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QUANDO OS MOVIMENTOS NEGROS EDUCAM: AS AÇÕES

PEDAGÓGICAS DOS MOVIMENTOS NA CONSTRUÇÃO DE


EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E IDENTIDADES AFIRMATIVAS

INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentaremos as ações políticas pedagógicas dos movimentos negros enquanto
intervenções que promovem a diversidade, corroboram para o fortalecimento e reconhecimento das
identidades negras e para a luta antirracista nos espaços de educação formal. Para este intento,
utilizamos os resultados encontrados na pesquisa “Para ficar bonita tem que sofrer!: a construção de
identidade capilar para mulheres negras no nível superior” (2010), produzida no campo da Educação,
Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. A pesquisa foi realizada para a finalização de curso
no campo de Ciências Sociais, na Universidade do estado do Rio de Janeiro-UERJ. O estudo teve
como objetivo investigar as representações sociais e percepções estéticas de mulheres, autodeclaradas
negras e pertencentes ao nível superior, em torno de seus corpos e cabelos. Realizamos uma pesquisa
etnográfica baseada na utilização das seguintes ferramentas metodológicas: entrevistas
semiestruturadas (perguntas abertas e fechadas), observação participante, história de vida e história
oral, diário de campo, levantamento bibliográfico e revisão de literatura. Entrevistamos 15 mulheres
que se autodeclaravam negras1. Ativistas de movimento negro, simpatizantes ao movimento negro e
não ativistas sem considerações formadas sobre o movimento negro. O grupo entrevistado era bem
heterogêneo com mulheres oriundas de formações acadêmicas diversas, classe social, religião, bairro
e cidade, geração, orientação sexual e perspectivas políticas distintas. Todo o trabalho de campo foi
realizado em instituições universitárias e de pesquisa, tais comoꓽ Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro/UNIRIO, Universidade Federal Fluminense/UFF, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro/UERJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e na instituição de pesquisa
Fundação Oswaldo Cruz /Fiocruz
No decorrer do processo de composição do estudo etnográfico notamos que os relatos de
nossas entrevistadas enfatizavam a influência das instituições sociais: família, religião e escola, na

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Para esse trabalho seguimos a definição de população negra para o conjunto de pretos e pardos, conforme a definição adotada
também pelo Movimento Negro do Brasil e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
elaboração de suas identidades corpóreas. Dessas instituições a escola foi referenciada com um dos
principais locais a ajudar a demarcar negativamente a corporeidade negra. Segundo os relatos, o
ambiente escolar foi o espaço onde se vivenciou inúmeras práticas racistas que culminaram em
traumas de origem étnico-racial. Percebemos que a maioria das entrevistadas traziam em seus
discursos experiências ligadas aos preconceitos raciais e que estes eram, de certo modo, constantes
na esfera escolar. Também pudemos perceber que essas situações foram silenciadas e compreendidas
como problemas menores pela escola. De acordo com Cavalleiro (2005, p.147) isto se deve ao fato
de “ao se achar igualitária, livre do preconceito e da discriminação, muitas escolas têm perpetuado
desigualdades de tratamento e minado efetivas oportunidades igualitárias”. Observamos que as
questões relativas às práticas de racismo eram tomadas pelo corpo educativo das seguintes formas:
 situações em que se podiam fazer pouco-caso, em outras palavras, os educadores
estavam autorizados a serem indiferentes;
 situações em que não precisavam possuir nenhum tipo de estratégia para a eliminação
dos conflitos;
 situações em que não necessitavam serem solidários com as vítimas de preconceito e
discriminação.

Sublinhamos que os espaços de educação formal foram descritos e compreendidos como


instituições responsáveis pela disseminação de aspectos negativos para a construção da identidade
negra ao reiterar a imagem do negro, no que se refere a história, apenas na condição de escravizado.
Os sujeitos da pesquisa abordaram que ao longo da trajetória escolar a corporeidade negra era
associada constantemente a características físicas e morais pejorativas, tais como fealdade, ruindade
e maldade (GOMES, 2002). Além disso, argumentaram que não foi nesse ambiente que aprenderam
a valorizar, a construir ou ressignificar identidade, história e cultura africana e afro-brasileira
(GOMES, 2002). Pelo contrário, as memórias que trazem deles são de incessante sofrimento,
negação, desvalorização e desinformação sobre quaisquer aspectos das culturas africanas e afro-
brasileiras. De tal modo, que os levaram a renegar durante parte de seu percurso escolar e acadêmico
os elementos simbólicos de negritude e os sinais de pertença étnica.
Diante do exposto, buscamos nesse estudo responder as seguintes questões: como o espaço de
educação formal, a escola, interfere nas construções corpóreas de pessoas negras; quais são as
principais representações acessadas pelos indivíduos negros nesses ambientes e como as práticas
políticas dos movimentos negros auxiliam na criação de outras imagens e concepções sobre ser negra
e como elas ajudam a transformar o ambiente escolar?
Precisamos dizer que os pressupostos teóricos e metodológicos da nossa pesquisa são
baseados nos debates da Educação e Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. A pesquisa foi
uma abordagem qualitativa, uma etnografia, que procurou investigar os comportamentos e
representações estéticas e identitárias de mulheres negras tendo como base as suas trajetórias de vida.
Fizemos treze entrevistas como mulheres autodeclaradas negras do estado do Rio de Janeiro e outras
duas entrevistas com uma mulher do estado de Pernambuco e outra do estado de São Paulo.
O trabalho está dividido da seguinte maneiraꓽ primeiramente, o debate sobre a urgência de
aplicação da lei federal 10.639/2003 na Educação Básica, no segundo momento serão apresentados
os fragmentos das entrevistas e as análises antropológicas e das relações étnico-raciais na educaçãoꓼ
no terceiro momento a definição de movimento negro e as questões relativas às suas práticas
pedagógicas e por fim as considerações finais.

I. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI FEDERAL DE N. 10.639/2003 NA


EDUCAÇÃO BÁSICA: A URGÊNCIA DE SUA APLICAÇÃO

Pesquisas que investigam a respeito da implantação da lei federal de n. 10.639/2003 de


História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação Básica relatam que embora seja uma
legislação vigente os docentes brasileiros não a introduzem em seus currículos escolares. Santana e
Alves (2010), em estudo no município de Itapetininga (SP), demonstram como as iniciativas de
aplicação da referida lei são inexistentes no contexto pedagógico brasileiro.
Silva (2011, p.283) também analisa a inserção da lei no município de São João de Meriti-
(RJ). Neste trabalho, a autora percebe “a dificuldade de entendimento das questões referentes ao
preconceito racial e o impacto da ideologia da democracia racial na sociedade brasileira mostrou-
se com um dos fatores que tem impedido a implementação da lei 10.632003”.
Silva e Ferreira (2016) alertam para a não efetivação da lei nos currículos escolares do Colégio
Pedro II, Campus Humaita. A partir de pesquisa exploratória com aplicação de questionários com
perguntas fechadas e abertas e tendo como foco saber se os professores (as) de Sociologia, História e
Geografia no Campus Humaitá II do Colégio Pedro II estariam executando a lei observam:
A pesquisa também mostrou que apesar de promulgação das duas legislações terem “mudado
muito” a prática pedagógica dos professores e professoras essa mudança de postura diante
dos novos conteúdos não tem nenhum apoio na sua formação acadêmica. Em outras palavras,
foi unânime na pesquisa a resposta negativa à indagação sobre se tinham tido contato com os
conteúdos de história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros ao longo de
sua trajetória acadêmica. Portanto, pode-se fazer a leitura de que a implementação dos
conteúdos das referidas leis não encontram respaldo na formação dos(as) docentes nas
disciplinas de humanidades. O sucesso dessa empreitada no que se refere à consecução dos
objetivos da lei depende de uma vontade individual de procurar conhecer e se especializar
nos conteúdos. Isso pode ter uma relação direta com a outra resposta sobre se implementa as
obrigações legais dessas duas leis na prática pedagógica. A pesquisa mostrou que alguns não
implementam essa obrigação e a maioria implementa parcialmente (p.21)

Passados quinze anos da promulgação da lei federal de n. 10.639/2003 os esforços para sua
execução nos currículos escolares continuam sendo pontuais e dependentes de interesses pessoais dos
docentes como averiguamos na literatura e na pesquisa de Silva e Ferreira (2016). Os entraves para
sua efetivação na Educação Básica contribuem muitíssimo para a permanência de ideologias racistas
e para o não reconhecimento histórico dos africanos e afrodescendentes na história do Brasil e do
mundo. Ou seja, o não cumprimento da lei mantém as mesmas ideias, juízos e valores estigmatizados
sobre os grupos africanos e afro-brasileiros no espaço educacional formal. Acreditamos, conforme
está esboçado nas diretrizes e bases de instalação da lei que a escola:
Tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação
dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a
registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege relações
sociais e raciais, conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e
concerto das nações como espaços democráticos e igualitários [...] Um eqüivoco a
superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento
Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola enquanto instituição social
responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá
se posicionar politicamente [...] contra toda forma de discriminação. A luta pela
superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo qualquer
educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial (Lei
10.639/2003).

Nesta direção, pensamos que seja urgente a presença da lei nos conteúdos curriculares
escolares devido à necessidade de construímos uma educação emancipatória e democrática. Na seção
seguinte versamos sobre os processos de construção identitárias no ambiente escolar e como eles são
nocivos para indivíduos negros (as).

II. HÁ CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE NEGRAS NA ESCOLA?

Castro e Abramovay (2006) apresentam dados alarmantes sobre as implicações do racismo


na educação básica. Os resultados da investigação revelam desigualdades acentuadas nas
proficiências médias entre negros e brancos.
No Saeb de 2003, não apenas os alunos brancos alcançaram uma proficiência média maior
que a dos alunos negros em todas as séries pesquisadas, como também essas diferenças entre
as médias de brancos e negros aumentam à medida que os alunos avançam no sistema
educacional. Ou seja, as menores diferenças entre as proficiências médias de alunos brancos
e negros são encontradas na 4ª série do ensino fundamental, havendo um aumento tanto na
8ª série do ensino fundamental quanto na 3ª série do ensino médio (CASTROꓽ
ABRAMOVAY, 2006, p.106).

