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INTRODUÇÃO
Neste artigo, apresentaremos as ações políticas pedagógicas dos movimentos negros enquanto
intervenções que promovem a diversidade, corroboram para o fortalecimento e reconhecimento das
identidades negras e para a luta antirracista nos espaços de educação formal. Para este intento,
utilizamos os resultados encontrados na pesquisa “Para ficar bonita tem que sofrer!: a construção de
identidade capilar para mulheres negras no nível superior” (2010), produzida no campo da Educação,
Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. A pesquisa foi realizada para a finalização de curso
no campo de Ciências Sociais, na Universidade do estado do Rio de Janeiro-UERJ. O estudo teve
como objetivo investigar as representações sociais e percepções estéticas de mulheres, autodeclaradas
negras e pertencentes ao nível superior, em torno de seus corpos e cabelos. Realizamos uma pesquisa
etnográfica baseada na utilização das seguintes ferramentas metodológicas: entrevistas
semiestruturadas (perguntas abertas e fechadas), observação participante, história de vida e história
oral, diário de campo, levantamento bibliográfico e revisão de literatura. Entrevistamos 15 mulheres
que se autodeclaravam negras1. Ativistas de movimento negro, simpatizantes ao movimento negro e
não ativistas sem considerações formadas sobre o movimento negro. O grupo entrevistado era bem
heterogêneo com mulheres oriundas de formações acadêmicas diversas, classe social, religião, bairro
e cidade, geração, orientação sexual e perspectivas políticas distintas. Todo o trabalho de campo foi
realizado em instituições universitárias e de pesquisa, tais comoꓽ Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro/UNIRIO, Universidade Federal Fluminense/UFF, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro/UERJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e na instituição de pesquisa
Fundação Oswaldo Cruz /Fiocruz
No decorrer do processo de composição do estudo etnográfico notamos que os relatos de
nossas entrevistadas enfatizavam a influência das instituições sociais: família, religião e escola, na
1
Para esse trabalho seguimos a definição de população negra para o conjunto de pretos e pardos, conforme a definição adotada
também pelo Movimento Negro do Brasil e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
elaboração de suas identidades corpóreas. Dessas instituições a escola foi referenciada com um dos
principais locais a ajudar a demarcar negativamente a corporeidade negra. Segundo os relatos, o
ambiente escolar foi o espaço onde se vivenciou inúmeras práticas racistas que culminaram em
traumas de origem étnico-racial. Percebemos que a maioria das entrevistadas traziam em seus
discursos experiências ligadas aos preconceitos raciais e que estes eram, de certo modo, constantes
na esfera escolar. Também pudemos perceber que essas situações foram silenciadas e compreendidas
como problemas menores pela escola. De acordo com Cavalleiro (2005, p.147) isto se deve ao fato
de “ao se achar igualitária, livre do preconceito e da discriminação, muitas escolas têm perpetuado
desigualdades de tratamento e minado efetivas oportunidades igualitárias”. Observamos que as
questões relativas às práticas de racismo eram tomadas pelo corpo educativo das seguintes formas:
situações em que se podiam fazer pouco-caso, em outras palavras, os educadores
estavam autorizados a serem indiferentes;
situações em que não precisavam possuir nenhum tipo de estratégia para a eliminação
dos conflitos;
situações em que não necessitavam serem solidários com as vítimas de preconceito e
discriminação.
Passados quinze anos da promulgação da lei federal de n. 10.639/2003 os esforços para sua
execução nos currículos escolares continuam sendo pontuais e dependentes de interesses pessoais dos
docentes como averiguamos na literatura e na pesquisa de Silva e Ferreira (2016). Os entraves para
sua efetivação na Educação Básica contribuem muitíssimo para a permanência de ideologias racistas
e para o não reconhecimento histórico dos africanos e afrodescendentes na história do Brasil e do
mundo. Ou seja, o não cumprimento da lei mantém as mesmas ideias, juízos e valores estigmatizados
sobre os grupos africanos e afro-brasileiros no espaço educacional formal. Acreditamos, conforme
está esboçado nas diretrizes e bases de instalação da lei que a escola:
Tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação
dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a
registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege relações
sociais e raciais, conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e
concerto das nações como espaços democráticos e igualitários [...] Um eqüivoco a
superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento
Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola enquanto instituição social
responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá
se posicionar politicamente [...] contra toda forma de discriminação. A luta pela
superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo qualquer
educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial (Lei
10.639/2003).
