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COLEÇÃO MEDIAÇÃO

MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO


SETOR AGRÍCOLA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL:
O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO
DE MUDANÇA DE PARADIGMA

Cláudio Fernandes Machado

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COLEÇÃO MEDIAÇÃO

VOLUME III

MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO SETOR


AGRÍCOLA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL:
O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA
DE PARADIGMA

CLÁUDIO FERNANDES MACHADO

Porto Alegre, 2017.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul


EXPEDIENTE

Publicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Autor: Cláudio Fernandes Machado


Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, PUC/RS; Graduando em Ciências Políticas, ULBRA/RS;
Pós-graduando em Inovação e Gestão em EAD, USP/SP; Mestre em Mediação e Negociação, IUKB/Suíça.
Servidor Público do TJRS há 25 anos. Mediador Judicial, Instrutor de Mediadores, Conciliadores e de
Oficinas de Parentalidade e Divórcio, Supervisor de Mediadores e Conciliadores. Professor e Tutor em
EAD pelo CJUD do TJRS.

Arte da capa: Manoel Gonçalves

Projeto Gráfico e diagramação: Serviço de Impressão e Mídia Digital do TJRS

ISBN COLEÇÃO MEDIAÇÃO: 978-85-89676-21-2


ISBN VOLUME III: 978-85-89676-23-6




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Catalogação na fonte elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudência do TJRS


ADMINISTRAÇÃO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Des. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI


Presidente

Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO


1º Vice-Presidente

Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA


2ª Vice-Presidente

Des. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ


3º Vice-Presidente

Desa. IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA


Corregedora-Geral da Justiça
AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio e reconhecimento do Tribunal de Justiça do Estado


do Rio Grande do Sul, na pessoa do Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz,
3º Vice- Presidente, e à equipe do DSO – Departamento de Suporte Operacional –
Serviço de Impressão e Mídia Digital, que tornaram possível a presente Coleção
Mediação.
OS AUTORES
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS..............................................................................................................................5

MENSAGEM DO PRESIDENTE DO TJRS, DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI ................................... 9

MENSAGEM DA DESA. GENACÉIA SILVA ALBERTON, ORGANIZADORA ........................................ 11

MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO SETOR AGRÍCOLA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO


SUL: O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DE PARADIGMA ...................................13

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................19

2 MEIOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS ...................................................................21


2.1 A NEGOCIAÇÃO ..............................................................................................................22
2.2 A CONCILIAÇÃO..............................................................................................................23
2.3 A MEDIAÇÃO...................................................................................................................23
2.4 PRÁTICAS AUTOCOMPOSITIVAS INOMINADAS ............................................................25

3 HISTÓRICO SINTÉTICO DA MEDIAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO ..................................................26

4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS ..................................... 27


4.1 A RESOLUÇÃO 125/2010: SEUS OBJETIVOS, O NOVO ACESSO À JUSTIÇA E OS
NOVOS PROCESSOS ...................................................................................................... 27
4.2 O JUDICIÁRIO COMO EFETIVO CENTRO DE HARMONIZAÇÃO SOCIAL ........................28
4.3 A ESTRUTURA AUTOCOMPOSITIVA NO PODER JUDICIÁRIO ........................................29
4.4 A ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ...................................................29
4.4.1 Os desafios na implantação da Resolução 125/2010 ........................................29

5 A RECOMENDAÇÃO 50/2014-CNJ E A RESOLUÇÃO 225/2016-CNJ................................................. 31

6 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A MEDIAÇÃO .................................................................32


6.1 ASPECTOS GERAIS .........................................................................................................32

7 A LEI DA MEDIAÇÃO ........................................................................................................................ 33


7.1 UMA BREVE ANÁLISE...................................................................................................... 33

8 FÓRUM NACIONAL DA MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO ....................................................................35

9 MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO SETOR AGRÍCOLA NO ESTADO DO RIO GRANDE


DO SUL ............................................................................................................................................ 37
9.1 O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DE PARADIGMA ............................. 37
9.2 O MUNICÍPIO DE URUGUAIANA .....................................................................................38
9.3 PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE ARROZ ..............................................................41
9.4 O CONFLITO QUE TERIA ENSEJADO O DESACORDO ENTRE ARROZEIROS E
CEREALISTAS .................................................................................................................41
9.5 O DESACORDO COMERCIAL E O AJUIZAMENTO EM ESCALA DE AÇÕES......................43
9.6 A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O CONFLITO ..............................................................43
9.6.1 A Expectativa das magistradas e dos jurisdicionados......................................43
9.7 A INTERVENÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES JUDICIAIS ............................................45
9.8 O PLANEJAMENTO E A FORMAÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES ..............................45
9.9 AS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM OS ATORES ENVOLVIDOS NO CONFLITO ...........48
9.10 A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE DESENHO DE MEDIAÇÃO E SUAS ESTRATÉGIAS..48
9.11 A REUNIÃO PRÉVIA COM OS ADVOGADOS DOS ATORES ENVOLVIDOS NO
CONFLITO......................................................................................................................50
9.12 DAS SESSÕES DE MEDIAÇÃO ......................................................................................51
9.13 DA DECLARAÇÃO DE ABERTURA .................................................................................52
9.14 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA ................................................................................54
9.14.1 Rapport ........................................................................................................54
9.15 DAS NARRATIVAS INICIAIS E A REUNIÃO DE INFORMAÇÕES ......................................55
9.16 DO RESUMO E DA CONSTRUÇÃO DA PAUTA ..............................................................56
9.16.1 Identificação das questões, interesses e sentimentos ...................................56
9.17 ESCLARECIMENTOS DAS CONTROVÉRSIAS E INTERESSES ........................................58
9.18 RESOLUÇÃO DE QUESTÕES.........................................................................................59
9.19 DAS REUNIÕES CONJUNTAS E DAS REUNIÕES INDIVIDUAIS (CÁUCUS) ....................62
9.20 GERAÇÃO DE OPÇÕES E REGISTRO DAS SOLUÇÕES ENCONTRADAS .......................63
9.21 REUNIÃO DE AUTOSSUPERVISÃO ...............................................................................65

10 NEGOCIAÇÃO E DIÁLOGO ............................................................................................................. 67


10.1 ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS ........................................................................................... 67
10.2 O DIÁLOGO E O RESTABELECIMENTO DO VÍNCULO DE CONFIANÇA ENTRE OS
ATORES......................................................................................................................... 74
10.3 O VALOR DA PALAVRA EMPENHADA COMO ELEMENTO CULTURAL REGIONAL ........78
10.4 A CONSTRUÇÃO DO ENTENDIMENTO .........................................................................79
10.4.1 O ponto da virada (turning point) ..................................................................79
10.5 A MUDANÇA DO PARADIGMA ADVERSARIAL E LITIGIOSO PARA O DA
COLABORAÇÃO E DA COOPERAÇÃO ..........................................................................84

11 DECLARAÇÕES E REFLEXÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS NA MEDIAÇÃO: DAS MAGISTRA-


DAS, ADVOGADOS, DA EQUIPE PEDAGÓGICA E DOS MEDIADORES JUDICIAIS ...........................87

12 A INSTALAÇÃO DE UM CENTRO JUDICIAL DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA EM URU-


GUAIANA/RS ......................................................................................................................................93

13 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................95

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................98

ANEXOS ............................................................................................................................................ 101


ANEXO A – Resolução CNJ nº 125/2010 ......................................................................................... 103
ANEXO B – Lei nº 13.140/2016 – (Lei da Mediação) ....................................................................... 116
ANEXO C – Dispositivos do Código de Processo Civil ..................................................................... 130
ANEXO D – Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores ........................................................ 150
ANEXO E – Recomendação nº 50/2014.......................................................................................... 153
ANEXO F – Enunciados do FONAMEC .......................................................................................... 156
ANEXO G – Resolução CNJ nº 225/2016 .........................................................................................162
ANEXO H – Formulário de Observação do Mediador ..................................................................... 176
ANEXO I – Declarações dos atores envolvidos na mediação: as magistradas, advogados,
a coordenadora do NUPEMEC e mediador judicial integrante da equipe .....................180
MENSAGEM DO PRESIDENTE DO TJRS,
DESEMBARGADOR LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI

É com grande orgulho que recebemos o convite para apresentar a obra


digital “Coleção Mediação”, fruto das dissertações apresentadas na Maestria
Latinoamericana Europea em Mediación Y Negociación, APEP/IUKB, Argentina,
evento reconhecido pelo Conselho Federal Suíço.
A obra constitui importante meio na implementação e divulgação das
técnicas de mediação como meio efetivo de solução consensual de conflitos e
construção da paz social, na medida em que os trabalhos apresentados traduzem
as experiências vivenciadas pelos colaboradores do Sistema de Mediação na esfera
Judicial.
Honra-me, de forma especial e particular, apresentar a presente obra, visto
que alguns dos mais relevantes trabalhos que a constituem, são fruto da experiência
de Mediação Judicial implementada pioneiramente pelo Poder Judiciário do Estado
do Rio Grande do Sul, cujos resultados positivos vêm sendo reconhecidos em âmbito
nacional e internacional, servindo de modelo à adoção por outros ordenamentos
jurídicos.
Inegavelmente a atividade de mediação merece amplo destaque, tendo
em vista a significativa contribuição à solução rápida e eficaz de conflitos, razão
pela qual cabe ao Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul lhe emprestar
o apoio e incentivo possíveis, visto que seu trabalho vai ao encontro não apenas
dos normativos legais e constitucionais relativos ao direito à prestação jurisdicional,
como aos anseios da sociedade no que tange à justiça e paz social.
Nessa perspectiva, convido a todos à leitura da presente publicação que
corrobora, incrementa e incentiva o desenvolvimento da sistemática de mediação.

Des. Luiz Felipe Silveira Difini


Presidente
APRESENTAÇÃO DA DESA. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON,
ORGANIZADORA DA COLEÇÃO MEDIAÇÃO

A Coleção Mediação do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul é o resultado


dos estudos e dedicação de integrantes do Judiciário gaúcho em prol da Mediação
e corresponde aos trabalhos de Dissertação de Mestrado apresentados no
Programa de Pós-Graduação na APEP-IUKB - Programas de Estudios de Postgrado-
Insituto Universitaire kurt Bösch - Maestría Latinoamericana Europea en Mediación y
Negociación, na Argentina , reconhecido pelo Governo Suiço.
A Coleção representa uma trajetória de reflexão e ações alicerçadas
na convicção de que o cidadão merece ser o protagonista na resolução dos seus
conflitos e de que a mediação não é um movimento que deve ser oferecido pelo
Judiciário apenas aos jurisdicionados. Ela deve refletir também internamente
na instituição, auxiliando no desenvolvimento de competências e habilidades
necessárias à manutenção de um ambiente organizacional produtivo e cooperativo.
Antes da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, havia
movimentos no sul do País visando ao uso da mediação como meio adequado e
eficaz para a solução de conflitos familiares. Em 1997, foi criado um projeto de
Mediação Familiar no Foro Central de Porto Alegre.
Desde 2001, a Assistente Social Rosemari Seewald deu início à experiência
de mediação de família nas comarcas de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Campo
Bom, Capão da Canoa, Sapucaia do Sul .
Em 2002, foi criado o Núcleo de Estudos de Mediação da Escola Superior
da Magistratura – AJURIS. A ele se integraram pessoas afinadas ao tema para
estudar mediação e um projeto de cunho social aconteceu com realização do projeto
Mediação Comunitária - Lomba do Pinheiro, Instituto Cultural São Francisco de Assis,
através do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente, implementado em
2008 . Apoiado pelo Ministério da Justiça, por sua Secretaria de Reforma do Poder
Judiciário, a Mediação Comunitária englobou várias ações de cidadania, buscando a
inclusão social. Para isso houve a parceria com o Tribunal de Justiça do Estdo do Rio
Grande do Sul, Defensoria Pública e Escola Superior da Magistratura- AJURIS.
Nesse projeto, pela primeira vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, tendo com Presidente o Desembargador Arminio José Abreu Lima
da Rosa, assumiu a posição de parceiro em um projeto de mediação.
Em 2011, foi instalado o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos (NUPEMEC), presidido pelo 1º Vice- Presidente , sendo
instalada também a Central de Mediação de 1º Grau com a formação de mediadores
capacitados de acordo com a sistemática proposta pelo Conselho Nacional da
Justiça.
Através da Resolução 04/2012 do Tribunal de Justiça, foram criadas as
Coordenadorias de Conciliação e Mediação de 1º e 2º Graus, sendo a de 1º Grau
vinculada à Corregedoria-Geral da Justiça e a do 2º Grau à Vice- Presidência.
Em 2014, pela Resolução 1026 do COMAG, Conselho da Magistraura, foi
disciplinada a atuação dos CEJUSCs ( Centros Judiciários de Solução de Conflitos
e Cidadania) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para atendimento de
demandas processuais e pré-processuais.
Com a publicação da Lei de Mediação ( Lei 13.140/15) e o novo Código de
Processo Civil ( Lei 13.105/15) a Mediação veio a ser devidamente regulamentada,
abrindo espaço para a sua efetiva aplicação no espaço judicial e extrajudicial.
Muitos serão os desafios. Estamos num momento de olhar para o futuro e
pensar sobre a necessidade de que a mediação venha a se incorporar à comunidade
e à própria instituição do Tribunal de Justiça, criando uma forma de convivência
adequada, prevenindo e resolvendo conflitos resultantes das relações interpessoais.
Com a Coleção Mediação, através dos diferentes trabalhos e perspectivas,
temos os fundamentos e a história da Mediação no Rio Grande do Sul , com
a descrição e análise de experiências exitosas e perspectivas para a mediação
institucional no Poder Judiciário.
Que esses trabalhos possam produzir reflexão e dinamizar a continuidade
da tarefa de desenvolvimento da mediação não apenas como recurso de prevenção e
atendimento de conflitos, mas de formação de uma área de conhecimento que se impõe,
favorecendo um olhar humanizado nas relações e fortalecendo uma cultura de paz.

Genacéia da Silva Alberton


Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação da ESM-AJURIS
MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO SETOR
AGRÍCOLA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: O
DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DE
PARADIGMA

CLÁUDIO FERNANDES MACHADO

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Mediação e Negociação do Programa de Pós-Graduação na APEP-IUKB – Programas de
Estudios de Postgrado – Institut Universitaire Kurt Bösch – Maestría Latinoamericana Europea
en Mediación y Negociación – Argentina.
Área de concentração: Mediação e Negociação.

Orientadora: Profa. Me. Silvia Melhorança

Buenos Aires, 2016.


RESUMO

Esta dissertação discorre sobre a experiência de uma mediação com


múltiplas partes no setor agrícola brasileiro, gerando uma mudança de paradigma
para o acolhimento dos conflitos judiciais, em benefício de uma comunidade no
interior do Estado do Rio Grande do Sul. A mediação foi utilizada como instrumento
para a resolução de dezenas de processos judiciais envolvendo as indústrias de
beneficiamento de arroz e os produtores rurais, cujo conflito estava centrado em
uma rede de créditos e débitos existente entre eles. Não havia a possibilidade
de resolução, em curto prazo, através dos meios judiciais formais. Ademais, essa
situação poderia gerar consequências devastadoras para toda a comunidade onde
se originou. A intervenção realizada pela mediação, a partir da utilização de técnicas
autocompositivas com escopo no diálogo e na negociação, auxiliou, de forma
fundamental, que a maior parte dos atores envolvidos na disputa conseguissem
chegar a um entendimento, pois as soluções foram construídas de forma conjunta.
O impacto negativo que esse conflito teve na comunidade local foi minimizado pelo
processo de mediação, levando em consideração que o município de Uruguaiana
tem como base econômica a produção e a comercialização do arroz, que envolve o
comércio local e a vida da comunidade, sendo considerado, na atualidade, como um
dos maiores produtores desse grão na América Latina.

Palavras-chaves: Sistema judicial. Conflitos com múltiplas partes. Modelos


autocompositivos e consensuais. Mediação e negociação.
ABSTRACT

This paper discusses the experience of mediation with multiple parties in


the Brazilian agricultural sector, generating a paradigm shift for the reception of
legal disputes for the benefit of a community in the interior of Rio Grande do Sul
State. Mediation was used as a tool for the settlement of dozens of lawsuits involving
rice processing industries and farmers, whose conflict was centered on a network
of existing credits and debts between them. There was the possibility of resolution
in the short term, through formal legal means. Moreover, this situation could
have devastating consequences for the entire community where it originated. The
intervention carried out by mediation, from the use of selfcompositive techniques
scoped dialogue and negotiation, assisted, in a fundamental way, that most of the
actors involved in the dispute could reach an agreement because the solutions were
built jointly. The negative impact that this conflict has had on the local community
has been minimized by the mediation process, taking into consideration that the
municipality of Uruguaiana has the economic base the production and marketing of
rice, which involves local businesses and community life, being considered, today,
as one of the largest producers of this grain in Latin America.

Keywords: Judicial system. Conflicts with multiple parties.Autocompositivos


and consensual models. Mediation and negotiation.
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação discorre sobre a experiência de uma mediação com
múltiplas partes no setor agrícola brasileiro, gerando uma mudança de paradigma
para o acolhimento dos conflitos judiciais nesse segmento, em benefício de uma
comunidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil.
A mediação foi utilizada como instrumento para a resolução de dezenas de
processos judiciais envolvendo produtores de arroz e indústrias de beneficiamento
desse grão, cujo conflito estava centrado em uma rede de créditos e débitos
existente entre eles. Havia a percepção da participação de um terceiro nessas
relações comerciais compra e venda do arroz.
Ademais, não havia a possibilidade de resolução, em curto prazo, através
dos meios judiciais formais, pois se tratava de uma rede imbricada, cujos credores e
devedores deveriam ser identificados ao longo do processo.
Com efeito, essa situação poderia gerar consequências devastadoras
para toda a comunidade onde se originou, pois comprometia o resultado de toda
uma safra. O impacto negativo que esse conflito teve na comunidade local foi
minimizado pelo processo de mediação, pois o município de Uruguaiana tem como
base econômica a produção e a comercialização do arroz, que envolve o comércio
local e a vida da comunidade, sendo considerado, atualmente, como um dos
maiores produtores desse grão em nosso país e na América Latina.
A intervenção realizada pela equipe de Mediadores Judiciais do Núcleo
Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC, do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS, por provocação das
eminentes Magistradas da comarca de Uruguaiana, estava pautada na utilização de
técnicas e ferramentas consensuais, com escopo no diálogo e na negociação; e teve
fundamental importância para que a maior parte dos atores envolvidos na disputa
conseguissem chegar a um entendimento, em soluções que foram construídas
pelos envolvidos naquele desacordo.
A mudança do paradigma competitivo e adversarial para o cooperativo e
colaborativo foi o resultado mais significativo em todo o processo.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Importante salientar que as relações comerciais – compra e venda de arroz


entre os envolvidos naquela disputa – estavam paralisadas diante daquele impasse
e era fundamental a retomada do diálogo entre os atores daquela controvérsia.
Ao final do processo de mediação, verificou-se o restabelecimento das
relações comerciais entre os envolvidos, até então prejudicadas, com a retomada
da realização de novos negócios entre os mesmos.
A construção do desenho e das estratégias que foram utilizadas ao longo do
trabalho foi outro desafio colocado à Equipe de Mediadores Judiciais, pois não havia
experiência anterior em nossa instituição, quanto ao acolhimento de tão expressivo
conflito e sua resolução através dos mecanismos autocompositivos e consensuais.
Importante salientar, ainda, do incansável trabalho desenvolvido pela
Equipe Pedagógica do NUPEMEC do TJRS para o fomento e a difusão desta
política pública no âmbito do Poder Judiciário rio-grandense, pois fundamental
incorporarmos a satisfação do jurisdicionado como elemento de aferição da
qualidade dos serviços que estamos oferecendo à sociedade.
Acreditamos que os efeitos da nossa intervenção naquela comunidade
possam ser percebidos para muito mais além dos resultados objetivos construídos,
pois foram lançadas as “sementes do diálogo” em uma terra fértil, que haverá de
germinar e trazer frutos de uma sociedade mais humana e pacificada.

20
2 MEIOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Em uma sociedade tão plural e com imensas particularidades não é crível


imaginarmos que possamos compartilhar experiências e vivências sem a ocorrência
de conflitos. Assim, o conflito assume também um significado para o aprimoramento
e o fortalecimento das relações sociais.
Nosso sistema judicial precisa, portanto, responder às necessidades dos
seus usuários, sopesando qual o modelo mais adequado para o tratamento dos
conflitos e para a resolução das controvérsias, pautados, sobretudo, na satisfação
das suas expectativas.
Um sistema que busque a resolução integral do conflito em todas as
suas dimensões, principalmente, a sociológica, considerando os interesses, as
necessidades e os sentimentos dos envolvidos nessa relação.
Para tanto, será fundamental superarmos uma visão tradicional de
resolução dos conflitos e controvérsias por um único caminho, qual seja, o da lide
juridicamente tutelada (ou processo judicial).
Como assevera José Luís Bolzan de Morais (1999, p. 115):

Trata-se da exigência de garantias e meios concretos rumo à democratização


do acesso à justiça – à solução de conflitos –, princípio basilar do estado
democrático de direito e, consequentemente, de um repensar os modos de
tratamento dos conflitos, com o objetivo de implementar mecanismos de
pacificação social mais eficientes, que não desvirtuem os ideais de verdade e
justiça social do processo, proporcionem a desobstrução da justiça e assegurem
as garantias sociais conquistadas.

Destarte, novos modelos de tratamento dos conflitos estão sendo


incorporados ao nosso sistema judicial, entre os quais elencamos a negociação, a
conciliação e a mediação.
Todos esses mecanismos asseguram à inclusão social, pois percebem o
cidadão como protagonista e corresponsável pela construção de uma resolução
mais adequada ao conflito experimentado. Ademais, podem ser considerados
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

também como instrumentos de pacificação social e prevenção de litígios, já que os


envolvidos são conduzidos a administrar as disputas por meio do diálogo.
O sistema judiciário estatal não deve ser o único responsável pelos
processos de pacificação social, tampouco a sentença seu único instrumento, pois
nesse modelo acentua-se a oposição de interesses entre os indivíduos envolvidos
em conflito, que são considerados de forma isolada e desconectados, sempre
na perspectiva de um ganhador e um perdedor, privilegiando a binaridade como
tônica, porquanto o resultado deve acolher um ou outro.
Há, contudo, uma enorme dificuldade pelos Operadores de Direito de
superarem esse marco paradigmático, para compreender que a intervenção
estatal, através do Estado-julgador, em muitas situações conflituosas se torna
dispensável. Registre-se, igualmente, que, em outras tantas, tal intervenção assume
característica de indispensabilidade.
Não há, portanto, supremacia de um sistema sobre o outro, tampouco
hierarquia. Apenas a necessidade do tratamento adequado para cada tipo de
conflito que aporta nosso sistema judiciário.
Daí que é fundamental fomentarmos a ideia de um sistema judicial
multiportas como instrumento capaz de contribuir para a ampliação do acesso
à justiça, que implica no acesso à ordem jurídica justa e às soluções efetivas; ao
aprimoramento do sistema de resolução de litígios; e à consequente redução da
judicialização dos conflitos de interesses.

2.1 A NEGOCIAÇÃO

A negociação é definida como uma comunicação voltada à persuasão, que


ocorre de forma simples e direta entre os envolvidos, sendo que os mesmos têm
controle sobre o processo e o resultado.
Em breve síntese, podemos perceber que os envolvidos: a) escolhem
o momento e o local da negociação; b) determinam como se dará a negociação,
inclusive quanto à ordem e a ocasião de discussão de questões e propostas; c)
podem continuar, suspender, abandonar ou recomeçar as negociações a qualquer
tempo; d) estabelecem os protocolos dos trabalhos na negociação; e) podem ou
não chegar a um acordo e têm total controle sobre o resultado. (MANUAL DE
MEDIAÇÃO, 2016, digital).

22
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Além disso, a negociação e o acordo podem abranger valores ou questões


diretamente relacionadas às disputas e variam, significativamente, quanto à matéria
e à forma, podendo, inclusive, envolver um pedido de desculpas, trocas criativas,
valores pecuniários ou não. Assim, todos os aspectos devem ser considerados
relevantes e negociáveis.

2.2 A CONCILIAÇÃO

A conciliação também é um processo autocompositivo, em que as partes


envolvidas na disputa são auxiliadas por um terceiro neutro e sem interesse na
causa, que atua como facilitador do diálogo e emprega técnicas adequadas para a
obtenção de uma solução ou acordo ao conflito.
O Movimento pela Conciliação, lançado por iniciativa do Conselho Nacional
de Justiça – CNJ, iniciou uma nova fase de acolhimento dos conflitos em nosso
sistema judicial, porquanto incorporou novas técnicas na prática da conciliação,
qualificando, sobremaneira, esse modelo em nosso país.
A política pública de tratamento adequado dos conflitos preconizada pelo
CNJ e consolidada em diferentes resoluções e publicações, busca: a) a necessidade
da efetiva harmonização social entre as partes, mais até que o acordo; b) restaurar
os vínculos sociais entre as partes, na medida do possível; c) não utilizar técnicas
impositivas ou coercitivas para alcançarem soluções, mas estimular as técnicas
persuasivas; d) oferecer tempo suficiente para a compreensão do conflito pelo
conciliador; e) humanizar o processo de resolução de conflitos; f) preservar a
intimidade dos envolvidos na disputa, sempre que possível; g) buscar uma solução
prospectiva e construtiva para os envolvidos no conflito; h) ouvir as partes de forma
ativa; i) utilizar diferentes técnicas multidisciplinares para elas possam construir
soluções satisfatórias. (MANUAL DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).
A conciliação evoluiu muito em nosso país, diferenciando-se, hoje, do
tradicional modelo trazido pela Lei nº 9.099/95, que regulamenta o funcionamento
dos juizados especiais cíveis e criminais, comumente chamados de “juizados de
pequenas causas”.

2.3 A MEDIAÇÃO

A mediação também é um processo autocompositivo, em que as partes


envolvidas na disputa são auxiliadas por um terceiro neutro e sem interesse na causa,

23
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

tendo como principal objetivo o estímulo ao diálogo cooperativo e colaborativo, a


fim de que possam alcançar soluções às suas divergências.
Para Christopher Moore (1998), o acordo obtido no processo de mediação
passa a ser o resultado de um bom trabalho de cooperação realizado ao longo de
todo o procedimento e não sua premissa básica.
A prática da mediação tem diferentes enfoques, cuja aplicação dependerá
da natureza do conflito, bem como das experiências e dos recursos do mediador.
Muitos autores apresentam diversas formas para o atuar do mediador, mas,
em verdade, compreendemos que todas essas metodologias interagem, são
complementares e não se excluem, pois buscam ampliar as possibilidades de
construção de resultados satisfatórios aos envolvidos no conflito.
Conforme Fisher e Ury (1985), em apertada síntese, podemos referir acerca
da Escola de Harvard que essa privilegiaria os aspectos negociais para a obtenção
do acordo, tomando em consideração a separação das pessoas do problema, no
enfoque dos interesses e não nas posições, na geração de opões para obtenção de
benefícios mútuos e na observação de critérios objetivos.
O modelo Transformativo desenvolvido por Robert Baruch Bush e Joseph
Folger (1996) teria por escopo a transformação das pessoas no sentido de sua
revalorização pessoal e do reconhecimento da legitimidade do outro. O acordo,
na perspectiva transformativa, é visto como uma possibilidade e não como uma
finalidade.
Há, também, o modelo Circular-narrativo desenvolvido por Sara Cobb
e Marinés Suares (2012), em que a fundamentação da mediação se faz na
comunicação e na causalidade circular, pois se cuida dos vínculos e fomenta-se a
reflexão, possibilitando a transformação de uma história conflitiva em uma história
colaborativa.
Importante referir, também, acerca do modelo de Mediação Estratégica
elaborado por Rubén Calcaterra (2002), dirigido à resolução de conflitos e
negociações complexas, tendo como aporte a Teoria do Conflito de Remo F.
Entelman, metodologia que trouxe significativa estruturação à mediação. No
modelo de Calcaterra, a desconstrução do conflito e a reconstrução da relação são
estágios que precedem o da tomada de decisão pelos atores do conflito. (ALMEIDA,
2014, p. 172).