Os índices socioeconômicos similares e situações educacionais idênticas apresentados na


pesquisa demonstram que o desempenho de negros é mais baixo do que de brancos. E como podemos
verificar as diferenças de desempenho médio aumentam ao passo que os estudantes avançam nas
séries do sistema educacional. As pesquisadoras concluem que a discriminação racial tem sido um
fator preponderante no baixo rendimento escolar, no aumento e possibilidade de repetência, além de
atuar como redutor na frequência às salas de aulas por parte desses estudantes (SANTOS, 2017, p.1).
Cavalleiro (2005) diz que as discriminações raciais, no cotidiano escolar, acarretam para os
indivíduos negros:
Auto-rejeiçao, desenvolvimento de baixa auto-estima com ausência de reconhecimento de
capacidade pessoal; rejeição ao seu outro igual racialmente; timidez, pouca ou nenhuma
participação em sala de aula; ausência de reconhecimento positivo de seu pertencimento
racial; dificuldades no processo de aprendizagem; recusa em ir à escola e, consequentemente,
evasão escolar. Para o aluno branco, ao contrário acarretam a cristalização de um sentimento
irreal de superioridade, proporcionando a criação de um circulo vicioso que reforça a
discriminação racial no cotidiano escolar, bem como em outros espaços da esfera pública
(p.12)

Por essa razão, acreditamos que seja pertinente trazer os fragmentos dos depoimentos de
nossas interlocutoras como forma de desvelar os efeitos do racismo e discriminação racial nos
estudantes negros e negras. A seguir expomos parte do relato de Kesi2, estudante de Serviço Social
da UFRJ, moradora a cidade do Rio de Janeiro, bairro de Jacarepaguá. Ela relata parte de suas
primeiras experiências no ambiente escolar, especificamente na Educação Infantil:

Eu lembro que quando eu era criança, que era coisa muito marcada porque assim é quando
eu. Eu lembro da minha infância um pouco antes de entrar na escolinha, me lembro de
pequenininha minha mãe conversando: “Olha agora você vai entrar na escolinha” sabe?Eu
lembro que ela comprou os caderninhos, ou seja, eu lembro muito bem dessa infância de três,
quatro anos que muitas pessoas não lembram. E aí, assim eu lembro que eu era muito feliz
em casa porque não tinha essa: “Aí ela tem o cabelo duro!”não tinha sabe. O meu cabelo era
igual ao da minha mãe, igual ao do meu pai, não tinha esse problema. E quando foi pra escola
foi muito aquela coisa olha“Você tem cabelo duro. Você é assim! Você é assado”sabe? Aí
eu comecei a perceber essa diferença sabe:“Nossa, eu sou negra!” (KESI, 2010).

2
Os nomes utilizados nesse artigo são fictícios com intuito de resguardar a integridade pessoal de nossas depoentes.
A partir do depoimento de Kesi, podemos notar que o ato de ser reconhecer como negra na
escola ocorrer por experienciar práticas de natureza discriminatória como abordam Gomes (2002) e
Cavalleiro (2005).
A estudante de Psicologia da UERJ, Mondisa, moradora da comunidade Cantagalo no Rio de
Janeiro comenta sobre o processo de não ser reconhecida como bela e branca no ambiente escolar.
Mondisa, filha de um casal negro sempre se considerou mestiça, mas a chegada à universidade
transformou este olhar, contudo na escola ela já mantinha dúvidas sobre quem eraꓽ

Quando eu comecei a ir pra escola, e como eu sempre estudei em escola de gente com
dinheiro, de gente branca, eu não era bonita, eu não era vista como bonita, eu não era olhada,
não tinha mais os traços finos. Porque naquele lugar os meus traços comparados aos das
outras meninas eram grossos nessa linguagem. E não tinha mais isso. e não tinha mais isso.
Então eu comecei a questionar que beleza era essa sabe. Porque lá na favela eu era chamada
de bonita e quando eu ia pra escola no asfalto, no meio que não era o meu, eu já não me via
tão bonita assim (MONDISA, 2010).

Mesmo encontrando silenciamentos no contexto escolar sobre sua pertença étnico-racial


Mondisa começa a refletir porquê o seu padrão de beleza era exaltado no “morro” e na escola não era
recebida como bela. Constatamos que as primeiras apreensões realizadas por nossa interlocutora as
leva a crê numa possível condição estética de feiura e de não se ajustar ao local de estudo.
Layla, professora de Língua Portuguesa e Literatura da rede estadual, moradora da cidade do
Rio de Janeiro, no bairro de Jacarepaguá e militante do movimento negro, discorre sobre seu percurso
escolar em instituições privadas de ensino. Descreve a experiência de ser a exceção negra em
ambientes, majoritariamente, compostos por estudantes brancosꓽ

No CA, eu só me lembro de crianças brancas, na primaria série só me lembro de ter estudado


primeira série, na quarta série a tá.. teve um colégio deixa eu ver se tinha crianças pretas.
Tinha sim eu estudava me lembro que as crianças pretas que tinham eram tipo deveriam ser
mistura de negro com índios. Sempre tinha um cabelo assim mais macio, cacheado e nunca
assim um cabelo crespo ou “blackzinho” não tinha. E na quarta série tinha um menino negro
assim. Mas engraçado todos os era só menina assim e a maioria era branco (LAYLA, 2010).

Os ambientes escolares descritos por Layla são formados prioritariamente por alunos brancos.
A identidade negra da professora foi marcada por não se identificar nos corpos de seus colegas, num
processo de não reconhecimento e identificação. Como sinaliza Woodward (2000)“O corpo é um dos
locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem somos, servindo para a
identidade”.Neste sentido, Layla percebe a sua negrura a partir da composição étnico-racial das
turmas que frequentou ao longo de sua vida escolar.
Outro ponto a ser mencionado é que nossa entrevistada alega que as informações sobre seu
corpo, cabelo e história e cultura africana são recentes e em processo de construção. Ela nos relata a
sua pertença recente ao movimento negroꓽ
Eu comecei primeiro a frequentar o grupo de estudo do Coletivo D., que é o coletivo de
estudantes negros da UERJ, formado por homens e mulheres negras, depois eu fui meio que
automaticamente também fazendo parte do grupo só de mulheres negras Associação A.
(LAYLA, 2010).