Nesta direção, pensamos que seja urgente a presença da lei nos conteúdos curriculares
escolares devido à necessidade de construímos uma educação emancipatória e democrática. Na seção
seguinte versamos sobre os processos de construção identitárias no ambiente escolar e como eles são
nocivos para indivíduos negros (as).
Por essa razão, acreditamos que seja pertinente trazer os fragmentos dos depoimentos de
nossas interlocutoras como forma de desvelar os efeitos do racismo e discriminação racial nos
estudantes negros e negras. A seguir expomos parte do relato de Kesi2, estudante de Serviço Social
da UFRJ, moradora a cidade do Rio de Janeiro, bairro de Jacarepaguá. Ela relata parte de suas
primeiras experiências no ambiente escolar, especificamente na Educação Infantil:
Eu lembro que quando eu era criança, que era coisa muito marcada porque assim é quando
eu. Eu lembro da minha infância um pouco antes de entrar na escolinha, me lembro de
pequenininha minha mãe conversando: “Olha agora você vai entrar na escolinha” sabe?Eu
lembro que ela comprou os caderninhos, ou seja, eu lembro muito bem dessa infância de três,
quatro anos que muitas pessoas não lembram. E aí, assim eu lembro que eu era muito feliz
em casa porque não tinha essa: “Aí ela tem o cabelo duro!”não tinha sabe. O meu cabelo era
igual ao da minha mãe, igual ao do meu pai, não tinha esse problema. E quando foi pra escola
foi muito aquela coisa olha“Você tem cabelo duro. Você é assim! Você é assado”sabe? Aí
eu comecei a perceber essa diferença sabe:“Nossa, eu sou negra!” (KESI, 2010).
2
Os nomes utilizados nesse artigo são fictícios com intuito de resguardar a integridade pessoal de nossas depoentes.
A partir do depoimento de Kesi, podemos notar que o ato de ser reconhecer como negra na
escola ocorrer por experienciar práticas de natureza discriminatória como abordam Gomes (2002) e
Cavalleiro (2005).
A estudante de Psicologia da UERJ, Mondisa, moradora da comunidade Cantagalo no Rio de
Janeiro comenta sobre o processo de não ser reconhecida como bela e branca no ambiente escolar.
Mondisa, filha de um casal negro sempre se considerou mestiça, mas a chegada à universidade
transformou este olhar, contudo na escola ela já mantinha dúvidas sobre quem eraꓽ
Quando eu comecei a ir pra escola, e como eu sempre estudei em escola de gente com
dinheiro, de gente branca, eu não era bonita, eu não era vista como bonita, eu não era olhada,
não tinha mais os traços finos. Porque naquele lugar os meus traços comparados aos das
outras meninas eram grossos nessa linguagem. E não tinha mais isso. e não tinha mais isso.
Então eu comecei a questionar que beleza era essa sabe. Porque lá na favela eu era chamada
de bonita e quando eu ia pra escola no asfalto, no meio que não era o meu, eu já não me via
tão bonita assim (MONDISA, 2010).
Os ambientes escolares descritos por Layla são formados prioritariamente por alunos brancos.
A identidade negra da professora foi marcada por não se identificar nos corpos de seus colegas, num
processo de não reconhecimento e identificação. Como sinaliza Woodward (2000)“O corpo é um dos
locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem somos, servindo para a
identidade”.Neste sentido, Layla percebe a sua negrura a partir da composição étnico-racial das
turmas que frequentou ao longo de sua vida escolar.
