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19/03/2019 Professor é afastado após discordar de hino com leitura de slogan de Bolsonaro em Goiás

Professor é afastado após


discordar de hino com leitura de
slogan de Bolsonaro em Goiás
Docente criticou publicamente ato de diretor, que leu frase da campanha de Bolsonaro.
Pais também o acusam de fazer “doutrinação comunista”

18/03/2019 - 21:45

Wellington Divino Pereira diz que quer voltar a


lecionar na escola (Foto: Akio Formaturas)

Um professor de geografia do Colégio Estadual Militar Américo Antunes, em São Luís


dos Montes Belos, centro de Goiás, foi afastado de suas funções por 60 dias depois de
discordar da leitura do slogan da campanha do atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) e
da filmagem de crianças e adolescentes durante a execução do hino nacional. A
Secretaria de Educação (Seduc) considera que há suspeita de prática de “grave
insubordinação”.

O caso se juntou à reclamação de cinco pais de estudantes do colégio que acusam o


docente de influenciar seus filhos a adotar“doutrinas comunistas” e o ateísmo. Ele nega
que tenha feito qualquer prática irregular e alega estar sendo perseguido.

Todas as quartas-feiras, às 7 horas, os estudantes do Américo Antunes ficam em


formação para cantar o hino nacional e ouvir avisos do cotidiano escolar. No entanto,
na quarta do dia 27 de fevereiro, o comandante diretor do colégio, o capitão Eduardo
Alves Pereira Filho, decidiu ler a carta do Ministério da Educação, que repete o bordão
da campanha política de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

A carta, que pedia a leitura do slogan e a filmagem dos estudantes, havia sido enviada
no dia 25 e causou polêmica a nível nacional. Foi criticada por especialistas e rendeu

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até pedido de explicações do Ministério Público Federal. O próprio ministro da


Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, voltou atrás e modificou o documento no dia 26,
retirando a frase de campanha política e condicionando a filmagem à autorização dos
responsáveis dos alunos, além de deixar claro que a ação era opcional.

Segundo o processo administrativo que levou ao afastamento do docente, depois de ler


a carta na íntegra e filmar os estudantes, o diretor do colégio deu oportunidade de fala
para os servidores do colégio. O professor de geografia Wellington Divino Pereira,
então, discordou publicamente do diretor, dizendo que ele não deveria ter lido o slogan,
nem filmado os estudantes.

Na interpretação dos gestores do colégio, esse episódio teria causado “grande


constrangimento” na comunidade escolar. Em um relatório da Coordenação Regional
de Educação de São Luís é pontuado que o professor, ao falar, não seguiu o protocolo
das escolas militares, porque falou em voz alta do lugar onde estava, sem se levantar e
ir até a frente de todos. Além disso, Wellington também teria errado ao chamar o diretor
pelo seu primeiro nome, sem mencionar a sua patente. Ainda segundo o relatório, após
ouvir as críticas, o diretor teria dito que a solenidade do hino não era o ambiente
adequado para aquela conversa.

No mesmo dia desse episódio, a direção do colégio militar enviou três documentos
para Coordenação Regional, instância da Seduc, contra o professor de geografia: Uma
nota de repúdio dizendo que ele cometeu desrespeito; um “relatório de prática
inadequada” descrevendo o momento da leitura da carta com detalhes; e um ofício
pedindo a remoção de Wellington, alegando que três pais de estudantes haviam
reclamado da suposta doutrinação comunista e ateu que o docente estaria praticando.
No ano passado, outros dois pais fizeram as mesmas reclamações.

Já no dia seguinte ao episódio, dois desses pais procuraram a própria Coordenação


Regional. Eles acusaram o professor de fazer proselitismo de cunho político e religioso,
de se opor à obrigatoriedade do hino nacional e de desacatar a autoridade do diretor.

Até o prefeito de São Luís de Montes Belos entrou na história. Eldecirio da Silva (PDT),
major reformado da PM, enviou mensagens de WhatsApp para a Coordenação
Regional descrevendo reclamações de pais de estudantes. Procurado pela reportagem,
o prefeito afirma que não conhece o professor e apenas repassou o caso para a área
pertinente.

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“Os pais reclamaram que ele estava pregando, na cabeça dos filhos deles, comunismo
e contra os princípios religiosos. Que estava ensinando contra as doutrinas das igrejas
e que o filho estaria rebelde em casa”, diz.