Souza (1983) nos diz que tornar-se negro é um processo de reconstruir a identidade negra por
outras vias, é se afastar da estrutura hegemônica branca narcísica, é ter consciências do processo
ideológico que aliena cabeças e corpos negros. Para nós, o processo de tornar-se negra de Layla está
imbricado na sua participação nos movimentos negros. Para ela, os movimentos negros têm oferecido
a oportunidade de tornar-se negra por outras vias (SOUZA, 1983).
A professora de história, moradora da cidade de São Paulo, Xandê, nos fala sobre os
sofrimentos vivenciados ao longo de sua trajetória escolar:
Difícil né estudar enquanto você é a esquisita, a estranha, nas festas ninguém vai querer
dançar com você, você é a neguinha do cabelo duro. E o ambiente escolar eu acho que é um
ambiente muito perverso, pelo menos para mim e para várias outras crianças negras e
mulheres este ambiente escolar é onde de fato ela vai descobrir e experimentar, né, a questão
do racismo. E na maioria das vezes da forma mais perversa possível (XANDÊ, 2010).

A fala de Xandê nos levar ao seguinte questionamento: será possível tornar-se negro como
defende Souza (1983) em ambientes considerados perversos por nossas entrevistadas? Ainda será
possível tornar-se negro em ambientes que silenciam costumeiramente as abordagens e práticas
racistas?
Verificamos através desses depoimentos que para o negro e mestiço é uma relação complexa
criar identidade positiva no contexto escolar, são inúmeras pesquisas que descrevem o drama racial
brasileiro enfrentado por negros (as) durante o processo de escolarização (CAVALEIRO, 2005;
GOMES, 2002; MUNANGA, 2000 dentre outros). Na seção seguinte versaremos sobre as propostas
e ações educativas dos movimentos negros nas instituições de ensino e os resultados alcançado por
essas iniciativas.

III. A ATUAÇÃO DOS MOVIMENTOS NEGROS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Para Pereira (2013. p147), o movimento negro pode ser definido como movimento social que
tem por especificidade a atuação em relação a questão racial. Considera que a formação do
movimento negro é complexa e engloba um conjunto de entidades, organizações e indivíduos que
lutam contra o racismo e por melhores condições para a população negra.
Pereira (IBIDEM) também salienta as práticas políticas culturais, a construção de
organizações voltadas excepcionalmente para a ação política, as iniciativas no âmbito da educação e
saúde. Além disso, o autor destaca e caracteriza três diferentes fases do movimento negro ao longo
do século XX:
A primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, em 1937; a segunda, do período
que vai do processo de redemocratização, em meados dos anos 1940, até o Golpe militar de
1964; a terceira, quando o movimento negro contemporâneo surge na década de 1970 e ganha
impulso após o início do processo de Abertura política em 1974. A primeira fase teria tido
como ápice a criação e consolidação da FBN (Frente Negra Brasileira) como uma força
política em âmbito nacional [...] nessa primeira fase, teria como principais características a
busca pela inclusão do negro na sociedade, com um caráter “assimilacionista”, sem a busca
pela transformação da ordem social [...] um nacionalismo declarado da Frente Negra
Brasileira. Na segunda fase do movimento destacam-se o Teatro Experimental do Negro
(TEN), fundado por Abdias Nascimento em 1944 no Rio de Janeiro, e a União dos Homens
de Cor (UHC), criada inicialmente em Porto Alegre, m 1943, mas com ramificações em dez
estados da federação. Da mesma forma que na fase anterior, a inclusão da população negra
na sociedade brasileiras [...] continuava como característica importante do movimento. Mas,
por outro lado, a valorização de experiências vindas do exterior, principalmente da África e
dos Estados Unidos.[...] A tradição de luta contra o racismo, identificável nas duas fases
primeiras do movimento negro brasileiro, foi importante para o surgimento, [...] do
movimento negro contemporâneo do Brasil, no início da década de 1970. No entanto,
podemos encontrar várias características especificas nesse movimento contemporâneo, como
[...] a construção de uma identidade negra racializada foram fundamento a partir do qual se
articularam as primeiras organizações (PEREIRA, 2013, p.149, grifo nossos)

Avaliamos que o período da terceira fase do movimento negro é o momento em que aparecem
no cenário brasileiros diversos movimentos sociais. Estes movimentos têm como objetivo atuar para
a consolidação de um sistema democrático. Eles nascem no período de abertura democrática e se
colocam como atores e forças sociais. No bojo destas manifestações como salienta Lima (2005, p.41)ꓽ

Um novo impulso é dado ao movimento negro, em virtude do surgimento Movimento Negro


Unificado contra a Discriminação Racial (MNCDR), em 1978, na cidade de São Paulo,
constituído a partir de uma to de protesto pelas mortes dos trabalhadores Robson Silveira da
Luz, em Guaianazes, e de Newton Lourenço, no bairro da Lapa, pela polícia. Essa
organização, além dos atos de denúncia, buscou situar que as desigualdades entre negros e
brancos não se davam apenas pela luta de classes, assim como indicava importância da
questão da educação como uma bandeira prioritária.

