, cons-
tatou-se dois tipos de publicação proeminentes: as somente com desenho (Tipo 1) e as que apresentam uma
composição de desenho e objetos artísticos (Tipo 2).
A exemplo de artistas do Tipo 1 há o perfil @prosadecora da Ilustradora Baiana Malena Flores; e o
perfil @postitproverbios que pertence a ilustradora Marina Pantoja, formada em Artes Visuais, residente de
Belém-PA.

Imagem 03: Feed do Perfil @prosadecora


Fonte: https://www.instagram.com/prosadecora/

Imagem 04: Feed do perfil @postitproverbios


Fonte: https://www.instagram.com/postitproverbios

Como exemplo de publicações do Tipo 2, estão o @inconsciente_panda da ilustradora Belenense resi-


dente em Salvador-BA, Aylana Canto e o perfil @bellapessoa da artista Isabella Pessoa, residente em Campina
Grande-PB, em que elas fazem uma composição de seus materiais de desenho.

Imagem 01: Feed do @inconsciente_panda


Fonte: https://www.instagram.com/inconsciente_panda/

238
Imagem 02: Feed do @bellapessoa
Fonte: https://www.instagram.com/bellapessoa/

Sendo assim, através desse estudo comparativo nota-se que muitos artistas utilizam do Instagram como
meio de trabalho e em decorrência produzem seu próprio nicho artístico, além de compor uma estética visual
na apresentação de seus trabalhos no aplicativo possibilitando um conforto visual ao seguidor do perfil.

Referências

ABOUT US. In: Instagram. Disponível em: <https://www.instagram.com/about/us/>


Acesso em: 20 de junho de 2017.
BELLAPESSOA. In: Instagram. Disponível em:
<https://www.instagram.com/bellapessoa/> Acesso em: 16 de Fevereiro de 2017.
ENCICLOPÉDIA Digital do Museu Normam Rockwell. In: Museum Normam Rockwell - Ilustration His-
tory. Disponível em: <http://www.illustrationhistory.org/history/timeperiods> Acesso em: 03 de abril de 2016.
INCONSCIENTE_PANDA@inconsciente_panda. In: Instagram. Disponível em:
<https://www.instagram.com/inconsciente_panda/> Acesso em: 16 de Fevereiro de 2017.
MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
PANTOJA, Marina. @Postitproverbios: Criação de ilustrações e sua divulgação no meio digital. 2017. 148p.
Monografia (Graduação) Faculdade de Artes Visuais - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.
POSTITPROVÉRBIOS. In: Instagram. Disponível em:
<https://www.instagram.com/postitproverbios/> Acesso em: 16 de Fevereiro de 2017.
PROSADECORA. In: Instagram. Disponível em:
<https://www.instagram.com/prosadecora/> Acesso em: 16 de Fevereiro de 2017.
PRODANOV. Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho cientifico: métodos e técnicas da pesquisa e do tra-
balho cientifico. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

239
Eleições 2018: uma análise do movimento “Mulheres unidas
contra Bolsonaro”1
Nathalia Caroline da Silva Amaral2
Monalisa Pontes Xavier3

Resumo:
Neste resumo expandido analisamos a campanha “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” com base nos cartazes
utilizados pelas manifestantes durante as mobilizações de rua no dia 29 de setembro de 2018. Temos como ob-
jetivo principal compreender como o movimento reflete categoricamente a figura do sujeito e das identidades
coletivas na contemporaneidade. Para isso, correlacionamos os dados coletados com conceitos como poder,
sujeito, identidade e identidades coletivas. Utilizamos como técnica de análise, a análise de conteúdo categorial
proposta pela pesquisadora francesa Laurence Bardin (2009). Diante disso, foi possível avaliar que a campanha
reflete a mobilização de identidades múltiplas, tensionadas ou não, contra os dispositivos doutrinantes da so-
ciedade, ao propor novas vias de atuação que não estão aparelhadas nos meios tradicionais.

Palavras-chave: Identidade; Sujeito; Poder; Comunicação.

A campanha “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, iniciada durante o período eleitoral brasileiro no
ano de 2018, virou pauta dos principais meios de comunicação nacionais e chegou a levar milhares de pessoas
às ruas. O movimento tinha como objetivo inicial mobilizar mulheres contra o então candidato à Presidência
da República Jair Bolsonaro na rede social Facebook e era formado por mulheres de diferentes profissões, clas-
ses socioeconômicas, idades e até mesmo de distintos espectros políticos.
Deste modo, este resumo expandido teve como objetivo analisar quais os principais temas e linhas
de abordagem apresentados em cartazes fotografados4 durante os atos organizados pelo movimento contra o
candidato Jair Bolsonaro, no dia 29 de setembro de 2018, tendo como base metodológica a análise de conteúdo
categorial, método proposto pela pesquisadora francesa Laurence Bardin (2009), que consiste na análise de
conteúdos verbais ou não verbais, a fim de dar significação aos dados coletados.
A análise das categorias foi constituída por três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamen-
to dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise consistiu na sistematização das ideias iniciais do
projeto com base no referencial teórico. Na segunda etapa, codificação ou exploração do material, foram feitos
recortes das unidades de registro, ou seja, imagens e textos presentes nos cartazes analisados, identificando as
palavras-chave e fazendo um resumo do conteúdo para a primeira categorização. Na terceira etapa, foi realiza-
do o tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
Com a análise do conteúdo, percebemos que algumas categorias se evidenciam nos cartazes coletados.
A primeira categoria observada é a (in)submissão. Neste caso, podemos perceber as características determina-
das por Foucault (1995) para tipificar as lutas antiautoritárias. Primeiro, a campanha enquadra-se como luta
transversal, com atos paralelos ocorrido em vários países, e também é imediata, pois objetiva se contrapor ao
candidato e não a todo o sistema político brasileiro, bem como objetiva se contrapor aos efeitos do poder.
Os cartazes do movimento indicam outra característica pontuada por Foucault (1995), por afirmar o
direito de ser diferente e enfatizar o que torna cada uma das mulheres individuais, como o cartaz “Sou filha,
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí. Mestranda do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí. E-mail: nathaliacsamaral@gmail.com
3 Doutora em Ciências da Comunicação pela UNISINOS. Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal do Ceará (2009),
mesma instituição pela qual é graduada em Psicologia (2005). Professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí e
do Programa de Pós Graduação em Comunicação/UFPI. E-mail: monalisapx@yahoo.com.br
4 Disponível em: <https://goo.gl/RM1GVq> e <https://goo.gl/Hrcvp2>. Acesso em 10 de dezembro de 2018

240
irmã, amiga, esposa de alguém”, e, por outro lado, ataca o que para elas significa a separação do coletivo, que-
brando a relação de umas com as outras, como no cartaz “Mulher que se respeita não vota em uma pessoa
perturbada como esse Bolsonaro”, segurado por mãos que se destacavam na multidão.
Pelo movimento é possível perceber como as lutas antiautoritárias atuam contra o poder político, que
na visão de Foucault (1995), é tanto individualizador quanto totalizador. Deste modo, fazer revolução significa
propor formas de resistência, ou seja, de insubmissão às formas de poder vigentes na sociedade. Na sociedade
disciplinar, conceito criado por Foucault, os dispositivos funcionam como máquinas de subjetivação que atu-
am sobre nossos corpos e produzem subjetividades.
Fazendo um paralelo com o movimento, notamos como a mobilização feminina pode ser vista como
um entrelaçamento das lutas contra as formas de sujeição e dominação presentes na sociedade. Ao afirmar
“Ei, machista, meu orgasmo é uma delícia”, as manifestantes estão se contrapondo à estrutura disciplinar que
doutrina não só os seus corpos, mas também as suas almas5.
A segunda categoria observada durante a análise dos cartazes presentes nas manifestações de rua do
movimento Mulheres unidas contra Bolsonaro diz respeito à palavra “mulher”. Vários cartazes utilizam da
palavra mulher para demarcar o lugar de uma identidade feminina. Para analisar essa categoria, partimos do
conceito de identidade proposto por Manuel Castells (1999) e por Stuart Hall (2006). Castells (1999) afirma
que as identidades podem ser múltiplas, no entanto, faz-se necessário fazer uma distinção entre as identidades
e os papéis desempenhados pelos indivíduos em sociedade. Já o teórico cultural Stuart Hall (2006), em sua
obra “Nascimento e Morte do Sujeito Moderno”, determina que o sujeito pós-moderno não possui apenas uma
identidade, e sim várias identidades em conflito.
Portanto, quando as manifestantes se auto afirmam como “mulher”, são lançados sobre esse signo uma
série de significados que determinam os espaços de atuação dessa identidade na nossa sociedade, pois a identi-
dade é determinada por meio das inferências que são captadas através da nossa convivência em sociedade e dos
significados culturais que são percebidos. Através dos cartazes percebemos que, apesar de ser constituído por
mulheres, o movimento também enquadra outras identidades, demonstrando que o movimento é composto
por sujeitos plurais, descentrados e com diversas narrativas identitárias.
Por fim, propomos uma análise da categoria coletividade. Através da exploração dos cartazes foi possí-
vel observar como as principais expressões utilizadas pelas manifestantes fazem alusão ao sentido de coletivi-
dade constituído a partir da junção de seres plurais para atingir a um determinado propósito. Segundo Castells
(1999), a identidade é construída em um contexto marcado por relações de poder e sua construção se dá de três
formas distintas: a primeira diz respeito à identidade legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes
que visam a expansão e racionalização da sua dominação; a segunda é identidade de resistência, criada por
atores sociais desvalorizados ou estigmatizados pela lógica de dominação, mas que criam modos de resistên-
cias e sobrevivência a partir dos seus próprios princípios; e a identidade de projeto, como o feminismo, modelo
em que os atores sociais utilizam dos materiais culturais à sua disposição para construir uma nova identidade
redefinidora da sua posição em sociedade.
Para o autor, as identidades coletivas possuem um núcleo essencial pelo qual são congregados os va-
lores e metas difundidas pelos movimentos, capaz de abarcar as múltiplas vozes que o compõe. Por mais que
o movimento seja composto por uma multiplicidade de identidades - conflitantes ou não -, é essa pluralidade
que permite a construção do sentido de coletividade. Assim, “reivindicar uma identidade é construir poder”
(CASTELLS, 1999, p. 235).
Said (2014), ao analisar a pluralidade de vozes e reivindicações que compuseram os protestos de junho
de 2013 no Brasil, nos leva a observar como esses novos movimentos de rua levam a uma ressignificação do
espaço público, no que ele chama de “delírio coletivo”. Deste modo, temos uma ressignificação do espaço pú-
blico através do engajamento coletivo, utilizado neste caso como luta política perpetrada por vozes dissidentes,
vozes estas que não possuem espaço em locais de luta tradicional, como os grandes meios de comunicação, ou
que simplesmente buscam avançar por outros campos de visibilidade. Podemos afirmar, portanto, que o movi-
5 Em Foucault (2014), a mudança do espetáculo da punição para a assepsia é uma mudança da sociedade do espetáculo para a
sociedade da vigilância, em que a grade reticular passar a atuar não apenas punindo o crime, mas sim moldando a alma e esta alma
é produzida discursivamente.
241
mento é polifônico e composto por múltiplas identidades que buscam autonomia enquanto atores sociais para
desta forma conseguir alcançar uma mudança social e cultural.
Assim, a partir da análise dos cartazes do movimento Mulheres Unidas contra Bolsonaro, percebemos
que a campanha tem como objetivo promover uma mudança cultural e social a partir do engajamento coletivo
proporcionado pela mobilização dos atores sociais pelas redes sociais e, posteriormente, em avenidas, praças e
ruas de várias cidades pelo mundo. Neste caso, a internet atuou como um instrumento político crucial para a
disseminação da mensagem do movimento, através do qual foi possível mobilizar e organizar os atores sociais
para os atos presenciais.
Através dos cartazes analisados identificamos que os sujeitos pertencentes ao movimento possuem
identidades múltiplas em conflito e, apesar disso, uniram-se em prol de uma causa comum. Ao empunhar
os cartazes e mostrar a insatisfação e a resistência contra o então candidato, as integrantes proporcionaram a
criação de uma identidade coletiva que propõe mudanças efetivas no cenário político brasileiro.
Desta forma, destacamos o posicionamento das ativistas contra o ordenamento disciplinar vigente. Se
impor e ir às ruas contra um candidato à Presidência, além de ser uma forma de mobilização, mostrou-se um
instrumento capaz de unir as mais divergentes identidades em busca de um bem comum. Assim, entendemos
que o movimento é um modo de atuar contra os dispositivos doutrinantes da sociedade, ao propor novas vias
de atuação que não estão aparelhadas nos meios tradicionais.

Referências

CASTELLS, Manuel. Reprogramando as redes de comunicação: movimentos sociais, a política insurgente e o


novo espaço público. In: O poder da comunicação. Trad. Vera Lúcia Mello Joscelyne. 1ª edição. São Paulo/Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 353-466.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz e Ter-
ra, 2000. 530p. (A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, 2).
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In P. RABINOW e H. DREYFUS, Michel Foucault: uma trajetória filosó-
fica (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249.
FOUCAULT, Michel. O panóptico. In: ______. Vigiar e punir. Petropólis: Vozes, 2014, p. 190-222 (mais ex-
certos, p. 09-35; 133-146).
HALL, Stuart. Nascimento e morte do sujeito moderno. In: Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-moder-
nidade. Guaraeira Lopes Louro – 11. Ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MORIN, E. La Nocion de Sujeto. In: SCHNITMAN, D. F. (org.) Nuevos Paradigmas, Cultura y Subjetividad.
Buenos Aires: Editorial Paidós, 1992.
ROSE, Nikolas. Como se deve fazer a história do eu?. In: Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 26, n. 1, pp.
34-57, jan/jun 2001.
O DIA, Protestos contra e a favor de Bolsonaro tomam diversas cidades no país e no mundo. Disponível em:
<https://odia.ig.com.br/brasil/2018/09/5579358-protestos-contra-e-a-favor-de-bolsonaro-tomam-diversas-ci-
dades-no-pais-e-no-mundo.html#foto=1>. Acesso em 10 de dezembro de 2018.
BAND, Protesto contra Bolsonaro reúne milhares de pessoas no Brasil e no mundo. Disponível em: < ht-
tps://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000933589/protesto-contra-bolsonaro-reune-milhares-de-pessoas-
-no-brasil-e-no-mundo.html>. Acesso em 10 de dezembro de 2018.

242
NARCISISMO: a autoestima do “novo vaqueiro nordestino”1
Sanny Ravanne da Cunha Rêgo2
Gustavo Fortes Said3

Resumo:
O vaqueiro nordestino, na atualidade, tem ganhado novas simbologias através da música, principalmente, o
gênero forró voltado para a ostentação. O sujeito simples visto, por muito tempo, como sofredor, batalhador,
herói do sertão, ganhou mais um referencial identitário com o mercado fonográfico brasileiro: o de detentor de
poder e riqueza na sociedade. Baseando-se nestas considerações, o objetivo desta pesquisa, cujo título é Narci-
sismo: a autoestima do “novo vaqueiro nordestino” é o de analisar o sujeito vaqueiro, sob o novo viéis de pro-
dução simbólica por meio do forró, nos últimos dez anos, por meio do conteúdo de letras de músicas, desde o
forró clássico, com Luiz Gonzaga, até os mais atuais referentes ao luxo, com o cantor Júnior Viana. Trata-se de
uma análise teórica que aborda conceitos de narcisismo e autoestima para entender como ocorre a construção
e propagação deste novo vaqueiro. Por meio do estudo, concluiu-se que a imagem é condição necessária para o
espetáculo na cena social, pois é nela que ele tem a possibilidade da seleção e do fascínio narcísico.

Palavras-chave: Vaqueiro Nordestino; Forró; Simbologia; Narcisismo; Autoestima.

A figura do vaqueiro tem ganhado novas conotações no ramo da atividade comercial, ou seja, como
produto cultural e industrial no mercado fonográfico. A ideia do sujeito nordestino passa por uma significativa
mudança neste setor. Se antes, a música, por exemplo, do Luiz Gonzaga, que expunha o vaqueiro como um
sujeito simples, hoje ele é visto, por meio da nova música nordestina, o forró vaquejada ostentação, como um
detentor de poder e riqueza na sociedade.
O objetivo desta pesquisa é o de analisar o sujeito vaqueiro, sob a nova perspectiva do gênero musical
forró, atualmente, a partir da ótica dos conceitos de narcisismo e autoestima, a partir de uma análise teórica.
O narcisista depende dos outros para validar sua auto-estima. Ele não pode viver sem um público
admirativo. Sua aparente liberdade de laços familiares e de pressões institucionais não o liberta para
ficar sozinho ou glorificar-se de sua individualidade. Ao contrário, contribui para a sua insegurança,
que ele só poderá superar vendo o seu ‘ego grandioso’ refletido nas atenções dos outros ou ligando-se
àqueles que irradiam celebridade, poder e carisma (LASCH, 1983, p. 30-1).

É válido ressaltar, aqui, e deixar bem claro que, quando se refere ao termo vaqueiro nordestino nesta
pesquisa, está se levando em conta o sujeito cultural vaqueiro construído e propagado nesse gênero musical,
bastante difundido no ramo, nos últimos dez anos.
Luiz Gonzaga foi o pioneiro do sucesso do gênero musical que mais aborda questões relativas ao va-
queiro: o forró.
É na década de quarenta que surge Luiz Gonzaga como o criador da “música nordestina”, notada-
mente do baião. Ele, depois de passar por São Paulo, onde compra um sanfona que desejava havia
muito tempo, chega ao Rio de Janeiro em 1939, após dar baixa do Exército, onde tinha sido cornetei-
ro entre 1930 e 1938. Nascido na Fazenda Caiçara, município de Exu, Pernambuco, em 1912, Gonza-
ga era filho de camponeses pobres; Januário, seu pai, era sanfoneiro, artesão que consertava sanfonas
e que animava bailes rurais nos fins de semana. (ALBUQUERQUE JR, 2006, p.153)

As músicas de Gonzaga remetem, em sua maioria, a uma saudade do lugar. O Nordeste é tido como um
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens (GT4), do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade Federal do Piauí, graduada em Comunicação Social: Jornalismo e Relações Públicas, mestranda em Comunicação.
E-mail: sanny_rav@hotmail.com
3 Universidade Federal do Piauí, Doutor em Ciências da Comunicação. E-mail: gsaid@uol.com.br

243
espaço de memória e tende a expressar um complexo de inferioridade cultural, necessitando sempre de uma
validação e reconhecimento do Sul. “O Nordeste de Gonzaga é criado para realimentar a memória do migran-
te” (ALBUQUERQUE JR, 2006, p.159)
Para melhor exemplificação, na música “Vida de Vaqueiro”, composição de Luiz Gonzaga, ele põe o
vaqueiro, sua maior inspiração para as letras, como saudosista do sertão, sofredor, trabalhador, simples e que
ama o Nordeste, mesmo com todas as dificuldades. Por várias vezes, Luiz põe estas dificuldades como, de fato,
elementos exaltados e amados pelo morador do lugar.
Eu quarqué dia/Vou-me embora pro sertão/Pois saudade/Não me deixa sossegar/Chegando lá/Visto
logo meu gibão/Selo o cavalo/E vou pro mato vaquejar/O bom vaqueiro/Traz sempre no alforge/Fa-
rinha seca/Rapadura, carne assada/Mas tem um fraco/Que é um vício que num foge/Samba de fole/
Com muié desocupada.

A partir deste forró clássico, surgiram outras ramificações do gênero. Um deles, o forró vaquejada, mais
voltado à prática do esporte do vaqueiro e utilizando traços identitários desta cultura, como o aboio (o canto
do vaqueiro), por exemplo, exaltando a força do esportista na pega do boi na pista e, agora, o forró vaquejada
ostentação, que mescla os sentidos do vaqueiro tradicional, esportista, só que tratando-o como uma maneira
de viver pautada na riqueza, no luxo e luxúria, chegando a ser confundido com o fazendeiro, em si, detentor de
terras, gado, carros e dinheiro.
Junior Vianna, cantor do gênero forró ostentação, reforça as características anteriormente menciona-
das, em suas letras de músicas.
A seguir, a música “O melhor vaqueiro do Brasil” para melhor análise.
E falam que o melhor vaqueiro do Brasil sou/Disseram que o melhor cavalo da pista é o meu/Co-
mentam que eu sou uma estela no meio do povo/Que o meu dinheiro é muito/E o meu carro é novo/
Olha eu não roubei nada/Foi Deus quem me deu/Eu sou um vaqueiro/Que ganha dinheiro/Que cai
na balada/Que vira o mundo de mente virada/Que não sente medo de se arriscar/Sou daquele tipo/
Que carrega a loira/E pega a morena/Pena que gasto é meu dinheiro sem pena/Aonde tem vaqueiro
que não quer gastar/E já tão me chamando de vaqueiro rico/Da rede rasgada sou prego batido/Da sou
ponta virada doido por balada cachaça e mulher/Eu tenho certeza que quando eu morrer eu não vou
levar nada/Mas deixo o cavalo e uma namorada pra chorar por mim quando ela quiser. (VIANNA,
2016)

Este novo vaqueiro nordestino construído pelo mercado musical possui uma autoestima acentuada. O
sujeito narcisista em questão se auto vangloria (suas práticas, história, pertences, atitudes) em um espaço onde
quem tem mais é mais valorizado, havendo, desta forma, a autovalorização, podendo ser considerado um ser
narciso.
O perfil identitário do vaqueiro no forró voltado para a ostentação é, portanto um vaqueiro diferente
dos estereótipos antigos, com alguns traços do “velho” nordestino reforçados. O vaqueiro, na música atual,
tornou-se um segmento musical. Ele ainda existe, mas é um vaqueiro rico na lógica do mercado, porque vende
mais.
A indústria cultural tem investido nessa vertente: homens com joias e roupas de luxo, com carros caros
e se dizendo ser vaqueiros criam uma imagem altamente propícia ao espetáculo.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed. Recife: FJN, São
Paulo: Cortez, 2006.
ARAÚJO, Maria das Graças. Considerações sobre o narcisismo. Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 34 – p.
79-82 – Dezembro. 2010
ASSUMPÇÃO, G. A. Narcisismo e subjetividade. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil, 2007.
BADUY, R. S; CARVALHO, P.R. Narcisismo e Mídia: Uma Análise Psicossocial. Universidade Estadual de
244
Londrina: 2014.
FREUD, S. [1914]. Sobre o narcisismo: uma introdução. In:____. Edição standard brasileira das obras psico-
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sismo, pulsão, recalque, inconsciente – 6. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. (Trabalho original publicado
em 1995).
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Paulo: Martins Fontes (Trabalho original publicado em 1967).
LASCH, Christopher. A Cultura do Narcisismo: A Vida Americana numa Era de Esperanças em Declínio. Rio
de Janeiro: Imago Editora, 1983.
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MANSANO, S. R. V. Sorria, Você está Sendo Controlado: Resistência e Poder na Sociedade de Controle. São
Paulo: Summus Editorial, 2009.
Paiva, C.C. (2012). O Espírito de narciso nas águas do Facebook: as redes sociais como extensões do ego e da
sociabilidade contemporânea. INTERCOM- XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar: 1998.
SODRÉ, Muniz. Televisão e Psicanálise. São Paulo: Editora Ática, 1987.

245
INSTAGRAM: relações entre
capital social e a comunidade artística1
Teodoro Montenegro2

O desenvolvimento de redes sociais na internet possibilitou, neste espaço, a formação de comunidades


entre pessoas que compartilham interesses em comum. “Comunidades” aqui se referem não apenas aos grupos
fechados comuns nos sites de rede social, mas ao “grupo” de seguidores (pessoas as quais se determina rela-
ções de diferentes tipos) que um determinado ator social possui. Esses agrupamentos se dão pelas, segundo
Raquel Recuero (2012), “novas formas de estar junto, ocasionadas pela facilidade de encontrar indivíduos com
interesses semelhantes”, que permitem acesso à mesma informação por pessoas de diferentes partes do globo.
Neste referente resumo expandido, trabalha-se, através da análise de diferentes perfis, essas novas relações no
campo de interesse artístico, no qual encontramos consumidores, artistas amadores e profissionais, curadores,
galerias, etc.
Através dessas relações (tanto no mundo off-line quanto online), o indivíduo, nesse caso, envolvido
com arte, busca através do trabalho empenhado em sua rede reconhecimento, parcerias, e outros fenômenos
específicos que serão abordados mais na frente. Para Raquel Recuero, esses valores são denominados de capital
social, o qual discorre:
O conceito de capital social não tem aspectos homogêneos na literatura. A maioria dos autores con-
corda apenas que se trata de um valor relacionado às conexões sociais, ou seja, obtido através do
pertencimento a um grupo social (Coleman, 1988; Bourdieu, 1983; Putnam, 2000; Lin, 2001). Assim,
o capital social constitui-se em recursos que são mobilizados através das conexões sociais, única e
exclusivamente. (RECUERO, 2012, p. 599).

Tratando-se de capital social na internet, o presente resumo expandido se restringe a rede social “Insta-
gram”, um aplicativo de compartilhamento de fotos e vídeos e que é majoritariamente utilizado pelos aparelhos
móveis de celular, logo, as imagens produzidas para serem postas (ou postadas) em circulação de rede se adap-
tam a este aparelho em questões de formato, tamanho, resolução, tempo de vídeo, etc. Além dessas mudanças
“físicas”, muda-se também a forma com que os indivíduos se relacionam com as imagens, com os produtores
destas, e também com a própria plataforma, que acrescenta configurações em si mesmo para colaborar (ou até
mesmo incentivar) essas novas relações, isso tudo devido à forte inserção desta ferramenta em nossa cultura.
Procura-se aqui compreender as novas relações entre artistas e seu público mediadas pelo Instagram.
É importante definirmos que meio artístico será representado durante a pesquisa. Refere-se à relação
entre artistas (majoritariamente visuais, já que se trata de uma rede social de fotos e vídeos) e seu público, que é
mediada por algumas “normas” de relação, dadas pela manutenção de capital social, que já existiam em outros
contextos sociais. Essa “manutenção” é equivalente ao empenho (ou seja, quaisquer interações do artista com
seu público através da rede) que o artista põe sobre a própria imagem com o objetivo de alcançar, na prática,
o prestígio desejado, seja em vendas, seja em exposições ou qualquer outro símbolo de sucesso para a comuni-
dade artística. Raquel Recuero nomeia esse empenho de “investimento” e cita que o mesmo traz “benefícios”
individuais e/ou para a própria rede social, como “presença, legitimação, visibilidade, informação, autoridade,
reputação, popularidade, etc” (RECUERO, Raquel; pg 611; Tabela 1: Capital Social nos Sites de Rede Social).
A independência dos atores de rede na internet, fornecida pelas próprias plataformas, como aponta
Henry Jenkins em “A cultura da conexão”, permitiu esses atores da rede compartilharem (e produzirem) livre-
mente conteúdos de seu interesse.
A propagabilidade reconhece a importância das conexões cada vez mais visíveis (e amplificadas)
pelas plataformas da mídia social. Essa abordagem pode ainda incluir mensurações quantitativas da
frequência e da amplitude dos deslocamentos de conteúdo, mas torna importante ouvir ativamente
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das imagens (GT4), do IV Simpósio
Nacional de Arte e Mídia.
2 Estudante de comunicação social pela Universidade Federal do Maranhão.
246
as maneiras pelas quais os textos de mídia são usados pela audiência e circulam por meio das intera-
ções entre as pessoas. (JENKINS, Henry; pg 29).
Antes de se haver a propagação de conteúdo, é necessário, como já foi abordado, estabelecer relações de
interação entre os atores da rede, ou seja, desenvolver capital social para que se tenha circulação de conteúdo e
adquirir os benefícios. Sendo assim, aqueles que se interessam por produzir e expor conteúdo de arte de forma
independente possuem como alternativa as plataformas de mídia social.
Devido ao exposto, conclui-se que as plataformas digitais se validam como meio de exposição artístico.
Mas como os artistas se apropriam da plataforma? Foi analisada algumas contas no Instagram voltadas a arte,
ou seja: artistas profissionais, artistas amadores e galerias. Uma das contas analisadas é a do Setiawan3, ilustra-
dor indonésio independente que, hoje, conta com mais de três mil seguidores na sua rede. Em entrevista, ele
conta:
Comecei a postar meu trabalho no Instagram desde quando eu criei a conta em 2013. Na época eu
estava aprendendo a desenhar, e o objetivo era analisar o quão bom meu trabalho era e quantas pes-
soas iriam gostar, então assim, eu saberia o quanto meu trabalho é apreciado pelas pessoas. (Setiwan
via e-mail)

Aqui, vemos o Instagram como uma ferramenta de “ensaio” para as obras, ou seja, um ambiente de tes-
te para o aperfeiçoamento de trabalhos artísticos, principalmente através das reações recebidas em cada obra
postada. Acerca dos benefícios práticos, ou seja, as realizações profissionais adquiridas pelo capital social no
Instagram, Setiwan cita: “Instagram me ajuda a mostrar o meu trabalho. Já me fez arranjar clientes no EUA,
fazer colaborações com várias marcas fora do meu país e ter pessoas que gostem do meu trabalho, como você.
Você gosta do meu trabalho, não é?”. Essas comunidades profissionais tornam-se visíveis dentro da plataforma,
e com isso, o próprio aplicativo se adapta para receber este novo público, e acaba legitimando a profissionali-
zação dos perfis. Setiwan comenta sobre as ferramentas fornecidas pela plataforma: “eu gosto da opção ‘perfil
comercial’ do Instagram pois permite criarmos perfis profissionais na nossa conta e adicionar um botão de
acesso para o e-mail, tornando mais fácil aos visitantes do meu perfil me contatarem diretamente”.
“Acho que Instagram é um lugar legal para mostrar os trabalhos. Mas artistas ainda devem mostrar
seus trabalhos no mundo real”. Aqui, Setiwan fala sobre a diferença entre os trabalhos exibidos no mundo off-
-line e online. Pode-se concluir que o espaço em que se expõem tais trabalhos depende da própria obra (se ela é
feita digitalmente ou com materiais físicos) do objetivo do artista, e também do público que ele visa, em casos
como do Setiwan, que sua obra é toda montada virtualmente, é mais prático mantê-la nesse espaço, já que seu
público é alcançado. Porém, ao citar “artistas”, ele se refere àqueles que necessitam do valor simbólico que é
atribuído à obra de arte que é levada a galerias e museus físicos. Mas até mesmo para estes artistas, o Instagram
possui seu papel.
Polly Nor4, artista londrina, começou sua carreira em 2011 com exibições físicas, e posterirmente usou
do seu poder de influência no Instagram (que contabiliza um milhão de seguidores) para atrair um maior
público às suas exposições. Dentro do espaço digital, Polly adapta a sua obra ao formato da plataforma para
facilitar a interpretação de seus desenhos, como a ordem de imagens postadas que dão origem a uma história
narrativa. Além disso, os temas abordados no Instagram acabam sendo abordados posteriormente nas exibi-
ções físicas, ou seja, há um cruzamento de mídias, unificando os espaços off e online, o que facilita a compreen-
são de seu trabalho. Outro fenômeno de trânsito entre os dois espaços é o trabalho de algumas galerias como a
americana Tax Collection5, que utiliza de seu capital social para divulgar artistas, coletando imagens artísticas
no Instagram, a partir da ferramenta “direct”, que é equivalente a um bate-papo, para serem expostas por eles,
e, através do sistema de curadoria, algumas são selecionadas para serem expostas em galerias físicas e/ou na
conta da própria Tax Collection.
A criação de um nicho de artistas no Instagram é nítido, pois pode-se concluir que a plataforma foi
apropriado pela comunidade artística para seu próprio benefício, e não obstante de ser algo positivo. O fato de

3 https://www.instagram.com/z.artwrk/?hl=pt-br
4 https://www.instagram.com/pollynor/?hl=pt-br
5 https://www.instagram.com/taxcollection/?hl=pt-br
247
o capital social na plataforma ajudar artistas a promover suas obras (tanto num sentido publicitário, quanto in-
corporado à própria obra) é tão bom para eles quanto para a plataforma, pois fortalece a rede e assim atrai mais
usuários. O aproveitamento do espaço e das ferramentas para a obtenção de capital social pela comunidade
artística foi também uma forma de comprovar a adaptação desta ao mundo tecnológico que interfere, inclusive,
nas relações sociais. O teórico russo Lev Manovich (2016) utiliza o termo “Instagramism” para caracterizar o
instagram também como uma vanguarda, uma nova forma de produzir imagens que unifica design, fotografia
e a visão particular do ator de rede. “Instagramism” seria a democratização (através de ângulos e filtros) de
imagens esteticamente perfeitas independentemente do conteúdo do perfil, e essa perfeição é conhecida por ele
com “design poético”.

Referências

REQUERO, R. O capital social em rede: como as redes sociais na internet estão gerando novas formas de ca-
pital social. 2012
JENKINS, H. Cultura da conexão.
MACIEL, J. Exposições para a fotografia comum: imagem, tecnologia e estética no Flicker”.

248
Midiativismo, Movimentos Sociais
e o papel ativo dos sujeitos comunicantes1
Vilso Junior Santi2
Adrián Padilla Fernández3

Resumo:
O presente ensaio parte das contribuições dos Estudos Culturais em sua derivação Latino-americana; discute
os Estudos de Recepção e a Teoria das Mediações – a partir das contribuições de Johnson (1999), Kellner (2001)
e Martín-Barbero (2003) e movimenta a Teoria da Ação Coletiva e/ou a Teoria dos Movimentos Sociais – atra-
vés dos postulados de Tarrow (1997) e Ghon (1997) – para falar de Midiativismo e evidenciar que os Movimen-
tos Sociais mais recentes são, por excelência, Movimentos Culturais: são formas históricas de manifestação de
consciência (e de subjetividade) e estão relacionados às possibilidades de interpretação de formações sociais
mais amplas – ao inteiro (ao todo) das sociedades.

Palavras-chave: Midiativismo; Movimentos Sociais; Sujeitos Comunicantes.