24
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

2.4 PRÁTICAS AUTOCOMPOSITIVAS INOMINADAS

São um conjunto de ações e iniciativas implementadas pelo Conselho


Nacional de Justiça – CNJ, a partir da edição da Resolução nº 125/2010, que visam
oferecer aos usuários do sistema judicial brasileiro, diferentes espaços para o
diálogo, a reflexão, a provocação de mudanças comportamentais, bem como que os
auxiliem a compreender do seu protagonismo para a solução de qualquer conflito.
Nesse contexto, estão sendo organizados, pelos diferentes tribunais no
país, diversos treinamentos, workshops, grupos de apoio, oficinas e outras práticas
para orientar o usuário a resolver os seus conflitos de forma mais satisfatória.
Entre esses treinamentos, destacam-se as oficinas de parentalidade e
divórcio (ou oficinas de pais e filhos), que buscam orientar pais divorciandos e seus
filhos a lidarem melhor com os conflitos nessa fase de transição. Dessa forma,
procura-se evitar a evolução dos conflitos familiares.
Importante destacar que essas práticas não se encaixam na definição
tradicional de processos autocompositivos, razão pela qual recebem essa
nomenclatura genérica de práticas autocompositivas inominadas. (MANUAL DE
MEDIAÇÃO, 2016, digital).

25
3 HISTÓRICO SINTÉTICO DA MEDIAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO

A história da mediação no Brasil está ligada intimamente ao movimento


de acesso à justiça, iniciada na década de 1970, que buscava assegurar formas de
tratamento adequado às disputas que auxiliassem na melhoria das relações sociais
entre os envolvidos na controvérsia.
Esse movimento inaugurou uma nova fase de orientação das práticas
autocompositivas com vista à satisfação do usuário, pautada na utilização de
técnicas apropriadas, em ambiente adequado para o diálogo e fortalecimento das
relações entre os envolvidos no processo, com o intuito de oferecer recursos para a
construção do entendimento entre eles. (MANUAL DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).
Robert Baruch Bush e Joseph Folger (1996) sustentam que deve ser
considerado como objetivo da autocomposição e, indiretamente, de um sistema
processual moderno, a capacitação (ou empoderamento) das partes para que essas
possam cada vez mais e, por si mesmas, compor seus conflitos atuais e futuros
(educação sobre técnicas de negociação).
Com isso, são oferecidos aos usuários do sistema judicial, diferentes
formas para que aquela experiência possa constituir-se em aprendizado em relação
à resolução do conflito. Além do mais, será possível o reconhecimento mútuo dos
interesses, necessidades e sentimentos envolvidos, gerando a real aproximação
entre os mesmos, e a consequente pacificação e humanização dessas relações.
Segundo Deborah Rhode (2000), a participação do jurisdicionado na
seleção dos processos a serem utilizados para acolher os seus litígios aumenta
significativamente sua percepção de justiça e de confiabilidade (accountability) no
sistema.
Resta demonstrado, portanto, que o sistema autocompositivo pode se
desenvolver de forma independente, superando a orientação prevalente de que um
sistema jurídico somente poderá evoluir através de reformas procedimentais, pois
a implantação da política pública de acolhimento adequado dos conflitos ocorreu
antes da vigência do novo Código de Processo Civil brasileiro – NCPC.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS
CONFLITOS

A edição da Resolução nº 125/2010 pelo Conselho Nacional de Justiça –


CNJ inaugura uma nova etapa em nosso sistema judicial, com a incorporação da
conciliação e da mediação como instrumentos para o tratamento adequado dos
conflitos de interesses resolvidos em seu âmbito.
Essa orientação está dirigida tanto aos serviços prestados no curso dos
processos judiciais, quanto para incentivar a prevenção de novas demandas, a partir
de um atendimento pré-judicial dos conflitos de interesses.
Através da Resolução nº 125/2010, iniciamos uma importante mudança no
acesso à justiça no Brasil, conforme disposto em seu art. 1º:

Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de


interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por
meios adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe oferecer mecanismos de
soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como
a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao
cidadão. […]. (MANUAL DE IMEDIAÇÃO..., 2016).

Como se percebe pela norma, incumbe aos diferentes órgãos judiciários


oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios
consensuais, como a mediação e a conciliação.

4.1 A RESOLUÇÃO 125/2010: SEUS OBJETIVOS, O NOVO ACESSO À


JUSTIÇA E OS NOVOS PROCESSOS

A edição da Resolução nº 125/2010 decorre da necessidade de se estimular,


apoiar e difundir um conjunto de normas que promovam e aprimorem as práticas
autocompositivas no país.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Os objetivos da Resolução nº 125/2010 são: a) disseminar a cultura


da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de
qualidade, conforme disposto no art. 2º; b) incentivar os tribunais a se organizarem e
planejarem programas amplos de autocomposição, como reza o art. 4º; c) reafirmar
a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas do CNJ, como
preceitua o art. 3º. (MANUAL DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).
Tais iniciativas visam transformar o Poder Judiciário, do ponto de vista do
jurisdicionado, em um centro efetivo de soluções dos conflitos experimentados.
Na medida em que se desenvolve esse conceito, percebemos um
abandono gradual às fórmulas exclusivamente positivadas e a implementação
de mecanismos processuais e pré-processuais que venham complementar nosso
sistema instrumental, através da incorporação das práticas autocompositivas, pois
o acesso à justiça não pode ser confundido com acesso ao judiciário.
Importante considerarmos que a característica principal do movimento
de acesso à justiça consiste em oferecer um sistema de resolução dos conflitos
legitimado pelo jurisdicionado, a partir da sua satisfação com os mecanismos
oferecidos para o acolhimento do seu conflito.
Frank Sander (1976) introduziu o conceito de Multidoor Corthouse,
comumente chamado de Fórum de Múltiplas Portas – FMP, em que o Poder
Judiciário é considerado um Centro de Resoluções de Disputas, pois dotado de
diferentes portas, não só aquela do processo judicial, como também de outras, em
que as partes poderão ser direcionadas ao processo mais adequado a sua disputa.
Nesse sentido, o magistrado incorpora também uma função gerencial, a fim
de assegurar a efetiva realização dos objetivos pretendidos em nosso ordenamento
jurídico, assegurando-se à cidadania o acesso ao espaço mais adequado para o
acolhimento da sua controvérsia.

4.2 O JUDICIÁRIO COMO EFETIVO CENTRO DE HARMONIZAÇÃO SOCIAL

A implantação da Resolução nº 125/2010 do CNJ busca transformar o


sistema judicial brasileiro como um centro de harmonização social, pois devemos
abordar os conflitos na perspectiva de sua solução definitiva, com a consequente
pacificação dessas relações sociais.

28
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

No contexto de se estimular o uso de práticas cooperativas em processos de


resolução de disputas, transcrevemos a reflexão do ex-Ministro da Justiça Tarso Genro:

O acesso à justiça deve, sob o prisma da autocomposição, estimular, difundir


e educar seu usuário a melhor resolver os conflitos por meio de ações
comunicativas. Passa-se a compreender o usuário do Poder Judiciário como não
apenas aquele que, por um motivo ou outro, encontra-se em um dos polos de
uma relação jurídica processual – o usuário do poder judiciário é também todo
e qualquer ser humano que possa aprender a melhor resolver seus conflitos,
por meio de comunicações eficientes – estimuladas por terceiros, como na
mediação ou diretamente, como na negociação. O verdadeiro acesso à justiça
abrange não apenas a prevenção e reparação de direitos, mas a realização de
soluções negociadas e o fomento da mobilização da sociedade para que possa
participar ativamente dos procedimentos de resolução de disputas, bem como
de seus resultados. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2009, digital).

É possível realizar de forma efetiva um novo acesso à justiça, desde que seja
redefinido o papel do Poder Judiciário como menos judicante e mais humanizador.

4.3 A ESTRUTURA AUTOCOMPOSITIVA NO PODER JUDICIÁRIO

O Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de


Conflitos – NUPEMEC, previsto no art. 7º da Resolução nº 125/2010, é o responsável
pelo desenvolvimento da política judiciária no âmbito de cada tribunal, voltada ao
acolhimento dos conflitos de forma autocompositiva.
Da mesma forma, os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania – CEJUSCs visam planejar de forma centralizada a implantação da política
pública no âmbito de cada unidade jurisdicional do tribunal.
É essa a estrutura prevista na Resolução nº 125/2010, que deverá ser
ampliada, na medida do possível, com a instalação de CEJUSCs em todas as unidades
jurisdicionais do Poder Judiciário no país. (MANUAL DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).

4.4 A ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

4.4.1 Os desafios na implantação da Resolução 125/2010


Dentre os desafios para a implantação da Resolução nº 125/2010,
podemos elencar: a) a sensibilização da necessidade de suporte orçamentário
pelas administrações dos tribunais; b) a capacitação de instrutores em mediação

29
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

e conciliação e a disponibilidade de logística para a realização desses processos; c)


permanente consultoria e apoio aos diversos Núcleos e Centros espalhados no país;
d) diálogo permanente com os gestores e coordenadores dos Núcleos e Centros;
e) formação e capacitação continuada da equipe de instrutores, mediadores e
conciliadores; f) fomentar a capacitação de prepostos das empresas litigantes em
técnicas autocompositivas. (MANUAL DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).
Já é possível perceber que houve uma significativa mudança nos tribunais,
pois um número crescente de magistrados passaram a acreditar na autocomposição
como principal política para a solução efetiva dos conflitos:

Uma transformação revolucionária no Poder Judiciário em termos de natureza,


qualidade e quantidade dos serviços judiciários, com estabelecimento de
filtro importante da litigiosidade, com o atendimento mais facilitado dos
jurisdicionados […] com o maior índice de pacificação das partes em conflito
[…] e assistiremos, com toda a certeza, à profunda transformação do nosso país
que substituirá a cultura da sentença pela cultura da pacificação. (MANUAL DE
MEDIAÇÃO..., 2016, digital).

Destaca-se que tudo isso tem ocorrido em razão da capacitação de


mediadores, conciliadores e gestores. Entretanto, todas essas mudanças só serão
possíveis na medida em que houver o necessário reconhecimento a prática da
mediação e da conciliação, bem como a valorização profissional dos mediadores e
conciliadores judiciais que atuam em nosso país.

30
5 A RECOMENDAÇÃO 50/2014"CNJ E A RESOLUÇÃO 225/2016"CNJ

O Conselho Nacional de Justiça editou em 9 de maio de 2014, a


Recomendação nº 50, que considera, dentre outros aspectos, da necessidade de
se consolidar a política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos
mecanismos consensuais de solução e prevenção de litígios.
Tal recomendação orienta os tribunais a adotarem oficinas de parentalidade
como política na resolução e prevenção de conflitos familiares.
Orienta também acerca do estímulo aos magistrados em encaminhar
disputas para a mediação de conflitos em demandas nas quais houver necessidade
de preservação ou recomposição de vínculo interpessoal ou social, não apenas
decorrentes de relações familiares, mas todos os afetos a direitos disponíveis.
Ademais, o CNJ editou no dia 31 de maio de 2016 a Resolução nº 225, que
dispõe sobre a política nacional de justiça restaurativa no âmbito do Poder Judiciário
e dá outras providências. Esse instrumento representará significativo avanço em
nosso sistema judicial, pois visa, sobretudo, humanizá-lo.
A Resolução nº 225/2010 explicita que, diante da complexidade dos
fenômenos violência e conflito, deverão ser considerados não só os aspectos
relacionais individuais, mas, também, os comunitários, institucionais e sociais,
cabendo ao Poder Judiciário o permanente aprimoramento para o acolhimento
das demandas sociais, com o objetivo de promover a paz social de forma integral.
(CNJ..., 2016, digital).
Enfim, percebe-se que o elemento mais significativo nesta política pública
é o seu foco na pacificação das relações e na articulação com diferentes segmentos
e atores sociais e sua implantação representará significativo avanço no tratamento
e acolhimento dos conflitos dessa natureza.
6 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A MEDIAÇÃO

6.1 ASPECTOS GERAIS

Com a vigência do novo Código Civil brasileiro, (Lei nº 13.105/2015), a partir


de 18/03/2016, a mediação e a conciliação assumiram importante destaque em nosso
sistema processual, cuja aplicação está disciplinada em diferentes circunstâncias,
pois o Estado deverá promover, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos. Tal prática deverá ser estimulada também em relação aos processos em
tramitação. (CÓDIGO DE PROCESSO..., 2016, digital).
Os mediadores e conciliadores passam a ser considerados auxiliares da
justiça, e suas atribuições e responsabilidades estão regulamentadas no referido
estatuto processual.
O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a
utilização de qualquer forma de constrangimento ou intimidação às partes
para conciliarem; e o mediador deverá auxiliar os envolvidos a compreender as
questões, interesses e necessidades que permeiam o conflito, na perspectiva do
reestabelecimento da comunicação entre eles e para que possam construir soluções
consensuais de benefícios mútuos.
A prática da mediação e da conciliação são orientadas pelos princípios da
independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade,
da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
O acordo construído pelos envolvidos na disputa através autocomposição, será
reduzido a termo e homologado por sentença, tendo eficácia de título executivo judicial.
A mediação e a conciliação se apresentam, assim, como instrumentos
vigorosos para a pacificação e a solução de conflitos em quase todas as áreas do direito.
Todo esse acervo normativo tem por objetivo a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, menos conflituosa e em sintonia com os valores
assegurados na Constituição Federal: dignidade humana e cidadania. (CÓDIGO DE
PROCESSO..., 2016, digital).
7 A LEI DA MEDIAÇÃO

7.1 UMA BREVE ANÁLISE

A Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) nasce em decorrência da implantação


da política pública de tratamento adequado dos conflitos preconizado pelo CNJ.
Dispõe em seu art. 1º, parágrafo único:

Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre
particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes,
as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais. (LEI DA
MEDIAÇÃO, 2016, digital).

A mediação considera os aspectos da independência do mediador, de sua


imparcialidade e da isonomia entre as partes, da oralidade e informalidade, da
autonomia da vontade das partes e da busca do consenso, da confidencialidade, da
boa-fé e da decisão informada, como fundamentais para a sua prática.
Além do mais, admite-se na prática da mediação a aplicação de técnicas
negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição.
Os requisitos para ser mediador judicial são: a) ser civilmente capaz; b)
possuir graduação há pelo menos 2 anos em curso de ensino superior de instituição
reconhecida pelo Ministério da Educação – MEC; c) ter feito curso de capacitação em
escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional
de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – EFAM ou pelos tribunais.
Há previsão na norma que a remuneração devida aos mediadores judiciais
será custeada pelas partes, devendo ser assegurada, entretanto, a gratuidade da
mediação aos litigantes que forem necessitados economicamente.
A audiência de mediação não será realizada se ambas as partes
manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando
o direito que versa a causa não admitir a autocomposição.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Como se percebe, foram introduzidas significativas alterações na


legislação processual, com o intuito de incorporar ao nosso sistema judicial um novo
paradigma para o acolhimento e o tratamento dos conflitos de interesse. (MANUAL
DE MEDIAÇÃO, 2016, digital).

34
8 FÓRUM NACIONAL DA MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO

O Fórum Nacional da Mediação e Conciliação – FONAMEC, voltado à


justiça estadual, tem por objetivo promover discussões e levantar boas práticas para
aprimorar o exercício das funções desempenhadas por seus integrantes, buscando
aperfeiçoar cada vez mais os métodos consensuais de solução de conflitos por meio
do intercâmbio de experiências.
O FONAMEC tem âmbito nacional e é composto pelos coordenadores
dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos –
NUPEMECs – nos Estados e do Distrito Federal e pelos magistrados dirigentes dos
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSCs.
O Fórum atua com o apoio dos Tribunais de Justiça nos Estados, da
Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e Escolas de Magistratura, visando
à concretização de seus objetivos. Reúne-se, semestralmente, ocasião em que
promove discussões objetivando levantar boas práticas que possam aprimorar o
exercício das funções desempenhadas por seus integrantes nos Estados de origem,
tendo por escopo aperfeiçoar cada vez mais os métodos consensuais de solução de
conflitos por meio de intercâmbio de experiências.
O FONAMEC exerce um papel fundamental na articulação e na difusão das
iniciativas e práticas desenvolvidas pelos diferentes Tribunais de Justiça dos Estados
e do Distrito Federal.
A cada novo encontro, são apresentados diferentes projetos em andamento
e os seus resultados práticos, oportunizando, com isso, que todas as instituições
possam também incorporar tais iniciativas em curso em nosso país.
Ademais, considerando que os desafios para a implantação da política
pública preconizada na Resolução no 125/2010 estão colocados a todos os tribunais,
o FONAMEC assume uma função estratégica, já que as suas orientações são
dirigidas a todos os envolvidos nas práticas autocompositivas e consensuais.
Em seu estatuto estão previstos seus diferentes comitês temáticos: a) ética,
exercício profissional e integração; b) formação e capacitação; c) racionalização
legal e burocrática; d) tecnologia, informação e inovação.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Consta ainda do estatuto que o Fórum tem por finalidade o implemento


da mediação e conciliação nos Estados e Distrito Federal buscando fomentar a
cultura da paz, com a apresentação e discussão de propostas para: a) criação e
alteração de leis, regulamentos e procedimentos; b) desenvolvimento de sistemas
de informação, portais e canais de comunicação; c) congregação de magistrados e
servidores que atuem com mediação e conciliação aperfeiçoando e uniformizando
os métodos consensuais de resolução de conflitos por meio de intercâmbio de
experiências; d) melhorar a articulação e integração com o Conselho Nacional de
Justiça, órgãos de Governo e demais entidades de apoio e representação que atuem
diretamente no segmento.
São membros efetivos do FONAMEC todos os magistrados que estiverem
no exercício da função de coordenador de Núcleo Permanente de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos de seu respectivo Estado e do Distrito Federal,
sendo membro consultivo o Presidente da comissão de acesso à justiça e cidadania
do Conselho Nacional de Justiça.
O FONAMEC reunir-se-á, ordinariamente, a cada semestre do ano, em local
e data escolhidos pelos integrantes da reunião anterior, e, extraordinariamente,
quando houver necessidade urgente, sendo que suas deliberações serão sempre
tomadas por maioria simples de votos.
Poderão participar das reuniões do Fórum outros delegados de cada Estado,
com direito a voto na ausência do coordenador, ocasião em que serão convidados a
participar das reuniões palestrantes de notório saber jurídico.
As resoluções deliberadas pelo FONAMEC são apresentadas na forma de
enunciados (vide Anexo F), que passam a vigorar em todo o território nacional.
(CNJ-FONAMEC, 2016, digital).

36
9 MEDIAÇÃO COM MÚLTIPLAS PARTES NO SETOR AGRÍCOLA
NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

9.1 O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DE PARADIGMA

Iniciamos a análise da experiência em Uruguaiana sublinhando que a


mesma foi inédita no âmbito do TJRS, bem como em relação ao nosso país, pois não
havia nenhum precedente que pudesse servir de orientação, aumentando, ainda
mais, o desafio da equipe pedagógica e de mediadores judiciais do NUPEMEC, que
foram os responsáveis pelo desenvolvimento desse projeto.
Ao longo dos próximos capítulos pretendemos discorrer, etapa por etapa,
da forma como foi conduzida a presente experiência, com o objetivo de deixarmos
algum legado aos profissionais que atuam nestes espaços de diálogo e construção
de consenso para a solução dos conflitos de interesses.
Utilizamos como metodologia de trabalho a apresentação das fases do
processo de mediação do ponto de vista teórico, construindo uma interface com a
experiência prática desenvolvida, na perspectiva de construirmos um referencial de
modelo de desenho para o acolhimento de conflitos dessa natureza.
Fundamental ressaltar que nada seria realizado se não houvesse o
engajamento pleno de todos os envolvidos, desde a Coordenação do NUPEMEC,
bem como das ilustres Magistradas.
A coordenação pedagógica do trabalho ficou ao encargo da colega Gisela
Wurlitzer Diniz e a Equipe de Mediadores Judiciais foi formada pela colega Manuela
Mallmann, bem como pelos colegas Carlos Renato Ferreira Leite, Paulo Renato
Petry e Cláudio Fernandes Machado, autor da presente dissertação.
Imprescindível também nessa experiência, a participação efetiva dos demais
atores envolvidos no conflito, dentre os quais arrolamos os produtores rurais (arrozeiros),
os representantes das indústrias de beneficiamento (cerealistas), advogados; bem
como dos servidores do TJRS lotados no Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos – NUPEMEC e nas Varas Cíveis da comarca de Uruguaiana.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

9.2 O MUNICÍPIO DE URUGUAIANA

O município de Uruguaiana está localizado no extremo ocidental do Estado


do Rio Grande do Sul, junto à fronteira fluvial com a Argentina e o Uruguai.
Localizada equidistante de Porto Alegre, Montevidéu, Buenos Aires e
Assunção, conforme representado na figura 1, Uruguaiana assume importância
estratégica comercial internacional. Ademais, por sua produção agropecuária,
assume liderança nacional, principalmente na produção de arroz, já considerado o
maior produtor desse grão na América Latina.

Figura 1 - Mapa do município de Uruguaiana

Fonte: Wikipedia (2016, digital).

Essa região do pampa gaúcho foi ocupada, predominantemente, até o


século XVI, por índios charruas.
Em 1840, na localidade de Santana Velha, distante 30 quilômetros de
Uruguaiana, houve uma violenta inundação, o que levou aquele povoado a estabelecer-
se, por volta de 1843, em seu local atual, sendo refundada pelo governo farrapo, sendo
a única cidade originada do movimento farroupilha. Foi emancipada em 29 de maio
de 1846, desvinculando-se do município de Alegrete, ao qual pertencia.

38
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

O brasão de Uruguaiana como se visualiza na figura 2, apresenta


importantes significados, pois no primeiro quadrado existem duas espadas de ouro
que simbolizam a criação da cidade à época da revolução farroupilha. O medalhão
que aparece no segundo quadrado, a direita do primeiro, representa a rendição da
cidade. No terceiro quadrado, abaixo do primeiro, aparece uma corrente partida,
que significa a libertação dos escravos, quatro anos antes da Lei Áurea, que aboliu a
escravidão no Brasil. No último quadrado, a direita do terceiro, aparece três ondas,
em homenagem ao Rio Uruguai, conhecido Rio da Prata.

Figura 2 - Brasão do município de Uruguaiana

Fonte: Fonte: Wikipedia (2016, digital).

Como Uruguaiana é uma cidade encravada entre o solo argentino e


uruguaio, não foi fácil manter a cidade em permanente paz, nem, tampouco,
estabelecer as fronteiras do país.
Em 5 de agosto de 1865, a cidade foi invadida por tropas paraguaias,
em represália à intervenção militar brasileira no Uruguai. Era o início da guerra
do Paraguai, envolvendo tropas brasileiras, argentinas, uruguaias e paraguaias,
tornando a cidade de Uruguaiana em palco de uma das batalhas mais importantes
desse conflito.
A guerra do Paraguai teve seu desfecho na própria cidade de Uruguaiana
em 18 de setembro de 1865, a partir da rendição dos paraguaios, tendo permanecido
quarenta e quatro dias sitiada.

39
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Durante os anos de 1890 a 1900, Uruguaiana tornou-se um ícone importante


no comércio, pois através dos seus portos circulavam produtos provindos da Europa.
Uruguaiana sofreu diversas incursões militares, tornando-se importante
peça estratégica no cenário militar da América Latina. Além disso, é importante rota
de cargas, sendo considerado o maior porto-seco da América Latina e o terceiro
maior do mundo. (WIKIPEDIA, 2016, digital).
É a maior cidade da região oeste do Estado do Rio Grande do Sul, sendo o
terceiro maior município em área territorial, com 5.713 km².

Figura 3 - Vista aérea do município de Uruguaiana

Fonte: Wikipedia (2016, digital).

Uruguaiana está ligada a cidade argentina de Paso de Los Libres e o limite


entre ambas está exatamente no meio da ponte internacional, que possui dois nomes –
“Getúlio Vargas” na metade brasileira e “Agustín Justo” na metade argentina.
O principal destaque da economia uruguaianense é o da cultura de arroz,
pois o município é considerado o maior produtor da América Latina desse grão.
Além disso, destaca-se também pela criação de gado bovino e bubalino, do seu
rebanho ovino; além do comércio exterior, devido a infraestrutura do maior porto-
seco da América Latina, situado na rodovia federal BR 290.
O município de Uruguaiana também tem orgulho de ostentar o pioneirismo
no refino de petróleo no Brasil, pois, em 1932, foi construída a Refinaria Riograndense
de Petróleo, constituída por comerciantes locais.

40
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

O município de Uruguaiana figura, ainda, como o 4º maior do Estado do


Rio Grande do Sul, além de ser o maior porto-seco da América Latina, com 80% da
exportação nacional. (WIKIPEDIA, 2016, digital).

9.3 PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE ARROZ

O cultivo do arroz é uma das atividades agrícolas mais desenvolvidas no


planeta, pois se trata de alimento básico de mais da metade da população mundial.
Segundo Ayres, Santos, Souza et al. (2016, digital), o Brasil é considerado
o 10º maior produtor mundial e o maior do bloco do Mercado Comum do Sul –
MERCOSUL.
Os autores afirmam que, no Rio Grande do Sul foi onde o cultivo desse grão
mais se desenvolveu, sendo considerado o maior produtor de arroz em casca do
país, que é plantado por sistema de irrigação, apresentando elevados índices de
produtividade, fonte obtida do IBGE de 2007, o Rio Grande do Sul produziu 6.267.183
toneladas, representando 57,32% do total produzido nos Estados brasileiros.
Ressaltam ainda que dados do Instituto Riograndense do Arroz – IRGA
sobre a safra de 2008/2009, apontam que a fronteira oeste do Rio Grande do Sul foi
responsável pela produção de 2.471.865 toneladas, sendo que Uruguaiana produziu
em torno de 444.659 toneladas de arroz.
De acordo com os autores, o Estado de Santa Catarina merece também
destaque pelo alto índice de indústrias beneficiadoras de arroz, com capacidade
para o processamento de 1,35 milhões de toneladas de arroz, figurando o Estado do
Rio Grande do Sul como o maior fornecedor desse grão aquele segmento industrial.
Na atualidade, o preço do arroz gaúcho segue em processo de escalada
batendo novo recorde, pois segundo o analista de mercado Élcio Bento (2016,
digital) ressalta que as exportações mundiais de arroz beneficiado foram estimadas
em 40,53 milhões de toneladas para a safra de 2016/2017.