Lima (ibidem) ressalta:ꓽ

Para além da denúncia do racismo e das desigualdades raciais perpetuadas historicamente


nos sistemas de ensino, o movimento negro elaborou propostas pedagógicas e de intervenção,
em contraposição a um cotidiano singular e etnocêntrico nos espaços educacionais.
Nesta perspectiva de evidenciar as ações educativas dos movimentos negros no ambiente
escolar o cientista social Ivan Costa Lima (2005) realiza estudo pesquisando sobre a Pedagogia
Interétnica na cidade de Salvador. O autor considera três iniciativas no Brasil como Pedagogia
Interétnica, a (PI) do Núcleo Cultural Afro-brasileiro em Salvador em 1978, a Pedagogia Multirracial
(PM) desenvolvida por Maria José Lopes e por último a proposta elaborada em Santa Catarina pelo
programa de Educação do Núcleo de Estudos Negros (NEN) em 2000. As propostas narradas pelo
estudioso acontecem no espaço de educação formal através de organizações dos movimentos negros
institucionalizadas em setores públicos, transcorrendo em Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e
Indígenas (NEABI) o NEN ou em grupos organizados fora das intuições públicas e particulares de
ensino as Organizações Não Governamentais (ONG), Associações ou Coletivos.
O sociólogo observa como a aplicação das propostas pedagógicas do movimento negro “nos
espaços de educação impulsionaram a abertura para a busca de uma educação que incorporasse os
valores culturais e históricos de origem africana” (2005, p.51).
Outra autora que investiga as práticas pedagógicas do movimento negro é Ana Beatriz Gomes.
Ela as descreve em sua tese de doutorado A pedagogia do Movimento Negro em Instituições de Ensino
em Teresina, Piauí: as experiências do NEAB ÌFARADÁ e do Centro Afrocultural “Coisa de Nego”
(2007)”. A pesquisadora ao descrever o protagonismo de dois grupos do movimento negros nas
escolas públicas de Teresina –Piauí revela o impacto positivo das intervenções na mentalidade dos
estudantes negros (as) e não – negros (as)ꓽ
A participação dos (as) alunos (as) das escolas pesquisadas nas atividades pedagógicas dos
projetos desenvolvidos com os grupos do Movimento Negro que expressaram a presença das
africanidades através da história, da literatura, do teatro, das artes, da educação, da saúde, da
religião, da dança, do ritmo, da música, da percussão e da corporeidade interferiu de maneira
positiva na afirmação da identidade, mesmo que tal processo não tenha se dado de forma
consciente. Os (as) alunos (as) afirmam que, após o envolvimento com a linguagem cultural
e aquisição de conhecimentos, passaram a se ver mais como afrodescendentes e a se orgulhar
mais da cultura de seus antepassados. Além disso, a participação em outros espaços culturais,
sociais, políticos e educativos que primam pelo respeito à diversidade étnica também
contribui para essa afirmação (GOMES, 2007, p.70)

Algumas de nossas entrevistadas também expuseram em seus relatos a participação em


eventos promovidos pelos movimentos negros e como eles foram primordiais para construírem outras
representações sobre sua corporeidade e autoestima, sobretudo, auxiliaram a desfazer as imagens
distorcidas (etnocêntricas) que aprenderam a construir sobre si e sobre as culturas africanas e afro-
brasileiras ao longo de sua trajetória escolar. Kinda, estudante de Filosofia da UERJ, moradora do
bairro da Penha, discorre que sua participação em eventos ministrados pelo movimento negro foram
fundamentais para se tornar negraꓽ
Depois que elas (primas) conheceram o pessoal e tal (pessoas do movimento negro). Aí a
gente começou a mudar mesmo. Essa conjuntura (de beleza) assim, mas antes não, antes não
[...] Porque quando eu era...principalmente quando eu era criança né o padrão de beleza não
é ter o cabelão cheio, você se toda desconjuntada, você tem que ser igual a uma princesa, ter
cabelo louro, liso, escorrido, olho azul.[...] Então me assumir como mulher negra, é isso que
me faz realmente assumir meu cabelo, a gostar do meu cabelo (KINDA, 2010).

Dessa forma, a fala de Kinda revela como as ações políticas dos movimentos negros geraram
resultados significativos e essenciais para as pessoas negras. A partir dos eventos ela e suas primas
tiveram a oportunidade de ser pensar como negras por outras vias de acesso (SOUZA, 1983). Como
podemos observar diferentemente dos estudantes pesquisados por Gomes (2007), Kinda só terá
contato com organizações dos movimentos negros na universidade. O que para nós reitera a
emergência do cumprimento da lei federal n. 10.639/2003 no sistema de ensino.
Abramovay e Castro (2006) e Cirqueira (2014) demonstram que o impacto do racismo no
processo de escolarização de estudantes negros é um dos principais fatores que os levam ao fracasso
escolar e a desistência do sistema de ensino. Neste sentido, o contato de Kinda somente na
universidade com as organizações do movimento negro acaba se traduzindo em certo privilégio se
considerarmos a partir dos dados de acesso ao ensino superior que as mulheres negras não
apresentam, até os dias atuais, as mesmas condições de acesso em relação a homens brancos, negros
e mulheres brancas.
Em relação á acesso ao Ensino Superior, às mulheres negras apresentam as piores condições
de acesso. A taxa líquida compreendida em faixa etária de 18 a 24 anos frequentando a Universidade,
apresenta as mulheres negras em 7,9, as mulheres brancas, 22,15, os homens brancos, 17,37 e os
homens negros, 5,88.