Outro ponto a ser mencionado é que nossa entrevistada alega que as informações sobre seu
corpo, cabelo e história e cultura africana são recentes e em processo de construção. Ela nos relata a
sua pertença recente ao movimento negroꓽ
Eu comecei primeiro a frequentar o grupo de estudo do Coletivo D., que é o coletivo de
estudantes negros da UERJ, formado por homens e mulheres negras, depois eu fui meio que
automaticamente também fazendo parte do grupo só de mulheres negras Associação A.
(LAYLA, 2010).
Souza (1983) nos diz que tornar-se negro é um processo de reconstruir a identidade negra por
outras vias, é se afastar da estrutura hegemônica branca narcísica, é ter consciências do processo
ideológico que aliena cabeças e corpos negros. Para nós, o processo de tornar-se negra de Layla está
imbricado na sua participação nos movimentos negros. Para ela, os movimentos negros têm oferecido
a oportunidade de tornar-se negra por outras vias (SOUZA, 1983).
A professora de história, moradora da cidade de São Paulo, Xandê, nos fala sobre os
sofrimentos vivenciados ao longo de sua trajetória escolar:
Difícil né estudar enquanto você é a esquisita, a estranha, nas festas ninguém vai querer
dançar com você, você é a neguinha do cabelo duro. E o ambiente escolar eu acho que é um
ambiente muito perverso, pelo menos para mim e para várias outras crianças negras e
mulheres este ambiente escolar é onde de fato ela vai descobrir e experimentar, né, a questão
do racismo. E na maioria das vezes da forma mais perversa possível (XANDÊ, 2010).
A fala de Xandê nos levar ao seguinte questionamento: será possível tornar-se negro como
defende Souza (1983) em ambientes considerados perversos por nossas entrevistadas? Ainda será
possível tornar-se negro em ambientes que silenciam costumeiramente as abordagens e práticas
racistas?
Verificamos através desses depoimentos que para o negro e mestiço é uma relação complexa
criar identidade positiva no contexto escolar, são inúmeras pesquisas que descrevem o drama racial
brasileiro enfrentado por negros (as) durante o processo de escolarização (CAVALEIRO, 2005;
GOMES, 2002; MUNANGA, 2000 dentre outros). Na seção seguinte versaremos sobre as propostas
e ações educativas dos movimentos negros nas instituições de ensino e os resultados alcançado por
essas iniciativas.
Para Pereira (2013. p147), o movimento negro pode ser definido como movimento social que
tem por especificidade a atuação em relação a questão racial. Considera que a formação do
movimento negro é complexa e engloba um conjunto de entidades, organizações e indivíduos que
lutam contra o racismo e por melhores condições para a população negra.
Pereira (IBIDEM) também salienta as práticas políticas culturais, a construção de
organizações voltadas excepcionalmente para a ação política, as iniciativas no âmbito da educação e
saúde. Além disso, o autor destaca e caracteriza três diferentes fases do movimento negro ao longo
do século XX:
A primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, em 1937; a segunda, do período
que vai do processo de redemocratização, em meados dos anos 1940, até o Golpe militar de
1964; a terceira, quando o movimento negro contemporâneo surge na década de 1970 e ganha
impulso após o início do processo de Abertura política em 1974. A primeira fase teria tido
como ápice a criação e consolidação da FBN (Frente Negra Brasileira) como uma força
política em âmbito nacional [...] nessa primeira fase, teria como principais características a
busca pela inclusão do negro na sociedade, com um caráter “assimilacionista”, sem a busca
pela transformação da ordem social [...] um nacionalismo declarado da Frente Negra
Brasileira. Na segunda fase do movimento destacam-se o Teatro Experimental do Negro
(TEN), fundado por Abdias Nascimento em 1944 no Rio de Janeiro, e a União dos Homens
