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Baseado no texto escrito por Sarah Green para a Revista Harvard Business Brasil

NA ÍNTEGRA

O momento é decisivo e a equipe acaba de perder sua estrela. Em quem apostar?

Comprar papel de presente.

Reservar ceia de réveillon


Antônio Orlando parou de escrever, a caneta suspensa sobre o bloco de anotações com o logo da Driscoll
Software. Pela janela, viu o vento lá fora fazendo redemoinhos. Resoluta, a caneta voltou a descer sobre
o papel: Mais envelopes.
O telefone tocou. Estendeu a mão para atender, a mente ainda na lista de afazeres. O que estou
esquecendo?

Antônio falando disse. A conversa que se seguiu varreu de sua mente qualquer lembrança do
feriado de fim de ano.

Vinte minutos depois, colocou o telefone de volta na base.

O cliente que roubou o Natal


Cristina Hevelin deu uma bela mordida no sanduíche de frango. Enquanto mastigava, juntou as palmas
das mãos atrás das costas, feliz por ouvir o estalo dos ossos entre os ombros. Fora um ano longo.
Cristina passara tempo demais debruçada sobre aquela mesa de trabalho. A seu ver, o que a Driscoll
fazia era importante criar programas de computador confiáveis (e caros) para empresas cujos sistemas
simplesmente não podiam falhar , mas às vezes estressante. Aqui e ali, Cristina tinha pesadelos sobre
uma falha no software da Driscoll que controlava o trem de pouso de aviões.

Os últimos meses tinham sido mais atribulados do que o normal. A chefe de Cristina, Alessandra
Sandoval, tinha saído para abrir o próprio negócio, uma consultoria técnica. A decisão fora recebida com
alívio, pois Alessandra e Antônio, o chefe da divisão, não se entendiam. Antônio era o clássico nerd de
computador metódico, sempre de calça cáqui, fechadão (salvo na hora de rir com alguma piada sobre
código binário). Ficava visivelmente incomodado com o estilo estridente de Alessandra: o senso de humor
sarcástico, tatuagens à mostra, horários irregulares. Era mais fácil encontrar a Vespa da moça no
estacionamento da empresa às 9 da noite do que às 9 da manhã. Ninguém ali dentro achava uma falha
de programação tão rápido quanto Alessandra, mas uma reorganização interna a deixara subordinada a
Antônio. Seis meses depois, a moça anunciara a saída.

A resposta de Antônio fora promover sua segunda melhor programadora Cristina para o posto. E,
embora Cristina estivesse empolgada com a oportunidade de chefiar uma equipe, as coisas não tinham
corrido tão tranquilamente quanto esperara. Ocupar o lugar da irreverente Alessandra não vinha sendo
nada fácil.

Para Cristina, a semana entre o Natal e o Ano Novo com a mãe se encarregando da cozinha seria a
oportunidade para relaxar um pouco. Estava precisando. A maior parte da equipe também ia sair de folga.
Ou seja, ninguém estaria mandando mensagens, pensou com satisfação. Deu outra mordida no
sanduíche. Bem naquela hora, a cabeça de Antônio apareceu na divisória da baia.

Cristina, perdão por interromper seu almoço disse , mas preciso ter uma palavrinha com você.

O.k. respondeu de boca cheia. Pegou o bloquinho, engoliu às pressas e seguiu Antônio até sua
sala.

Antônio fechou a porta. Lembra do Cerrado Grande Hotel? perguntou o chefe.

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Claro respondeu. Aquele cliente grande que decidiu no ano passado que nosso software era caro
demais?

Bom, eles querem voltar. E já.

Devia ser boa notícia, mas Antônio não parecia contente. Qual o problema? perguntou Cristina.

Antônio se apoiou na mesa, os braços cruzados na altura do peito. O sistema de segunda que eles
instalaram cai a toda hora. Eles já perderam mais dinheiro por causa disso do que teriam pago por um
programa nosso, dos bons. Quando o sistema cai, o banco de dados não funciona, o pessoal fica sem
acesso ao sistema de reservas do hotel, a coisa toda basicamente congela. Até o pessoal do bar usa o
software para saber qual a bebida preferida dos principais clientes. Os donos do hotel estão obviamente
irritados e querem ver o problema solucionado já para começar o ano novo com a casa em ordem.

Fez uma pausa. Cristina completou o raciocínio para ele: Ou seja, em duas semanas.

Você sabe como foram nossos negócios neste ano disse Antônio, sem rodeios. É duro as
pessoas investirem num sistema caro quando a economia vai mal. A Driscoll precisa dessa receita.

Antônio, que em geral era frio como um peixe, deixou Cristina impressionada com a intensidade que
exibira.

E imagino que eles queiram o carnaval à qual estão acostumados? perguntou a moça. Quer
dizer, alguém vai ter de ir em pessoa à sede deles em Goiás?

Cristina fizera uma pergunta, mas Antônio se limitou a abrir um sorriso agradecido e a se levantar para
abrir a porta da sala. Obrigado, Cristina. Sabia que você ia entender a urgência.