Discutir a relação entre os Estudos Culturais, os Estudos de Recepção, a Teoria das Mediações e a Teo-
ria dos Movimentos Sociais, através da tomada de consciência da importância fundamental do papel ativo nos
sujeitos nesses processos é o que propomos neste trabalho.
Esta construção realça o papel dos sujeitos e abre possibilidades para exercício da resistência enquanto
possibilidade de existência concreta em um ambiente de permanente conflito – conflito este que produz mo-
vimento; produz movimento social. Tal perspectiva passa a admitir que um mesmo objeto cultural, dentro de
cada grupo em particular, pode se transformar em seu uso social e mudar sua significação.
De acordo com Gohn (1997, p.243) os indivíduos quando questionados sobre suas simpatias ou identi-
ficações para com alguns movimentos sociais (pela paz, reforma agrária, ecológicos) não têm dificuldade em
identificá-los. “Isso porque tais pessoas atentam para - apenas – uma das dimensões dos movimentos, a do
conteúdo da demanda em si. Elas veem o movimento como um todo homogêneo, a partir da imagem que suas
ações projetam na sociedade”.
Porém, nas ciências sociais críticas e nos estudos culturais, ao se abarcar outras dimensões como, cren-
ças, valores, diferenças internas etc., e as práticas sociopolíticas desenvolvidas, a definição se torna mais com-
plexa. Desse modo, a partir de algumas diferenciações elas mesmas propostas por Gohn (1997, p.245) entre
movimento e grupo de interesse, quanto ao uso ampliado da expressão movimentos sociais, entre os modos de
ação coletiva e o movimento social propriamente dito e, quanto à esfera de ocorrência da ação coletiva, pode
se afirmar que: “movimento social refere-se à ação dos homens na história. Esta ação envolve um fazer - por
meio de um conjunto de procedimentos - e um pensar - por meio de um conjunto de ideias que motiva ou dá
fundamento a ação”.
As ideias movimentadas pela teoria da ação coletiva e pelo conceito ação coletiva contenciosa, nesta
matriz de pensamento, constituem a base (o alicerce) para o surgimento do que se convencionou chamar de-
pois de movimentos sociais. As ações coletivas contenciosas, conforme os autores, podem se manifestar de
múltiplas formas, produzem-se no marco das instituições já estabelecidas e são promovidas por grupos (recém)
constituídos que atuam em nome de objetivos comuns. Elas são utilizadas por quem carece de acesso regular
as instituições, que atua em nome de reivindicações novas ou não aceitas e que podem representar ameaça aos

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 4. Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens, do IV Simpósio Nacional
de Arte e Mídia.
2 Doutor em Comunicação Social. Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fede-
ral de Roraima – Boa Vista, Roraima, Brasil. E-mail: vjrsanti@gmail.com
3 Doutor em Ciências da Comunicação. Professor-pesquisador da Universidad Nacional Experimental Simón Rodrígues – Caracas,
Venezuela. E-mail: adrianpadifer@gmail.com
249
grupos privilegiados estabelecidos (TARROW, 1997).
Os movimentos sociais, nesta perspectiva, surgem quando aparecem as oportunidades políticas para
intervenção de agentes sociais que normalmente carecem delas. Estes movimentos atraem a atenção por meio
de repertórios conhecidos, demandas reprimidas e enfrentamentos antes amainados. Em sua base, além das
insatisfações em relação a ordem estabelecida, estão as redes sociais de solidariedade e os símbolos culturais
através dos quais se estruturam as relações sociais.
Conforme Tarrow (1997) o mecanismo básico disparador dos movimentos sociais relaciona: incentivos
pontuais; oportunidades políticas contextuais; possibilidade de ação coletiva concreta; existência de antagonis-
mos sociais; e, a maturação de redes sociais de solidariedade e do seu marco cultural de referência. Esse soma-
tório, segundo o autor, configura os modos de fazer, as dinâmicas (internas e externas) e influencia até mesmo
os possíveis resultados dessas movimentações da sociedade.
Nesse debate ação coletiva, redes sociais, discursos ideológicos, privações, violências e luta política não
podem ser tomados em separado, pois, são estas características que autorizam ver as propriedades básicas de
qualquer movimento social. A saber: a) Desafios coletivos; b) Objetivos comuns; c) Solidariedade intrínseca; d)
Capacidade de ação (TARROW, 1997).
Dessa forma, para Tarrow (1997), uma definição conceitual sobre os movimentos sociais fica mais evi-
dente quando estas movimentações da sociedade são relacionadas aos desafios coletivos invocados por um
grupo de pessoas de compartilham objetivos comuns (e solidariedade) em uma interação mantida conta as
elites, oponentes ou as autoridades. Segundo o autor, inclusive quando fracassam, os movimentos sociais sem-
pre produzem efeitos de grande alcance na sociedade e põe em marcha importantes mudanças. O poder dos
movimentos, portanto, se manifesta quando os cidadãos comuns (sujeitos ativos) unem forças para enfrentar
as mazelas que os afetam.
Realidades complexas como as latino-americanas, as brasileiras e as amazônicas, marcadas por contur-
bados processos e pelas lutas permanentes de movimentos sociais dos mais variados tipos, tendem a emprestar
aspectos únicos aos debates sobre a relação entre Comunicação e Cultura; Estudos Culturais e Estudos de
Recepção; Teoria das Mediações, Teoria da Ação Coletiva e Midiativismo. Podemos afirmar que é pela via da
multiplicidade abarcada pela referida linha teórica que as distintas formas de opressão em realidades sociais
tão específicas como as nossas ficam evidentes.
Os Estudos Culturais, ao vincular suas análises às realidades históricas dos sujeitos, pela variedade de
objetos que estuda e analisa e por sua interdisciplinaridade potencial, colocam no centro dos debates as co-
nexões entre os sujeitos ativos, a cultura, a história e os movimentos da sociedade. Deriva de suas influências
Marxistas a preocupação com os processos culturais – em sintonia com as relações sociais díspares estabele-
cidas (entre classes, gêneros, raças etc.); a percepção de que cultura envolve poder – e com isso contribui para
produzir assimetrias nas capacidades dos indivíduos e grupos sociais; e a constatação de que o cultural não é
campo autônomo, nem campo determinado – mas local de diferenças e lutas sociais.
Tomar a cultura como local de luta social significa credenciá-la como locus prioritário de análise para
os movimentos sociais; como locus prioritário de análise para os movimentos da sociedade. Neste lugar, como
afirma Johnson (1999), não há como ficar alheio ao trabalho político do cultural e/ou às condições culturais da
política. Aí analisar as formas culturais implica analisá-las em conjunto com as formas de exercício de poder e
suas possibilidades sociais.
A dimensão política do cultural, por sua vez, nos autoriza a problematizar as formas históricas de cons-
ciência (ou de subjetividade); nos autoriza pensar sobre as formas subjetivas que movimentamos para sobre-
viver e sobre o lado subjetivo das relações sociais. Aqui tanto subjetividade quanto consciência não são dadas,
mas tomadas como construídas culturalmente.
Movimentos sociais são, portanto, por excelência, também movimentos culturais. São formas históri-
cas de manifestação de consciência (e de subjetividade) e estão relacionados às possibilidades de interpretação
de formações sociais mais amplas – ao inteiro (ao todo) das sociedades.
Esta construção abre a possibilidade para que todas as práticas sociais, inclusive o Midiativismo, pos-
sam ser examinadas a partir de um ponto de vista cultural – e, examinadas a partir do trabalho que elas fazem
subjetivamente. Isso tonifica o papel dos sujeitos e abre possibilidades concretas para exercício da resistência
250
enquanto bandeira de luta (objetiva e subjetiva). Tal perspectiva passa a admitir que um mesmo objeto cultural,
dentro de cada grupo em particular, pode se transformar em seu uso social e mudar sua significação.
Conforme Kellner (2001) a cultura, portanto, aí passa a ser um terreno de disputa no qual os grupos
sociais estabelecem a luta por hegemonia; no qual as relações de poder, dominação e resistência se efetivam;
no qual se dá o encontro dos processos comunicacionais para com os movimentos sociais – aos moldes do que
postula Martín-Barbero (2003).
É neste ponto de encontro que as mediações – as articulações entre práticas de comunicação e os movi-
mentos sociais, suas diferentes temporalidades e pluralidade de matrizes culturais – emergem como categorias
de análise. Partindo da concepção das mediações se consegue transpor de fato os estudos a outro patamar –
para o amplo espaço da cultura. Esse deslocamento se dá devido a inegável pertinência da aproximação entre
os debates em torno relação Cultura e Comunicação; Estudos Culturais e Estudos de Recepção; Teoria das
Mediações e Teoria dos Movimentos Sociais.
Dentro desse universo, as mediações passam a ser compreendidas como um conjunto de fatores estru-
turantes, que organizam e reorganizam a percepção e a apropriação da realidade, por parte do agora e mais
do que nunca ativo receptor. Nele, a ação coletiva (que depende do somatório de esforços de sujeitos ativos) é o
principal recurso para viabilizar os movimentos da sociedade (os movimentos sociais). Nele, é o poder do mo-
vimento, que se manifesta quando os cidadãos comuns (sujeitos ativos) unem forças para enfrentar as mazelas
que os afetam, o que pode produzir transformações efetivas na realidade social.

Referências

GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais – paradigmas clássicos e contemporâneos. São
Paulo: Loyola, 1997.
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais?. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
KELLNER. Douglas. A Cultura da Mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2003.
TORROW, Sidney. El poder en movimiento: los movimientos sociales, la accíon colectiva y política. Madrid:
Alianza Editorial, 1997.

251
MÍDIAS DINÂMICAS INCORPORADAS À ARTE
LITERÁRIA: aplicativos infantis de literatura-serviço1
Cassia Cordeiro Furtado2

Resumo:
A tecnologia atinge bens culturais seculares, como a arte literária. A literatura na web desmaterializa-se do
livro material, incorpora as mídias dinâmicas e integra a cultura participativa, sendo apresentada como stre-
amings e apps, denominado literatura-serviço. As ferramentas de interação, partilha e produção, convertem a
leitura para o consumo hedônico e de experiência, formando rede de leitores. A investigação tem como ques-
tões: quais as experiências das crianças no processo de leitura em aplicativos de literatura-serviço? As mídias
dinâmicas afetam a criatividade e imaginação do usuário? A pesquisa terá como sujeitos crianças de 5 a 10
anos, alunos da Educação Básica, de São Luís- MA.

Palavras-chave: Literatura-serviço; Mídias dinâmicas; Literatura infantil - imaginação e criatividade; Arte


literária infantil.

A tecnologia possibilita novos contornos a arte, em especial a literatura, pois esta encontra-se envolta
por adornos que dialogam e estimulam a criatividade e a imaginação do autor, como também suscitada pelo
leitor, no processo de leitura. Outrossim, a literatura no formato digital traz novas exterioridades para a leitu-
ra, colocando-a em meio a um conjunto de outras linguagens, como a mídia dinâmica, que acarreta impactos
ao leitor, já que a prática da leitura perpassa pelo envolvimento com a imagem, som, movimento e animação.
A frieza da tela, inodora e de tátil seco, apela para os componentes da linguagem não verbal, valendo-se de
maneira acentuada de originais configurações como a cultura visual e digital e redes sociais. Assim, o texto
literário deve ser visto a partir de circunstâncias culturais e do estilo vanguardista da sociedade atual, o que
torna essencial buscar embasamento na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade entre áreas científicas
que atuam sobre mesmo objeto, como a Comunicação, Educação, Arte e Ciência da Informação.
Esse novo contexto, de profunda implicação com a tecnologia digital e móvel, tem aproximado ainda
mais a literatura da arte, por envolver aspectos estéticos aliados aos discursivos. Os aplicativos de literatura-
-serviço são softwares projetados para combinar ilustrações, as quais já são comuns no formato impresso, com
a arte das animações, filmes, jogos e redes sociais, agregando, assim, mais valor a experiência da leitura (FUR-
TADO, 2019). Essas características diferenciam os aplicativos de literatura-serviço dos e-books e os distancia
da leitura solitária do texto gráfico. Enfim, a literatura apresentada em forma de aplicativos ultrapassa os con-
tornos da arte de escrever e engloba outras manifestações de ordem estéticas.
Vive-se um período incomum, em que a relação do homem adulto com a cultura e a arte está sendo mo-
dificada. Como exemplo, as próprias gerações Z e Alpha estão construindo sua identidade com base na conecti-
vidade e consumindo arte em formato digital. Então, torna-se fundamental estudar a experiência das crianças
direcionado ao entretenimento social, cultural e digital, notadamente no processo de leitura e das experiências
que envolvem textos literários. Ademais, é também fundamental estudar a própria literatura, como obra artística
nascida ou adaptada para esses moldes, pois, sendo os aplicativos de literatura-serviço um “fenômeno de lingua-
gem da nossa época e a literatura infantil e juvenil como terreno fértil para ‘inovações significativas’, fica clara a
necessidade de pensarmos sobre a literatura digital feita para esses públicos” (MATSUDA; CONTE, 2018, p. 88).
O consumo de obras culturais online remete à experimentação, isto é, ter uma vivência única e particular

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Redes Sociais, Mídias Digitais e Economia das Imagens, do IV Simpósio Nacional de
Arte e Mídia.
2 Professora Associada do Departamento de Biblioteconomia, da UFMA. Professora do Programa de Pós-Graduação em Design/
UFMA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação/UFPA. Estágio Pós-Doutorado no Departamento de Comu-
nicação e Arte, da Universidade de Aveiro – Portugal. Líder do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Leitura, Comunicação e
Design – LEDMID, email: cassia.furtado@ufma.br
252
com o produto, com destaque para as práticas e interações que o constituem. As plataformas sociais de literatu-
ra-serviço incorporam a perspectiva do consumo hedônico, entendido como “as facetas do comportamento de
um indivíduo relacionadas aos aspectos multissensoriais e emocionais da experiência dele com os produtos e ou
serviços, portanto o prazer de consumir reside na imaginação do indivíduo” (ALBUQUERQUE et al, 2014, p. 40).
A literatura-serviço percebe a arte literária como experiência, pois “pressupõe a total imersão do indiví-
duo em um ambiente alusivo a uma memória anterior e ao deslocamento do significado de identidades, objetos,
ambientes, entre outros elementos constitutivos do mundo real” (PEREIRA; SICILIANO; ROCHA, 2015, p. 9).
O conceito de literatura-serviço refere-se ao ato de experimentar, conhecer e dividir sentimentos e significados
subjetivos, que são proporcionados pela obra literária online como serviço cultural.
Não obstante, considerando as mudanças tecnológicas e culturais que ocorreram com a literatura na
tela, concorda-se com Santaella (2012, p. 229) ao afirmar que “[...] mediante as mídias digitais, a configuração
da literatura sofreu um salto qualitativo em todos os seus aspectos”. Assim, beneficiando o ator principal desse
contexto: o leitor.
Diante do exposto, esta pesquisa tem como foco analisar a experiências das crianças no processo de
leitura em aplicativos de literatura-serviço, observando a relação entre as mídias dinâmicas e o processo de
criatividade e imaginação do usuário.
A investigação contempla o Estágio Pós-Doutorado, que está sendo iniciado no ano corrente, no Depar-
tamento de Comunicação e Arte, na Universidade de Aveiro – Portugal, tendo como sujeitos alunos do Ensino
Fundamental I, que corresponde a crianças de 6 a 10 anos. Situa-se no paradigma qualitativo/interpretativo,
considerando a forma e abordagem do problema, já quanto aos objetivos, caracteriza-se como estudo explo-
ratório, descritivo e explicativo. O estudo recairá sobre a plataforma TecTeca3, aplicativo de literatura-serviço
que disponibiliza livros digitais interativos de literatura infantil, em língua portuguesa. No aplicativo, o texto
literário é apresentado em multiplataforma, valendo-se de recursos de gamificação e customização, onde o leitor
assume papel de protagonista. O aplicativo TecTeca oferece textos literários organizados por faixa etária e temas,
viabilizando um acesso intuitivo e rápido, tanto para as famílias, quanto para as crianças. Promove o incentivo
à leitura e interação em torno do texto literário, de maneira lúdica, com formação de comunidade de leitores.
Considera-se que, como a sociedade vivencia um cenário inédito, estudos sobre a relação tecnologia,
cultura e artes, notadamente quando recai sobre a literatura infantil, são tempestivos. Pois como destacou
Amaral (2003) as crianças têm desenvolvimento diferenciado de sua cognição, inteligência, raciocínio, criativi-
dade e imaginação, devido ao envolvimento com a cultura visual e digital.

Referências

AMARAL, Sergio Ferreira do. Internet: novos valores e novos comportamentos. In: SILVA, Ezequiel Theodoro da, et. al.
A leitura nos oceanos da internet. São Paulo: Cortez, 2003. p. 45-48.
ALBUQUERQUE, Fabio et al. Fatores e experiências hedônicas de não compra. Revista Global Manager, Caxias do
Sul, v.14, n.1, p. 40-59, 2014. Disponível em: <http://ojs.fsg.br/index.php/global/article/view/964/823>. Acesso em: 10 jan.
2018.
FURTADO, Cassia. O livro na web e a oferta da literatura-serviço. In: CASTRO, César;
VELÁZQUEZ, Samuel (Org). História da escola: métodos, disciplinas, currículos e
espaços de leitura. São Luís: EDUFMA; Café & Lápis, 2018. p. 605-628.
MATSUDA, Alice; CONTE, Jaqueline. O livro digital infantil: análise do livro-aplicativo pequenos grandes contos de
verdade. TEXTURA - Revista de Educação e Letras, Canoas, v. 20, n. 42, p. 83-105, jan/abr. 2018.
PEREIRA, Claudia; SICILIANO, Tatiana; ROCHA, Everardo. “Consumo de experiência” e “experiência de consumo”:
uma discussão conceitual. Logos: Comunicação e Universidade. v. 22, n. 2, 2015, p. 6-17. Disponível em: < http://www.e-
-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/viewFile/19523/16043>. Acesso em: 7 jan.2018.
SANTAELLA, Lucia. Para compreender a ciberliteratura. Texto Digital, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 229-240, jul./dez.
2012. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/textodigital/article/view/1807-9288.2012v8n2p229>. Acesso
em: 10 jan. 2018.

3 https://tecteca.com/
253
GT5 CORPO, ARTE E MÍDIAS
Teatro e os desafios da narrativa
Performance: corpo, memórias e tecnologias
Corpo instalação
Intervenções urbanas: o corpo e a cidade
O corpo e os invisíveis
Corpo e conflito
Corpo e imagem
Corpo e gênero
Corpo e racialidade
“CADA PESSOA QUE PASSA EM NOSSA VIDA DEIXA UM
POUCO DE SI E LEVA UM POUCO DE NÓS”: narrativas
sobre experiências em Teatro e educação no GEPAT-PESSOAS/
IFMA-Campus Zé Doca1
Karina Veloso Pinto2
Raimundo Nonato Assunção Viana3

Resumo:
Nesta pesquisa se investiga o fazer teatral do coletivo de teatro, GEPAT – Pessoas, com ênfase nas abordagens
teóricos-metodológicas da prática docente. Analisa-se o fazer teatral das experiências vividas em dois momen-
tos pontuais: a oficina de teatro realizada por ocasião do movimento de ocupação na escola e a oficina de Teatro
de Animação e suas contribuições tanto para o processo de ensino e aprendizagem- sem dissociar corpo e men-
te, em que o corpo se apresentou como veículo e espaço de sensações- quanto para a formação dos seus partíci-
pes. Na metodologia recorreu-se à pesquisa narrativa e o lugar da percepção e fala é o da docente pesquisadora
e dos alunos/integrantes, tendo em suas narrativas, a possibilidade de construção textual com voz coletiva.

Palavras-chave: Fazer teatral; Coletivo de teatro; Educação profissional técnica e tecnológica.

Narrativas sobre experiências em Teatro e educação no GEPAT-PESSOAS/IFMA-Campus Zé Doca

O GEPAT teve suas atividades iniciadas em abril de 2012 e o nome Pessoas4 faz referência ao poema que
trata sobre a passagem das pessoas nas nossas vidas e à valorização do material humano deste coletivo. Sendo
composto por 16 alunos da educação profissional técnica (ensino médio) e tecnológica (ensino superior) sob a
coordenação da professora de Arte5, com um fazer teatral pautado no processo de criação, pesquisa6 e exten-
são. Seu processo de criação é constituído por estudos teóricos e práticos, contemplando uma metodologia que
aborda os aspectos da pedagogia teatral (KOUDELA; SANTANA, 2005).
Para situar a pesquisa em termos locais, é pertinente fazer-se breve contextualização do lugar em que se
processou, ou seja, numa instituição de ensino profissional, situada no município de Zé Doca7. O Índice de De-
senvolvimento Humano (IDH)8 dessa localidade apresenta incidência de pobreza em 61,41%, com problemas
intensos envolvendo saúde, segurança e educação. Em relação ao ensino de Arte, mais de 80% dos professores
que ministram essa disciplina não possuem formação inicial na área, e em Teatro, até 2015, o IFMA era a única
instituição de ensino cuja professora apresenta formação específica. Assim, essa investigação poderá também
se apresentar como possível fonte de consulta sobre as experiências do fazer teatral nesse local.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora de Arte, habilitada em Artes Cênicas: IFMA-Campus Zé Doca, Mestra, karina.veloso@ifma.edu.br
3 Professor do Departamento de Educação Física: UFMA, Doutor, viana.raimundo@ufma.br
4 Ressaltando a essência da frase- “Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha deixando um pouco de si e levando um
pouco de nós”- pois a cada ano alguns integrantes saem da instituição deixando um pouco dele e levando um pouco de nós através
das experiências vivenciadas no GEPAT
5 As atividades desenvolvidas pela docente e pesquisadora que aqui são expressas são voltadas para o ensino, pesquisa e extensão
em Arte, com ênfase na linguagem teatral resultando em orientação do Programa de Iniciação Científica do IFMA, o PIBIC-Jr,
participação enquanto membra do Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte Educação- IFMA , exercício de coordenação de projetos de
intervenção artística desenvolvidos na própria instituição.
6 As atividades de pesquisa são vinculadas ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte Educação-IFMA, com cadastro no Conselho
Nacional de Pesquisa (CNPq).
7 A cidade de Zé Doca foi criada pela Lei n.º 4865, de 15 de março de 1988.Um pequeno povoado cujo primeiro morador havia
sido o agricultor José Timóteo Ferreira, conhecido como Zé Doca.
8 Dados disponíveis em <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=211400> Acesso em 15de abril de 2016.

255
Nosso foco de análise são as experiências vividas por este coletivo de teatro em duas oficinas de teatro:
uma no movimento de ocupação dos estudantes na escola e outra, em teatro de animação-ministrada pelos
membros do Projeto de extensão Casemiro Coco9 - em que estas atividades possibilitaram aos alunos uma
vivência partindo do sentido da experiência teatral na escola, do jogo e da improvisação, enfatizando-se que
teatro pode ser praticado por qualquer indivíduo. Destaca-se nesta caminhada “a possibilidade de pertencer-se
uns aos outros e ao mesmo tempo poder ouvir-se-uns-aos-outros[...] estas experiências vividas nos oferecem a
capacidade de reinventarmos” (TELLES, 2015, p.11-12). O ouvir-se-uns-aos-outros tornou-se primordial nes-
tes tempos sombrios vivenciados principalmente de 2016 aos dias atuais, tempos de reformas na educação, no
intuito de calar nossas vozes, mutilar nossos corpos, nossa mente. Mas o que nos anima é a resistência, a luta
pelo conhecimento, tendo no teatro as possibilidades de participar de um processo carregado de memórias que
deixa marcas positivas aos seus partícipes.
O Teatro na escola estimula uma aprendizagem em que o corpo não é só um veículo de transferência
de conteúdo, mas também um mecanismo da própria aprendizagem em si mesmo, sendo visto, tocado, experi-
mentado e não esquecido. Cada vez mais na escola, não há preocupação com a educação corporal; pelo contrá-
rio, as sensações despertadas através do corpo são reprimidas e/ou renegadas. É comum frases como: Menino,
te senta! Fica quieto! Não pode se levantar! É importante destacar que os alunos aprendem com os seus corpos
e com os dos outros. O Teatro na escola se apresenta relevante por envolver atividades que estimulem a criati-
vidade, imaginação, oralidade, expressão corporal, estranhamento aos acontecimentos do cotidiano, liberdade
de expressão, aprendizagem ética, artística e estética, e, acima de tudo, falta que os silencia, deixando-os sem
voz e vez.
Nessa caminhada salienta-se que os estudantes, ao participarem das atividades teatrais, têm a pos-
sibilidade de compreender que Teatro é uma área de conhecimento com suas especificidades, e que não está
na escola somente no intuito de se produzir encenações voltadas às datas comemorativas. Não se trata de um
centro de formação de atores e atrizes, tampouco, mas, sim, de uma linguagem que oportuniza um processo
de ensino e aprendizagem que atrele teoria à prática, vivência à convivência, em aprendem encenando, pesqui-
sando, apreciando espetáculos produzidos por eles mesmos e pelos outros.
A metodologia é pautada na pesquisa narrativa, baseada nos estudos dos seguintes autores: Clandinin e
Connely (2011) a partir da experiência pautada nas histórias vividas e contadas, de Cunha (2016) com ênfase na
experiência do vivido e de Tourinho e Martins (2016, p.124) quando afirmam que “Ao narrar um acontecimen-
to, no fluxo cotidiano de relações e inter-relações, a pessoa tem a oportunidade de re-visitar e re-organizar sua
experiência [...]”. A análise e registro de um fazer teatral que envolve a própria prática pedagógica da docente
é algo a se destacar nessa caminhada, ressaltando-se, porém, conforme Fazenda (2010) tratar-se de algo que
requer cautela com os aspectos éticos envolvidos em pesquisa, como propriedade, seriedade, profundidade,
comprometendo-se em revelar os dados coletados de maneira fidedigna.
Frente a uma formação que se pretende mais humanizada, apesar de se encontrar arraigada ao tecnicis-
mo, questiona-se: como se realiza o fazer teatral envolvendo o ensino-pesquisa-extensão no GEPAT-Pessoas?
Quais metodologias utilizadas e suas contribuições para o processo de ensino e aprendizagem em Teatro no
contexto da Educação Profissional Técnica e Tecnológica (EPTT)? Como a prática pedagógica em Teatro pode
intervir na formação dos tecnólogos, não só no ponto de vista da compreensão da arte, propriamente dita,
como também na sua formação profissional?
No intuito de responder esses questionamentos, o caminho percorrido estruturou-se a partir de pes-
quisa inicial para verificar estudiosos que discutem os aspectos pedagógicos da prática de ensino de Teatro e
seus desdobramentos na educação profissional e técnica, sendo relevante citar que essa investigação envolve
abordagens teórico-metodológicas das práticas docentes. As experiências deste fazer teatral vividas e (com)
partilhadas possibilitaram ressignificar a aprendizagem em Teatro neste ambiente tecnicista, em que o proces-
so de criação, a pesquisa e a extensão constituíram a base de uma metodologia de ensino, valorizando-se olhar
9 Este projeto funciona como um laboratório de pesquisa das linguagens expressivas dessa área específica do Teatro incluindo a
coleta de fontes primárias e secundárias, cujos resultados são reelaborados e transformados em produtos de extensão, como cursos,
oficinas, espetáculos, com publicações, exposições etc, oferecendo espaço de prática pedagógica para alunos das graduações da
UFMA; professores de qualquer nível de ensino e também a alunos de cursos médios, técnicos etc.
256
o outro, reconhecendo o corpo no teatro como elemento propulsor para que a aprendizagem seja significativa,
respeitando os educandos, seus saberes e suas lutas diárias, explorando a aquiescência do seu cotidiano e do
mundo a sua volta.

Referências

CLANDININ, D. Jean. CONELLY, F. Michael. Pesquisa narrativa: experiências e história na pesquisa quali-
tativa. Tradução: Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores ILEEL/UFU. Uberlândia: EDUFU,
2011.
CUNHA, Maria Isabel da. Conte-me agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no
ensino. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-25551997000100010>
Acesso em 12/02/2016.
KOUDELA, Ingrid.D. SANTANA, Arão.P.de. Abordagens Metodológicas do Teatro na Educação. In: Ciências
Humanas em Revista - São Luís, V.3, n.2, dezembro de 2005.
TELLES, Narciso. Ainda é tempo de miragens/Prefácio. In: BARRETO, Cristiane Santos. A travessia do nar-
rativo para o dramático no contexto educacional. São Paulo: Paco Editorial, 2015.
TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo. (Des) arquivar narrativas para construir histórias de vida ouvindo
o chão da experiência. In: SOUZA, Elizeu; TOURINHO, Irene; MARTINS, Clementino de. (Orgs). Pesquisa
Narrativa: interfaces entre histórias de vida, arte e educação. Santa Maria/RS: Editora da UFSM, 2016.

257
TERRA FÉRTIL – UMA DANÇA PARA OS MORTOS1
Alexandra Martins Costa2

Resumo:
Relato de experiência da obra Terra Fértil que se trata de uma dança/performance/ritual de homenagem aos
mortos onde sou dançada pelo efeito de sete velas acessas que estão coladas nas minhas costas. No decorrer
dos movimentos que esse corpo vai adquirindo, a cera queima na minha pele e ainda assim eu continuo não
dançando, mas eu sou dançada.

Palavras-chave: Performance, Corpo, Ritual

Regras para leitura deste texto em espaços acadêmicos:

1) Leia nua. Se mostre crua;


2) Imprima o texto e esteja com ele em mãos;
3) Coloque velas brancas em cima da mesa, no chão ou de algum local que seja confortável para você;
4) Acenda a vela;
5) A cada termino de leitura do texto, queime a página no fogo das velas;
6) Misture desejo com fúria;
7) Inicie a leitura:

Assim como na performance, toda apresentação (mesmo a acadêmica) já nasce efêmera, pois no pri-
meiro momento que ela surge, logo morre em seguida. E é a partir da experiência de dançar/performar a morte
que surge o presente texto sobre a obra autoral Terra Fértil.
Trata-se de uma homenagem aos morto, surgida em 2016, após a observação do uso constante de velas
brancas em atos e manifestações de pessoas assassinadas em decorrência de crimes de ódio. Isso me sinalizava
como as velas funcionavam como promessas de lembrança, de um lugar melhor que desejamos construir e por
isso a chama tem que estar sempre acessa.
Ao mesmo tempo, o uso desse material em rituais religiosos me falava de outra finalidade: o de magia
e fé. Pois a vela é uma tecnologia ancestral e sua chama seria a conexão direta com o mundo espiritual, a pa-
rafina atuando como a parte física da vela, mas também como símbolo da vontade, e o pavio é a direção. Há
um caráter espiritual na composição dessa dança/ritual/ode à vida, mas também a morte. Recordo dos mortos
para falar com os vivos. Convoco Obaluaê3 para essa roda da memória, toco em sua pele ferida e me vejo nesse
corpo machucado que dança para sarar as dores.
E assim como Obaluaê, também começo a colecionar feridas pelo corpo, causada pelo uso das velas. E
assim como esse orixá, apenas me sobrava dançar para sarar as dores. E quando as sete velas são retiradas da
pele, é possível sentir que deixam grandes buracos nos pequenos poros.
E aquilo que comumente vemos como ruína, de um corpo machucado. Consigo enxergar como escava-
ções de mim mesma porque agem como incessantes saídas de uma fronteira que separa esse corpo-aqui-dentro
de um corpo-lá-fora.
Fico me lembrando de Gloria Anzaldua que vai reivindicar a hibridez da identidade como um lugar
composto por vários lugares. No texto “Falando em Línguas”, a autora escreve como se estivesse frente a um
diário quando descreve a partir da vivência de uma mulher chicana e lésbica, que mora nos Estados Unidos,
e isso pouco a impede de se destituir dos seus locais de (des)privilégio, visto que o sujeito nunca é único, mas
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 5 - Corpo, Arte e Mídia do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Artista. Fotógrafa. Performer. Palhaça. Formada em Comunicação. Especialização em Artes Visuais. Mestrado pelo Programa
de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) da Universidade Federal da
Bahia. Site: https://cargocollective.com/alexandramartinscosta
3 Orixá que dança com os mortos e carrega os elementos de fogo e terra.
258
sempre múltiplo e contraditório. Essas mudanças de percepção afetam ou alteram os discursos dominantes,
a partir da ampliação de narrativas que constroem novos objetos e formas de conhecimento fora do padrão
estabelecido pelo meio.
Munida de um espírito de revolta que a faz escrever pois “ a escrita me salva da complacência que me
amedronta” e continua, “escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as his-
tórias mal escritas sobre mim, sobre você” (ANZALDÚA, 2000, pg. 232) sem antes esquecer que por trás de
palavras escritas, estão a história viva e as palavras vivas.

Mas sei que todas essas palavras escritas são em vão porque tento tomar a palavra (matéria da página
escrita) diante de uma superfície da pele que constantemente me lembra que as velas ainda estão presentes, mas
agora queimando por dentro e na memória do corpo.
Quando me proponho a dançar com as velas nas costas, costuro uma recordação de pessoas e convo-
co as chamas para serem o convite para memória acessar o cotidiano sequestro de narrativas. Essas histórias
de sequestro e do esquecimento são consequências da Diáspora forçada, aquela imposta pela escravidão. Que
agem como um dos braços do racismo a partir da manutenção de um povo que desconhece a sua memória
coletiva, fazendo com que tenhamos medo de não conseguir existir.
Numa prática de recordação, trago a lenda sobre as “árvores do esquecimento”: conta a tradição que an-
tes de serem embarcados nos navios, os negros escravizados eram obrigados a circular em torno de um baobá.
A cada volta, depositavam suas origens, sabedoria, história do território e crenças para, em seguida, serem bati-
zados na religião cristã-ocidental. E assim, quando chegassem na América, já tinham apagado toda lembrança
e memória do passado. Os senhores de escravos acreditavam que seria mais fácil de manipular e dominar esses
povos desprovidos de identidade cultural e raízes,
As consequências desse apagamento foram muitas e influíram diretamente na vida dos afro-brasi-
leiros de hoje, descendentes desses povos escravizado que foram submetidos ao ritual da “árvore do
esquecimento”, que hoje lutam para descobrir quem são, quais são suas origens; enfim, é um povo
que desconhece a sua memória coletiva, memória que um dia foi invisibilizada e hoje busca conhe-
cê-la, dar visibilidade, reconstruí-la. (FERREIRA, 2010, p.3)

259
Assumo, então, essa cicatriz nas costas como guardador de memórias. Como um mapa que cartografa
minha história ancestral, minha pele começa a criar ilhas (que no linguajar dos médicos, eles chamam de que-
loide) que me desafia com a presença invisível das velas.
Pensar os processos que articulam a subjetivação com a criação em termos de descolonização traz um
intenso desejo de olhar para os lugares de onde vem a instauração de mundos que se anunciam, por exemplo,
na dança e na performance a partir de um corpo mais articulado com um além do humano, pensando espe-
cialmente o quanto que os processos singulares de dança afro, indígena e até mesmo o butoh acionam outros
elementos e conversam com estes outros elementos. (Donini, 2015)
Neste processo, tenho descoberto o que pode o meu corpo, que pode distensionar da mente aos pés a
partir da confiança, da entrega, da permissão. Pois na medida que a cera vai caindo na minha pele e causando
certa dor, esse corpo-humano vai se animalizando e virando um corpo-natureza. Está tudo ali nesse corpo que
carrega velas nas costas enquanto roda e gira com os pés e mãos no chão. No decorrer que a cera vai atingindo
a minha pele, esse corpo se contorce, respira mais profundamente e as vezes segura choros e gritos.

Referências

ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, Vol. 8 (1), 2000, pp. 229-236.
DONINI, Angela. Abrir o corpo ao animal, ao mineral, às plantas, ao cosmos. In: IV Seminário Enlaçando
Sexualidades, 2015, Salvador. Caderno de Resumos IV Seminário Enlaçando Sexualidades. Salvador: Uneb,
2015. v. 1.
FERREIRA, A. C. ‘Recordar é preciso’: Considerações sobre a figura do griot e a importância das suas narra-
tivas na formação da memória coletiva afro-brasileira. Em Tese (Belo Horizonte. Online) , v. 18, p. 1-15, 2012.

260
PULSAR1
Aline Couri Fabião2

Resumo:
Este texto apresenta as etapas inicias e resultados parciais do projeto de pesquisa “Tecnologias da Consciência:
arte, corpo e mídias”, desenvolvido na Escola de Belas Artes da UFRJ pelo Grupo de Pesquisa Humanas Tec-
nologias. O projeto busca contribuir para a desaceleração e re-progamação de nossas vidas contemporâneas,
através de obras e ações no campo da arte & tecnologia. Teve início com um mapeamento e análise de obras de
artistas que se interessam sobre a questão da consciência em estado de momento presente, que aliado às leituras
e aos debates sobre atenção plena, meditação e teorias orientais, fomentaram a conceptualização da obra “Do
coração, o universo” que está em desenvolvimento.

Palavras-chave: presença; consciência; pulso; tecnologia; conectividade.

Esta pesquisa tem por objeto o corpus de obra de artistas que se interessam sobre a questão da cons-
ciência humana num estado de momento presente. Inúmeras obras buscam fazer o público (ou o indivíduo)
interagir com a obra em um estado de vivência de seu “ser- agora”. Algumas dessas obras são materializadas
em objetos, outras em forma de ações performáticas. Em todas elas existem usos de tecnologias, entendidas
como produto da inventividade humana (PINTO, 2005). A materialização dessa inventividade pode se dar em
diferentes tipos de materiais: orgânicos, analógicos, digitais.
Segundo TOLLE (2002: 36) o sofrimento humano é sempre uma forma de não aceitação, de resistência
inconsciente ao que é. A mente sempre procura negar e escapar do Agora. A mente não consegue funcionar e
permanecer no controle sem que esteja associada ao tempo, tanto passado quanto futuro.
Vivemos em um mundo ultra-conectado, porém de conexões em geral superficiais, instantâneas, egói-
cas e em uma atmosfera de medo, competição e raiva. Constantemente solicitados a estarmos online, disponí-
veis e termos respostas e opiniões sobre os mais diversos assuntos, mesmo quando pouco sabemos sobre estes.
Isto evidencia que essa conexão é muito mais com solicitações alheias do que as mais básicas, essenciais, de nós
mesmos. Redes sociais acabaram incentivando polarizações e facilitam que discursos de ódio sejam propaga-
dos de forma anônima.
Seria ingênuo pensar que são as tecnologias que a priori definem as apropriações feitas a partir delas;
por outro lado, não é possível saber de antemão que tipos de usos cada nova tecnologia permitirá (como visto
no caso Facebook/Cambridge Analytica)3.
Deste modo, esse trabalho, de cunho teórico-prático, busca experimentar relações com a tecnologia que
desviem de uma programação apenas pragmática. Incentiva que a atenção individual, hoje dividida entre as
inúmeras janelas e abas dos diversos navegadores e dispositivos, seja voltada para o próprio ser. Como eu me
sinto? O que me faz me sentir vivo?

