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Metapsicologia e a psicologia clínica na construção do conceito de Pulsão em “Além do Princípio do

Prazer”

Resumo: No artigo “Além do princípio do prazer”, Sigmund Freud expõe o conjunto de quatro fatos que

apresentam elementos que confrontam um dos fundamentos de seu sistema explicativo, o princípio do prazer.

Tal confronto leva Freud a formular a hipótese de um caráter regressivo da pulsão, iniciando uma reformulação

de seu quadro teórico. No entanto, o argumento freudiano que procura justificar a nova hipótese possui

dificuldades exegéticas, principalmente devido ao forte teor especulativo. Devido a este fator e ao caráter

polêmico das hipóteses do texto, a recepção das novas teses foi marcada por resistências, levando a linhas

interpretativas que negam o valor da obra no cânone psicanalítico e também a leituras que procuram

fundamentar as hipóteses especulativas a partir da observação de fenômenos clínicos, afastando-se assim da

fundamentação contida no próprio texto. A presente pesquisa procura investigar a hipótese levantada por Freud,

reconstituindo seu argumento procurando compreender de que maneira psicologia clínica e metapsicologia são

articuladas na formulação da hipótese do caráter regressivo de pulsão. A hipótese da pesquisa procura

demonstrar que o texto freudiano articula esses dois registros de maneira distinta no desenvolvimento de seu

argumento. Quais as articulações?... Assim, temos o intuito de indicar ferramentas que tornem mais clara a

exegese de um dos pontos mais obscuros da obra freudiana.

Introdução e justificativa, com síntese da bibliografia fundamental

Exposição da questão

Em “Além do princípio do prazer”1 (1920), Sigmund Freud enfrenta a tarefa de compreender um conjunto

de fenômenos: (explicitar os quatro fenômenos) que desafia um dos pontos centrais de seu quadro teórico, o

princípio do prazer. Este princípio articula a hipótese que o funcionamento psíquico é impulsionado visando o

prazer, sendo este compreendido como uma grandeza quantitativa correlacionada à diminuição de tensão do

organismo. Por outro lado, os estímulos, fonte de aumento da excitação psíquica e, consequentemente, de

tensão, são sentidos como desprazer. Assim, Freud postula a existência de uma “organização subjetiva”, o
1
Daqui em diante, adotaremos a sigla APP para se referir ao artigo “Além do princípio do prazer”.

1
aparelho psíquico, que se opõe a livre circulação de forças energéticas, sendo regulado pelo princípio do prazer

que procura reduzir a quantidade de estímulos de seu interior. Correlacionado ao princípio de prazer está o

conceito de pulsão2, atuando, em linhas gerais, como uma força de caráter constante cuja fonte de estímulo é

endógena. Dessa maneira, há uma pressão permanente que exige o trabalho do aparelho psíquico para buscar a

diminuição deste aumento de excitação, desta forma, impelindo-o ao movimento. Contudo, o conjunto de

fenômenos apresentados em APP mostra como elemento comum uma busca a repetir situações que não

suscitam nenhum tipo de prazer. Para fundamentar esse elemento anômalo, Freud reelabora o conceito de

pulsão, redefinindo o caráter de seu movimento e, consequentemente, o próprio conceito de pulsão:

“Mas de que modo se relaciona o caráter impulsivo e a compulsão à repetição? Aqui se nos
impõe a ideia de que viemos a deparar com uma característica geral das pulsões, talvez de
toda a vida orgânica ou, pelo menos, explicitamente enfatizada. Uma pulsão seria um
impulso, presente em todo organismo, tendente à restauração de um estado anterior, que
esse ser vivo teve de abandonar por influência de perturbadoras forças externas, uma
espécie de elasticidade orgânica ou, se quiserem, a expressão da inércia da vida orgânica.
Tal concepção da pulsão soa estranha, pois já nos habituamos a ver nela o fator que impele
à mudança e ao desenvolvimento, e devemos agora reconhecer ali a expressão da natureza
conservadora do vivente ”3

Esta passagem indica uma mudança na investigação psicanalítica em torno do conceito de pulsão. Como

o próprio autor aponta, há um estranhamento ao levantar a hipótese que a pulsão possui um caráter regressivo,

uma vez que ao caracterizá-la como uma força que impele constantemente o aparelho psíquico em direção ao

movimento, esta era tomada como uma mola propulsora para o desenvolvimento individual e da espécie. A

hipótese levantada opõe a tal suposição, estabelecendo o campo da pulsão a partir do atributo da inércia da vida

orgânica, introduzindo assim, a repetição como característica fundamental da pulsão. Em uma relação de

2
Como pontua Hanns (1996) a tradução do termo Trieb é uma das mais polêmicas na obra freudiana. O termo em alemão
conota uma grande gama de significados, como afirma o autor: “Abarca um princípio maior que rege os seres viventes e que
se manifesta como força que coloca em ação os seres de cada espécie; que aparece fisiologicamente "no" corpo somático do
sujeito como se brotasse dele e o aguilhoasse; e, por fim, que se manifesta "para" o sujeito, fazendo-se representar ao nível
interno e íntimo, como se fosse sua vontade ou um imperativo pessoal. No texto freudiano também, a palavra mantém estas
características de uso. Estes significados estão todos muito próximos e sempre correlacionados com um núcleo básico de
sentido: algo que "propulsiona", "coloca em movimento"” (p.331). Contudo, após o estabelecimento da “The Standard
Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud”, traduzida para o inglês por J. Strachey, o termo Trieb foi
traduzido por instinto, o que aproximou a psicanálise de uma linguagem naturalista, conforme aponta Tavares (2013). Na
obra freudiana o termo Instintik aparece poucas vezes, conotando o instinto animal. Partilho do ponto de vista de Hanns e
Tavares que traduzem o termo Trieb por pulsão uma vez que está mais próximo do uso alemão, contudo diversas traduções
optam pela opção de instinto. Em vista de tal problema irei alterar os trechos em que determinados tradutores optaram por
instinto.