Calma, Antônio disse Cristina. Você aceitou? Um projeto desses normalmente tomaria seis
semanas! Você disse que a gente faz em duas?

Num tom grave, Antônio respondeu: Cristina, esse cliente é crucial para nós. Conto com você e com
sua equipe. Sei que a hora não é a melhor, mas assim é a vida. Sei também que é pedir bastante, mas
sem essa receita talvez tenhamos que mandar gente embora no ano que vem.

Cristina tentou manter a voz calma. Bom, com esse prazo, alguém vai ter de estar em Goiás no fim de
ano. Muito provavelmente, bem no Natal. E a maioria da equipe inclusive eu pretendia sair de férias.
O que eu digo a todos?

Vai ser um dos primeiros grandes desafios que você enfrenta no comando da equipe. Seja clara e
firme. Diga que, pela política da casa, primeiro vêm as necessidades da empresa, depois as férias. Confio
em você, Cristina. É por isso que a promovi. Por favor, me dê uma posição até o fim do dia.

Antônio abriu a porta, deixando claro que a conversa chegara ao fim. Cristina voltou à própria baia, ao
sanduíche agora murcho. O apetite se fora.

Prós e contras
Antônio voltou lentamente à cadeira. Embora tivesse dito a Cristina que confiava nela, estava muito
preocupado em entregar um projeto daquela magnitude a uma principiante sobretudo uma novata que
ainda não mostrara a capacidade de liderar bem a equipe.
Odiava admitir, mas era justamente uma situação como esta que o deixara preocupado quando
Alessandra decidira partir. O estilo de programação da moça era irritante sem medidas de segurança,
sem processo, apenas sua e seu ego era insuportável, mas a equipe respondia a esse estilo
com Até onde podia ver, o pessoal ainda não tinha respondido ao estilo de Cristina.

Fitou o telefone, pensativo. Estava seriamente tentado a ligar para Alessandra. Não tinha dúvida de que a
consultoria dela cobraria um valor astronômico pelo serviço. Sem contar que pedir sua ajuda significaria
engolir o orgulho e expor uma debilidade aos superiores na Driscoll. Ainda assim, Alessandra conhecia
o pessoal e os sistemas do Cerrado Grande Hotel melhor do que ninguém ali dentro. E ela havia nascido
em Goiás. Poder contar com alguém que literalmente falava a língua do cliente seria uma tremenda ajuda.

Só que recorrer a Alessandra significaria comprometer as chances de Cristina de um dia conquistar o


respeito da equipe. Fazia só dois meses que estava no cargo e, embora até ali seu poder de gestão não

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tivesse se materializado, a moça ainda era considerada como de alto potencial. Em agosto, por exemplo,
quando o software da bolsa de São Paulo entrara em pane, Cristina rapidamente colocara o sistema de
volta no ar, embora para tanto tivesse tido de cortar pelo meio as férias. Ainda era muito jovem tinha
entrado para a Driscoll assim que terminara a faculdade, quatro anos antes e sempre se destacara.

Com um suspiro, concluiu que era algo a ruminar durante o almoço. Com o rumo que as coisas vinham
tomando naquele dia, teria de ser algo bem contundente.

Portadora de más notícias


Cristina ficou sentada na cadeira, as pernas cruzadas, resistindo ao impulso a entrar imediatamente em
ação.

O vento que vinha bater à janela em círculos parecia cair no sentido inverso, rumo ao céu nublado.
Deixou-se estar por uns instantes, fitando a cena, remoendo os acontecimentos. Não era a primeira vez
que algo assim ocorria logo lembrou do episódio em São Paulo. Lá, porém, ficara feliz em ajudar.
Alessandra tinha o dom de deixar todo mundo empolgado. Fizera Cristina sentir que estava contribuindo
para um projeto importante não só para o balanço da Driscoll, mas para o mundo lá fora. De certo
modo, socorrer uma bolsa de valores parecia mais urgente do que socorrer uma rede de hotéis incapaz
de fazer seus bares e cozinhas funcionarem sobretudo se tivesse de cancelar os planos de Natal para
isso.

Abriu a pasta do Cerrado Grande Hotel. Fazer um projeto de seis semanas em duas sem sacrificar a
qualidade? Loucura.

Minutos depois, Cristina fechou o laptop e levantou. Antônio dissera para adotar uma linha dura na
questão das férias da equipe, mas Cristina achava que o certo seria honrar sua palavra. Tinha autorizado
a folga. Era amiga de Graziela e Verônica desde os tempos em que as três lutavam, juntos, nas
trincheiras da programação. Graziela vinha falando havia meses da viagem a Nova Zelândia. Já Veronica
tinha sogros ultraexigentes. Cristina não podia chegar e simplesmente repetir uma diretriz qualquer da
empresa sobre folgas.

Esticou o pescoço para enxergar do outro lado da divisória. Estavam todos sentados em suas cadeiras.
Pessoal? disse Cristina. Os seis integrantes da equipe olharam. Vamos lá na sala de reunião,
precisamos conversar.

Todo mundo rumou para lá. Alguns foram falando da tentativa inútil de comprar o brinquedo mais
cobiçado daquela temporada natalina: um videogame em que o jogador tocava as músicas dos Beatles,
na pele de qualquer um dos integrantes da banda.