9.4 O CONFLITO QUE TERIA ENSEJADO O DESACORDO ENTRE


ARROZEIROS E CEREALISTAS

A comercialização do arroz em Uruguaiana é realizada através de


empresas corretoras, que assumem o compromisso de manter os produtores de
arroz informados acerca das melhores oportunidades de mercado. Além disso,

41
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

oferecem atendimento diferenciado, seguro e transparente; bem como assumem a


responsabilidade em solucionar eventuais problemas e riscos. Ademais, asseveram
estar atentas às movimentações do mercado, realizando as intermediações
comerciais junto às empresas compradoras de arroz.
Era essa, enfim, a regra do mercado de compra e venda de arroz em
Uruguaiana. Os produtores rurais, inclusive, entregavam os talonários de notas fiscais
às empresas corretoras e as mesmas se encarregavam de comercializar a safra e os
estoques dos arrozeiros, emitindo os documentos inerentes a essas transações.
Esse fato evidenciava o nível de confiança que os produtores de arroz
tinham em relação às empresas corretoras, que assumiam o controle integral das
operações comerciais nesse segmento econômico.
Os produtores de arroz, de outro lado, muitas vezes desconheciam para
onde a sua produção estava sendo transportada e qual seria a indústria adquirente
da sua colheita, pois havia muita confiança nessas transações.
Os relatos trazidos pelos produtores de arroz vinham no sentido de que
a empresa teria perdido o controle acerca dos valores relativos à compra de arroz
junto aos arrozeiros e à venda do produto junto aos cerealistas.
Essa desordem no controle dos processos de compra e venda conduziu à
dissonância entre o prometido e o que realmente aconteceu, pois os produtores
de arroz relatavam ter vendido a safra por determinado valor às indústrias de
beneficiamento do arroz e que essas não efetuaram o pagamento devido.
De outro lado, pelos representantes das empresas cerealistas, havia
o relato de que, em muitos casos, não teriam recebido o produto, mesmo tendo
efetivado o pagamento integral combinado; ou relatos de que, em outras tantas
transações, não haviam recebido, sequer, uma saca de arroz do produtor.
Havia, também, por parte dos atores envolvidos no conflito, muita
discordância acerca dos valores estabelecidos para a compra e a venda do arroz.
Tal diferença, na maioria dos casos, era muito significativa, o que contribuiu para o
desacerto entre eles.
Ademais, houve cruzamento nas transações comerciais, já que os
produtores de arroz acreditavam entregar a sua produção para determinada
indústria, quando, em verdade, seria destinada a indústria diversa. Do mesmo modo,
as indústrias acreditavam comprar o arroz de determinado produtor, quando, na
realidade, receberiam o produto de outro.

42
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Esse cruzamento nas transações comerciais inviabilizava a construção


de soluções individuais, pois essas relações comerciais estavam imbricadas e
dependentes uma da outra, constituindo-se em verdadeira trama, cujos nós
deveriam ser desatados, cada qual ao seu tempo.

9.5 O DESACORDO COMERCIAL E O AJUIZAMENTO EM ESCALA DE


AÇÕES

A partir da constatação pelos atores do conflito (produtores de arroz e


indústrias de beneficiamento), de que: de um lado, não ocorria o pagamento pelas
entregas de centenas de sacas de arroz realizadas; e de outro, de que não estariam
sendo entregues as centenas de sacas de arroz pagas, iniciaram-se os contatos no
sentido de buscarem soluções para essa situação.
Frise-se que a maioria das indústrias estão localizadas no Estado de Santa
Catarina, considerado o maior comprador do arroz produzido no RS.
Diversas reuniões ocorreram, tanto em Uruguaiana quanto em Santa
Catarina, com vista à construção de um consenso em relação a essa situação. Mas
em todas elas não conseguiram chegar a um consenso, pois os atores buscavam o
cumprimento integral das condições que teriam sido pactuadas. Os mais de cem
processos foram distribuídos, aleatoriamente, às três Varas Cíveis da Comarca de
Uruguaiana, jurisdicionadas pelas Magistradas.

9.6 A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O CONFLITO

9.6.1 A Expectativa das magistradas e dos jurisdicionados


Na medida em que as ações eram levadas a exame pelas magistradas, as
mesmas puderam perceber que havia uma relação comercial subjacente comum e
transversal, pois, em geral, a indústria de beneficiamento do arroz alegava ter comprado
e pago a determinado produtor, quando, na verdade, ela teria realizado o pagamento
para produtor diverso, que não sabia que teria a obrigação de entregar o produto a ela.
Da mesma forma, o produtor de arroz entregava o seu produto para
determinada empresa cerealista e alegava que não teria recebido o pagamento
acertado, quando, na realidade, a indústria que recebeu o produto teria efetivado
o pagamento para outro produtor, considerando, de igual modo, ter cumprido
integralmente o avençado.

43
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Havia, então, clara divergência na cadeia de créditos e débitos, ou seja,


o arroz fora entregue a uma indústria, sem a efetivação do pagamento; ou o
pagamento teria sido realizado a determinado produtor de arroz, sem a devida
entrega da produção.
Essa transversalidade nas negociações dificultava a efetividade da
prestação jurisdicional, pois as sentenças poderiam não alcançar os produtores
de arroz e as indústrias de beneficiamento envolvidas diretamente em cada caso
concreto.
As magistradas perceberam a singularidade dessa situação, que atingia
as ações demandadas em cada juízo cível, e buscaram construir um espaço para a
tentativa de conciliação entre as partes.
Foram realizadas algumas audiências de conciliação entre os envolvidos no
litígio, que restaram inexitosas.
Em decorrência do insucesso do processo de construção de consenso
entre os envolvidos nos processos judiciais, por iniciativa das magistradas
que jurisdicionavam as Varas Cíveis da comarca de Uruguaiana, iniciou-se um
diálogo institucional acerca da intervenção de uma equipe de mediadores para o
atendimento daquelas dezenas de processos judiciais.
Havia, entretanto, um receio das magistradas de que pudessem as partes
e os advogados envolvidos naquele conflito interpretarem aquele comportamento
como uma ausência na prestação jurisdicional e de que as magistradas não
quisessem resolver aquela situação pela via ordinária do processo judicial.
De outro lado, havia um descrédito por parte dos atores do conflito
(produtores, representantes das indústrias e advogados) tendo em conta de que
haviam sido esgotadas as oportunidades de diálogo entre os envolvidos, inclusive
judicialmente, e não acreditavam que a intervenção de uma terceira equipe, sem a
força e o poder decisório de uma magistrada, pudesse resolver aquele conflito de
alta complexidade e repercussão social e econômica no município de Uruguaiana.
Havia, pois, a necessidade de desconstrução do paradigma adversarial
e litigioso para a reconstrução de um paradigma diverso, da colaboração e da
cooperação.
Esse seria o principal desafio a ser trabalhado pela equipe de mediadores
judiciais do NUPEMEC do TJRS.

44
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

9.7 A INTERVENÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES JUDICIAIS

A coordenadora do NUPEMEC autorizou a intervenção da equipe de


mediadores judiciais no conflito entre arrozeiros e indústrias de beneficiamento em
Uruguaiana.
A coordenação da equipe ficou a encargo da mediadora, supervisora e
instrutora Gisela Wurlitzer Diniz, que iniciou os preparativos para a construção da
nossa intervenção.
Era perceptível que se tratava de uma situação diferenciada daquelas que
eram atendidas, normalmente, pelos mediadores judiciais, e que, por isso, seria
necessário adotarmos um modelo próprio e exclusivo para aquela situação.
Importante deixar assinalado que no âmbito do TJRS, até aquela ocasião,
não havia nenhum curso de capacitação e formação de mediadores para atuarem
na mediação de conflitos com múltiplas partes ou conflitos coletivos envolvendo
políticas públicas.
Foi a partir da experiência em Uruguaiana que se verificou da necessidade
de ampliarmos ainda mais a qualificação e a capacitação da equipe de mediadores
judiciais do TJRS, tendo sido realizado um curso de mediadores para atuarem em
conflitos coletivos envolvendo políticas públicas.
Diante desta singularidade e da ausência de precedente, seria necessário
construirmos um desenho de mediação que pudesse acolher e assegurar a aplicação
dos princípios gerais que envolvem a prática da mediação e dos processos de
construção de consenso, para que pudéssemos oferecer aos jurisdicionados um
espaço produtivo e prospectivo de diálogo entre eles.

9.8 O PLANEJAMENTO E A FORMAÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES

Era fundamental construir um planejamento estratégico para a nossa


intervenção naquele cenário e formar uma equipe de mediadores judiciais
capacitada para atender aquele desafio.
Convidou-se para participar naquele processo, os mediadores, instrutores
e supervisores do NUPEMEC: Carlos Renato Ferreira Leite, Cláudio Fernandes
Machado, Manuela Mallmanm e Paulo Renato Petry.

45
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Nosso planejamento buscou a otimização dos nossos objetivos, pautado


na preparação, organização e estruturação da nossa atuação.
Também seria essencial para a tomada de decisões e para a execução das
diferentes etapas, a realização permanente de análise dos resultados, através de
feedback entre os envolvidos.
Elencou-se diferentes etapas para a construção do modelo de mediação
que seria utilizado em Uruguaiana: a) diagnóstico do conflito; b) planejamento do
processo; c) sessões de mediação; d) redação de eventual acordo; e) homologação
do acordo; e f) avaliação do processo. (SOUZA, 2012).
Na fase de diagnóstico, identificou-se que seria necessário elaborar um
histórico do conflito a partir das narrativas prévias dos atores envolvidos, para que
fosse possível construir os contornos fáticos e técnicos da nossa intervenção.
Importante destacar que uma das etapas essenciais para a elaboração
do desenho do modelo de mediação é a identificação precisa do diagnóstico
do problema que se busca resolver pela via autocompositiva, tanto no que toca
à natureza, quanto ao que tange à sua dimensão, pois antes de iniciar-se um
processo de mediação, os mediadores precisam ter conhecimento do histórico do
relacionamento entre as partes no que diz à matéria do conflito, sobretudo.
Também precisam ter suficiente clareza acerca do empoderamento de cada
um dos atores envolvidos na disputa, tanto as partes, quanto os seus procuradores.
Em razão disso, realizamos reuniões prévias com os advogados das
partes em conflito, que indicaram os elementos necessários à compreensão do
conflito. Ademais, nesse encontro, procurou-se compreender eventuais pontos
convergentes e divergentes entre eles.
Definiu-se também que o processo de mediação teria início com a
apresentação da “declaração de abertura”, em um encontro com a presença de
todos os atores envolvidos no conflito e seus advogados.
Foi o que ocorreu em Uruguaiana, quando reuniu-se todos os atores
envolvidos na primeira etapa daquele trabalho, no salão do plenário do tribunal do
júri da comarca de Uruguaiana, ocasião em que realizou-se a apresentação de todas
as etapas do processo de mediação, bem como a equipe de mediadores judiciais.
Apresentou-se os seguintes elementos nesse primeiro encontro entre
a equipe de mediadores com os atores do conflito: a) a construção conjunta de
uma agenda de sessões (passível de modificações posteriores, caso se verifique da
necessidade); b) os acordos prévios, com a estimativa de tempo para cada sessão e

46
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

etapa, oportunidades de manifestações dos atores e dos procuradores, bem como


a forma de alteração da agenda; c) a disponibilização de informações relevantes à
compreensão e solução do conflito pelos atores e procuradores; d) o compromisso
dos atores e procuradores em participar de todas as etapas e sessões; e) a definição
do local das sessões.(SOUZA, 2012).
Definiu-se como estratégia de atuação da equipe de mediadores judiciais, que
a etapa das reuniões prévias seria realizada na sede do NUPEMEC em Porto Alegre, e
que as demais etapas seriam realizadas in loco, no Foro da comarca de Uruguaiana.
No curso do processo de mediação construiu-se, em conjunto com os
demais atores do conflito, um calendário para a realização das sessões de mediações.
Ficou acertado que, na semana de 25 a 29 de novembro de 2013 ocorreriam as vinte
primeiras sessões de mediações na cidade de Uruguaiana.
A etapa seguinte de sessões de mediações seria realizada em Porto Alegre,
no período de 16 a 17 de dezembro, um local mais próximo para os atores do
conflito, pois as indústrias de beneficiamento de arroz tinham sede no Estado de
Santa Catarina. A quarta etapa, compreendendo os dias 19 a 23 de março de 2014,
seria realizada, novamente, na cidade de Uruguaiana, e a última etapa das sessões
de mediações ocorreria no dia 25 de agosto de 2014, em Porto Alegre.
Decidiu-se, também, que para cada processo ajuizado na comarca de
Uruguaiana seria realizada uma sessão de mediação. Individualizou-se o acolhimento
pela equipe de mediadores judiciais daquele conflito com múltiplas partes, por
compreender que, mesmo que aqueles conflitos pudessem ser atendidos em escala,
em razão da similitude do fato que teria ensejado o desacordo comercial, tinha-
se a clareza de que era fundamental assegurar-se um espaço para a apresentação
individual das narrativas iniciais dos envolvidos na controvérsia, pois cada um seria
titular de interesses, necessidades e sentimentos diversos.
Importante assinalar que as narrativas dos atores do conflito têm o condão
de conduzir a outra parte a uma melhor compreensão das suas motivações, buscando-
se, com isso, oportunizar uma experiência de alteridade e empatia entre os mesmos.
A partir dessa compreensão, tivemos o cuidado de selecionar, em cada
uma das fases do processo de mediação, partes e procuradores que fossem comuns
em diferentes processos judiciais, a fim de otimizarmos a sua participação.
Adotou-se uma metodologia que assegurasse uma avaliação permanente
do resultado de cada sessão de mediação e dos efeitos em relação aos demais atores
da disputa, pois era necessário avaliar-se sempre a melhor estratégia a ser adotada

47
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

na sessão de mediação seguinte, diante da relação transversal estabelecida entre os


envolvidos no conflito.

9.9 AS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM OS ATORES ENVOLVIDOS


NO CONFLITO

Como já foi destacado, havia a necessidade da realização de reuniões


prévias com uma parcela dos atores envolvidos no conflito, para possibilitar a coleta
das informações necessárias ao planejamento da nossa intervenção.
Destarte, optou-se por convidar os advogados de uma parcela significativa
dos produtores de arroz que ajuizaram as ações judiciais; e o procurador da empresa
que participou das negociações entre os envolvidos naquele conflito.
Era necessário compreender a questão envolvida no conflito, o litígio
propriamente dito, bem como quais eram, sob o prisma dos envolvidos na disputa,
os pontos de divergência e convergência entre eles.
Não foi possível, nessa ocasião, realizar um diálogo prévio com os
representantes das empresas cerealistas e nem com os seus advogados, pois nossa
pretensão era iniciar, o quanto antes, a intervenção na comarca de Uruguaiana.
Esses encontros foram fundamentais para a instrumentalização da equipe
de mediadores judiciais e para a construção das estratégias que seriam utilizadas
naquela experiência.
Os mediadores judiciais compreenderam, a partir desses encontros, qual
era a extensão do conflito, suas repercussões, sua gênese, os fatos que ensejaram o
impasse, as tentativas de construção do consenso e tudo que se desenvolveu desde
que iniciaram as desavenças comerciais entre eles.

9.10 A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE DESENHO DE MEDIAÇÃO E


SUAS ESTRATÉGIAS

A atuação dos mediadores judiciais no âmbito do Tribunal de Justiça –


TJ estava pautada nas disposições da Resolução no 125/2010, que estabelece um
protocolo para o acolhimento e tratamento dos conflitos de natureza cível e familiar.
Entretanto, como se tratava de um conflito envolvendo múltiplas partes,
representado pelo ajuizamento de mais de cem processos judiciais, em importante

48
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

segmento econômico da região da fronteira oeste do Estado do RS, seria necessário


construir um modelo de desenho de mediação, diante da complexidade das relações
envolvidas naquela disputa.
Nosso desafio era ampliar o escopo dos recursos disponíveis à equipe de
mediadores judiciais, sem violar os princípios gerais da mediação preconizados pelo
Conselho Nacional de Justiça e estampados na Resolução nº 125/2010.
Buscou-se dialogar com outros modelos e escolas de mediação, pois, para
nós, o fundamental era oferecer aos envolvidos na controvérsia o maior número de
possibilidades para a reestabelecimento daquelas relações negociais pré-existentes.
Outrossim, uma das etapas mais importantes no processo de mediação em
Uruguaiana, no nosso entender, era a fase negocial entre os envolvidos no conflito,
até, porque, teriam sido frustradas as tentativas realizadas anteriormente para a
construção do consenso.
Ademais, até chegarmos nessa etapa, seria necessário percorrer um longo
caminho para a retomada de um diálogo proveitoso, produtivo e respeitoso entre
os atores daquela controvérsia.
Importante resgatar os ensinamentos de Calcaterra (2002, p. 33), que
considera a mediação: “un procesoaltamente estructurado, formal, político,
estratégico, paradojal, selectivo, que opera en el discurso, negocial, cuya dirección
está a cargo de un tercero neutral”.
Aduz, ainda, o autor que:

Es un proceso que, con la dirección de un tercero neutral que no tiene autoridad


decisional, busca soluciones de recíproca satisfacción subjetiva y de común ventaja
objetiva para las partes, a partir del control del intercambio de la información,
favoreciendo el comportamiento colaborativo de las mismas.(CALCATERRA, 2002,
p. 32).

Outro aporte teórico importante para a nossa intervenção em Uruguaiana


estava baseado na construção da história alternativa pelo mediador, intervenção
que busca apresentar às partes outro enfoque ao conflito vivenciado por eles, a
partir das narrativas iniciais de cada um dos atores da disputa. (CALCATERRA, 2002).
Esse recurso busca desestabilizar as histórias que as partes referem sobre
o conflito e, busca modificar de alguma forma as suas percepções sobre a disputa.
Como muito bem destacou Marinés Suares (1996 citado por CALCATERRA,
2002, p. 54-5):

49
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

La mejor historia alternativa no es la que sea más real, sino aquella que permita
mayores aperturas, que dibuje más puertas, que abra más caminos para que las
partes puedan comenzar a negociar, para que recuperen esa capacidad perdida,
que había quedado como encarcelada dentro de las historias previas.

Tinha-se presente ainda de que a atuação poderia recolher ensinamentos


da Escola de Harvard, da Escola Transformativa, da Escola Circular-narrativa e das
contribuições de John Lederach (2002), todas elas centradas no poder humanizador
do diálogo.
Outrossim, era necessário usar todos os recursos instrumentais,
principalmente o conjunto de ferramentas e técnicas negociais disponíveis na
literatura sobre a mediação de conflitos e a construção de consensos.
Com efeito, tinha-se que construir um modelo de desenho de mediação que
se retroalimentasse, pois a cada avanço na construção do consenso e na qualificação
do diálogo entre os mediandos, redefiniríamos estratégias e selecionaríamos
técnicas e ferramentas que seriam utilizadas nas sessões de mediações seguintes.
Enfim, um modelo de desenho de mediação dinâmico e vivo, em
permanente processo de ressignificação.

9.11 A REUNIÃO PRÉVIA COM OS ADVOGADOS DOS ATORES


ENVOLVIDOS NO CONFLITO

Ao início dessa intervenção em Uruguaiana, fez-se a apresentação da declaração


de abertura de forma conjunta e dirigida a todos os envolvidos na primeira fase.
Nesse encontro, apresentou-se detalhadamente às partes e procuradores
o processo de mediação, explicando-se como ela iria se desenvolver, quais seriam
as regras que deveriam ser seguidas, sempre no intuito de deixá-las confortáveis
com o processo, bem como para evitarmos futuros questionamentos quanto ao seu
desenvolvimento.
Após a apresentação da declaração de abertura conjunta, percebeu-se que
os advogados dos atores do conflito permaneceram com muitas dúvidas acerca do
procedimento de mediação, visto que se tratava de uma novidade para eles.
Diante desse cenário de dúvidas, avaliou-se que seria oportuno realizar-se
outro, na sequência do primeiro, dirigido somente aos advogados das partes em
disputa.

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Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Nesse encontro tivemos a oportunidade de dialogar sobre a política


pública em implantação em nosso país pelo Conselho Nacional de Justiça, dos seus
objetivos e fundamentos, das características de cada uma das etapas do processo
de mediação e, sobretudo, acerca da imprescindibilidade da participação dos
advogados em todas as etapas do processo que estava iniciando.
Asseverou-se que aquele contexto exigiria um comportamento diferente
dos advogados, porquanto, pretendia-se um afastamento da lide juridicamente
tutela, o processo judicial em si, e o percurso do caminho do conflito em sua
dimensão sociológica, pois impregnada de significados e subjetividades.
Afirmou-se, ainda, que a participação dos advogados era essencial e que
esperávamos que atuassem no sentido de auxiliar os seus constituintes, atores do
conflito, na perspectiva da superação da disputa e que era fundamental uma postura
colaborativa e cooperativa.
Importante salientar que se oportunizou outro espaço de diálogo, em sala
diversa daquela onde estava ocorrendo as sessões de mediações já agendadas, para
que outras partes e advogados pudessem dialogar, com o acompanhamento de uma
equipe de mediadores judiciais. Ou seja, assegurou-se a todos que compareceram
ao Foro de Uruguaiana um espaço privilegiado para a construção do consenso em
relação à disputa.
Ao decidir-se por dialogar diretamente com os advogados de forma
preliminar, buscou-se oferecer aos Operadores de Direito todos os elementos
necessários à compreensão do processo de mediação, bem como acerca das
garantias para a sua plena participação naquele espaço. (MANUAL DE MEDIAÇÃO
DE CONFLITOS PARA ADVOGADOS..., 2014, digital).

9.12 DAS SESSÕES DE MEDIAÇÃO

Na sequência do trabalho, se iniciaram as sessões de mediação para cada


um dos processos judiciais previamente agendados.
Nesses encontros aplicaram-se os fundamentos estabelecidos na Resolução
no 125/2010 do CNJ, pois se tratava de sessão de mediação de natureza cível.
Por esse protocolo, o processo de mediação é dividido em cinco fases: a)
declaração de abertura; b) exposição de razões pelas partes; c) identificação de
questões, interesses e sentimentos; d) esclarecimento acerca de questões, interesses
e sentimentos; e) resolução de questões. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).

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Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Importante destacar que essas etapas se orientam de modo muito fluido,


pois cabe ao mediador manejar tais fases do processo de mediação, adequando-as
às questões controvertidas.
A realização das sessões de mediação inaugurou o processo em Uruguaiana,
sendo que foram realizadas quase vinte sessões em sua primeira etapa.
As demais sessões de mediação obedeceram a um calendário previamente
combinado entre todos os atores do conflito.

9.13 DA DECLARAÇÃO DE ABERTURA

É na etapa da declaração de abertura que os mediadores iniciam o


diálogo com os atores do conflito, oportunidade em que se buscam os seguintes
objetivos: contextualização, introdução e estruturação do processo; bem como o
início da construção do vínculo de confiança entre os participantes. (MANUAL DE
MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
No entender de Tânia Almeida (2014, p. 39):

É nesse momento que os mediandos confirmam sua disposição para atender


às premissas da Mediação, com a assunção de uma postura colaborativa, a
disponibilidade para levar em consideração o ponto de vista do outro e para
flexibilizar posições, construindo soluções de benefício mútuo.

Ademais, durante a declaração de abertura, a autora continua afirmando que:

Durante o discurso ou declaração de abertura, cada mediando tem a


oportunidade de atestar seu desejo de participação no processo de Mediação
e de conhecer a disponibilidade do outro para tanto. Nessa etapa, é possível
formalizar o compromisso de manter, ao longo de todo o processo de diálogo,
uma postura consoante com suas premissas e, assim, conferir produtividade e
eficácia aos trabalhos. (ALMEIDA, 2014, p. 40).

Na experiência de Uruguaiana, iniciou-se o processo de mediação com a


declaração de abertura conjunta, dirigida a todos os envolvidos no conflito, entre os
quais se encontravam os produtores de arroz, os representantes das indústrias de
beneficiamento e os advogados.
Estabeleceu-se, também, que iríamos repetir a declaração de abertura
quando da realização das sessões de mediações individualizadas, envolvendo as
partes de cada processo judicial.

52
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Na declaração de abertura conjunta fizemos a seguinte exposição: a)


apresentação da equipe de mediadores judiciais; b) explicou-se o papel do mediador
judicial, salientando que não podíamos impor uma solução, pois não éramos
juízes; além disso, de que éramos absolutamente imparciais e que atuamos como
facilitadores do diálogo, pois pretendíamos auxiliar os participantes à examinar
e expressar suas metas e interesses; c) descreveu-se de forma detalhada todo o
processo de mediação, asseverou-se que seria informal e sem nenhuma regra para
a produção de prova, com a participação ativa das partes e de seus advogados, bem
como de que era uma oportunidade para as partes falarem sobre os fatos ocorridos;
além do mais, ressaltou-se da possibilidade de realizar-se sessões privadas com
os atores do conflito; d) buscou-se a adesão das partes ao processo e que seria
assegurada a confidencialidade do processo, sendo explicadas eventuais exceções
a essa regra; e) descreveu-se as expectativas da equipe de mediadores em relação
às partes, pois seria necessário trabalharmos em conjunto para tentarmos alcançar
uma solução satisfatória a todos; além da necessária escuta ativa dos envolvidos,
sem que houvesse interrupções, pois seria fundamental que todos pudessem
explicar suas necessidades, interesses e sentimentos; portanto, seria necessário
escutar a perspectiva da outra parte com o intuito de resolver a questão; ademais,
informou-se sobre a importância de serem reveladas informações importantes à
outra parte; f) buscou-se a confirmação da disposição da participação na mediação
pelos atores do conflito; g) comentou-se sobre a importância do papel dos
advogados; h) finalmente apresentou-se o processo que seria seguido, orientando-
os em relação ao tempo, à logística, às regras básicas para sua condução e que as
partes teriam a oportunidade de falar o que queriam, tanto nas sessões privadas
quanto nas individuais, além da orientação de quem iria falar primeiro; e, ao final,
perguntou-se se alguém teria ficado com alguma dúvida a respeito das condições
que foram apresentadas. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
Ao se iniciar cada uma das sessões, reiterou-se a apresentação da
declaração de abertura, pois havia dúvida de que algum dos atores tivesse se
ausentado naquele primeiro encontro. Com efeito, se alguma dúvida não tivesse
sido sanada no encontro inicial, inclusive por receio de se expor no grande grupo,
achou-se que seria conveniente possibilitar uma nova oportunidade para esclarecer
todos os aspectos da mediação, pois o objetivo era de que todos os envolvidos no
conflito tivessem plena informação acerca do procedimento que seria iniciado.

53
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

9.14 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA

9.14.1 Rapport
Conforme Almeida (2014), o rapport é considerado na doutrina como um
processo de construção de um vínculo de confiança entre o mediador e os atores
envolvidos no conflito. Dessa forma, ele é construído desde o primeiro contato até
a última etapa da mediação.
Para Tania Almeida (2014, p. 68), o objetivo do rapport é:

Acolher os integrantes da Mediação, com suas idiossincrasias e distintas formas


de participar do diálogo, propicia sentimentos de aceitação e de legitimidade –
partes integrantes do que alguns mediadores denominam de rapport. A postura de
acolhimento do mediador pode, em paralelo, incentivar o desejo de participação
no processo de diálogo.