3
FREUD, 1920/2017, p.202. (Com alterações)

2
oposição a este caráter circular, Freud indica a interação entre as moções pulsionais e as forças externas,

na qual se define a possibilidade de fomentar o desenvolvimento, transformando assim, o regime de

repetição. Sendo o desenvolvimento fruto de uma ação exterior, Freud aponta para uma região obscura e

elementar da vida psíquica, anterior ao ordenamento do aparelho psíquico. Tal região, ainda não denominada

em 1920, apresentaria como característica fundamental a busca ao retorno aos estados mais primitivos, que em

última instancia, levaria ao estado anterior à vida, que Freud deduz ser a matéria inanimada. Tais ideias, Freud

apresenta cautelosamente em caráter de hipótese, mas a partir de 1923 passa a aceita-la por completo 4, o que

leva ao desenvolvimento de um novo leque de questões para a psicanálise. 5

Entretanto, ao contrário dos demais textos de Freud, as hipóteses de APP foram recebidas com amplas

resistências, inclusive por parte dos seguidores de Freud. Segundo Ernest Jones (1957/1975), autor da mais

reconhecida biografia de Freud, as críticas podiam ser esquematizadas em dois níveis: apontamentos de caráter

metodológico, indicando as incoerências presentes na construção conceitual do argumento de APP e críticas à

ideia que a pulsão conduziria em última instancia à matéria inorgânica. Jones aponta entre os interpretes,

surgiram duas linhas de leitura: a primeira se fundamentava a partir de árduas críticas às teses de APP,

conduzindo à recusa da incorporação das hipóteses de APP ao cânone psicanalítico. Por outro lado, surge a

linha interpretativa centrada em Melanie Klein que busca encontrar as aplicações estritamente clínicas do

conteúdo especulativo do argumento de APP, desenvolvendo uma investigação da vida pulsional na mais tenra

infância, anteriores ao complexo de Édipo. Ao contrário do argumento especulativo utilizado por Freud, Klein

encontra na observação clínica a justificativa de suas teses acerca da pulsão.

Segundo Jones, ambas linhas interpretativas apresentam um distanciamento das propostas iniciais de

APP. O autor rebate a primeira linha interpretativa afirmando que até o final de sua vida, Freud manterá o

desenvolvimento das investigações de APP, o que torna incoerente a tentativa de eliminação dessa hipótese do

4
Em “O mal-estar na civilização” (1930/2010b p.87) Freud declara sua aderência às hipóteses de APP, referindo a importância
que os conceitos de pulsão de morte e pulsão de vida (um desdobramento da hipótese do caráter regressivo da pulsão, como
procuro explorar a seguir) ocupam em sua teoria: A suposição de uma pulsão de morte ou de destruição encontrou resistência
até mesmo nos círculos psicanalíticos. [...] No início apresentei essas concepções com a única intenção de ver aonde elas
conduziam; mas no decorrer dos anos, elas adquiriram tal domínio sobre mim, que não posso pensar de outra forma”
5
Segundo tópica, salto qualitativo

3
cânone freudiano. Também pontua que apesar da tentativa de Klein de introduzir a pulsão em um contexto

observável clinicamente, o que diminuiria os problemas apontados pelos críticos ao método especulativo de

Freud, essa investigação também se distanciou da teoria original de Freud. Jones então sugere uma terceira

opção interpretativa, a partir da consideração das distinções existentes entre as os aspectos especulativos e as

observações clínicas. A presente investigação aceita a sugestão de Jones e procura desenvolve-la através da

investigação da hipótese do caráter regressivo da pulsão, para tanto pretendo me orientar a partir da seguinte

pergunta: quais relações são estabelecidas entre metapsicologia6 e psicologia clínica na construção do conceito

de pulsão em APP? Conforme procurarei a seguir, as diferentes interpretações revelam uma dificuldade

exegética desta obra, principalmente na especulação que procura fundamentar o caráter regressivo da pulsão.

Ciente desta situação, pretendo possibilitar ferramentas que sejam capazes de mostrar os diferentes nexos que

Freud faz do campo clínico e metapsicológico na composição de seu argumento, possibilitando assim,

interpretações não intimidadas pelo estilo argumentativo de APP. Por fim, ressalto que as ferramentas propostas

a seguir são, neste momento, de caráter provisório e hipotético, havendo a necessidade de serem comprovadas

durante a pesquisa.

Psicologia clínica, metapsicologia e epistemologia

No início do artigo “As pulsões e seus destinos” (1915), Freud esquematiza de maneira concisa algumas

características epistemológicas do saber psicanalítico, explicitando algumas relações existentes entre o campo

teórico e clínico na constituição de seu pensamento:

O verdadeiro início da atividade científica consiste, antes, na descrição de fenômenos, que


serão depois agrupados, ordenados e correlacionados. Já na descrição, não se pode evitar a
aplicação de determinadas ideias abstratas ao material, ideias tomadas de algum lugar, por
certo não somente das novas experiências [...] No princípio, elas devem manter certo grau
de indeterminação; não se pode contar aí com uma clara delimitação de seus conteúdos.
Enquanto se encontram nesse estado, chegamos a um entendimento quanto ao significado,

6
O termo metapsicologia foi criado por S. Freud para demarcar a especificidade de sua concepção teórica em relação às
analises psicológicas que até então tomavam como objeto a consciência, investigada a partir da observação do
comportamento humano. O campo inaugurado por Freud diferencia-se da psicologia ao tomar como objeto de pesquisa o
estudo de uma realidade supra-sensível, os processos psíquicos inconscientes , sendo estes descritos a partir de três vias: a
tópica, que procura compreender as cisões presentes no aparelho psíquico, analisando os processos característicos de cada
instância; a dinâmica, cujo foco são os conflitos entre os diferentes elementos do psiquismo e, finalmente, a econômica que
investiga as variações de quantidades de energia e seus destinos. Tal abordagem tríplice é considerada pelo autor como a
mais completa para descrever o funcionamento do aparelho psíquico.

