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SUMÁRIO

AVALIAÇÃO PANCREÁTICA
1. Função endócrina do pâncreas............................. 3
2. Função exócrina do pâncreas................................ 4

AVALIAÇÃO HEPÁTICA
1. Quais as funções hepáticas? ...............................13
2. Avaliação de lesão hepática.................................15
3. Avaliação da excreção hepática .........................18
4. Avaliação da síntese hepática.............................23
5. Avaliação da metabolização hepática..............24
6. Intervalos de referência..........................................25
Referências bibliográficas .........................................27
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 3

AVALIAÇÃO As células Alfa, correspondem a 25


% de todas as células da ilhota, pro-
PANCREÁTICA duzem glucagon, hormônio hiper-
O pâncreas é uma glândula que pode glicemiante, com ação contrária à da
ser dividida em pâncreas exócrino, insulina. Ele estimula a glicogenólise
constituído pelos ácinos pancreáti- (degradação do glicogênio em glico-
cos que produzem e secretam enzi- se) no fígado, afim de aumentar a gli-
mas digestivas no duodeno, e pân- cose sanguínea.
creas endócrino, constituído pelas As células Beta, correspondem a
ilhotas de langerhans, que produzem 60% do total, produzem a insulina,
hormônios e secretam na corrente hormônio hipoglicemiante (respon-
sanguínea. sável por colocar a glicose da corren-
te sanguínea para dentro da célula),
1. FUNÇÃO ENDÓCRINA anabólico e de armazenamento do
DO PÂNCREAS excesso de energia, interferindo no
metabolismo dos carboidratos, das
No indivíduo adulto, o pâncreas endó- gorduras e proteínas.
crino consiste em aproximadamente
As células Delta, representam 10%
um milhão de ilhotas de Langerhans
do total, produzem a somatostatina,
distribuídas por toda a glândula, po-
inibidor universal das células secreto-
rém representa apenas 1-2% de
ras. A somatostatina age localmente
toda massa pancreática. No interior
nas próprias ilhotas de Langherans,
das ilhotas possuem 3 tipos celulares
para deprimir a secreção de insulina e
principais que recebem destaque por
de glucagon.
sua produção hormonal (figura 1).

Figura 1. Anatomia de uma ilhota de


Langherans. Fonte: Guyton, 2011.
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 4

2. FUNÇÃO EXÓCRINA DO são a tripsina, a quimotripsina e a


PÂNCREAS carboxipolipeptidase. A tripsina é a
mais abundante e a responsável por
A secreção pancreática exócrina
ativar as outras duas enzimas. A en-
contém múltiplas enzimas para di-
zima pancreática responsável pela
gerir todos os três principais grupos
digestão de carboidratos é a amila-
de alimentos: proteínas, carboidra-
se pancreática, que hidrolisa amidos,
tos e gorduras. Contém, ainda, gran-
glicogênio e outros carboidratos (ex-
de quantidade de íons bicarbonato e
ceto celulose), para formar, principal-
água que contribuem, de modo muito
mente, dissacarídeos e alguns trissa-
importante, para a neutralização da
carídeos. As principais enzimas para
acidez do quimo, transportado do es-
digestão das gorduras são a lipase
tômago para o duodeno.
pancreática, colesterol esterase e a
Essa secreção pancreática é contro- fosfolipase.
lada por mecanismos hormonais e
As enzimas responsáveis pela di-
neuronais. Os principais hormônios
gestão das proteínas são liberadas
reguladores são a secretina e a co-
no pâncreas em sua forma inativa
lecistoquinina (CCK). A secretina
(tripsinogênio, quimotripsinogênio,
é liberada da mucosa duodenal em
procarboxipolipeptidas), sendo ativa-
resposta à presença de ácido no duo-
das apenas ao chegar ao duodeno,
deno e estimula principalmente a li-
pois caso contrário, poderiam digerir
beração de bicarbonato e água das
o próprio pâncreas. Como mecanis-
células do ducto interlobular. A CCK
mo de proteção, o pâncreas secreta
é liberada das células endócrinas do
uma substância, denominada inibidor
intestino em resposta à entrada de
de tripsina, responsável por inativar a
gordura e proteína no intestino proxi-
tripsina, ainda nas células secretoras,
mal e atua diretamente e através dos
nos ácinos e nos seus ductos. E já que
aferentes vagais para estimular as
a tripsina é a responsável por ativar
células acinares do pâncreas a liberar
as outras enzimas proteolíticas pan-
proenzimas digestivas.
creáticas, o inibidor da tripsina evita,
Aa enzimas pancreáticas mais im- também, a ativação destas.
portantes na digestão de proteínas,

SAIBA MAIS!
Quando o pâncreas é lesado gravemente ou quando ocorre bloqueio do ducto, por cálculo por
exemplo, grande quantidade de secreção pancreática se acumula nas áreas comprometidas
do pâncreas. Nessas condições, o efeito do inibidor de tripsina é insuficiente, e as secreções
pancreáticas ficam ativas e podem digerir todo o pâncreas, em questão de poucas horas, le-
vando à condição denominada pancreatite aguda.
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• Doença extrapancreática: A ele-