A autora leciona ainda, que:

Os mediadores devem receber as pessoas com cortesia, de preferência pelo


nome, em ambiente confortável que nitidamente transmita privacidade e
acolhimento. Ouvir os mediandos com atenção, validando a sua participação
de forma verbal – com perguntas e marcadores de escuta, como “entendi”
[…] “hum, hum” […] – e não verbal – postura corporal e qualidade do olhar –
estimula que estes sejam ouvidos também pelo(s) outro(s) participante(s) com
respeito. Cuidar para não haver interrupção das narrativas e para que a forma de
manifestação do desagrado ou discordância seja respeitosa integra o escopo da
legitimação. (ALMEIDA, 2014, p. 68).

Os objetivos do mediador podem ser arrolados como sendo: a) gestão do


processo de mediação; b) oferecimento de suporte integral às partes envolvidas na
disputa; c) estímulo à recontextualização do conflito, apresentando como um fenômeno
natural e passível de solução; d) estimular que os envolvidos na divergência possam
construir soluções de benefício mútuo. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
Durante o processo de construção do vínculo de confiança entre o
mediador e os atores do conflito deverão ser utilizadas diversas ferramentas, com o
objetivo de oferecer segurança e conforto, pois a partir da percepção de que os seus
sentimentos estão sendo compreendidos, passam a acreditar e confiar no processo
de mediação e, por consequência, no mediador.
Importante destacar que os envolvidos na disputa percebem o mediador
como modelo de comunicação passível de influência, devendo utilizar o recurso do

54
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

espelhamento, ou seja, para que o seu comportamento durante a sessão de mediação


sirva de parâmetro comportamental a todos os envolvidos na controvérsia.
É fundamental, portanto, que seja construído um vínculo de confiança
entre o mediador e os demais participantes da controvérsia, para que ocorra o pleno
desenvolvimento de todas as etapas do processo de mediação.

9.15 DAS NARRATIVAS INICIAIS E A REUNIÃO DE INFORMAÇÕES

Após a declaração de abertura, segue-se a etapa das narrativas iniciais, ocasião


em que os atores do conflito têm a oportunidade de apresentar as suas histórias.
Importante salientar que ao apresentar a sua narrativa, essa acaba tendo
vários reflexos no processo de mediação: a) um deles diz respeito à importante
necessidade das pessoas que se encontram experimentando uma experiência
conflituosa de falar sobre aquela experiência, pois funciona como uma oportunidade
de esvaziamento daquele conteúdo conflitual, que está impregnado de significações e
subjetividades; b) outro reflexo importante é o de oportunizar ao outro mediando uma
experiência de alteridade e empatia, pois, muitas vezes, eles não conseguiram manter
um nível mínimo de diálogo, em razão do conflito, nem tiveram a oportunidade de
compreender realmente o que teria acontecido; c) o terceiro diz respeito à apropriação
pelo mediador dos diferentes aspectos envolvidos naquela disputa.
É pela narrativa dos mediandos que compreendemos e preparamos a
nossa intervenção e selecionamos quais as ferramentas e técnicas que deverão ser
utilizadas no curso do processo de mediação.
Como asseverou Tania Almeida (2014, p. 40):

Espera-se também do mediador uma especial atenção e habilidade para o


mapeamento do conflito existente e a construção de intervenções que confiram
produtividade e diligência a essa etapa, assim como o manejo adequado dos
impasses que obstaculizam o diálogo, especialmente aqueles de natureza
emocional, uma vez que o relato das histórias reedita uma comunicação direta
entre os envolvidos.

Afirma ainda a autora (2014, p. 41) que:

As intervenções mais utilizadas pelo mediador, neste momento do processo


de diálogo, são as ferramentas procedimentais e aquelas advindas de teorias

55
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

relativas à comunicação humana e às narrativas […]. Fazem parte desse


instrumental de abordagem: entrevistas conjuntas e privadas; perguntas
de distintas naturezas; resumos com conotação positiva, validação e
paráfrases; intervenções que objetivem o empoderamento dos mediandos e o
reconhecimento do outro em termos de necessidades e possibilidades, assim
como as que propõem uma revisão de suas narrativas e pontos de vista.

Por fim, aduziu Tania Almeida (2014, p. 41) que:

Discriminar as pautas objetiva e subjetiva existentes, diferenciar os interesses


manifestos dos reais interesses e identificar valores e necessidades desatendidos
são norteadores de escuta e de intervenção dos mediadores. A ferramenta que
constrói um cenário positivo para as narrativas dos participantes é o acolhimento
(rapport) do mediador – uma qualidade de linguagem não verbal e de escuta
que demonstre interesse, validando as falas e os sentimentos trazidos; uma
qualidade de linguagem verbal e de perguntas que amplie informações, gerando
dinamismo e confiança no processo.

Resta demonstrado que na etapa das narrativas o mediador poderá fazer


significativos registros, que foram, muitas vezes, despercebidos pelos envolvidos na
disputa e identificar quais as possibilidades de intervenção que possam conduzi-los
a ampliar esse entendimento sobre a controvérsia.
Importante repisar acerca da necessidade da desconstrução do conflito
para que se possa ingressar na etapa da geração de alternativas de ganhos mútuos
aos envolvidos na controvérsia.
Após essa desconstrução, haverá a possibilidade da reconstrução das
relações previamente existentes e da construção de soluções pelos envolvidos na
controvérsia, todas elas fundadas no diálogo.

9.16 DO RESUMO E DA CONSTRUÇÃO DA PAUTA

9.16.1 Identificação das questões, interesses e sentimentos


Encerrada a etapa dos relatos das histórias, segue-se nova etapa, em que
o mediador deverá produzir uma terceira história, também chamada de resumo,
que acolha tanto a história do mediando “A”, quanto a história do mediando “B”,
representando a seguinte equação “A” + “B” = “C”. Sendo a versão “C” o resumo.
Essa terceira versão, representada pela letra “C”, utiliza-se da ferramenta
do reenquadramento e da recontextualização das histórias originais trazidas

56
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

pelos mediandos, e explicita quais as questões, os interesses, as necessidades e os


sentimentos subjacentes naquela disputa.
Para os atores envolvidos no conflito, trata-se de um mecanismo para
auxiliar na compreensão das questões envolvidas, sem uma postura de julgamento
do comportamento do outro.
Ademais, o mediador aproveita a oportunidade para esclarecer que os
conflitos são naturais em quaisquer relações humanas e que caberá a eles construir
a resolução possível diante do contexto existente.
Com efeito, a demonstração de que conflitos são naturais e que as partes não
devem ficar constrangidas por estarem experimentando essa situação conflituosa
é denominada de normalização e integra o rol das ferramentas disponíveis para
serem utilizadas na construção do consenso.
Conforme asseverou Almeida (2014, p. 42):

A pauta de negociação se constrói a partir da identificação de interesses


(manifestos e ocultos), necessidades e valores trazidos durante os relatos. São
objetivos nesse momento: (i) tornar claros os temas objetivos e subjetivos que
carecem de consenso – o recurso visual para elencá-los costuma ser de muito
auxílio […]; (ii) agrupar os diferentes assuntos e eleger sua ordem de abordagem
no trabalho de ampliação de alternativas e escolha de opções.

Aduz ainda a autora:

Temas objetivos e subjetivos compilados pelo mediador durante o relato das


histórias integram a pauta de negociação e são por vezes tratados à medida que
surgem, não dependendo de um momento especificamente dedicado a pensar
nas alternativas para resolvê-lo. É importante que o mediador trabalhe os temas
de pauta previamente, durante a etapa do relato das histórias, valendo-se,
especialmente, das técnicas de redefinição e conotação positiva […]. É tarefa do
mediador eleger a ordem dos temas a serem abordados e negociados, propondo
de início aqueles de interesse mútuo e geradores de menor tensão. Essa escolha
visa iniciar a negociação por assuntos que atendam a todos e que possibilitem
bons resultados, com vistas a gerar ânimo e a fortalecer a crença no processo e
na capacidade negocial dos participantes. (ALMEIDA, 2014, p. 42).

Com a confirmação acerca do conteúdo do resumo apresentado, feita pelos


atores, deverá o mediador apresentar, em seguida, o elenco dos principais temas
que serão tratados no curso da mediação, denominados de pauta da mediação.
Na pauta irão constar os diversos assuntos que envolvem aquela
controvérsia, principalmente, acerca da necessidade de mudança do modelo de

57
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

comunicação estabelecido entre os atores do conflito, pois, na maioria das vezes,


aquele padrão encontra-se prejudicado, já que o diálogo não ocorre de forma
qualificada.
Também deverá constar da pauta os interesses e as necessidades que são
comuns aos mediados e que foram expressos em suas narratórias, pois será o ponto
de partida no processo de construção do consenso entre eles. Ou seja, levá-los à
reflexão de que, em verdade, esses elementos não se antagonizam, ao contrário,
são passíveis de acolhimento recíproco.
Essa pauta não será extensa, mas com conteúdo suficiente a indicar o
caminho, a rota, que deverá ser percorrida pelos envolvidos para a elaboração de
soluções satisfatórias a todos.

9.17 ESCLARECIMENTOS DAS CONTROVÉRSIAS E INTERESSES

Com o estabelecimento da pauta de trabalho, inicia-se a etapa para os


esclarecimentos das controvérsias e interesses envolvidos na disputa.
Nessa etapa, o mediador deverá aprofundar o diálogo entre os envolvidos
em direção as raízes do conflito. Na medida em que os elementos da controvérsia são
esclarecidos, abre-se importante espaço para a construção de soluções consensuais
e satisfatórias aos interesses e necessidades dos mediandos.
Pois, quando existe um ruído na comunicação entre pessoas envolvidas em
um cenário conflitual, é comum que os diálogos acabem sendo prejudicados e que
não ocorra a percepção integral do que está sendo transmitido ao outro.
Os esclarecimentos da controvérsia e dos interesses são essenciais à
compreensão plena das motivações de cada um dos mediandos, pois quanto mais
pudermos transitar por esses contextos, mais elementos serão coletados para a
condução do processo de construção de consenso.
Antes de adentrarmos, entretanto, na etapa das resoluções de questões,
será fundamental verificar se as partes estão se comunicando de forma eficaz, pois
necessário que estejam demonstrando compreensão recíproca acerca do conflito.
A fase dos esclarecimentos das controvérsias e dos interesses deve avançar
em direção à construção do entendimento recíproco, já que as partes começam a
perceber as perspectivas e as necessidades do outro.
Diante da constatação das dificuldades de diálogo entre os envolvidos na
disputa, é recomendada a realização das sessões privadas. Nesse espaço de dialogo

58
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

individual, também denominado caucus, haverá um contato mais próximo e direto


com o mediando, oportunidade em que o mediador poderá auxiliá-lo a perceber
diversos aspectos envolvidos na controvérsia.
Ademais, nesses encontros poderão ser utilizadas diversas ferramentas
para provocar mudanças no comportamento dos envolvidos na controvérsia,
já que as sessões privadas são utilizadas nas seguintes ocasiões: a) para permitir
a expressão de fortes sentimentos sem aumentar o conflito; b) para eliminar a
comunicação improdutiva; c) para disponibilizar uma oportunidade para identificar
e esclarecer questões; d) como uma contramedida a fenômenos psicológicos
que impedem o alcance de acordos, tal como a reação desvalorizadora; e) para
realizar o reforço positivo; f) para aplicar a técnica da inversão de papeis; f) para
evitar comprometimento prematuro com propostas ou soluções; g) para explorar
possível desequilíbrio de poder; h) para trabalhar com táticas e/ou habilidades de
negociação das partes; i) para disponibilizar um ambiente propício para o exame
de alternativas e opções; j) para quebrar um impasse; k) para avaliar a durabilidade
das propostas; l) nas situações em que se perceberem riscos à ocorrência de atos de
violência. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
Importante assinalar que a reação desvalorizadora consiste na negativa a
uma proposta em função da pessoa que a apresentou, pois é comum em conflitos
de elevada litigiosidade a tendência de rejeição de qualquer proposta pelo simples
fato de ter sido apresentada pela pessoa com quem mantém a relação de conflito.
Como se vê, a sessão privada ou individual é uma ferramenta fundamental
para a provocação de reflexões e tomada de decisões pelos mediandos.

9.18 RESOLUÇÃO DE QUESTÕES

Antes de abordarmos a resolução de questões, como etapa do processo de


mediação, importante assinalar que a questão pode ser definida como a controvérsia
estabelecida entre as partes, ou o litígio propriamente dito.
Uma das etapas fundamentais do processo de mediação diz respeito ao
momento em que trabalhamos todos os aspectos para a resolução das questões.
Tania Almeida (2014, p. 43-4) assevera que:

Esta fase visa, primordialmente, à construção de alternativas para cada


item de pauta, a sua análise e negociação, com vistas a se eleger opções que

59
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

contemplem os interesses e as necessidades de todos e gerem satisfação


mútua. Nessa etapa do processo de diálogo, os mediadores auxiliam os
mediandos a: (i) conjecturarem uma multiplicidade de alternativas de solução
para cada de pauta; (ii) analisarem os custos e benefícios de suas escolhas, para
si e para terceiros; (iii) fazerem eleições qualificadas que visem à satisfação e ao
benefício mútuos. Em realidade, a ampliação de possibilidades para administrar
os itens que integram a pauta de negociação pode (e deve) se dar durante todo o
processo de diálogo, não estando restrita a este momento do trabalho.

Importante, ainda, darmos preferência para a resolução das questões que


podem auxiliar as partes a desenvolver entendimento acerca do interesse da outra
parte, ou seja, uma experiência de alteridade e empatia, pois na medida em que
as questões e interesses suscitados são solucionados, existe um processo natural
de harmonização dessa relação social e a consequente construção do consenso.
(MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
Tania Almeida (2014) refere acerca do aspecto emocional do conflito e sua
interferência na fluidez do processo negocial. Ademais, colaciona ensinamento
de Calcaterra acerca da necessária desconstrução do conflito com o objetivo de
viabilizar a construção de soluções de benefícios mútuos aos envolvidos na disputa.
Complementa ainda que:
Ter a pauta subjetiva como foco do trabalho em Mediação significa dar um lugar
de acolhimento, de validação e de entendimento para as questões emocionais,
comunicacionais e interativas que alimentam o conflito, impedem a fluidez
da negociação e a inclusão do ponto de vista do outro como possibilidade, ou
obstaculizam a preservação do diálogo e da relação social entre as pessoas em
desentendimento, assim como entre elas e suas redes de pertinência. Vale, no
entanto, ratificar que não há objetivos terapêuticos nessa intervenção, e sim,
estratégicos. [...] Calcaterra pondera que as pessoas em conflito ainda acirrado não
são capazes de se colocar no lugar do outro e de ter as necessidades alheias como
ponto de consideração. Quando em franco desacordo, não dão conta de oferecer
alternativas de benefício mútuo, nem de ter uma postura cooperativa, realizações
pretendidas pela Mediação. [...] Por essa razão, abordagens como a de Calcaterra
(estratégica), a de Sara Coob (sistêmica) e a de Bush e Folger (transformativa) focam
inicialmente na interação entre os mediandos, antes de se dedicarem à substância.
Cada um a seu modo, e também a Escola de Harvard quando preconiza a construção
das duas pautas (objetiva e subjetiva), todos esses teóricos do campo da Mediação
reconhecem que, independentemente do que mediandos assinalem como objeto
de trabalho, a discriminação e o cuidado em legitimar ambas as pautas devem
nortear a atuação de mediadores. (ALMEIDA, 2014, p. 323-4).

Importante apenas destacar que a expressão rede de pertinência se


refere a uma rede, uma teia de apoio complementar ao cidadão, representado por
diferentes instituições e órgãos disponíveis para acolhê-lo

60
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

No caso de Uruguaiana percebeu-se desde o início do processo de mediação,


quando começaram as narrativas iniciais pelos atores do conflito, de que todos os
envolvidos tinham real interesse na preservação daquelas relações comerciais.
Até porque, havia um vínculo de dependência entre eles, pois um dos
segmentos era responsável pela produção do arroz e o outro pelo seu beneficiamento
e comercialização.
Quando da coleta de informações, verificou-se que as histórias e as
narrativas dos atores da controvérsia se repetiam, demonstrando que as motivações
do conflito guardavam simetria entre todos.
Não havia, pois, elementos narrativos de destoassem um dos outros, já que as
afirmações vinham no sentido de que aquele fato teria trazido enorme surpresa, pois
compreendiam que teriam cumprindo rigorosamente com as condições pactuadas.
Ademais, quando da elaboração do resumo e da construção da pauta de
trabalho pode-se perceber a repetição dos enfoques apresentados pelos atores do
conflito, demonstrando que seria possível utilizarmos estratégias e ferramentas
comuns para a construção do consenso entre eles.
Evidenciou-se, assim, da necessidade do desenvolvimento das percepções
recíprocas pelos atores da disputa, acerca das razões reais que teriam ensejado tão
significativa controvérsia entre eles.
Ou seja, nossa atuação acolhia de forma integral, os referenciais das
diferentes escolas, pois focamos nossa atuação na perspectiva de auxiliar no processo
de interação plena entre os mediandos, o que se deu através do instrumento do
diálogo.
De igual forma, quando dos esclarecimentos da controvérsia e dos
interesses entre os envolvidos, percebeu-se que havia equilíbrio e identidade entre
as diversas narrativas, que conduziu a equipe de mediadores a construir um modelo
de estratégia de atuação e desenvolvimento das etapas da mediação de forma
comum na experiência em Uruguaiana.
A etapa das resoluções de questões envolveu um esforço muito grande
da equipe de mediadores judiciais e dos atores do conflito, pois foi necessária a
utilização dos recursos e técnicas de negociação fundadas pela Escola de Harvard,
cujos expoentes são os professores Roger Fisher e William Ury, para a condução
dessa etapa do processo, até, porque, os mediandos mantinham um relacionamento
comercial anterior muito intenso.

61
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

9.19 DAS REUNIÕES CONJUNTAS E DAS REUNIÕES INDIVIDUAIS


#CAUCUS$

As sessões individuais ou privadas (caucus) são um recurso que o mediador


deve empregar, sobretudo, no caso de as partes não estarem se comunicando de
modo eficiente. Segundo Almeida (2014, p. 57-8):

As reuniões privadas ou individuas, também conhecidas pela expressão caucus,


têm por finalidade propiciar um espaço exclusivo de conversa com um dos
mediandos, incluindo ou não sua rede de pertinência e advogado(s), e atendem
a múltiplas finalidades: possibilitar o acesso aos discursos de cada um, sem a
interferência da presença do outro; provocar reflexões destinadas a solucionar
aparentes impasses; identificar a pauta subjetiva da questão apresentada. Os
objetivos mencionados podem ser ampliados e incluir, dentre outros, a oferta
de perguntas autoimplicativas e o acolhimento de emoções que, levadas às
entrevistas conjuntas, poderiam contribuir para a manutenção das barreiras do
diálogo [grifo nosso].

A autora leciona ainda que:

As reuniões privadas podem ser solicitadas ou sugeridas pelos mediadores ou


pelos mediandos e devem ocorrer com todos os mediandos, de forma pareada
em número e período de tempo. Nessas ocasiões, a consulta aos mediandos a
respeito da extensão do sigilo de seu conteúdo é cuidado inerente ao trabalho
e dever ético do mediador. A possibilidade de ocorrência de reuniões deve
ser aventada na pré-mediação. Mediadores devem sugerir reuniões privadas
sempre que houver a percepção de que estas possibilitarão ganho para a
dinâmica do processo de diálogo. (ALMEIDA, 2014, p. 58).

Complementa que:

São motivos pertinentes à solicitação de uma reunião privada, dentre outros:


(i) a necessidade de ampliar os temas inicialmente trazidos; (ii) a pertinência de
se oferecer questionamentos que demandem especial exposição de quaisquer
dos participantes; (iii) a constatação de que a emoção se mostrou elemento
obstaculizador da fluidez do diálogo; (iv) a avaliação de que o andamento da
Mediação não está compatível com a qualidade do trabalho que está sendo
desenvolvido; (v) dúvida sobre a existência de algum motivo não aparente (a
ser investigado) que possa estar comprometendo a evolução do processo de
diálogo.(ALMEIDA, 2014, p. 58).

Já expusemos em quais ocasiões é recomendada a realização das sessões


individuais ou privadas, razão pela qual não iremos repisá-las.

62
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Na experiência de Uruguaiana foi possível utilizar, por diversas vezes, as


sessões individuais como ferramenta do processo de mediação, o que favoreceu,
sobremaneira, o nível de diálogo estabelecido entre os envolvidos na disputa, na
perspectiva da construção de uma relação cooperativa e colaborativa.
Em todas as sessões reiteramos os princípios balizadores da nossa prática,
especialmente a confidencialidade, para que fosse oportunizado um espaço
confortável para a escuta complementar dos atores envolvidos naquela disputa.
Avaliamos em momento de feedback entre a equipe de mediadores acerca dos
efeitos positivos daqueles encontros no processo de construção de consenso, tornando-
se essa ferramenta extremamente usual nas sessões que ocorreram em sequência.

9.20 GERAÇÃO DE OPÇÕES E REGISTRO DAS SOLUÇÕES


ENCONTRADAS

É na etapa de geração de opções que se busca provocar a elaboração de


um conjunto de alternativas que poderão satisfazer os interesses dos envolvidos na
disputa. É, portanto, a etapa mais criativa da mediação.
Nela, todos os esforços são conduzidos na perspectiva de aumentar o
bolo, ou seja, ampliar o “leque” de opções e alternativas disponíveis, que deverão
ser analisadas, uma a uma, do ponto de vista das suas viabilidades pelos atores da
controvérsia, tornando-se o manancial de recursos produzidos para a construção de
soluções que gerem ganhos mútuos.
Conforme Almeida (2014, p. 325):

As soluções de benefício mútuo demandam muito esforço por parte dos


mediandos, pois só podem ser construídas quando as necessidades de cada
um puderem ser (ainda que parcialmente) identificadas e legitimadas pelo
outro. Antes que os mediandos sejam solicitados a construí-las, o processo de
negociação já deve ter viabilizado expressão e escuta para todos, assim como
um trabalho voltado à pauta subjetiva ou comunicacional, para que o conflito
tenha sido, em alguma medida, desconstruído. Ao solicitar dos mediados
alternativas de satisfação mútua, o diálogo já viabilizou a identificação de
interesses, necessidades e valores e, preferencialmente, os convidou para a
ideia de pensarem possibilidades que atendam a todos.

Afirma ainda que:

Interesses e valores comuns são bons norteadores para a construção de soluções


de benefício mútuo. Interesses distintos podem ser complementares em

63
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

diferentes aspectos.[…]. Os autores de Como chegar ao sim nos alertam sobre


quatro possíveis obstáculos nesse curso negocial que conduz a soluções ganha-
ganha: a) a busca de uma resposta única ou da ratificação da própria ideia; b) a
pressuposição de uma torta de tamanho fixo, ou seja, a pouca disposição para
trabalhar para além das opções previsíveis e de aparente obviedade; c) pensar
que “resolver o problema do outro é problema do outro”; d) o julgamento crítico
prematuro de alternativas. (ALMEIDA, 2014, p. 326).

Como se percebe, é necessário desenvolver essa etapa com muita cautela,


para que possam ser atingidos os objetivos esperados.
No caso de Uruguaiana foi o que realmente ocorreu, diante das relações
transversas estabelecidas naquele conflito e da consciência de que o resultado de
cada mediação era fundamental para a resolução dos demais, com outros atores, pois
todos estavam interligados e imbricados numa mesma cadeia conflitual. Foi possível
avançar na perspectiva da construção do consenso entre os atores daquela disputa.
Como os alicerces da construção do entendimento entre os envolvidos
naquela disputa já tinham sido sedimentados, a partir da construção de um modelo de
diálogo produtivo e proveitoso, era necessário edificar, tijolo por tijolo, aquela obra.
Dessa forma, havia a percepção de que cada avanço e conquista de
consenso entre as partes nominadas no processo judicial, significava a possibilidade
de amplificação dos efeitos e resultados da mediação nas outras que se seguiam.
Essa simbologia da construção, passo a passo, tijolo por tijolo, de um
processo de resolução de conflitos, me faz lembrar a metáfora do andaime, referida
pela querida mestre Gabriela Irina Jablkowski, professora e mediadora argentina,
que leciona que o mediador atua como se fosse um andaime em uma obra. Na
medida em que a obra avança, ergue-se mais níveis de andaimes que são colocados
para oferecer recursos de movimentação e acesso pelos atores da construção. O
andaime é erguido até o topo da obra, auxiliando a sua conclusão. Com a edificação
plena daquela construção, o andaime deixa de ter significado e é desmontado,
sendo guardado para outra edificação.
Assim é o atuar do mediador, pois ao auxiliar que os envolvidos no conflito
possam construir soluções satisfatórias a ambos, a intervenção do mediador deixa
de ser necessária e sua atuação é encerrada.
Por fim, importante consignar que o entendimento construído em cada
uma das sessões de mediações foi objeto de registro em termo próprio, que foi
homologado pelo juízo posteriormente, adquirindo eficácia de título executivo

64
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

judicial a partir disso. Ou seja, cada um dos atores do conflito foi o responsável único
na construção da sua sentença decisória.

9.21 REUNIÃO DE AUTOSSUPERVISÃO

Como metodologia de trabalho em equipe, adotou-se o modelo de


comediação e observação, composto por dois mediadores conduzindo o processo
de construção de consenso e outros dois mediadores atuando como observadores
da condução daquele processo.
A escolha dessa metodologia levou em conta os seguintes aspectos: a)
permitir que as habilidades e as experiências dos dois mediadores sejam canalizadas
para a realização dos propósitos da mediação, dentre os quais a resolução da disputa; b)
oferecer mediadores e observadores com perfis culturais ou gêneros distintos, de modo
que as partes sintam menor probabilidade de parcialidade e interpretações tendenciosas
por partes dos terceiros neutros; c) assegurar a análise e a avaliação do desempenho dos
mediadores judiciais, mediante permanente feedback com os outros dois observadores
do processo de mediação. (MANUAL DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
A equipe que atuou na experiência de Uruguaiana era composta por quatro
mediadores judiciais, sendo que nos alternamos a cada sessão de mediação, na
função de mediadores e de observadores.
Assim, no intervalo de uma para outra sessão de mediação, que envolvia
também a mudança dos atores envolvidos na cena conflitiva, realizou-se reuniões
de autossupervisão, em que foram apresentados todos os aspectos positivos
daquela prática, bem como as possibilidades de melhoria, visto que a mediação é
construída a partir de uma visão solidária de compartilhamento de experiências e
saberes, assegurando-se, com isso, o devido fortalecimento da equipe.
A cada sessão, nos revezamos na atuação como mediadores ou
observadores, gerando um processo de autossupervisão que se retroalimentava,
assegurando a indispensável qualidade dos serviços prestados.
Essa estratégia garantiu o fortalecimento do nosso vínculo profissional, bem
como oportunizou que todos pudessem ter a mesma apropriação acerca da resolução
do conflito, na medida em que se conseguia construir o consenso entre as partes.
As informações que circulavam em todas as sessões de mediações eram de
domínio da equipe, pois a cada sessão estávamos na condição de mediadores ou de
observadores.