Tabela de Escolaridade da população brasileira ajustadas por raça e gênero


Ano de escolaridade
Homens Brancos 8,4
Mulheres Brancas 8,18
Homens Negros 6,12
Mulheres Negras 6,5
*Dados BRASIL. IBGE. PNDA, 2007.

Cirqueira (IBIDEM) considera que devido aos problemas econômicos, sociais e raciais
enfrentados pelos estudantes negros (as) ao longo de sua trajetória escolar, devemos “imaginar que a
(o) estudante que passa por esse nível de ensino é um (a) verdadeiro (a) sobrevivente”. Para Cirqueira
(IBIDEM), a chegada ao nível superior está atrelada a um processo social de desigualdades extremas
entre negros (as) e brancos (as). Este fenômeno pode ser notado através dos dados de acesso ao ensino
superior expostos anteriormente.
Outra entrevistada também comenta a relevância dos movimentos negros em seu processo de
afirmação identitária. Quilamu, estudante de Estética-SENAC-RJ, profissional trançadeira, moradora
da cidade do Rio de Janeiro, bairro Santa Teresa, discorre sobre o papel fundamental dos movimentos
negros para a sua afirmação étnica e estéticaꓽ
Foi através do movimento hip hop que nós fortalecemos a nossa autoestima como jovens
mulheres negras, entendeu? E aí começamos a expressar né essa nossa identidade através do
cabelo. Mas não tinha essa coisa de trançar é...as outras pessoas como e ter isso como forma
de gerar renda. Era uma trançava a outra pra curtir, pra ir pra festa, pra ficar bonita
(QUILAMU, 2010).

Em outro momento, Quilamu relembra a participação de toda a sua família em movimentos


negros.
A minha família mesmo não é muito engajada, quer dizer minha família não é tão engajada
como a família da Quênia que é pai, mãe, tia, avô e papagaio. Começou com a minha tia, que
é mãe da Marlise que é de movimento negro, que é da ONG Maria Mulher lá no Sul. Aí sim
nosso, na realidade nosso estreitamento né com o movimento negro começou por esse viés,
por conta da família da Quênia por sermos amigos desde infância. Teve um grupo de
mulheres chamado Voudu de muitos anos atrás e aí eu me lembro assim que era só de
mulheres, mas meu pai por ser assim um pouco de faz tudo entrou, por ser um pouco de
carpinteiro, eletricista, então ele ajudava na parte de cenário, e tal. Nós fizemos algumas
apresentações de criança assim, nós fizemos algumas apresentações, em apresentações do
Iya Dudu que tinha essa questão assim da arte, elas dançavam, contracenavam (QUILAMU,
2010).

Estas participações como colocar Gomes (2007) se refletem na autoestima dos estudantes
negros (as) por ela pesquisados. Do mesmo modo, notamos através das análises das entrevistas que
os movimentos negros ocuparam lugares de destaque e significação para o processo de construção
identitária de nossas entrevistadas. Semelhantemente contribuíram para a autoestima de Layla, Kinda
e Quilamu.
Em relato de experiência “Possibilidades, reflexões e debates a partir de intelectuais negros
na rede pública estadual de ensino, no município de São Gonçalo”, Santos e Oliveira (2017) avaliam
que a inserção da temática étnico-racial através do estudo da trajetória de vida de intelectuais negros
e negra para os estudantes da rede pública de ensino tem impacto extremamente positivo e expressivo
no ensino-aprendizado dos discentes. Segundo os autores os resultados alcançados com atividade são:
Como resultados auferidos revela-se no ambiente escolar o desconhecimento da lei
10.639/2003 nas diversas disciplinas que compõem o currículo escolar por partes dos
docentes, quando os jovens ficam surpresos por não lhes serem apresentados informações a
respeito da presença do negro na construção da sociedade brasileira. Notam que o lugar do
negros e mestiços perpassa todos os espaços sociais para além da determinação operacional.
Identificam que os conteúdos que eles têm acesso ainda seguem orientações de base
eurocêntrica. Percebem o descaso da escola com a Lei 10.639/2003. Refletem que é não é
natural o modo pelo qual vivem nos espaços constituídos em sociedade. E que seus direitos
adquiridos não são dados pelo poder hegemônico e que na realidade são frutos de lutas sociais
através dos seus antepassados e de seus contemporâneos. Também observam que o ambiente
escolar ainda não oferece condições para que eles tenham uma educação de qualidade, no
sentido de dar continuidade aos seus estudos em etapas posteriores e conseguir acessar o
mercado de trabalho. Além, de entender uma série de situações correntes vividas
cotidianamente, que tratam o negro de forma desqualificada nos diversos espaços sociais e
por autoridades constituídas que deveriam tratar a todos com respeito e dignidade.
Adicionalmente consideram que a pesquisa e as reflexões realizadas contribuem em sua
cidadania e consciência de existir dignamente (p.2).