Objetivos

Este trabalho tem dois objetivos principais: incentivar uma presença atenta, focada no corpo de cada
indivíduo, e colocar em debate o conceito de tecnologia. A pesquisa busca ser um antídoto ao automatismo de
existências pré-programadas pela sociedade, ao qual indivíduos são forçados a responder de forma impensada,
gerando ódio, muita fala com pouca escuta, e doenças.
Em um mundo acelerado, no qual somos excessivamente estimulados por imagens, sons, tarefas, con-
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 5 do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora Adjunta da Escola de Belas Artes da UFRJ, Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura da UFRJ. alinecouri@eba.ufrj.br
3 Para maiores informações, assistir ao documentário: The Facebook Dilemma. Disponível em: < https://www.pbs.org/wgbh/
frontline/film/facebook-dilemma/ >. Acesso em: 01/02/2019.
261
sumo e lazer, este projeto procura conhecer (criação de um repertório) e desenvolver obras de artemídia que
tragam a atenção e a consciência para o presente, para o corpo, para o que é agora.
Além disso, busca-se 
compreender tais obras a partir de uma perspectiva histórica;
pensar a tecnologia
em profunda relação com o que entendemos por “humano”; integrar conhecimento científico ocidental com
conhecimentos orientais sobre o corpo e 
suas técnicas e colaborar para construção coletiva de um mundo
menos agressivo, no qual as diferenças 
sejam respeitadas.

Mais especificamente, objetiva-se criar “dispositivos de presença atenta” (objetos, instalações e/ou per-
formances).

Fundamentação teórica

Há tempos que processos de repetição de movimentos e de sons, como mantras, vem sendo utilizados
como técnicas que auxiliam estar nesse momento presente (o Agora). Os relatos budistas de ciclos cósmicos
como o samsara (o ciclo da vida e a morte) e a metempsicose (a transmigração das almas) também podem ser
explicados em termos de relações científicas pela cibernética. Artistas como Roy Ascott e Nam June Paik com-
partilharam um entendimento comum da natureza simultaneamente paradoxal e complementar das explica-
ções científicas e metafísicas. Sem privilegiar um lado ou outro, procuraram desenvolver uma visão de como
os fenômenos estão sistematicamente e profundamente inter-relacionados.
Aproximações entre arte e espiritualidade, tecnologia e magia, filosofia ocidental e oriental, vem sendo
tratada em diferentes intensidades e modos, por artistas em todo mundo.
John Cage foi particularmente inspirado pelo budismo Zen por sua abordagem à arte e suas estratégias
de composição. Para ele, “arte não é auto-expressão, mas auto-alteração” (CAGE, 1961: xi). Sua pesquisa exer-
ceu muita influência no grupo Fluxus, principalmente em Nam June Paik.
Aqui no Brasil cabe citar principalmente a obra de Lygia Clark e seus objetos relacionais. Mais recente-
mente, o movimento tecnoxamanismo aposta na apropriação desviante de ferramentas tecnológicas que alia-
das ao conhecimento de povos indígenas constrói um campo de saberes que luta contra a dominação cultural e
capital exercida pelos grandes centros dos chamados países do norte, detentores da maioria das patentes e que
se desfazem de lixo eletrônico em países africanos e asiáticos, mediante discurso de “doação” de eletrônicos4.
O movimento do tecnoxamanismo possui afinidades com a pesquisa de Roy Ascott, artista e teórico da
arte telemática5. Suas teorias propõem crescimento pessoal e social através de uma interação colaborativa media-
da tecnicamente. O artista vem afirmando, desde meados da década de 1960, que ciência e a tecnologia podem
contribuir para expandir a consciência global, apenas quando aliadas à sistemas alternativos de conhecimento,
como o “I Ching” (livro taoísta do século VI aC), a parapsicologia, cosmologias indígenas e outros modos de
pensamento holístico, que o artista reconheceu como complementares dos modelos epistemológicos ocidentais.
Neste contexto, buscamos aliar conhecimento técnico e científico e de disciplinas da história da arte
com conhecimentos vindo de áreas como a cultura e medicina oriental, bem como estudos de fenomenologia.
Dentre as obras e artistas de referência levantados podemos citar: Lygia Clark, Dan Grahan, Steve
Reich, Paul Kos, Nam June Paik, Jordan Belson, Eija-Liisa Ahtila, Chair Davies, Tania Alice, Pierro Fonseca e
Linda Montano.

Resultados parciais

Um dispositivo provocador e que acabou por marcar as bases do trabalho foi o auscultador ou este-
toscópio. Este foi escolhido como um auxiliador para a escuta atenta do nosso próprio coração, e de outras
pessoas. Esta ação, bastante simples, nos relembra que estamos vivos, automaticamente nos retirando de ações
pragmaticamente programadas.
4 Ver DANNORITZER, Cosima. The E-Waste Tragedy, 86 min., cor, 2004.
5 A telemática integra computadores e telecomunicações, permitindo aplicações como correio eletrônico (e-mail) e caixas auto-
máticos (caixas eletrônicos de bancos). ASCOTT definiu telemática como “rede de comunicação mediada por computador entre
indivíduos e instituições geograficamente dispersas”... e entre “a mente humana e os sistemas artificiais de inteligência e percepção”.
262
Escutar o coração nos faz conectados com esse órgão e, de certo modo, podemos nos sentir dentro dele.
Segundo Coccia (2018) durante uma imersão, ao mesmo tempo que botamos algo para dentro, colocamos algo
pra fora que vai criar uma atualização daquilo que era.
A imersão não é a condição temporária de um corpo em outro corpo. Também não é uma relação
entre dois corpos. Para que a imersão seja possível, tudo deve estar em tudo. Por um lado, como já
vimos, estar imerso é fazer a experiência de estar em alguma coisa, que por sua vez está em nós.
(Coccia, 2018:69).

Foi pensado, então, como uma instalação/obra, um coração penetrável que pulsa de acordo com nosso
batimento cardíaco. Pensamos em uma membrana inflável pulsante. A pulsação deve ser captada do coração e
amplificada na membrana.
Por questões óbvias, queremos evitar o uso de plástico na obra. Uma opção seria usar tecido; entretanto
nos pareceu mais interessante desenvolver uma celulose bacteriana6 feita a partir de kombuchá, uma bebida
fermentada probiótica produzida à base de chá verde e sacarídeos, como o açúcar. A fermentação acontece a
partir de uma colônia viva de fungos e bactérias denominada “scoby”7, e terá resultados diferentes, dependendo
da espécie de fungos, das bactérias presentes e dos tipos de chá e açúcar utilizados. A fermentação por kombu-
chá é composta de duas porções: o scoby e um líquido ácido fermentado (que dá origem à bebida gasosa).
A composição química da celulose bacteriana é igual a da celulose vegetal, porém as organizações das
cadeias poliméricas diferem-se. As de celulose bacteriana organizam-se espacialmente de forma mais orde-
nada. Na busca de alternativas aos descartáveis e aos derivados do petróleo e de origem animal, a celulose
bacteriana mostra-se como uma importante alternativa, apresentando propriedades como: elevada resistência
térmica (combustão aos 325oC); elevada força tênsil, na ordem dos 200-300 MPa (consequência do seu alto
grau de cristalinidade); condutibilidade elétrica e mecânica; proteção UVA e UVB; baixa densidade; biodegra-
dabilidade e, ainda ser material de fonte renovável (BIZ & ZÖHRER, 2017).
Para criar o coração penetrável, este deve ter medidas laterais em torno de 3 metros, porque ao ser in-
flada as bordas da estrutura se levantam do chão. O desafio agora é produzir o material para a membrana.
Até o presente momento, estamos criando colônias de kombuchá numa masseira de 150 litros (dimen-
sões 1070 x 800 mm). A maior dificuldade encontrada é a dimensão dessa produção: a feitura de mais de 50
litros de chá exige cuidado, dinheiro, força (carregar os litros) e, acima de tudo paciência. Paciência como
virtude num mundo imediatista onde parece ser muito mais fácil e “eficiente” passar numa loja e comprar ma-
terial plástico. A feitura caseira do material a ser utilizado na instalação nos ensina, ela mesma, que o tempo
da natureza não é o tempo dos nossos relógios e do nosso calendário gregoriano.

Referências

ALICE, Tania. PARC. Performances de Arte Relacional como Cura. Revista Brasileira de Estudos da Presença, [S.l.],
v. 5, n. 2, p. 396-412, fev. 2015.
BELISÁRIO, Adriano. Tecnomagia. Rio de Janeiro: Imotirõ, 2014.
BIZ, Pedro & ZÖHRER, Pedro Costa. Cultivando materiais: o uso da celulose bacteriana no design de produtos. In.:
Anais da SPGD 2017. Rio de Janeiro, 22 e 23 de novembro de 2017.
COCCIA, Emanuele. A vida das plantas. Uma metafísica da mistura. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
COURI, Aline. Imagens e sons em loop: tecnologia e repetição na arte. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: Escola
de Comunicação da UFRJ. Orientador: Prof. Dr. André Parente, 2006
JAEGER, Peter. John Cage and Buddhist Ecopoetics. Londres/Nova York: Bloomsbury, 2013.
MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão
humana. São Paulo: Palas Athena, 2005.
MORIN, Edgar (1921). Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Vol 1 & 2. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005

6 Também chamada de biocelulose, celulose nativa, couro vegano, nanocelulose cristalina, biofilme e mãe do vinagre.
7 Trata-se uma película de espessura variável de celulose gelatinosa e flutuante (composta por moléculas de glicose e formada por
fermentação).
263
GORDÊNCIA: criando conceito
escorregadio do corpo ao prazer1
Alla Soüb (Mariana Ramos Soüb de Seixas Brites)2

Resumo:
O texto a seguir discorre sobre a recente criação do conceito Gordência, palavra que comporta os significados
do prazer da gordura, de ser gorda, antônimo à gordofobia. Por meio desse verbete busca-se encontrar outros
gordentes artistas para evidenciar a arte contemporânea gorda latino-americana.

Palavras-chave: Autobiografia; Gordência; Performance; Registro.

O que fazer quando as palavras do dicionário não comportam nossas existências? A criação artística
se esparra sob o texto e também escancara sua potência-arte. A língua se esparrama na vida, que logo vira
memória, registro. Pretendo com esse resumo expor e aguçar um pilar para a construção do doutorado. Desejo
revoltar os olhares, a leitura e a escuta à esse corpo gordo que escreve. Me concentrar nessa identidade, que
embora sempre visível, poucas vezes é comentada. O desejo da pesquisa perpassa a necessidade de evidenciar a
rede de artistas gordas (os) na arte contemporânea.
Para que seja possível entrevistas, encontros e ações performáticas compartilhadas com as pessoas gor-
das que almejo, precisei cavucar dentro de mim o sentido da gordura - companhia que não tinha nome. O
outro lado da gordura, além da gordofobia, a exaltação e o empoderamento gordo. Em português, não temos
nenhuma palavra que fale desse sentir, o mercado incorpora expressões em inglês como “bodypositive” e “plus
size”. Eu, particularmente, não sinto que caiba nessas nomenclaturas. Minha língua se embola no falar inglês e
parece que não é meu corpo, minha casa. Provocada pela ausência de uma palavra que suportasse o prazer dos
corpos gordos me dispus a escrever um verbete sobre essa, possível, outra palavra para a gordo existência.

GOR.DÊN.CIA s.f.

Termo por mim criado devido à necessidade de uma palavra que remeta ao prazer da gordura, ao pra-
zer de ser gorda e desfi(l)ar essas banhas e curvas que sou. Atualmente é possível encontrar por meio de uma
busca na internet várias reportagens e até mesmo dissertações sobre o tema da gordofobia (fobia e preconceito
com pessoas gordas). Entretanto, faz falta uma palavra que significasse o inverso: o prazer da gordura, do cor-
po aquoso, mole em dobras. A própria inexistência, até então, de uma palavra que signifique tal prazer com-
prova como os corpos gordos são vistos como apartados do prazer. Cada corpo gordo com suas mais variadas
formas é uma espécie de manifesto vivo-ambulante. A resistência de tais corpos se dá malemolentemente em
ondas, corpos que se dobram em si e abarcam potências inexploradas. Estar bem e poeticamente confortável
dentro de um corpo gordo é questão de saúde. Não dominar e nem estar rijo a um corpo exclusivamente com-
posto de músculo é saber ser oceano em si. O mar é a grande Calunga3, já dentro de nós Calunga os padrões.
É da necessidade da gordência ser maior e reinventar o mundo para que caiba em si – e não um si para caber
no mundo. Corpos de dobras, são corpos livros, são páginas fartas. Celulites e estrias são leitos de rios sobre o
corpo-terra, fertilizante de beleza própria. O corpo gordo se assume em todo seu relevo de cânions a desertos.

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutoranda em Poéticas Transversais sob orientação de Maria Beatriz de Medeiros, na Universidade de Brasília. E-mail para
contato: allasoub44@gmail.com
3 Palavra de origem Bantu que significa cemitério. No período em que pessoas negras eram escravizadas e torturadas na travessia
no navio negreiro é sabido que houveram muitas mortes no percurso. Os corpos usualmente eram jogados ao mar. Na tradição
afro-brasileira, referencia-se o mar não somente como o reino dos orixás, mas também como o grande cemitério (calunga grande)
dos negros escravizados.

264
Seus pelos são matas ciliares – proteção. Esse corpo prazeroso é território e geografia. Gordes4 gordentes estão
do outro lado da gordura, lado escuro da dobra, a léguas da gordofobia, estão atives buscando outras narra-
tivas antônimas à fobia e ao nojo. Com pensamento indissociado do corpo que existe por prazer, cada dança,
mergulho, poesia criadas são táticas de re-existência. Somente quem pode sentir gordência são pessoas gordas.
Esse prazer é exclusivo e não é sentido necessidade de nenhuma pessoa magra participar. Mesmo ao falar essas
pessoas magras já estão supondo, pois nunca sentirão com tanta frequência nenhuma de nossas aderências e
ardências. Não possuem essa vivência de corpo. Suposições não nos cabem, somos inteiras, agitadas e espar-
ramadas – fora do molde, exigimos lugar de fala. É na carne que tudo começa, é no prazer de não-caber que
gordências se alastram em nós. Não é só por comida, gordência é o prazer da gordo-existência. A gordência é
lugar de desejo, ou seja, não está dado a todo corpo gordo desfrutar automaticamente da gordência. Para que
isso aconteça é necessário reconheSer-se e a partir daí buscar o prazer mole e natural dançante das dobras.
Todos os corpos gordes abrigam tal prazer, mas o caminho para encontrá-lo é íntimo, particular e recompen-
sador. A gordência que balança as certezas do ideal, convida o corpo para ser o que se é, para que não se molde.
A gordência refuta as imposições da sociedade que julgam nossos corpos e sempre nos convidam a desgostar
do mesmo. Esta palavra surge como antônimo à palavra gordofobia. E desfruta da hibridez podendo ser-estar
tanto como substantivo quanto adjetivo.

Criação
Para falar a verdade, as ciências, as artes, as filosofias são igualmente criadoras, mesmo se compete
apenas à filosofia criar conceitos no sentido estrito. Os conceitos não nos esperam inteiramente fei-
tos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou
antes criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam. (DELEUZE, G; GUATTA-
RI, F., 1993, p.12)

A criação do conceito, nesse caso do verbete, não se dá por fixidez. Ela acontece para nomear um senti-
mento, uma ação, um desejo de pertencença e logo que criado já se dispõe a outras colaborações que ampliam
o primeiro sentido pela pessoa que o cunhou. Justamente por essa possibilidade de colaboração do pensamen-
to, Gordência é criada visando o encontro, conceito agregador e ao mesmo tempo restrito, com as alteridades
gordes. Enquanto autora deste verbete, não vislumbro sentido em ser a única voz a falar/nomear esse prazer da
gordura.
Esse conceito surge como recorte dos corpos gordes que desejo trabalhar e criar com. Encontro de
gorduras, possibilidade escorregadia de vivência. Banha abjeta, primeira beleza. Procuro artistas a fim de so-
marem com esse primeiro passo teórico-prático de reflexão, um auto poética gorda.

Nas fotos acima, de Paula Rafiza, estamos eu e Iris Marwell em um ensaio focado em nossas dobras,
em partes que por vezes não temos acesso ou olho. Para mim, na criação dessas formas de re-existência gorda
4 Escolha pela linguagem não binária que engloba masculinos, femininos, não-bináries e pessoas trans.
265
está imbricado o encontro. O olho no corpo também da outra pessoa, o encontro pela identificação. Penso
Gordência, como uma palavra que foi surgindo aos poucos em mim por meio desses encontros e inspirações.
Pessoas gordas tem nome e sobrenome, inspiro-me em: Erika Bulle, Nanda Fer Pimenta, Rhaiza Oliveira, Lua-
ra Erremays, Miro Spinelli, Fernanda Maga, Kono, Jota Mombaça, Aline Luppi Grossi e Íris Marwell. Por meio
desses, ainda poucos, encontros entendo no corpo o lugar coletivo desses corpos, a Gordência me faz outra
gorda – guiada pelo prazer. Que arte fazemos? Como se dá a rede, de acolhimento, pensamento e ataque, que
gordentes possuem? O desejo primeiro é evidenciar essa rede já existente entre pessoas gordas, quantas artistas
gordas você conhece? O recorte da pesquisa se dará então, para além de corpos gordes, na busca específica de
gordentes para misturar o prazer que nos envolve e que trabalhem com performance, arte viva. O prazer da
resistência fura os bloqueios midiáticos, fura as cintas compressoras, escorre no suor a alegria aos 150 bpm.
El cuerpo gordo se ha politizado. Lucha en contra la discriminación y la ofensa de la sociedad e in-
clusive el rechazo de la propia familia. Así, el performance se convierte también en una especie de
exorcismo que logra desprender al demonio de la gordura, pensado como un tormento cotidiano,
para convertirlo en el demonio del orgullo. (BULLE, Erika, 2018, p.61)

A Gordência caminha em convergência com o “demônio do orgulho” que Erika Bulle se refere em seu
artigo Cuerpos gordos: empoderamiento a través de las prácticas performáticas. Mais que um corpo, somos
revolução fora-do-padrão. Através dos encontros presenciais ou com materiais criados por outres gordentes
percebo que o sentimento gordente já existe, mas não é nomeado. Atento então a necessidade do surgimento
dessa palavra e desse sentimento. Sou gordente, sou gorda, sou artista, demônia do orgulho, me amo.

Futuro

“Minha fragilidade não diminui minha força”


MC Carol

Se esta pesquisa ainda se apresenta frágil é que demandei muito tempo dentro do meu corpo para
entender esse assunto, mais do que ler livros e fazer buscas bibliográficas tive que mergulhar dentro para en-
tender os lugares de identificação que me cabiam. O foco está na gordura, mas não devemos esquecer os outros
marcadores sociais complexos que nos compõem como raça, gênero e classe. De dentro pra fora, a pesquisa ger-
mina, a busca das flores está nos encontros que se sucederão. Flores tem espinhos, arranhões fazem parte. “Mi
cuerpa es una arma política y mi gordura es, de cierta forma, un médio. Un médio performático, material, con
la potencia de ser algo más que uma chica gorda.” (CASTILLO, Constanza, 2014, p.29). Ufa! Depois de longo
mergulho, consigo chegar de novo na superfície, lugar com oxigênio, respiro e me movo para fazer acontecer,
a pesquisa é rastro da existência e nunca o contrário. O futuro consiste em táticas de criação desses encontros,
etapa em amadurecimento, já que não consigo responder sozinha por esse verbete que me brotou. “O pessoal é
político” e o político coletivo.

Referências

BULLE, Erika. Cuerpos gordos: empoderamiento a través de las prácticas performáticas. Discurso Visual,
Ciudad de Mexico, v. 42, n. 3, p.56-63, 18 maio 2018. Disponível em: <http://www.discursovisual.net/dvweb42/
PDF/07_Cuerpos_gordos_empoderamiento_a_traves_de_las_practicas_performaticas.pdf>. Acesso em: 2
jan. 2019.
CASTILLO, Constanzx Alvarez. La cerda punk: ensayos desde un feminismo gordo, lésbiko, antikapitalista
& antiespecista. Valparaiso-CH: Trio Editorial, 2014. 220 p. Disponível em: <http://missogina.perrogordo.cl/
wp-content/uploads/2014/10/cerda_punk.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2019.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. O que é a Filosofia?. 2 ed. São Paulo: Editora34, 1993.

266
PRODUÇÃO DISCURSIVA DA DIFERENÇA:
performatividade de gênero nas
campanhas publicitárias de cosméticos1
Carolina Vasconcelos Pitanga2

Resumo:
Este estudo tem como objetivo analisar a produção da diferença de gênero em campanhas publicitárias das em-
presas Boticário e Natura, tendo em vista os modos de ser e agir de mulheres e homens em propagandas pro-
duzidas, especificamente, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (08 de março) e Dia do Homem (15
de julho). Utilizo o conceito de performatividade de gênero, de Judith Butler(2003), para compreender como
o(s) feminino(s) e o(s) masculino(s) são construídos em meio aos jogos enunciativos das peças publicitárias.
Ao mesmo tempo em que contribuem para uma maior visibilidade de identidades e corpos diferentes, as peças
reificam e reproduzem a ordem heteronormativa.

Palavras-chave: Gênero; Publicidade; Heteronormatividade; Discurso; Diferença.

Este estudo tem como objetivo analisar a produção da diferença de gênero em campanhas publicitárias
das empresas Boticário e Natura, tendo em vista os modos de ser e agir de mulheres e homens em propagandas
produzidas, especificamente, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (08 de março) e Dia do Homem
(15 de julho). Compreendo o gênero como um ato performativo reiterado diversas vezes, produzindo uma
aparência de fixidez, tendo em vista que as identidades de gênero são “[...] manufaturadas e sustentadas por
signos corpóreos e outros meios discursivos.” (BUTLER, 2003, p.194) e servem para regular a continuidade
e a coerência entre sexo/gênero/prática sexual/desejo. Entendo também que as tecnologias de gênero estão à
serviço da produção de um discurso normativo na qual a única lógica determinante é a heteronormatividade,
na qual mulheres e homens desempenham atos que se configuram a partir de binarismos e essencialismos que
adquirem a aparência de verdade.
Desse modo, a partir da análise dos enunciados (Foucault, 2012; Fischer, 2001) com compõem a men-
sagem veiculada pelas peças publicitárias, compreendo o discurso publicitário como uma tecnologia de gênero
que associa corpos e enunciados a conteúdos normatizantes. Para realizar a análise do conteúdo das imagens
publicitárias, utilizei o método de translação, proposto por Diane Rose (2010), no qual se torna necessário se-
lecionar e transcrever o material a partir de uma orientação teórica específica. Devido ao fato da imagem em
movimento ser uma produção de múltiplas e complexas significações e sentidos, o processo de observação e
seleção do material demanda uma coerência com os referenciais teóricos a ponto de não deixar de fora o que é
importante e saber descartar o que não deve ser incluído.
O momento seguinte à seleção do material é a transcrição. Esta é realizada com o propósito de produzir
os dados para a análise e a codificação posterior. No exemplo dado pela autora, com base em seu trabalho sobre
representações da loucura em programas de televisão, as tomadas dos sujeitos feitas pela câmera são conside-
radas com uma unidade básica a ser analisada. Porém, não só isso, mas também o posicionamento (ângulo) da
câmera, a iluminação e a música são elementos que compõem a produção do cinema e da televisão que devem
ser tomadas como objeto de investigação durante o processo da análise empírica.
Ao realizar uma análise descritiva das peças publicitárias, propus a observação em relação ao conjunto
de elementos visuais e sonoros, tais como, a composição da cena, as cores, as falas, a relação entre os sujeitos e
objetos apresentados, no intuito de identificar a mensagem veiculada por meio destes. Além disso, com vistas
a compreender o contexto enunciativo destas mensagens, foram feitos apontamentos e análises em relação a

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora Adjunta I na Universidade Estadual do Maranhão. Doutora em Ciências Sociais na UFMA. Email: carolinavpitanga@
gmail.com
267
outros discursos que se entrecruzam no campo da publicidade, fazendo com que ela se torne, também, um
campo de lutas, disputas e resistências.
Ao tratar de enunciados produzidos em um mesmo campo de análise, tive a possibilidade de encontrar
associações mais diretas que demonstrem de que forma a produção de uma verdade sobre o gênero, a beleza, o
sucesso pessoal e a felicidade são algumas das principais estratégias utilizadas pela publicidade como meio de
alavancar as vendas de um produto e, também, de apresentação de modos de ser, agir e consumir, de acordo
com os parâmetros heteronormativos.
Ao longo deste estudo, foi possível identificar a forma como a performatividade do gênero é constituída
também a partir de padrões de corporalidade e de ação que corroboraram para a construção de gêneros inte-
ligíveis. Mulheres e homens são configurados com base em modos de ser e agir (re) produzidos pelo discurso
publicitário, mesmo quando este apresenta (re) atualizações em relação aos sujeitos apresentados.
Nas propagandas realizadas para o público feminino, há uma associação direta entre os cuidados com a
aparência e o encontro com outro, dando margem à interpretação de que a beleza, no caso das mulheres, é um
atributo fundamental para que ela seja aceita e respeitada, enquanto tal, como uma exigência imprescindível
para que ela se torne inteligível dentro do contexto da ordem binária.
O perfume e os produtos de maquiagem são aqueles que detém esse poder de transformar o comum
em algo especial. O estímulo causado pelo perfume acentua o jogo de interesses, fazendo com que o homem se
aproxime da mulher que exala aquele cheiro. Não é que o encontro aconteça condicionado a esse zelo, é que o
tomar um banho, se perfumar, se maquiar e se vestir constituem-se como atos repetidos que compõem um rito
de beleza, no qual os procedimentos devem ser realizados pelas mulheres, para que elas se sintam confiantes e
desenvolvam sua capacidade de sedução. Pelos sentidos, e não por outros elementos de percepção, a mulher se
torna alvo tanto do olhar masculino, como do feminino, no caso da amiga ou da rival. Sobre isso, destaco que
as propagandas feitas em homenagem ao Dia Internacional da Mulher trazem à tona representações sociais nas
quais a mulher obedece à exigência de cuidar da sua aparência e esse cuidado é valorizado, justamente, por
meio desses olhares e atenções. Ela se arruma não para si, mas para a apreciação do outro. Nesse jogo de sedu-
ção, o homem é representado no papel de voyer, ele quase não se integra à narrativa da peça, aparecendo como
esse ser que, momentaneamente, está destituído da razão e age de acordo com os estímulos sensoriais causados
pelo batom, cabelos esvoaçantes, roupas em tons quentes, perfumes etc.
Da mulher, espera-se que mesmo que ela tenha a liberdade de circular e de adentrar diversos espaços,
uma regra básica não deve ser esquecida: o estar linda. Por outro lado, ao homem é oferecida a capacidade de
deixar sua marca, por onde quer que eles andem, caso ele queira ser inesquecível em um determinado local
ou ocasião. A marca deixada pelo uso do perfume aparece, no discurso publicitário, como uma premissa para
o domínio do território (que pode estar, ou não, relacionado também a uma conquista amorosa). A mulher é
representada como um sujeito universal que deve “estar linda” em qualquer ambiente que ela tiver acesso. Ao
homem, é localizado um procedimento de distinção explícita aos homens que desejam deixar sua marca. Para
eles existe um determinado perfume que cumpriria essa função. A figura masculina também é universalizada,
pressupondo que eles devem imprimir suas marcas, por onde passam. Contudo, a beleza não é uma caracterís-
tica formadora da identidade masculina.
A corporalidade dos personagens principais, e também dos coadjuvantes, reitera um padrão norma-
tizador, no quais as mulheres são brancas, possuem cabelos lisos, vestem roupas finas e frequentam festas e
outros lugares tipicamente associados às classes médias/alta. O mesmo pode ser dito em relação aos homens:
branco, jovem, dono de uma aparência e de um lar com referência de quem possui um alto poder aquisitivo de
consumo.
Contudo, a presença de mulheres gordas, negras, lésbicas e idosas tem sido frequente nas campanhas
de cosméticos, inclusive nas que se referem às datas comemorativas. Assim, o discurso sobre o cuidado de si
e sobre a beleza passa a ser direcionado também para as consumidores que , antes, eram tidas como “fora do
padrão”.
A inclusão desses personagens é interpretada aqui a partir da constatação de que a inter relação entre
os discursos (publicitário, feminista, artístico, jurídico etc.) possibilita uma diversidade de representações sobre
o feminino e também sobre o masculino. Contudo, essa inclusão acontece dentro do contexto discursivo do
268
neoliberalismo, onde as diferenças são cooptadas, sem haver um abalo nas fronteiras e nos padrões universais
e hegemônicos; posto que não se realiza uma ruptura radical com o sujeito universalizado, a inclusão deve ser
problematizada, tendo em vista que os discursos em nome da inclusão dos “anormais” e/ou abjetos, além de ser
relacional e contingente, se caracteriza como estratégia de normalização para consolidação do discurso no qual
o sujeito “deve desenvolver, ao máximo, sua capacidade de ser o empresário de si mesmo” (Veiga-Neto, 2000,
p. 200).
Desse modo, concluo que a valorização da beleza como um atributo feminino é o enunciado recorrente
que consolida o objetivo da mensagem publicitária. Contudo, se antes a publicidade estimulava esse consu-
mo seguindo a fórmula dos padrões universais, atualmente, o estímulo para a compra da beleza (contida nos
frascos de perfumes ou nos batons, sombras para os olhos e bases para “disfarçar as imperfeições”) perpassam
por um discurso do cuidado de si e consequente valorização do self são vendidos tendo como público alvo os
sujeitos, até então, tidos como abjetos.

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2003.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e educação da mulher: uma discussão teórica sobre modos de enunciar o
feminino na TV. In: Rev. Estud. Fem. [online]. vol.9, n.2, pp.586-599. 2001.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o cuidado de si. São Paulo: Paz e Terra, 2014. v. 3.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
LAURETIS, Teresa de. A Tecnologia de Gênero. In: HOLANDA, Heloísa Buarque (org). Tendências e Impas-
ses: o feminismo como crítica da Cultura. Rio de Janeiro. Ed, Rocco,1994.
ROSE, Diana. Análise das imagens em Movimento.In:BAUER, Martin, GASKELL (orgs.). Pesquisa Qualitati-
va com Texto, imagem e som: um manual prático. ed.8. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novos dispositivos, novas subjetividades.
In: PORTOCARRERO, Vera; CASTELO BRANCO, Guilherme. (Org). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro:
NAU, P.179-217. 2000.

269
NOMEAR LUGARES:
uma experiência em torno do gesto da escuta1
Cinira d’Alva2

Resumo:
Proponho uma experiência de escutar lugares: o dispositivo é o corpo atento, disposto à perda e à dissolução.
Escutar, no entanto, gera duas demandas: uma, de atenção e presença; outra, de dizer o que foi escutado. Assim,
ouvir e descrever se entrelaçam no gesto da escuta. Mas dizer alguma coisa não significa descrever, ou relatar o
objeto. Dizer é nomear. Nomear é reconhecer uma existência. Proponho uma experiência de nomear lugares:
o dispositivo é a coleta e justaposição de palavras, narrativas e imagens através da montagem. A montagem
reúne esses fragmentos de forma não linear e não causal. Assim, o próprio lugar diz suas questões e podemos
enunciá-las.

Palavras-chave: cidade; lugar; errância; permanência; enunciação

“Encontrar as palavras é outro passo para aprender a ver”


(Robin Wall Kimmerer)

Quero dizer o que vejo no hábito cotidiano de caminhar. Na repetição do mesmo trajeto começo a ver.
Coisas ordinárias emergem. Restos do que foi a cidade. Esse percurso-vestígio me aquece. O tempo compõe
com o meu e respiro melhor no tempo lento. Os gestos também me compõem porque me alegram os gestos de
reconhecimento: pessoas falando os nomes das outras. Também me alegra permanecer. Quando isso aconte-
ce, escuto. Escuto as pessoas, mas já escutei árvores e casas, também as ruas na hora em que ficam douradas.
Quando escuto coisas quero desenhá-las, quando são pessoas preciso repetir o que dizem. Foi assim com o Zé.
Depois de nossas conversas montei um bloco com textos e deixei em sua casa. Falar dos encontros com o Zé
era uma tentativa de dar-lhes corpo e história. Fiz isso em um bloco de notas.
A natureza da cidade é polifônica (CANEVACCI, 2004, p. 17). Acredito que estar na cidade é estar
rodeado de palavras. Se deixar atravessar por essa polifonia é uma aventura de perda e dissolução. Perda de
controle, dissolução do saber. Mas a cidade contemporânea está muda. A velocidade lhe põe uma mordaça e
o espetáculo cria monólogos (BRITO; JACQUES, 2008, p. 80). Penso que a fala da cidade se esconde em raros
acontecimentos e que é preciso o tempo do caminhar para escutá-los. Penso que quando acontece de a cidade
falar têm-se um lugar.
A cidade resiste em lugares. Tenho um faro para eles. Há alguns dias conheci o Maurício. Subi a ladeira
da Ararius e alguém falou como se fosse para mim: “aqui era um areal”. Voltei cinco passos e comecei uma
conversa. Algumas pessoas guardam notícias valiosas de outros tempos. O Maurício falou do Iracema Plaza
hotel, da Praça do Ferreira, da revista “Placar” e do saco de bolas de gude que comprou um dia desses no mer-
cado central. Riscou um triângulo no chão e mostrou como jogava. “Existem inúmeras coisas”. “As coisas são
máquinas do tempo”. Eis que o ordinário vira extraordinário nas palavras do Maurício, com a máquina do
tempo resgatando sua pilha de revistas “Placar” e o levando de volta à Coluna da Hora na Praça do Ferreira.
O que resiste do que podemos chamar de urbanidade na cidade contemporânea está na experiência do
lugar. Onde habita o evento. Onde alteridades colidem, produzindo história. Quero tratar aqui pois da per-
sistência na cidade, da espera pelo inominável, da colisão do encontro. Da disposição para a permanência na
coexistência. Disposição para perder pedaços de si e receber o outro. Permanecer o tempo necessário na relação
para que esse movimento se processe como troca. Troca, e não usurpação ou um “configurar do outro à manei-
ra artística” (FOSTER apud EUGÊNIO, 2011, p. 64). Afinal, como diz Milton Santos (2006, p. 97), “os eventos
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade de Fortaleza (Unifor); mestrado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal da Bahia (UFBa); dalvacini-
ra@gmail.com
270
dissolvem as identidades, propondo-nos outras, mostrando que não são fixas”. Estar disposto ao encontro é,
portanto, estar disposto à dissolução.
Propor uma escuta da cidade transformada em poema é, talvez, uma tentativa de recorrer ao poder que
a palavra tem de criar. Ao dizer lugar, criar lugar. Acredito que alguns lugares se escondem, até que um gesto
os ascenda. Os gestos podem ser pequenos deslocamentos de coisas e hábitos, podem ser dar-lhes um nome e
uma existência. Sócrates associa o fazedor de nomes ao poeta (MILANI, 2011). Penso que o poeta não inventa o
nome. Ele o escuta e consegue dizê-lo. Dizer o nome dos lugares demanda apreender o que são e como desejam
ser chamados.
Se tivesse uma magia, fazia desaparecer tudo o que veio depois do Iracema Plaza na rua do Maurício.
Ficava com a areia, as pessoas e as calçadas. Com as histórias esperando serem ditas. Não posso fazer coisas
desaparecerem, mas posso dizer os nomes das coisas. Pessoas que são porta-bolinhas de gude. Calçadas-má-
quinas do tempo. Dizer os nomes das coisas é transformar vestígios em cidade? Cidade em lugar?