65
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

No Brasil, infelizmente, ainda é muito incipiente qualquer prática pautada


no feedback permanente entre os envolvidos de qualquer processo.
No âmbito das práticas autocompositivas no TJRS, a autossupervisão é
uma das etapas de todo e qualquer processo de mediação ou conciliação.
Dessa forma, é possível perceber o nosso crescimento como agentes de
pacificação social, pois quando estamos na condição de observadores das outras
práticas, experimentamos significativo crescimento profissional. Durante o
processo de mediação, os observadores preenchem um formulário específico, vide
Anexo H, onde constam todos os pontos a serem analisados.
Além disso, mesmo mediadores com alguma experiência aproveitam
os encontros de autossupervisão para revisar sua prática, caso tenha passado
despercebido algum detalhe no curso da mediação. Isso tem assegurado o
necessário nível de excelência dos serviços oferecidos aos jurisdicionados e à
cidadania rio-grandense.
É importante assinalar que o resultado dessa intervenção em Uruguaiana
está relacionado também à utilização da autossupervisão como mecanismo de
qualificação da atuação dos mediadores judiciais vinculados ao NUPEMEC.

66
10 NEGOCIAÇÃO E DIÁLOGO

10.1ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS

Durante nossa intervenção no conflito em Uruguaiana utilizou-se os mais


variados recursos disponíveis na literatura em relação às técnicas e estratégias.
A principal estratégia definida pela equipe de mediadores era de acolher o
acervo de doze ferramentas que integram o processo de capacitação dos conciliadores
e mediadores brasileiros, estampados no Manual de Mediação Judicial, quais sejam:
a) recontextualização (ou parafraseamento): que é utilizada sempre que o mediador
retransmitir aos mediandos uma informação que foi trazida por eles ao processo. Ela
deverá ser apresentada em uma perspectiva nova, mais clara e compreensível, com
enfoque prospectivo, voltado às soluções (tendo como base os interesses), filtrando
os componentes negativos que eventualmente possam conter, e com objetivo de
encaixar essa informação no processo de modo construtivo; b) audição de propostas
implícitas: as partes em disputa normalmente propõe soluções sem perceber que,
na verdade, estão fazendo isso; c) afago (ou reforço positivo): que consiste em
uma resposta positiva do mediador a um comportamento produtivo, eficiente
ou positivo da parte ou do próprio advogado, sendo uma espécie de feedback e,
portanto, deve conter elementos tangíveis e sinceros; d) silêncio: na medida certa,
o silêncio pode servir como aliado no aprofundamento das respostas da parte; e)
sessões individuais (ou caucus): são encontros realizados entre os mediadores e
cada uma das partes sem que esteja presente a outra. Para permitir a expressão de
fortes emoções sem aumentar o conflito, para eliminar comunicação improdutiva,
para disponibilizar uma oportunidade para identificar e esclarecer questões, como
uma contra-medida a fenômenos psicológicos que impedem o alcance de acordos,
tal como a reação desvalorizadora; f) inversão ou troca de papeis: consiste em
uma técnica voltada a estimular a empatia entre as partes, por intermédio de
orientação, para que cada uma perceba o contexto também sob a ótica da outra
parte; g) geração de opções: realização de perguntas que ajudem as partes a
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

pensar em uma solução conjunta; h) normalização: é necessário a apresentação de


um discurso pelo mediador voltado a normalizar o conflito e estimular as partes a
perceber tal conflito como uma oportunidade de melhoria da relação entre elas e
com terceiros; i) organização de questões e interesses: sendo comum o fato das
partes perderem o foco na disputa, deixando de lado as questões que efetivamente
precisam ser abordadas na mediação, para debaterem outros aspectos da disputa
que as tenham aborrecido; j) enforque prospectivo: os processos autocompositivos
voltam-se a soluções que atendam plenamente os interesses reais das partes (lide
sociológica); k) teste de realidade: consiste em estimular a parte a proceder com
uma comparação do seu “mundo interno” com o “mundo externo” – como percebido
pelo mediador; l) validação de sentimentos: consiste em identificar os sentimentos
que a parte desenvolveu em decorrência da relação conflituosa e abordá-los como
uma consequência natural dos interesses legítimos que a parte possui. (MANUAL
DE MEDIAÇÃO..., 2016, digital).
No curso da nossa atuação em Uruguaiana, sabíamos que a etapa negocial
prevista no modelo de desenho adotado seria fundamental para oportunizar aos
atores da disputa um processo de mudança e a possibilidade de construção de
consenso entre eles.
Não se tem a pretensão, neste momento, por óbvio, esgotar tão vasto
tema, que ensejaria, com facilidade, conteúdo suficiente a um estudo próprio,
diante das suas implicações e reflexões.
Pretende-se apenas apresentar um panorama do processo de negociação
utilizado durante a experiência em Uruguaiana, pois ela foi garantidora dos avanços
implementados, sobretudo na fase de desconstrução do conflito e reconstrução da
relação, desaguando na coconstrução de diversos entendimentos pelos mediandos.
Importante sublinhar que se deve, cada vez mais, capacitar os mediadores
e os conciliadores em relação às técnicas e as estratégias de negociação, pois são
instrumentais indispensáveis a nossa prática, bem como oportunizam importantes
reflexões acerca dos relacionamentos e vínculos que estabelecemos em sociedade.
Conforme mencionou Calcaterra (2002), não podemos desprezar,
igualmente, que a concepção mais simples e direta de mediação, funda-se naquela
que a considera um processo de negociação assistido por terceiro neutro e imparcial.
Nesse diapasão, asseverou:

El hecho que la mediación, que en su concepción más simple es vista como una
negociación asistida, esté atravesada por la negociación, le otorga la posibilidad de

68
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

fijar objetivos como la separación de los aspectos económicos de los emotivos, la


necesidad de la evaluación de las consecuencias de las decisiones y en constituirse en
plataforma para acuerdos futuros. (CALCATERRA, 2002, p. 40).

Essa assertiva está impregnada de significações, pois fundamental


compreendermos que a mediação é um processo de negociação assistido por
terceiro neutro e imparcial.
Aduz ainda o autor:

Para un modelo de proceso altamente estructurado, como el que propicio,


el mediador tiene que, en cambio, una función multifacética acorde con los
objetivos de cada estadio del proceso. Así, en el estadio de la “convocatoria”, su
tarea estará centrada en generar; preparar el proceso y predisponer a las partes
para interactuar; En el “propedéutico”, a proveer los elementos necesarios para
contextualizar y estructurar el proceso, infundir seguridad y confianza a las
partes y construir alianzas de trabajo. En el “exploratorio” facilitará la búsqueda
de datos, la definición y descomposición de los problemas, delimitando las áreas
de acuerdo y de desacuerdo. En el “desconstrucción”, favorecerá el intercambio
de la información, trabajará sobre los contenidos y el manejo de la información
e intervendrá en las narrativas de tal forma que asegure que todos puedan
desarrollar la suya. A través de la interconexión de los guiones, los temas y los
roles con que cada parte vive la historia conflictiva y del control del proceso de
contar esa historia, el mediador va tejiendo una red de sostén para la resolución
de la disputa en la que la elaboración de una historia alternativa cobra decisiva
importancia. En el “reconstrucción” de la relación su tarea apunta a la redefinición
de la interacción entre las partes y a la construcción de la historia alternativa. En
el “negocial” genera ideas, sugiere opciones y alternativas y ayuda a las partes a
valorar las consecuencias de sus elecciones y a guiarlas en las tentativas hacia a
la asunción de decisiones informadas. (CALCATTERA, 2002, p. 42). [grifo nosso].

Leciona ainda que:

Como puede apreciarse, el modelo atribuye al mediador funciones que otras


escuelas la vedan y que se podrían descomponer en las siguientes fases: Una fase
“puramente técnica”, puesta de manifiesto en lo que se refiere estrictamente a la
conducción del proceso, en la administración del mismo para hacerlo progresar a
través de sus distintas etapas y en el manejo de los recursos. Una fase “mayéutica”,
en el sentido de Platón le daba con relación a sus discípulos: alumbrar lo que ellos
tienen sin saberlo. Una fase “sintetizadora” del conflicto, que obrará a modo de
traducción de las opciones de las partes frente al conflicto a la luz de: a) respeto
de los derechos de los implicados no representados; b) la reflexión sobre las
consecuencias legales, económicas y emocionales; c) la base motivacional de los
pedidos; d) la clarificación de las intenciones, para impedir los conflictos originados
en la mala interpretación de las mismas; e) la proyección de la solución en el futuro,
para, a su vez: el análisis de su efectiva practicidad, el análisis de su grado de
equidad, el cotejo objetivo de las soluciones propuestas con la realidad económica,

69
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

social y, en su caso, familiar de las partes. Una fase “promotor de alternativas”, en


esta faz se debe anotar una prevención: el mediador deberá obrar cuidadosamente
para no inducir ni presionar de forma moral, oculta, capciosa o encubierta,
limitándose a fijar puntos de arranque originales para permitir la reflexión de las
partes utilizando el criterio de privilegiar lo realizable. (CALCATERRA, 2002, p. 42-
3). [grifo nosso].

Dessa forma, ao longo de todo o caminho para a construção do consenso


é imprescindível que o processo de negociação possa ocorrer de forma plena,
acolhendo todos os atores do conflito.
Cerini (2007, p. 13) salienta que:

La negociación es un proceso que relaciona a dos o más partes. Cada uno de los
involucrados reconoce ser poseedor de “algo” que interesa al otro o viceversa y está
dispuesto a negociar por ello con habilidad, la que no es innata sino que puede ser
aprendida y desarrollada. […] Saber negociar es contar con una herramienta de
poder para consensuar soluciones en escenarios conflictivos. El éxito de un acuerdo
depende directamente de la calidad de la negociación implementada. […] La
negociación es uno de los métodos alternativos de solución de conflictos con los
que se cuenta para resolver en forma creativa y constructiva los conflictos. Ella nos
conduce al acuerdo a través del cual puede sustentarse toda conducta de cambio.

É usual associar-se a expressão negociação a somente determinadas


práticas comerciais, envolvendo valores econômicos, quando a expressão tem um
significado de maior alcance.
Em seu sentido etimológico, a expressão negociar significa “negar o ócio”.
Dessa forma, a expressão exige um sujeito em atividade, em busca de algo. Enfim,
necessário superarmos a inércia em direção a um movimento concreto. Todos nós
experimentamos diferentes modelos de relacionamento na vida, que nos exigem,
de igual forma, que estejamos em movimento permanente, superando as limitações
da nossa imobilidade.
Assim, a abordagem da temática da negociação visa destacar que ela deve
também ser compreendida como forma para resolução das disputas, pautada em
um modelo que busque eventual estipulação ou ajuste.
Calcaterra (2002, p. 76) assevera em relação ao conceito e as condições da
negociação, o seguinte:

Se puede conceptualizar la negociación como un proceso de comunicación


directo o indirecto entre las partes, según la existencia o no de representantes,

70
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

es decir; si aquéllas cara a cara o a través de otras personas debidamente


apoderadas por ellas. Para que la negociación sea posible o un caso esté maduro
para la negociación, la doctrina ha señalado que las partes deben reunir una
serie de condiciones: a) interdependencia: se trata de que las partes tengan una
dependencia recíproca; b) intereses potencialmente compatibles: intereses en
sentido técnico, es decir, el que se le da al término en el ámbito de la negociación;
c) cooperación mutua: Christopher Moore (1995: 39) dice que las partes deben
basarse en su mutua cooperación para alcanzar sus metas o satisfacer sus
intereses; d) influencia recíproca: relacionado con el tema del poder. Si una de
las partes con relación a la otra o ambas partes carecen recíprocamente de toda
posibilidad de lograr o impedir que la otra parte cometa actos que perjudiquen
o favorezcan intereses en juego, habrá que buscar otro medio de abordar el
conflicto; e) identificación y coincidencia de las cuestiones en disputa: compuesta
de dos partes. La identificación de las cuestiones conflictivas o litigiosas hace a la
materia de la negociación; la coincidencia, a la confluencia de la materia entre las
partes. Moore (1995) se refiere a esta ecuación como una capacidad de las partes.

Na experiência em Uruguaiana, na medida em que avançamos no processo


de coleta das informações, a partir das narrativas iniciais dos atores do conflito, foi
possível perceber a presença dos elementos arrolados pelo autor, posto que havia
uma relação de interdependência entre os envolvidos naquela disputa.
Ademais, era possível verificar também acerca dos interesses
potencialmente compatíveis dos envolvidos no conflito.
Com o desenvolvimento das diferentes etapas do processo de mediação,
foi possível constatar em Uruguaiana que os atores do conflito passaram a
compreender acerca da necessidade de terem um comportamento pautado na
cooperação mútua, pois todos estavam vinculados à trama de alguma forma.
Também foi possível verificar que havia um processo de influência
recíproca tanto naquelas mediações diretas realizadas com os envolvidos nos
processos judiciais, como em relação aos demais atores daquela cadeia de credores
e devedores, pois a cada consenso construído era possível que viesse a oportunizar
a ocorrência de outros mais.
Por fim, havia plena identificação e coincidência das questões que estavam
colocadas naquela disputa, que circundavam o tema da fixação de um valor
referencial para a saca de 50 quilos de arroz.
Willian Zartman (2009, p. 18-20) relata, acerca dos princípios presentes na
negociação:

Racionalidade: cada parte de dispõe de uma racionalidade idêntica. Cada


uma escolhe de fato o resultado que prefere antes de qualquer outro e possui

71
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

conhecimento idêntico ao mesmo tempo do processo de negociação, da


maneira como ela vai se revelar ao outro e dos resultados que ela produz.
Soma positiva: já que as partes escolhem o resultado que preferem, elas não vão
aceitar um resultado negociado, a não ser que esse seja melhor ou preferível do
seu ponto de segurança.
Equivalência: as partes tendem a recusar um resultado negociado a menos
que ele seja equivalente ao obtido por outras partes (Keohane, 1980), já que
continuam empatadas através do seu direito de veto sobre o resultado.
Reciprocidade: já que as partes consideram que estão num pé de igualdade e
procuram um resultado equivalente, esperam do processo de negociação que
as concessões sejam recíprocas (Larson, 1988). A ausência de reciprocidade
é ainda menos bem-vista do que a má-fé. Ela é percebida como anunciando
claramente que a outra parte procura não a negociação, mas sim a capitulação
do seu adversário (Bartos, 1978).
Distribuição: já que a negociação está ligada à tomada de decisão das partes que
devem satisfazer seus próprios interesses antes de renunciar ao seu direito de
veto, elas têm em vista a melhor solução para todo mundo, na medida em que
também é a melhor solução para elas.

Percebeu-se na prática da mediação em Uruguaiana que os envolvidos no


processo de negociação estavam absolutamente comprometidos em encontrar soluções
para a disputa, e que essas pudessem assegurar ganhos mútuos a todos os atores.
Colacionamos os importantes fundamentos do método de negociação
trazido pela Escola de Harvard, que foram aplicados em Uruguaiana, pois Ury e
Fisher (1986, p.4-10) lecionam que:

Quando os negociadores discutem posições, tendem a fechar-se nelas. Quanto


mais você esclarece sua posição e a defende dos ataques, mais se compromete
com ela. Quanto mais procura convencer o outro da impossibilidade de
modificar sua posição inicial, mais difícil se torna fazê-lo. [...] A medida que se
presta maior atenção às posições, menos atenção é voltada para o atendimento
dos interesses subjacentes das partes. […] A barganha de posições cria
estímulos que paralisam a resolução. Na barganha posicional, você procura
aumentar a probabilidade de que qualquer acordo atingido lhe seja favorável
[…]. No Projeto de Negociação de Harvard, vimos elaborando uma alternativa
à barganha de posições: um método de negociação explicitamente destinado
a produzir resultados sensatos, eficientes e amigavelmente. Esse método,
chamado negociação baseada em princípios ou negociação dos méritos, pode
ser resumido em quatro pontos fundamentais. Esses quatro pontos definem
um método direto de negociação que pode ser usado em quase qualquer
circunstância. Cada ponto versa sobre um elemento básico da negociação e
sugere o que se deve fazer a respeito dele.
Pessoas: separe as pessoas do problema.
Interesses: concentre-se nos interesses, não nas posições.
Opções: crie uma variedade de possibilidades antes de decidir o que fazer.
Critérios: Insista em que o resultado tenha por base algum padrão.

72
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

As quatro proposições fundamentais da negociação baseada em princípios são


importantes desde o momento em que se começa a pensar na negociação até
o momento em que se chega a um acordo, ou em que se decide interromper o
esforço. Esse período pode ser dividido em três etapas: análise, planejamento
e discussão.

Na experiência em Uruguaiana percebeu-se que os atores do conflito


conseguiram desenvolver durante a mediação um modelo de negociação baseada
em princípios.
Pois, ao longo do processo negocial houve um diálogo em relação à
necessidade de separarmos as pessoas do problema, o que gerou muita eficácia ao
processo de mediação.
Outro aspecto desenvolvido em Uruguaiana fundado na Escola de Harvard foi
em relação à concentração nos interesses e não nas posições, pelos atores da disputa.
Como os atores da controvérsia, negociadores naquele cenário, tinham
experimentado diversas oportunidades para a resolução do conflito sem êxito,
estavam todos, quando iniciaram o processo de mediação, muito centrados nas
suas posições iniciais.
Na medida em que avançou o processo de construção de consenso,
começaram a perceber da necessidade de buscar o foco nos interesses e nas
necessidades, abandonando a ideia de uma negociação posicional.
Os atores da disputa criaram uma variedade de possibilidades à superação
do impasse, o que contribuiu para o processo de construção do consenso. É
fundamental que esse processo generativo de opções seja amplamente construído,
para que a tomada de decisão pelos atores da controvérsia possa ser facilitada.
Um dos aspectos fundamentais para a construção do consenso em Uruguaiana
foi o da fixação de critérios objetivos como padrão naquele processo de negociação.
Quando eles conseguiram estabelecer um preço médio de referência para
a saca de 50 quilos de arroz foi que ocorreu significativa mudança no padrão de
diálogo entre os atores da controvérsia. A partir daí, puderam desenvolver diversos
diálogos na perspectiva da construção do consenso entre eles.
Esse valor médio de referência começou a ser utilizado em diferentes
processos negociais, se tornando, de igual forma, um elemento diferencial
naquelas sessões de mediações. Percebeu-se, assim, a eficácia do método da
Escola de Harvard, pois com a sua utilização foi possível verificar a mudança de
comportamento dos negociadores e a construção de inúmeros entendimentos.

73
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Restou patente, também, que os atores envolvidos na disputa teriam


experimentado tentativas de negociação, sem sucesso, porquanto marcado pelo
comportamento competitivo e em estratégias posicionais, tanto que não foi
possível a construção de consenso entre eles.
Mas, ao ingressarem em um novo espaço de diálogo, em que foram
utilizadas diferentes técnicas e estratégias de provocação de mudanças
comportamentais, foi possível perceber um afastamento da conduta competitiva
e a aproximação, na mesma intensidade, a uma conduta colaborativa. Sem que
pudessem perceber, os atores do conflito em Uruguaiana, no curso da mediação,
mudaram o comportamento competitivo para o colaborativo.
Se não tivesse ocorrido essa mudança comportamental não haveriam tão
significativos entendimentos construídos pelos atores do conflito.
E mais, o resultado mais importante foi o da desconstrução do conflito e da
reconstrução da relação pré-existente, que estava prejudicada pela disputa.
Além disso, a inexistência de descumprimento dos acordos firmados foi
a demonstração cabal de que conseguiram perceber da necessidade de construir
alternativas de ganhos mútuos, pautadas na responsabilização individual de cada
envolvido na disputa.
O conceito singelo de que a mediação é um processo de negociação
assistida, ficou absolutamente demonstrado no processo de construção de consenso
implementado em Uruguaiana entre produtores rurais e cerealistas.
Restou evidente que devemos, cada vez mais, como mediadores e
conciliadores, buscar uma prática pautada nos pressupostos teóricos que a
embasam, qualificando e assegurando excelência aos modelos de resolução
consensuais de disputas oferecidos aos usuários do sistema judicial.

10.2 O DIÁLOGO E O RESTABELECIMENTO DO VÍNCULO DE CONFIANÇA


ENTRE OS ATORES

Pretende-se neste capítulo desenvolver algumas reflexões acerca da importância


do diálogo nos processos de resolução de conflitos de forma autocompositivas,
fundamentais para o desenvolvimento daquela experiência em Uruguaiana.
Tania Almeida (2014, p. 131-2) refere que a mediação de conflitos estaria
assentada em quatro grandes pilares teóricos, que são a ética, o diálogo, o
pensamento sistêmico e os processos reflexivos:

74
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

São considerados pilares porque dão sustentabilidade teórica à prática da


mediação:
- os Norteadores éticos, pelo fato de se tratar de uma atividade interativa, que
reúne duas ou mais pessoas motivadas pela proposta da autocomposição;
- o Pensamento sistêmico, por ser o paradigma adotado por todas as ciências
como cenário de entendimento do que acontece no universo;
- o Diálogo como processo por ser o meio, o instrumento que viabiliza a
autocomposição e a realização de outros princípios da Mediação;
- os Processos reflexivos porque são o território onde as ideias dos mediandos
são geradas e articuladas com as do interlocutor e com as informações
propiciadas pelas diferentes conversas que a Mediação promove, viabilizando
assim a construção de soluções e a sua autoria; o resgate da relação social e do
diálogo – bens maiores a alcançar no processo de Mediação.

Na experiência de Uruguaiana foi possível constatar que o processo de


mediação aplicado naqueles conflitos acolheu a estrutura proposta pela autora, pois
todas as relações construídas no curso daquela intervenção, com todos os atores
envolvidos na disputa, foram pautadas em consonância com esses norteadores
éticos, daí porque foi possível construir um ambiente de respeito mútuo, baseado
em comportamentos cooperativos e colaborativos.
Além disso, desde o início do planejamento do nosso trabalho até a sua
conclusão, tivemos o cuidado de construir um modelo de desenho considerando
os aspectos teóricos e práticos dessa intervenção, pois, com isso, conseguimos
visualizar as diferentes etapas do processo de mediação, na medida em que seriam
aplicados em Uruguaiana.
Ademais, também consideramos que tenha havido importantes processos
reflexivos no decorrer da mediação em Uruguaiana, tanto que acabou motivando e
provocando significativas mudanças comportamentais entre os envolvidos naquela
controvérsia. Somos sujeitos reflexivos passíveis de mudanças, pois estamos em
permanente ressignificação das nossas subjetividades.
O diálogo, da mesma forma, foi utilizado de forma permanente e contínua,
revestindo-se de instrumento naquele processo de construção de consenso.
Almeida (2014, p. 140) salienta:

Estuda-se hoje, também no campo das pesquisas, a mágica arquitetura do


diálogo – uma prática interativa, um momento em que a expressão, a escuta
e a indagação que busca o esclarecimento são compartilhadas, visando a um
pensar e a um refletir conjunto. Integra o rol de ingredientes favorecedores dos
diálogos, o apreço pelas diferenças, uma vez que estar em diálogo pressupõe
entrar em contato com ideias diferentes das próprias.

75
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

O estudo dos diálogos possibilitou adjetivá-los, tomando em conta suas


qualidades, finalidades e princípios. Diálogos produtivos e debates, diálogos
generativos e apreciativos, diálogos verbais e não verbais, diálogos escritos
e falados, diálogos presenciais e virtuais são exemplos diferentes qualidades
dessa prática de interação.

Na experiência de Uruguaiana buscou-se a utilização desse manancial de


formas de comunicação, a fim de produzir as necessárias interações com os atores
do conflito.
Construímos ambientes em que preponderava um modelo de diálogo
produtivo e generativo, conduzido, após, a um estágio colaborativo e cooperativo.
Importante destacar que Almeida (2014, p. 141) considera “os diálogos
produtivos como sendo aqueles que privilegiam a escuta à contra argumentação,
a construção de consenso ao debate, o entendimento à disputa”. Em relação ao
modelo de diálogo generativo, a autora afirma que “esses oferecem subsídios para
que um determinado cenário interativo identifique suas competências para alcançar
bons resultados em situações e interações futuras”.
De acordo com Almeida (2014, p. 141):

Nos diálogos generativos, auxilia-se as pessoas a desenharem o futuro


almejado e, a partir dessa visão prospectiva, busca-se com elas identificar
o que é necessário integrar ao tempo presente para que o objetivo futuro
identificado seja alcançado. Estruturar um presente a partir de um futuro
desejado e projetado convida as pessoas a serem ativas co-construtoras de
novas realidades e atitudes, desenvolvidas a partir da crise, ou resgatadas de
seu histórico. […] Nos diálogos produtivos, trata-se bem o outro e trata-se com
severidade e seriedade as questões; neles, pontos de vista são oferecidos ou
complementados, sem a intenção de comparar a qualidade dessas atribuições.
Quando há discordâncias, outros pontos de vista são apresentados e validados
pela riqueza da diferença que aportam, e não pela competição com a ideia
anteriormente oferecida; não há a intenção de desqualificar o interlocutor.

A aplicação desse padrão de linguagem nos espaços de construção de consenso


é fundamental para o desenvolvimento pleno de todas as etapas da mediação.
Foi o que fizemos em Uruguaiana, pois se buscou privilegiar um modelo de
diálogo produtivo e generativo, sendo que os resultados da aplicação desse aporte
teórico acabou materializando o abandono de uma conduta adversarial e litigiosa e
a implementação de um comportamento colaborativo e cooperativo.

76
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Conforme Humberto Mariotti (2016, digital) discorre que:


O que atualmente vem sendo chamado de diálogo é uma metodologia de
conversação que busca os seguintes resultados: a) melhoria da comunicação
entre os interlocutores; b) observação compartilhada da experiência; c) produção
de percepções e ideais novas. O diálogo amplia a percepção cooperativa do real.
Sua marca fundamental é, pois, a fertilização mútua. […] é uma metodologia de
conversação que visa melhorar a comunicação entre as pessoas e a produção
de ideias novas e significados compartilhados. Ou, posto de outra forma: é
uma metodologia que permite que as pessoas pensem juntas e compartilhem
os dados que surgem dessa interação sem procurar analisá-los ou julgá-los
de imediato. […] Do ponto de vista etimológico, o termo “diálogo” resulta da
fusão das palavras gregas dia e logos. Dia significa “por meio de”. Logos foi
traduzida para o latim ratio (razão), mas tem vários outros significados, como
“palavra”, “expressão”, “fala” e “verbo”.Dessa maneira, o diálogo é uma forma
de fazer circular sentidos e significados. Num grupo que dialoga, as palavras
circulam entre as pessoas, passam através delas sem que sejam necessárias
concordâncias, discordâncias, análises ou juízos de valor.

Na experiência de Uruguaiana se buscou de idêntica forma aplicar a


metodologia dialógica apresentada por Mariotti (2016, digital), vez que todas as
resoluções foram construídas de forma participava, com a contribuição de todos,
após um processo de diálogo, com o acolhimento das diversas contribuições de
cada ator daquela disputa, fazendo com que pudesse circular naquele espaço novos
sentidos e significados entre eles.
Segundo o físico David Bohm (citado por MARIOTTI, 2016, digital):

Estes seriam os principais objetivos de um grupo que utiliza a interação


dialógica: a) melhorar a comunicação entre as pessoas; b) observar o processo
do pensamento (ou seja, observar a dinâmica da mente de um modo prático
e disciplinado); c) construir microculturas por meio da criação de redes de
conversação; d) produção e compartilhamento de significados.