4
remetendo-nos continuamente ao material experiencial, do qual parecem ter sido extraídas,
mas que, na verdade, lhes é subordinado. Portanto, elas têm a rigor o caráter de convenções,
embora seja o caso de dizer que não são escolhidas de modo arbitrário, mas sim
determinadas por significativas relações com o material empírico, relações essas que
imaginamos poder adivinhar antes mesmo que as possamos reconhecer e demonstrar. 7

Esta passagem oferece indicações exegéticas ao interprete de textos psicanalíticos, para os objetivos de nossa

investigação duas são de maior interessa. A primeira diz respeito ao caráter processual e fundamentalmente

inacabado do seu quadro teórico, contrário à pretensão de formalização da psicanálise em um sistema coeso.

Precisamente devido a essa incompletude sistêmica, o processo de construção conceitual comporta certo “grau

de indeterminação” que o leva a confrontar continuamente o material experiencial em um processo de

determinação recíproca. Desta forma, podemos entender como parte integrante da construção do pensamento

freudiano a revisão e reelaboração de suas hipóteses, indicando a possibilidade de acompanhar os movimentos

de construção de seu edifício conceitual tendo ciência de suas indeterminações, conflitos internos e suas

tentativas de superá-los. A segunda indicação, derivada da primeira, é o caráter de convenção existente na

formalização dos conceitos freudianos, elucidando certas relações do material clínico que permite torna-los

inteligíveis. Para tal feito, Freud recorre a especulações utilizando ideias abstratas “tomadas de algum lugar”,

seja da ciência, dos mitos, da arte. Ao nos atermos ao aspecto convencional que estas ideias ocupam no

argumento freudiano, pretendemos dar ênfase ao uso de tais noções no desenvolvimento do argumento, na

maneira como a partir delas é possível apreender e dar inteligibilidade aos problemas quais convenções são

pretendidas com o uso de tal ideia.

O estudo realizado por Assoun8, indica que ambas as características apontadas, a censura aos aspectos

sistemáticos do saber e as referência as convenções, são influenciadas de Ernst Mach, particularmente por

“Conhecimento e erro” (1905).

Contudo, em APP Freud dá indícios de transformação em seu processo epistemológico ao elaborar a hipótese

do caráter regressivo da pulsão, Em APP, Freud afirma que sua hipótese acerca do caráter regressivo da pulsão

7
1915, p.15-7
8
Introdução a epistemologia freudiana

5
é a terceira etapa de teoria das pulsões, sendo precedido pela extensão do conceito de sexualidade em “Três

ensaios para uma teoria sexual” (1905) e pela tese do narcisismo (1914), como afirma a citação:

“o terceiro passo na teoria das pulsões, que aqui empreendo, não pode reivindicar a mesma
certeza dos outros dois anteriores, a extensão do conceito de sexualidade e a tese do
narcisismo. Essas inovações foram transposições diretas da observação para a teoria, sem
maiores fontes de erros do que as inevitáveis nesses casos. É certo que também a asserção
do caráter regressivo das pulsões baseia-se em material observado, isto é, nos fatos da
compulsão à repetição. Mas talvez eu tenha superestimado o significado deles. De toda
maneira, só é possível levar adiante essa ideia combinando repetidamente o factual e o
apenas excogitado, assim afastando-nos da observação” 9,

A passagem nos oferece suporte para cogitar uma peculiaridade na construção argumentativa de APP

quando comparada com as precedentes. Até então o vínculo estabelecido entre o material observado e o campo

conceitual era caracterizado pelo autor como “transposição direta”, no qual, aparentemente, havia a

possibilidade de que as ideias de uma psicologia clínica e conceitos metapsicologicos se intercabiassem em um

livre transito. Com APP, Freud aponta para um momento de cisão entre psicologia clinica e metapsicologia,

uma vez que a especulação o afastou do material da observação. Podemos cogitar que há, portanto, um

momento da reflexão de APP que o registro empírico e conceitual se separam, não sendo possível mais o

intercambio. Voltarei a seguir a essa reflexão, quando houver mais elementos para expor a hipótese da

investigação.

O trecho também aponta três momentos em que houve “inovações” na teoria das pulsões. Com o objetivo

de compreender o caráter inovador da etapa que propomos investigar, será necessário apontar alguns elementos

das etapas precedentes que revelam mudanças teóricas particularmente importantes para o objetivo dessa

pesquisa.

A extensão do conceito de sexualidade e a tese do narcisismo

Em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”(1905), Freud faz o primeiro uso do conceito de pulsão 10.

Nestes ensaios, Freud redefine a problemática da sexualidade humana ao desvinculá-la da perspectiva de uma
9
1920/2017, p.233
10
Garcia-Roza (2018, p.79) aponta que Freud utiliza a expressão “trieb” desde os textos de 1890, contudo tal termo ainda não é
definido de maneira clara, apresentando-se ainda em um nível terminológico e não conceitual.