SE LIGA! A amilase e a lipase sérica são vação da amilase e lipase não é
testes utilizados como marcadores bio- específica da doença pancreática
químicos para avaliação de pancreatite
e pode ser elevada em pacientes
aguda em pacientes com dor abdominal.
com outras condições intra ou ex-
tra-abdominais ou com uso de me-
Enzimas pancreáticas de uso na dicamentos. A maioria das causas
prática clínica extrapancreáticas de elevações
das enzimas pancreáticas não es-
A elevação da amilase e lipase podem
tão associadas a uma elevação su-
acontecer tanto pelo aumento da pro-
perior a três vezes, como na pan-
dução pancreática ou extrapancreáti-
creatite aguda.
ca ou pela diminuição de sua depura-
ção. No entanto, vale ressaltar que em
alguns casos, pode haver o aumento SE LIGA! Embora a maioria das causas
extrapancreáticas das elevações das
das enzimas pancreáticas na ausên-
enzimas pancreáticas não esteja asso-
cia de uma doença identificável. ciada a uma elevação superior a três ve-
zes, foi observada lipase superior a três
• Doença pancreática: A primei- vezes o normal em pacientes com insu-
ra doença que nos vem à mente ficiência renal, tumores malignos, cole-
quando falamos de amilase e li- cistite e esofagite.
pase é a pancreatite aguda (PA).
Pacientes com PA apresentam
valores alto dessas enzimas, ge-
SE LIGA! A elevação das enzimas pan-
ralmente uma elevação 3 vezes creáticas não é específica para pancrea-
maior que o limite normal da ami- tite aguda. Entre 11 e 13% dos pacien-
lase e/ou lipase. No caso da pan- tes com dor abdominal de origem não
creatite alcoólica e pancreatite pancreática apresentam enzimas pan-
creáticas elevadas.
crônica agudizada, as elevações
enzimáticas também acontecem,
porém não são tão significativas Amilase
como na pancreatite aguda. As
enzimas pancreáticas também po- Como falamos acima, a principal fun-
dem estar elevadas após trauma ção da amilase é clivar o amido em
no pâncreas, colangiopancreato- polissacarídeos menores no proces-
grafia retrógrada pós-endoscópica so de digestão. Vimos que a amilase
(CPRE), obstrução ou cirurgia do é produzida pelo pâncreas, porém ela
ducto pancreático. também é produzida pelas glândulas
salivares, e em pequenas quantida-
des em outros tecidos. Por isso, além
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de estar elevada em afecções pan- complexos conhecidos como ma-


creáticas, também se eleva em outras croamilase. Devido ao tamanho
doenças. Várias isoformas da amilase desses complexos, a excreção re-
podem ser identificadas por eletrofo- nal é reduzida e o nível de amilase,
rese, as formas S de origem salivar e medido por testes sorológicos, é
a forma P derivada do pâncreas são aumentado. Várias doenças foram
as mais abundantes. A amilase é eli- descritas em associação com a
minada principalmente pelo sistema macroamilasemia, incluindo doen-
reticuloendotelial (75%) e pelos rins ça celíaca, infecção pelo HIV, linfo-
(25%). Essa enzima eleva-se duas a ma, colite ulcerativa, artrite reuma-
doze horas após início dos sintomas, toide e gamopatia monoclonal.
com pico em 24 horas e normaliza-
• Hiperamilasemia idiopática -Ele-
ção em dois a três dias. Possui sen-
vações persistentes da amilase
sibilidade de 75 a 92%, e especifi-
podem ser uma variante normal,
cidade de 20 a 60% no diagnóstico
como na síndrome de Gullo, hipe-
de pancreatite aguda. O intervalo de
renzinemia pancreática benigna
referência é de aproximadamente 25
familiar, na qual os pacientes pos-
a 125 unidades/L.
suem aumento das enzimas pan-
creáticas, na ausência de enfermi-
Causas de elevação isolada de dade pancreática.
amilase
SE LIGA! A amilase com níveis normais
• Doenças salivares - As doenças
é relatada em 19 a 32 por cento dos pa-
salivares, incluindo a parotidite, as- cientes com pancreatite aguda.
sociadas ao uso de álcool, podem
resultar em elevações da amilase
sérica de origem salivar. Os ensaios Lipase
de amilase mais comumente usa- A principal função da lipase pancre-
dos não são capazes de diferen- ática é hidrolisar triglicerídeos em
ciar amilase salivar e pancreática, glicerol e ácidos graxos livres. Ao
e a medição de isoenzimas no soro contrário da amilase, a lipase pode ser
não está amplamente disponível. reabsorvida nos túbulos renais, o que
• Macroamilasemia - Os níveis sé- aumenta sua meia-vida (6,9 a 13,7
ricos de amilase podem estar ele- horas). A lipase é principalmente sin-
vados em ambientes nos quais a tetizada e armazenada como grânu-
amilase está ligada a outras ma- los nas células acinares pancreáticas.
cromoléculas, como imunoglobu- Sua atividade depende da presen-
linas e polissacarídeos, formando ça de outra enzima, a colipase, que
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facilita a ligação a gotículas de triglice- • Pancreatite alcoólica aguda - Pa-


rídeos e evita que seja desativa pelos cientes com pancreatite alcoólica
sais biliares. A lipase eleva-se duas a aguda podem apresentar amilase
doze horas após início dos sintomas, normal e lipase sérica elevada. O
com pico em 24 horas, mas em con- valor na faixa normal de amilase foi
traste com a amilase, continua eleva- significativamente associado a vá-
da por um período mais prolongado, rios ataques anteriores, sugerindo
de sete a dez dias. Possui sensibili- que o parênquima pancreático não
dade de 50 a 99% e especificidade é mais capaz de produzir quanti-
de 86 a 100%, sendo mais específica dades suficientes de enzimas.
do que a amilase no diagnóstico de
• Pancreatite crônica agudizada -
pancreatite aguda. Os intervalos de
O tecido pancreático na pancrea-
referência variam consideravelmente,
tite crônica demonstra um declínio
dependendo do laboratório.
na atividade da amilase e da lipa-
se, com diminuição maior da ativi-
Causas de aumento isolado ou dade da amilase em comparação à
predominante da lipase lipase (91 versus 26%).
Várias condições podem estar asso- • Pancreatite induzida por hi-
ciadas a uma elevação predominante pertrigliceridemia – A hipertri-
da lipase sérica e a elevações normais gliceridemia é uma causa rara de
ou mínimas da amilase. pancreatite. Nesses pacientes, os
níveis séricos de amilase podem
estar normais. Acredita-se que o
• Apresentação atrasada da pan- excesso de triglicerídeos possa im-
creatite aguda - Como a amilase possibilitar a medição da amilase
sérica tem uma meia-vida mais ou que talvez exista um inibidor da
curta em comparação com a lipase enzima no plasma desses pacien-
sérica, os pacientes com uma apre- tes. Por outro lado, a lipase, além
sentação retardada da pancreatite de não sofrer influência da HTG,
aguda podem apresentar eleva- mantém sua concentração elevada
ções isoladas da lipase. Os níveis por mais tempo.
de amilase tendem a se normalizar
em poucos dias após um episódio
de pancreatite aguda, enquanto os
níveis de lipase permanecem ele-
vados por vários dias.
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SAIBA MAIS!
A suspeita de pancreatite aguda deve ser feita em todo paciente com início agudo de
dor abdominal persistente e intensa, na região epigástrica ou andar superior do abdo-
me, podendo irradiar-se para o dorso e com sensibilidade à palpação no exame físico. Em
90% dos casos a dor vem associada a náuseas e vômito que pode estar relacionada à inten-
sidade da dor ou a irritação da parede posterior do estomago. Em pacientes com essas carac-
terística e elevação da lipase ou amilase sérica até três vezes ou mais que o limite superior do
normal, nenhuma imagem é necessária para estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda.
Em pacientes com níveis séricos de amilase ou lipase inferiores a três vezes o limite superior
do normal, obtemos imagens abdominais com tomografia computadorizada abdominal (TC)
com contraste para estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda e excluir outras causas
de dor abdominal aguda.