Wellington foi afastado preventivamente no último dia 8 e deve ser lotado em um novo
colégio após esse período. Ele almeja voltar à unidade, onde dá aula desde antes de
sua militarização, que aconteceu há cerca de um ano. Por nota, a Seduc informou que
será “assegurado o direito da ampla defesa dos envolvidos e garantida a inviolabilidade
de suas informações pessoais”.

Para diretor, há doutrinação esquerdista e antirreligiosa

O coordenador diretor do colégio militar de São Luís de Montes Belos, o capitão


Eduardo Alves, defende que o professor de geografia Wellington Divino “tenta doutrinar
os alunos a seguir sua ideologia partidária esquerdista e antirreligiosa” e que isso seria
contra a “neutralidade ideológica na prática docente”.

A acusação está no ofício entregue à Secretaria de Educação (Seduc) pedindo a


remoção do professor do colégio. O documento foi entregue no mesmo dia que
Wellington questionou o diretor pela leitura do slogan de campanha do presidente Jair
Bolsonaro (PSL) após a execução do hino nacional .

Defensor árduo do presidente, o diretor costuma fazer críticas severas a opositores nas
redes sociais. Defende um governo militarista, critica professores de esquerda e chama
petistas de malditos. Na foto de formatura da turma de Ensino Médio do colégio deste
ano, os estudantes posaram fazendo o sinal de arma com as mãos, ao lado do diretor,
símbolo da campanha de Bolsonaro.

O diretor não está sozinho em suas críticas. Outros cinco pais de alunos também
acusam Wellington de ser “doutrinador”. Dois deles desde o ano passado, quando
houve a abertura de um primeiro processo interno, já finalizado. Três deles manifestam
apoio ao presidente Bolsonaro nas redes sociais.

Uma mãe afirma que a filha começou a acreditar em ideias comunistas por causa do
professor. Ela diz que a estudante teria demonstrado que prefere tirar notas menores
para se equiparar aos demais alunos. Um casal fez denúncia dizendo que o professor
teria chamado os eleitores de Bolsonaro de “analfabetos políticos”.

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Um pai conta em depoimento que o professor teria dito que “Deus não existe” e que
Jesus seria comunista se vivesse nos dias atuais. Já um outro pai, pastor evangélico,
fala que o professor constantemente deixaria claro que é ateu e que tentaria passar
isso de maneira indireta aos alunos. Outra mãe reclama que o professor ensinaria
“ideologias contrárias ao bom costume”.

A reportagem entrou em contato com o diretor do colégio, mas ele afirmou que só daria
entrevista depois da coordenadora regional de educação de São Luís. A reportagem
entrou em contato com a coordenadora, mas não obteve retorno até o fechamento
desta reportagem.

“Nunca me senti tão injustiçado e impotente”, diz docente afastado

Afastado depois de questionar a leitura do slogan de Bolsonaro, o professor de


geografia Wellington Divino lamenta o processo que está sofrendo e diz estar sendo
perseguido politicamente. Dos seus dez anos de profissão, três foram no colégio militar
de São Luís de Montes Belos, onde atua desde antes de sua militarização.

Apesar de não concordar com o modelo militar, afirma que continuou na unidade por
considerar uma forma de resistência e por ter uma boa relação com os outros
professores e demais colegas.

Ele mora em uma cidade vizinha à do colégio. “Nunca me senti tão injustiçado e
impotente diante da arbitrariedade que estou vivendo.”
Wellington nega que faça doutrinação esquerdista ou antirreligiosa. Ele diz que mesmo
sendo ateu, a mulher é católica e sua filha foi batizada na igreja. “Todas as reuniões
que temos na escola, antes de começar os trabalhos, fazem orações, e nem por isso
reclamo”, exemplifica.
Já sobre os questionamentos políticos, Wellington afirma que, na verdade, existiria uma
contestação em relação às disciplinas de Filosofia, Geografia e Sociologia. Ele cita
trechos do currículo de referência da rede estadual, que fala que se deve explicar a
diferença entre senso comum e religião, filosofia e religião, e as definições de
marxismo e socialismo.

“A preocupação de algumas pessoas, e aqui deixo claro, que não são só os pais de
alunos, demonstra que sua fúria está voltada ao questionamento da realidade”, diz.

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O professor levou o caso ao sindicato da categoria, o Sintego, que está em sua defesa.
Para a entidade, há um processo de aumento da perseguição aos professores de
pensamento crítico e à liberdade de cátedra, com a ascensão do movimento Escola
Sem Partido. “Os professores estão com medo de dar aula. Como vai ensinar
pluralismo de ideias? Qualquer coisa cria pecha para dizer que professor é
‘esquerdista’”, afirma a presidente do Sintego, Bia de Lima.

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