6
teoria sexual11 normativa baseada na função reprodutiva como fundamento de práticas normativas e

classificação do desvio em termos de perversões sexuais. A partir do exame das fantasias sexuais presente no

discurso de seus pacientes, das práticas consideradas perversas e da observação do comportamento de crianças,

Freud postula que a sexualidade humana tem como princípio a busca de um prazer como fim em si mesmo, não

estando relacionado a priori com a função reprodutiva 12. Freud passa a interpretar os diferentes fenômenos a

partir do conceito de pulsão, particularmente de pulsão parcial, dando ênfase ao aspecto não integrado da busca

pelo prazer, baseado em múltiplas zonas erógenas produtoras de estímulos que visam a satisfação de maneira

desarticulada. Na primeira versão dos ensaios, Freud não tem uma concepção precisa do conceito geral de

pulsão, uma vez que o argumento conceitual está fortemente vinculado com a diversidade do material empírico

estudado por Freud. É apenas em um acréscimo realizado em 1915 que Freud elabora uma concepção precisa

do conceito geral de pulsão

“Por pulsão não podemos entender, primeiramente, outra coisa senão o representante
psíquico de uma fonte endossomática de estímulos que não para de fluir, à diferença do
estímulo, que é produzido por excitações isoladas oriundas de fora. Assim, “pulsão” é um
dos conceitos na demarcação entre o psíquico e o físico. A mais simples e imediata
suposição sobre a natureza das pulsões seria que elas não possuem qualidade nenhuma em
si, devendo ser considerados apenas como medida da exigência de trabalho feito à psique.
O que diferencia as pulsões uma das outras e as dota de atributos específicos é a relação
com suas fontes somáticas e suas metas. A fonte da pulsão é um processo excitatório num
órgão, e sua meta imediata consiste na remoção desse estímulo no órgão” 13

A passagem acima evidencia o tipo de abstração que Freud pretende introduzir a partir da metapsicologia,

podemos fica , a pulsão é localizada na demarcação entre o físico e o psíquico, assim, podemos afirmar que

Freud pensa a pulsão não inteiramente no interior do aparelho psíquico. Como afirmado acima, o aparelho

psíquico é definido fundamentalmente como um sistema cuja função é dominar os estímulos com o objetivo de

reduzi-los à menor taxa. A parte capaz de ser apreendida pelo aparelho psíquico é chamada de representante

psíquico, contudo parte da pulsão permanece exterior ao psíquico. Outra relação estabelecida neste trecho é a

contraposição entre natureza somática da pulsão e os estímulos perceptíveis. Ambos elementos, interiores e

11
É relevante um rápido comentário acerca do uso da expressão teoria sexual. Como aponta Roudinesco (), Freud
está dialogando com a ciência sexual faz um interessante comentário acerca do título do artigo de Freud. Seu
diálogo é com a ciência sexual de sua época
12
Jones faz uma pequena e interessante piada acerca da redação de “três ensaios sobre a teoria sexual”, segundo o autor: .
Dessa forma, podemos perceber o quão imbricadas estavam a observação clínica e teorização.
13
Freud, 1905, p.66-7

7
exteriores, são tomados pelo aparelho psíquico a partir da mesma grandeza: a quantidade de tensão no

organismo. Contudo, ao contrário do meio externo cujos estímulos são descontínuos, a pulsão é caracterizada

enquanto força constante. É a partir desse caráter constante que impulsiona o organismo que Freud postulará

que “são as pulsões, e não os estímulos externos, os verdadeiros motores dos progressos que conduziram o

sistema nervoso, com sua infindável capacidade de realização, ao seu tão elevado patamar de

desenvolvimento”14. Apenas esse último ponto será alterado na revisão de 1920, os demais predicados da pulsão

se manterão.

A dimensão do conflito decorrente do caráter parcial da pulsão foi sobreposta a um segundo conflito em

1910, no curto texto “concepção psicanalítica do transtorno psicogênico de visão”, entre pulsões sexuais e

pulsões do Eu. Em oposição às primeiras que buscam a satisfação de maneira autônoma, acarretando um risco

ao organismo, as segundas assegurariam que as funções vitais sejam conservadas. A introdução desse dualismo

possibilitou Freud apontar uma dimensão não-sexual do psiquismo, explicitando conflitos pulsionais .... . que

se encontra Além Ainda nos atentando a conceituação de pulsão de 1905/1915, cabe pontuar que nestes artigos

Freud está investigando a pulsão sexual, cuja meta é a diminuição da tensão vivenciada como prazer. Porém,

Freud procura manter também o campo pulsional o componente não sexual,

A psicologia clínica na formulação do problema de APP

Logo nos dois primeiros parágrafos do texto, Freud faz uma breve referência aos problemas ligados os

nexos entre conceituação teórica e prática clínica que não podemos subestimar a importância:

“Não é de nosso interesse investigar em que medida, estabelecendo o princípio do prazer, nos afiliamos a um sistema filosófico
particular, historicamente assentado. Chegamos a tais especulações na tentativa de descrever e dar conta dos fatos que diariamente
observamos em nossa área”.

Ao afirmar a importância do dado factual para a construção teórica, é possível compreender que, nesta

passagem, Freud aponta que os conceitos estão subordinados aos dados no que se refere à função terapeutica do

saber psicanalítico. A psicologia clínica apresenta, assim, um conjunto de fenômenos que são possíveis de
14
Freud, 1915, p.23

8
serem descritos, agrupados e tratados terapeuticamente a partir de um saber especulativo. Como aponta a

passagem, esse saber procura criar um quadro explicativo que não se filia, necessariamente, a um sistema

teórico já desenvolvido, uma vez que apresenta uma relação permanente com o factual. Dessa forma, caso

sejam apresentados dados que contradizem os fundamentos do sistema teórico, este terá que ser revisto.