SE LIGA! Nas fases finais da pancreatite


crônica é relativamente comum o encon-
tro de níveis normais da amilase e lipase,
que é justificada pela escassez da pro-
dução enzimática secundária à extensa
substituição do parênquima pancreático
por fibrose.

Diferença entre amilase e lipase


AMILASE LIPASE
Enzima responsável pela digestão de
Enzima responsável pela digestão de gorduras
carboidratos
Eleva-se 2 a 12 horas após início dos sinto- Eleva-se 2 a 12 horas após início dos sintomas, com pico em
mas, com pico em 24 horas e normalização 24 horas, mas persiste elevada por um período mais prolonga-
em 2 a 3 dias do, de 7 a 10 dias
Sensibilidade de 75 a 92%, e especificidade Sensibilidade de 50 a 99% e especificidade de 86 a 100%,
de 20 a 60% para pancreatite aguda sendo mais específica do que a amilase para pancreatite aguda
O intervalo de referência para a amilase é
Os intervalos de referência para lipase variam consideravel-
de aproximadamente 25 a 125 unidades / L,
mente, dependendo do laboratório
mas pode variar de laboratório.
Elevação isolada: apresentação tardia de pancreatite aguda,
Elevação isolada: doenças salivares, macro-
pancreatite alcoólica, pancreatite por hipertriglicidemia e pan-
amilesemia, hiperamilesemia idiopática
creatite crônica agudizada.
Fonte: Clínica médica, USP, 2013.
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Figura 2. O gráfico mostra que a amilase e a lipase se elevam juntas e atingem o pico rapidamente, porém diferente
da amilase, a lipase permanece na circulação por vários dias. Fonte: SanarFlix.
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MAPA MENTAL: ELEVAÇÃO DAS ENZIMAS PANCREÁTICAS

Amilase tende a
Parotidite
ELEVAÇÃO normalizar com
Doença salivar DAS ENZIMAS Apresentação poucos dias
PANCREÁTICA atrasada da
Outras doenças
pancreatite aguda
salivares Lipase continua
aumentada por dias
Gamopatia
monoclonal Lipase (isolada
Amilase (isolada) Amilase normal
ou predominante) Pancreatite devido ataques ante-
alcoólica aguda riores e incapacidade
Doença celíaca Menos específica, pancreática
presente em Mais específica
outros tecido Diminuição
progressiva da
HIV atividade das enzimas
Permanece no Permanece no pancreáticas
Macroamilasemia sangue por sangue por
2 a 3 dias 7 a 10 dias
Linfoma Pancreatite crônica
Amilase reduz 91%
agudizada
Digestão de
Digestão de gorduras
carboidratos
Colite ulcerativa

Juntas Lipase reduz 26%


Pancreatite aguda
Artrite reumatoide Trauma no pâncreas
Colangiopancreatografia
retrógrada pós-endoscópica (CPRE) Causa rara de
Obstrução do ducto pancreático pancreatite
Síndrome de Gullo Cirurgia do ducto pancreático Pancreatite
Hiperamilasemia induzida por
idiopática hipertrigliceridemia Presença de
Outras síndromes inibidor da amilase
familiares nesses pacientes
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 11

Pesquisa de gordura fecal gorduras em 72 horas maior que 6 g/


dia.
O diagnóstico de esteatorreia (fezes
gordurosas) é clínico e laboratorial. Pacientes com insuficiência pancre-
Os exames laboratoriais mais comuns ática exócrina grave apresentam ní-
são a dosagem da excreção fecal de veis elevados de gordura fecal, pois
gorduras em 72 horas e a pesquisa a deficiência de lipase leva a uma má
qualitativa da gordura fecal com a co- absorção de gordura e sua maior eli-
loração de Sudan III, que possui gran- minação nas fezes. A má absorção
de afinidade pela gordura. O primeiro de gordura predispõe os pacientes
teste está em desuso, pois é difícil de a deficiências das vitaminas A, D, E
ser executado e porque a quantidade e K, pois são vitaminas solúveis em
de gordura ingerida pelo paciente pre- gordura. Raramente, os pacientes
cisa ser quantificada por pelo menos também podem ter deficiência de
6 dias. O diagnóstico é feito quando vitamina B12 porque uma redução
a pesquisa qualitativa da gordura fe- no pH intestinal afeta adversamente
cal é positiva pela coloração de Sudan a transferência de vitamina B12 da
III ou dosagem da excreção fecal de proteína R para o fator intrínseco.