de Cor (UHC), criada inicialmente em Porto Alegre, m 1943, mas com ramificações em dez
estados da federação. Da mesma forma que na fase anterior, a inclusão da população negra
na sociedade brasileiras [...] continuava como característica importante do movimento. Mas,
por outro lado, a valorização de experiências vindas do exterior, principalmente da África e
dos Estados Unidos.[...] A tradição de luta contra o racismo, identificável nas duas fases
primeiras do movimento negro brasileiro, foi importante para o surgimento, [...] do
movimento negro contemporâneo do Brasil, no início da década de 1970. No entanto,
podemos encontrar várias características especificas nesse movimento contemporâneo, como
[...] a construção de uma identidade negra racializada foram fundamento a partir do qual se
articularam as primeiras organizações (PEREIRA, 2013, p.149, grifo nossos)
Avaliamos que o período da terceira fase do movimento negro é o momento em que aparecem
no cenário brasileiros diversos movimentos sociais. Estes movimentos têm como objetivo atuar para
a consolidação de um sistema democrático. Eles nascem no período de abertura democrática e se
colocam como atores e forças sociais. No bojo destas manifestações como salienta Lima (2005, p.41)ꓽ
Dessa forma, a fala de Kinda revela como as ações políticas dos movimentos negros geraram
resultados significativos e essenciais para as pessoas negras. A partir dos eventos ela e suas primas
tiveram a oportunidade de ser pensar como negras por outras vias de acesso (SOUZA, 1983). Como
podemos observar diferentemente dos estudantes pesquisados por Gomes (2007), Kinda só terá
contato com organizações dos movimentos negros na universidade. O que para nós reitera a
emergência do cumprimento da lei federal n. 10.639/2003 no sistema de ensino.
Abramovay e Castro (2006) e Cirqueira (2014) demonstram que o impacto do racismo no
processo de escolarização de estudantes negros é um dos principais fatores que os levam ao fracasso
escolar e a desistência do sistema de ensino. Neste sentido, o contato de Kinda somente na
universidade com as organizações do movimento negro acaba se traduzindo em certo privilégio se
considerarmos a partir dos dados de acesso ao ensino superior que as mulheres negras não
apresentam, até os dias atuais, as mesmas condições de acesso em relação a homens brancos, negros
e mulheres brancas.
Em relação á acesso ao Ensino Superior, às mulheres negras apresentam as piores condições
de acesso. A taxa líquida compreendida em faixa etária de 18 a 24 anos frequentando a Universidade,
apresenta as mulheres negras em 7,9, as mulheres brancas, 22,15, os homens brancos, 17,37 e os
homens negros, 5,88.
Cirqueira (IBIDEM) considera que devido aos problemas econômicos, sociais e raciais
enfrentados pelos estudantes negros (as) ao longo de sua trajetória escolar, devemos “imaginar que a
(o) estudante que passa por esse nível de ensino é um (a) verdadeiro (a) sobrevivente”. Para Cirqueira
(IBIDEM), a chegada ao nível superior está atrelada a um processo social de desigualdades extremas
entre negros (as) e brancos (as). Este fenômeno pode ser notado através dos dados de acesso ao ensino
superior expostos anteriormente.
Outra entrevistada também comenta a relevância dos movimentos negros em seu processo de
afirmação identitária. Quilamu, estudante de Estética-SENAC-RJ, profissional trançadeira, moradora
da cidade do Rio de Janeiro, bairro Santa Teresa, discorre sobre o papel fundamental dos movimentos
negros para a sua afirmação étnica e estéticaꓽ
Foi através do movimento hip hop que nós fortalecemos a nossa autoestima como jovens
mulheres negras, entendeu? E aí começamos a expressar né essa nossa identidade através do
cabelo. Mas não tinha essa coisa de trançar é...as outras pessoas como e ter isso como forma
de gerar renda. Era uma trançava a outra pra curtir, pra ir pra festa, pra ficar bonita
(QUILAMU, 2010).