Acreditamos ser essa a estratégia argumentativa utilizada por Freud ao introduzir uma série de fenômenos

que contrariam o princípio do prazer. Freud definirá o princípio do prazer a partir de dois pressupostos: i) o

princípio do prazer é incitado por um aumento de excitação vivida enquanto desprazer e procura abaixar essa

quantidade de tensão, o que gera a sensação de prazer. ii) o aparelho psíquico procura manter a sua excitação

interna o mais baixa possível.

A série apresentada por Freud consiste em quatro casos que possuem a característica de uma busca por

uma experiência de desprazer sem vinculação com qualquer tipo de prazer. Primeiramente são apresentados os

sonhos em casos de neuroses traumáticas, na qual o doente, após ter vivido um acidente inesperado, passa a

retornar constantemente à situação traumática através de seus sonhos. Freud aponta a relevância desse dado,

uma vez que contraria as teses apresentadas em "A interpretação dos sonhos” (1900) na qual o sonhos são

processos nos quais há uma vivência imaginária de uma realização de desejo; e, logicamente, o doente não

deseja voltar a situação traumática. A segunda situação se assemelha a primeira porque também diz respeito a

uma vivência de perigo, Freud observa uma brincadeira realizada por seu neto após sua mãe o deixar,

representando sua saída através do lançamento de um carretel e sua chegada com a puxada capaz de trazer o

objeto de novo a seu domínio. Freud nota que o fato da mãe da criança ir embora era motivo de desprazer e, ao

contrário, o retorno causava alegria a ela; os mesmos afetos eram vividos com o lançamento e a puxada do

carretel15. Contudo Freud nota que seu neto repetia compulsivamente o lançamento, não dando a mesma

importância à volta, como se a criança procurasse vivenciar a experiência de separação repetidas vezes. O

terceiro caso são as neuroses de transferência, fenômeno que ocorre na relação entre analista e analisante, em

que há uma atualização de vivências penosas ligadas ao complexo de Édipo, as quais o analisante procura

15
O caso é relatado entre os parágrafos 6 à 8 da segunda sessão de APP (1920/2010a, p.171-3)

9
repetir detalhadamente. Por fim, Freud nomeia um conjunto de fenômenos como neuroses de destino, casos em

que o indivíduo parece vivenciar passivamente situações de dor, nas quais temos a impressão que são

produzidas fora de sua influência, revivida como um destino.

Como dito anteriormente, os conceitos devem organizar a experiência clínica e possibilitar um manejo

terapêutico para esta. Apontando esse conjunto de fenômenos que apresentam elementos anômalos aos

fundamentos de sua teoria, Freud se propõe a elaborar uma hipótese que possibilite uma inteligibilidade para

tais fenômenos. É elaborada então a hipótese de uma “compulsão à repetição” que se sobrepõe ao princípio do

prazer devido a um caráter elementar e, portanto, anterior a este. Para procurar justificar tal hipótese, Freud

inicia uma nova etapa de sua investigação, na qual supomos que há uma mudança na relação estabelecida entre

prática clínica e campo conceitual.

Uma especulação forçada

A qualificação de “uma especulação forçada” (oft weitausholende Spekulation) é usada por Freud no

início da sessão IV de APP para denominar a próxima etapa que aí se inicia. Nela seu argumento se distancia

progressivamente de recursos do campo clínico, recorrendo a diversas áreas do conhecimento, com o intuito de

compor os meios para explorar sua hipótese. Entre elas a biologia, a mitologia e a filosofia. Essa é a parte

considerada mais polêmica do texto, onde se concentram as divergências teóricas provenientes de diferentes

linhas interpretativas.

Permito fazer uma divisão nessa região do texto (ainda de caráter provisório, como já dito) com o

objetivo de tornar mais evidente o que supomos ser os diferentes nexos existentes entre metapsicologia e

psicologia clínica e assim progredir na construção da hipótese da nossa pesquisa. Tomo a parte IV como uma

“especulação forçada pela experiência clínica”, expressão muito feliz escrita por Iannini e que procuraremos

desenvolvê-la. As sessões V-VII denominamos como “especulação forçada por exigências metapsicológicas”.

A expressão “especulação forçada pela clínica” evidencia que ainda existe algum tipo de nexo entre

campo empírico e especulativo na construção do argumento freudiano, embora não podemos dizer que é

10
semelhante ao anterior. Nesta sessão, Freud procura uma justificativa para a hipótese da anterioridade lógica da

compulsão à repetição em relação ao princípio do prazer com o objetivo de oferecer uma inteligibilidade aos

fenômenos tratados anteriormente. Assim, o campo empírico aparece como exigência última desta etapa

especulativa mesmo não estando presente em sua formulação.