Percebe-se, então, que

o diálogo é uma atividade também cooperativa de reflexão e observação da


experiência vivenciada, pois permite que as pessoas possam pensar juntas
e compartilhar as informações que surgem dessa interação, sem adotar um
comportamento judicatório ou acusatório. (MARIOTTI, 2016, digital).

Entretanto, não é um caminho fácil de ser percorrido, pois estamos


ainda impregnados de um modelo de conversação pautado na discussão ou no
debate, em que os participantes defendem posições, argumentam, negociam e,
eventualmente, chegam a conclusões ou acordos em conjunto.

77
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

É certo, porém, que não sabemos ouvir, pois quando alguém nos fala algo,
em vez de escutarmos até o fim o que ele tem a dizer, logo começamos a comparar
o que está sendo dito com nossas ideias e referenciais prévios.
A partir da construção dos espaços de diálogo em Uruguaiana se percebeu
um processo gradual de reestabelecimento do vínculo de confiança pré-existente
entre os atores do conflito, pois já mantinham relações anteriores entre si,
caracterizadas por negociações que eram realizadas com frequência. Ou seja, o
desacordo comercial havia impregnado de desconfiança aquelas relações habituais.
Quanto mais assegurávamos a construção de um espaço de diálogo
respeitoso, proveitoso e produtivo entre os envolvidos na controvérsia, mais
restava evidente que o vínculo de confiança entre eles estava sendo reconstruído, e
por consequência, fortalecido.
Ficou muito cristalino, também, que o sucesso do processo de construção
de consenso em Uruguaiana estava vinculado à qualidade da relação dialógica
mantida entre todos os envolvidos naquela disputa.
Cada participante daquele processo teve um papel fundamental e
indispensável para que aquelas relações começassem a ser reestabelecidas e que o
vínculo de confiança pudesse ser retomado entre eles.
A confiança, enfim, estava sendo reconduzida a um papel de destaque
naquelas históricas relações que os atores do conflito mantinham.

10.3 O VALOR DA PALAVRA EMPENHADA COMO ELEMENTO CULTURAL


REGIONAL

Um dos principais elementos trazidos nas narrativas pelos produtores de


arroz referia-se à tradição herdada dos antepassados (pais, avós e bisavós) no cultivo,
produção e comercialização do arroz; bem como na forma como essas transações
comerciais ocorriam na região da fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Percebia-se que àquelas relações estariam permeadas pela singular cultura
da palavra empenhada como um elemento muito importante, muitas vezes superior
ao valor da assinatura em algum documento.
Seus antepassados, conforme relato dos mediandos, asseveravam que
“um fio bigode valeria mais do que uma assinatura”, pois quando queriam firmar um
compromisso com outro, retiravam um fio do seu bigode e entregavam ao credor.

78
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Dispensava-se, naquela época, a assinatura de um documento, pois a palavra


empenhada tinha muito mais valor e força que qualquer outra coisa.
Talvez, com o passar dos anos, tenhamos, enquanto sociedade, perdido
esse referencial ético e moral fundamental, pois a lógica atual é desconfiar de tudo
e de todos, infelizmente.
Entretanto, na comunidade de Uruguaiana é perceptível constatar que esses
valores ainda estavam em voga, tanto que inexistiam contratos que embasassem as
transações realizadas. A palavra para eles ainda vale mais que uma assinatura.
Inclusive, em razão disso, em dado momento da mediação, houve uma
reflexão entre os envolvidos na disputa acerca de eventual instrumentalização
das operações comerciais dali por diante, mas essa sugestão acabou sendo
desconsiderada pelos produtores de arroz, que entendiam que os valores éticos
e morais transmitidos de geração para geração, seriam um bem maior a ser
preservado como prática nas suas relações comerciais, mesmo com a ocorrência de
conflito experimentado por todos.
Para eles, a palavra empenhada estava impregnada de responsabilidade e
sempre era formulada com absoluta seriedade.
Esse valor cultural da região acabou sendo comprovado também pela
inexistência de descumprimento das condições estabelecidas nos acordos que
foram entabulados entre os atores do conflito, pois não houve notícia de que algum
entendimento não tivesse sido cumprido integralmente.
Além desse aspecto ético e moral, aquela região do Estado traz também como
elemento cultural e histórico sua disposição para lutar por aquilo que acredita e almeja.
E isso está escrito em várias páginas da história de Uruguaiana, onde são registrados
diferentes episódios de bravura e determinação daquele povo e daquela gente.
Importante, também, ressaltarmos dos efeitos dessas experiências para a
construção de uma cultura comunitária baseada na confiança em suas relações, o
que faremos por ocasião das conclusões finais do trabalho, antecipando, apenas,
que o valor da confiança comunitária serve como vetor para o desenvolvimento
econômico e social sustentável de qualquer sociedade.

10.4 A CONSTRUÇÃO DO ENTENDIMENTO

10.4.1 O ponto da virada (turning point)


Ao longo de nossa intervenção, percebeu-se que era necessário
compreender qual seria o ponto de virada daquele processo conflituoso, visto que

79
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

teria sido tentada a construção de consenso em diversas oportunidades anteriores,


sem que tivessem obtido êxito nessas ocasiões.
O tema central da disputa, a partir das narrativas trazidas pelos atores do
conflito, estava circunscrito à diferença nos valores pactuados em relação ao valor
da saca de 50 quilos de arroz, que fora oferecida para compra aos produtores de
arroz e à venda às indústrias de beneficiamento do produto.
Essa diferença desses valores, que era muito significativa, levando em
conta a quantidade de sacas de arroz que foram comercializadas, amplificava as
dificuldades para a construção de um valor médio que pudesse satisfazer ambos os
envolvidos naquela disputa.
No curso do processo de mediação em Uruguaiana foram utilizadas
diversas ferramentas negociais, a fim de provocar mudanças nos enfoques e nas
posições dos atores.
Como assevera Tania Almeida (2014, p. 103-27) era necessário transpor as
seguintes etapas:

Identificar terceiros envolvidos – aqueles que não participaram diretamente da


Mediação, mas estão implicados na operacionalização do acordo ou em seus
resultados; separar pessoas do problema; construir uma pauta objetiva e uma
subjetiva; identificar os interesses sob as posições; identificar interesses comuns
e complementares; manejar interesses divergentes; iniciar a negociação
pela pauta subjetiva; auxiliar a pensar soluções de benefício mútuo; iniciar
a negociação da pauta objetiva por temas de menor tensão e que sejam de
interesse de todos os envolvidos; articular necessidade e possibilidade em dupla
mão; auxiliar na identificação da Melhor Alternativa Negociada (MAN) e da Pior
Alternativa Negociada (PAN); não abandonar a solução ideal factível – trabalhar
o passo a passo para alcançá-la; provocar reflexão sobre custos e benefícios
inerentes às alternativas geradas e às opções eleitas; criar cenários futuros;
trabalhar com um mínimo de três alternativas na etapa de negociação de
opções de solução; transformar “ou” em “e”; e trabalhar com critérios objetivos.

Tania Almeida (2014, p. 103-27), em relação aos objetivos de cada etapa:

Identificar terceiros envolvidos – aqueles que não participaram diretamente da


Mediação, mas estão implicados na operacionalização do acordo ou em seus
resultados: tem por intuito trazê-los à mente e à consideração daqueles que têm
poder decisório nas negociações, com vistas a levarem em conta os interesses e
necessidades de todos, assim como as implicações das decisões tomadas sobre
todos os envolvidos naquela questão.
Separar pessoas do problema: o primeiro princípio de negociação da Escola
de Harvard tem propósitos múltiplos. Convida a focar no problema e não na

80
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

relação com o outro, em determinado momento da negociação. Em lugar de


tratar a questão como pessoal, unir esforços para cuidar do problema. Por
consequência, ajuda a identificar uma pauta objetiva, relativa à questão, e uma
subjetiva, correspondente à relação/comunicação entre os mediandos. Essa
discriminação viabiliza que as pautas não se sobreponham negativamente e que
ambas sejam objeto de cuidado durante a Mediação.
Construir uma pauta objetiva e uma subjetiva: consequência natural do primeiro
princípio de negociação de Harvard, mencionado anteriormente, a construção
de uma pauta objetiva e outra subjetiva visa ampliar o espectro de atuação da
negociação e a evitar que a sobreposição dos temas obstaculize o tratamento
adequado das questões, sejam elas subjetivas ou objetivas; esta sobreposição
dificulta a desconstrução do conflito e a construção de soluções de benefício
mútuo, isentas de passionalidade.
Identificar os interesses sob as posições: este segundo princípio concebido pelo
Projeto de Negociação de Harvard oferece um substrato para as negociações
baseadas na premissa ganha-ganha (win-win), ou seja, identificar os reais
interesses que trazem as pessoas à mesa de construção de consenso para que
possam ser objeto de consideração pelo outro, gerando soluções de benefício
mútuo neles baseadas.
Identificar interesses comuns e complementares: o grande gol dos interesses
comuns e complementares, quando corretamente identificados, é reposicionar
os mediandos de forma que passem a olhar para uma mesma direção e
trabalhar em parceria para alcançar uma solução que contemple a todos. De
maneira geral, porque estão enraizados em uma postura adversarial ou de
desconfiança, mediandos não percebem coincidência ou complementaridade
em seus interesses; é preciso uma escuta isenta e atenta (como a do mediador)
para trazer essa articulação e trazê-la à mesa de negociação.
Manejar interesses divergentes: o ato de identificar e manejar interesses
divergentes minimiza a competitividade, a desesperança e o sentimento de
frustração, resultantes das aparentes incompatibilidades. Quando a divergência
de interesses é um fato inconteste, resta ao mediador identificar convergência
de valores. O maior objetivo desta intervenção é viabilizar que alguma natureza
de negociação seja feita, o que permite, em última instância, a manutenção de
uma proposta de diálogo.
Iniciar a negociação pela pauta subjetiva: como mencionado anteriormente,
alguns mediadores preferem iniciar o trabalho negocial pela pauta relacional,
comunicacional ou subjetiva com vistas a preparar o terreno para o trabalho
com as questões objetivas. Esse saneamento possibilita que os temas objetivos
tenham o seu real tamanho, que a relação social e o diálogo sejam restaurados
e que o conflito subjacente seja desconstruído, permitindo a construção de
soluções de benefício mútuo e a prevenção de novas desavenças.
Auxiliar a pensar soluções de benefício mútuo: o terceiro princípio do Projeto de
Negociação de Harvard é a base dos processos ganha-ganha de composição de
discordâncias ou de tomada de decisões. O benefício e a satisfação mútuos são
os objetivos maiores das intervenções baseadas nesse princípio.
Iniciar a negociação da pauta objetiva por temas de menor tensão e que sejam
de interesse de todos os envolvidos: saneada a pauta subjetiva/comunicacional/
relacional, caso seja uma modalidade de trabalho que confira ao mediador a
possibilidade de coordenar o diálogo da maneira que considerar mais produtiva,
este deve iniciar a negociação da pauta objetiva por temas que gerem menor

81
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

tensão e sejam de interesse mútuo, com o franco propósito de criar um cenário


favorável à construção de alternativas e de consenso.
Articular necessidade e possibilidade em dupla mão: articular a(s) necessidade(s)
de alguém com a(s) possibilidade(s) de outrem (consequência natural da
Mediação Transformativa) distancia os mediandos de parâmetros objetivos
convencionais e uniformes, garantindo que as reais necessidades de todos os
envolvidos sejam atendidas na justa medida.
Auxiliar na identificação da Melhor Alternativa Negociada (MAN) e da Pior
Alternativa Negociada (PAN): ao auxiliarem os mediandos a identificar o
espaço de negociação situado entre as margens da solução ideal/melhor
alternativa (Melhor Alternativa Negociada – MAN) e do resultado indesejável/
pior alternativa (Pior Alternativa Negociada – PAN), mediadores atuam uma vez
mais como agentes de realidade, fazendo emergir parâmetros e limites entre os
quais (e com os quais) os mediandos devem conduzir a negociação na busca por
soluções possíveis.
Não abandonar a solução ideal factível – trabalhar o passo a passo para alcançá-
la: esta ferramenta tem por finalidade manter o empenho de todos para se
alcançar a solução ideal factível. Impulsiona os mediandos a traçarem um passo
a passo de conquistas progressivas, com vistas a se aproximarem (ou atingirem),
o máximo possível, do que entendem como solução ideal.
provocar reflexão sobre custos e benefícios inerentes às alternativas geradas e
às opções eleitas: é a tarefa do mediador suscitar avaliação sobre a viabilidade
prática e sobre os custos e benefícios provenientes das deliberações e decisões
resultantes da fase de negociações, seja em relação aos mediandos, seja em
relação aos terceiros indiretamente envolvidos. Seu objetivo é trazer as soluções
escolhidas para uma patamar de exequibilidade, efetividade e eficácia.
criar cenários futuros: os cenários futuros são o palco das hipóteses prospectivas.
Trabalhar com essa natureza de hipótese traz para a ficção o possível e favorece
um certo distanciamento afetivo, pelo fato de se tratar de um cenário de
suposição. Essa dinâmica permite que a imaginação conduza as ideias pelo
terreno das possibilidades, e somente possibilidades, não impedindo a reflexão
sobre custos e benefícios correspondentes. É o tipo de intervenção que auxiliar
mediandos a checarem, também, a sustentabilidade de suas escolhas no tempo.
Trabalhar com um mínimo de três alternativas na etapa de negociação de
opções de solução: essa máxima da negociação evita a polarização entre a
alternativa oferecida por A e a alternativa oferecida por B. Trabalhar com duas
alternativas faz emergir ou reeditar um cenário competitivo. O trabalho com um
número maior de alternativas favorece a dinâmica negocial e amplia o espectro
de possibilidades e solução.
Transformar “ou” em “e”: intervenções pautadas nessa premissa convidam
para a construção de soluções inclusivas, assentadas na satisfação mútua.
Pretendem facilitar o acolhimento de diferentes propostas, ou de opções
híbridas, utilizando o e da inclusão em lugar do ou da competição. Trocar o “ou”
pelo “e” ajuda a despolarizar posições, tendência evidenciada nas situações de
dissenso.
Trabalhar com critérios objetivos: este quarto princípio da negociação baseada
em interesses do Projeto de Harvard possibilita que a subjetividade dos
mediandos não seja norteadora de decisões objetivas, de forma a se constituir
elemento de impasse quando da operacionalização do que foi acordado. Ou
seja, na fase de tomada de decisões – em meio à construção

82
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

de alternativas e eleição de opções –, critérios objetivos de legitimidade e de


instrumentalização do consenso construído podem ser de auxílio para impedir
que surjam novos obstáculos.

Quando os mediandos começaram a compreender que muitos ocupavam


tanto a posição de credores quanto a posição de devedores, diante das relações
transversas que ocorreram, foi possível construírem um valor médio para a saca de
50 quilos de arroz, que pudesse balizar, doravante, todos os processos negociais.
Entretanto, os mediandos tiveram que percorrer um longo caminho até
conseguirem fixar um preço médio para a saca de 50 quilos do arroz. Esse preço
passou a ser utilizado como valor de referência em outras negociações, pois atendia
as necessidades e interesses dos envolvidos na disputa, que ocupavam, em muitos
casos, ambas posições, tanto de credor quanto de devedor.
Além da definição desse valor médio para a saca de arroz, também
foi importante a percepção dos envolvidos na disputa de que havia uma
interdependência entre eles, e que ao receberem determinados créditos, poderiam
saldar os seus débitos, fazendo com que a cadeia de créditos e débitos se
movimentasse positivamente.
Isso valeria tanto em relação à obrigação de entregar do arroz pelo produtor,
quanto do pagamento pelo grão pelas indústrias de beneficiamento. De tal sorte,
que o resultado das composições refletia positivamente em outras, fazendo com
que essa imensa engrenagem se movimentasse.
Inclusive, chamou a atenção da equipe de mediadores que em uma
mediação judicial foi possível construir entendimentos em outros sete processos,
todos eles interligados de alguma forma.
Outro aspecto fundamental e determinante da virada de posição dos
atores do conflito foi a utilização das sacas de arroz como moeda para o pagamento,
já que os produtores se comprometiam a entregar certa quantidade de sacas
em determinada data às indústrias de beneficiamento, o que, de alguma forma,
representava o restabelecimento daquelas relações comerciais, paralisadas pela
ocorrência de um impasse para a superação do conflito. Ou seja, de alguma forma
já visualizavam a possibilidade de retomar aquele relacionamento comercial.
A percepção da mudança do paradigma adversarial e litigioso para um
paradigma colaborativo e cooperativo significou importante qualificação naquelas
relações.

83
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Dessa forma, muitas reflexões ocorreram nesse sentido, gerando


significativas mudanças de comportamento por todos os envolvidos na controvérsia.
Isso ficou patente ao término de cada processo de mediação, quando as partes
reafirmavam à equipe de mediadores que aquele processo teria sido uma oportunidade
singular de crescimento pessoal, e que teriam recolhido importantes aprendizagens.

10.5 A MUDANÇA DO PARADIGMA ADVERSARIAL E LITIGIOSO PARA


O DA COLABORAÇÃO E DA COOPERAÇÃO

Não fomos educados, desde a infância, para atuarmos de forma


cooperativa. Ao contrário, o estímulo como regra direciona-se à competição.
Ademais, a maioria das brincadeiras pedagógicas e as práticas desportivas nos
conduzem a uma conduta competitiva. Percebe-se, assim, um excessivo estímulo
para que sejamos competitivos e não colaborativos.
Inclusive a neurociência tem afirmado que podemos ser educados, desde
os primeiros dias, a um comportamento colaborativo e cooperativo em vez do
adversarial e competitivo.
Vivemos em um ambiente cultural pautado pela binaridade dos
comportamentos, sendo que as escolhas deverão recair, na maioria das vezes,
em “uma ou outra” posição, pois temos dificuldades culturais para acolhermos o
modelo “um e outro”, tão evidente nas sociedades orientais.
Além disso, o modelo heterecompositivo de acolhimento dos conflitos
estimula uma visão adversarial e pendular das relações, com escopo no litígio para
a superação das controvérsias.
Entretanto, a partir da visão de que o conflito é um elemento propulsor
de mudanças pessoais e sociais, enfim, quando compreendermos que ele atua
como catalisador para o desenvolvimento humano, afastando a ideia de ameaça às
relações sociais, mas, sim, como uma oportunidade de crescimento e fortalecimento
dos vínculos relacionais, é que se descortinam infinitas possibilidades a todos os
envolvidos em controvérsias.
Lederach (2012, p. 17) introduziu o conceito de transformação de
conflitos em vez de resolução de conflitos, pois assevera acerca da “importância
do engajamento e dos esforços para a realização de mudanças construtivas, que
incluem e vão além da resolução de problemas específicos e pontuais”.

84
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Considera, ainda, que o conflito é algo normal nos relacionamentos


humanos, sendo um vetor de mudanças. Assevera, ainda, que a “palavra
transformação oferece uma imagem clara e importante, pois dirige o nosso olhar em
direção à construção de relacionamentos e comunidades saudáveis”. (LEDERACH,
2012, p. 17).
Quando iniciamos nossos diálogos nas sessões de mediações, tínhamos
presente acerca da necessidade da mudança do paradigma competitivo, expresso
por um comportamento essencialmente litigioso e adversarial, que caracterizava
aquelas relações conflituosas em Uruguaiana.
Nesse compasso, asseverou Tania Almeida (2015, p. 92):

Pela competição, mantemo-nos tão assertivos em busca da satisfação pessoal


que desconsideramos necessidades, pontos de vista e interesses do outro. Pela
concessão, fazemos o oposto: atendemos aos interesses e às necessidades
do outro mais do que aos nossos, cedendo e concedendo. Pela colaboração,
mantemos a assertividade em direção aos nossos interesses e necessidades e
fazemos o mesmo em direção aos interesses e às necessidades do outro, na
intenção de atendê-los. A colaboração é a postura de atuação solicitada na
mediação.

Tania Almeida (2015, p. 93) afirma ainda que:

Construir uma solução pautada na satisfação mútua não implica em ceder


ao que o outro deseja, mas sim atuar de modo cooperativo, mantendo a
assertividade em duplo sentido. A ação colaborativa solicitada pela mediação
convida as partes a pensarem, simultaneamente, em si mesmas e no outro e
viabiliza a construção de acordos pautados no benefício mútuo.

Complementa ainda que:

Por sua contemporaneidade, a mediação se aproxima com vigor dos princípios


da construção de consenso, instrumento pautado na autocomposição com
sustentabilidade nas diferenças. A construção de consenso possibilita criar
soluções de mútuo benefício […] As relações continuadas no tempo se
beneficiam significativamente de seus princípios. (ALMEIDA, 2015, p. 93).

No caso de Uruguaiana, a construção do entendimento surge, sobretudo,


na percepção dos atores do conflito da relação de interdependência havida entre
eles, pois não era possível pensar na solução do conflito com um olhar individual,
mas, sim, com um olhar no todo, pois as relações estavam imbricadas e vinculadas.

85
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Na medida em que avançava o processo de realização de sessões de


mediações entre os atores envolvidos naquela disputa e com os sucessivos
entendimentos sendo construídos por eles, percebeu-se uma mudança no
comportamento dos produtores, representantes das indústrias de beneficiamento
do arroz e advogados no sentido de abandonar uma postura adversarial e litigiosa e
incorporar um modelo de conduta mais cooperativo e colaborativo.
A mudança de paradigma, a partir da experiência em Uruguaiana, restou
também demonstrada quando do requerimento, subscrito pelos advogados
dos produtores de arroz e das indústrias de beneficiamento desse grão, de
encaminhamento de diversos processos judiciais à mediação, que teriam optado
pela tramitação regular da ação e que, por isso, não tinham sido selecionados para
serem atendidos nesse projeto.
Com efeito, da mesma forma, quando da distribuição de novas ações
judiciais, os advogados formularam pedidos para que as ações fossem encaminhadas
à mediação antes de qualquer análise pelo juízo, o que também demonstrou o
efeito pedagógico e positivo provocado entre os envolvidos naquela disputa. Ou
seja, foram dados os primeiros passos em direção a uma nova forma de olhar de
conflito naquela comunidade.

86
11 DECLARAÇÕES E REFLEXÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS
NA MEDIAÇÃO: DAS MAGISTRADAS, ADVOGADOS, DA
EQUIPE PEDAGÓGICA E DOS MEDIADORES JUDICIAIS

Como em todos os processos autocompositivos e consensuais o


protagonismo é dado aos atores envolvidos no conflito, neste capítulo trazemos
as diversas reflexões dos envolvidos naquela disputa, direta e indiretamente, como
forma de oferecer a eles também uma possibilidade de diálogo neste estudo. A
íntegra das manifestações (vide Anexo I).
Iniciamos pela importante reflexão trazida pela eminente Coordenadora do
Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Soluções de Conflitos – NUPEMEC
do TJRS à época da experiência:

A ideia de se trabalhar com a mediação nos processos envolvendo os arrozeiros


de Uruguaiana surgiu por ocasião do Curso de Aperfeiçoamento de Magistrados
ocorrido em Santana do Livramento em abril de 2013.
Depois de palestrar, juntamente com a Desa. Genacéia da Silva Alberton, sobre
mediação de conflitos no sistema judicial, fui procurada pelas três juízas titulares
das Varas nas quais tramitavam os processos.
Relataram elas que havia solução jurídica para os casos, porém, esta não resolveria
efetivamente o problema dos envolvidos nos litígios em razão da multiplicidade
de partes e negociações intrincadas, com grande probabilidade de não haver
cumprimento das decisões.[...]
Na oportunidade, apostei no potencial pacificador e transformador da mediação,
ciente de que propor um método autocompositivo desconhecido e inovador poderia
trazer algumas complicações às magistradas, como suspeita de que estivessem
protelando a solução dos processos, bem como resistência dos advogados e partes
envolvidas. [...]
De outra parte, se tivéssemos sucesso, o caso poderia servir de motivo de
convencimento quanto às vantagens da adoção das práticas autocompositivas,
num processo de implantação estadual que se iniciava. [...] Outro efeito importante
foi o interesse despertado na comunidade quanto à prática da mediação como
forma eficaz de resolução de conflitos no âmbito judicial, tanto que houve imediata
solicitação para a instalação de um Centro Judiciário de Solução de Conflitos e
Cidadania na Comarca para que as práticas autocompositivas passassem a fazer
parte da rotina do Foro local. [...]
Para mim que, à época, coordenava o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos – NUPEMEC do TJRS foi uma grande vitória, pois tivemos
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

um caso concreto complexo de relevante impacto social muito bem solucionado


pela via da mediação e, com isso, o serviço em implantação e os mediadores
ganharam o destaque e respeito merecidos no judiciário. Os mediadores, com seu
trabalho exemplar, propiciaram que se abrissem novas portas para a implantação
da mediação no sistema judicial brasileiro.

Outra importante reflexão foi trazida pela ilustre Magistrada que jurisdicionava
uma das Varas Cíveis da comarca de Uruguaiana à época da nossa atuação:

[…] Nós, Magistradas de Uruguaiana já havíamos imaginado que a solução dos


processos, para que tivesse efetividade no campo prático, passaria necessariamente
por conciliações, as quais teriam que ser feitas conjugando além das partes do
processo, aquelas pessoas que também teriam feito parte do negócio no mundo dos
fatos, ou recebendo arroz pelo qual não haviam pago ou que recebendo pagamento
por arroz que não tinha sido entregue, ou seja, era necessária a triangulação dos
feitos. Entendíamos que embora os processos de cobrança fossem ações simples, o
seu julgamento na forma convencional, não traria uma solução satisfatória para os
envolvidos e poderia até inviabilizar que alguns dos produtores rurais conseguissem
continuar produzindo, pelo montante envolvido. […]
A Mediação, por ter sido realizada por Mediadores desvinculados dos feitos,
imparciais e abrigados pelo princípio da confidencialidade, trouxe exatamente tudo
que precisávamos para que as partes pudessem ser ouvidas, estabelecer um diálogo
de aproximação e concatenar a melhor forma de resolução de suas lides. Já na primeira
etapa de mediações, percebemos que os advogados e partes estavam surpresos
positivamente com a atuação dos Mediadores e com o resultado das sessões, o que
fez com que acreditássemos ainda mais na forma de resolução dos feitos através da
Mediação. Observamos que os advogados, antes receosos com o projeto e que até
pediam para não incluirmos os processos, mudaram de ideia e vinham aos nossos
gabinetes pedindo a inclusão de seus processos nas próximas etapas da Mediação.
Ao final, o resultado alcançou e superou as nossas expectativas, pois além de resolver
a quase totalidade dos feitos, viabilizou que as relações comerciais, entre aquelas
partes, antes rivais nos processos, fosse restabelecida e se perpetuasse, possibilitando
o retorno dos produtores rurais às suas atividades e a reestruturação da economia da
cidade, basicamente voltada para o cultivo do arroz. […]
Além disso, mudei um pouco da minha visão como magistrada, tendo inclusive,
buscado realizar o curso de Mediação, incorporando algumas das técnicas nas
minhas próprias audiências, pois me encantei com todo o procedimento e com os
resultados que as técnicas podem nos oferecer. Como teu trabalho é exatamente
sobre o papel do Magistrado para o fomento das práticas de Mediação, acredito
que realmente, os magistrados têm um papel fundamental na multiplicação
do instituto, pois se nós, por exemplo, não tivéssemos acreditado e confiado
na qualidade do trabalho dos Mediadores e do NUPEMEC, todo esse projeto de
Mediação de múltiplas partes nem teria ocorrido. Por isso, entendo fundamental
que os julgadores também percebam as vantagens da utilização desses meios de
solução de conflitos, principalmente para as partes, deixando de lado um pouco
daquele egoísmo de achar que “o melhor resultado é a sentença”, e passar a aceitar
que o melhor resultado é aquele construído pelas partes, através do diálogo.