Referências

BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Cenografias e corpografias urbanas: um diálogo sobre
as relações entre corpo e cidade. In: Cadernos PPG-AU/FAUFBA. Ano VI, número especial (2008). Salvador:
EDUFBA, 2008.
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo:
Ed. Studio Nobel, 2004.
EUGÊNIO, Fernanda. O que tem a arte a ver com o que podem ser as cidades. Dança, viragem etnográfica e
o desenho do comum. In: Bienal Internacional de Dança do Ceará – Um percurso de intensidades. Primo,
ROS; ROCHA, Thereza (organizadoras). Fortaleza: Expressão gráfica e editora, 2011.
MILANI, Sebastião Elias. Platão: nomear é uma ação. Signo. Santa Cruz do Sul, v. 36 n. 61, p. 31-40, jul.- dez., 2011.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2006.

271
Pós-pornografia em foco1
Clara da Cunha Barbato Veiga Coelho2

Resumo:
Meu interesse de pesquisa é pensar as relações entre corpo, arte, feminismos e ativismos a partir da noção
da pós-pornografia. Me importa investigar os modos pelos quais reivindicações políticas estão sendo pauta-
das em produções artísticas difundidas na cena pós-pornográfica em eventos na cidade de São Paulo. O foco
da pesquisa são as performances: objetivo refletir sobre os usos e agenciamentos dos corpos em produções e
manifestações artísticas que tensionam os sentidos sobre o corpo, sexo, gênero, raça e posições geográ. As rei-
vindicações políticas que são mobilizadas nas performances enfatizam as experiências de corpos marcados e
produzidos a partir dos efeitos da subalternidade.

Palavras-chave: pós-pornografia; performances; corpo.

Esta pesquisa vem sendo desenvolvida desde o primeiro semestre de 2018 no âmbito do mestrado em
antropologia social no programa de pós-graduação da UNICAMP. O método empreendido, para tanto, é o da
etnografia com observação participante nos eventos. O aprofundamento e busca por uma literatura que per-
mite o cruzamento entre a antropologia, os estudos de mídias e comunicação e a arte também são materiais
imprescindíveis para a minha pesquisa. Neste sentido é que posso afirmar que a minha pesquisa está funda-
mentada no encontro entre produções/manifestações artísticas e produções acadêmicas/teóricas que enxergam
o corpo como elemento central para as análises de reivindicações políticas produzidas a partir dos efeitos da
subalternidade.
O pós-pornô3 pode ser entendido enquanto uma “desprogramação da pornografia” (MOMBAÇA,
2015), enquanto “uma rede de produção de performances, vídeos, literatura e outras manifestações” ou um
“movimento híbrido que circula nas fronteiras entre ativismo político e arte performática” (GONÇALES,
2017), enquanto uma “cena” e “plataforma artístico-política” (MILANO, 2015), enquanto a “reivindicação de
práticas sexuais alternativas e dissidentes” (VALENCIA, 2014) e enquanto um “fenômeno de produções audio-
visual e performances” (SARMET, 2014). De acordo com os registros, o surgimento do termo pós-pornografia
tem origens na teoria feminista4 e na prática artística5. Essa “dupla origem” expressa que o pós-pornô se faz na
interseção entre produções teóricas e produções artísticas.
É importante reconhecer a relevância das performances enquanto produções que enxergam o corpo
como meio para a expressão da própria arte. As performances realizadas por artistas latino americanos “bus-
cam questionar a ordem da administração dos corpos desde o próprio corpo”: usam-se os corpos para ques-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas. Mestrado, claracbvcoelho@gmail.
com
3 Utilizarei os termos pós-pornografia e pós-pornô como se fossem sinônimos.
4 As primeiras críticas à pornografia reconhecidas pelo meio acadêmico vieram das feministas acadêmicas estadunidenses na
década de 80. Uma série de trabalhos e posicionamentos contra a pornografia protagonizados principalmente por Mckinnon (1993)
e Dworkin (1981) ganharam visibilidade. Para as autoras, a pornografia só poderia ser caracterizada enquanto um regime sexista
e patriarcal que violentava as mulheres – tanto as atrizes pornôs quanto as outras mulheres. Em contrapartida a essa posição, um
grupo de mulheres se formou em oposição ao movimento anti-pornografia. Rubin (1984), Vance (1984) e muitas outras feministas
defendiam a possibilidade de transformar as práticas sexuais e os regimes de visibilidade. Estas últimas ficaram conhecidas como
feministas pró-sexo. As feministas pró- sexo estavam refletindo acerca do que poderia ser feito além da pornografia convencional.
Os conflitos entre os dois grupos de feministas ficaram conhecidos como Porn Wars (SARMET, 2015; GONÇALES, 2017).
5 Anne Sprinkle pegou o termo publicizado pelo artista holandês Wink van Kempen na década de 80, e o tornou popular na década
de 90 nos Estados Unidos. Sprinkle, na época trabalhadora sexual e atriz pornô, realizou uma performance – classificada por ela
como uma performance pós-pornográfica – que consistia em convidar o público que estava presente em um auditório a olhar o
interior de sua vagina através de um espéculo vaginal. Sprinkle nomeou a performance de The Public Cervix Announcement.

272
tionar as lógicas coloniais e patriarcais, segundo a filósofa e teórica da arte chilena Alejandra Castillo (2012).
Me importa investigar o modo pelo qual o corpo é tanto território violentado e violado, quanto território que
suporta, denuncia e resiste (DAS, 1995, 2007, 2011; SEGATO, 2013).
A idéia de “corpolimite” de Sara Panamby (2013) condensa a forma pela qual as performances artísti-
cas criam materialidade nas ações dos corpos. A artista está se referindo às performances que causam algum
tipo de modificação no corpo – como fissuras, escrituras, escarificações e implantes. Nestas ações o corpo está
sempre “entre o limite de se – se a pele rasgar, se eu cair, se eu não aguentar a dor.” (PANAMBY, 2013). As per-
formances, ainda segundo Sara Panamby (2013) caracterizam-se pela experiência. Experiências que contam,
que narram, que denunciam e resistem.
Dentre as múltiplas possibilidades de conexões existentes entre a antropologia e a pós-pornografia,
ou entre a antropologia e as performances artísticas que tensionam os usos dos corpos persigo neste projeto a
conexão que se estabelece pela possibilidade que ambas têm de acessar o modo pelo qual os sujeitos tematizam
a violência. É neste sentido que as produções artísticas latino americanas que tensionam os usos dos corpos
são uma das expressões possíveis para a compreensão de formas de poder e saber alternativos aos discursos
vigentes sobre a sexualidade10. Tais produções artísticas — sendo identificadas enquanto pós pornôs ou não —
buscam problematizar questões históricas e culturais muito próprias.
As problematizações suscitadas no campo — tanto artístico quanto teórico — são ferramentas analí-
ticas profundamente importantes para a compreensão das transformações, movimentações, ações e práticas
que informam sobre identidades, lugares de fala e interpretações acerca do corpo (SPIVAK, 2010; MOMBAÇA,
2016b). As movimentações artísticas de “produções políticas do corpo” (GONÇALES, 2016) são estratégias de
intervenção e resistência aos regimes hegemônicos de construção de sentido sobre o corpo e o sexo.
A resistência de determinados grupos que até então haviam sido excluídos dos processos de produção
de sentido e conhecimento sobre o corpo e o sexo materializou-se em apropriações de caráter semântico. Apro-
priação é um termo chave para a compreensão das práticas estratégicas efetuadas pelos sujeitos marginais,
periféricos ou dissidentes no sentido de que estes se apropriam dos discursos, ferramentas e recursos utilizados
pelas redes de produção saber-poder hegemônicos.
Nos termos da filósofa, poeta e performer Sayak Valencia (2014), os regimes de visualidade transforma-
ram-se em espaços de dissidência e transformação. As novas experiências e práticas catalogadas nos múltiplos
registros visuais da atualidade, reconhecidos como produções pós-pornográficas ou não, representam “políti-
cas de agenciamento corporais” (VALENCIA, 2014) de sujeitos compreendidos enquanto periféricos. Não há
como distinguir os agenciamentos veiculados pelas formas de visualização daqueles cuja proposta vincula-se à
reapropriação de termos e palavras. Práticas e palavras resistem, comunicam e são ressignificadas.

Referências

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menino. Entrevista para Andrea Lathrop em: https://arteycritica.org/entrevistas/anestesias-de-lo-visual-ha-
cia-un-cortocircuito-de-la- representacion-de-lo-femenino-conversacion-con-alejandra-castillo/. Acesso em:
05/06/2017.
DAS, Veena (2011). O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37.
GONÇALES, Nathalia. (2016). Das ruínas do corpo sudaka. Dissertação de mestrado em Antropologia Social,
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MILANO, Laura. (2014). Usina posporno: disidencia sexual, arte y autogestión en la pospornografia. Ciudad
Autónoma de Buenos Aires: Título.
MOMBAÇA, Jota (2016a). Para desaprender o Queer dos trópicos: Desmontando a caravela Queer. Disponí-
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_______ (2016b). Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!. De-
zembro de 2016. Disponível em: https://issuu.com/amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_redistribuic a o_da_vi/.
Acesso em 20/07/2017.
273
SARMET, Érica. (2014). Pós-pornô, dissidência sexual e a situación cuir latino-americana: pontos de partida
para o debate. Bahia: Revista Periódicus.
SAYAK, Valencia (2014). Interferencias transfeministas y pospornográficas a la colonialidad del ver. Gesto de-
colonial – Volume 11, número 1. Disponível em:http:// hemisphericinstitute.org/hemi/es/e-misferica-111-ges-
to- decolonial/valencia Acesso em: 20/11/2017.
SEGATO, Rita Laura (2013). Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres, Editorial Pez en el
Arbol y Tinta Limón, México D.F.
SILVA, Sara Panamby Rosa da (2015) Coiote. Revista Recibo, v. 1, p. 140.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. (2010). Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG.
SPRINKLE, Annie. (1998). Post-Porn Modernist, San Francisco: Kleis.

274
Cura – a casa dos espíritos1
Danillo Silva Barata2

Resumo:
O artigo aborda a pesquisa para a criação das videoinstalações intituladas “Cura” de Danillo Barata, desenvol-
vidas entre 2014 e 2017, as obras foram expostas no grupo de trabalho hauntologia, em Thurnauer, na Alema-
nha e “Os Sacudimentos: reunião das Margens Atlânticas” de Ayrson Heráclito, expostos na 57ª Esposizione
Internazionale d’Arte, na Bienal de veneza. Desta forma, descrevem-se procedimentos e conceitos operacionais
que mostram o confronto entre o corpo e a câmera através de um possível diálogo.

Palavras-chave: afrofuturismo; cinema, corpo; performance; espíritos

Diferentes tradições discursivas acabaram por eleger o passado colonial como o elemento fundamental
para se pensar a cidade de Salvador e o Estado da Bahia. A larga hegemonia dessas interpretações orientou,
em grande parte, os olhares, as práticas e as políticas de intervenção no seu cenário urbano. Seus suntuosos
sítios arquitetônicos, com construções que dão conta dos estilos do século XVII ao XIX, garantiram o seu lugar
como Patrimônio Cultural da Humanidade, ao tempo que impuseram formas orientadas de compreendê-la e
significá-la. Por essa especificidade, as políticas culturais e as formas de expressão artísticas que se remetem à
cidade e aos seus territórios favoreceram uma certa liturgia da paisagem, domada por interesses e demandas
ligadas ao turístico, ao exótico, ao histórico, ao museológico, ao monumental. De certa forma, a própria inser-
ção do modernismo na Bahia garantiu que essa apologia da velha paisagem urbana, mesmo que com novas
gramáticas, se colocasse como elemento fundamental para se pensar as políticas de identidade, que cunham
as formas culturais de reconhecimento em circulação. A afro-baianidade, por exemplo, entronizou o arcaico,
o tradicional, as raízes como a condição mais legítima das nossas políticas de pertença. De alguma maneira,
essas constatações nos levam a compreender os impasses do diálogo entre passado e presente na Bahia; as limi-
tações impostas por essas interpretações para uma troca mais interativa entre a produção artística contempo-
rânea e a cidade.
É certo que a própria designação histórica de Salvador nos serve de metáfora para compreender as ques-
tões postas. Concebida no século XVI como «cidade-fortaleza» (RISÉRIO, 2004), ela fez desdobrar-se, nos seu
amplo repertório cultural, o resultado dessas práticas de autoproteção. Mesmo que estabelecendo práticas de
intercâmbio intensas, pela sua privilegiada condição portuária, paradoxalmente ela elegeu o ensimesmamento
como o caminho mais legítimo de reconhecimento.
Apesar de esse processo promover a autoestima, por outro lado, promoveu um relativo isolamento,
culturalmente antagônico às demandas do projeto moderno. Mesmo levando em consideração a trajetória do
fazer artístico nos tempos atuais, a arte baiana ainda continua presa, nas suas políticas de incentivo, nos seus
suportes, modos de fazer e de apresentação, a uma condição de expressividade que, necessariamente, se asso-
cia a formas e espaços tradicionais de veiculação, assim como aos seus desdobramentos estéticos (convenções
de gosto) como a representação / interpretação. Isso configura uma grande contradição entre os espaços de
legitimação da obra de arte e uma realidade urbana que se apresenta preocupantemente conturbada, por estar
eivada de problemas comuns aos grandes centros urbanos brasileiros na contemporaneidade.
Com base nestas inquietações sistematizo uma narrativa audiovisual que discuta as experiências, os
contextos e os sentidos da cura. O trabalho tira sentido das relações atlânticas entre o antigo Engenho da Vi-
tória, em Cachoeira na Bahia, e a performance do Tincoã Mateus Aleluia, que vive entre Angola e o Brasil. O
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo, Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia - UFBA,
Danillo Barata é diretor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT-UFRB), campus Santo Amaro da
Purificação, além de professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGCOM da UFRB e professor
colaborador do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - PPGAV na Escola de Belas Artes da UFBA. Email. danillo.barata@
gmail.com
275
vídeo reforça o diálogo entre o corpo e a câmera, associado ao sincretismo e ao candomblé, com suas formas
de resistência e preservação da memória fortemente identificada aos fluxos de ascendência africana no Brasil.
Na poética apresentada é nos fluxos dos dois lados do Atlântico que pessoas de ascendência africana idolatram
a água como casa dos principais espíritos. O elo espiritual é afetado pelo comércio de escravos, que inaugura o
terror do atlântico negro, simbolizando a ferida da separação para mais de 9 milhões de pessoas.
Os trabalhos artísticos que tenho desenvolvido têm se constituído pela poética do corpo, utilizando
como linguagens o vídeo e as videoinstalações. Motivado por esta tendência, busco uma ampliação desses con-
ceitos e dos meios artísticos de expressão na realização de uma produção na linha de uma poética do corpo.
Em uma avaliação de conceitos ligados às principais teorias e práticas das artes visuais, esta pesquisa
constituiu-se de uma produção prática na qual foram utilizadas técnicas de captação e manipulação de ima-
gens para mostrar o enfrentamento do corpo em relação aos meios contemporâneos de expressão. A produção
foi dividida em etapas, ou momentos, que representaram os estágios de materialização da ideia, com o objetivo
de divulgar e incentivar nos meios acadêmicos e na sociedade em geral a transformação de um pensamento
crítico em produção artística.
Para tal, foram feitas leituras de conceitos que não se limitaram apenas ao seu valor histórico. A pes-
quisa extrapola-o quando vê possibilidades de esses conceitos juntos expressarem uma atitude artística trans-
formadora, explorando as relações entre Tradição e Contemporaneidade. Escolhi linguagens contemporâneas
tais como vídeo, videoinstalação e performance como vias de expressão, não no desejo de abordar o espectador
como um mero observador passivo, herdeiro da representação realista, cuja finalidade é a arte-mensagem, e
sim com a intenção de tocá-lo enquanto sujeito da experiência estética, envolvendo-o em uma atmosfera que
ative suas vias de percepção.
O corpo é a chave para complementaridade ou para o conflito entre homem e a divindade. Nesse senti-
do, acredito que o corpo histórico, o corpo que se inscreve como lugar de acontecimentos, ou seja, o corpo que
fruto das transformações culturais, sociais, econômicas e estéticas, está na base da complementaridade entre o
homem e o divino. O candomblé, minha religião, integra a natureza e o corpo para dar a passagem ou comu-
nicar-se com o sagrado. Portanto, acredito nas dinâmicas contemporâneas que incluem o sincretismo.
É na base da espiritualidade e na conexão com a dimensão histórica que convidei Mateus Aleluia, re-
manescente do grupo musical Os Tincoãs. O grupo tinha como características a inserção de letras e ritmos
afro-brasileiros nas sua canções e ainda hoje é muito celebrado como um dos precursores dos afro-sambas na
história da música brasileira.
Em 1983 Mateus vai morar em angola e participa ativamente da vida política daquele país. Desenvolve
uma série de pesquisas sobre a cultura angolana e suas conexões com os países africanos de língua portuguesa.
Em 2002 regressa ao Brasil.
Em sua performance, na videoinstalação Cura, ele entoa um cântico que pede que os espíritos inter-
cedam na cura de uma pessoa. A idéia de contrapor esse cântico sagrado em um espaço icônico, Engenho da
Vitória, que alude ao passado escravagista é de promover a cura das feridas da escravidão.
O espaço tornou-se fantasmagórico e é visto na cidade de Cachoeira como uma casa assombrada. Lugar de
muitas dores e feridas. Com base nestes aspectos, a performance promove uma depuração daquele espaço.
A videoinstalação cura dialoga com uma série de trabalhos que desenvolvi durante os três anos de re-
sidência artista na Werkplaats voor Beeldente Kunsten Vrije Academie, em Haia, na Holanda. São imagens de
iniciação do candomblé que são difíceis de obter, pelo fato que raramente são permitidas as filmagens nesses
momentos e que, naturalmente, são permitidas por conta dos meus vínculos com a religião. Naquele mesmo
período, tive dois trabalhos comissionados pelo Museum der Weltkulturen de Frankfurt, na Alemanha, que
tratavam do candomblé em Salvador e a festa de Yemanjá.
Faço parte do terreiro Ilê Axé Icimimó Aganjú Didê - casa forte que só faz o bem - de tradição nagô, que
foi fundado no início do século XX, mas que tem suas origens e filiação ritual vinculadas a antigos terreiros do
Recôncavo (séculos XVIII e XIX), criados por grupos religiosos africanos iorubás. Localizado na zona rural de
Cachoeira, numa região conhecida como Terra Vermelha, o terreiro, dedicado ao orixá Xangô Aganju.
Minha produção em muitos aspectos faz menção a um povo que lutou e luta pela manutenção de sua
identidade e pelas suas políticas de pertença em uma país que ainda tem forte presença do racismo.
276
Tetralogia da Escravidão

Participante de um dos eventos mais tradicionais das artes visuais, Ayrson Heráclito apresentou a
instalação “Os Sacudimentos: Reunião das Margens Atlânticas”, na 57ª Esposizione Internazionale d’Arte, a
Bienal de Veneza.
“Os Sacudimentos: reunião das Margens Atlânticas” é uma instalação com vídeos em 2 canais de um
ritual performativo realizado na Bahia e na África. No Brasil, foi feito O Sacudimento da Casa da Torre dos
Garcia d’Ávila, que fica na Praia do Forte, na Bahia; e na África, O Sacudimento da Maison des Esclaves em
Gorée, no Senegal. Segundo o artista: “A temática central é o «sacudimento» ou o «exorcismo» de dois grandes
monumentos arquitetônicos ligados ao tráfico atlântico de escravos e à colonização”.
Essa produção se conecta em especial com seus estudos sobre o sistema colonial, no qual a questão da
escravidão é o foco de sua atenção.

O Fausto Baiano

Na década de 1990, o artista começou a desenvolver uma série de instalações sobre a história da Bahia.
Escolheu três materiais emblemáticos: o açúcar, o azeite de dendê e a carne de charque. Em 1994, ele fez uma
grande instalação intitulada Segredos Internos, no MAM-Ba, composta de um barco partido ao meio e de
objetos e materiais que evocavam a decadência do ciclo açucareiro na Bahia, utilizando rapadura, melaço de
cana, diferentes tipos de açúcar (branco, mascavo e barreado), madeira, gesso e vidro. Para Ayrson, esse projeto
apresentava o primeiro Fausto baiano. A escolha foi baseada em estudos sobre a economia açucareira e o que o
açúcar poderia significar num confronto entre a tradição e o contemporâneo. A cana, as rapaduras, os diversos
tipos de açúcar estavam associados à história da Bahia colonial.
O projeto de escultura social «A Transmutação da Carne», evento artístico polifônico, desdobrado em
várias etapas e instâncias sociais de intervenção, foi pensado no ano 2000. Nesta obra de fôlego, o artista tenta
aplicar o conceito de escultura social, de Joseph Beuys, numa série de ações que utilizam como suporte artístico
a performance, a instalação e o happening, assim como a discussão, como meios veiculadores da sua mensa-
gem.
No Goethe Institut, em Salvador, organizou uma série de quatro ações utilizando a carne. Nessas ações,
havia um áudio no espaço em que se encontravam os objetos, que comentavam a violência ao corpo; áudio com
registros históricos de violência, narrados sistematicamente por um performer. Eram 12 folhas manuscritas
com os autos de torturas feitas por Garcia D’Ávila Pereira Aragão, que nos finais do século XVIII foram envia-
das da Bahia de Todos os Santos ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. A 1ª ação fazia referência
aos maus-tratos aos negros — marcar o corpo a ferro. A 2ª ação era a da fragmentação do corpo: um esquar-
tejamento. A 3ª ação era caminhar sobre brasas. Na 4ª e última, uma manta de carne de charque era envolvida
no performer, de modo que, colocado em uma grelha gigante, era assado como um churrasco humano.
Após o projeto da carne, Ayrson retoma o interesse pelo dendê e pelas questões do Atlântico Negro,
com fluxos e refluxos entre a África e a Bahia. Nesse momento, escolheu o azeite de dendê como símbolo, que
culminaria na exposição «Ecologia de Pertencimento», de 2002, realizada no mam-ba, com a apresentação de
três obras: O Atlântico Negro-Divisor, composta por aquário de vidro, água, sal e azeite de dendê; Regresso
à Pintura Baiana, painel de madeira pintado com azeite de dendê; e a instalação/performance O Condor do
Atlântico: a moqueca.
O dendê era uma metáfora do corpo. Em sua poética, o dendê oxigena esse corpo cultural, baiano, com
forte influência das questões negras. O azeite de dendê era utilizado como signo desse sangue ancestral que
oxigena o corpo resistente da carne seca.
Se o projeto Transmutação da Carne era pensado como uma Tetralogia da Escravidão na Bienal de
Veneza, Ayrson retomou este tema ao apresentar o registro de suas performances em duas casas como um
elemento fundamental para se pensar “a violência oriunda do escravismo e do antigo sistema colonial, que nos
legaram uma extremada desigualdade e, também, como fruto dela, a pobreza”. Nesta obra, quatro imagens em
277
duas videoinstalações retomam a tradição literária da tragédia e nos confrontam com o flagelo da escravidão e
seus fantasmas.

Conclusão

A ideia de território, espaços físicos culturalmente informados, está cada vez mais presente nas discus-
sões da arte contemporânea. No momento em que as tensões e as fronteiras se esgarçam numa nova cartografia
que possibilita diálogos e trocas contundentes no campo da arte e da tecnologia, outras paisagens se configu-
ram numa tomada de consciência que reivindica novas subjetivações e mutações nos Estados e na cultura. Essa
imbricação no campo da cultura permite apropriações, aproximações e distanciamentos num redesenhar das
fronteiras geográficas que não mais problematizam ou engendram a noção de território strictu sensu.
Esse princípio da resistência busca a legitimação dessas experiências artísticas na contemporaneidade.
Pensando as políticas do corpo histórico, a sociedade estará refletindo aspectos profundos de sua constituição,
ao tempo que propõe mecanismos mais intensos de interação entre a arte e a sociedade, a visceral relação da
arte com os problemas sociais do seu contexto, criticando, assim, antigos paradigmas como o da autonomia da
arte, da neutralidade ideológica das poéticas artísticas.
Para além da impressão imagética, a poética visual busca dar voz ao cidadão-artista, que, utilizando-se
do seu meio particular de expressão, suscita um diálogo com os outros falares em circulação. Certamente que,
ao optarmos por esse corpus, estamos dialogando com preocupações mais amplas do mundo da arte nos nos-
sos dias.

Referências

RISÉRIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. 1. ed. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Re-
cord, 2000.
_____“O tempo nas cidades”. Ciência e Cultura (SBPC), v. 54, n. 2, São Paulo out./dez.2002.
SILVA. Kalina Vanderlei. “O barroco mestiço: sistema de valores da sociedade açucareira da América Portu-
guesa nos séculos XVII e XVIII”. Revista Mneme, v. 7, n. 16, jun./jul. de 2005. Disponivel em: <www.cerescai-
co.ufrn.br/mneme>. Acesso em: 17 fev. 2016.
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 1992.
VERGER. Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos:
dos séculos XVII a XIX. 4. ed. rev. Trad. Tasso Gadzanis. Salvador: Corrupio, 2002. 731 p.

278
COMO LUZ DEL FUEGO:
enfrentando os perigos da nudez1
Gisele Soares de Vasconcelos2

Resumo:
Pretendo nesta comunicação apontar ações de enfrentamento e significações do corpo das vedetes no Teatro
de Revista do início do séc. XX no Brasil a partir da performance de Luz Del Fuego. Reconhecendo a primeira
década do século XX, como um espaço para a dança e a música na Revista, quando o corpo feminino retira do
silêncio e da vergonha a sexualidade e legitima o prazer, a vedete Luz Del Fuego se revela no saber mover-se
nua. O diálogo entre arte, gênero e corpo se apresenta nas memórias e narrativas descritas em seu livro “Verda-
de Nua”. Seu pensamento sobre o nudismo foi precursor para o movimento Naturismo no Brasil, assim como
para o feminismo.

Palavras-chave: vedete; Luz Del Fuego; dança.

Iniciando pesquisa cênica para um novo espetáculo me envolvo com a memória e história das vedetes
do teatro brasileiro no início do séc. XX. Investindo sobre a pesquisa que desenvolvo desde 2008, sobre a figura
do ator/atriz contadora no teatro3, encontro nas vedetes um potente material de estudo para pensar a presença
da atriz-contadora nos palcos, no seu revezamento entre pessoa e personagem, na performance do canto e da
dança e na relação direta com a plateia.
Quando escolho, ou melhor, quando a obra me escolhe ou mesmo quando o universo me apresenta a
obra A Vagabunda, de Gabrielle Colette, volto-me ao estudo dos gêneros musicais ao estilo dos music hall, ca-
barés e revistas e suas atrizes-cantoras-dançarinas. A Vagabunda é um romance que apresenta a personagem
Renée, mimóloga e dançarina de music hall e seus enfrentamentos femininos, na luta contra a discriminação, o
preconceito e o machismo para o exercício da profissão de artista, para a autonomia profissional e para o livre
direito de viver só.
[...] Vamos, vamos! Esta noite sinto-me lúcida demais, e, se não me acautelo, era uma vez um bailado.
. . Danço, danço. . . Uma bela cobra serpenteia sobre o tapete persa, uma ânfora do Egito é entornada,
donde sai uma cascata de cabelos perfumados, uma nuvem eleva-se e voa, tempestuosa e azul, um
felino salta e se retrai, uma esfinge, cor de areia clara, se alonga, cotovelos no côncavo dos rins, seios
eretos... Nada me escapa, estou outra vez em plena forma... Vamos, vamos! Essa gente que aí está não
existe... Não, não, de real, só a dança, só a luz, a liberdade, a música... Só o pensamento feito cadência
traduzido em belos gestos. Um simples requebro desta cintura, livre de qualquer aperto, já não seria
o suficiente para insultar esses corpos sufocados pelo espartilho, esses corpos empobrecidos por uma
moda que os exige magros? (COLETTE, 1971, p. 51.)

O trecho citado acima revela o enfrentamento da personagem Renée diante de uma plateia que ela cha-
ma de “espectador grã-fino”, “freguês da alta roda” e nos dá pistas para análise das atitudes dessas mulheres ar-
tistas: resistência e persistência, determinação, dança, arte, liberdade, música, gestos, cintura livre de qualquer
aperto, o corpo seminu.
A imagem dessa narrativa ressoa em mim a performance da vedete brasileira, capixaba, Luz del Fuego,
considerada, “pelos ignorantes, claro, como leviana, exibicionista e criatura imoralíssima”, (LUZ DEL FUEGO,
1950, p. 03). Este estudo apresenta o pensamento acerca do corpo nu e da sua dança com as cobras a partir da
análise de sua própria narrativa descrita em A Verdade Nua e de imagens em vídeo que registram a sua dança.
Em sua inquietude criativa, a artista reconhece na dança a arte de sua preferência:

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora do Departamento de Artes Cênicas da UFMA, doutora, vasconcelos.gisele@ufma.br
3 Ver VASCONCELOS (2015)
279
Desta forma desde criança eu tinha em mente não me casar e seguir uma livre carreira em que eu
pudesse exibir meus conhecimentos e gostos artísticos, ao mesmo tempo em que me instruísse espi-
ritualmente. Entre todas as tentativas que fiz para descobrir qual das artes seria a de minha preferên-
cia, ou melhor, a que mais se coadunasse com as minhas possibilidades ou com minha vocação, uma
sempre se destacava das demais: a coreografia parecia ser a minha verdadeira vocação. Fiz várias
experiências e cheguei à conclusão que seria a dança a escolhida, pois ela é mais acessível ao grande
público, e poderia assim facilitar-me o ganha-pão no futuro, além de proporcionar-me diretamente
os aplausos que o meu temperamento exigia. E venceu Terpsicore. (LUZ DEL FUEGO, 1950, p. 11-12)

Enquanto vedete do Teatro de Revista das décadas de 40 e 50, Luz del Fuego alcançou o apogeu do
estrelato4, obteve sucesso de bilheteria, e também foi alvo de censura, críticas e ofensas pela sua prática do nu-
dismo e ousadia por fazer tudo o que tinha em mente e por realizar as coisas que mais desejava, colocando em
prática as teorias que julgava correta. (LUZ DEL FUEGO, 1950, p.3).
No período em que Luz del Fuego participou dos espetáculos do Teatro de Revista, o gênero já tinha
passado por algumas mudanças que possibilitaram a sua atuação, como “a valorização da participação femini-
na nos espetáculos”, “a suspensão das meias grossas que cobriam as pernas das coristas, abrindo caminho para
o ‘nu artístico” (ANTUNES apud COLLAÇO, 2008, p 11).
Neide Veneziano (2010, p. 41) afirma que “bastava colocar seu nome nos cartazes que era bilheteria
garantida” e cita um de seus famosos quadros apresentados nas Revistas quando ela, vestida de freira, se diri-
gia para a plateia dizendo: “– Eu sei que os senhores me consideram uma mulher leviana, imoralíssima, e não
querem me ver nem como irmã de caridade. Vocês estão doidos é para me ver pelas costas, não é mesmo? Está
bem!”. Ao dar as costas para a plateia, via-se sua bunda nua.
Na sua escrita autobiográfica, Luz Del Fuego (1950) narra o porquê das escolhas das cobras e como se
deu o processo de treinamento, ensaios e apresentações com a dança que ficou mundialmente conhecida, A
Tentação de Eva, com a cobra fêmea Castorina. Entre as características apresentadas destacam-se: a força que
deve empenhar para sustentar uma serpente de 16kg entre as mãos levantadas no alto; sustentar a posição du-
rante as variações rítmicas da dança; conhecer as coreografias escolhidas, a exemplo do maracatu, que executa
com Cornélio, a cobra macho; omitir o seu esforço em relação ao peso da cobra para o público ao executar
movimentos graciosos; lidar com as alterações de humor da cobra, com os movimentos inesperados do bicho.
A preferência pelas danças do repertório brasileiro é uma característica da dança da Luz Del Fuego, que nem
sempre fazia uso das cobras, nos frevos, batuques, sambas e maxixes, ela afirma não utilizá-las.
No livro, ela também expõe suas ideias sobre o nu e sobre a exaltação da natureza que vão contribuir
para a organização do movimento do Naturismo no Brasil: “Por que fazer do NU5 um tabu, uma coisa temida,
intocável, inobservável a não ser pelo médico ou pelo estudioso de assuntos ligados às artes plásticas?” Essa era
uma das inquietações que motivaram seus estudos sobre a “falsa educação” e sobre o nudismo.
Suas ideias inovadoras e de transgressão na arte e na vida, colocaram-na como uma das percursoras
do feminismo no Brasil. E para que sua memória seja lembrada, sua história recontada, sua arte recriada e
principalmente para que seja reconhecida nos escritos e estudos teatrais é que propomos esta comunicação,
como inicio de um processo teórico-prático que tem como finalidade a montagem do espetáculo A Vagabunda,
inspirada no livro de Colette e na arte da dança e da música das vedetes do Teatro de Revista no Brasil.

Referências

COLETTE, Gabrielle S. A Vagabunda. Os Imortais da Literatura Universal. Vol. 12. Editora Abril. 1971. 225p.
COLLAÇO, Vera. As aparências mutantes de um corpo que se desnuda. IN: Urdimento. PPGT CEART/
UDESC: Santa Catarina, nº 11, p. 231-241, 2008.
LUZ DEL FUEGO dançando com suas cobras. Cena do filme “Curucu, Beast of the Amazon”, 1956. Vídeo.
4 Na descrição do Sistema das Vedetes, Neide Veneziano (2011, p. 66-67) destaca as funções: Girls, Vedetinhas, Vedete de quadro,
Vedete do espetáculo e Estrela, quando alcançava o reconhe¬cimento e a notoriedade.
5 A palavra nu e seus derivados são escritas em caixa alta em todo o livro A Verdade Nua, 1950.

280
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=OWRaIBmjagQ. Acesso em 09 de fev. 2019.
LUZ DEL FUEGO, A Nativa Solitária. Direção: Francisco de Almeida Fleming. Produção e Fotografia: A.
Medeiros, 1954. Filme (30:17). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IT39VW1zLfc
LUZ DEL FUEGO. A Verdade Nua. Rio de Janeiro, 1950. Transcrição e atualização do texto Jorge Bandeira,
2007. Disponível em http://www.jornalolhonu.com/jornais/olhonu_n_077/A_Verdade_Nua.prn.pdf. Acesso
em: 29 de jan. 2019.
LUZ DEL FUEGO. Clip Raro 1949 (dançando com a cobra). Vídeo (02:18). Disponível em: https://www.you-
tube.com/watch?v=jXCrLQEJDEQ. Acesso em: 29 de jan. 2019.
LUZ DEL FUEGO. Composição: Rita Lee. Música. 1975
LUZ DEL FUEGO. Direção (1982). Direção: Davi Marques. Intérpretes: Lucélia Santos, Walmor Chagas e ou-
tros. 1982. Filme (160 min.). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mn-uv0dI9nA. Acesso em 09
de fev. 2019.
VASCONCELOS, Gisele. Ator-contador: a voz que canta, fala e conta nos espetáculos do grupo Xama Teatro.
2016. 205 p. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
VENEZIANO, Neyde. O Sistema Vedete. In: Repertório, Salvador, nº 17, p.58-70, 2011. 267p.
VENEZIANO, Neyde. As Grandes Vedetes do Brasil. Coleção Aplauso: São Paulo, 2010.

281
CORPO AUSENTE, IMAGEM PRESENTE:
as manifestações imagéticas de Lula
na mídia online durante as eleições 20181
Joedson Kelvin Felix de Oliveira2
Maria Iara dos Santos de Meneses3
Ivan Satuf4

Resumo:
Este trabalho investiga a seguinte questão: quais foram e como se deram as manifestações imagéticas e foto-
gráficas de Lula durante a campanha eleitoral de 2018? Partindo do pressuposto de corpo ausente e imagem
presente, o objetivo é expor as discussões teóricas e metodológicas de interpretação fotográfica e análise ima-
gética/corporal através de dois distintos vieses: 1) as fotografias utilizadas pelos veículos jornalísticos sobre
Lula e 2) a imagem do rosto na forma de máscaras do ex-presidente ressignificada pelos correligionários. Estes
momentos convergem para o entendimento do potencial da imagem em se materializar e se fazer presente,
apesar do corpo ausente.

Palavras-chave: Corpo e imagem; Fotografia; Jornalismo; Lula.