Os esforços de Freud são em transformar uma série que aparecia enquanto uma anomalia da prática

clínica como um problema metapsicológico. Para tanto busca dar à compulsão à repetição um tratamento

econômico, ou seja, uma análise que privilegie a quantidade, a origem e os destinos da energia no interior do

aparelho psíquico. Dessa forma, Freud passa a trata-la a partir da mesma grandeza do princípio do prazer: o

acumulo de tensão no organismo e sua descarga. No desenvolvimento do seu problema, o autor faz uso da

teoria do trauma, elaborada por ele e Breuer em 1895 em “Estudos sobre histeria”. Seu argumento se ocupa

primeiramente na diferenciação entre energia em estado livre e ligada. No primeiro caso a energia flui

livremente, sem o controle do aparelho psíquico, enquanto no segundo, ela está incorporada (ligada) à

determinadas partes do aparelho. Como dito ao comentarmos a passagem de 1905/1915 acerca da definição de

pulsão, esta é tomada como uma força exterior ao aparelho psíquico, se apresentando a partir de seu

representante psíquico. Desta maneira, Freud introduz a possibilidade da pulsão ser pensada para além do seu

componente representacional, para tanto reintroduz o tópico da vivência de dor traumática. Essa experiência é

compreendida a partir de um ponto de vista econômico como uma grande soma de excitações advindas de uma

fonte externa capaz de romper as proteções do organismo, invadindo-o sem que este estar preparado. Segundo

essa teoria, em tais situações o aparelho psíquico utiliza como mecanismo de defesa o “contrainvestimento”, no

qual no qual há o “desligamento” de somas energéticas que até então estavam ligadas a certas regiões do

aparelho psíquico com o intuito de criar, em torno do local da irrupção, ligações suficientes fortes que dominem

o influxo invasor.

A nosso ver, Freud conclui o desenvolvimento do problema acerca da manifestação clínica da compulsão

à repetição ao se “arriscar” a interpretar os sintomas da repetição a partir da analogia destes com a vivência de

11
dor, na seguinte passagem Freud apresenta sua hipótese de leitura para o caso das neuroses traumáticas, o

mesmo raciocínio será estendido as demais manifestações trabalhadas nas sessões anteriores:

Creio que podemos nos arriscar a ver a neurose traumática ordinária como a consequência
de uma vasta ruptura contra estímulos[...] Se os sonhos dos neuróticos que sofreram
acidentes fazem os doentes voltarem regularmente à situação do acidente, então eles não se
acham a serviço da realização de desejo, cuja satisfação alucinatória tornou-se, sob domínio
do princípio do prazer, função dos sonhos. Mas podemos supor que desse modo eles
contribuem para outra tarefa, que deve ser resolvida antes que o princípio do prazer possa
ter começar seu domínio. Tais sonhos buscam lidar retrospectivamente com o estímulo [...]
a outra tarefa do aparelho psíquico, controlar ou ligar a excitação, teria precedência, não em
oposição é certo, mas de forma independente dele e sem consideração por ele, em parte 16.

Ao definir esse segundo princípio cuja função é controlar os estímulos, possibilitando que estes sejam

regulados pelo princípio prazer, Freud justifica a hipótese da anterioridade da compulsão à repetição em relação

ao princípio do prazer. Os passos seguintes irão, ao nosso ver, dar um novo estatuto ao problema da repetição a

partir de um tratamento metapsicológico, procurando incorporar esse princípio de ligação ao edifício teórico de

Freud. Supomos que

A hipótese do caráter regressivo da pulsão e a querela em torno da especulação

A pulsão, conforme a definição de 1905/1915, é localizada em uma região fora do aparelho psíquico, sendo

incorporada a este somente através de um “representante psíquico”. Dessa maneira, a pulsão era tratada

sobretudo através de seu aspecto de energia ligada. Em APP Freud assume outra posição: “Talvez não seja

muito arriscado supor que os impulsos que partem as pulsões não obedecem ao tipo de processo nervoso

‘ligado’, mas àquele livremente móvel, que pressiona por descarga” 17. Essa mudança teórica possibilita a Freud

o levantamento de novas questões acerca da vida pulsional, sobretudo a respeito de seu componente que está

fora do controle do aparelho psíquico e, portanto, fora do princípio do prazer.

Em busca do aspecto mais elementar da pulsão, Freud levanta a hipótese que a pulsão é uma força que

visa reestabelecer estados anteriores. A definição é vaga, o que são os esses estados anteriores? Conforme

mostrarei a seguir, esse ponto possibilitará diferentes tipos de interpretações acerca da pulsão. Mesmo diante de

tal indefinição, podemos levantar a suposição de uma dificuldade na apreensão de tal conceito, sendo

16
1920/2010a, p.194
17
1920/2010a, p.198

12
justificadas por passagens que evidenciam as dificuldades de Freud prosseguir seu argumento (localizar). Para

comprovar a hipótese, Freud continuará a fazer uso da especulação, porém, ao contrário do movimento anterior,

no qual o autor procurava a comprovação de uma hipótese que foi colocada a partir de um problema clínico,

nesta etapa Freud trata apenas de questões metapsicológicas, mostrando, inclusive, a incompatibilidade de um

tratamento clinico a elas, como mostro a seguir.

Para desenvolver suas ideias, Freud passa a radicalizar a hipótese de que a pulsão busca um estado

anterior, levantando a suspeita que em última instância a pulsão levaria ao estado anterior ao surgimento de

vida. Em mais um movimento delicado, o autor define a origem da vida a partir do aparecimento de tensão que

fez da matéria inorgânica, matéria viva. Logo, o estado anterior ao surgimento de tensão, é o estado inorgânico.

A seguinte passagem procura constituir esse atributo da pulsão:

Terá de ser, isto sim, um velho estado inicial, que o vivente abandonou certa vez e ao qual
ele se esforça por voltar, através de todos os rodeios de seu desenvolvimento. Se é lícito
aceitarmos, como experiência que não tem exceção, que todo ser vivo morre por razões
internas, retorna ao estado inorgânico, então só podemos dizer que o objetivo de toda vida é
a morte, e, retrospectivamente, que o inanimado existia antes que o vivente.18

Conforme a passagem, a pulsão, em última instância, é uma força que impulsiona o vivente a um estado

elementar, livre de tensões e, portanto, busca a própria morte. Com o objetivo de fundamentar tal passagem,

Freud passa a uma longa reflexão que busca inicialmente na biologia e, em um segundo momento, na filosofia,

os argumentos que comprovem a anterioridade da morte em relação à vida. Foge dos escopos deste projeto a

reconstituição e avaliação dos passos dados por Freud, contudo, é relevante destacar que Freud não procura no

material empírico para a comprovação de sua hipótese, indicando a evidencia que neste momento de seu

argumento há uma cisão entre questões metapsicológicas e clinicas.