Estas participações como colocar Gomes (2007) se refletem na autoestima dos estudantes
negros (as) por ela pesquisados. Do mesmo modo, notamos através das análises das entrevistas que
os movimentos negros ocuparam lugares de destaque e significação para o processo de construção
identitária de nossas entrevistadas. Semelhantemente contribuíram para a autoestima de Layla, Kinda
e Quilamu.
Em relato de experiência “Possibilidades, reflexões e debates a partir de intelectuais negros
na rede pública estadual de ensino, no município de São Gonçalo”, Santos e Oliveira (2017) avaliam
que a inserção da temática étnico-racial através do estudo da trajetória de vida de intelectuais negros
e negra para os estudantes da rede pública de ensino tem impacto extremamente positivo e expressivo
no ensino-aprendizado dos discentes. Segundo os autores os resultados alcançados com atividade são:
Como resultados auferidos revela-se no ambiente escolar o desconhecimento da lei
10.639/2003 nas diversas disciplinas que compõem o currículo escolar por partes dos
docentes, quando os jovens ficam surpresos por não lhes serem apresentados informações a
respeito da presença do negro na construção da sociedade brasileira. Notam que o lugar do
negros e mestiços perpassa todos os espaços sociais para além da determinação operacional.
Identificam que os conteúdos que eles têm acesso ainda seguem orientações de base
eurocêntrica. Percebem o descaso da escola com a Lei 10.639/2003. Refletem que é não é
natural o modo pelo qual vivem nos espaços constituídos em sociedade. E que seus direitos
adquiridos não são dados pelo poder hegemônico e que na realidade são frutos de lutas sociais
através dos seus antepassados e de seus contemporâneos. Também observam que o ambiente
escolar ainda não oferece condições para que eles tenham uma educação de qualidade, no
sentido de dar continuidade aos seus estudos em etapas posteriores e conseguir acessar o
mercado de trabalho. Além, de entender uma série de situações correntes vividas
cotidianamente, que tratam o negro de forma desqualificada nos diversos espaços sociais e
por autoridades constituídas que deveriam tratar a todos com respeito e dignidade.
Adicionalmente consideram que a pesquisa e as reflexões realizadas contribuem em sua
cidadania e consciência de existir dignamente (p.2).
Precisamos dizer que o projeto Educar para a Igualdade Racial e de Gênero já está na sua
sétima edição e segundo as informações do site da ONG CEERT há cerca de 3.000 planos de aulas e
matérias didáticos produzidos por docentes da rede pública e privada para consolidação de uma
educação mais democrática e equitária.
3
As informações podem ser encontradas no site do grupo: https://www.meninasblackpower.com
4
As informações sobre esta iniciativa podem ser encontradas no site da instituição: https://www.ceert.org.br/premio-
educar.
A Organização Governamental de Mulheres Negras Geledés, situada o estado de São Paulo,
também organizou no ano de 2013 um concurso de plano de aula para aplicação da lei. 10.639/2003.
Posteriormente a finalização do concurso os melhores planos de aula podem ser acessados no site
ONG. Abaixo a definição do concurso com seus objetivos:
O concurso tem por objetivo incentivar professores na aplicação da lei 10.639/2003 na
elaboração de planos de aula, abrangendo o ensino básico e fundamental das escolas
municipais, estaduais e particulares de todo o território brasileiro, promovendo e estimulando
o ensino da cultura negra e sua diversidade em sala de aula. Todo material será previamente
analisado e disponibilizado no Portal Geledés para ser utilizado por outros professores,
agregando valor e promovendo a história da cultura negra em todo território nacional, através
da troca de experiências. A premiação do concurso será realizada através de uma Comissão
Julgadora que irá avaliar todos os planos de aula e classificar o melhor de cada estado,
incluindo o Distrito Federal. Os vinte e sete planos de aula são elegíveis à premiação, sendo
que os três melhores serão vencedores (GELEDÉS, 2013)5
Da mesma maneira, podemos falar das iniciativas do Centro de Articulação das Populações
Marginalizadas -CEAP, da cidade do Rio de Janeiro, localizado no bairro Lapa. A ONG-CEAP
promoveu diversos projetos para colaborar na aplicação da legislação de História e Cultura Africana
e Afro-brasileira. São elas:
5
Informações podem ser acessadas no site da ONG GELEDÉS: https://www.geledes.org.br.