As imagens estão em constante transição. Mesmo antes de se concretizarem no plano físico, elas já exis-
tem de modo predeterminante no imaginário popular, ou seja, mentalmente. Diante de um processo infindável
de produções e reproduções, têm-se o ato fotográfico, resultado de impressões subjetivas dos fotógrafos e da
bagagem sociocultural que possuem. Por outro lado, observam-se as ressignificações destas mesmas imagens
por quem as veem, intervindo, atualizando e estimulando novos sentidos e discursos que se articulam diante
dos contextos sociopolíticos e culturais vigentes.
O jogo de sentidos está em constante processo de circulação. A imagem, por sua vez, surge como um
dispositivo que não só complementa os discursos e significantes, mas também narra de forma autônoma. O
imaginário midiático, resultado de produções e co-criações imagéticas, se desenvolve através de diversos âm-
bitos de expressões.
Os veículos jornalísticos, por exemplo, através das suas narrativas midiáticas, estimulam mentes coleti-
vamente que respondem com uma “mobilização de produção de sentidos e a consolidação ou não de imaginá-
rios sociais” (ROSA, 2018, p. 02).
Nesse sentido, duas formas da imagem de Lula foram selecionadas para compor este estudo teórico-in-
terpretativo: 1) as fotografias usadas pelos portais online em notícias que tiveram relação com o ex-presidente
e 2) as fotografias veiculadas pelos mesmos portais, que representam os correligionários se apropriando de
máscaras com o rosto do líder político.
Os portais Folha Online e o El País Brasil foram os veículos eleitos para a investigação neste estudo.
O primeiro deles é um veículo jornalístico nacional e o segundo um portal de um grupo internacional com
edição exclusiva para o Brasil. Após esse momento, foram observadas e arquivadas publicações entre agosto a
outubro de 2018. A seleção do recorte temporal se dá pela correspondência ao período eleitoral que aconteceu
durante estes meses de campanha.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Estudante do 7º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Membro do Grupo de pesquisa
LIMBO – Laboratório de Imagem e Estéticas Comunicacionais da Universidade Federal do Cariri/CNPq. E-mail: joedsonkelvinco-
municacao@gmail.com
3 Estudante do 7º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista do Núcleo de Comunicação
da Pró-Reitoria de Cultura (PROCULT/UFCA). E-mail: yarameneses0498@gmail.com
4 Professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri. E-mail: ivan.satuf@ufca.edu.br

282
Para análise das fotografias utilizadas pelos veículos jornalísticos nas narrativas sobre Lula, foi utili-
zada a metodologia de “desconstrução analítica” para identificação da alta carga comunicativa das imagens
fotográficas e a forma como foram enquadradas e ancoradas nos textos das matérias. Aspectos como foco,
enquadramento, composição, angulação, iluminação, tonalidades, entre vários outros recursos fotográficos
propostos por Boni (2006), foram discutidos para o entendimento e avaliação do uso de fotografias como dis-
positivo narrativo sobre o ex-presidente preso, impossibilitado de ser fotografado durante o período em ques-
tão e, consequentemente, sem ter sua imagem atualizada.
A análise e discussão sobre as fotografias que retratam apoiadores com máscaras nos movimentos
#LulaLivre se embasa em teóricos que versam sobre fotografia, imaginário midiático, e outras possibilidades
imagéticas, como Rosa (2018), Baitello Junior (2018) e Alex Heilmair (2018), Susan Sontag (2004), Bressan e
Boni (2011), dentre outros. Portanto, de um lado têm-se a imagem de Lula sendo reproduzida por ausência de
um corpo e, de outro, as máscaras do ex-presidente sendo apropriada pelos seus correligionários. A união des-
ses dois processos neste estudo justifica-se principalmente porque ambos coexistem em um mesmo ambiente:
o midiático online.
Como seres imersos nas relações midiáticas, somos mediados pelo simbólico na construção de men-
sagens e sentidos em nossa comunicação dialógica. O uso de dispositivos técnicos também surge como algo
primordial quando se busca a efetividade na comunicação. A imagem, mais especificamente a fotografia, surge
muitas vezes como um atributo intencional e potencializador do que não poderia ser dito tão bem se fosse
enunciado apenas por elementos verbais.
Nos ambientes midiáticos, percebe-se uma espécie de efervescência de imagens fotográficas constante-
mente produzidas, reproduzidas e ressignificadas. As imagens midiatizadas não são desprovidas de sentido e,
muitas vezes, operam numa lógica de presentificação do que está ausente ou do que se falta. É o que propõe De
Carli (2015, p.95) ao afirmar que, “metaforicamente, a imagem é como uma técnica do simbólico, uma maneira
da qual ele se utiliza para se materializar, se fazer presente”.
Os veículos jornalísticos, ao resgatarem determinadas fotografias para usá-las em matérias sobre deter-
minados temas ou assuntos, estimulam os leitores e todos aqueles presentes e atuantes na mídia online a repro-
duzirem ou até mesmo ressignificarem tais imagens. Para cada fotografia ou imagem no ambiente midiático, é
impossível não haver sentidos ou propostas intencionais. Em outras palavras, as imagens estão sempre sujeitas
às várias intervenções técnicas ou simbólicas mediante as cargas de subjetividades e intenções terceiras, sejam
políticas, culturais, ideológicas, etc.
Fotografias não são isentas de sentido, informação ou valor. Ao contrário - e no fotojornalismo,
especialmente -, são produzidas e existem para transmitir algo para alguém, uma mensagem, um
sentimento, uma sensação. Elas “falam”, ou, como a própria etimologia da palavra diz, “escrevem
com a luz”. Assim, partindo da premissa de que são “escritas”, subtende-se que podem ser “lidas”.
(BRESSAN e BONI, 2011, p. 29)

São tantas as possibilidades de narrar ou escrever com imagens, que elas são capazes de tornar presen-
tes corpos físicos que não estão mais disponíveis - no sentido concreto e atual da palavra - para serem foto-
grafados. É nesse momento que são encontradas novas alternativas de contextualizar fotografias já existentes
produzidas no passado, ou até mesmo de ressignificá-las para expressar os novos sentidos que são convocados
para o presente, ou seja, “uma foto é tanto uma pseudopresença quanto uma prova de ausência” (SONTAG,
2004, p.26).
No jornalismo, e no ambiente midiático como um todo, é comum a necessidade de falar sobre um as-
sunto ou pessoa que não está mais presente no meio real-físico (como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, preso em abril de 2018 e, assim, recorrer às outras ferramentas dizíveis e visíveis através das imagens
que circulam no ambiente midiático e o potencializam cada vez mais.
Nesse estudo, pôde-se perceber, portanto, que a imagem não é limitada, ela se reproduz em vários
corpos e a sua manifestação de sentidos se dá no ato de replicação. Seja em um sentido metafórico, como nos
corpos das matérias jornalísticas a partir do uso de fotografias, ou de uma forma mais real, nos corpos físicos
dos correligionários do ex-presidente Lula, através das máscaras. De forma sugestiva, pode-se ainda afirmar

283
que a imagem por si só é um corpo autônomo que atua independentemente de ausências ou presenças de outros
corpos.
De forma geral, as imagens que circulam na mídia online são, antes de tudo, resultados de proces-
sos primeiros de criações e co-criações imagéticas, movidos pelos acontecimentos midiáticos, socioculturais
e ideológicos. O que nos mostra, portanto, que o campo das imagens é algo importante a ser constantemente
observado, enquanto um só corpo múltiplo, pois as várias possibilidades imagéticas estão sempre passíveis de
novos sentidos.

Referências

BRESSAN, F. G; BONI, P.C. Fotografia: Múltiplos Olhares: A intencionalidade de comunicação no fotojorna-


lismo: análise das imagens do latrocínio de Isabella Garcia Lopes. Londrina: Midiograf, 2011. Disponível em:
http://www.uel.br/pos/fotografia/wp-content/uploads/Fotografia-Multiplos-Olhares.pdf
DE CARLI, A. A. Imagens entre a fotografia e o jornalismo: uma leitura simbólica do fotojornalismo premia-
do. 2015. 124 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Comunicação e informação, Programa de Pós Graduação
em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível
em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/132839/000984926.pdf?sequence=1
HEILMAIR, A.F; BAITELLO, N.J. A imagem como outro do Corpo: Considerações acerca da antropologia da
imagem. XVII Encontro da COMPÓS, 2018. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/arquivos_2018/
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ROSA, A. P; Imagem em espiral: da circulação à aderência da sombra. XVII Encontro da COMPÓS, 2018. Dis-
ponível em: http://www.compos.org.br/data/arquivos_2018/trabalhos_arquivo_XDFB3DO7I9DNXSGSYM-
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SONTAG, Susan. Sobre Fotografia: Na Caverna de Platão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

284
O ACONTECIMENTO TEATRAL HISTÓRIA SOB ROCHA E
O MÉTODO SAMBAQUI: em busca de um teatro direto1
Lia da Rocha Lordelo2
Daniel Freire Leahy Guerra3

Resumo:
A partir da análise do processo e apresentação de uma obra artística - o acontecimento teatral História sob
Rocha (2015), dirigido pelo artista Daniel Guerra, esta pesquisa busca sistematizar como método uma ação
artística estruturante do projeto: o sambaqui. O sambaqui se mostrou, ao longo do processo, uma lógica de
configuração cênica, a qual privilegia a força de objetos que, em princípio, estão esquecidos, desvalorizados ou
abandonados; valoriza o tempo, o trabalho colaborativo e o acaso. Tais aspectos têm sido suprimidos nos pro-
cessos de criação e de aprendizagem na contemporaneidade; mas podem e devem, entendemos, ser valorizados
em trabalhos outros, de criação e formação artísticas.

Palavras-chave: Teatro; História sob Rocha; Estética; Sambaqui; Arte Contemporânea.

Dentro de um amplo contexto de discussão das possibilidades de se estudar o fenômeno estético, este trabalho
propõe, a partir da análise de uma obra artística - o acontecimento teatral História sob Rocha (2015) -, refle-
xões acerca de um conjunto de referências que se organizam em torno de duas questões básicas: o fenômeno
estético teatral como algo que, por excelência, se experimenta na relação com outras pessoas e seu entorno
(BOURRIAUD, 2008); e, ligada a esta questão, a noção de uma prática teorizada (CAUQUELIN, 2005) como
a alternativa mais adequada à análise estética de obras artísticas contemporâneas. História sob Rocha foi um
projeto de reflexão e ação artísticas ocorrido na cidade de Salvador no ano de 2015, no bairro de Cajazeiras. O
projeto partiu de um olhar crítico sobre as tensões que existem entre o corpo social e o corpo individual para,
desde esse lugar de fissura, desenvolver poeticamente o que poderia aí subsistir enquanto marcas históricas e
opressões vivenciadas por cada um, em contato com o ambiente em que vive. A ideia era encontrar/revelar/
reinventar os rastros da história da Bahia em cada corpo e, assim, plasmar um espetáculo-rito que revelasse
os fantasmas coletivos de uma história ainda não contada pelas vias oficiais. Para esse processo criativo, duas
referências serviram como pontos de partida temáticos e conceituais: Jean Rouch, cineasta e etnólogo francês
e um dos representantes do Cinema Direto, em especial seu filme “Os Mestres Loucos” (1955); e, em paralelo,
o livro do historiador baiano Antônio Risério, “Uma História da Cidade da Bahia” (RISÉRIO, 2004). Dirigido
pelo artista Daniel Guerra, o HsR reuniu um coletivo de artistas ao redor de um dispositivo cênico de produzir
acontecimentos, por meio de uma residência artística de três meses em Cajazeiras. Durante este período, o
grupo ocupou uma casa do bairro e lá concentrou suas atividades – discussão de textos e imagens, derivas pelas
ruas do bairro, trabalho de coleta de informações sobre o local, músicas, imagens e notícias, atividades em gru-
po na praça principal do bairro; além de uma grande coleta de objetos doados por moradores das redondezas
– utensílios, tecidos, equipamentos eletrônicos e diversos objetos dos mais minúsculos aos mais “espaçosos”.
Gradativamente, o trabalho de reconhecimento e disposição destes muitos objetos foi se transformando numa
ação artística estruturante do projeto: o sambaqui. O termo, encontrado nos relatos de Risério (2004), refere-se
a sítios arqueológicos comumente encontrados em regiões litorâneas do país, montes em que se acumulam
restos de materiais orgânicos como conchas, por acampamentos de pescadores e coletores de moluscos – habi-
tantes nativos da costa brasileira em período pré-histórico (DEBLASIS, KNEIP, SCHEEL-YBERT, GIANNINI,
GASPAR, 2007). Assim, o acontecimento cênico concebido e praticado durante os meses de residência e no pe-
ríodo da temporada (ocorrida em setembro de 2015) consistiu num imenso sambaqui: centenas de objetos eram
levados à praça pública, dispostos, e aos poucos, redispostos, gradativamente e em conjunto com os próprios
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Doutora, e-mail lialordelo@gmail.com
3 Diretor teatral, Graduado, freireguerra@gmail.com
285
intérpretes e, ainda, com os próprios “habitantes” do local – pessoas presentes ou de passagem pelo lugar esco-
lhido para a apresentação. O sambaqui, assim, constituiu-se num método; não por circunscrever ou cristalizar
um jeito de pensar cena; mas porque se mostrou, a partir de um processo de criação, um modo ou uma lógica
de configuração cênica, a qual privilegia a força de objetos que, em princípio, estão esquecidos, desvalorizados
ou abandonados; valoriza o tempo, o trabalho colaborativo e o acaso. Tais aspectos, em especial o tempo e a
força do acaso, têm sido suprimidos nos processos de criação e de aprendizagem na contemporaneidade; mas
eles podem e devem, entendemos, ser valorizados em trabalhos outros, de criação e formação artísticas. Este
trabalho partiu, inicialmente, de uma contextualização sobre os novos modos de configuração do fenômeno
teatral na contemporaneidade, o qual muda o foco da representação para a presentação (ROMAGNOLLI, 2014);
para um teatro mais performativo, centrado na partilha de uma experiência em tempo real (LEHMANN, 2007;
BOURRIAUD, 2008). Da descrição do acontecimento teatral História sob Rocha, propusemos a noção de tea-
tro direto: um teatro que entende seus métodos de criação a partir do tempo concreto de trabalho colaborativo
de seus próprios intérpretes-criadores, e cuja presentação se centra na partilha comum do tempo e do espaço
da experiência sensível.

Referências

BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008.
DEBLASIS, Paulo; KNEIP, Andreas; SCHEEL-YBERT, Rita; GIANNINI, Paulo C. & GASPAR, Maria D. Sam-
baquis e paisagem: Dinâmica natural e arqueologia regional no litoral do sul do Brasil. Arqueología Surame-
ricana/Arqueologia Sul-Americana, 3,1, 2007.
CAUQUELIN, Anne. Teorias da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HISTÓRIA sob Rocha. Direção de Daniel Guerra. Salvador, 2015. Peça não publicada.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
OS MESTRES Loucos. Direção: Jean Rouch. Gana:1955.
RISÉRIO, Antonio. Uma história da Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2004.
ROMAGNOLLI, Luciana E. Convívio e presença como dramaturgia: a dimensão da materialidade e do en-
contro em Vida. Sala Preta, v. 14, n. 2, 85-94, 2014.

286
VÍDEOPERFORMANCE: experimentações em sala de aula
sobre o corpo em movimento1
Meiriluce Portela Teles Carvalho2
Gisele Vasconcelos3

Resumo:
O presente trabalho traz uma reflexão sobre a representação da performance associada a utilização do vídeo,
conhecida como vídeoperformance, que envolve arte, corpo e tecnologia, com os alunos do 2º ano do ensino
médio na modalidade integrada do curso Técnico em Programação em Jogos Digitais do IFMA/Campus São
José de Ribamar de modo a propiciar a exibição de movimentos corporais, favorendo uma interatividade da
arte teatral com instrumento tecnológico de maneira a despertar no aluno diferentes possibilidades de expres-
são e comunicação para construção de conhecimento, interatividade e socialização das experimentações.

Palavras-chave: corpo; tecnologia e movimento

O uso de recursos tecnológicos vem se tornando cada vez mais presente em sala de aula. Por isso, sur-
ge a necessidade de está sempre em busca de uma educação renovada e dinâmica, através do estudo sobre a
videoperformance com experimentações em sala de aula sobre o corpo em movimento, buscou-se investigar a
relevância da arte e tecnologia dentro do contexto escolar com o intuito de oferecer um estudo sistemazado e
experimental, com a possibilidade de socializar conhecimentos, despertando uma consciência critica e reflexi-
va dos alunos do ensino médio na modalidade integrada do IFMA/Campus São José de Ribamar.
A pesquisa está concentrada na vivência entre performance e vídeo com o intuito de dinamizar e oferecer uma
aprendizagem participativa e significativa sobre a importância do vídeo na elaboração do movimento corporal
envolvendo a criatividade, sociabilidade e concentração.
Estudos (GOLDBERG, 2006) apontam que no século XIX a performace era entendida como uma
atividade artística que só acontecia mediante uma plateia para ser apreciada, porém foi por meados do século
XX, que ela aparece com a estrutura de manifestação artística, estabelecendo relações com a linguagem cênica,
poética, músical, visual, dentre outras.
Sendo assim, a possibilidade de utilizar a tecnologia com a educação escolar e tornar as vivências dos
(as) alunos (as) ainda mais interativas tem sido bastante promissor para despertar o interesse pelo teatro, co-
adunando com várias outras linguagens artísticas para propiciar um estudo pautado numa abordagem ativa
dentro do processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Antunes (2007, p.70) “Com as novas tecnologias é possível passarmos de uma escola especia-
lista em ‘ensino’ para uma escola que se especializa em ‘aprendizagem’.”, de forma que o aluno tenha interesse
em se tornar um protagonista da ação criando novos meios de experimentos através do corpo para a efetivação
da ação cênica de forma enriquecedora para arraigar ainda mais o processo do aprender a aprender. “(...) As
tecnologias transformam suas maneiras de pensar, sentir e agir. Mudam também suas formas de se comunicar
e de adquirir conhecimentos”. (KENSKI, 2010, p.21).
A videoperformance vem ganhando novos olhares a partir da década de 70, sendo realizada através
de movimento performático realizado na frente da câmera sem a presença de espectador para a efetivação do
vídeo.
Na medida em que não existe interatividade com o público, com audiência, ou com o outro, a inte-
ratividade do corpo do artista é produzida no enfrentamento com a própria câmera de vídeo. Desse
modo, tais tipos de manifestações são frutos do diálogo contaminado entre a linguagem do corpo e

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho: Corpo, arte e mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Mestranda em Artes Cênicas pelo PROFARTES UFMA/UDESC, Especialista em Metodologia do ensino Superior pela UFMA/
2004. Professora EBTT do Campus IFMA. meiriluce.carvalho@ifma.edu.br
3 Professora orientadora do PROFARTES do Departamento de Artes Cênicas da UFMA. vasconcelosgisele@yahoo.com.br
287
a linguagem do vídeo, gerando uma síntese ou a chamada videoperformance. (MELLO, 2004, p.144)

Na videoperformance, o corpo é encarregado da gesticulação performática, estando em diálogo cons-


tante com a câmera, de forma híbrida unindo corpo e vídeo, dialogando com outras linguagens: vídeos com
dança, teatro, performance, música, literatura e outros. Em função disso, todas essas formas expressivas da arte
são contagiados pela acepção do que o vídeo representa. Assim sendo, Mello (2004) enfatiza que
É a lógica do vídeo +, ou o vídeo que soma seus sentidos aos sentidos de outras linguagens (como no
vídeoclip, na vídeodança, no vídeoteatro, na videoperformance, na vídeocarta, na vídeopoesia, na
vídeoinstalação e nas intervenções midiáticas no espaço público) de tal forma que uma linguagem
não pode ser mais lida dissociada da outra. (MELLO, 2004, p. 137).

Nesse sentido, a performance vem dialogando com o vídeo de diversas formas, recriando novas estéti-
cas, com mais envolvimento com o processo do que com o produto. O corpo diretamente enfrenta a tela com
toda sua expressividade e dinamicidade. Assim, apenas o sujeito desta prática está propicio à sua própria tras-
sformação (BONDÍA, 2006), em que o aprender por meio do experienciar provoca significados.
A metodologia utilizada classificou-se com uma abordagem qualitativa, tendo como base o método da
pesquisa-ação, aulas teóricas, debates, apresentação de seminários e a concepção de cenas performáticas. A
vídeoperformance foi executada com os alunos do Ensino Médio na modalidade integrada do curso Técnico
em Programação em Jogos Digitais do IFMA/Campus São José de Ribamar, e derivando como produto final
da pesquisa tem-se os registros das vídeoperformances.
Os resultados da pesquisa foram satisfatórios, pois para os (as) alunos (as) foi um desafio para a quebra
da timidez e ainda para o trabalho com a espontaneidade e criatividade durante o processo que os (as) levaram
a um relacionamento mais próximo com a tela para a realização da pesquisa. Foi um periodo que a integrali-
dade da sala contribuiu para a realização da vídeoperformance e proporcionou aos estudantes conhecimentos
sobre arte, corpo e tecnologia e suas contribuições para uma educação mais participativa, criativa e socializa-
dora.

Referências

ANTUNES, C. Como transformar informações em conhecimento. 6 ed. – Petrópolis, RJ; Vozes, 2007.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Nº
19, 2002.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
DEMO, P. Educar pela Pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 2015.
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 2.ed. São Paulo: Crucite, 2011.
GUÉNOUN, Denis. O Teatro é Necessário?. Editora perspectiva. 2010.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance. Do Futurismo ao Presente. São Paulo: Martins Fontes, 2006
KENSKI, V.M. Educação e tecnologias. O novo ritmo da informação. 6ª edição, Ed. Papirus, 2010.
LÈVY, Pierre. A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.
MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. São Paulo: Editora SENAC, 2008.
________.“Extremidades do Vídeo”. In: Arte em Pesquisa: especificidades. ANPAP: Brasília, 2004, p. 63-69.
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.

288
Grupos Teatrais de São Luís/MA:
organização e relação com o objeto técnico1
Thaís Cristine Costa Noleto2

Resumo:
O presente trabalho de pesquisa está inserido na agenda de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de
Pesquisa Laboratório de Tecnologias Dramáticas, o LabTecDrama, vinculado ao curso de Teatro, da Univer-
sidade Federal do Maranhão – UFMA. Tem como objetivo central investigar e registrar dados fornecidos por
grupos teatrais de São Luís/MA, como esses se organizam e sua relação com o objeto técnico em cena. Para
isso, a pesquisa se desenvolve em duas etapas: quantitativa e qualitativa. Duas autoras são usadas como refe-
rência base dessa pesquisa: Marta Isaacson e Beatrice Picon-Vallin, pois leva-nos a entender a cena intermedial
como proposta estética da cena.

Palavras-chave: Teatro; Cena Intermedial; Objeto Técnico

Arte e mídia têm configurado um cenário que traz entre uma e outra, aproximações e distinções, mas
que no fim convergem para a produção dos meios de seu tempo. O uso de mídias na concepção estética da cena
teatral tornou-se uma tendência que tem tomado significativo espaço nas artes cênicas, mais especificamente
no teatro, campo que este projeto visa investigar, o que permite aos seus espectadores uma nova perspectiva do
fazer dramatúrgico. Segundo Machado (2007) a arte é feita com os meios de seu tempo e representa a expressão
mais avançada da criação artística atual. Pensando nisso e nas várias possibilidades entre arte, mídia e suas
relações com o objeto técnico, é que busca-se compreender de que forma os grupos de teatro de São Luís/MA
se organizam/compõem e de que forma esses se relacionam com o objeto técnico na cena.
Para entender essas relações e conceitos sobre o uso da mídia na estética teatral e como os grupos se re-
lacionam com o objeto técnico foi necessário compreender, a priori, sobre a relação do teatro e a cena interme-
dial como composição poética da cena. Duas autoras tratam com prioridade sobre o assunto e fundamentam
essa pesquisa: Marta Isaacson e Beatrice Picon-Vallin.
Para Marta Isaacson (2013), a cena intermedial são as relações tecidas pela cena contemporânea entre
atores/bailarino/performer, desse modo, a tecnologia por si só não confere esse caráter à cena. Já Picon-Vallin
defende que se trata da apropriação artística das tecnologias quanto meio de expressão. Outro autor é funda-
mental para compreender a relação do aparato técnico (objeto técnico) como suporte para a construção da
cena, Gilbert Simondon, que trata do indivíduo e sua relação com a técnica.
Diante disso, o tema proposto visa responder ao seguinte questionamento: De que forma os grupos
de teatro de São Luís/MA se organizam e como estes se relacionam com o objeto técnico para composição da
cena intermedial? Sendo assim, o investigador desse projeto tem por motivação compreender, de forma mais
consistente, sobre os grupos teatrais ativos na cidade, suas propostas de trabalho e formação técnica de seus in-
tegrantes, para que a partir disso possa se chegar a um resultado mais concreto sobre sua relação com o aparato
tecnológico.
Para responder a essas questões, o trabalho foi dividido em três etapas: reconhecimento dos sujeitos
que compõem os profissionais de artes cênicas do Maranhão, realizado a partir da catalogação dos grupos da
cidade; aproximação e análise dos sujeitos em atuação para que fosse possível identificar os grupos em conti-
nuidade de seus trabalhos, se ativos ou inativos; e o mapeamento dos grupos teatrais de São Luís/MA, fase de
desenvolvimento desse projeto.
Nessa última etapa, após mapeamento dos grupos é aplicada uma entrevista semi- estruturada, para
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho GT5 (Corpo, arte e mídia), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade Federal do Maranhão / Graduanda do Curso de Licenciatura em Teatro e pesquisadora bolsista pelo Programa Ins-
titucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), no Grupo de Pesquisa Laboratório de Tecnologias Dramáticas (LabTecDrama/
UFMA), sob orientação da Profa. Dra. Fernanda Areias de Oliveira./ thaisccn@gmail.com
289
que seja possível entender de que forma esses grupos se estruturam e desempenham suas atividades.
Diante das pesquisas aplicadas é possível identificar pontos tais como: histórico do grupo, linguagens
nas quais atuam, sobre o processo de criação e etapas de desenvolvimento de suas atividades, manutenção do
grupo e como estes dialogam no processo cênico, e também, sobre a formação técnica de seus integrantes. Em
alguns questionários foi possível identificar problemas como falta de espaço, recurso financeiro/material e a
não continuidade de membros do grupo, o que de certa forma pode vir a interferir na forma como esse grupo
se relaciona com determinada técnica.
A proposta final desse projeto, após analisado todos os dados dos questionários aplicados, visa reconhe-
cer os processos de criação e metodologias dos grupos teatrais, quando em contato com o elemento maquínico,
para uma possível oferta de treinamento acerca do uso das novas tecnologias em cena, nas artes dramáticas.

Referências

ISAACSSON, Marta. Intermedialidade na criação cênica: ator e tecnologia. In: VII


Reunião Científica, 2013, Belo Horizonte. VII Reunião Científica ABRACE, 2013.
PICON-VALLIN, Béatrice. Os novos desafios da imagem e do som para o ator: em direção a um “super-a-
tor”?. Cena, 2009.
Simondon, G. (1969/2018). Do modo de existência dos objetos técnicos: Introdução. Laboreal, 14(1), 69-72.

290
TRILHA DOS IPÊS: uma experiência de criação teatral
inspirada em videoclipes1
Tissiana dos Santos Carvalhêdo2

Resumo:
Trago parte da pesquisa de mestrado Trilhas de Vida e Arte: a geopoética do reparar na aventura de fazer e
pensar teatro no IFMA campus Codó, desenvolvida entre 2016 e 2018 no PROFARTES, sob orientação da prof.ª
Dr.ª Gisele Vasconcelos. A etapa de campo se dá em forma de pesquisa-ação, a qual é analisada e reelaborada
por meio da escrita narrativa, em que as experiências de ensinar/aprender teatro passam a ser percebidas pela
metáfora das trilhas. Trilha dos Ipês foi aberta com alunos do 2º ano do curso técnico em Informática, em que
utilizam conteúdos audiovisuais acessados via celular como inspiração para criação e encenação de “Ode às
Cores”, um espetáculo sobre homofobia e suicídio.

Palavras-chave: fazer/pensar teatro; processo de criação cênica na escola; videoclipes.

O belo não está nas coisas, é uma construção. Essa trilha me mostrou que, por conta dos inúmeros obs-
táculos do sistema educacional, muitas vezes assumimos um olhar disperso e desesperançoso para o ensinar/
aprender arte na escola e que isto nos impede de ver o belo, ou seja, as potencialidades que estão diante de nós.
Percorri essa trilha com estudantes3 do segundo ano do curso médio/técnico em Informática. Inicialmente
meu olhar dispersou por desacreditar na viabilidade pedagógica de uma disciplina com 40 horas/aulas distri-
buídas em dois horários semanais de 45 minutos, em dias distintos. Outra dificuldade diz respeito à proposta
curricular. No projeto do curso, esta é a proposta para Arte I:
Análise conceitual I: arte e estética. Arte e sociedade. As artes cênicas como objeto de conhecimento.
As diversas formas comunicativas das artes cênicas. Elementos que compõem a linguagem teatral:
palco, plateia, texto, interpretação, improvisação, jogos teatrais, cenário, figurino, dramaturgia entre
outros. Historia do Teatro mundial (origem Teatro Grego, teatro romano, manifestações da Ida-
de Média, Teatro Renascentista). Apreciação e montagem de textos de dramaturgos famosos como
Shakespeare, Gil Vicente e Moliere.

Diante de uma ementa inviável como esta, esbocei uma proposta não conteudista, que valorizasse o
fazer teatral pelo seu principal território de exploração – o corpo. Iniciamos a caminhada com um objetivo
simples, de “Ampliar a percepção para as potencialidades comunicativas e expressivas do corpo no âmbito das
gestualidades, ampliando o repertório não- verbal.” (CARVALHÊDO, 2017)4. Diferente dos outros percursos,
nesta trilha sentia como se estivesse percorrendo por perto, na estrada de terra. Um caminho que, a priori, já
existe, que é o formato disciplina/sala. As sirenes a cada início e término dos 45 minutos não nos faziam esque-
cer. Mas ainda assim, fomos em busca de meios para articular repertórios e apurar nosso olhar.
Passamos a observar as diversas paisagens da nossa escola e a tentar recriá-las. As cadeiras se amontoa-
ram nos cantos da sala, para que pudéssemos ocupar o centro em situação de jogo; espaços corriqueiros foram
ocupados para pesquisa de observação, onde analisamos nos transeuntes sinais da incansável capacidade co-
municativa do corpo. A experiência nos jogos aquecia o corpo/pensamento, fomentando a reflexão e o debate
sobre processos culturais, sociais e históricos que servem para desvalorizar, controlar, e empobrecer nossa ex-
periência no mundo. Debatemos, por exemplo, sobre a necessidade de desconstruirmos a visão dualista sobre
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professora de Arte/Teatro no IFMA (campus Codó), Mestra em Artes pelo Programa de Mestrado Profissional em Artes – PRO-
FARTES (UDESC/UFMA). tissiana.carvalhedo@ifma.edu.br.
3 Ao todo, 34 estudantes freqüentaram a disciplina Arte, de 40 horas/aula, no segundo semestre letivo de 2017 (agosto/2017 a
janeiro/2018). Tivemos 2 horários semanais de forma fragmentada, ou seja, 1 h/a de 45 minutos na quarta a tarde, e outro horário
de 45 minutos na sexta a tarde.
4 Plano experimental proposto para desenvolvimento da disciplina Arte I.
291
o corpo; e sobre as formas com que a escola lida com a corporeidade. Nesse momento, muitos oferecem relatos,
com exemplos trazidos da família, da vizinhança, da igreja, das escolas, da notícia vista nas redes sociais, da
história do personagem da série ou do filme. Os participantes sentiram-se livres para trazer à sala de aula refe-
rências dos diversos territórios culturais que acessam diariamente por meio das plataformas midiáticas.
Percebi então que, mesmo limitados ao espaço físico da sala, é possível deslocar-se por outros territó-
rios. A apreciação de vídeos, por exemplo, nos serviu de auxílio precioso, permitiu transitar por variadas fron-
teiras geográficas, artísticas e discursivas; e conhecer propostas que desafiam convenções e limites impostos:
como as da alemã Pina Baush, que rompe as fronteiras das linguagens com sua dança-teatro; o grupo brasileiro
Barbatuques, que mostra que é possível produzir música coletivamente com percussão corporal; o trabalho dos
artistas multimídias Paul Kaiser e Shelley Eskhar, que no projeto Ghostcatching desenvolvem o conceito de
dança digital, unindo dança, desenho e composição digital em tecnologia 3D. Estes foram alguns dos materiais
acessados em linguagem audiovisual.
Após a fase de sensibilização, propus ao grupo um trabalho em que teriam que criar e produzir co-
letivamente uma proposta cênica aberta, com temática (s), linguagem (s) e estética de livre escolha, tendo o
corpo como principal veículo de expressão. O grupo abraçou o desafio. Um trio começou a esboçar o roteiro,
tomando como inspiração principal o vídeoclip da música Take me to Church, do cantor irlandês Andrew Ho-
zier-Byrne, que conta a relação amorosa entre dois rapazes que se vêem impedidos de continuarem juntos pela
interferência violenta de um grupo homofóbico. Os alunos adaptaram a história para personagens femininos e
com inspiração na música Amianto, da banda brasileira Supercombo, propõem um final diferente: ao invés de
uma das jovens ser agredida até a morte (como no clipe de Hozier), a mesma decide se matar.
Após a escritura, o roteiro foi socializado entre os demais participantes, foram acolhidas as sugestões
e depois partiram para os ensaios. Não houve direção artística, o processo fluiu das relações de compartilha-
mento entre o grupo, fluiu impulsionado pelo desejo de fazer, pelo desejo de falar sobre homofobia e sucídio.
Com entusiasmo e engajamento, a turma deu ao experimento cênico Ode às Cores5 ares de acontencimento, e
não simplesmente mais uma apresentação para ganhar nota.

Figura 1 – Cena em que tenta-se evitar a trajédia, o suicídio


Fonte: Cláudia Canudo

Nesta trilha prestigiei da sutileza na leitura das realidades e da perspicácia em abordar um assunto
frequentemente evitado no cotidiano da escola, temas que passam por processos de silenciamentos, que nem
sempre se dão de forma expressa, numa espécie de dinâmica opressiva não confessa.
[...]as pessoas acham ah é normal, mas lá sabe, lá na vida dos outros, da outra família, na casa do
vizinho. Por aqui, é, tá bom, de boa, não tenho nada contra, mas fica pra lá, não venham pra cá, sabe,
é meio zuento. Tá aqui, só que bota ali, sabe, fica lá, lá no canto. (COSTA, 2018)

5 O experimento foi apresentado duas vezes na escola, em dezembro de 2017 e maio de 2018.
292
Ao representar pautas marginais e provocar um debate comumente negado, Ode as Cores ressoa como
ação estética e política na escola, provocando movimentos de desestabilização, construindo discursos à contra-
pelo:
Durante a apresentação fiquei emocionada pois eu vejo algumas pessoas que passam por isso. No
momento em que a personagem queria se matar, a música teve uma frase que me lembrou do que
tinha passado um tempo antes, por conta de problemas (BRAGA, 2018)
[...] várias coisas que se passam pela sociedade todo dia e não vemos [...] a sociedade critica e exclui
pessoas. (DIAS, 2018)

A forma como a experiência afetou os participantes do ato teatral – estudantes atores e espectadores
– me fez pensar na metáfora do Ipê. Esta àrvore primeiro perde todas as folhas, tudo seca, para depois, inespe-
radamente, florescer bela. No campus Codó há alguns Ipês, passamos vários meses por eles sem notá-los, até
que, por volta de setembro, surgem com flores amarelas deslumbrantes.
Não percebi, de início, o potencial desta trilha, só via galhos secos; mas no percurso, os estudantes me
monstraram que sempre há a possibilidade do florescer quando se abre espaço para o outro no processo de
criação. O reparar, no sentido de observar com acuidade para construir novos territórios habitáveis, me permi-
tiu abrir o processo criativo para que os estudantes acionassem seus interesses e repertórios, desse modo pude
notar como a linguagem audiovisual dos clips pode ser disparadora de experimentações cênicas.
José Manuel Moran (2009), filósofo e educador, ao defender que o professor se aproxime deste universo,
lembra que existem várias dinâmicas de perceber e conhecer; e que uma delas é a multimídia, que ocorre na
relação entre elementos de várias linguagens superpostas, numa leitura cada vez mais rápida, imediata, geral
e não-linear. Nas práticas escolares ainda observo muitas resistências ao uso dos materiais multimídias aces-
sados pelos estudantes, como se fossem materiais inferiores ou inúteis. Esquecemos que são plataformas ricas
de possibilidades para o conhecimento, pois através desses meios os jovens interagem com outros contextos,
compreendem fenômenos, constroem percepções e articulam relações mais alargadas que sinalizam para for-
mas diferenciadas de aprender.

