CLÍNICOS ANDRÉ CARTELL – schleper@terra.com.br A dermatologia é, sem sombra de dúvidas, a especialidade médica com maior associação à patologia. Desde os pioneiros do microscópio do século XIX, os protodermatopatolgistas Gustav Simon e von Baresprung, passando pelos gigantes von Hebra, Besnier, Unna e Erlich, todos foram clínicos dermatológicos fortemente influenciados pela patologia. Eles anteviram a importância da histopatologia na confirmação diagnóstica e seu potencial na repercussão terapêutica. Hebra foi o primeiro a classificar as doenças cutâneas com base na microscopia, repercutindo a influência de Rokitansky. Besnier cunhou o termo biópsia e descreveu a técnica. Unna, reconhecidamente alcunhado “pai da dermatopatologia”, desenvolveu inúmeras técnicas de coloração e fundou o primeiro instituto de ensino e diagnóstico em dermatopatologia, no final do século XIX, em Hamburgo. Seu conterrâneo, Paul Erlich, Nobel de 1908, fundamentou as bases da imunologia e desenvolveu a técnica da hematoxilina e eosina (HE), coloração usada isoladamente em mais de 90% dos diagnósticos. O desenvolvimento da dermatologia em ciência plena ao longo do século XIX e XX é causa e conseqüência da dermatopatologia. A união entre clínica e patologia, no âmbito cutâneo é mais forte que casamento ou sociedade, visto estas serem freqüentemente frouxas e dissolvidas. Estão mais para partes próximas da mesma entidade, dividindo o mesmo corpo e alma. Dividir clínica e patologia é uma modernidade. A dermatopatologia se distingue da patologia geral, não sendo filho desta, mas primo, pois curiosamente, tem sua origem na dermatologia clínica. Surgiu a partir do texto de Gustav Simon em 1848, cerca de dez anos antes de Virchow lançar sua teoria celular, base da patologia geral. Com o advento do século XX, especialmente no seu último quarto, houve um certo distanciamento da área laboratorial, fato notificado pelo grande Bernard Ackerman numa série de artigos publicados até sua morte em 2008. Ele sugeriu que a desvalorização das áreas laboratoriais, especialmente do ponto de vista financeiro, associado à falta de glamour e dificuldades inerentes a seu aprendizado, haviam levado o criador a se afastar de sua criatura. Esse vácuo laboratorial terminou sendo ocupado pelos patologistas gerais que, apesar de excelentes, não dividem formação, linguagem e visão com a dermatologia, de uma maneira geral. O dermatopatologista é um dermatologista de fato, mesmo que honorário, apto a examinar o paciente, biopsiar e discutir a terapêutica, de um modo sensato e dentro dos limites éticos. Os aspectos clínicos são fundamentais para a dermatopatologia. Entender a clínica e sua transposição para o universo microscópico é a base do entendimento diagnóstico. É a disposição em cunha da hipergranulose que forma as estrias de Wickham no líquen plano, assim como o atrofia suprapapilar associada aos vasos espiralados que determina o sinal de Auspitz. O diagnóstico histopatológico parte do método virchowiano (observação cega), iniciando com a leitura das lâminas com o mínimo de informações (sexo e idade), circunscrição dos possíveis diagnósticos, leitura das informações clínicas, correlação anatomopatológica e estabelecimento do possível diagnóstico. A falha nas informações pode levar a quebra da rotina e dificuldade em estabelecer um diagnóstico mais preciso. A idade do paciente pode ser elemento fundamental na diferenciação entre a acrodermatite enteropática e o eritema necrolítico migratório. Proliferação spitzoide juncional após os 40 anos é incomum. A topografia junto à cintura escapular numa hipodermite é altamente indiciante de paniculite lúpica. Idade e topografia, dados simples, mas infelizmente freqüentemente não informados, são elementos importantes ao dermatopatologista no auxílio diagnóstico. Havendo prejuízo ou constrangimento, o maior lesado será sempre o paciente. O diagnóstico histopatológico é um diagnóstico cooperativado, onde o dermatologista clínico é tão importante quanto o dermatopatologista. O nível de acerto diagnóstico é diretamente proporcional aos André Cartell Página 2 06/03/2011
comemorativos clínicos informados, a forma de coleta e a relação entre os profissionais clínico
e dermatopatologista. Acessibilidade, disposição e bom senso, além da competência, são exercícios diários na habilitação da microscopia diagnóstica. A integração clínico-patológica precisa ser cada vez mais exercida e estimulada no benefício dos pacientes.
Paul Gerson Unna (1850-1829): dermatologista alemão (Hamburgo), pioneiro
da dermatopatologia e no estudo de colorações; em 1894 publicou sua maior obra, o Histopathologie der Hautkrankheiten (Histopatologia das doenças cutâneas), texto de cerca de 1200 páginas, primeira publicação visando a dermatopatologia dentro de um enfoque moderno; investigou colorações, histologia e fisiopatologia da pele, farmacologia (bota de Unna), dermatite seborreica (1927), nevos melanocíticos, além de influenciar toda a dermatopatologia mundial em seus primeiros passos.