SAIBA MAIS!
O pâncreas possui grande reserva funcional, por isso a má absorção de gordura e proteínas
não é aparente até que pelo menos 90% da função pancreática esteja perdida.

manter estável durante sua passa-


SE LIGA! O quadro clínico típico da má gem pelo trato gastrointestinal e sua
absorção é a presença de esteatorreia concentração fecal se correlaciona
(fezes claras, acinzentadas, volumosas,
significativamente com a quantidade
com cheiro forte, algumas vezes com
gotas de gordura visíveis), associada à de enzima secretada pelo pâncreas
perda de peso mesmo com uma inges- exócrino. Portanto, tal exame reflete
tão nutricional adequada. bem a reserva funcional do pâncre-
as exócrino por quantificar nas fezes
essa enzima pancreática que sofre
Elastase fecal
pouca degradação durante o trânsito
A Elastase pancreática (EP) fecal é intestinal.
uma enzima proteolítica produzida
Quanto menores são os níveis de
exclusivamente pelo pâncreas. Tem
EP fecal, mais grave é a insuficiência
a importante característica de se
exócrina apresentada pelo paciente.
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A elastase é > 200 μg /g quando a Teste respiratório com gordura


função pancreática é normal, nos ca- marcada
sos de insuficiência grave os níveis
O teste respiratório para insuficiência
são < 100 μg /g, e no intervalo entre
pancreática exócrina é considerado
100-200 μg /g a insuficiência é con-
um teste alternativo ao da quantifi-
siderada leve.
cação de gordura fecal. Ele envolve
Seu uso é muito importante na ava- a administração oral de substratos
liação da função pancreática e é usa- (triglicerídeos) marcados com 13C e
do para diagnóstico de insuficiência administrado por via oral através de
pancreática (IP) que pode ser resulta- uma refeição de teste. Esses substra-
do de várias doenças como pancrea- tos são hidrolisados no lúmen intes-
tite crônica, fibrose cística, câncer de tinal proporcionalmente à quantidade
pâncreas, Diabetes Mellitus tipo I, Sín- de atividade da lipase pancreática.
drome de S. Diamond, entre outros. Após a hidrólise, os metabólitos mar-
A EP fecal é considerada mais sensí- cados com 13C são liberados, absor-
vel e específica do que outros testes vidos pelo intestino e metabolizados
indiretos na detecção de insuficiência no fígado. Como consequência do
pancreática exócrina. Porém a sensi- metabolismo hepático, o 13CO₂ é li-
bilidade deste exame varia conforme berado e eliminado com o ar expira-
a intensidade da insuficiência. Na IP do. A espectrometria de massa ou
leve, possui 63% de sensibilidade, na análise infravermelha é usada para
IP moderada e grave chega a 100%. quantificar esse 13CO₂. Assim como
Sendo, portanto, pouco sensível nos outros testes indiretos, os testes res-
pacientes com função pancreática mi- piratórios quantificam a má absorção
nimamente reduzida. A especificida- de gordura e, portanto, são inespecí-
de também é alta (93%), tendo como ficos e imprecisos para o diagnóstico
limitação apenas a diluição em casos de insuficiência pancreática exócrina
de diarreia aguda. A diarreia aquosa leve.
causada por doenças não pancreá-
ticas ou medicamentos pode diluir a
amostra fecal e produzir resultados
falsos positivos devido à diluição,
resultando em níveis artificialmen-
te baixos da enzima. Essa limitação
pode ser melhorada liofilizando (con-
centrando) a amostra de fezes.
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 13

AVALIAÇÃO HEPÁTICA é convertido em sais biliares, que


são secretados na bile; o restante
é transportado nas lipoproteínas e
1. QUAIS AS FUNÇÕES carreado pelo sangue para as cé-
HEPÁTICAS? lulas dos tecidos por todo o corpo.
Os fosfolipídios também são sinte-
O fígado é o maior órgão do corpo,
tizados no fígado e transportados,
contribuindo com cerca de 2% do
na maior parte, nas lipoproteínas.
peso corporal total, ou algo em torno
de 1,5 kg na pessoa adulta. Possui • Proteínas: O fígado é responsável
muitas funções que são essenciais pela produção de todas as prote-
para o organismo, como função de ínas plasmáticas como exceção
síntese, excreção e metabolização. de parte das gamaglobulinas que
são sintetizadas pelos plasmócitos
no tecido linfático. Isso representa
Síntese cerca de 90% de todas as proteí-
• Carboidratos: O fígado é importan- nas plasmáticas, sendo a albumina
te na manutenção da concentra- a mais importante delas.
ção normal da glicose sanguínea. • Fatores de coagulação: O fígado
Ele é responsável pela produção é responsável pela produção de
de glicose a partir de aminoáci- substâncias importantes no pro-
dos e de glicerol dos triglicerídeos cesso de coagulação tais como fi-
(chamada de gliconeogênese he- brinogênio, protrombina, globulina
pática) quando os níveis de glicose aceleradora, fator VII e muitos ou-
sanguíneas estão muito baixas, e tros fatores de coagulação. A pro-
também é responsável por arma- dução de algumas dessas substân-
zenar o acesso de glicose na forma cias necessita da vitamina K para
de glicogênio, para posterior uso, sua formação, como por exemplo,
quando necessário. a protrombina, fator VII, IX e X. Por
• Gordura: O fígado também é res- isso, pacientes com deficiência de
ponsável pela síntese de coleste- vitamina K podem cursar com dis-
rol, fosfolipídios e da maior parte túrbios da coagulação pela baixa
das lipoproteínas. Cerca de 80% produção desses fatores.
do colesterol sintetizado no fígado
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 14

SAIBA MAIS!
Em pessoa com função hepática precária, a concentração da glicose sanguínea, após refeição
rica em carboidratos, pode aumentar por duas a três vezes a mais do que em pessoa com a
função hepática normal.

