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A MATERIALIIDADE DO LAUDO DIAGNÓSTICO E NOVOS SENTIDOS

O laudo diagnostico de TEA é o documento resultante da avaliação clínica realizada por


uma equipe multidisciplinar composta por neurologista e/ou psiquiatra, fonoaudiólogo e
psicólogo.

São realizadas de 3 a 8 sessões de 40 minutos a uma hora, em que se observa os quesitos


inseridos em extensos protocolos padronizados, avalizando o que os pacientes não realizam de
acordo com o esperado para a idade ou comportamento social.

A avaliação é clínica, pela classe médica é a partir da anamnese, o exame físico e com
solicitação de exames laboratoriais de sangue ou de neuroimagem, mas, estes exames atuam
mais como excludentes de lesões, não como a confirmação de alguma alteração cerebral que
defina o TEA, são para diagnóstico diferencias de sinais de cromossopatias ou anomalias
genéticas possíveis. As pesquisas genéticas estão em processo evolutivo para maior
compreensão do TEA que identificaram marcadores genéticos para a patologia.

A avaliação é realizada inicialmente com uma anamnese1 com os pais, no caso se for
uma criança, colhendo dados referentes ao seu desenvolvimento e relacionando-os com a
queixa que os motivaram a procurar o atendimento médico.

Após a conversa inicial, inicia-se o processo de avaliação, que ocorre na presença dos
pais, se a avaliação for realizada pelo médico neurologista ou psiquiatra. E quando a avaliação
é realizada pelos terapeutas pode ser ou não na presença dos pais, pois é avaliado as relações e
interações comportamentais sem o auxílio dos mesmos. Além das (in) capacidades dos mesmos,
seguindo os critérios dos protocolos, em que, segundo Orrú (2016), os critérios estão presentes
nos manuais de diagnóstico da área médica que tem a finalidade de nomear, identificar a falta
de capacidade das coisas ou dos fatos difíceis de explicar, qualidades do que é normal. Este
termo representa a capacidade de distinguir o que é verdadeiro do falso, o bom do mau, é
autoridade. Qualifica os indivíduos por categorias.

Os terapeutas têm por regra a realização de visitas extra clínicas, nos espaços de
interação e convívio se o paciente for criança, como no espaço escolar e espaço de lazer. Faz-se
necessária a observação dos comportamentos extra sala clínica, pois segundo o DSM-V (2013) a
criança deve apresentar as alterações apontadas em todas as instâncias que possam se
relacionar, como segue o modelo:

Em todas as práticas discursivas apresentadas, os sujeitos relataram como era a criança


antes e depois que se materializou o laudo, como foi boa a mudança ocorrida, superando as
expectativas de que um sujeito com deficiência teria só limitações. No caso do TEA, como uma
área muito afetada é a comportamental, houve notórias atitudes frente aos colegas, aos
professores e aos familiares.

Nestas referências de antes e depois, o que segundo Pitombo-Oliveira (2007


p.50) “é fundamental para se compreender o funcionamento do discurso e sua relação com a

1
Anamnese: (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista realizada pelo profissional de
saúde um questionário para saber o histórico de todos os sintomas narrados pelo paciente ou seus tutores, no caso
de crianças, sobre determinado caso clínico, dados não somente refentes à queixa, mas ao processos que estariam
relacionados à esta.
ideologia o fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade de todo dizer”, como
observaremos nas falas:

EPAI: antes do laudo: A dificuldade de você ficar repetindo várias


vezes, de você falar, falar, falar, falar. Falar alto às vezes porque ele
não entendia, não entendia que era com ele, tanto é que ele fala
sempre na terceira pessoa. Ele não fala: “ahh eu quero comer, é o ...
quer comer”. “O quer beber” ele não vê o eu, então acho que isso dá
uma certa dificuldade. Não se entendia isso. Meu filho tem uma certa
deficiência em tal área né. A partir do momento que você recebe este
laudo você tem que abraçar a causa porquê ... você ama teu filho, você
quer bem ele, você não tem como, ahh, nasceu, tenho problema, vou
virar as costas e descartar este daí e vamos fazer outro. Não é assim
que funciona. A gente recebeu o laudo, eu te confesso que eu fiquei
triste mas, é o nosso filho não pode se virar, então a gente tem que
reverter esta situação, como te falei, hoje eu me desdobro em leva e
traz e busca, ensina, pinta, cria para ele ser motivada e ter gosto em
fazer alguma coisa.