6
Informações podem ser encontradas no site ONG CEAP: http://ceaprj.org.br/concurso/.
seminários discutem temas que englobam as diversas problemáticas e perspectivas da
educação para as relações étnico-raciais (2014);
Seminários Caminhos para uma Educação Democrática (desde 2009) – Destinado a
formação continuada de professores, aborda aspectos da LDB, diversidade étnica na
educação e novas tecnologias e saberes pedagógicos nos diversos campos do
cotidiano escolar.
Dessa forma, percebemos que as atuações políticas dos movimentos negros para a aplicação
da lei de História e Cultura Africana e Afro-brasileira (10.639/2003) são contínuas e fundamentais
para a criação de outras imagens do negro e da negra sobre si na sociedade brasileira, principalmente
nos espaços de educação formal. Quando os movimentos negros não estão representados na figura
coletiva, eles se traduzem nesses espaços de educação formal através das intervenções pedagógicas
de docentes comprometidos com a aplicação da legislação e a quebra de ideologias racistas como é
narrado por Santos e Oliveira (2017).
Acreditamos que seja necessário para todos que buscam a construção de educação
democrática problematizem às questões étnico-raciais e os conflitos originados por elas. Nosso estudo
se deteve as práticas racistas que ocorrem no espaço escolar e nas diversas ações, estratégias, formas
de combate dos movimentos negros para eliminá-las. Focalizamos as experiências racistas
vivenciadas por nossas interlocutoras como seus relatos essenciais para compreendermos as minucias
do racismo. Com isso, abordamos como o racismo causa traumas indeléveis em suas vítimas. Além
disso, apresentamos as instituições de educação formal como espaços permissivos para tais
ocorrências. Problematizamos a não aplicação da Lei federal de n. 10.639/2003 como um dos
principais fatores que mantém as ideias racistas e discriminatórias sobre as pessoas negras e as
populações africanas. Mostramos as práticas educativas dos movimentos negros como caminhos a
serem seguidos para a construção de identidades afirmativas para as pessoas negras, bem como um
modo de educação que possibilita aos brasileiros, negros e não negros a reconhecerem na história do
país a participação dos africanos e afro-brasileiras na construção da nação e igualmente perceber a
participação das populações africanas na construção da história da humanidade.
Demonstramos como as práticas políticas pedagógicas dos movimentos negros, nas suas mais
diversas composições, afetam os estudantes de maneira considerável e possibilitam outras afirmações
de identidade estética e negra. Através dos relatos de nossas interlocutoras trouxemos para o debate
parte do desespero que crianças negras passam na estrutura escolar que além de não mencionar a
existência de grandes feitos da população africana e afro-brasileira, geralmente nega e silencia as
práticas racistas. Do mesmo modo, utilizamos fragmento dos depoimentos para mostrar como as
mesmas interlocutoras que foram ao longo das trajetórias escolares vítimas das mais variadas formas
de violência racista a partir do contato com atividades dos movimentos negros tiveram possibilidade
de ressignificar seu lugar na história e sociedade (GOMES, 2002; SOUZA, 1983).
Dessa maneira, chegamos as considerações finais desse trabalho apontando a importância das
atividades pedagógicas das organizações negras que fragmentam os discursos colonizantes e racistas
sobre as populações, historicamente, marginalizadas. No entanto, ao longo do levantamento
bibliográfico e da revisão de literatura percebemos que elas poucos são estudadas no campo da
Educação e Ciências Sociais. Pensamos que cabe mais investigações acerca dessas iniciativas que
pelo que vimos são fundamentais para causar outras vozes. Esperamos que esse trabalho iniciante
possibilite aos educadores pensar estratégias que ponham em prática a legislação de História e Cultura
Africana e Afro-brasileira (10.639/2003).
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