Excreção mesma se acumula no sangue e aca-


ba se depositando na pele e mucosas,
Nossas hemácias (glóbulos verme-
tornando-as amareladas, levando ao
lhos) são células que têm uma vida
que chamamos de icterícia.
média de 120 dias. Quando ficam
velhas, elas são levadas para o baço,
onde são destruídas. Um dos produ- Metabolização
tos liberados neste processo é a bi-
lirrubina, um pigmento amarelo-es- O fígado é responsável pela modifi-
verdeado. A bilirrubina produzida no cação química de várias substâncias,
baço não é solúvel em água e, por- incluindo hormônios endógenos e
tanto, não pode ser eliminada pelos medicamentos. Essa transformação
rins, cabendo ao fígado este papel. química, na maioria das vezes, inati-
No fígado essa bilirrubina chamada va a substância em questão, mas, em
de indireta ou não conjugada passa determinados casos, essas substân-
pelo processo de conjugação e en- cias passam para a forma ativa após
tão é chamada de bilirrubina direta ou metabolização hepática. Qualquer
conjugada, e então é excretada junta- substância ingerida passará pelo fí-
mente com a bile. A bile é produzida gado antes de chegar ao resto do or-
pelo fígado, uma parte é armazena- ganismo, incluindo remédios, drogas,
da na vesícula biliar e outra parte é toxinas ambientais e álcool. Os hepa-
liberada no intestino, para facilitar o tócitos são ricos em citocromo P450,
processo de digestão das gorduras. o nome dado a uma família de enzi-
A presença da bilirrubina na bile é a mas que têm a capacidade de meta-
responsável pela cor marrom das fe- bolizar, inativar e facilitar a eliminação
zes. Pacientes com doenças no fíga- pelos rins de diversas substâncias. O
do ou nas vias biliares que impeçam exemplo mais famoso do processo de
a drenagem de bile para os intestinos desintoxicação realizado pelo fígado
apresentam problemas de digestão é a metabolização de bebidas alcoó-
de gorduras e fezes esbranquiçadas. licas. O álcool é uma substância ex-
Se o fígado perder a capacidade de tremamente tóxica, mas que até cer-
conjugar e excretar a bilirrubina, a to ponto pode ser consumida, pois o
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 15

fígado tem a capacidade de transfor- transformação da amônia em ureia


má-lo em ácido acético, um metabó- – o ciclo de Krebs-Henseleit: a di-
lito muito menos tóxico e facilmente gestão das proteínas na luz intestinal
eliminado pelos rins através da urina. (ação bacteriana) resulta na formação
O fígado também é capaz de desati- de amônia (NH3), que é absorvida e
var substâncias produzidas pelo pró- convertida em ureia no fígado. A ureia
prio corpo, como hormônios, impe- é uma substância muito menos tóxi-
dindo que haja excesso dos mesmos ca do que a amônia e, além disso (por
circulando pelo sangue. Outra impor- ser hidrossolúvel), é prontamente eli-
tante função de desintoxicação é a minada pelos rins.

SAIBA MAIS!
A amônia (NH3) é nociva, principalmente para o sistema nervoso central. Apesar de os me-
diadores químicos para a encefalopatia hepática ainda não terem sido totalmente elucidados,
é certo que níveis elevados de NH3 se correlacionam com o grau de comprometimento neu-
rológico, assim como a redução destes melhora o quadro clínico.

2. AVALIAÇÃO DE LESÃO mitocondrial e está presente no fígado


HEPÁTICA e em outros órgãos, incluindo múscu-
lo cardíaco, músculo esquelético, rim
ALT e AST
e cérebro. A ALT é uma enzima citos-
A lesão dos hepatócitos, leva a libe- sólica, está presente principalmente
ração na corrente sanguínea de enzi- no fígado e, portanto, é um marcador
mas intracelulares tais como as ami- mais específico do que AST na lesão
notransferases. As mais comumente hepatocelular. Os níveis das eleva-
utilizadas como exames laboratoriais ções das enzimas não se correlacio-
na avaliação de lesão hepática são a nam com a gravidade da doença.
alanina-aminotransferase (ALT) [ou As aminotransferases séricas são
transaminase glutâmico-pirúvica-T- elevadas na maioria das doenças he-
GP] e a aspartato-aminotransferase páticas, mas também podem ser ele-
(AST) [ou transaminase oxaloacética vadas em distúrbios extra-hepáticos.
TGO]. Dentre as causas hepáticas podemos
Os valores de referência variam am- citar as hepatites virais, hepatite au-
plamente entre os laboratórios, e toimune, doença hepática alcoólica,
diferem entre homens e mulheres, doença hepática gordurosa não alco-
tendo níveis mais elevado no públi- ólica, medicamentos e drogas ilícitas
co masculino. A AST é uma enzima e doenças metabólicas (doença de
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 16

Wilson, hemocromatose, deficiên- hereditárias ou adquiridas, exercícios


cia de 1-antitripsina.). Algumas cau- extenuantes, falência cardíaca e do-
sas de elevação de origem extra he- ença celíaca (figura 3).
pática são: desordens musculares

Figura 3. Principais causas de alteração persistente das aminotransferases séricas. Fonte: https://bit.ly/2WscvZK

A magnitude das elevações de AST temos elevação importante das


e ALT varia dependendo da causa da aminotransferases, a AST e ALT
lesão hepatocelular. > 25 vezes o limite superior do
normal.
• Na doença hepática gordurosa al-
coólica temos uma elevação de • Na hepatite isquêmica (hepatopa-
AST <8 vezes o limite superior do tia isquêmica, fígado de choque,
normal e ALT <5 vezes o limite su- hepatite hipóxica): AST e ALT> 50
perior do normal. vezes o limite superior do normal,
sendo as casas que mais aumen-
• Na doença hepática gordurosa
tam tais enzimas. LDH também
não alcoólica o aumento do AST e
está bastante aumentado.
ALT é <4 vezes o limite superior do
normal. • Na infecção crônica pelo vírus
da hepatite B os níveis variam; o
• Na hepatite viral aguda ou hepatite
AST e ALT podem ser normais em
relacionada a toxinas com icterícia,
portadores inativos, enquanto a
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 17

maioria dos pacientes com hepa- por acetominofeno (paracetamol). Já


tite B crônica apresenta elevações na doença hepática gordurosa alcóo-
leves a moderadas (aproximada- lica e não alcóolica, os níveis tendem
mente o dobro do limite superior a ser mais baixos.
do normal); com exacerbações, os
níveis são mais de 10 vezes o limi- SE LIGA! As aminotransferases séricas
te superior do normal. podem ser falsamente elevadas ou di-
minuídas sob certas circunstâncias. Me-
dicamentos como eritromicina e furose-
Podemos perceber dessa forma que mida podem produzir aminotransferase
os maiores níveis das enzimas he- falsamente elevada. Por outro lado, AST
sérico falsamente baixo (mas não ALT) é
páticas são encontrados nos casos observado em pacientes com insuficiên-
de hepatite isquêmica, hepatite viral cia renal ou em uso de isoniazida.
aguda e hepatite relacionada a toxi-
nas como por exemplo a intoxicação

SAIBA MAIS!
Uma rápida diminuição nos níveis plasmáticos de AST e ALT, juntamente com um aumento
na concentração plasmática de bilirrubina e prolongamento do tempo de protrombina, é in-
dicativo de um prognóstico ruim em pacientes com doenças aguda do fígado. Embora uma
rápida diminuição das aminotransferases séricas seja geralmente um sinal de recuperação da
doença, também pode refletir a destruição maciça de hepatócitos viáveis em pacientes com
insuficiência hepática aguda, sinalizando um mau prognóstico.