Enquanto o pessoal ria, Cristina limpava a garganta. Bom, a situação complicou para o nosso lado
disse. Respirou fundo e continuou: O Cerrado Grande Hotel quer voltar para cá, por assim dizer, e a
empresa concordou em instalar um sistema novo para eles até o fim do ano.

Tentou encarar o pessoal de frente para reforçar o que dizia, mas teve de desviar o olhar quando todo
mundo se voltou para ela, a incredulidade estampada no rosto.

Sei que faltam só duas semanas continuou. Mas acho que é viável, se a gente se unir. Já cortei
duas semanas do cronograma, eliminando aquele tempo que costumamos incluir para
Sabemos bem do que a Grande Hotel precisa, então a coisa vai ser mais um upgrade. Pensamento
positivo. Espero que vocês tenham mais sugestões para a gente encurtar esse prazo. Preciso disso até o
fim do dia.

Seis rostos fechados a encararam. Ninguém soltou um pio.

Agora, sei que vocês já tinham planos para o fim de ano, dois de vocês tinham inclusive pedido férias.

Graziela interrompeu: Férias que você aprovou.

Sim, eu sei disse Cristina, o olhar cravado na mesa. Quando vocês me apresentarem suas
sugestões, espero que me digam também quais são suas limitações. Vamos tentar dar um jeito, mas não
posso prometer nada, já vou dizendo. Sei que estamos pedindo muito, mas é algo importantíssimo para a
empresa. Obrigada, pessoal.

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Ao saírem da sala, Cristina viu Graziela e Veronica trocarem um olhar cheio de significado. O que será
que queriam dizer?, pensou com seus botões. Antônio disse para ser clara e firme, e eu fui clara e
firme! No caminho de volta à mesa, foi pensando que bom seria trabalhar apenas com programação. Não
era a primeira vez que desejava isso.

Quem vai salvar a pátria?


Eram 7 da noite. Do lado de fora da janela de Antônio, reinava a escuridão. Fazia umas duas horas que
parara de chover. Metade de um hambúrguer esfriava na mesa, enquanto a outra fazia seu estômago se
contorcer. Cristina ainda não lhe dera um retorno mas Antônio falara rapidamente com Alessandra.
Fora embaraçoso, mas a moça lhe dissera seu preço: R$ 400 a hora, muito mais do que ele pensara. Não
ficaria surpreso se ela tivesse aumentado o valor só por ser ele. Mas se dispunha a ir a Goiás e parecia
confiante na capacidade de concluir o projeto dentro do prazo. Antônio disse que iria pensar antes de dar
uma resposta. Bom, pense rápido respondera a moça, e Antônio quase podia enxergar um sorriso
triunfante em sua cara. Minha agenda não fica muito tempo aberta.

Nesse exato instante o computador avisou que havia uma mensagem. Era de Cristina. O título?
Grande Hotel

Antônio, desculpe não ter respondido antes. Falei com o pessoal sobre a questão do Cerrado Grande
Hotel fui, definitivamente, firme e clara! , mas acho que estamos num impasse. A Graziela Batista
deu umas ideias muito boas sobre como encurtar mais ainda o tempo necessário para concluirmos o
projeto, mas ela está de passagem comprada para a Nova Zelândia e disse que não pode cancelar a
viagem. A Veronica Macedo também tem sugestões boas em relação aos prazos, mas a família dela vai
vir inteira para o Natal, então ela também não vai poder. Os outros quatro estão dispostos a trabalhar,
mas não sei ao certo se podemos cumprir o prazo sem a colaboração de todos os seis. Estou indo
embora, mas estive pensando você acha que o Grande Hotel aceitaria esse upgrade um pouco
depois?

Antônio deixou a sala, enfiando as mãos nos bolsos. Foi o tempo de ver Cristina enrolando uma encharpe
xadrez em volta do pescoço.

Vai a pé até o metrô? perguntou. Quando a moça fez que sim, disse: Eu também. Vamos juntos,
assim conversamos.

Esperou até deixarem o edifício antes de perguntar à colega como fora a reunião.

Boa respondeu Cristina. Acho. É o momento que é ruim. Você acha que o Cerrado nos daria três
semanas em vez de duas?

Cristina disse Antônio, ignorando a pergunta. Você acha que o pessoal da equipe ainda sente
que você é, sei lá, só mais uma colega? Ou estão começando a achar que você é alguém que precisam
ouvir?

Cristina lembrou de Veronica e Graziela e do olhar que haviam trocado ao fim da reunião para não
dizer da recusa das duas em trabalhar no feriado. Como Alessandra teria lidado com a situação? Teria
obrigado todo mundo a comparecer, com férias marcadas ou não? Cristina não tinha a menor ideia. Mas
não queria fazer essa confissão a Antônio. Em vez disso, retrucou: Antônio, vou responder com outra
interrogação. Por que você está perguntando isso?

Antônio sabia que era hora de tomar uma decisão. Só não sabia o que seria melhor.

Antônio deve apostar suas fichas na nova gerente?

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