Santos e Oliveira (2017) afirmam no texto o lugar de docentes negros, ativistas e


comprometidos com as questões relativas aos direitos das populações negras brasileiras.
Enquanto docentes negros e negras temos a consciência de um longe caminho a trilhar, que
o ambiente escolar ainda caminha na contramão da Lei 10.639/03 por parte dos docentes e
autoridades competentes. Fato que compromete o enfrentamento do preconceito e racismo
velado, que permeia o cotidiano escolar e que tem reflexo direto no imaginário coletivo da
sociedade como um todo. Nosso papel fundamental mesmo sendo uma árdua tarefa, é fazer
da lei 10.639/003 uma bandeira de luta e no ambiente escolar militarmos, no sentido de dar
visibilidade aos negros e mestiços, cuja identidade se encontra atrofiada por uma educação
influenciada pela cultura eurocêntrica, que impede à formação de um sujeito crítico de si
mesmo e livre das mazelas promovidas por uma sociedade de matriz branca ocidental (p.4) .

O trabalho apresentado pelos estudiosos demonstra as inciativas pontuais e de interesses


próprios expostas por Silva e Ferreira (2016) anteriormente na seção II desse artigo. E como falamos
ao longo do texto geram identidades afirmativas, reconhecimento da presença do negro na história do
Brasil em momentos e situações diversas e não apenas como passível a escravidão ou as ideologias
raciais. Em outras palavras, atividades pedagógicas que colocam a população negra em lugar de
destaque e status social desconstroem inúmeros paradigmas que cristalizam as ações do negro no
espaço da exclusão e não ação na sociedade.
Para Lima (2005) as propostas educacionais dos movimentos negros iniciadas na década de
setenta ressoaram no estabelecimento de uma área de estudo de história e cultura africana nos
currículos escolares e acadêmicos. Entramos em concordância com seu argumento por entendermos
que todas as iniciativas tomadas pelos movimentos negros brasileiros têm sido em busca de uma
educação e sociedade de caráter mais democrático.
Embora a legislação de história e cultura africana e afro-brasileira (10.639/2003) não seja
empregada em território nacional como deveria (SANTANA e ALVES, 2010ꓼSILVA, 2011; SILVA
e FERREIRA, 2016) abordamos diversas atitudes desses movimentos para que a lei não “passe em
branco”.
Chama a atenção à mobilização política para a inserção do currículo contra- hegemônico nos
sistemas de ensino. Organizações Não Governamentais (ONGs), coletivos de estudantes, ativistas
acadêmicos, iniciativas individuais dentre outras proposições são exemplos dessas manifestações em
prol de um projeto de cidadania para o indivíduo negro (PEREIRA, 2013). Neste caminho, podemos
citar grupos de mulheres negras, como exemplo: o Coletivo de Mulheres Negras- Meninas Black
Power, do estado do Rio de Janeiro, realiza oficinas em escolas públicas abordando o tema das
relações étnico- raciais e a importância da estética negra para a consolidação da autoestima 3.A
Organização Não Governamental – CEERT, da cidade de São Paulo, que tem realizado uma série de
concursos que incentivam pesquisadores, professores a produzirem material didático (planos de aula
e vídeos) e estudantes do ensino médio e fundamental a escreverem redações sobre as relações étnico-
raciais4. Abaixo segue a definição do concurso Educar para a Igualdade Racial e de Gênero:
O Projeto Educar para a Igualdade Racial e de Gênero faz parte do Programa de Educação
do CEERT, sendo promovido juntamente com instituições parceiras. O Projeto surge para
atender uma expectativa de mapeamento das práticas escolares voltadas para o tratamento da
temática étnico-racial. Sua primeira edição ocorreu no ano de 2002, com o objetivo de
identificar, difundir, reconhecer e apoiar práticas pedagógicas e de gestão escolar, vinculadas
à temática étnico-racial, na perspectiva da garantia de uma educação de qualidade para todas
e todos e, mais especificamente, de combate ao racismo e de valorização da diversidade
étnico-racial (CEERT, 2018)

Precisamos dizer que o projeto Educar para a Igualdade Racial e de Gênero já está na sua
sétima edição e segundo as informações do site da ONG CEERT há cerca de 3.000 planos de aulas e
matérias didáticos produzidos por docentes da rede pública e privada para consolidação de uma
educação mais democrática e equitária.

3
As informações podem ser encontradas no site do grupo: https://www.meninasblackpower.com
4
As informações sobre esta iniciativa podem ser encontradas no site da instituição: https://www.ceert.org.br/premio-
educar.
A Organização Governamental de Mulheres Negras Geledés, situada o estado de São Paulo,
também organizou no ano de 2013 um concurso de plano de aula para aplicação da lei. 10.639/2003.
Posteriormente a finalização do concurso os melhores planos de aula podem ser acessados no site
ONG. Abaixo a definição do concurso com seus objetivos:
O concurso tem por objetivo incentivar professores na aplicação da lei 10.639/2003 na
elaboração de planos de aula, abrangendo o ensino básico e fundamental das escolas
municipais, estaduais e particulares de todo o território brasileiro, promovendo e estimulando
o ensino da cultura negra e sua diversidade em sala de aula. Todo material será previamente
analisado e disponibilizado no Portal Geledés para ser utilizado por outros professores,
agregando valor e promovendo a história da cultura negra em todo território nacional, através
da troca de experiências. A premiação do concurso será realizada através de uma Comissão
Julgadora que irá avaliar todos os planos de aula e classificar o melhor de cada estado,
incluindo o Distrito Federal. Os vinte e sete planos de aula são elegíveis à premiação, sendo
que os três melhores serão vencedores (GELEDÉS, 2013)5