As aminotransferases nos fornecem a elevação de AST é maior que ALT,


algumas pistas diagnósticas. Numa levando a uma relação AST/ALT >
hepatopatia sem cirrose, os níveis de 2! Além disso raramente a AST ultra-
ALT (TGP) costumam ser maiores que passa 300 U/l em valores absolutos.
os de AST (TGO), resultando numa
relação ALT/AST > 1. A partir do mo-
mento em que a cirrose se instala, é Gama GT
comum uma inversão desse padrão, A gama-GT é uma enzima micros-
com o paciente apresentando ALT/ somal encontrada nos hepatócitos
AST < 1. e nas células epiteliais biliares. Esta
Outra dica importante é sobre a este- enzima constitui um marcador sen-
ato-hepatite alcoólica. Nessas situa- sível de comprometimento da função
ções foi percebido uma peculiaridade: hepatobiliar, mas a utilidade desse
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 18

teste é limitada pela baixa especifi- (razão ALT / LDH maior ou igual a 1,5)
cidade. Níveis elevados de gama-GT com sensibilidade e especificidade de
são encontrados em uma variedade 94 e 84 por cento, respectivamente.
de condições patológicas, tais como, Um nível sérico elevado de LDH é um
doença pancreática, infarto agudo do marcador prognóstico adverso em
miocárdio, doença pulmonar obstru- pacientes com melanoma metastáti-
tiva crônica, diabetes e alcoolismo. co e pode ser a primeira indicação de
Outras causas bastante frequentes metástases hepáticas.
de aumento da Gama GT é o ganho
ponderal, na presença ou ausência de
doença hepática gordurosa não alco- 3. AVALIAÇÃO DA
ólica e o uso de alguns medicamen- EXCREÇÃO HEPÁTICA
tos como fenitoína e barbitúricos. Bilirrubinas
A gama GT pode ser usada para con- O hepatócito desempenha um papel
firmar se a elevação da fosfatase al- importante no metabolismo da bilir-
calina é de origem hepática (e não ós- rubina, sendo dividido em 3 fases:
sea, por exemplo) e para apoiar uma
suspeita de abuso de álcool em um • Captação
paciente com AST elevada e uma ra- • Conjugação
zão AST/ALT maior que 2.
• Excreção

LDH
A etapa limitante do processo é a fase
O lactato desidrogenase (LDH) é uma 3 (excreção), pois para sua realização
enzima citoplasmática presente nos é necessária a utilização de ATP, sen-
tecidos do corpo. Este teste não é do a fase mais suscetível e a primeira
tão sensível quanto as aminotrans- a sofrer quando ocorre dando nas cé-
ferases séricas na doença hepática e lulas hepáticas.
apresenta baixa especificidade diag-
nóstica. No passado, era usado como
marcador de infarto do miocárdio Captação
(embora não seja mais utilizado para No processo de captação, a bilirru-
esse fim) e é um marcador de hemó- bina ligada a albumina, chamada de
lise. Em pacientes com lesão hepato- indireta ou não conjugada é captada
celular aguda, um nível sérico acentu- pelos hepatócitos, sendo então dis-
adamente elevado de LDH distingue sociada da albumina e se ligando a
hepatite isquêmica (razão ALT / LDH
menor que 1,5) da hepatite viral
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 19

proteínas citoplasmáticas com o ob- processo não poderá ser concluído e


jetivo de não retornar para circulação teremos acúmulo de bilirrubina dire-
sanguínea. ta no hepatócito, que irá retornar para
corrente sanguínea.
Conjugação Quando todo o processo é realizado e
tudo deu certo, a bilirrubina se junta à
O objetivo nessa fase é tornar a bilir- bile que será jogada no duodeno atra-
rubina hidrossolúvel para que possa vés da papila de vater. No intestino a
ser excretada do hepatócito para a bilirrubina pode seguir dois caminhos,
bile. Para tal é realizada a conjugação pode ser excretada nas fezes ou ser
da bilirrubina com o carboidrato glu- metabolizada em urobilinogênio
coronídeo através da ação da enzi- (maior parte) pelas bactérias presen-
ma glucoronil-tranferase. A partir daí te no intestino grosso. O urobilinogê-
a bilirrubina é chamada de direta ou nio é uma substância altamente solú-
conjugada. vel, uma pequena parte é reabsorvida
para o fígado e circulação sanguínea
Excreção através da mucosa intestinal e é pos-
teriormente eliminada pelos rins ou
Após ser conjugada, essa bilirrubina secretada novamente na bile. Após
precisa ser excretada para os cana- exposição da urina ao ar, o urobilino-
lículos biliares para se juntar a bile. gênio se oxida em urobilina, enquan-
Para tal processo é necessário o uso to nas fezes, após oxidação, transfor-
de ATP, por isso chamamos atenção ma-se em estercobilina, contribuindo
lá em cima de que esta é a etapa li- para as colorações características da
mitante, pois após um dano hepáti- urina e das fezes. O metabolismo da
co e menor disposição de ATP, esse bilirrubina esta resumido na figura 4.