88
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Significativa reflexão foi trazida pelo Advogado de inúmeros produtores de


arroz, cujo teor foi apresentado por ocasião da instalação do CEJUSC da Fronteira
Oeste do Estado, em discurso de saudação ao eminente Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado do RS à época:

[...] Diante desse impasse crônico, nascem soluções alternativas aos conflitos
justapostos, como a arbitragem, a conciliação e, por fim a figura da Mediação,
todas elas com o mesmo escopo, mesmo foco de reduzir o número excessivo de
demandas judiciais, de tornar a prestação jurisdicional mais célere, mais próximo
do mundo real. […]
Na verdade, essa nova modalidade busca, fundamentalmente, restabelecer o
diálogo entre as partes; com técnicas específicas de abordagem, colocando-as
frente a frente, ouvindo-as e, fundamentalmente, preparando-as ao enfrentamento
de ideias, desenvolvendo os temas, os pontos conflitantes, cujos resultados de
compreensão têm sido extraordinários e disso eu posso dar meu testemunho, como
advogado, com formação processualista e acadêmica, no exercício do magistério por
mais de 15 anos na área de processo civil. […]
A questão envolvia compra e venda de arroz, onde um escritório representante em
Uruguaiana fazia as compras para as distintas indústrias, cujos pagamentos aos
produtores eram realizados de forma aleatória, de forma cruzada, de tal sorte que
haviam casos de produtores que enviavam arroz para a indústria X e recebiam o
pagamento pela indústria Y. Quando não foi mais possível o escritório comprador
manter essa ciranda financeira, com a saída de algumas indústrias de sua carteira,
deu-se o rompimento financeiro, cessando os pagamentos. A partir daí cada um dos
produtores passou a exigir o pagamento do seu arroz e cada uma das indústrias a
devolução de valores pagos para aqueles produtores diversos do que constava da
nota fiscal. Uma verdadeira confusão e de difícil solução. […]
Foram quase 80% de acordos realizados, um índice impressionante, envolvendo
quase 10 milhões de reis. E mais, todos os acordos, sem exceção, foram cumpridos
rigorosamente.
Outro dado importante é que não houve um pedido de cumprimento de sentença
ou execução de transação. A pacificação foi completa. […]
Na verdade, é a velha prática socrática, impondo-se através da manifestação das
partes a possibilidade de QUE ELAS CRIEM A DIALÉTICA DO PRÓPRIO LITÍGIO. O
contraponto é o mais importante, na medida em que as partes terão, efetivamente,
a noção de até onde poderão ir e quais são suas verdadeiras chances. A tudo
isso deverá estar presente e atento o advogado, que é imprescindível no quesito
segurança jurídica, caberá a ele dar a compreensão responsável e necessária da
situação jurídica ao seu cliente.
O objetivo da MEDIAÇÃO é fazer com que os litigantes consigam dialogar,
utilizando-se a técnica da regressão ao status anterior (direito material), quando
ainda não havia processo, exatamente para incentivar o fim ou evitar o litígio,
buscando as causas e soluções na sua gênese.

O Advogado de uma importante indústria de beneficiamento de arroz de


Santa Catarina, que teve importante protagonismo neste processo de mediação,
trouxe o relato da sua experiência:

89
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

[...] Fui para Uruguaiana no domingo. As sessões de mediação dos meus quase
vinte processos ocorreriam durante toda a semana, de segunda até sexta.
Estar em Uruguaiana, para mim, é um imenso prazer. Meu falecido pai era de lá.
Tenho raízes naquela cidade. Entretanto, iria ficar uma semana inteira fora do
escritório. Será que valeria a pena? Será que essas mediações surtiriam algum
efeito? Será que algum acordo seria feito? Esse sentimento me parecia ser comum
nos advogados e nas partes.
No primeiro dia foi feita uma assembleia com todos os advogados e partes, quando
foi explicado como funcionariam os trabalhos. Ainda assim, pairava desconfiança.
Afinal, naquele singelo momento de explicação já ocorreram atritos. Será que daria
certo?
Só que, já ali, iniciou o trabalho da equipe de mediadores. Todos tranquilos, muito
bem articulados, seguros de si e cientes do trabalho afazer.
Os mediadores ouvem as partes. Muito mais a elas que aos advogados.
Ponderam, mas não opinam. Não induzem a nada. Fazem com que, partes e
advogados, desarmem espíritos e consigam enxergar o processo como um todo.
Riscos, prazos, valores, enfim, tudo.
Para que tenham uma ideia, dos meus cerca de vinte processos, fiz acordo em
dezesseis. Um aproveitamento impressionante. Depois, por ter passado a acreditar
tanto na mediação, dos outros quatro faltantes, fiz mais dois novos acordos já aqui
em Porto Alegre, com a mesma equipe que havia ido até Uruguaiana.
Posso, tranquilamente, dizer que me tornei um fã ardoroso da mediação.
Lamento que ela não seja muito mais utilizada e seu conceito difundido entre nós
advogados.
Acho, inclusive, que o judiciário, sempre tão assoberbado com um volume cada vez
mais crescente de processos, devia investir na mediação. Devia ampliar o número
de bons profissionais para atuar nessa área.
A mediação veio para ficar, e que bom que é assim.

Acostamos, ademais, as reflexões da Coordenadora da Equipe de


Mediadores Judiciais que atuaram na experiência de Uruguaiana e que integra o
corpo pedagógico do NUPEMEC do TJRS:

A notícia deste desafio foi ao mesmo tempo excitante e amedrontante!!! Imagina


uma mediação onde lidaríamos com industrias e seus interesses, agricultores e
seus interesses, além da necessidade de solução de um conflito que afetaria uma
cidade inteira em sua economia.
Desde os primeiros momentos, quando iniciamos a análise dos processos e das
implicações entre todos eles, tentando encontrar um fio na meada, que nos desse
uma indicação de por onde começar, percebemos que a coisa era muito grande.
Mas, ao escolher minha equipe de trabalho, tenho certeza de que escolhi os
melhores!!!
Construímos desde a primeira mediação uma postura de auxílio e de
interdependência colaborativa, creio que esta postura aliada às técnicas e às
habilidades dos mediadores nos levaram a, de fato, abrir o caminho do diálogo
entre agricultores e industrias, na perspectiva de que uns necessitavam dos outros.
O entusiasmo de todos os mediandos, à medida que os entendimentos iam

90
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

acontecendo teve um papel fundamental também na motivação de todos, havendo


influência direta de uma mediação em outras. Foi como uma reação em cadeia, um
efeito dominó, algo impressionante!!!
Acreditar no Inacreditável!!!! A mediação de múltiplas partes estava lá, concreta,
palpável, objetiva e realizada de maneira profissional, técnica, mas com muita
habilidade e postura autocompositiva.
Ao final destaco que, aprendi no período em que desenvolvi este trabalho que a
principal postura em todo o trabalho, tanto dos mediadores para com os mediandos,
mas principalmente, dos mediadores com os próprios colegas, é a postura de
Humildade. Reconhecer nossos limites, dar um passo atrás para reconstruir.
Eu só tenho a agradecer a toda a equipe que me acompanhou nesta grande
aventura que iluminou céu de Uruguaiana e iluminou a minha vida!

Por fim, acolhemos as importantes reflexões do integrante da equipe de


Mediadores Judiciais que atuou naquele conflito:

[...] Esses são, no entanto, aspectos puramente estruturais; por trás desse
cuidado e atenção com o bem-estar dos Mediandos e de seus advogados
estava o empenho de uma equipe de Mediadores que, talvez mesmo não
dimensionando num primeiro momento a amplitude e a envergadura desse
problema que há anos envolvia dezenas de plantadores de arroz, empresas
beneficiadoras, intermediários, fornecedores de insumos e de equipamentos
agrícolas, transportadores, entre outros, e os impactos que a interrupção desses
pagamentos - e de consequência a do próprio fornecimento das safras seguintes
- causaram numa comunidade dependente da produção primária (Uruguaiana é
a maior produtora de arroz do Rio Grande do Sul, Estado que responde por 2/3
da produção nacional desse alimento) -, ainda assim “mergulhou” nas nuanças
dessa relação, com o intuito de iniciar e/ou restabelecer um diálogo produtivo
que visasse ao entendimento e à solução do problema, sem o acirramento dos
ânimos e sem desinteligências que já vinham caracterizando as reuniões e
audiências judiciais; […].
Cabe também ressaltar que a participação ativa dos advogados das partes, e
sua imprescindível colaboração a partir do momento em que entenderam os
princípios da Mediação, foram determinantes para o sucesso da empreitada;
vejo como relevante o autoconvencimento dos advogados acerca das vantagens
de um entendimento (comprovado inclusive pela renúncia de parte de verba
honorária em prol da solução do conflito), pois ajudaram de forma contundente
seus clientes a realizarem testes de realidade, a se colocarem no lugar das
outras partes envolvidas, a pensar a negociação como algo positivo, e verem
o entendimento como o melhor caminho - contanto que alcançado de forma
serena, madura e consciente; […]
Reforcei também um aprendizado pessoal acerca da Mediação, no sentido de
que não há “limites” para agirmos de forma prospectiva, objetiva e coerente,
na busca de soluções para nossos problemas, e sem que isso signifique
agressividade, imutabilidade nos posicionamentos, intransigência, intolerância.
A Mediação pode ser aplicada nos relacionamentos familiares, nas relações
profissionais e sociais, no universo escolar, em embates políticos, civis, em
guerras [...] não há limites. Mas é uma questão de treino: precisamos utilizar

91
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

as ferramentas da Mediação, em qualquer esfera de convivência. O exemplo


de Uruguaiana é emblemático: não importava o valor da causa nos processos,
nem as razões mais “fortes” de um lado ou de outro, mas o interesse comum de
resolverem a demanda, de retomarem os negócios, de tocarem a vida. Simples
assim. Por isso tão efetivo e ao mesmo tempo tão desejado.

Enfim, reflexões impregnadas de subjetividades e significados, fruto de um


diálogo profundo sobre a experiência vivenciada.

92
12 A INSTALAÇÃO DE UM CENTRO JUDICIAL DE SOLUÇÃO
DE CONFLITOS E CIDADANIA EM URUGUAIANA/RS

O trabalho desenvolvido pela equipe de mediadores judiciais do TJ


potencializou a reivindicação pelas magistradas e advogados da instalação de um
Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC em Uruguaiana.
A administração do TJ acolheu tal pedido, pois tem investido fortemente
na pacificação social e na qualificação dos serviços jurisdicionais prestados à
comunidade.
O diferencial do CEJUSC de Uruguaiana é que ele nasce a partir de uma
experiência exitosa, que resolveu um impasse envolvendo quase cem ações
judiciais e obteve 70% de acordos. Na época em que houve o processo de mediação
envolvendo os produtores de arroz e as indústrias de beneficiamento do grão, o
CEJUSC ainda não existia.

Figura 4 - Assinatura do Ato de Instalação do CEJUSC

Fonte: Imprensa do TJRS (2015, digital).

A magistrada Coordenadora do CEJUSC pautou seu discurso de abertura


no tema “gratidão”. A magistrada agradeceu aos mediadores judiciais do NUPEMEC
que atuaram no caso dos rizicultores, aos magistrados, advogados, servidores e
mediandos envolvidos naquela ocasião.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Afirmou a magistrada que:

Em setembro de 2010, os produtores de arroz de Uruguaiana venderam parte


ou tudo que colheram para as indústrias beneficiadoras de grãos através de uma
empresa. Eles começaram a deixar de receber o dinheiro pela venda da safra.
Numa reunião entre todos, souberam o que tinha acontecido e resolveram
buscar uma solução por mais de uma vez, mas sem sucesso. Ingressaram
na Justiça buscando no Foro de Uruguaiana o ressarcimento em mais de 100
processos. (TJRS, 2016, digital).

Aquela situação preocupou as magistradas que jurisdicionavam as três


Varas Cíveis da comarca, que decidiram acolher aquele significativo conflito através
dos métodos autocompositivos de resolução de disputas.
Referiu a Coordenadora, ainda:

De oitenta e três processos mediados, chegou-se a um acordo em 70% deles.


E isso não é o mais importante. O que nos surpreendeu foi que todos os pactos
foram cumpridos naturalmente. Os acordos geraram os efeitos esperados.
(TJRS, 2016, digital).

O Presidente do TJRS destacou que não apenas a instalação do CEJUSC


é um marco para a comarca de Uruguaiana, mas também o caso dos arrozeiros,
que se tornou um exemplo para a mediação. Ressaltou, por fim, que as práticas
autocompositivas são o caminho para uma justiça mais célere, eficiente e
humanizadora.

94
13 CONCLUSÃO

Percebemos ao longo do trabalho desenvolvido em Uruguaiana que houve


significativa mudança de comportamento entre os envolvidos naquele processo,
inclusive dos mediadores judiciais, pelas experiências dignificantes vivenciadas
durante aquele período. Há consenso entre os integrantes da equipe de mediadores
judiciais de que essa foi e será sempre uma das nossas melhores experiências.
As inseguranças iniciais acerca do caminho que deveríamos percorrer
foram, pouco a pouco, sendo substituídas pela certeza de que o diálogo tem um
poder imensurável de humanização das relações sociais.
Ele sempre será a mais certa das nossas escolhas.
As mudanças atingiram também os demais participantes, principalmente
os produtores de arroz, os representantes das indústrias de beneficiamento do grão
e seus advogados.
Na medida em que avançávamos nesse processo de acolhimento dos
conflitos, percebíamos, claramente, uma mudança no padrão comportamental de
todos. Estavam impregnados pela certeza de que iriam, muito mais do que superar
aquelas controvérsias, reconstruir vínculos e laços fundamentais as suas relações, já
que estariam entrelaçados uns aos outros.
Essa percepção do envolvimento em uma trama e da relação de
interdependência com o outro, os conduziu a um elevado patamar de consciência
das responsabilidades das suas decisões e escolhas.
Em relação às magistradas que atuaram direta e indiretamente nesse
contexto, aí arroladas aquelas titulares das diferentes Vara Cíveis da comarca
de Uruguaiana e da Coordenadora do NUPEMEC, percebemos, de igual modo,
significativa reflexão acerca do seu importante papel de liderança na sociedade,
que transborda a prestação jurisdicional propriamente dita, principalmente daquela
fundada em seus aspectos mais formais.
Isso representa uma mudança cultural no âmbito do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, ao qual compete oferecer, de forma plena e efetiva, o acesso à
justiça pela cidadania.
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Enfim, vivenciamos novos tempos, com a mudança gradual do paradigma


para o acolhimento dos conflitos, a partir da utilização dos modelos consensuais,
que geram, sobretudo, a emancipação, a autonomia e o empoderamento da
cidadania, como sujeitos de direitos e obrigações.
A moderna teoria do conflito dialoga que as experiências conflituosas são
uma forte oportunidade para a mudança comportamental e para o fortalecimento
dos vínculos relacionais em sociedade. Essa experiência em Uruguaiana, com
certeza, conseguiu colher os frutos dessa nova concepção.
Quanto mais oferecermos à cidadania espaços para que ela possa, de
forma autônoma, voluntária e consciente, atuar para a resolução dos seus conflitos
cotidianos, mais o elemento confiança, decorrente do fortalecimento desses
vínculos, será compartilhado em comunidade.
Ao inverso, não é possível construir confiança como valor importante
para uma sociedade, se não damos a ela a oportunidade de responsabilizar-se pela
construção de alternativas dialogadas aos conflitos experimentados.
Assim, essa confiança acumulada gera o que os sociólogos asseveram
ser o capital social mais importante da vida em sociedade, pois além de ser um
elemento para o fortalecimento dos vínculos sociais, também atua como vetor para
o desenvolvimento econômico e social de qualquer comunidade.
O sociólogo Robert Putnam (2006) asseverou que: “A confiança é um
componente básico do capital social”.
No presente estudo, foi possível verificar todos os elementos arrolados
pelo sociólogo Putnam, pois havia um capital social naquela região decorrente das
relações comerciais que envolviam o arroz por diversas gerações, marcadas pela
confiança mútua.
O que o processo de mediação fez, simplesmente, foi oportunizar que
esses vínculos, adormecidos pelo conflito, pudessem despertar e, que toda aquela
confiança adquirida ao longo do tempo fosse retomada e que esses vínculos
relacionais fossem restabelecidos.
Foi possível perceber, portanto, que o processo de mediação deixou um
legado de aprendizagem e empoderamento aos envolvidos, que tiveram que
construir, em conjunto, soluções para a superação da disputa.
Certo é que muitas transformações, a partir de então, ocorreram e
ocorrerão, principalmente, no que se refere ao fortalecimento do vínculo entre os
atores envolvidos, pois tiveram plena capacidade de resolução do conflito sem a
intervenção do Estado-juiz, através da sentença.

96
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

A experiência em Uruguaiana trouxe-nos, também, a certeza de que é


possível acolher qualquer conflito, seja ele de maior ou menor complexidade,
envolvendo mono ou múltiplas partes, em processos repetitivos ou coletivos,
desde que assegurados os princípios básicos da mediação, esculpidos no Código
de Ética de Conciliadores e Mediadores, que são invioláveis: a) confidencialidade;
b) decisão informada; c) competência; d) imparcialidade; e) independência e
autonomia; f) respeito à ordem pública e às leis vigentes; g) empoderamento; h)
validação.
Ademais, restou cristalino, para a equipe de mediadores, da necessidade
de um diálogo intenso entre todas as Escolas de mediação, pois nenhuma delas
consegue, por si só, responder aos desafios colocados aos mediadores judiciais.
Será necessário, portanto, construir desenhos de modelos que acolham diversos
olhares e percepções em relação a cada experiência conflituosa.
Esse parece ser um grande desafio aos mediadores, pois muitas vezes
deixamos de utilizar importantes recursos disponíveis no acervo teórico da
mediação, limitando a nossa prática cotidiana.
Abrir-se e recolher novos valores e significados para cada uma das
experiências poderá conduzir-nos a uma formação mais completa e ilimitada. Foi o
que fizemos, pois recolhemos contribuições das diferentes Escolas, o que assegurou
pleno êxito em nossa atuação na experiência em Uruguaiana.
Resta, evidente, ademais, da necessidade de assegurar-se qualidade e
excelência permanente nos processos autocompositivos e consensuais, a fim de
que possamos oferecer aos jurisdicionados, usuários do sistema judicial brasileiro,
um modelo que possa acolhê-los de forma plena, integral e eficiente.
Alguns valores percebidos na experiência de Uruguaiana também nos
tocaram com profundidade. O tema do valor da palavra empenhada foi um deles,
por todo o seu significado na conjuntura mundial atual.
Ao final de toda essa experiência, resta-nos a certeza de que somente
através do diálogo será possível desconstruir qualquer conflito, reconstruir as
relações existentes e possibilitar a construção de soluções que assegurem benefícios
mútuos aos envolvidos em qualquer controvérsia. O diálogo é e sempre será um
vigoroso instrumento para a superação dos conflitos.
Iniciamos nosso trabalho com o pensamento de Daniel Barenboim e
concluímos com a mesma reflexão, por seu significado: “O diálogo é a única ideia
que pode nos salvar; tudo mais falhou”.

97
REFERÊNCIAS

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99
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em: 2 jun. 2016.

100
ANEXOS
ANEXO A & RESOLUÇÃO Nº 125/2010 DO CNJ

Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.

Dispõe sobre a Política Judiciária


Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas


atribuições constitucionais e regimentais,

CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle


da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela
observância do art. 37 da Constituição da República;

CONSIDERANDO que a eficiência operacional, o acesso ao sistema de


Justiça e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder Judiciário,
nos termos da Resolução/CNJ nº 70, de 18 de março de 2009;

CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º,


XXXV, da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários,
implica acesso à ordem jurídica justa e a soluções efetivas;

CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política


pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de
interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a
organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos
judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de
solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação;

CONSIDERANDO a necessidade de se consolidar uma política pública


permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de
solução de litígios;
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos


efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada
disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva
judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução
de sentenças;

CONSIDERANDO ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a


sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais;

CONSIDERANDO a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar


os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de
conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para
assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada
segmento da Justiça;

CONSIDERANDO que a organização dos serviços de conciliação, mediação


e outros métodos consensuais de solução de conflitos deve servir de princípio e base
para a criação de Juízos de resolução alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos
judiciais especializados na matéria;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de


Justiça na sua 117ª Sessão Ordinária, realizada em de 23 de 2010, nos autos do
procedimento do Ato 0006059-82.2010.2.00.0000;

RESOLVE:

CAPÍTULO I
DA POLÍTICA PÚBLICA DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS
CONFLITOS DE INTERESSES

Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos


conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos
por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (Redação dada pela Emenda
nº 1, de 31.01.13)

104
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do
Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes
da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções
de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e
a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (Redação
dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 2º Na implementação da política Judiciária Nacional, com vista à boa
qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão
observados: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
I - centralização das estruturas judiciárias;
II - adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e
mediadores;
III - acompanhamento estatístico específico.
Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços mencionados
no art. 1º, podendo ser firmadas parcerias com entidades públicas e privadas, em
especial quanto à capacitação de mediadores e conciliadores, seu credenciamento,
nos termos do art. 167, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, e à realização de
mediações e conciliações, na forma do art. 334, dessa lei. (Redação dada pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)

CAPÍTULO II
DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa


com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à
pacificação social por meio da conciliação e da mediação.
Art. 5º O programa será implementado com a participação de rede
constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e
privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino.
Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ: (Redação dada
pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
I - estabelecer diretrizes para implementação da política pública de
tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais;

105
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

II - desenvolver parâmetro curricular e ações voltadas à capacitação


em métodos consensuais de solução de conflitos para servidores, mediadores,
conciliadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, nos
termos do art. 167, § 1°, do Novo Código de Processo Civil; (Redação dada pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)
III - providenciar que as atividades relacionadas à conciliação, mediação
e outros métodos consensuais de solução de conflitos sejam consideradas nas
promoções e remoções de magistrados pelo critério do merecimento;
IV - regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores,
mediadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias;
V - buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições
públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o
surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas
de Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de
conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento;
VI - estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil,
Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua
participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e
valorizando a atuação na prevenção dos litígios;
VII - realizar gestão junto às empresas, públicas e privadas, bem como
junto às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de implementar
práticas autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a
instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo
de qualidade;
VIII - atuar junto aos entes públicos de modo a estimular a conciliação, em
especial nas demandas que envolvam matérias sedimentadas pela jurisprudência;
(Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
IX - criar Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores visando
interligar os cadastros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais,
nos termos do art. 167 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 12, §
1°, da Lei de Mediação; (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
X - criar Sistema de Mediação e Conciliação Digital ou a distância para
atuação pré-processual de conflitos e, havendo adesão formal de cada Tribunal de

106
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Justiça ou Tribunal Regional Federal, para atuação em demandas em curso, nos


termos do art. 334, § 7º, do Novo Código de Processo Civil e do art. 46 da Lei de
Mediação; (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
XI - criar parâmetros de remuneração de mediadores, nos termos do art.
169 do Novo Código de Processo Civil; (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
XII - monitorar, inclusive por meio do Departamento de Pesquisas
Judiciárias, a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania,
o seu adequado funcionamento, a avaliação da capacitação e treinamento dos
mediadores/conciliadores, orientando e dando apoio às localidades que estiverem
enfrentando dificuldades na efetivação da política judiciária nacional instituída por
esta Resolução. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

CAPÍTULO III
DAS ATRIBUIÇÕES DOS TRIBUNAIS

SEÇÃO I
DOS NÚCLEOS PERMANENTES DE MÉTODOS CONSENSUAIS
DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Art. 7º Os tribunais deverão criar, no prazo de 30 dias, Núcleos Permanentes


de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Núcleos), coordenados por
magistrados e compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores,
preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras:
(Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
I - desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos
de interesses, estabelecida nesta Resolução;
II - planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao
cumprimento da política e suas metas;
III - atuar na interlocução com outros Tribunais e com os órgãos integrantes
da rede mencionada nos arts. 5º e 6º;
IV - instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que
concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a
cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos;

107
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

V - incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização


permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos
consensuais de solução de conflitos;
VI - propor ao Tribunal a realização de convênios e parcerias com entes
públicos e privados para atender aos fins desta Resolução;
VII - criar e manter cadastro de mediadores e conciliadores, de forma a
regulamentar o processo de inscrição e de desligamento; (Incluído pela Emenda nº
2 de, 08.03.16)
VIII - regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e
mediadores, nos termos do art. 169 do Novo Código de Processo Civil combinado
com o art. 13 da Lei de Mediação. (Incluído pela Emenda nº 2 de, 08.03.16)
§ 1º A criação dos Núcleos e sua composição deverão ser informadas ao
Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º Os Núcleos poderão estimular programas de mediação comunitária,
desde que esses centros comunitários não se confundam com os Centros de
conciliação e mediação judicial, previstos no Capítulo III, Seção II.
§ 3º Na hipótese de conciliadores, mediadores e Câmaras Privadas de
Conciliação e Mediação credenciadas perante o Poder Judiciário, os tribunais
deverão criar e manter cadastro ou aderir ao Cadastro Nacional de Mediadores
Judiciais e Conciliadores, de forma a regulamentar o processo de inscrição
e de desligamento desses facilitadores. (Redação dada pela Emenda nº 2, de
08.03.16)
§ 4º Os tribunais poderão, nos termos do art. 167, § 6º, do Novo Código
de Processo Civil, excepcionalmente e desde que inexistente quadro suficiente de
conciliadores e mediadores judiciais atuando como auxiliares da justiça, optar por
formar quadro de conciliadores e mediadores admitidos mediante concurso público
de provas e títulos. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 5º Nos termos do art. 169, § 1°, do Novo Código de Processo Civil, a
Mediação e a Conciliação poderão ser realizadas como trabalho voluntário. (Incluído
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 6º Aos mediadores e conciliadores, inclusive membros das Câmaras
Privadas de Conciliação, aplicam-se as regras de impedimento e suspeição, nos
termos do disposto no art. 134, IV, do Código de Processo Civil de 1973; no art. 148,

108
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

II, do Código de Processo Civil de 2015 e na Resolução CNJ 200/2015. (Incluído pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 7º Nos termos do art. 172 do Código de Processo Civil de 2015, o conciliador
e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da
última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer
das partes. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

SEÇÃO II
DOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA

Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução


de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário,
preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências
de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem
como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 2,
de 08.03.16)
§ 1º As sessões de conciliação e mediação pré-processuais deverão ser
realizadas nos Centros, podendo, as sessões de conciliação e mediação judiciais,
excepcionalmente, serem realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas
designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores cadastrados pelo
tribunal (inciso VII do art. 7º) e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro
(art. 9°). (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 2º Nos tribunais de Justiça, os Centros deverão ser instalados nos locais
onde existam 2 (dois) Juízos, Juizados ou Varas com competência para realizar
audiência, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil. (Redação dada
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 3º Os tribunais poderão, enquanto não instalados os Centros nas Comarcas,
Regiões, Subseções Judiciárias e nos Juízos do interior dos estados, implantar o
procedimento de Conciliação e Mediação itinerante, utilizando-se de Conciliadores e
Mediadores cadastrados. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 4º Nos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, é facultativa
a implantação de Centros onde exista um Juízo, Juizado, Vara ou Subseção desde
que atendidos por centro regional ou itinerante, nos termos do parágrafo anterior.
(Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

109
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 5º Nas Comarcas das Capitais dos Estados bem como nas Comarcas do
interior, Subseções e Regiões Judiciárias, o prazo para a instalação dos Centros será
concomitante à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil. (Redação dada
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 6º Os tribunais poderão, excepcionalmente, estender os serviços do
Centro a unidades ou órgãos situados em outros prédios, desde que próximos
daqueles referidos no § 2º, podendo, ainda, instalar Centros Regionais, enquanto
não instalados Centros nos termos referidos no § 2º, observada a organização
judiciária local. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 7º O coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
poderá solicitar feitos de outras unidades judiciais com o intuito de organizar pautas
concentradas ou mutirões, podendo, para tanto, fixar prazo.
§ 8º Para efeito de estatística de produtividade, as sentenças homologatórias
prolatadas em processos encaminhados de ofício ou por solicitação ao Centro
Judiciário de Conflitos e Cidadania reverterão ao juízo de origem, e as sentenças
decorrentes da atuação pré-processual ao coordenador do Centro. (Redação dada
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 9º Para efeito de estatística referida no art. 167, § 4º, do Novo Código de
Processo Civil, os tribunais disponibilizarão às partes a opção de avaliar Câmaras,
conciliadores e mediadores, segundo parâmetros estabelecidos pelo Comitê Gestor
da Conciliação. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 10. O Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores conterá
informações referentes à avaliação prevista no parágrafo anterior para facilitar a
escolha de mediadores, nos termos do art. 168, caput, do Novo Código de Processo Civil
combinado com o art. 25 da Lei de Mediação. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 9º Os Centros contarão com 1 (um) juiz coordenador e, se necessário,
com 1 (um) adjunto, aos quais caberão a sua administração e a homologação de
acordos, bem como a supervisão do serviço de conciliadores e mediadores. Salvo
disposição diversa em regramento local, os magistrados da Justiça Estadual e da
Justiça Federal serão designados pelo Presidente de cada tribunal dentre aqueles
que realizaram treinamento segundo o modelo estabelecido pelo CNJ, conforme
Anexo I desta Resolução. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 1º Caso o Centro atenda a grande número de Juízos, Juizados, Varas ou
Região, o respectivo juiz coordenador poderá ficar designado exclusivamente para
sua administração. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

110
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

§ 2º Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais deverão


assegurar que nos Centros atue ao menos 1 (um) servidor com dedicação exclusiva,
capacitado em métodos consensuais de solução de conflitos, para a triagem e
encaminhamento adequado de casos. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 3º O treinamento dos servidores referidos no parágrafo anterior deverá
observar as diretrizes estabelecidas pelo CNJ conforme Anexo I desta Resolução.
Art. 10. Cada unidade dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania deverá obrigatoriamente abranger setor de solução de conflitos pré-
processual, de solução de conflitos processual e de cidadania. (Redação dada pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 11. Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público,
defensores públicos, procuradores e/ou advogados.