Figura 2 – Ipê amarelo na estrada de acesso à escola


Fonte: Francisca Inalda Oliveira Santos

Referências

BRAGA, Andreina Nascimento. Relato pós-apreciação do experimento Ode às Cores: Registrado de forma
manuscrita pela aluna. IFMA, Codó – MA, 2018.
DIAS, Mayra Naelle Fontes. Relato pós-apreciação do experimento Ode às Cores: Registrado de forma ma-
nuscrita pela aluna. IFMA, Codó – MA, 2018.
MORAN COSTAS, José Manuel. Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e Tele-
máticas. Em: MORAN, J. M.; MASETTO, M. e BEHRENS, M. Novas tecnologias e mediação pedagógica.

293
Campinas: Papirus, 2009.
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ção, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA, campus Codó. 2012.
COSTA, Djane de Sousa. Relato oral sobre experiência no grupo de teatro: Registrado em áudio por Tissiana
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AMARAL, Lilian. Mediação Cultural como arte/educação: cartografia como geopoética dos sentidos. Da
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so em Mai 2018.
CABRAL, Beatriz A. V. Ação Cultural e Teatro como pedagogia. Revista Sala Preta, PPGAC,vol.12,nº01,-
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CARVALHÊDO, Tissiana dos Santos. Plano da Disciplina Arte. Semestre 2017.2, curso médio/técnico em
Informática, turma 24. Codó – MA. 2017.
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para continuar aprendendo. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. (Orgs.). Educação da Cultura
Visual: narrativas de pesquisa. Santa Maria: EUFSM, 2009. LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre a expe-
riência. 1. Ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 108 p. (Coleção temas
básicos de pesquisa-ação) ISBN 85-249-0029-6.

294
NO CAMINHO DO ROSÁRIO1
Walla Capelobo

Resumo:

Os milagres devem ser celebrados. Caminhada e escrita de um processo que não tem início e não tem fim. É
preciso escrever e caminhar para doer menos e é esse meu exercício. Situei-me no espaço e no tempo e vi o
perigo na minha frente. Parei e peguei a contramão. Peço ajuda a quem encontrou formas no passado de sobre-
viver a distopia colonial e me acerto com eles. Caminho e recebo o carinho de quem me conhece mais do que
eu mesma. Performance de caminhada entre dois pontos na cidade de Congonhas-MG, voltar ao Rosário dos
pretos e desaquendar do progresso.

Palavras-chave: Caminhada; Ancestralidade; Performance.

Recentemente em uma conversa com meu pai via telefone ele me disse a seguinte frase: “descobrimos
que moramos dentro da barragem”. Ao desligar o telefone as lagrimas misturadas ao sentimento de impotência
diante da distopia em que somos submetidas tomaram meu ser. Choro e sinto a água salgada que me conforta.
Estou no Rio de Janeiro, antiga quase nova capital do império, e minha família em Congonhas no estado de
Minas Gerais. Duas cidades que guardam e se orgulham de seu passado colonial. Por um instante minha corpa
recebe toda a dor de séculos de descaso com nossas vidas. Respiro. Lembro das palavras de uma amiga, artista,
transfeminista e terrorista Bruna Kury: “é muita revolta e sensibilidade”(1). Preciso extravasar o que não tem
nome. Ponho-me a escrever para entender e materializar a dor, não para estancar a ferida, mas sim para convi-
ver e não ser paralisado por ela.
Escrever não é fácil. O sistema colonial que nos foi imposto nos diz o tempo todo que não podemos,
não somos capazes e que não conseguimos. Preciso vencer a máquina estrutural que me impede de acreditar
na minha escrita. Desfazer da ficção que minha corpa não é capaz de gerar e ser conhecimento. Para o sistema
de conhecimento da branquitude a escrita é algo solitário, isolada em seu pedestal que vê de cima para baixo.
Racionaliza tudo e não sente nada. Mas para nós, racializadas, o conhecimento se produz em conjunto. Apren-
do e produzo teoria o tempo todo em diálogo com quem me cerca. Peço ajuda ao invisível e o visível. Somos
de bando, seguimos passos de tão longe. Escrevo o que não consegui falar ontem e que terei que falar hoje. Sou
artista escritora para quebrar as correntes do processo da escravidão que ainda assolam nossas mentes.
Congonhas é uma cidade pequena nas Minas Gerais, cercada por montanhas, um grande vale onde a
cidade se desenvolveu. Pequeno vilarejo fundado no século XVII vizinha a vilarejos como Ouro Branco, Ouro
Preto e Mariana. Região conhecida pelos gananciosos saqueadores como quadrilátero ferrífero, por suas mon-
tanhas serem ricas em minerais. O ouro foi todo levado, permanece em algum cofre europeu, nos chamados
tesouros nacionais, em suas igrejas e em seus palacetes. O minério de ferro é o mineral da vez, material neces-
sário para quase todos os bens de consumo. A exploração é quase a mesma, vidas são ceifadas para o conforto
dos que auto declararam donos de tudo. Atualização dos processos escravocratas. Mantém a vida subordinada
aos patrões. Não trabalha na mineração não come. Cresci vendo caminhões e escavadeiras pela janela furar a
serra.
Dia 5 de novembro de 2015: rompimento da barragem de rejeitos no distrito de Bento Rodrigues, Ma-
rina – MG. Ecocídio. Rio Doce morto. A mineração assombra a todos, dependemos dela para viver e ela é capaz
de nos matar. 25 de janeiro de 2019: rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho – MG, soterramento
de centenas de vítimas de imediato. As discussões voltam sobre a segurança das barragens, vivemos perto de
uma, não sabíamos o quanto. A montanha que vejo em frente à casa dos meus pais para minha surpresa é tam-
bém uma barragem. Eles não importam com nossas vidas, só importam com o que nossos corpos podem gerar,

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
295
neutralizam nossas potencias para nos matar. As palavras na música de Rosa Luz fazem ainda mais sentido na
minha vida: “a morte não chegou é mais um dia de sorte”. A branquitude é sinônima de genocídio.

Imagem 1: Barragem de rejeitos Casa de Pedra e residência dos meus pais.

Tenho medo da lama, mas não deveria ter. A lama foi um presente de Nanã para Oxalá nos moldar. É
preciso fazer as pazes com a lama, com o que nos cerca. Destruir o desejo de brancura e me acertar com quem
me dá a vida e a morte. Seguir os passos dos que chegaram a essas terras e operaram milagres. Estou aqui, sou
fruto desses milagres. Realizo uma ação que me ajuda a lembrar de outros tempos e terras. Presto uma home-
nagem aos sobreviventes. Resolvo caminhar.
Um percurso. Caminhada por dois pontos de destaque na construção histórica e urbana de Congo-
nhas. A partida se dá na estação de ferro do distrito de Lobo Leite (antiga estação Soledade), construída no
período imperial batizada pelo nome de Estrada de Ferro Don Pedro II (1886-1889) e renomeado no período
republicano como Estrada de Ferro Central do Brasil (1889-). A estrada de ferro tinha como objetivo a união
da então capital do Brasil, Rio de Janeiro, ao seu interior para expansão econômica e modernização aos moldes
expansionista capitalista. Não deu certo, tornou-se mais um projeto abandonado. Pego a estrada de ferro e sigo
a direção contraria da expansão planejada. Volto para outra construção de Congonhas, agora uma mais antiga,
a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Edifício de origem do século XVII que guarda em si a força
dos que a construíram. É o palco das congadas que homenagem aos reis e rainhas africanas que por essas terras
foram escravizados e que por grande força tem suas memórias ressaltadas.

Imagem 2: pontos de caminhada Estação Soledade – Igreja do Rosário.

Volto e penso em quem fez por séculos esse trajeto. Sinto o cheiro. Tudo é um sinal de que estou indo
atrás de quem sempre esteve comigo. Sinto o vento. Não preciso ir atrás, já estão comigo. Faço homenagens.
Penso e não desisto. Sorrio e choro. Sobrevivemos. Sinto a força de quem me conhece mais do que eu mesma.
Seguir o caminho que contraria ao desenvolvimento me cura. Seguir o caminho dos meus mais velhos me
acalma. Seguir os passos do invisível me acalanta. Ganho força. Sou guerreira. Sou da cor da terra. Não me es-
queço em momento nenhum dos perigos que me cercam, mas tenho forças para lutar, para não desistir e prin-
cipalmente para não deixar de sonhar. De imaginar que caminhar na contramão do sistema vigente é possível
296
e é necessário. Pegar o caminho que consiga por um momento enganar as instituições de controle. Encontrar
brechas para não morrer por dentro. Novamente sinto cheiro de quem está comigo. Sinto os corpos das vítimas
seculares da mineração, não seremos mais, não podemos mais. É preciso matar a brancura em nós. É preciso se
acerta com as forças ancestrais que nos guiam. Encontrar a negritude que nos cerca e nos firmar. É sobre vida.
A caminhada apenas começou.

Imagem 3: Percurso. Fotografia: Raissa Lara.

Referências

Todas as companheires racializades, translesbixas, encontros e conversas.


KURY, Bruna. - #5 Bruna Kury @desaquenda – 2018 – Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=-
3-axyS8ynvM >. Acesso em: 08/02/2019.
LUZ, Rosa. – ROSA – Parte 1: Rosa Maria CODINOME Rosa Luz – 2017 – Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=AkJaNxbvrsY>. Acesso em: 08/02/2019.
BUZELLIN, José Emilio. – Lobo Leite (antiga Soledade e Congonhas) – 2015 – Disponível em: <http://www.
estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_linhacentro/lobo.htm>. Acesso em: 08/02/2019.

297
ARTE TRANSVAGINAL: O útero e os ovários como agentes
performáticos produtores de ações1
Williana da Silva Maciel2

Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo discutir a videoperformance Aparelho v i v o feminino produzida no
ano de 2018. A arte contemporânea rompe fronteiras, reinventa o cotidiano e reconstrói múltiplos significados
para as imagens. A videoperformance é a ação da realização de uma ultrassonografia transvaginal, que é um
exame preventivo que tens como intuito identificar a saúde dos órgãos internos das mulheres cis (o útero e os
ovários). Busca-se com esse trabalho problematizar o órgão das gerações, transfigurações e mutações. O corpo
feminino e sua potencialidade. No trabalho Aparelho v i v o feminino o útero e os ovários são os agentes per-
formáticos produtores de ações.

Palavras-chave: Artes Visuais; Videoperformance; Corpo; Arte Contemporânea.

Vejo o corpo como lugar possível para criação de novas narrativas visuais, o corpo em ação e a ação
presente no corpo e na arte. A videoperformance Aparelho v i v o feminino é um trabalho realizado a parti de
investigações históricas, sociais e artísticas a respeito do corpo feminino. O trabalho consiste em explorar as
ações de um corpo em estado performático em um exame de uma ultrassonografia transvaginal. Um corpo de
uma mulher cis deitada em uma maca de uma clínica médica com as pernas abertas, pronta para receber uma
câmera que irá invadir sua vagina adentro. A sonda da ultrassom transmite informações para o computador
que está sob os olhos da mulher em estado performático, as imagens transmitidas no computador são as dos
órgãos e estruturas pélvicas, como ovários e útero.
O útero e os ovários, assim como toda a região pélvica das mulheres cis é pouquíssimo explorado por
as pesquisas científicas. O machismo que é uma das bases estruturantes da sociedade ocidental criou todo um
ritual de tabu e repressão sobre o corpo das mulheres, inibindo todo um estudo anatómico e científico. O úte-
ro está localizado próximo da bexiga e do reto, ou seja, no interior da pelve. O tecido muscular que compõe e
se faz a existência desse órgão em sua maioria é um tecido liso. As camadas de composição são o endométrio
que é uma camada vascularizada que nos possibilita o ciclo menstrual, o miométrio é a camada média que fica
depois do endométrio, e o perimétrio que é a camada mais extensa e é formada em sua grande parte por uma
membrana serosa.
A palavra útero foi associada ao longo da história com a histeria: Histeria, do grego hystera, significa
útero. A etimologia da palavra nos revela primeiramente que a histeria tem um caráter feminino e que ela
possui em essência algo que só quem poderia vivencia-la seriam as mulheres cis, já que a doença estava sendo
associada com o útero. Durante muito tempo acreditava-se que quaisquer manifestações histéricas eram devi-
do ao mau funcionamento do órgão feminino (o útero). Um bicho que se move, um corpo animalesco que não
controla os instintos. A falta de razão ou controle dos impulsos. As ações femininas que nos relata as narrativas
hegemônicas do pensamento ocidental seria então um alimento/essência inerente à condição feminina?
A videoperformance vem questionar essas narrativas equivocadas a respeito do útero e dos ovários.
Ocorreram muitas dificuldades para que o trabalho fosse executado, as clínicas médicas da cidade de Juazeiro
do Norte- Ceará, onde o trabalho foi realizado, não aceitavam disponibilizar as imagens do útero e dos ovários
para a paciente-performer que estava fazendo o exame. O trabalho ficou cerca de um ano apenas no campo
da pesquisa artística e histórica, não conseguia materializar a obra artística por motivos de não está grávida,
as clínicas alegavam que só poderiam disponibilizar as imagens em formato de vídeo se a paciente que é a
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, arte e mídia do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Universidade Regional do Cariri- URCA, graduanda em licenciatura em Artes Visuais, williaanasilva@hotmail.com

298
performer estivesse grávida, pois nunca tinham disponibilizado nenhuma imagem em movimento do exame
transvaginal.

Aparelho v i v o feminino, videoperformance, 2018.

O órgão das gerações, das transfigurações, das mutações. Esse órgão teria então funcionalidade de uma
existência própria? O útero assim como o coração e o pulmão são parte do corpo e do pensamento, ou me-
lhor, o útero seria então uma consciência visível do corpo. O pensamento inanimado- o útero é um órgão que
pensa junto com o corpo e que é o próprio corpo. Ao longo da história da humanidade foram sendo criadas
condições de controle sob o corpo e o pensamento feminino, hoje se sabe que a histeria é uma doença psíquica
que se manifesta em forma física também, a neurose e o distúrbio mental pode acontecer e afetar homens e
mulheres. Com os avanços dos estudos científicos e psicológicos o órgão útero deixa então de ser o responsável
por a doença histeria e passa então a ser compreendido de outras formas. O órgão útero/ovário ainda caminha
no Ocidente a passos pequenos de conquistar sua liberdade, ainda o enquadramos dentro de uma servidão e
controle masculino.
O trabalho artístico foi selecionado pelo edital do Circuito de Arte Contemporânea de Curitiba para
compor juntamente com vários outros artistas do Brasil a exposição coletiva que ocorreu no MUMA- Museu
Municipal de Arte de Curitiba no período de 26/01 a 06/03 de 2018. A vídeoperformance vem questionar o
lugar do corpo, o lugar de alguns órgãos, a capacidade dos órgãos internos performar juntamente com outras
ações do corpo. A mulher está deitada na maca da clínica já é o ato performático em si acontecendo. O útero e
o ovário estão em estado performático também, eles fazem parte do corpo. A videoperformance é parte dessa
ação corporal que é o tempo de um exame médico. A performance acontecendo para vida, para a câmera e
para o expectador. A possibilidade é permitir e explorar a amplidão que o campo da performance e da tecno-
logia contemporânea nos permite através da captação da imagem em movimento, ou seja, o vídeo. Segundo
Kristine Stiles:
Trabalhos de performance variam de atos puramente conceituais, ou ocorrências mentais, a mani-
festações físicas que podem acontecer em espaço privado ou público. Uma ação pode durar poucos
momentos ou continuar interminavelmente. Performances poderiam conter gestos simples apresen-
tados por um único artista, ou eventos complexos e experiências coletivas envolvendo espaços geo-
gráficos altamente dispersos e comunidades diversas. Elas poderiam ser transmitidas por satélite e
vistas por milhões, aparecer em discos de laser interativos, e acontecer em realidade virtual. A ação
pode ser inteiramente em silêncio, desprovida de linguagem, ou incluir longas formas narrativas
autobiográficas, ficcionais, históricas ou outras. Performances poderiam ocorrer sem testemunha
ou documentação, ou podem ser inteiramente registradas por meio de fotografias, vídeo, filme ou
computadores. (STILES, 1996, p. 680)

Na arte contemporânea as fronteiras se tornam liquidas e os territórios de criações artísticas híbridas.


Tudo se torna possível, desde as realidades históricas sociais ao mundo lúdico e ficcional. As ações performá-
ticas podem acontecer de diversas maneiras, e a ação Aparelho v i v o feminino é essa mistura de linguagens,
o vídeo com a performance e a pulsão da vida. Nós artistas movemos estruturas inimagináveis. O corpo femi-

299
nino que se transforma em ações visuais, que se transforma em arte, que se transforma em vida, que se trans-
forma em vídeo, que se transforma e acaba sendo o mundo todo contido em um único suspiro. As mulheres
transgredindo a história da arte, ressignificando a mola que impulsiona o fazer criativo. As novas experiências
com o corpo e com a arte.
As mulheres cis experenciam o útero/ovário como parte de seu ser, proponho então com esse trabalho
Aparelho v i v o feminino a investigação do órgão como parte de uma consciência feminina. As paisagens de
um corpo perpassam um misto de territórios, construindo narrativas hibridas e mestiças. O corpo é a pos-
sibilidade de encontro com nossa ancestralidade e a nossa história, é nele que encontramos o indistinto e o
distinto, o absurdo discursivo sobre a origem e as metamorfoses que se encontra o corpo feminino ao longo
da história da humanidade. A locomoção do órgão não é mais compreendida como na antiguidade como um
órgão que se movimenta internamente pelo corpo, proponho através dessa vídeoperformance um movimento
de consciência que percorre todo o corpo. A conexão entre as coisas é evidente, então é absolutamente possível
à relação entre útero- cérebro-consciência. Vídeo e performance, movimento do corpo. O corpo em ação. A
ação transmutada. Transmutação do corpo.

Referências

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GOLDBERG, Roselee. A arte da performance: do futurismo ao presente. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes (Coleção a), 2006.
MELIM, Regina. Performance nas arte visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
STILES, Kristine. “Performarce art”. In STILES, Kristine, e SELZ, Peter (coord.), Theories and documents of
contemporary art: a sourcebook of artists’ writings. California: University of California Press, 1996, p.. 679 a
694.

300
ESTÉTICAS SAPAS PORNOTERRORISTAS COMO
RESISTÊNCIAS CRIATIVAS FRENTE
A NORMATIVAS HETEROSSEXUAIS1
Luisa Duprat2

Resumo:
Através do relato de experiência sobre minhas recentes experimentações artísticas, com foco na performance
Cualquiera! Cualquer cosa sobre todo en mi, traçarei uma relação entre o conceito de heterossexualidade, sob
amparo teórico da pesquisadora Ochy Curiel, e possíveis resistências criativas materializadas em estéticas por-
noterroristas, atravessadas pelo trabalho da performer e poeta Diana Torres. Pretendo experimentar formatos
de comunicação oral que desordenem a tendência racionalista dos estudos e se aproximem do corpo como
produtor de conhecimento, atravessando as linguagens da performance, dança, arte drag queen e teorias da
arte e sexualidade.

Palavras-chave: Heterossexualidade; estética; pornoterrorismo; lesbianidade

Através do relato de experiência sobre minhas recentes experimentações artísticas, com foco na per-
formance Cualquiera! Cualquer cosa sobre todo en mi, traçarei uma relação entre o conceito de heterossexua-
lidade, sob amparo teórico da pesquisadora Ochy Curiel3, e possíveis resistências criativas materializadas em
estéticas pornoterroristas, atravessadas pelo trabalho da performer e poeta Diana Torres4. Trabalhando como
drag queen em espaços voltados para o público LGBTQIA+, na cidade de Salvador – BA, pude perceber como
a heterossexualidade está presente, mesmo em se tratando de um local em que a maioria das pessoas frequen-
tadoras não se reconhecem enquanto heterossexuais. Vale ressaltar que embora sejam espaços voltados para o
público LGBTQIA+ em geral, há uma predominância do público gay masculino, sendo possível observar, em
sua maioria, atitudes extremamente machistas, falocêntricas e lógicas heterossexistas, racistas e gordofóbicas.
Embaralhada por essas vivências, venho desenvolvendo em minhas produções artísticas estéticas que
funcionem como pequenas disrupções, infiltrações e defeitos no sistema. Um bug5. Uma espécie de tensão entre
a norma e o que dela escapa já que, enquanto mulher branca, magra e de traços de ancestralidade europeia,
sou um corpo hegemônico produzido pelo racismo, e, ao mesmo tempo, oprimida pela heterossexualidade que
valida esse corpo enquanto desejável e consumível posto à serviço dos homens, sobretudo brancos e heteros-
sexuais. Como criar desvios, através de próteses e maquiagens, em um corpo tão marcado por normatividades
heterossexistas e racistas? Como uma mulher branca consegue criar rotas de fuga que desafiem essa construção
de ideal feminino? Quais escolhas estéticas alargam essa condição? Quais movimentos são capazes de mudar
os rumos de um corpo? É possível que existências com condições completamente distintas se reconheçam, ain-
da que por segundos, no instante presente do deslocamento e estranhamento da ação? O que o estranhamento
pode provocar? Quando ele aproxima e quando afasta? Me parece que as disrupções provocadas por um corpo
ambíguo podem ser experimentadas também através da relação entre ato sexual e uma espécie de abjeção. Por
exemplo, em uma performance6, Diana Torres enfia um microfone em sua buceta e performa seus textos ma-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 5 (Corpo, arte e mídia), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Luisa Duprat, também conhecida por seu nome artístico e social Maria Tuti Luisão, é mestranda em Dança pela Universidade
Federal da Bahia. Email: luisaduprat.tuti@gmail.com
3 Ochy Curiel é cantora e teórica feminista lesbiana afro-dominicana, de extrema importância no movimento do feminismo afro-
-latino americano e caribenho.
4 Diana Torres é poeta e performer pornoterrorista espanhola. Ver mais sobre a artista e sobre a estética pornoterrorista em: https://
pornoterrorismo.com/about/
5 Defeito, falha ou erro no código de um programa que provoca seu mau funcionamento.
6 Descrição da performance retirada da versão digital do livro de Diana Torres, Pornoterrorismo, disponível em: http://www.biblio-
tecafragmentada.org/wp-content/uploads/2014/10/Pornoterrorismo.pdf
301
nifestos, após criar um fundo sonoro produzido pelo batuque do seu ventre ampliado pelo microfone em um
som cavernoso, e, em seguida, com a ajuda de uma assistente que lhe faz um fist fucking, ejacula a metros de
distância. Fico imaginando um homem cisgênero consumidor de pornografia olhando para um corpo branco,
gordo e não-binário se desfazendo em gozo frente à repulsa de parte do público.
Ochy Curiel, em seu livro, “A Nação Heterossexual. Análise do discurso jurídico e o regime heterosse-
xual desde a antropologia da dominação”, revisita a disciplina de antropologia, ao construir o que denominou
de antropologia da dominação7, para fundamentar a sua pesquisa sobre a constituição heterossexual da nação
e, em particular, da nação colombiana. Através da análise do discurso jurídico retirado de entrevistas com
representantes da sociedade civil da Colômbia, responsáveis por auxiliar na construção do texto da Consti-
tuição de 1991, e documentos desse processo, como atas de reuniões, discursos da câmara e do senado, notas
de jornais e etc., a autora argumenta sobre a constituição ser uma compilação de discursos e simbolismos que
garantem e reiteram a formação de uma hegemonia heterossexual representativa da unidade da nação (Curiel,
2013). A autora dialoga com a teoria de Adrienne Rich8 e Monique Wittig9, ao tratar a heterossexualidade não
como:
[...] uma prática sexual dentro de uma diversidade, mas sim uma complexa instituição obrigatória,
desde a proposta de Rich, ou um regime político, desde a proposta de Wittig que descansa na ideo-
logia da diferença sexual que cria duas classes de sexos (homens e mulheres), os primeiros se apro-
priam da força de trabalho material, emocional, sexual e simbólico das segundas. Para Wittig, viver
nas sociedades modernas através de um suposto contrato social, é viver na heterossexualidade, por-
tanto, a nação, produto dessa modernidade, também tem sido imaginada desde essa lógica. Toda ela
é legitimada e promovida por distintos mecanismos como a família, a ciência, as leis, os discursos.
Motivada por essa análise, me propus analisar um texto como a Constituição Política de Colômbia
de 1991, por ser a lei suprema da nação colombiana (Curiel, 2013, p. 28-9, tradução minha).

Dessa maneira, a autora Ochy Curiel analisa a Constituição da Colômbia de 1991, considerando o
pensamento de Adrienne Rich e Monique Wittig, em diálogo com demais autoras e autores, para argumentar
criticamente sobre como a criação das leis de 1991, que regem a vida da população colombiana, construiu um
imaginário coletivo de uma heteronação (Curiel, 2013). A heteronação é materializada através da família nucle-
ar, heterossexual e monogâmica, regida por um matrimônio formal (católico ou civil), herança da relação entre
igreja católica e estado-nação que funcionava como uma forte estratégia para sustentar um posicionamento
favorável nas atividades econômicas, políticas e administrativas do período colonial (Curiel, 2011). Este perí-
odo foi regido por um regime monárquico cuja configuração de poder era estabelecida pela hereditariedade,
ou seja, o chefe de Estado se mantinha no cargo até a sua morte, quando o trono passava a ser ocupado pelo
primogênito da família. Considerando que a economia dessa época era sustentada através da exploração da
mão de obra escrava, torna-se evidente a manutenção de pessoas brancas no poder, sobretudo as possuidoras
de capital financeiro, assegurada pela instituição familiar nuclear que garantia, amparada pelo regime político,
o controle e repasse para as pessoas de uma mesma pequena comunidade de iguais a riqueza daquela família.
Este sistema de repasse só era possível graças à concepção heterossexual de matrimônio fundada na ideia de
reprodução da espécie.
É sobre essas bases de reflexões encarnadas que repousa a performance Cualquiera! Cualquer cosa
sobre todo en mi. Meu corpo atravessado por memórias recentes e de antepassadas de violências sofridas pela
7 “(...) Consiste em desvelar as formas, maneiras, estratégias, discursos que vão definindo a certos grupos sociais como ‘outros’ e
‘outras’ desde lugares de poder e dominação. Isso significou fazer uma etnografia que permitisse estudar um tipo de dominação,
neste caso a heterossexualidade, como regime político que produz exclusões, subordinações, opressões que afetam fundamental-
mente às mulheres, e mais ainda às lésbicas (ambas consideradas pelo pensamento heterocêntrico e sexista, outras), em uma nação,
neste caso a colombiana.” (Curiel, 2013, p. 28, tradução minha)
8 Adrienne Rich foi uma feminista radical, poeta, escritora e professora norte americana. Sua produção de conhecimento foi um
marco para as teorias feministas ao conceituar a heterossexualidade além da orientação sexual, situando-a enquanto instituição
política.
9 Monique Wittig foi uma escritora e teórica feminista francesa. A autora foi fundamental na construção de produções teóricas fe-
ministas pela perspectiva lésbica. É de sua autoria a afirmação controversa de que lésbicas não mulheres por não estarem a serviço,
nem disposição da validação dos homens.
302
heterossexualidade. Cualquiera! é um território de experimentação onde materializo configurações estéticas
testadas através de meu corpo sobre o prazer como possibilidade emancipatória da condição de mulher, pro-
cessando informações através de imagens sobre estupro corretivo, norma, família, colonização, gozo e abun-
dância de prazer. É sobre se una se venga, si vinga a las todas. É um texto manifesto nas materialidades do
movimento, som e imagem projetada que brinda o corpo prazer como poética-estética de resistências criativas
frente a um sistema violento e genocida, testando imagens-ações-pensamentos encarnadas nos movimentos de
vibrar, deformar, montar-desmontar. O relato de experiência aqui proposto, portanto, pode ser inscrito no eixo
temático 5 - Corpo, arte e mídia, considerando os fundamentos de corpo, memória e tecnologia, atravessados
pelo conflito, gênero e imagem, perpassados por questões de racialidade, cidade e invisibilidade.
O objetivo principal da pesquisa, nesse momento, é experimentar procedimentos de exposição oral
do trabalho que desordenem a tendência racionalista de estudos e se aproximem do corpo como produtor de
pensamento. Levar em consideração “a teoria como uma forma de arte” e deixar ela “rastrear nos limites da
forma (de pensar, de articular e de escrever teoria no marco das ditas ciências sociais) um outro pensamento”
(MOMBAÇA, 2016, p. 351). Nessa abordagem em que o conhecimento é assumidamente incorporado, a criação
artística é um percurso guiado não por noções de causa/efeito, mas sim por um conjunto de ideias que encon-
traram um modo de se arranjar no corpo (SETENTA, 2008), sustentando caminhos circunstanciais, portanto,
imprecisos, indiretos e provisórios, criando outras realidades possíveis. Através de uma exposição oral perfor-
mada, pretendo manifestar o modo como práticas artísticas podem ser capazes de tencionar modos hegemô-
nicos das morais comportamentais difundidas culturalmente, abrindo espaços para outros modos de vida, ao
preverem distorções nas imagens, uma vez que não se pretendem cópias fies da realidade, mas sim criadoras e
provedoras de mundos possíveis.
Conto, portanto, com as bases teóricas de Ciane Fernandes10 e sua Pesquisa SomáticoPerformativa e a
Submetodologia Indisciplina de Jota Mombaça11 para os aportes de uma produção teórica guiada pela prática
artística; Ochy Curiel como suporte na conceituação da heterossexualidade; e o pornoterrorismo de Diana
Torres como inspiração estética.
Parte dos resultados da pesquisa são registros imagéticos das variadas versões da performance Cual-
quiera! Cualquer cosa sobre todo en mi que, por falta de espaço, disponibilizarei apenas dois links, um deles é
o registro completo da performance apresentada na Mostra Devires realizada no Instituto Goeth da cidade de
Salvador, e o outro são trechos da performance apresentada no evento ACASAS12. Sendo o primeiro: https://
www.youtube.com/watch?v=s_uTnjh_e1Q&feature=youtu.be. E o segundo: https://www.youtube.com/watch?-
v=HC2VNcstsUg.

Referências

CURIEL, Ochy. La nación heterossexual. Análisis del discurso jurídico y el regimén heterossexual desde la
antropologia de la dominación. Colômbia: Brecha Lésbica, 2013.
FERNANDES, Ciane. Em busca da escrita com dança. Revista Dança. Salvador: vol.2. n.2, p.18-36. 2013.
Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/revistadanca/article/download/9752/7475. Acessado em:
01/03/2018.
FERNANDES, Ciane. Entre Escrita Performativa e Performance Escritiva: O Local da Pesquisa em Artes
Cênicas com Encenação. Portal ABRACE- V Congresso, 2008. Disponível em: http://www.portalabrace.org/
vcongresso/textos/territorios/Ciane%20Fernandes. Acessado em: 01/03/2018
MOMBAÇA, Jota. Rastros de uma Submetodologia Indisciplinada. concinnitas. Rio de Janeiro: UERJ. Ano 17,
10 Ciane Fernandes é performer, coreógrafa, pro e fundadora do A-FETO Grupo de Dança-Teatro da Ufba.
11 Jota Mombaça é uma artista não-binária nordestina cuja pesquisa artística e acadêmica gira em torno da relação entre mons-
truosidade e humanidade, anti-colonialidade, interseccionalidade política, redistribuição da violência colonial e tensão entre ética,
estética, arte e política. Para saber mais, acesse: http://www.buala.org/pt/autor/jota-mombaca
12 ACASAS é uma plataforma independente e autogerida de apresentações artísticas de diversas linguagens em casas. Criada em
2012 por Thulio Guzman e Lucas Moreira, na cidade de Salvador, o projeto já circulou por Cachoeira – BA, Brasília – DF, Goiânia –
GO e Belém - PA. Para saber mais, acesse: https://www.facebook.com/nascasas/

303
vol. 1, nº 28, setembro, 2016. Disponivel em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/concinnitas/article/
download/25925/18566 Acessado em 29/05/2018.
SETENTA, Jussara S. O Fazer-dizer do corpo: Dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
TORRES, Diana. Pornoterrorismo. Versão Digital: 2014. Disponível em: http://www.bibliotecafragmentada.
org/wp-content/uploads/2014/10/Pornoterrorismo.pdf. Acessado em: 06/09/2018.

304
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A PARTILHA1
Letícia Pocaia Brito de Jesus2
Profª Drª Adriane Maciel Gomes3

Resumo:
O presente trabalho apresenta o Projeto “Possíveis Caminhos para a Partilha: o encontro com quilombolas e
assentamentos do Paraná”, desenvolvido pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Subsidiado pelo Pro-
grama “Universidade Sem Fronteiras” – USF, tendo como objetivo promover por meio da partilha artística
da linguagem cômica, o rompimento de fronteiras culturais e sociais. Como relato, este trabalho se propõe a
descrever como se dá essa aproximação com os assentamentos e quilombos, destacando a utilização dos meios
midiáticos para a socialização de informações.