Depois do laudo: então aquele passado antes pra mim não importa, o
que importa o hoje, o dia de hoje, ensinar ele e ver que ele tem
melhora, ver que ele tem (pausa) e ver que ele tem ensinamento no
dia a dia, tem interação, consegue se comunicar com as crianças,
consegue brincar com as crianças do jeito dele, do jeito dele, então
tem algumas brincadeiras que ele, como qualquer outro menino
também que consiga se desenvolver normal, ele também faz
normalmente mas algumas coisas ele.

A materialização do laudo diagnóstico teve seu real papel representado, em que sua
maior função é identificar, classificar e nomear a patologia específica. Como refere Foucault

(1999, p. 156) a escrita serve para esta classificação. Mas para o pai em questão, o laudo não
apareceu como um vilão para estigmatizar seu filho, mas sim despontou o deslocamento,
impelindo a uma fronteira, à um novo mundo, se posicionando como novos sentidos que a nova
linguagem lhe deu de aceitar e posicionar como pai, cuidador e orientador de seu descendente.

EMÃE: antes do laudo: de fugir um pouco dos amiguinhos, se isolar,


no começo interage, mas quando você vê, já está saindo na tangente
ali e ficando mais sozinho. Realmente ele fazia isso, mas só como ele
interagia um pouco no começo, eu achava que não, que ele tinha
interação, mas depois ele dava as escapadas dele né. Ali que eu via
mesmo, é realmente ele gosta mais de ficar sozinho e brincar com as
coisas, ele não brincava com os brinquedos do jeito certo, o brinquedo
tem aquela função, ele sempre usava para outra né.
Depois do laudo: é que eu tinha, morria de medo de efeito colateral,
morria de medo de ficar dopadão... [mas não é uma dose muito baixa]
(fala da médica). E eu não imaginava que isso ia fazer uma diferença,
essa diferença que fez, sei lá, acalma ele, na concentração, ele está
mais concentrado, no foco, ele consegue se socializar mais hoje. Foi
Fantástico!

E estas coisinhas que eu fui depois do laudo e eu estudando mais que


eu fui ver que realmente ele se encaixa, né? Que até então você não
cai a ficha que você acha que é normal, sei lá, né, ahh não gosta faz
parte dele, eu também não gosto de certas coisas, você acha que é
assim, né, muda! Porque até você não ter, mas será fica aquela coisa
no ar, né? Será, será que tem mesmo? E aí você com certeza modifica
seu modo de pensar depois de ter o LAUDO.

Para o sujeito mãe, o deslocamento fronteiriço agiu de forma à aceitar que seu
filho não faz parte de uma sociedade homogeneizada, onde todos ao receberem uma medicação
se apresentaram da mesma forma comportamental e formular os sentidos que o laudo não
definiu os limites reducionistas de aprendizagens, mas sim, o colocou participativo e integrado
ao convívio não somente escolar, mas na sociedade como um todo.

ECOORD: hoje a gente fala do F, causa bastante emoção na escola pra


todo mundo, porque a gente pegou ele numa situação bem
crítica...não quer ver aquilo que está instalado...se a gente for falar do
F do ano passado e esse ano, teve um a mudança assim brusca mesmo,
né?

Questão comportamental, questão de aprendizagem... agente


percebia que precisava da medicação porque não era dele aquela
situação.

EPROF: Então, isso me entristeceu muito, e por outro lado eu fiquei


muito feliz é....da questão dele estar tão diferente este ano...sempre
foi feliz, mas hoje ele é mais feliz, você precisa vê-lo, É um sonho...e
digo assim, é todo mundo viu a melhora ...não concentrava, por mais
que não está na minha sala, a gente vê o progresso dele a cada
dia....uma criança com falta de limite não faria uma mudança tão
radical em pouco tempo assim de medicação “

Para os discursos escolares, o laudo diagnóstico, nesse caso, não trouxe o estigma de
tornar o aprendiz em aluno autista. Como a coordenadora afirmou, há a possibilidade do laudo
tornar-se um meio de rotular a criança, pois, para ela, o maior empecilho da inclusão se
estabelecer são as barreiras humanas que consistem em coisificar as pessoas diferentes.
Embora como Pêcheux nos afirma, é necessário o deslocamento para outro mundo para
que se estabeleça uma nova linguagem compreensível à todos, e na inclusão faz-se necessário
por hora muitas quebras de barreiras invisíveis.

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