SAIBA MAIS!
A bilirrubina indireta, em virtude de estar fortemente ligada à albumina (e também por ser
insolúvel em água), não é filtrada pelo glomérulo normal. Já a bilirrubina direta, nas condições
em que circula no sangue, é filtrada no glomérulo e acaba aparecendo na urina. Nos casos de
colestase, condição em que o fluxo da bile está obstruído, temos uma maior reabsorção da bi-
lirrubina para corrente sanguínea, e menor para o duodeno. Isso vai levar a hiperbilirrubinemia
direta no sangue acarretando bilirrubinúria e levando a uma urina “cor de Coca-Cola” (colúria).
Como a bile não está sendo excretada no duodeno não teremos a produção do urobinogênio,
levando a perda da coloração das vezes (hipocolia ou acolia fecal).
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 20

Fezes Urina
Hemácias

Estercobilina Urobilina

Oxidação Sistema
Reticuloendotelial
Estercobilinogênio Oxidação

Urobilinogênio Rins Bilirrubina live

1. Captação

Intestino Bilirrubina Fígado


conjugada

3. Excreção UDP
glicuronitransferase
Figura 4. Resumo do metabolismo da bilirrubina, mos-
trando as fases de captação, conjugação e excreção 2. Conjugação
que acontecem no fígado. Fonte: http://www.rmmg.org/
artigo/detalhes/104

é caracterizada pela “pigmentação


amarelada da pele, da esclerótica e
Quando temos o aumento da bilirru-
do frênulo da língua pela bilirrubina,
bina, temos uma síndrome chamada
resultante de níveis elevados desta
de síndrome ictérica ou icterícia, que
na circulação sistêmica.” (figura 5).
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 21

Figura 5. Paciente com escleras ictéricas: Fonte: https://bit.ly/2yKXaun

A icterícia pode ser originada a par- mecanismos nos levam a um aumen-


tir de diversas condições e doenças, to principalmente de BI, e os 2 últi-
para facilitar o raciocínio vamos clas- mos de BD. A doença hepatocelular
sifica-las partir de 5 mecanismos pode causar um distúrbio na capta-
básicos: ção, conjugação e excreção da bilirru-
bina. Veja no mapa mental as possí-
• Superprodução: aumento da
veis etiologias para cada um desses
hemólise
grupos.
• Diminuição da captação pelos
hepatócitos
Alguns autores fazem uma divisão
• Diminuição da conjugação da en- mais simples em 3 grandes grupos:
zima glucoronil-transferase
• Hemolítica- com predomínio de BI
• Alteração da excreção
• Hepatocelular (captação, conjuga-
• Obstrução biliar ção, excreção) - Bilirrubinas mistas,
com predomínio de BD
Cada um desses mecanismos nos • Obstrutiva (colestática)- Bilirrubi-
aponta para possíveis doenças que nas mistas, com predomínio de BD
devemos investigar, para chegar-
mos ao diagnóstico. Os 3 primeiros
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 22

MAPA MENTAL 2: BILIRRUBINEMIA

Hemólise
Síndrome de
Dubin-Johnson
Eritroiepese ineficaz Hematoma
Icterícia Colestática
Medicamentos
da Gravidez
Superprodução
Colestase Intra-Hepática
Jejum prolongado
Recorrente (Benigna)

Diminuição
Infecção Alteração da excreção Infecção
da captação

Colestase Induzida
Diminuição da Doença hepatocelular
por Medicamentos Obstrução biliar
Conjugação

Doença Hepatocelular Icterícia Neonatal Fisiológica


Estenose
(imaturidade enzimática do fígado)

Síndrome de Rotor Deficiência Adquirida da UDP-GT


Calculose (medicamentos, doença hepatocelular)

Síndrome de Gilbert
Tumor (deficiência parcial da UDP-GT)

Crigler-Najjar tipo II
Corpo estranho (deficiência grave da UDP-GT)

Crigler-Najjar tipo I
(ausência da UDP-GT)
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 23

SAIBA MAIS!
Por convenção, geralmente é aceito que níveis acima de 2,5 a 3 mg/dL são necessários para
que possa ser observada icterícia nas escleróticas.

mais gerais da capacidade de coagu-


SE LIGA! A icterícia deve ser distinguida lação, como o tempo da protrombi-
de outras causas de pigmentação ama- na (TP ou TAP).
rela, como a hipercarotenemia, que se
deve à existência de pigmentos carote- A protrombina é um elemento pro-
noides na corrente sanguínea, estando teico da coagulação sanguínea, tam-
associada à coloração amarela da pele, bém denominada de fator II, sinteti-
mas não das escleróticas!
zada no fígado onde a vitamina K atua
como cofator. Esta proteína, sob ação
SE LIGA! Indivíduos de pele negra, em do Ativador de Protrombina transfor-
geral, apresentam a porção das escle-
ma-se em trombina, a qual catalisa a
ras expostas ao sol mais pigmentadas,
o que pode ser confundido com icterícia. reação de transformação do fibrino-
Nesses casos, deve-se avaliar a porção gênio em fibrina, constituindo-se em
inferior das escleras (abaixo das pálpe- elemento fundamental da chamada
bras), não expostas ao sol, dentre ou-
tros locais, como o frênulo lingual, por
“cascata de coagulação”.
exemplo. O TP é um teste para avaliar a via
extrínseca e a via comum da cascata
de coagulação, ou seja, os fatores VII,
4. AVALIAÇÃO DA
X, V, II e o fibrinogênio. O tempo de
SÍNTESE HEPÁTICA
protrombina estará aumentado em
Os testes mais comuns para avaliar a casos de deficiência de fibrinogênio e
capacidade sintética do fígado são a de qualquer um dos fatores mencio-
albumina sérica e o tempo de protrom- nados, como por exemplo, na doença
bina (que requer a presença de fatores hepática.
de coagulação produzidos no fígado). Porém, um TP prolongado não é es-
pecífico para a doença hepática, pois
Provas de coagulação (TP) pode resultar de várias condições
congênitas ou adquiridas, incluindo
A deficiência de fatores de coagula- o consumo de fatores de coagulação
ção ocorre frequentemente durante o (como coagulação intravascular dis-
curso da doença hepática. Essas pro- seminada ou sangramento gastroin-
teínas podem ser medidas individual- testinal grave), medicamentos e defi-
mente ou indiretamente por medidas ciência de vitamina K.
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 24

SAIBA MAIS!
Nos casos de deficiência de vitamina K, o TP normalmente volta ao normal dentro de 24 ho-
ras após uma única injeção parenteral de vitamina K. No cenário de doença hepática paren-
quimatosa, a suplementação de vitamina K é geralmente ineficaz.