Conforme dito, autores como Jones, Whitebook, Kimmerle, Marin, localizam nas questões colocados a

partir d’ “a introdução ao narcisimo” certos embaraços teóricos envolvendo a manutenção do dualismo

pulsional em meio a tese do narcisismo que terão consequências na formulação do conceito de pulsão em

APP19. O dualismo mantido entre 1914-1920, apesar das dificuldades, é em APP redefinido através do
18
204
19
Em dois momentos do texto, em uma longa passagem entre os parágrafos 16 e 17 da sessão VI de APP (2010a, p.221-3) e,
igualmente na nota 35 (2010a, p.235) Freud expõe o histórico do problema da dualidade pulsional no desenvolvimento de sua

13
desenvolvimento do conceito de pulsão. Como Freud pontua, o movimento da pulsão em última instância busca

a anterioridade da vida a partir de uma descarga que retire toda a tensão do organismo; contudo, Freud

questiona ser essa a única força atuando no ser humano, uma vez que existe um prolongamento de vida entre o

nascimento até a morte. Freud postula a existência de pulsões contrárias ao movimento que levam o organismo

à morte, assegurando dessa forma sua vida. Estas são denominas pulsões de vida e são compostas pelas pulsões

sexuais, que asseguram a perpetuação da espécie, e as pulsões de auto conservação, que protegem o organismo

de uma morte ocasionada por fatores externos ao organismo. As pulsões de vida são caracterizadas, de um

ponto de vista econômico, como responsáveis por uma “magnificação” da tensão do organismo; sob um ponto

de vista que evidencie seu caráter regressivo, Freud compara com a força de Eros apresentada por Aristofánes

no Banquete de Platão, no qual representa uma força que procura reestabelecer uma união perdida através da

reunião das partes. Dessa maneira, Freud evidencia o aspecto de ligação das pulsões de vida. Em oposição estão

as pulsões de morte, atribuídas a capacidade de desligamento, que em última instância leva à morte.

Conforme dito anteriormente, Jones aponta que uma linha interpretativa de APP surgida a partir dos trabalhos

de Klein que procura encontrar em fenômenos observáveis na clínica os elementos especulativos de Freud,

realizando uma leitura que desconsidera os diferentes nexos entre o campo conceitual e empírico. O

posicionamento de Hanna Segal20 é exemplar para compreender tal linha teórica. A autora reconhece as

diferenças entre ambos os campos metapsicológico e empírico, mas advoga em favor de uma leitura não

metapsicológica dos conceitos de APP:

Penso que Freud sublinhou, de maneira parcialmente defensiva, o aspecto biológico, o que permitiu que outros,

e as vezes ele mesmo, apresentassem suas idéias sobre a pulsão de morte como uma especulação biológico [...]

O conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte poderia ser formulado em termos puramente psicológicos.

obra e e suas consequências na sustentação das hipóteses de APP, corroborando com a posição dos interpretes.
20
1986

14
Para tanto, Segal utiliza de casos clínicos que evidenciam “impulsos agressivos” de pacientes, suprimindo

qualquer referência ao aspecto temporal da pulsão. Jones defende uma posição contrário, como podemos ver no

trecho a seguir:

A pulsão de vida e de morte não são psicologicamente perceptíveis como tais; são pulsões
biológicas cuja existência é exigida apenas pela hipótese. Assim sendo, segue-se que,
falando estritamente, falando estritamente, a teoria das pulsões fundamentais é um conceito
que deve ser aduzido somente num contexto teórico, e não em discussão de natureza
empírica ou clínica.21

Joel Whitebook, faz uma leitura que, mesmo afirmando considerar indefensável o argumento especulativo de

Freud, ainda considera de grande relevância o caráter regressivo da pulsão; para tanto procura alargar os

contornos do conceito a partir de uma leitura baseada no paradigma winnicottiano, centrado este na relação

mãe-bebê como fundamento psicológico do desenvolvimento psíquico. Desta forma, o autor localiza na

experiência vivida entre o bebê e sua mãe, especificamente na etapa de narcisimo primário, o ponto elementar

no qual a pulsão procura retornar:

Once primary narcissim breaks down and separation emerges, accoording to Freud, we
Project that experience of perfection ahead o fus and, as we have observed, seek to
recapture it in one form or another rheoughout our lifes.

A posição de Whitebook é igualmente questionável tomando como referência o texto freudiano. Conforme

mencionamos, a posição epistemológica de Freud aponta para um saber que censura a formalização em um

sistema, mantendo uma permanente relação com o dado empírico e revisão do seu quadro teórico. Contudo,

procurei mostrar no desenvolvimento da justificativa, que há evidencias no texto freudiano de uma cisão entre

metapsicologia e prática clínica ao tratar das pulsões. Freud, desde a definição de 1905/1915 apresenta a pulsão

como um componente exterior ao aparelho psíquico, inapreensível para este. Ao introduzir o problema da

atuação de um aspecto não controlado da pulsão a partir da pulsão de morte, Freud apresenta indícios mais

fortes da impossibilidade de delinear aspectos psicológicos da pulsão, como na seguinte passagem em que

Freud supõe traços sádicos da pulsão de morte: “Se for permitido fazer permitido fazer tal suposição, estará

satisfeita a exigência de oferecer um exemplo de uma – deslocado, é certo – pulsão de morte. Essa concepção,

porém, está muito longe de qualquer evidência e cria uma impressão quase mística” 22. Nas palavras do autor, a
21
1975, p. 607
22
1920/2010a, p.226

15
busca empírica do componente pulsional irá encontrar exemplos deslocados, evidenciando o caráter

inapreensível da pulsão a partir de componentes sensíveis.