Palavras-chave: partilha, palhaço, assentamentos, quilombos, paraná

Enquanto milhões se dedicam às nobres tarefas de matar, se apossar de territórios vizinhos e acu-
mular riquezas, o palhaço empenha-se em provocar o riso de seus semelhantes. (Alice Viveiros de
Castro)

Esta pesquisa4, de caráter extensionista, tem como proposta a aproximação, por meio do fazer artístico,
a inserção em cinco quilombolas e cinco assentamentos do estado do Paraná com a finalidade de estabelecer
partilhas entre os artistas e estudantes envolvidos e os moradores dessas localidades. A intenção é proporcio-
nar a vivência de novas e diferentes formas de sociabilidade e entendimentos sobre as interações com e entre
as pessoas, com os espaços coletivos e o que significa, hoje e agora, nessa nossa realidade brasileira, cultura e
fazer artístico. Para tanto, se faz necessário aguçar o sensível de cada indivíduo. O perfil dos estudantes do cur-
so de Artes Cênicas envolvidos estará ligado as políticas públicas de cotas, bem como, as disciplinas que estes
estudantes frequentam e que dialogam com o desenvolvimento e registro do projeto. Assim como o perfil da
recém-formada (com graduação em Artes Cênicas) deve compreender e desenvolver pesquisa artística na área
da linguagem do palhaço.
Neste sentido, optou-se por utilizar para essas partilhas e sensibilizações o fazer teatral, tais como
apresentações cênicas de curta duração que busquem uma relação direta com os que assistem, bem como a
experimentação a partir do jogo teatral das temáticas e vivências dessas localidades, com o objetivo de demo-
cratizar cada vez o riso. Tendo como objetivo geral: proporcionar a partilha artística, por meio da linguagem
do palhaço, como dispositivo para o rompimento de fronteiras culturais e sociais.
Para Rancière ao referir-se a questão das “práticas estéticas”, no sentido que entendemos, isto é, como
formas de visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam, do que “fazem” no que diz respeito ao co-
mum. As práticas artísticas são maneiras de fazer que intervém na distribuição geral das maneiras de fazer e
nas suas relações com as maneiras de ser e formas de visibilidade” (2009, p. 17). Entendemos que os encontros
proporcionados por meio do fazer artístico, bem como a vivências dessas práticas, serão potencializadores de
transformações de cada um dos participantes, criando então, modos de ressignificação de apreensão de suas
culturas e de nossos convívios. O objetivo não é o de equalizar conhecimentos ou apontar caminhos que sejam
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Corpo, arte e mídia” do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Letícia Pocaia Brito de Jesus: graduanda do quarto ano do curso de Artes Cênicas, na Universidade Estadual de Londrina (UEL),
Técnica em Marketing pela ETEC “Dr, Adail Nunes da Silva”, lekahpocaia@gmail.com
3 Adriane Maciel Gomes: professora orientadora do Projeto Possíveis Caminhos para a Partilha, doutora em Artes da Cena pela
Universidade Estadual de Campinas, adriane.gomes@uel.com.br
4 Este projeto foi contemplado pelo edital nº 07-2017 SETI – Programa de Extensão - Universidade Sem Fronteiras na Universidade
Estadual de Londrina UEL-PR e tem como estudantes participantes: Gabrielly Arcas Cotrim, Fabrício de Oliveira Bianchi, Camila
Cristina Alves Santos e Letícia Pocaia Brito de Jesus (autora desta comunicação). Profissional recém-formada Veronica Barreto Jaffe
sob a coordenação da Profª Mª Laura Carla Franchi dos Santos e a orientação da Profª Drª Adriane Maciel Gomes (autora desta
comunicação) ambas do Curso de Artes Cênicas do Deptº de Música e Teatro - CECA-UEL.
305
apenas uma direção, mas sim criar um espaço em que os trabalhos, culturas e histórias individuais, singulares
e coletivas ganhem novas perspectivas por meio de diálogos que apontem (e aportem) contrastes e diferenças
por meio das partilhas artísticas Neste sentido, optamos por estabelecermos três visitas em cada comunidades
com o objetivo compreender seus modos de vivências, suas relações com o espaço e as manifestações artísticas
e culturais de cada localidade, com a finalidade de desmistificar e até mesmo quebrar possíveis barreias que
possam existir.
O mapeamento destas localidades foram previamente feitos, levando em conta a faixa etária, distancia,
números de famílias e conflitos existentes no período de existência de cada localidade, desta forma, os partici-
pantes do projeto já adquirem um conhecimento prévio do local a ser visitado. As partilhas se iniciam desde
o primeiro contato, em que a as histórias são compartilhadas, questionadas e alimentadas por meio do fazer
artístico.
A linguagem artística que optamos por se utilizar é a do palhaço, visto que essa figura é um encorajador
do riso e da liberdade, que por meio dela podemos expandir as diversas formas de fronteiras existentes, sejam
elas pessoais, territoriais ou culturais. Como referência para o desenvolvimento deste projeto, podemos citar
organizações como: “Palhaços sem Fronteiras” e “Palasos En Rebeldia”, que agem em espaços não convencio-
nais em relação ao teatro e tem como perspectivas espaços como assentamentos, campos de refugiados, ruas e
outros. Essa perspectiva da resistência, por meio da arte da palhaçaria encontrada nessas organizações citadas,
dialogam com o desenvolvimento deste projeto, já que propõe novas possibilidades de contato e de reinvenção
do real, mesmo que por um tempo determinado, o tempo de um sorriso, de uma gargalhada, de uma surpresa
e de um encontro.
Trata-se, portanto, de uma proposta de estar juntos dos quais, de certa forma, deixamos a margem, e
buscarmos em comunhão modos de partilhas e de criar um ambiente de trocas e respeito mútuos, ganhando
sentido nos diálogos, nos contrastes e nas diferenças. Rompendo as fronteiras e proporcionando a expansão
da arte e da cultura, descentralizando os desejos de convivência e trocas, contaminando uns aos outros e am-
pliando, de certo modo, as utopias humanas. Para Rancière, “A utopia é o não lugar o ponto extremo de uma
reconfiguração polêmica sensível que rompem com as categorias da evidência. Mas também é a configuração
de um bom lugar onde o que se faz, se vê e se diz se ajustam exatamente” (2009. p. 61).
Acreditamos que os encontros e as partilhas aqui propostas, por meio da arte, poderão proporcionar e
intensificar a produtividade, as relações e reinventar, mesmo que por instantes pontuados que ecoarão em nos-
sas existências, uma “ação de inventividade de outras formas possíveis de modos de existências”. (FERRACINI,
fevereiro de 2018).
Um dos desdobramentos da pesquisa tem sido a socialização das informações a respeito do projeto, que
vem sendo desenvolvidas através das redes sociais. O canal de comunicação foi escolhido pela abrangência de
faixa etária e também por ser um dos canais de comunicação mais utilizados pelos movimentos sociais, adi-
cionando assim ao cotidiano dos nossos seguidores, informações sobre o andamento do projeto, elucidando as
comunidades que o projeto abrange e as redes que as mesmas abrangem., ampliando assim, o conhecimento
desse público informal.
A socialização das informações “envolve a participação social e da vida em comunidade, o desenvolvi-
mento da democracia, a socialização das informações, abertura de canais e expansão do conhecimento” , além
de exercer diferentes formas de partilhas e desdobramentos dos conhecimentos angariados no decorrer do
projeto.

Referências

CASTRO, Alice Viveiro. O elogio da bobagem-Palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro. Editora Fa-
mília Bastos. 2005.
RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: Estética e Política. Tradução de Mônica Costa Netto. Rio de
Janeiro. Editora 34. 2015.
FERRACINI, Renato. Texto publicado em www.lumeteatro.com.br (em fevereiro de 2018)

306
O QUE SOBROU DO CÉU:
a atuação dos coletivos culturais do Rio de Janeiro
sobre os rastros da Cidade Olímpica1
Victor Belart2

Resumo:
Durante o Ciclo Olímpico, o Rio de Janeiro valorizou os conceitos de cidade mercadoria e modificou dezenas
de espaços do Centro através de grandes obras. Investiga-se aqui a performatividade de coletivos culturais que
se estabelecem agora sobre tais reformas olímpicas, produzindo microeventos em parques ou praças que fo-
ram construídos para servirem aos grandes Jogos. Atuando na informalidade, tais microeventos ressignificam
espaços e constroem uma nova narrativa de cidade, justamente quando o Rio de Janeiro vive seu mais novo
ciclo: com menos holofotes e menores intervenções do entretenimento. O trabalho se desenvolve a partir dos
conceitos de imaginário, cotidiano e direito à cidade.

Palavras-chave: microeventos; imaginário; cultura de rua

Durante os anos de preparação para receber os Jogos Olímpicos, como apresenta Ricardo Freitas (2017),
a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou uma série de plataformas de comunicação e recebeu investimentos para
transformar fisicamente alguns espaços da cidade. Este processo ocorreu exatamente num momento de cres-
cimento econômico e elevação da imagem internacional do Brasil, principalmente no turismo. Tais estratégias
- como a Rio 4503 – ajudaram a construir a dita Marca Rio e veicularam a ideia de uma cidade cinematográfica
à espera de acontecimentos históricos do entretenimento, como a Copa e as Olimpíadas. Nestas plataformas
publicitárias, observávamos sempre as imagens de cariocas felizes que, naquela narrativa, aguardavam ansio-
sos a chegada dos megaeventos.
Durante o período Olímpico, ao analisarmos, por exemplo, a comunicação em cartões postais turís-
ticos comercializados nesta época, como fazem Siqueira e Siqueira (2011), observamos uma estética de Rio de
Janeiro interessada em representar uma cidade sedutora, curvilínea e disposta a ser observada ou quase fisica-
mente tocada pelo olhar estrangeiro. Especialmente, quando se trata do corpo feminino, percebe-se a imagem
carioca transmitida como algo que remeta ao veraneio, à sedução e ao ímpeto tropical e pitoresco, como refor-
çam os pesquisadores:
A ênfase no corpo feminino desnudo, como representação das praias da cidade, busca mostrar o
Rio de Janeiro como local hospitaleiro, quente, nitidamente sensual. A dimensão sexual aparece de
forma explícita, como um tipo de discurso que faz movimentar o imaginário do turista, que já traz
expectativas sobre quem são aqueles corpos caminhando na praia. Não é o único discurso, e, talvez
não seja o que prevalece. É conservador e machista, mas, revela um certo tipo de imagem da cidade
constitutivo no imaginário turístico. (SIQUEIRA; SIQUEIRA, 2011, 673p.).

Construiu-se, portanto, através da preparação para os Jogos, um Rio de Janeiro que passava uma ideia
de ordenado por suas novas obras, atraente, sensual e interessante aos olhares estrangeiros através dos corpos
de seu povo. Em contraposição a este processo, como apresentam os estudos de Fernandes e Herschmann
(2010-atualmente), uma série de coletivos culturais passou a atuar a partir da informalidade, construindo
narrativas de cidade antagônicas aos megaeventos internacionais, produzindo seus microeventos gratuitos que
ocuparam ruas, parques e praças em festas produzidas de maneira independente, que destoavam dos formatos
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Victor Belart, mestrando com bolsa CNPQ no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro na linha de pesquisa em Cultura das Mídias, Imaginário e Cidade, vinculado ao laboratório de Comunicação Arte
e Cidade. E-mail: belart.victor@gmail.com
3 Plataforma Oficial da Rio 450 no Youtube. Disponível em: goo.gl/WK22Lo. Acessado em: 21/1/2019.
307
de comunicação e dos imaginários atrelados aos grandes jogos. Estas iniciativas passaram a acontecer, espe-
cialmente, em espaços distantes da praia, urbanos, em ruas galerias, becos, vielas do Centro e em localidades
que destoavam da imagem turística e de balneário que a cidade incorporou em sua comunicação oficial duran-
te período Olímpico. Segundo dados apresentados pelos pesquisadores citados, os microeventos realizados nas
ruas seriam, portanto, uma resposta da sociedade civil ao projeto da “cidade-espetáculo” através da criação de
um calendário cultural independente, acessível e gratuito que valorizasse outro imaginário de Rio de Janeiro.
Contrapondo essa perspectiva do Ciclo Olímpico com o ciclo atual, esboçamos neste trabalho um ma-
peamento cartográfico de um lugar específico da cidade pós-olímpica, o Boulevard Olímpico – grande baluarte
arquitetônico da Rio 2016 - considerando o tipo de atuação de alguns coletivos e grupos culturais nele. Criado
na Era das reformas para servir aos megaeventos, compreendemos que este território, mesmo sem incentivo
da Prefeitura, está sendo agora ressignificado pela população informalmente nestes eventos de rua em novas
sociabilidades, performances e estratégias desviantes.
Com este mapeamento, percebemos as experimentações no Rio depois das reformas urbanas num es-
paço criado exatamente neste processo de espetacularização da cidade e que está, agora, à disposição de rela-
ções mais anônimas, mais lentas e informais para alguns cidadãos. Ao analisarmos especialmente o trabalho
do Coletivo de Ambulantes e do grupo Technobloco, ambos com atuação na Nova Região Portuária, percebe-
mos estas relações. O primeiro surgiu em 2018 e é formado por ambulantes e trabalhadores informais da rua
que tiveram intenso contato com coletivos culturais ao longo destes anos anteriores, exatamente num período
de criminalização de sua atuação. Durante a preparação da Cidade Olímpica, operações como o Choque de
Ordem4 da Prefeitura, costumavam coibir a ações destes trabalhadores.
Com o fim do Ciclo dos megaeventos, os mesmos trabalhadores ambulantes organizam-se em coletivos
artísticos e realizam suas performances que unem o trabalho de venda de cerveja e a música de rua tocada por
eles mesmos, exatamente em espaços construídos numa narrativa de cidade com a qual os mesmos não faziam
parte antes. O segundo coletivo estudado, Technobloco, representa uma transformação corporal e estética
incorporando a música techno, o gesto da corrida e uma série de movimentos inéditos, que ainda não eram
comuns de serem observados nas ruas da cidade e destoam do imaginário carioca do samba ou do carnaval
turístico de cartões postais. Tocando música techno a partir de instrumentos orgânicos, o bloco invade novos
túneis, trilhos do novo trem do Centro (VLT), praças e aparelhos criados nas obras do Rio para 2016.
Tanto com a atuação destes dois coletivos citados, como com o crescimento informal do Carnaval de
rua ou com a apresentações de Jazz e blues debaixo de pontes, percebemos que o Rio passou a apresentar alter-
nativas de cidade que destoavam intensamente da imagem transmitida durante a comunicação Olímpica. Em
alguns destes microeventos, a cidade enquanto corpo, se apresenta não mais em seu viés paradisíaco, mas sim,
entre suas artérias urbanas: viadutos, linha do trem, prédios administrativos ou vielas do Centro sendo ocupa-
das pelos moradores. No lugar de curvas, biquínis e corpos padronizados, os participantes das festas passam
a assumir esteticamente uma essência desviante. Moças que rechaçam a padronização - dos pelos pelo corpo
ao cabelo raspado - alternam espaço com homens e mulheres trans ou corpos dotados de uma estética muito
distante da ideia do carioca musculoso e bronzeado de sol do Rio Olímpico. Segundo um dos participantes
presentes numa dessas ocupações, tais microeventos representam uma maneira de “reconhecer em seu próprio
corpo as marcas da cidade”.
Durante o período da Cidade Olímpica era tudo azul, ordenado e com as cores da Prefeitura. Gosto
de caminhar pela cidade nos seus contrastes, nos acidentes, nos becos, como fazemos com estes even-
tos. Sentir meu corpo diante das marcas da cidade, sentir as falhas. Sentir meu próprio corpo mergu-
lhado nos viadutos, nas praças, em produções informais que não foram feitas de maneira organizada
por uma empresa. Unimos nossos corpos ao corpo da cidade, informalmente e espontaneamente
nas marcas que ela tem. (Victor Oliveira, produtor do coletivo cultural FAZ NA PRAÇA e folião no
Carnaval de Rua do Rio de Janeiro).

Considerando a chamada Era dos megaeventos como uma efeméride histórica da cidade, buscamos

4 “Prefeitura vai relançar o Choque de Ordem”. Matéria O Globo publicada em 10/3/2018. Disponível em: <https://blogs.oglobo.
globo.com/lauro-jardim/post/prefeitura-do-rio-vai-relancar-o-choque-de-ordem.html> Acessado em: 30/1/2019.
308
compreender as novas tensões, imaginários e propósitos das ocupações culturais de rua, depois que o Ciclo
Olímpico se encerrou e a rotina regular do Rio de Janeiro voltou a se estabelecer. Neste processo, consideramos
esta atuação de coletivos culturais sobre espaços reformados do Centro da Cidade, no período de 2016.2 a 2019:
época marcada por transformações no comando e gestão da Prefeitura da cidade, eventual diminuição de holo-
fotes a respeito da marca Rio pelo fim dos Jogos e reorganização dos formatos e modelos de ocupação cultural
nas ruas da capital Fluminense.

Referências

GOTARDO, Ana Teresa. Rio para gringo: A construção de sentidos sobre o carioca para consumo turístico.
2016. 164 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Comunicação Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
FERNANDES, Cintia SanMartin; HERSCHMANN, Micael. Ativismo musical nas ruas do Rio de Janeiro.
XXIII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Pará, 2014.
FERNANDES C.S.; HERSCHMANN, M. Relevância da cultura de rua no Rio de Janeiro em um contexto de
valorização dos megaeventos. Curitiba: Compós, 2016.
FERREIRA, Alvaro. O projeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro: os atores sociais e a
produção do espaço urbano. Scripta Nova: revista electrónica de geografía y ciencias sociales, n. 14, p. 31, 2010.
FREITAS, Ricardo. Da cidade espetáculo à cidade mercadoria. Revista Eco-pós. vol. 20. n3. 2017.
FREITAS, Ricardo Ferreira; MELLO, Flávia Barroso de. Porto Maravilha: vivências e experiências culturais
no espaço urbano ressignificado. Diálogo com a Economia Criativa. Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, jan./abr. 2017,
p.74-87.
SIQUEIRA, Euler David de; SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira. “Jesus Cristo, eu estou aqui!” Notas para
uma antropologia do turismo na mídia. Líbero (FACASPER), v.23, p. 95-105, 2009.
SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira; SIQUEIRA, Euler David de. O corpo como imaginário da cidade. Re-
vista FAMECOS (Online), v. 18, p. 657-673, 2011.

309
O corpo feminino na fotografia feminista
na obra de Francesca Woodman1
Izabelle Louise Monteiro Penha

Resumo:
O estudo visa compreender e analisar a semiótica da obra Sem título, Rhode Island, 1976, de Francesca Wood-
man, fotógrafa estadunidense que pretende fomentar o empoderamento feminino e desconstruir a noção de
feminilidade, investigando assim como a fotógrafa usa seu corpo tanto quanto autora e objeto artístico da ima-
gem. Através da investigação da obra busca-se compreender o corpo feminino acerca da representação e repre-
sentatividade feminina na arte feminista do século XX, compreendo a relação entre arte, corpo e feminismo.

Palavras-chave: fotografia feminista; arte feminista; Francesca Woodman; corpo feminino; semiótica.

1) Desigualdade de gênero na arte: representação e representatividade

Este estudo inicia-se a partir das vivências e inquietações que tenho consciência ter passado por ter
nascido mulher e os papéis sociais em torno desse fator, que vai muito além deste estudo. É do transpassar e do
reconhecimento de quem sou que surgem questões e reflexões que busco amenizar sobre esta pesquisa em arte.
Uma análise da representação da mulher pela arte (POLLOCK, 2003.) em diferentes períodos históri-
cos nos faz compreender como a figura feminina era vista e interpretada pelos valores sociais de cada época.
Observa-se que a imagem feminina representada pela arte teve como base alguns arquétipos passados durante
séculos pelo imaginário masculino que muitas vezes era o encarregado de tal representação, sendo assim, a
mulher é representada de acordo com as idealizações contraditórias, elaboradas conforme os valores, normas
e costumes de cada momento histórico. Conforme o tempo, o imaginário acerca da mulher foi transformado.
Apenas na década de 70 e 80 as artistas norte-americanas foram movidas pelo questionamento de estigmas e
estereótipos acerca do papel da mulher nas artes visuais. Nesse contexto foi criado dois tipos de crítica feminis-
ta da representação: questões da representatividade (a ausência ou exclusão das mulheres críticas/ historiadoras
da Arte e artistas) e representação (“representações insatisfatórias”, ou seja, o imaginário e reportório cultural
formado por imagens de mulheres).
Constatada essa ausência de representatividade e representação das mulheres, percebeu-se que havia
uma necessidade de certificar uma presença assídua das mulheres. Esse tema foi trazido por essas duas histo-
riadoras da arte: Linda Nochlin (Why have there been no great women artists?) e Griselda Pollock (Old Mistres-
ses; Women, Art and Ideology), com questionamentos fortes acerca da realidade machista.
Desta forma, a arte contemporânea abriu maiores espaços para indagações dessa discussão. A fotógrafa
Francesca Woodman rompe a noção de corpo feminino a partir de autorretratos, fotografando não só a si, mas
também a outras mulheres, trazendo questionamentos sobre gênero e identidade. Embora, a artista não tenha
problematizado esses temas de forma aberta, ela se coloca nua como afluência entre concepção e execução, a
sua obra é a si mesma, a sua essência:
Eu estou na fotografia? Eu estou dentro ou fora dela? Eu posso ser um fantasma, um animal ou um
corpo morto, não apenas uma garota parada em um canto.2

O mito sobre ser mulher está engessado na nossa sociedade. As mulheres artistas durante séculos da
História da Arte tiveram dificuldades para realizar suas obras e empoderar-se, afinal sempre existiu uma des-
valorização da mulher enquanto artista. Francesca Woodman nasceu e produziu na época do marco teórico
deste trabalho: a Teoria Fílmica Feminista3. Embora esse privilégio de ser artista estadunidense nos anos 70 e
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Corpo, Arte e Mídia do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Retirado do documentário ‘’The Woodmans’’.
3 Tendo como percussora Teresa de Laurentis, a Teoria Fílmica Feminista foi um grande avanço diante da análise de imagem das
310
80 - com estudos feministas sendo desenvolvidos - tenham caído sobre sua produção, algumas artistas anterio-
res foram deslegitimadas e apagadas4. Acerca da desigualdade de gênero na arte, Rui Pedro Fonseca afirma:
A valorização de artistas e obras varia consoante o género – este consiste num grande fator de de-
sigualdade, portanto de discriminação, no campo artístico onde há uma clara assimetria generali-
zada de consagração entre homens e mulheres artistas. A baixa visibilidade de mulheres artistas e,
sobretudo, a falta de referências do período clássico, também se deve ao legado de um passado cujas
forças institucionais e estruturais do campo artístico concebiam as mulheres exclusivamente como
modelos nus. (FONSECA, 2013, p. 130)

Representadas como deusas, prostitutas, rainhas, empregadas, bailarinas, santas, donzelas, mães e an-
ciãs, porém, raramente retratadas de forma não estigmatizada. As mulheres foram retratadas a partir de de-
sejos e estigmas masculinos. Desta forma, novamente o corpo feminino é signo, ou seja, representa algo e está
aberto para interpretações:
Os corpos articulam discursos, sem necessariamente falarem, porque são codificados com e como
signos. Articulam códigos sociais. Tornam-se intertextualizados, narrativizados; simultaneamente
incarnam códigos sociais, leis, normas e ideais. Se os corpos são atravessados e infiltrados por sabe-
res, significações e poder, eles podem igualmente, em determinadas circunstâncias, tornar-se polos
de luta e resistência, inscrevendo-se ativamente em práticas sociais. (MACEDO, 2011, p.69)

Embora a fotografia contemporânea tenha aberto mais possibilidades de narrativas, ainda assim a arte
feminista percorre por um caminho árduo pela busca da representação e representatividade. Acerca da produ-
ção que as mulheres estavam permitidas a fazer, Perrot utiliza dos estudos historiográficos para afirmar que:
Escrever foi difícil. Pintar, esculpir, compor música, criar arte foi ainda mais difícil. Isso por questões
de princípio: a imagem e a música são formas de criação do mundo. As mulheres eram impróprias
para isso. Como poderiam participar dessa colocação em forma, dessa orquestração do universo? As
mulheres podem apenas copiar, traduzir, interpretar. (PERROT, 2009, p.101)

Essas situações se explicam facilmente, quando durante a História da Arte, as mulheres foram coloca-
das como incapazes para qualquer tipo de ciência e intelectualidade. Por isso, a fotografia feminista surge como
resposta a essa luta.

2)Francesca Woodman e a obra Sem título

Para Peirce (1972), um signo é algo que significa outra coisa para alguém, devido a qualquer relação
mulheres, desenvolveram-se grandes questionamentos acerca da linguagem, as imagens e as artes.
4 Como Artemisia Gentileschi e Sofonisba Anguissola.
311
dessa coisa. Se a imagem é signo, logo ela dialoga com a representação, se assemelha a própria coisa e evoca até
mesmo outra coisa que não é semelhante. A obra Sem título, Rhode Island, 1976, possui médio formato em pre-
to e branco em um ambiente inóspito. Possui duas janelas, sendo a da direita a que encadeia a luz e à esquerda
uma janela vedada.
A artista encontra-se sentada em uma cadeira branca, com o corpo nu, exceto por um colar e um par
de sapatos. Objetos esses que são relacionados à feminilidade, em um espaço abrupto revelando questões como
a domesticidade, principalmente com a forma que seu corpo está inserido. O cabelo encontra-se preso, exceto
por apenas uma mecha que cai sob seu rosto ao lado direito, em contraponto ao seu olhar fixo direto a objeti-
va. Woodman lança esse olhar parar a câmera intensamente, mas seu corpo está acanhado, com pernas e pés
dobrados em direção à cadeira, com as mãos presas entre suas coxas. Já seus seios e torso são mais visíveis,
juntamente com o rosto que está mais claro na imagem. As formas em espaços interiores vazios permitem uma
experiência mais sinestésica, intima e vulnerável. A artista transpassa a expressão e o sentimento de ansiedade,
utilizando de si para explorar a representação do feminino e a relação entre corpo e espaço. Na sua diagonal a
sua própria silhueta escura coberta de farinha está no chão, o contorno é parcial, mas percebe-se e reconhece
aquela figura como corpo. A fotografia é uma longa exposição, que reage com a luz da janela, utilizando o pó
fotossensível no chão para desta forma as sombras fiquem escuras, utilizando a técnica “shadowgraph.

Referências

BARRETO, Nayara Matos. O corpo feminino nas artes visuais: nudez, sexualidade e empoderamento. 2013.
Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/23052/23052. PDF>. Acesso em: 11 de outubro de 2018.
FONSECA, Rui Pedro. Carreira, arte feminista e mecenato: uma abordagem à dimensão económica do circui-
to. Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXVI, 2013, pág. 113-137.
LOPONTE, L. G. (2002) Sexualidades, artes visuais e poder: pedagogias visuais do feminino. Revista Estudos
Feministas, Florianópolis, v.10, n. 2, p. 283-301.
JOLY, Martine. Introdução à análise de imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996. (Coleção Ofício Arte e Forma)
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
MACEDO, Ana Gabriela. Mulheres, arte e poder: uma narrativa de contrapoder? Estudos de Literatura Bra-
sileira Contemporânea, núm. 37, 2011, pp. 61-77. Universidade de Brasília. Brasília, Brasil.
PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. Contexto, 2009.
PIERCE, Ch S.; MOTA, OS da; HEGENBERG, L. Semiótica e Filosofia. Textos Escolhidos de Charles Sanders
Pierce. 1972.
POLLOCK, Griselda. Vision and difference: Feminism, femininity and the histories of art. Psychology Press,
2003.
The Woodmans. Diretor: C. Scott Willis. 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T2hXBy2o-
fl0. Acesso em: 24 out. 2018.

312
GT6 PALAVRA, IMAGEM E SOM
Música e mídia sonora
Rádio podcast, streaming e compartilhamento
Trilha sonora
Som ambiente, sonoplastia e ruído no audiovisual
Audiodescrição
Arte sonora
Literaturas expandidas
Poesia visual e sonora
Linguagens póeticas e mídias
Palavra e performance
Literaturas e artes visuais
SINCRONIZANDO O TRÂNSITO NAS RUAS E ESTRADAS
BRASILEIRAS: CCR Nova Dutra, Rádio Trânsito, Freeway FM
e customização radiofônica1
Bruno César dos Santos2

Resumo:
Trilhar reflexões e registrar dados referentes ao processo de customização radiofônica e irradiação de conteúdo
jornalístico e publicitário, destinado ao público que demanda informações do fluxo viário urbano e interur-
bano é o intuito do presente trabalho. Tal fenômeno é presente desde o início da história do rádio brasileiro,
embora o surgimento de rádios denominadas “estrada” é recente e apresenta poucos players atualmente. As-
sim, o recorte contextual e o objeto de estudo residem na descrição da grade de programação radiofônica das
emissoras: CCR Nova Dutra 107,5FM (BR 116 – São Paulo X Rio de Janeiro); Free Way 88,3FM (BR 290- Porto
Alegre X Osório) e; Rádio Trânsito 92,1 FM (Região Metropolitana de São Paulo). As emissoras citadas irra-
diam informações de eventos culturais, sociais e esportivos das cidades que compõem o trajeto de tais vias e
localidades. Tal cenário possibilita discutir brevemente o papel que o rádio tem assumido nos últimos anos,
tornando-se ubíquo e ampliando seu espectro de penetração em novas plataformas de distribuição. Contudo,
há a inserção de conglomerados empresariais que reconfiguram a disponibilização de conteúdo radiofônico,
precarizando os processos de produção jornalística e publicitária.

Palavras-chave: História do Rádio; Customização radiofônica; Rádio Trânsito; CCR Nova Dutra; Freeway FM

Num país continental e predominantemente rodoviário, as ondas radiofônicas são regionais e atendem
as demandas musicais ou informativas de tais localidades, variando de acordo com as características socio-
culturais e econômicas de cada espaço geográfico. Em outras palavras, poucas emissoras de rádio podem ser
ouvidas plenamente em todo território nacional, ininterruptamente, em deslocamento pelas estradas brasilei-
ras. Excetuam-se, obviamente, as empresas comunicacionais que transmitem sua programação e conteúdo via
satélite (fenômeno dos anos 80 e 90) ou internet (anos 2000 em diante), precária em muitas regiões de nosso
país.
Tal acontecimento sinaliza uma possível inviabilidade operacional, num fenômeno encontrado em
grandes conglomerados urbanos: a customização radiofônica. Em outras palavras, a segmentação possibilitou
a exploração plena do Rádio e suas técnicas, direcionando seu conteúdo para públicos ou anunciantes específi-
cos. Emerge uma multiplicidade da oferta de emissoras, tornando as ondas sonoras em elementos que atingem
qualquer alvo. Basta escolher e direcionar o foco:
As características que envolvem o sistema radiofônico desde a última década de 90 remetem à presen-
ça de um maior número de agentes no mercado, considerando-se as formas tradicionais de difusão
por ondas hertzianas, mas também a recorrência a inovações tecnológicas, notadamente a internet e
os satélites comunicacionais. Incluem igualmente o avanço sobre a radiodifusão de técnicas de ges-
tão capitalista, em especial aquelas que afinam a captação do consumidor, reposicionam os produtos
e otimizam recursos por meio da reunião de emissoras em uma mesma rede (BRITTOS, p. 31, 2002).

Desta forma, o cenário anteriormente descrito – a dificuldade de emissoras estarem plenamente pre-
sentes em território nacional e a customização radiofônica – são facilmente superadas. A voracidade capitalista,
por meio da inserção de tecnologias, legislações e modos de uso e socialização dos seus preceitos e objetos,
solapa tais obstáculos, reconfigurando a utilização do rádio, enquanto objeto que irradia informações, mas ao

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Palavra, imagem e som, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Docente da Universidade Paulista (Unip/EaD) e Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom/SP). Doutorando e
Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip). bruno.santos@fapcom.edu.br e bruno.cee@unip.br

314
mesmo tempo produtos e preceitos distintos. Concordando com os preceitos de Kischinhevsky (2015):
Uma organização que passa a investir na radiofonia está buscando não apenas estabelecer essa cone-
xão direta com seus públicos de interesse, mas também comunicar ao mercado, passando a ser um
novo player no cenário, eventualmente fazendo as vezes de intermediário, ao vender espaços publici-
tários em seus veículos para terceiros, e não apenas utilizá-los para comunicação institucional (...) O
rádio, como a música, se torna ubíquo. Redes de supermercados contratam locutores para anunciar
promoções em suas lojas ao vivo, enquanto profissionais liberais buscam serviços de rádio cada vez
mais individualizados. (KISCHINHEVSKY, 2015, p. 75-6).

Dois acontecimentos merecem ser registrados, os quais são necessários para a compreensão da propos-
ta de pesquisa do presente trabalho: a customização radiofônica chega às estradas brasileiras, através dos es-
forços das empresas mantenedoras das concessionárias rodoviárias. Utilizando dispositivos legais federais, as
rádios “Free Way” (Rio Grande do Sul) e “CCR Nova Dutra” (São Paulo/Rio de Janeiro) emergem no espectro
radiofônico, irradiando notícias e entretenimento aos motoristas e passageiros em deslocamento pelas vias e
arredores que fazem parte da cobertura de tais emissoras. Além disso, a resistente Rádio Trânsito (São Paulo),
que está há mais dez anos no dial, irradiando notícias do trânsito e acontecimentos culturais e esportivos na
região metropolitana paulistana.
Com idades e fases de implantação distintas, as duas emissoras de rádio customizadas tem finalidades
e práticas parecidas. Ambas são mantidas pelas empresas concessionarias das rodovias federais e a irradiação
de conteúdo é autorizada, em caráter experimental pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Tal
dado é importante, pois algumas restrições são aplicadas – e apresentadas no decorrer deste trabalho – tanto
para a Radiovia Freeway (88,3 FM – Porto Alegre), como para a CCR Nova Dutra (107,5 FM – São Paulo/Rio
de Janeiro). É importante ser registrado que “rádios-estradas” são práticas muito comuns pela Europa, com a
prestação de serviços e informação disseminada na grade de programação (Adami, 2004).
Considerada a primeira emissora que “toca notícias do trânsito”, a Radiovia Freeway inicia suas ativi-
dades em 2004, divulgando informação, educação e entretenimento para os usuários que trafegam ao longo
dos 120 km da Rodovia BR-290. Esta estrada liga a cidade de Porto Alegre ao município de Osório, localizado
no litoral gaúcho. É uma das estradas mais movimentadas da região sul do território brasileiro, em especial em
datas comemorativas e eventos festivos, levando os gaúchos “pas praia” e fazer veraneio, durante o verão.
Por sua vez, a CCR Nova Dutra tem autorização pelo Ministério das Comunicações, através do Ato nº
3.673, de 29 de junho de 2012. Contudo, os trabalhos foram iniciados em setembro de 2013, nos estúdios e reda-
ção jornalística que estão localizados na central de operações CCR Nova Dutra, em Santa Isabel (SP). São dois
estúdios e uma sala de redação, ocupados por 14 funcionários (técnicos operacionais, radialistas e jornalistas)
que trabalham diariamente, numa escala contínua de 24 horas diárias, 07 dias da semana. Todas as transmis-
sões são feitas ao vivo, através de 42 antenas retransmissoras, ao longo da rodovia.
A segmentação de produtos radiofônicos pode ser considerada alternativa econômica ao ostracismo
que ocorre nas emissoras brasileiras. Diversas concessões estão abandonadas, arrendadas por igrejas pentecos-
tais, veiculando pregações ou músicas gospel, ou grupos empresariais que pretendem ter canais de informação
consolidada, irradiando notícias que privilegiam a empresa e seus associados. Nas palavras de Kischinhevsky
(2015):
Essa nova arquitetura do mercado de rádio é que proporciona a entrada de atores sem vínculos pré-
vios com o negócio da radiodifusão sonora. Um negócio que, como veremos a seguir, se encontra em
plena reconfiguração, franqueando a entrada no mercado de novos atores, muitas vezes organizações
sem qualquer ligação anterior com a indústria da radiodifusão sonora. (KISCHINHEVSKY, 2015
p.72).

Em outros casos, distintas frequências são transformadas em veiculadoras de notícias/conteúdos de en-


tidades ou grupos de comunicação complexos, denominados informalmente de empresas de mídias cruzadas.
Como exemplos, a “Globo Comunicações e Participações” e o “Grupo Bandeirantes”, entre outras corporações.
No geral, conglomerados como esses detêm os três principais veículos de comunicação: rádio, televisão e jor-

315
nal. Aqui, a Rádio Trânsito faz parte do Grupo Bandeirantes.
Tanto a Radiovia Freeway, como a CCR Nova Dutra não utilizam ferramentas de comunicação larga-
mente empregadas por diversas emissoras de rádio, como a Rádio Trânsito, por exemplo. Aqui, tal emissora
paulistana tem “duas mãos”, dialogando com o ouvinte em tempo real ou após a postagem de arquivos e conte-
údos para a emissora. Isso é possível a partir de ferramentas de comunicação digital (mídias sociais). Soma-se
ainda o telefone, instrumento que permitiu ao rádio se tornar um veículo de comunicação instantâneo e direto
(Santos, 2013).
Contudo, as “duas mãos” podem ser consideradas elementos que ampliam o poder da “metralhadora de
palavras”, utilizadas para aumentar a quantidade de informações irradiadas, importantes ou banais. A conju-
gação de mídias e uso de ferramentas portáteis de comunicação motivou o espanhol Cebrian Herreros (2007)
e o brasileiro Eduardo Meditsch (2007) a sugerirem ampliar conceitos a respeito dos elementos que compõem
o cotidiano do radiojornalismo.
A instantaneidade e o “aqui-agora”, marcas indeléveis do Rádio, são pulverizados para os repositórios
de conteúdos nos quais as páginas eletrônicas e plataformas de mídias sociais se transformaram, que permitem
ao ouvinte ter contato com determinado evento irradiado, dando opinião ou colaboração, com imagens e tex-
tos que remetam ao fato narrado. O Rádio se tornando um ambiente massivo, mas ao mesmo tempo persona-
lizado e individualizado, que seduz diferentes públicos. Ressaltam Ana Carolina Almeida e Antônio Francisco
Magnoni (2010):
O rádio sobreviveu. Ficou mais pobre, mas continuou influente, popular e muito cobiçado como
instrumento de formação de opinião. As três décadas finais do século XX estiveram sob o domínio
da televisão. Todo o arsenal imagético não conseguiu desvencilhar a televisão do estigma inicial: de
rádio com imagens; de um meio híbrido com mensagens que podem ser vistas e ouvidas juntas, ou,
então, só escutadas por ouvintes criados pelo rádio. A internet, por mais sedutora que se apresente,
ainda não conseguiu superar a herança dialógica do rádio. Há coisa nova no contexto digital: ouvir
rádio na web é muito cativante. (ALMEIDA; MAGNONI, 2010, p.289).