Da mesma maneira, podemos falar das iniciativas do Centro de Articulação das Populações
Marginalizadas -CEAP, da cidade do Rio de Janeiro, localizado no bairro Lapa. A ONG-CEAP
promoveu diversos projetos para colaborar na aplicação da legislação de História e Cultura Africana
e Afro-brasileira. São elas:

 Prêmio e Redação Camélia da Liberdade: Concurso de Redação Camélia da


Liberdade, para alunos do ensino médio de escolas públicas, particulares e cursinhos
pré-vestibulares sociais. O concurso faz parte dos esforços para implementação
efetiva da Lei 10.639/03, que determina a inclusão do tema História e Cultura Afro-
Brasileira no currículo das escolas da rede oficial de ensino básico e médio em todo
o Brasil6 (2011-2015);
 Campanha de Sensibilização, Promoção e Consolidação da Lei 10.639/03. A
campanha visa a sensibilizar gestores, educadores, estudantes e seus pais quanto ao
direito, garantido por lei, de conhecer a verdadeira história do povo brasileiro (2011-
atual);
 Curso de Formação Continuada de professores: Lei 10.639/03 – destinado a
professores e gestores das escolas de ensino Básico e a educadores populares, os

5
Informações podem ser acessadas no site da ONG GELEDÉS: https://www.geledes.org.br.
6
Informações podem ser encontradas no site ONG CEAP: http://ceaprj.org.br/concurso/.
seminários discutem temas que englobam as diversas problemáticas e perspectivas da
educação para as relações étnico-raciais (2014);
 Seminários Caminhos para uma Educação Democrática (desde 2009) – Destinado a
formação continuada de professores, aborda aspectos da LDB, diversidade étnica na
educação e novas tecnologias e saberes pedagógicos nos diversos campos do
cotidiano escolar.

Dessa forma, percebemos que as atuações políticas dos movimentos negros para a aplicação
da lei de História e Cultura Africana e Afro-brasileira (10.639/2003) são contínuas e fundamentais
para a criação de outras imagens do negro e da negra sobre si na sociedade brasileira, principalmente
nos espaços de educação formal. Quando os movimentos negros não estão representados na figura
coletiva, eles se traduzem nesses espaços de educação formal através das intervenções pedagógicas
de docentes comprometidos com a aplicação da legislação e a quebra de ideologias racistas como é
narrado por Santos e Oliveira (2017).

IV. GUISA FINAL

Acreditamos que seja necessário para todos que buscam a construção de educação
democrática problematizem às questões étnico-raciais e os conflitos originados por elas. Nosso estudo
se deteve as práticas racistas que ocorrem no espaço escolar e nas diversas ações, estratégias, formas
de combate dos movimentos negros para eliminá-las. Focalizamos as experiências racistas
vivenciadas por nossas interlocutoras como seus relatos essenciais para compreendermos as minucias
do racismo. Com isso, abordamos como o racismo causa traumas indeléveis em suas vítimas. Além
disso, apresentamos as instituições de educação formal como espaços permissivos para tais
ocorrências. Problematizamos a não aplicação da Lei federal de n. 10.639/2003 como um dos
principais fatores que mantém as ideias racistas e discriminatórias sobre as pessoas negras e as
populações africanas. Mostramos as práticas educativas dos movimentos negros como caminhos a
serem seguidos para a construção de identidades afirmativas para as pessoas negras, bem como um
modo de educação que possibilita aos brasileiros, negros e não negros a reconhecerem na história do
país a participação dos africanos e afro-brasileiras na construção da nação e igualmente perceber a
participação das populações africanas na construção da história da humanidade.
Demonstramos como as práticas políticas pedagógicas dos movimentos negros, nas suas mais
diversas composições, afetam os estudantes de maneira considerável e possibilitam outras afirmações
de identidade estética e negra. Através dos relatos de nossas interlocutoras trouxemos para o debate
parte do desespero que crianças negras passam na estrutura escolar que além de não mencionar a
existência de grandes feitos da população africana e afro-brasileira, geralmente nega e silencia as
práticas racistas. Do mesmo modo, utilizamos fragmento dos depoimentos para mostrar como as
mesmas interlocutoras que foram ao longo das trajetórias escolares vítimas das mais variadas formas
de violência racista a partir do contato com atividades dos movimentos negros tiveram possibilidade
de ressignificar seu lugar na história e sociedade (GOMES, 2002; SOUZA, 1983).
Dessa maneira, chegamos as considerações finais desse trabalho apontando a importância das
atividades pedagógicas das organizações negras que fragmentam os discursos colonizantes e racistas
sobre as populações, historicamente, marginalizadas. No entanto, ao longo do levantamento
bibliográfico e da revisão de literatura percebemos que elas poucos são estudadas no campo da
Educação e Ciências Sociais. Pensamos que cabe mais investigações acerca dessas iniciativas que
pelo que vimos são fundamentais para causar outras vozes. Esperamos que esse trabalho iniciante
possibilite aos educadores pensar estratégias que ponham em prática a legislação de História e Cultura
Africana e Afro-brasileira (10.639/2003).

V REFERÊNCIASs

BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9.394/96 para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, 10 jan.
2003, p. 1.
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de desigualdades em nome da igualdade. Brasília: Unesco, 2006.
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Paulo. BRASIL. Educação e Anti-racismo: Caminhos Abertos Pela Lei Federal 10.639/03. Brasília:
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