incluindo inflamação sistêmica, sín-


SE LIGA! O alargamento do TP é nor- drome nefrótica (perda de albumina
malmente a alteração laboratorial mais pela urina) e desnutrição. Em relação
precoce na insuficiência hepática, por
a disfunção hepática, a hipoalbumi-
isso preferimos o TP em vez do Tempo
de tromboplastina parcial ativada (PTTa) nemia é mais comum em doenças
na monitorização da função hepática. hepáticas crônicas, como cirrose. A
queda na concentração de albumi-
na geralmente reflete dano hepático
Albumina grave com síntese reduzida de albu-
A albumina é a proteína plasmática mina. As concentrações séricas de
mais abundante. Aproximadamente albumina tendem a ser normais nas
300 a 500 g de albumina são distribu- doenças hepáticas agudas, porém
ídos nos fluidos corporais, e o fígado deve ser considerada a possibilidade
adulto médio sintetiza aproximada- de doença hepática crônica quando a
mente 15 g por dia (200 mg / kg por concentração sérica de albumina es-
dia). A taxa de síntese pode dobrar tiver abaixo de 3 g/ dL (30 g / L) nes-
em situações nas quais há uma rápi- ses pacientes.
da perda de albumina ou uma queda
na concentração sérica de albumina.
5. AVALIAÇÃO DA
A síntese e a função da albumina são
METABOLIZAÇÃO
reguladas por uma variedade de fato-
HEPÁTICA
res, incluindo estado nutricional, pres-
são oncótica sérica, citocinas e hor- Existem teste para a avaliação da
mônios. A meia-vida da albumina no metabolização hepática, como por
soro é de aproximadamente 20 dias, exemplo, a capacidade de eliminação
com 4% do pool total de albumina da galactose, porém não é disponível
sendo degradado diariamente. no Brasil.
A hipoalbuminemia nem sempre re-
flete a presença de disfunção sintética
hepática, uma vez que várias outras
condições podem ser responsáveis,
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 25

SAIBA MAIS!
As anormalidades nos testes hepáticos podem ser agrupadas em 2 principais padrões:
Padrão hepatocelular:
• Elevação desproporcional das aminotransferases séricas em comparação com a fosfatase
alcalina;
• A bilirrubina sérica pode estar elevada;
• Testes da função sintética podem ser anormais.
Padrão colestático (obstrução biliar):
• Elevação desproporcional da fosfatase alcalina em comparação com as
• aminotransferases séricas;
• A bilirrubina sérica pode estar elevada;
• Testes da função sintética podem ser anormais.

6. INTERVALOS DE • Gama-GT:
REFERÊNCIA ◊ Homens: 8 a 61 unidade inter-
Os intervalos de referência dos tes- nacional / L
tes hepáticos variam de laborató- ◊ Mulher: 5 a 36 unidades inter-
rio para laboratório. Como exemplo, nacionais / L
os intervalos de referência normais
de um hospital para adultos são os
seguintes: • LDH:

• ALT: ◊ Bilirrubina total: 0,0 a 1,0 mg


/ dL
◊ Homem: 10 a 55 unidade in-
ternacional / L ◊ Bilirrubina direta: 0,0 a 0,4 mg
/ dL
◊ Mulher: 7 a 30 unidades inter-
nacionais / L ◊ Bilirrubina indireta: 0,0 a 0,6
mg/dL
◊ Tempo de protrombina (TP):
• AST: 11,0 a 13,7 segundos
◊ Homem: 10 a 40 unidades in- ◊ Albumina: 3,3 a 5,0 g / dL (33
ternacionais / L a 50 g / L)
◊ Mulher: 9 a 32 unidades inter-
nacionais / L
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 26

MAPA MENTAL RESUMO DO TEMA

Usado no diagnóstico Usado no diagnóstico A sensibilidade aumenta


de Pancreatite aguda de Pancreatite aguda quanto maior for o nível
da insuficiência
Menos específica,
Detecta má absorção de
presente em Mais específica
Usado no diagnóstico gordura: esteatorreia
outros tecido
de insuficiência
pancreática Pesquisa qualitativa
Permanece no sangue Permanece no sangue Avalia a má
da gordura fecal com a
por 2 a 3 dias por 7 a 10 dias absorção de gordura
coloração de Sudan III
Reflete bem a reserva
funcional do pâncreas Dosagem da
Digestão de exócrino: não se altera Teste alternativo à
Digestão de gorduras excreção fecal de
carboidratos durante passagem no TGI gordura fecal
gorduras em 72 horas

Teste respiratório com


Amilase Lipase Elastase fecal Teste da gordura fecal
gordura marcada

Avaliação da Avaliação da Avaliação da


Avaliação de lesão hepática
excreção hepática síntese hepática metabolização hepática

Bilirrubinas Tempo de Protrombina


ALT- Mais específico Capacidade de
Totais (0,0-1,0) (TP) (11 a 13,7 seg)
eliminação da galactose
AST- presente em
Bilirrubina
músculo cardíaco e Albumina (3,3-5,0)
Direta (0,0- 0,4)
esquelético, etc.
Indisponível no Brasil
Gama GT- presente
Bilirrubina
nos hepatócitos e
Indireta (0,0 -0,6)
epitélio biliar

LDH - baixa
especificidade O aumento leva a icterícia
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 27

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Abordagem ao paciente com amilase ou lipase sérica elevada. Uptodate, 2018
Abordagem ao paciente com testes bioquímicos e funcionais anormais do fígado. Uptodate,
2020
Classificação e causas de icterícia ou hiperbilirrubinemia assintomática. Uptodate, 2018
Clínica médica USP. Volume 4, 2013
Guyton and Hall. Tratado de fisiologia médica. Rio de janeiro, 2011.
Insuficiência pancreática exócrina. Uptodate, 2018
Manifestações clínicas e diagnóstico de pancreatite aguda. Uptodate, 2019
Insuficiência pancreática exócrina. Dísponível em: saude.gov.br/images/pdf/2016/feverei-
ro/11/Insuficiencia-Pancre--tica-Ex--crina---PCDT-Formatado--.pdf
Testes bioquímicos hepáticos que detectam lesões nos hepatócitos. Uptodate, 2019
Testes da capacidade biossintética do fígado (por exemplo, albumina, fatores de coagulação,
tempo de protrombina). Uptodate, 2020.
AVALIAÇÃO HEPÁTICA E PANCREÁTICA 28

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