O Rádio, em sua história, mostrou-se presente na vida de muitos brasileiros, os quais receberam pelas
caixinhas sonoras um pouco de diversão, entretenimento, informação e participação social. A instantaneidade
obriga o aparelho radiofônico a se apoiar no uso de ferramentas digitais de comunicação, buscando informa-
ções e fontes noticiosas. Contudo, é importante discutir se ao invés de produzir notícias de interesse público,
não dá a emergência de conteúdos meramente institucionais e/ou publicitários. Concordamos com Kischinhe-
vsky e Campos (2014) que tal fenômeno (customização radiofônica) é recente, provocando “a concentração de
propriedade”, aumentando a concorrência nos mercados radiofônicos e o fortalecimento de novos intermedi-
ários, especializados na oferta de soluções e serviços de automação. Ou ainda, algo mais preocupante: a trans-
formação do radiojornalismo em transmissões publicitárias travestidas em prestação de serviços.

Referências
ADAMI, Antônio. A Rádio Record de Paulo Machado de Carvalho: uma nova linguagem. In: Anais do XX-
VII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. [S.l.]: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação, 2004. Disponível em: < https://bit.ly/2MYTOGH>. Acesso em: 26 jan. 2019.
ALMEIDA, Ana Carolina; MAGNONI, Antônio Francisco. Rádio e internet: recursos proporcionados pela
web ao radiojornalismo. In: MAGNONI, Antônio Francisco; CARVALHO Juliano Maurício. O novo rádio:
cenários da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac São Paulo, 2010, p.273-290.
BRITTOS, Valério Cruz. O rádio brasileiro na fase da multiplicidade da oferta. In: Verso & Reverso. São Leo-
poldo/RS, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a.16, n.35, p. 31-54, jul.-dez. 2002.
CEBRIÁN HERREROS, Mariano. Modelos de Radio, desarollos e innovaciones: del dialogo y participacion
a la interactividad. Madri: Fragua, 2007.
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história, a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
KISCHINHEVSKY, Marcelo; CAMPOS, Luiza Borges. Serviços de rádio social, novos intermediários da in-
dústria da música. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXXVII, Foz do Iguaçu, PR, 2 a

316
5 set. 2014. Anais... São Paulo: Intercom, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2By7tQt>. Acessado em 30 jan.
2019.
MEDITSCH, Eduardo. O rádio na era da informação: teoria e técnica do novo radiojornalismo. 2ª edição
revisada. Florianópolis: Insular, Edufsc, 2007.
SANTOS, Bruno Cesar dos. Transitando pelos transistores: a emergência da SulAmérica Trânsito nos rádios
paulistanos. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uni-
versidade Paulista – UNIP. São Paulo, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2th0mra>. Acessado em 27 jan. 2019.

317
SENTIDOS E EXPERIÊNCIAS DE
PALESTRAS-PERFORMANCES NA BAHIA1
Lia da Rocha Lordelo2

Resumo:
Este trabalho explorará o formato da palestra-performance; subgênero de performance existente desde os anos
60, que tem como precursores artistas como John Cage e Joseph Beuys. Seu formato vai de encontro à ideia
de que o discurso é algo que tem menos valor, ou apenas teórico (MILDER, 2011); uma palestra-performance
é um modo de performar o texto; justapor conceito e ação (ROCHA, 2014). Aqui, discuto três solos baianos,
de artistas de diferentes linguagens: Edital, do dançarino Fábio O. Monteiro; Instruções de Escuta, do músico
Pedro Filho; e A Capela de Waly, do poeta Alex Simões. A partir destes trabalhos, aponto suas especificidades
e potencialidades em contextos artísticos e acadêmicos.

Palavras-chave: Palestra; Performance; Bahia.

Este trabalho, parte de um projeto de pesquisa interessado em investigar e tensionar os limites entre
escrita, performance e experiência, explorará a natureza e formato da palestra-performance. A palestra-per-
formance, subgênero de performance existente desde os anos 60, tem como precursores artistas estrangeiros
como Yvonne Rainer, John Cage e Joseph Beuys; é uma espécie de prática artística expandida que ultrapassa o
formato de uma conferência acadêmica. Um marco singular da introdução da palestra-performance em con-
texto teatrais está na apresentação de Produto das Circunstâncias [Product of Circumnstances], do dançarino,
coreógrafo e biólogo molecular francês Xavier Le Roy, em 1998 (HUBNER, 2016; JESCHKE, 2012; MILDER,
2011). Em seu formato híbrido e interdisciplinar, a palestra-performance pode ser considerada um esforço
que vai de encontro à ideia de que o discurso é algo que tem menos valor, ou é puramente teórico (MILDER,
2011); uma palestra-performance é um modo de performar o texto; de justapor o conceito e a ação (ROCHA,
2014). As relações entre arte e conhecimento, bem como entre arte e mediação, estão no centro de interesses
da palestra-performance (ROE, 2009; apud HUBNER, 2016), que pode ser praticada tanto dentro quanto fora
de ambientes acadêmicos. No Brasil, pouco se tem teorizado sobre este subgênero, e menos ainda na Bahia, em
particular. Deste modo, neste recorte em especial, e a partir dos pressupostos que caracterizam a palestra-per-
formance, apresento e discuto três trabalhos artísticos baianos, de artistas de diferentes linguagens: Edital, do
dançarino Fábio Osório Monteiro; Instruções de Escuta, do músico Pedro Filho Amorim; e A Capela de Waly,
do poeta Alex Simões. Em Edital, de 2011, de estrutura semelhante à performance de Le Roy, o dançarino e
produtor Fábio Osório relata à audiência as agruras de se transformar em um artista autônomo e, em certa
medida, autoral. Angustiado com a demanda de ter que criar, pela primeira vez, um trabalho solístico de sua
autoria, ele tem a ideia de lançar um edital à comunidade artística baiana, no qual se compromete a pagar R$
1000,00 (hum mil reais) a quem submeter a ele a melhor ideia para desenvolver seu solo. À medida que relata à
plateia sua história, o artista descreve as principais propostas que recebeu, propondo cenas curtas de demons-
tração para cada ideia. O tom coloquial e a interferência de elementos que nos lembram suas responsabilidades
como produtor cultural (telefonemas, papéis, computador, impressora) colocam o espetáculo num enquadra-
mento bem humorado, ao tempo em que nos ensinam sobre as demandas extra-palco que se somam à rotina de
um artista criador na contemporaneidade. Já em Instruções de Escuta, de 2015, o músico Pedro Filho articula
suas habilidades de performer e pesquisador de sons, em uma palestra na qual não emite um único som. Ao
longo de uma sequência de slides com orientações textuais, ele se apresenta, teoriza sobre a natureza de sons e
o que entendemos como simples ruídos; além disto, Pedro convoca a plateia a emitir seus próprios sons, indivi-
dual e coletivamente. Sua performance não só tensiona as relações entre arte e conhecimento, mais especifica-

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Palavra, imagem e som, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia
2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Doutora, email: lialordelo@gmail.com

318
mente a pesquisa artística; mas também entende que o compartilhamento de um processo de reflexão artística
e filosófica se completa com a participação de plateia, seja ela de artistas, pesquisadores ou quaisquer outras
pessoas: sem dizer palavras, mas escutando e emitindo sons, todos são convidados a pensar e performar. Por
último, a performance do poeta baiano Alex Simões, A Capela de Waly, de 2015, faz uma extensa colagem de
uma belíssima sequência de poemas de Waly Salomão. Expandindo o tradicional gênero do recital de poesias,
Alex equilibra na cabeça a antologia Poesia Total (SALOMÃO, 2014), enquanto recita vigorosamente dezenas
de poemas do também baiano Waly, alguns já famosos em canções da MPB. Sua palestra-performance é de um
tipo especial: ela dispensa legendas ou explicações; a poesia diz tudo, pois a ação está no nome (ROCHA, 2014).
Nas palavras, estão as coisas. Assim, a partir de uma análise dos princípios e das estruturas que organizam os
três solos, justifico o enquadramento destes sob o gênero palestra-performance, apontando suas especificidades
e potencialidades em contextos artísticos e acadêmicos.

Referências
HUBNER, Falk. Hard Times: Lecture performance as gestural approach to developing artistic work-in-pro-
gress. Encontrado em: https://www.researchcatalogue.net/view/158044/205395. Acesso em 30.01.2019.
JESCHKE, Claudia. Cânone e Desejo: Sete Abordagens para Palestras/Performances Histório-coreográficas.
Sala Preta, vol. 12, n. 2, p. 4-12, 2012.
MILDER, Patricia. Teaching as art: The Contemporary Lecture-Performance. PAJ: A Journal of Performance
and Art, 97, pp. 13–27, 2011.
ROCHA, T. Palestra-corpo: dança conceitual. Trama Interdisciplinar, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 26-40, maio 2014.
SALOMÃO, Waly. Poesia Total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

319
DEVANEIOS SOBRE A FUNÇÃO DA ARTE EM FISHER1
Levy Cálide dos Santos Pereira2
Gislaynne Natalia Mendes da Silva3
Jefferson Cardoso Marques4
Diêgo Jorge Lobato Ferreira (orientador)5

Resumo:
O presente trabalho foi elaborado com objetivo de produzir um material de caráter e qualidade artístico-visual
usando como referência o capítulo um do livro de Ernst Fisher denominado de “A Necessidade Da Arte”. A
videoarte é uma técnica que aplica a tecnologia do vídeo, busca seu entendimento como prática artística e o seu
processo de diluição. A compreensão da obra conduz o leitor a uma reflexão sobre a real necessidade da arte,
independente de sua função, uma vez que esta representa uma fração da história, e o homem pode obter através
da arte, importantes referências que contribuiriam para o desenvolvimento individual e social. Dessa forma, as
interpretações pós-leitura destacam que as funções da arte não estão apenas no fato de levar o homem a conhe-
cer e mudar o mundo, mas a refletir como essas mudanças ocorreram na arte e como ela agregou a sua própria
função inicial a novas funções, variando de acordo com o contexto. A escolha por essa vertente expressiva é o
egresso para observarmos o início da concepção de um âmbito artístico, dentre tantos outros que surgiram e
surgem ao longo da arte contemporânea. Por fim, o suporte vídeo, foi escolhido para materializar os devaneios
que a função da arte pode trazer.

Palavras-chave: Videoarte; Artes Visuais; Fisher; Monólogo.

O presente trabalho objetiva apresentar e explorar com mais profundidade as técnicas da videoarte
“Devaneios em Fisher”6 aplicado a um monólogo autoral dos discentes, inspirado no monólogo “Um Cafajeste”,
de César Boas, resultado de uma proposta feita pela docente Lícia Cristina Araújo da Hora7, na disciplina Se-
minários de Práticas Interdisciplinares II, que desafiava os alunos do, então, segundo período de Licenciatura
em Artes Visuais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA, Campus São
Luís Centro-Histórico, a transmitirem através de linguagens artísticas as reflexões elencadas por Ernst Fischer
em seu livro “A necessidade da arte” considerando a importância do ensino de Arte nas escolas (tema gerador
da disciplina no semestre em questão).
Para este trabalho, os alunos optaram por focar no capítulo um “A Função Da Arte” por sugerir a in-
fluência da Arte no individual e coletivo da sociedade e considerar que a arte sempre se mostrou necessária,
independente de sua função, baseando-se na concepção de que o ser humano se utiliza da Arte para sentir-se
completo. Assim, para o autor, é a busca pelo equilíbrio, tendo a Arte como meio, confirmaria essa necessidade:
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT6), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Graduando de Licenciatura em Artes Visuais, 3º período, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –
IFMA/CCH, levycalide@acad.ifma.edu.br
3 Graduanda de Licenciatura em Artes Visuais, 3º período, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –
IFMA/CCH, nataliamendes@acad.ifma.edu.br
4 Graduando de Licenciatura em Artes Visuais, 3º período, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –
IFMA/CCH, jefferson.m@acad.ifma.edu.br
5 Diêgo Jorge Lobato Ferreira, professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA/CCH,
Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM-SP) com área de concentração em (Design, Arte e Tecnologia),
orientador, diego.ferreira@ifma.edu.br
6 Vídeo disponível no link https://drive.google.com/file/d/1XNqemVbTdjkbH98mNbDT99zwdxxLh_LJ/view?usp=drivesdk pro-
duzido por Levy Cálide, Natália Mendes, Jefferson Cardoso, Nayane Reis, Ana Carolina Gesualdo e Jhonata Santos em Dezembro
de 2018
7 Lícia Cristina Araújo da Hora, professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA/CCH,
graduada em pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão (2003) e mestra em educação pela Universidade Federal Flumi-
nense (2013), liciadahora@ifma.edu.br

320
Desde que um permanente equilíbrio entre o homem e o mundo que o circunda não pode ser pre-
visto nem para a mais desenvolvida das sociedades, trata-se de uma ideia que sugere, também, que a
arte não só é necessária e tem sido necessária, mas igualmente que a arte continuará sendo sempre
necessária. (FISCHER, 1983, p.11)

Percebe-se também que esta busca pela plenitude perpassa o sentimento de pertencimento, de anseio
por algo significativo ao indivíduo, maior que a si próprio; o sentir-se parte daquilo que vem do outro e se
identifica nele também, ser unidade com o universo exterior, que dará, por fim, equilíbrio ao seu “Eu” parcial.
Segundo Fischer: “A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita
capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias.” (FISCHER, 1983, p.13)
Além disso, o autor evidencia a Arte mesmo sendo reflexo de seu contexto histórico-social, consegue
transpor seu tempo, sua função e configura-se universal, atemporal. Nas palavras do autor:
Toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as ideias
e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica particular. Mas, ao mesmo
tempo, a arte supera essa limitação e, de dentro do momento histórico, cria também um momento de
humanidade que promete constância no desenvolvimento. (FISCHER, 1983, p.17)

Ao concluir, Fisher salienta que “a arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mu-
dar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.” (FISHER, 1983, p.20).
A produção do vídeo foi feita utilizando-se uma câmera digital Samsung dv100 161mp c5x zoom lcd
27 e o smartphone Samsung Galaxy J6 4160 x 3120 pixel F 1.9 para as gravações e para o processo de edição
utilizou-se o aplicativo Windows Movie Maker. Aplicaram-se recortes de cena e técnicas como o time-lapse.
O cenário escolhido foi o Centro Histórico de São Luís do Maranhão destacando lugares como a Rua
Oswaldo Cruz, conhecida como Rua Grande; a Praça do Pantheon - na qual encontram-se os bustos de inte-
lectuais renomados; e a Biblioteca Benedito Leite.
Neles identificamos a presença de estímulos artísticos que proporcionam contemplação e confrontação
sobre a função da arte perante a vida de quem a vê, a sente e a consome.
As cenas foram transpostas para criar a sensação de dualidade e a perspectiva que temos sobre a arte, e
como ela nos afeta enquanto seres humanos e reafirma que todos percebemos a arte de modos distintos.
Buscou-se, através do suporte vídeo interpelar, as ideias expressas no capítulo e os cenários, conside-
rando ainda a premissa de que, Vicente Lanier (1997), as chamadas artes de mídia é uma das áreas em que mais
os indivíduos reagem e “a experiência estética em geral, [...] já é desfrutada pelo indivíduo antes que ele entre
para a escola. Portanto, não a introduzimos para nossos alunos, mas a incrementamos a partir de algo que já
está lá”. E ainda:
[...] As artes plásticas, que entre outros estímulos, provocam a experiência estética visual, devem
incluir hoje muito mais que o óleo em moldura dourada e o mármore sobre o pedestal dos museus.
Devem incluir artesanato e arte popular, em particular, e a mídia eletrônica como cinema e televisão
[...] (LANIER, 1997, p.46)

Dessa forma, a arte já está inserida no meio cultural que forma os indivíduos. E os estímulos artísticos
estão cada vez mais arraigados na vivência humana.
Nem todos os artistas que fazem uso do vídeo estão produzindo videoarte. Para se produzir uma obra
que se encaixe no âmbito da videoarte, não basta apenas operar o suporte vídeo em sua criação.
Machado (2010) designa artemídia como “formas de expressão artística que se apropriam de recursos
tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento em geral, ou intervêm em seus canais de difusão,
para propor alternativas qualitativas”,
Para ARANTES (2012), o termo “designa as investigações poéticas que se apropriam de recursos tec-
nológicos das mídias e da indústria cultural, ou intervêm em seus canais de difusão, para propor alternativas
estéticas [...] que conseguem, muitas vezes, a árdua tarefa de conciliar o circuito da arte ao ambiente das mídias
e das tecnologias informacionais”.

321
Sabe-se que a artemídia extrapola a concepção de arte das vanguardas utópicas como diz SANTAELLA
(2009):
[...] As tentativas de recuperação da linearidade histórica começaram a silenciar frente à avalanche
pluralista de tendências estéticas que coincidiu com a entrada da arte no multifacetado território
digital, o que só tem contribuído para aumentar a multiplicidade cada vez mais inerente ao campo
das artes. (p. 143)

É essa nova característica da arte que, conforme MACHADO poderá resultar num salto no conceito e
na prática de arte e também da mídia.
Os recursos visuais, a modelo da fotografia, do filme ou do vídeo, são comumente apropriados por
artistas propensos a gravarem suas ações, intervenções urbanas ou performances, auxiliando na maior parte,
como modo de registro ou documentação dessas diferentes práticas. Tais “registros”, consoante com Luiz Cláu-
dio da Costa (2009a), apresentam como os artistas vieram a se posicionar, de diferentes situações — seja em
ações de happenings, performances ou simples assimilações do mundo — diante da erudição das informações
e dos valores envolvidos, apanhando “participar da vida social e política do presente, por meio da produção de
trabalhos que se apropriam do contexto onde surgem” (COSTA, 2009a, p.22). Sendo assim, tais trabalhos não
se constituem de mera documentação, uma vez que podem ser mais um dos muitos desdobramentos proces-
suais do trabalho artístico, todavia não se constituem como uma obra de videoarte, embora faça parte de seu
contexto (COSTA, 2009a).
A arte é fundada através da relação entre a realidade e a abordagem utilizada para traduzir esta reali-
dade, de forma que o desfecho, no caso, a arte, seja claramente diferente da realidade empírica. Este método de
produção passa por um processo de concepção, no qual não depende exclusivamente de emoção e/ou inspira-
ção, mas que requer o conhecimento de uma série de técnicas e métodos, sendo assim, este conjunto de meios
requerem trabalho e, através deste trabalho, podem evidenciar a arte enquanto ferramenta de transformação
da realidade.

Referências

ARANTES, P. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Senac, 2° Ed, 2012.
COSTA, Luiz Cláudio da. (Org.). Dispositivos de registro na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria / FAPERJ, 2009.
COSTA, Luiz Cláudio da. Uma questão de registro. In: COSTA, Luiz Cláudio (Org.). Dispositivos de registro
na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / FAPERJ, 2009a.
FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 9° edição, 1983.
LANIER, V. Devolvendo arte à Arte-educação In: Ensino da Arte-educação: Leitura no subsolo. São Paulo:
Cortez Editora, 1997. pp (42-55)
MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 3° ed, 2010.
SANTAELLA, L. O pluralismo pós-utópico da arte. ARS, ano 7, n.14, 2009. pp (140-151)

322
A TERRA RESSOA:
reflexões acerca da relação entre escuta, desmatamento e
transformação urbana em Alter do Chão, PA1
Maria Fantinato Géo de Siqueira

Resumo:
Esta comunicação busca, a partir de reflexões advindas de trabalho de campo em Alter do Chão, PA, elaborar
perguntas sobre a dimensão política da escuta frente a estratégias violentas de desenvolvimento que transfor-
mam paisagens rural-urbanas e afetam modos de vida na Amazônia hoje. Em diálogo com trabalhos etno-
musicológicos que abordam a escuta como o que tensiona separações estanques entre corpo/mundo e entre
natureza/cultura, a comunicação é parte de um trabalho de pesquisa que se constrói ao redor da premissa de
uma inseparabilidade entre as questões da terra, território e escuta no Brasil atual.

Palavras-chave: escuta; desmatamento; acustemologia; Amazônia

“Lá no canto onde eu moro tinha um igarapé / Lá no canto onde eu moro tinha um igarapé / Prefeitura
concretou e agora quer ter o çairé”. Em setembro de 2018 assim cantou uma mulher de cerca de 30 anos durante
a “desfeiteira”, tradição de colocar versos de improviso em estilo de desafio que já se tornou uma das marcas do
encerramento da festa do Çairé (Gonçalves de Carvalho, 2016), em Alter do Chão, Pará. Conversei com uma
conhecida na vila que morava com a moça que cantou o verso acima. Ela me explicou: “Estamos indignadas.
De um dia para o outro a prefeitura concretou um igarapé que passava do lado da nossa casa aqui em alter. An-
tes, quando eu estava chegando em casa, podia escutar o barulho do rio de longe... agora já não o escuto mais.”
Esta comunicação busca, a partir de reflexões advindas de trabalho de campo em Alter do Chão, PA,
elaborar perguntas sobre a dimensão política da escuta frente a estratégias violentas de desenvolvimento que
transformam paisagens rural-urbanas e afetam modos de vida na Amazônia hoje. Alter do Chão, um dos dis-
tritos administrativos do município de Santarém, PA, é vila internacionalmente conhecida pelas suas praias
de água doce formadas na época de seca do rio Tapajós. Apesar de contar com um pouco menos de sete mil
habitantes, a vila é lugar de passagem de diversas pessoas e interesses, e ali reverberam músicas e outras sonori-
dades advindas tanto do turismo e sua intensificação na última década, como da expansão da fronteira agrícola
da soja nos municípios do planalto santareno nos últimos vinte anos.
Hoje em dia Alter do Chão é uma vila em obras. Além da rede de pousadas, hotéis e redários que se
expandiu radicalmente nos últimos dez anos, há também novas casas em processo de construção. E enquanto
a vila cresce, ainda carecendo de infraestrutura de saneamento que acompanhe este crescimento, os menos
abastados moradores antigos e nativos da região são afastados da proximidade da água e empurrados do centro
para a periferia. A vila se transforma, e existe uma dimensão brutalmente sonora dessas transformações. Esta
dimensão se revela tanto pelo que ressoa das caixas de som tocando músicas altas nos fins de semana, como
pelo que a pavimentação de estradas – como a BR 163 – possibilita chegar em termos de fluxos de trabalho e
lazer. Durante esta comunicação serão analisadas algumas situações de campo que apontam para a relação
entre escuta, meio ambiente, turismo e urbanização: a organização dos usos de espaços públicos da vila em
função da regulação sonora da festa do Çairé; os impactos indiretos do desmatamento na intimidade de dife-
rentes escutas; e a mobilização contrastante e contraditória da categoria de “meio ambiente” como estratégia
de regulação sonora do social.
Os sentidos produzem lugares, e os lugares produzem sentido, deste modo, não existe uma “paisagem”
sonora ou visual separada da agência e da percepção (FELD 1996; 2015): a formação de ambos está sempre em
relação. Sons não somente circulam, resistem ou são apagados em dinâmicas que acompanham (todavia não
simplesmente refletem) outros fluxos socias. A potência de se pensar a escuta como área de estudos está no fato
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho (GT6), do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
323
de que as escutas – inseparáveis do soar e também dos outros sentidos – são fatores cruciais de organização e
fabricação de mundos (OCHOA 2014). Tendo como ponto de partida fragmentos de trabalho de campo ainda
em andamento e ancorando-se em trabalhos etnomusicológicos que abordam a escuta como algo que tensio-
na separações estanques entre corpo e mundo e entre natureza e cultura (FELD 1996, 2005; OCHOA 2014),
a comunicação apontará para questões a respeito de como o “desenvolvimento” urbano de Alter do Chão e o
“desenvolvimento” econômico do seu entorno deformam e apagam corpos-mundos sonoros. O que, afinal,
seria “escutar” o presente e as transformações sonoras de Alter do Chão em tempos de brutal intensificação do
desmatamento na Amazônia – frente de expansão atual do agronegócio no Brasil?
Num plano mais geral a ser melhor elaborado em trabalho de campo futuro, pretende-se apontar para
as relações entre escuta, urbanização e desmatamento como chave para marcar um problema político da escuta
que é também um problema político da terra e um problema político-sonoro das estratégias de urbanização em
uma região do Brasil – a região Norte – que teve a maior taxa de crescimento da população urbana no último
período intercensitário (entre os anos 2000 e 2010) (BARANDIER E MORAES 2018, 6).

Referências:

BARANDIER, Henrique e Ricardo Moraes. Gestão territorial e cidades na Amazônia: municípios e seus planos
diretores. Revista de administração municipal. Rio de Janeiro, Edição 293 pp5-11. maio 2018.
FELD, Steven. Waterfalls of Song: An Acoustemology of Place Resounding in Bosavi, Papua New Guinea.
Senses of Place. School of American Research Press, 1996.
___________. Acoustemology. IN: NOVAK, David e Matt Sakakeeny. Keywords in Sound. Durham and
London, Duke University Press, 2015.
GONÇALVES DE CARVALHO, Luciana (coord.). Festa do Çairé de Alter do Chão. Santarém: UFOPA, 2016
NOVAK, David. 2·5×6 metres of space: Japanese music coffeehouses and experimental practices of listening.
Popular Music, 27 (2008): 15-34
OCHOA GAUTIER, Ana Maria. Aurality: listening and knowledge in nineteenth century Colombia. Durham:
Duke University Press, 2014.
OLIVEIRA, Alan. Monsanto’s Sounds: Michel Teló e as novas dinâmicas e representações da música brasilei-
ra. In: XI IASPM-AL. outubro de 2014, Salvador.
SAUER, Sérgio e Wellington Almeida (org). Terras e territórios na Amazônia: demandas, desafios e perspec-
tivas. Brasília: Editora UnB, 2011

324
Uma breve cartografia dos anos 80 a partir dos Titãs e da
Legião Urbana: semiótica, mídia e produção de sentidos1
Therence Santiago Alves Feitosa2

Resumo:
A presente investigação se concentra em analisar duas canções produzidas nos anos de 1980 pelas bandas
Legião Urbana e Titãs. A pesquisa, através das lentes do pop rock, apresenta discussões sobre alguns cenários
culturais, sociais e políticos que faziam parte do Brasil naquela época. A ideia é desenvolver “certas cartogra-
fias” do período, a partir de análises das estruturas internas e dos conteúdos das letras dessas canções. O artigo
possui a intenção de mostrar o pop rock da década de 1980, como um instrumento tradutório em relação ao
que viviam alguns jovens (roqueiros) na ocasião. Naquele momento ocorreram diversos diálogos entre mídias,
artistas e público, isso se deu em movimentos miniaturais que aproximaram sujeitos da cultura, objetos da
cultura e natureza/ambiente.

Palavras-chave: semiótica da cultura; pop-rock; mídia; séries de linguagens; tradução.

O disco na vitrola

O presente artigo tem como objeto de estudo duas canções do pop rock brasileiro nos anos de 1980 e
sua relação na construção/produção de sentidos naqueles meandros. Para isso, foi investigado os diálogos de-
senvolvidos no âmbito da cultura, entre os sujeitos da cultura, os objetos da cultura e os ambientes/paisagens
em que viviam esses sujeitos. Para uma melhor abordagem do objeto, foram feitas análises relacionais, direcio-
nadas paras as atenções/ações desprendidas pelas mídias do período, bem como, as ações/representações dos
sujeitos envolvidos.
Buscou-se entender algumas questões importantes que aconteciam no Brasil a partir das produções
culturais, tendo como ponto de partida o rock (que em um determinado momento se tornaria pop rock) pro-
duzido no período. Pensando a música, em específico o pop rock brasileiro dos anos de 1980, surgiram as
seguintes inquietações: como é possível compreender através das canções de algumas bandas do pop rock bra-
sileiro, alguns traços marcantes da sociedade brasileira nos anos de 1980? Quais diálogos foram estabelecidos
entre os sujeitos, as mídias e a cultura nos processos relacionados à comunicação?
Para responder essas inquietações, foram analisadas aqui duas canções de duas das principais bandas
que surgiram naquele momento. São elas: Titãs, a canção Tô cansado3 e a canção Tédio (com T bem grande pra
você)4 da Legião Urbana. A escolha das bandas se deu pelo fato de cada uma (dentro de propostas sonoras/poé-
ticas, regiões, e algumas características expressivas próprias) representar a seu modo, os anseios dos inúmeros
jovens de vários lugares do Brasil (BASTOS, 2005). Tais bandas e as referidas canções investigadas aqui, obtive-
ram sucesso e foram muito escutadas e cantadas dentro da cena musical brasileira. Esses alcances aconteceram
no primeiro momento em esferas regionais, depois, em planos nacionais (pensando aqui tanto as macroesferas,
como as microesferas).
A escolha das bandas e das duas canções na presente investigação se deu pelo fato de ambas expressa-
rem em suas performances sonoras, elementos compósitos antropofágicos (no sentido oswaldiano do conceito).
Acrescenta-se o fato de que nas duas canções diversos elementos tessiturais (semioticamente falando) explo-
diram em potentes narrativas. Essas narrativas, serviram como instrumentos cartográficos que evidenciaram
traços socioculturais marcantes em se tratando de uma significante parcela de jovens, que naquele momento
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Palavra, imagem e som, do IV Simpósio Nacional de Arte e Mídia.
2 Professor no Centro Universitário Carlos Drummond de Andrade (UNIDRUMMOND), Universidade Paulista (UNIP) e na Uni-
versidade Ibirapuera (UNIB). Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. E-mail thefeitosa.rock@gmail.com
3 https://www.letras.mus.br/titas/86506/
4 https://www.letras.mus.br/legiao-urbana/46984/
325
(anos de 1980), “gritavam” performaticamente pelos quatro cantos.
O itinerário trilhado no artigo, seguiu na linha de compreender melhor o que Lótman (1981) define
como “complexo e heterogêneo contexto cultural”. Partindo da compreensão de como ocorreram determina-
dos movimentos da cultura, é possível o desenvolvimento de leituras mais precisas dos fenômenos que compõe
as dinâmicas sociais. Tais leituras, como apontado na presente investigação, evidencia que as relações dentro
“desses contextos”, elucidados por Lótman (1981), sempre se dão de maneira emaranhada, e não ortogonal.
As abordagens aqui elaboradas partiram de premissas qualitativas, onde o posicionamento teórico de-
senvolvido, metodologicamente falando, se concentrou de início, em teorias/elementos da Semiótica da Cul-
tura, da Comunicação e da Antropologia (Bakhtin, Barbero, Canclini, Glissant, Lótman, Pinheiro, Zumthor,
entre outros)5. A investigação se desdobrou em olhares atentos para as maneiras que foram “feitos” os códigos,
bem como, nas formas em que os mesmos possivelmente foram decodificados, ou seja, analisando as canções
(análises internas e externas das letras, e suas combinações com os elementos sonoros/arranjos), procurou-se
perceber os nexos possíveis do fenômeno estudado, com os diversos elementos constituintes dos sistemas de
linguagens presentes naquele momento. Importante apontar aqui, que esses fenômenos foram tecidos nas mi-
croesferas (leitura minha), ou seja, nas relações do cotidiano os desdobramentos criativos ganharam ritmo e
forma, partindo do diminuto, miniatural (daí por exemplo, as duas canções escolhidas darem conta da inten-
ção de “mapeamento” proposto).
As articulações dos códigos dentro dos contextos textuais, pensando nos sistemas de signos, interessam
a investigação, uma vez que a compreensão desses movimentos semióticos evidenciou as maneiras em que os
sistemas de linguagens se formaram, como foram elaborados, e ou reatualizados. Ramos (2010) aponta que os
jovens roqueiros nesse período criaram relações fluídas com tudo que era produzido e divulgado em se tra-
tando do rock. Essa relação acabou gerando possibilidades deles adentrarem nessas novas searas. Alexandre
(2002) relata que os jovens roqueiros a partir dos meios/canais culturais disponíveis perceberam que poderiam
ser ouvidos (no sentido pleno do conceito). Fato que acabou gerando nesses jovens interesses pela criação/pro-
dução e consumo de canções.

Referências

ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002.
BRAIT, Beth (org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto,2005.
BARBERO, Jesús Martín. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2013.
BASTOS, Ana Paula Gondim. A crítica social da indústria cultural: A resistência administrada no rock bra-
sileiro dos anos 80. São Paulo 2005. Dissertação de mestrado –PUC –SP, programa de Pós-Graduação em
Psicologia Social.
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janei-
ro: Editora UFRJ, 2010.
_______. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo: Editora da USP, 2015.
_______. A Sociedade sem Relato: Antropologia e Estética da Imanência. São Paulo. Editora da USP, 2016.
DAPIEVE, Arthur. BRock. O rock brasileiro dos anos 80. 2ª ed. Rio de Janeiro: 34, 1996.
GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora. Editora UFJF, 2005.
LÓTMAN, Iuri, USPENSKII, Boris, IVANÓV, V. Ensaios de Semiótica Soviética. Lisboa. Livros Horizonte,
1981.
RAMOS, Eliana Batista. Rock dos Anos 80: A Construção de uma Alternativa de Contestação Juvenil. Dis-
sertação de Mestrado apresentada em História Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2010.
ZUMTHOR, Paul. Escrituras e Nomadismos. São Paulo. Ateliê Editorial, 2005.

5 Algumas teorias/conceitos utilizados na investigação: o conceito de dialogismo, os processos comunicacionais, os processos de


hibridismos que ocorreram, as poéticas da diversidade, as relações culturais dentro da semiosfera, a mestiçagem presente nas narra-
tivas e nos modos de ser, a materialidade da voz nos fenômenos vividos/produzidos, entre outros.
326
ANEXOS
PROGRAMAÇÃO COMPLETA
PROGRAMAÇÃO COMPLETA

03 de Abril de 2019
(Quarta-feira)
14h - 17h
CREDENCIAMENTO
Local: Hall Auditório Central | UFMA

15h - 15h30
ABERTURA OFICIAL
Local: Auditório Central | UFMA

15h30 - 17h30
PALESTRA
“Conexões entre Arte, Memória e História:
resistindo através da produção feminina negra”
com Rosana Paulino
Mediação: SaraElton Panamby
Local: Auditório Central | UFMA

17h30
PERFORMANCE
“ANCÉS”
com Tieta Macau
Local: Hall Auditório Central | UFMA

328
04 de Abril de 2019
(Quinta-feira)
15h - 16h30
PALESTRA
“Imaginário(s) e visibilidades:
desafios para a reexistência contemporânea”
com Rosane Borges
Mediação: Zefinha Bentivi
Local: Auditório Central | UFMA

16h30 - 18h30
MESA
“Nossas vidas impossíveis
se manifestam umas nas outras”
com Miro Spinelli + Cíntia Guedes
Mediação: Dinho Araújo
Local: Auditório Central | UFMA

05 de Abril de 2019
(Sexta-feira)
14h - 16h30
MESA
“Comunicação e Visibilidade Indígena”
com Genilson Guajajara + Francisco Apurinã
Exibição do filme:
“Festa da menina moça”
Local: Auditório Central | UFMA

16h30 - 18h
PALESTRA
“Imagens Contracoloniais: um olhar do quilombo”
com Antônio Nego Bispo
Mediação: Rose Ferreira
Local: Auditório Central | UFMA

329
OFICINAS
09h - 12h

Fotografia 360°
com Márcio Carneiro
03 de Abril
Local: Labcom - UFMA

Fotografia Pinhole
com Eduardo Cordeiro
03 e 04 de Abril Local: LabFoto IFMA Centro Histórico

Expografia
com Layo Bulhão + Filipe Espindola
03 e 04 de Abril
Local: Lab de Impresso CCSo - UFMA

Cidades PHANTásticas
com GHustavo Távora
03, 04 e 05 de Abril
Local: IFMA Centro Histórico

Por que produzir imagens?


com Andressa Zumpano + Ingrid Barros
04 de Abril
Local: Sala de Vídeo 1 CCSo - UFMA

Experimentos para perseguir rastros de fuga


com Miro Spinelli + Cíntia Guedes
04 e 05 de Abril
Local: Sala Multmídia -
Odylo Costa Filho - Praia Grande

Curadoria de arte: modos de usar


com Beatriz Morgado
05 de Abril
Local: Chão SLZ (Rua do Giz, 167 - Centro Histórico)

330
GRUPOS DE TRABALHOS

03, 04 e 05 de Abril de 2019



09h - 12h
Local: UFMA – CCSo
Salas F-101 a F-105 / Anfiteatro de Comunicação

PROGRAMACAO CULTURAL

05 de Abril de 2019

19h
Imagina(R)existências
Exposição | Performances |Shows | Discotecagem
Local: Chão SLZ
(Rua do Giz, 167 - Centro Histórico)

331

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