De modo semelhante a Whitebook, Andre Green procura retraduzir o significado das pulsões a partir de

um registro mais próximo da experiência, mesmo que o autor reconhecendo a cisão existente entre o a

metapsicologia e a psicologia:

Se não perdemos de vista que a teoria das pulsões pertence à ordem dos conceitos e,
portanto, nunca pode ser totalmente provada pela experiência, estes conceitos têm por
finalidade esclarecer a experiência e não poderiam ser dissociados dela. Isto nos leva a
afirmar que mesmo se formulamos as pulsões como entidades primeiras, fundamentais, isto
é, originárias, deve-se, no entanto, admitir que o objeto é o revelador das pulsões. Ela não
as cria – e sem dúvida podemos dizer que é criado por elas, pelo menos em parte – mas é a
condição de seu vir a existir. E é através desta existência que ele mesmo será criado ainda
que já estando lá. É esta a explicação da ideia de Winnicott do encontrar-criar [...]
Propomos a hipótese de que a meta essencial das pulsões de vida é de garantir uma função
objetalizante, o investimento significativo [...] Pelo contrário, a meta da pulsão de morte é
de realizar ao máximo uma função desobjetalizante através do desligamento

Em tal passagem, o autor também procura aproximar as hipóteses de APP ao paradigma winnicottiano,

aproximando a função de ligação a uma “meta essencial” da pulsão, que o autor denomina função

objetalizante. Ora, suspeitamos que essa caracterização se distancia da formulação freudiana; Freud pontua

a investigação em torno da pulsão como “o elemento mais importante e mais obscuro” de sua investigação,

mesmo sendo vaga a expressão, ela evidencia a dificuldade dos uso de tal conceito.

Apresentação da hipótese da pesquisa

A pesquisa assume uma abordagem interpretativa que privilegia a compreensão dos vínculos

internos da construção argumentativa da hipótese do caráter regressivo da pulsão em APP, procuramos

compreender o papel ocupado pelos diferentes elementos e a coerência estabelecida entre eles,

16
independentemente da comprovação de sua veracidade. Para tanto, acreditamos ser de grande relevância

aos interpretes, a ciência do tipo de relação existente entre metapsicologia e prática clínica nas diferentes

etapas do texto, uma vez que o estatuto dos conceitos e as relações estabelecidas com os demais

elementos do texto dependem da compreensão acerca do tipo relação estabelecida entre tais campos.

Buscamos estabelecer certas divisões do texto que assinalem um determinado nexo comum estabelecido

entre a psicologia clínica e a metapsicologia no desenvolvimento do problema. Ainda, em caráter

hipotético, assinalamos três partes diferentes:

- Formulação do problema a partir da experiência clínica: sessões I-III. Etapa que a metapsicologia

está subordinada ao exame do material empírico.

- Especulação forçada pela experiência clínica: sessão IV, parágrafos 1-4 da sessão V. Etapa que a

metapsicologia é utilizada com o intuito de justificar a hipótese da anterioridade da compulsão à

repetição em relação ao princípio do prazer, oferecendo uma interpretação aos sintomas apresentados. O

argumento não recorre ao uso de material clínico.

- Especulação forçada por exigências metapsicológicas. Sessão V a partir do 5°parágrafo, Sessão VI

e VII. – Cisão entre campo metapsicológico e clínico, a conceituação é realizada para conferir coerência

interna ao quadro teórico, não recorrendo ao campo empírico.

Objetivos

Meu objetivo geral é investigar os diferentes nexos estabelecidos entre metapsicologia e psicologia

cliníca na construção da hipótese do caráter regressivo da pulsão em APP. Para tanto, meus objetivos

específicos são: i) investigar os aspectos epistemológicos da metapsicologia freudiana; ii) realizar uma

leitura de APP que pontue as diferentes partes da argumentação freudiana a partir da transformação das

articulações estabelecidas entre o material clínico e metapsicológico; iii) indicar os nexos internos

estabelecidos na argumentação denominada como especulativa; iv) revisar a querela interpretativa em torno

do conceito de pulsão a partir dos comentários de Jones, Whitebook, Green e Kimmerle.

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Plano de trabalho e cronograma de sua execução

Etapa I) Leitura, sistematização e análise da bibliografia acerca da epistemologia da psicanálise

freudiana. Nesta etapa procuro investigar de que maneira foi compreendida as condições do saber

psicanalítico, me concentrando na particularidade de ser uma prática terapêutica e uma área de investigação

dos processos inconscientes.

Etapa II) Leitura, sistematização e análise da bibliografia dos artigos metapsicológicos acerca da

temática da pulsão, entre eles: “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), “Concepção

psicanalítica do transtorno psicogênico da visão” (1910); “Introdução ao narcisismo” (1914); “As pulsões e

seus destinos” (1915); “Batem numa criança” (1919); “O inquietante” (1919); “Além do princípio do

prazer” (1920); “Psicologia das massas e análise do eu” (1921); “O eu e o isso” (1923); “O problema

econômico do masoquismo” (1924) e “Mal estar na civilização” (1930).

Etapa III) Leitura, sistematização e análise da bibliografia secundária

Etapa IV)

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