SEÇÃO III
DOS CONCILIADORES E MEDIADORES

Art. 12. Nos Centros, bem como todos os demais órgãos judiciários nos
quais se realizem sessões de conciliação e mediação, somente serão admitidos
mediadores e conciliadores capacitados na forma deste ato (Anexo I), cabendo aos
Tribunais, antes de sua instalação, realizar o curso de capacitação, podendo fazê-lo
por meio de parcerias. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
§ 1º Os tribunais que já realizaram a capacitação referida no caput
poderão dispensar os atuais mediadores e conciliadores da exigência do certificado
de conclusão do curso de capacitação, mas deverão disponibilizar cursos de
treinamento e aperfeiçoamento, na forma do Anexo I, como condição prévia de
atuação nos Centros. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 2º Todos os conciliadores, mediadores e outros especialistas em métodos
consensuais de solução de conflitos deverão submeter-se a aperfeiçoamento
permanente e a avaliação do usuário. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 3º Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de
mediadores e conciliadores deverão observar as diretrizes curriculares estabelecidas
pelo CNJ (Anexo I) e deverão ser compostos necessariamente de estágio
supervisionado. Somente deverão ser certificados mediadores e conciliadores que
tiverem concluído o respectivo estágio supervisionado. (Redação dada pela Emenda
nº 2, de 08.03.16)

111
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 4º Os mediadores, conciliadores e demais facilitadores de diálogo entre


as partes ficarão sujeitos ao código de ética estabelecido nesta Resolução (Anexo
III). (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 5º Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, do Novo Código de Processo
Civil, o conciliador e o mediador receberão, pelo seu trabalho, remuneração prevista
em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pela Comissão
Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania ad referendum do plenário. (Incluído
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

SEÇÃO III"A
Dos Fóruns de Coordenadores de Núcleos
(Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

Art. 12-A. Os Presidentes de Tribunais de Justiça e de Tribunais Regionais


Federais deverão indicar um magistrado para coordenar o respectivo Núcleo e
representar o tribunal no respectivo Fórum de Coordenadores de Núcleos. (Incluído
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 1º Os Fóruns de Coordenadores de Núcleos deverão se reunir de acordo
com o segmento da justiça. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
§ 2º Os enunciados dos Fóruns da Justiça Estadual e da Justiça Federal terão
aplicabilidade restrita ao respectivo segmento da justiça e, uma vez aprovados pela
Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania ad referendum do Plenário,
integrarão, para fins de vinculatividade, esta Resolução. (Incluído pela Emenda nº
2, de 08.03.16)
§ 3º O Fórum da Justiça Federal será organizado pelo Conselho da Justiça
Federal, podendo contemplar em seus objetivos outras matérias. (Incluído pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 12-B. Os Fóruns de Coordenadores de Núcleos poderão estabelecer diretrizes
específicas aos seus segmentos, entre outras: (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
I - o âmbito de atuação de conciliadores face ao Novo Código de Processo
Civil; (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
II - a estrutura necessária dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania para cada segmento da justiça; (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

112
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

III - o estabelecimento de conteúdos programáticos para cursos de


conciliação e mediação próprios para a atuação em áreas específicas, como
previdenciária, desapropriação, sistema financeiro de habitação entre outras,
respeitadas as diretrizes curriculares estabelecidas no Anexo I. (Incluído pela
Emenda nº 2, de 08.03.16)

SEÇÃO III"B
DAS CÂMARAS PRIVADAS DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO
(Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

Art. 12-C. As Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação ou órgãos


semelhantes, bem como seus mediadores e conciliadores, para que possam realizar
sessões de mediação ou conciliação incidentes a processo judicial, devem ser
cadastradas no tribunal respectivo (art.167 do Novo Código de Processo Civil) ou
no Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores, ficando sujeitas aos
termos desta Resolução. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Parágrafo único. O cadastramento é facultativo para realização de sessões
de mediação ou conciliação pré-processuais. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 12-D. Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas
que deverão ser suportadas pelas Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, com o fim
de atender aos processos em que foi deferida a gratuidade da justiça, como contrapartida
de seu credenciamento (art.169, § 2º, do Novo Código de Processo Civil), respeitados
os parâmetros definidos pela Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania ad
referendum do plenário. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 12-E. As Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação e os demais
órgãos cadastrados ficam sujeitos à avaliação prevista no art. 8º, § 9º, desta
Resolução. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Parágrafo único. A avaliação deverá refletir a média aritmética de
todos os mediadores e conciliadores avaliados, inclusive daqueles que atuaram
voluntariamente, nos termos do art. 169, § 2º, do Novo Código de Processo Civil.
(Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 12-F. Fica vedado o uso de brasão e demais signos da República
Federativa do Brasil pelos órgãos referidos nesta Seção, bem como a denominação
de “tribunal” ou expressão semelhante para a entidade e a de “Juiz” ou equivalente
para seus membros. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

113
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

SEÇÃO IV
DOS DADOS ESTATÍSTICOS

Art. 13. Os tribunais deverão criar e manter banco de dados sobre as


atividades de cada Centro, nos termos de Resolução própria do CNJ. (Redação dada
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 14. Caberá ao CNJ compilar informações sobre os serviços públicos de solução
consensual das controvérsias existentes no país e sobre o desempenho de cada um deles,
por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), mantendo permanentemente
atualizado o banco de dados. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

CAPÍTULO IV
DO PORTAL DA CONCILIAÇÃO

Art. 15. Fica criado o Portal da Conciliação, a ser disponibilizado no sítio do


CNJ na rede mundial de computadores, com as seguintes funcionalidades, entre
outras: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
I - publicação das diretrizes da capacitação de conciliadores e mediadores
e de seu código de ética;
II - relatório gerencial do programa, por tribunal, detalhado por unidade
judicial e por Centro, com base nas informações referidas no art. 13. (Redação dada
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
III - compartilhamento de boas práticas, projetos, ações, artigos, pesquisas
e outros estudos;
IV - fórum permanente de discussão, facultada a participação da sociedade civil;
V - divulgação de notícias relacionadas ao tema;
VI - relatórios de atividades da “Semana da Conciliação”.
Parágrafo único. A implementação do Portal será gradativa, observadas as
possibilidades técnicas, sob a responsabilidade do CNJ.

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 16. O disposto na presente Resolução não prejudica a continuidade de


programas similares já em funcionamento, cabendo aos Tribunais, se necessário,
adaptá-los aos termos deste ato. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)

114
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Parágrafo único. Em relação aos Núcleos e Centros, os Tribunais poderão


utilizar siglas e denominações distintas das referidas nesta Resolução, desde que
mantidas as suas atribuições previstas no Capítulo III.
Art. 17. Compete à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, com o apoio
da Comissão de Acesso ao Sistema de Justiça e Responsabilidade Social, coordenar
as atividades da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos
de interesses, cabendo-lhe instituir, regulamentar e presidir o Comitê Gestor da
Conciliação, que será responsável pela implementação e acompanhamento das
medidas previstas neste ato.
Art. 18. Os Anexos integram esta Resolução e possuem caráter vinculante.
(Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
Art. 18-A. O Sistema de Mediação Digital ou a distância e o Cadastro Nacional
de Mediadores Judiciais e Conciliadores deverão estar disponíveis ao público no início
de vigência da Lei de Mediação. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 18-B. O CNJ editará resolução específica dispondo sobre a Política
Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses da Justiça do
Trabalho. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 18-C. Os tribunais encaminharão ao CNJ, no prazo de 30 dias, plano de
implantação desta Resolução, inclusive quanto à implantação de centros. (Incluído
pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 19. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,
ressalvados os dispositivos regulamentados pelo Novo Código de Processo Civil,
que seguem sua vigência. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

Ministro CEZAR PELUSO

115
ANEXO B & LEI Nº 13.140/2016 & #LEI DA MEDIAÇÃO$

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO DE 2015.


Dispõe sobre a mediação entre
particulares como meio de solução de
controvérsias e sobre a autocomposição
Vigência de conflitos no âmbito da administração
pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de
julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6
de março de 1972; e revoga o § 2o do art.
6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de
controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito
da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia
e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

CAPÍTULO
DA MEDIAÇÃO

SEÇÃO I
Disposições Gerais

Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:


I - imparcialidade do mediador;
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

II - isonomia entre as partes;


III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes;
VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade;
VIII - boa-fé.
§ 1º Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as
partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação.
§ 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.
Art. 3º Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos
disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.
§ 1º A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele.
§ 2º O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas
transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

SEÇÃO II
DOS MEDIADORES

Subseção I
Disposições Comuns
Art. 4º O mediador será designado pelo tribunal ou escolhido pelas partes.
§ 1º O mediador conduzirá o procedimento de comunicação entre as
partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito.
§ 2º Aos necessitados será assegurada a gratuidade da mediação.
Art. 5º Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento
e suspeição do juiz.
Parágrafo único. A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever
de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância
que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o
conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas.
Art. 6º O mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do
término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar
qualquer das partes.

117
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Art. 7º O mediador não poderá atuar como árbitro nem funcionar como
testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha
atuado como mediador.
Art. 8º O mediador e todos aqueles que o assessoram no procedimento de
mediação, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, são equiparados
a servidor público, para os efeitos da legislação penal.

Subseção II
Dos Mediadores Extrajudiciais
Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa
capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação,
independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou
associação, ou nele inscrever-se.
Art. 10. As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores
públicos.
Parágrafo único. Comparecendo uma das partes acompanhada de
advogado ou defensor público, o mediador suspenderá o procedimento, até que
todas estejam devidamente assistidas.

Subseção III
Dos Mediadores Judiciais
Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há
pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo
Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição
de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os
requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto
com o Ministério da Justiça.
Art. 12. Os tribunais criarão e manterão cadastros atualizados dos
mediadores habilitados e autorizados a atuar em mediação judicial.
§ 1º A inscrição no cadastro de mediadores judiciais será requerida pelo
interessado ao tribunal com jurisdição na área em que pretenda exercer a mediação.
§ 2º Os tribunais regulamentarão o processo de inscrição e desligamento
de seus mediadores.

118
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 13. A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos
tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no § 2o do art. 4o desta Lei.

SEÇÃO III
DO PROCEDIMENTO DE MEDIAÇÃO

Subseção I
Disposições Comuns
Art. 14. No início da primeira reunião de mediação, e sempre que
julgar necessário, o mediador deverá alertar as partes acerca das regras de
confidencialidade aplicáveis ao procedimento.
Art. 15. A requerimento das partes ou do mediador, e com anuência
daquelas, poderão ser admitidos outros mediadores para funcionarem no
mesmo procedimento, quando isso for recomendável em razão da natureza e da
complexidade do conflito.
Art. 16. Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes
poderão submeter-se à mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbitro
a suspensão do processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio.
§ 1º É irrecorrível a decisão que suspende o processo nos termos requeridos
de comum acordo pelas partes.
§ 2º A suspensão do processo não obsta a concessão de medidas de
urgência pelo juiz ou pelo árbitro.
Art. 17. Considera-se instituída a mediação na data para a qual for marcada
a primeira reunião de mediação.
Parágrafo único. Enquanto transcorrer o procedimento de mediação, ficará
suspenso o prazo prescricional.
Art. 18. Iniciada a mediação, as reuniões posteriores com a presença das
partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência.
Art. 19. No desempenho de sua função, o mediador poderá reunir-se
com as partes, em conjunto ou separadamente, bem como solicitar das partes as
informações que entender necessárias para facilitar o entendimento entre aquelas.
Art. 20. O procedimento de mediação será encerrado com a lavratura do
seu termo final, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos
esforços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse
sentido ou por manifestação de qualquer das partes.

119
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Parágrafo único. O termo final de mediação, na hipótese de celebração de


acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente,
título executivo judicial.

Subseção II
Da Mediação Extrajudicial
Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial
poderá ser feito por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo
proposto para a negociação, a data e o local da primeira reunião.
Parágrafo único. O convite formulado por uma parte à outra considerar-
se-á rejeitado se não for respondido em até trinta dias da data de seu recebimento.
Art. 22. A previsão contratual de mediação deverá conter, no mínimo:
I - prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de
mediação, contado a partir da data de recebimento do convite;
II - local da primeira reunião de mediação;
III - critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação;
IV - penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à
primeira reunião de mediação.
§ 1º A previsão contratual pode substituir a especificação dos itens acima
enumerados pela indicação de regulamento, publicado por instituição idônea
prestadora de serviços de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha
do mediador e realização da primeira reunião de mediação.
§ 2º Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os
seguintes critérios para a realização da primeira reunião de mediação:
I - prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três meses, contados
a partir do recebimento do convite;
II - local adequado a uma reunião que possa envolver informações
confidenciais;
III - lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais
de mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente,
qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste,
considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista;
IV - o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de
mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas

120
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral


ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.
§ 3º Nos litígios decorrentes de contratos comerciais ou societários que
não contenham cláusula de mediação, o mediador extrajudicial somente cobrará
por seus serviços caso as partes decidam assinar o termo inicial de mediação e
permanecer, voluntariamente, no procedimento de mediação.
Art. 23. Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se
comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante
certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz
suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou
até o implemento dessa condição.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em
que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito.

Subseção III
Da Mediação Judicial
Art. 24. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de
conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e
mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
Parágrafo único. A composição e a organização do centro serão definidas
pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 25. Na mediação judicial, os mediadores não estarão sujeitos à prévia
aceitação das partes, observado o disposto no art. 5o desta Lei.
Art. 26. As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores
públicos, ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis nos 9.099, de 26 de setembro
de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.
Parágrafo único. Aos que comprovarem insuficiência de recursos será
assegurada assistência pela Defensoria Pública.
Art. 27. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o
caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de mediação.
Art. 28. O procedimento de mediação judicial deverá ser concluído em
até sessenta dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum
acordo, requererem sua prorrogação.

121
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Parágrafo único. Se houver acordo, os autos serão encaminhados ao juiz,


que determinará o arquivamento do processo e, desde que requerido pelas partes,
homologará o acordo, por sentença, e o termo final da mediação e determinará o
arquivamento do processo.
Art. 29. Solucionado o conflito pela mediação antes da citação do réu, não
serão devidas custas judiciais finais.

SEÇÃO IV
DA CONFIDENCIALIDADE E SUAS EXCEÇÕES

Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação


será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em
processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma
diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento
de acordo obtido pela mediação.
§ 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus
prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança
que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação,
alcançando:
I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por
uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito;
II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do
procedimento de mediação;
III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo
mediador;
IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de
mediação.
§ 2º A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não
será admitida em processo arbitral ou judicial.
§ 3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação
relativa à ocorrência de crime de ação pública.
§ 4º A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas
discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o
termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem

122
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão
privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente
autorizado.

CAPÍTULO II
DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS EM QUE FOR PARTE
PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO

SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES COMUNS

Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão


criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos
respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por
meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de
direito público;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de
conduta.
§ 1º O modo de composição e funcionamento das câmaras de que trata o
caput será estabelecido em regulamento de cada ente federado.
§ 2º A submissão do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e
será cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado.
§ 3º Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo e
constituirá título executivo extrajudicial.
§ 4º Não se incluem na competência dos órgãos mencionados no caput
deste artigo as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou
concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.
§ 5º Compreendem-se na competência das câmaras de que trata o caput a
prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro
de contratos celebrados pela administração com particulares.
123
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Art. 33. Enquanto não forem criadas as câmaras de mediação, os conflitos


poderão ser dirimidos nos termos do procedimento de mediação previsto na
Subseção I da Seção III do Capítulo I desta Lei.

Parágrafo único. A Advocacia Pública da União, dos Estados, do Distrito


Federal e dos Municípios, onde houver, poderá instaurar, de ofício ou mediante
provocação, procedimento de mediação coletiva de conflitos relacionados à
prestação de serviços públicos.

Art. 34. A instauração de procedimento administrativo para a resolução


consensual de conflito no âmbito da administração pública suspende a prescrição.
§ 1º Considera-se instaurado o procedimento quando o órgão ou entidade
pública emitir juízo de admissibilidade, retroagindo a suspensão da prescrição à
data de formalização do pedido de resolução consensual do conflito.
§ 2º Em se tratando de matéria tributária, a suspensão da prescrição deverá
observar o disposto na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário
Nacional.

SEÇÃO II
DOS CONFLITOS ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
FEDERAL DIRETA, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES

Art. 35. As controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública


federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por
adesão, com fundamento em:
I - autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência
pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou
II - parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da
República.
§ 1º Os requisitos e as condições da transação por adesão serão definidos
em resolução administrativa própria.
§ 2º Ao fazer o pedido de adesão, o interessado deverá juntar prova
de atendimento aos requisitos e às condições estabelecidos na resolução
administrativa.

124
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

§ 3º A resolução administrativa terá efeitos gerais e será aplicada aos casos


idênticos, tempestivamente habilitados mediante pedido de adesão, ainda que
solucione apenas parte da controvérsia.
§ 4º A adesão implicará renúncia do interessado ao direito sobre o qual
se fundamenta a ação ou o recurso, eventualmente pendentes, de natureza
administrativa ou judicial, no que tange aos pontos compreendidos pelo objeto da
resolução administrativa.
§ 5º Se o interessado for parte em processo judicial inaugurado por ação
coletiva, a renúncia ao direito sobre o qual se fundamenta a ação deverá ser
expressa, mediante petição dirigida ao juiz da causa.
§ 6º A formalização de resolução administrativa destinada à transação por
adesão não implica a renúncia tácita à prescrição nem sua interrupção ou suspensão.

Art. 36. No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre


órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal,
a Advocacia-Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito,
observados os procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.
§ 1º Na hipótese do caput, se não houver acordo quanto à controvérsia
jurídica, caberá ao Advogado-Geral da União dirimi-la, com fundamento na
legislação afeta.
§ 2º Nos casos em que a resolução da controvérsia implicar o
reconhecimento da existência de créditos da União, de suas autarquias e fundações
em face de pessoas jurídicas de direito público federais, a Advocacia-Geral da União
poderá solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a adequação
orçamentária para quitação das dívidas reconhecidas como legítimas.
§ 3º A composição extrajudicial do conflito não afasta a apuração de
responsabilidade do agente público que deu causa à dívida, sempre que se verificar
que sua ação ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar.
§ 4º Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida
em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de
Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa
do juiz da causa ou do Ministro Relator.

Art. 37. É facultado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, suas
autarquias e fundações públicas, bem como às empresas públicas e sociedades

125
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

de economia mista federais, submeter seus litígios com órgãos ou entidades da


administração pública federal à Advocacia-Geral da União, para fins de composição
extrajudicial do conflito.

Art. 38. Nos casos em que a controvérsia jurídica seja relativa a tributos
administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em
dívida ativa da União:
I - não se aplicam as disposições dos incisos II e III do caput do art. 32;
II - as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias
que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços em regime de concorrência não poderão exercer a faculdade
prevista no art. 37;
III - quando forem partes as pessoas a que alude o caput do art. 36:
a) a submissão do conflito à composição extrajudicial pela Advocacia-Geral
da União implica renúncia do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais;
b) a redução ou o cancelamento do crédito dependerá de manifestação
conjunta do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado da Fazenda.

Parágrafo único. O disposto no inciso II e na alínea a do inciso III não afasta


a competência do Advogado-Geral da União prevista nos incisos X e XI do art. 4º da
Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Art. 39. A propositura de ação judicial em que figurem concomitantemente


nos polos ativo e passivo órgãos ou entidades de direito público que integrem a
administração pública federal deverá ser previamente autorizada pelo Advogado-
Geral da União.

Art. 40. Os servidores e empregados públicos que participarem do processo


de composição extrajudicial do conflito, somente poderão ser responsabilizados
civil, administrativa ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem
qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção
por terceiro, ou para tal concorrerem.

126
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 41. A Escola Nacional de Mediação e Conciliação, no âmbito do


Ministério da Justiça, poderá criar banco de dados sobre boas práticas em mediação,
bem como manter relação de mediadores e de instituições de mediação.

Art. 42. Aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais
de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e
àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas
competências.

Parágrafo único. A mediação nas relações de trabalho será regulada por lei
própria.

Art. 43. Os órgãos e entidades da administração pública poderão criar


câmaras para a resolução de conflitos entre particulares, que versem sobre
atividades por eles reguladas ou supervisionadas.

Art. 44. Os arts. 1o e 2o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, passam a


vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º O Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação,


e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o
dirigente estatutário da área afeta ao assunto, poderão autorizar a realização de
acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais.
§ 1º Poderão ser criadas câmaras especializadas, compostas por servidores
públicos ou empregados públicos efetivos, com o objetivo de analisar e formular
propostas de acordos ou transações.
§ 3º Regulamento disporá sobre a forma de composição das câmaras de
que trata o § 1º, que deverão ter como integrante pelo menos um membro efetivo
da Advocacia-Geral da União ou, no caso das empresas públicas, um assistente
jurídico ou ocupante de função equivalente.

127
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 4º Quando o litígio envolver valores superiores aos fixados em


regulamento, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia
e expressa autorização do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado a cuja
área de competência estiver afeto o assunto, ou ainda do Presidente da Câmara
dos Deputados, do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, de Tribunal ou
Conselho, ou do Procurador-Geral da República, no caso de interesse dos órgãos
dos Poderes Legislativo e Judiciário ou do Ministério Público da União, excluídas as
empresas públicas federais não dependentes, que necessitarão apenas de prévia e
expressa autorização dos dirigentes de que trata o caput.
§ 5º Na transação ou acordo celebrado diretamente pela parte ou por
intermédio de procurador para extinguir ou encerrar processo judicial, inclusive os
casos de extensão administrativa de pagamentos postulados em juízo, as partes
poderão definir a responsabilidade de cada uma pelo pagamento dos honorários
dos respectivos advogados.” (NR)
“Art. 2º O Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral Federal, o
Procurador-Geral do Banco Central do Brasil e os dirigentes das empresas públicas
federais mencionadas no caput do art. 1º poderão autorizar, diretamente ou
mediante delegação, a realização de acordos para prevenir ou terminar, judicial
ou extrajudicialmente, litígio que envolver valores inferiores aos fixados em
regulamento.
§ 1º No caso das empresas públicas federais, a delegação é restrita a
órgão colegiado formalmente constituído, composto por pelo menos um dirigente
estatutário.
§ 2º O acordo de que trata o caput poderá consistir no pagamento do débito
em parcelas mensais e sucessivas, até o limite máximo de sessenta.
§ 3º O valor de cada prestação mensal, por ocasião do pagamento, será
acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação
e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a
partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento
e de um por cento relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo
efetuado.
§ 4º Inadimplida qualquer parcela, após trinta dias, instaurar-se-á o
processo de execução ou nele prosseguir-se-á, pelo saldo.” (NR)

128
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 45. O Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, passa a vigorar


acrescido do seguinte art. 14-A:
“Art. 14-A. No caso de determinação e exigência de créditos tributários da
União cujo sujeito passivo seja órgão ou entidade de direito público da administração
pública federal, a submissão do litígio à composição extrajudicial pela Advocacia-
Geral da União é considerada reclamação, para fins do disposto no inciso III do art.
151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.”

Art. 46. A mediação poderá ser feita pela internet ou por outro meio de
comunicação que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de
acordo.

Parágrafo único. É facultado à parte domiciliada no exterior submeter-se à


mediação segundo as regras estabelecidas nesta Lei.

Art. 47. Esta Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua
publicação oficial.

Art. 48. Revoga-se o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.

Brasília, 26 de junho de 2015; 194o da Independência e 127º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Joaquim Vieira Ferreira Levy
Nelson Barbosa
Luís Inácio Lucena Adams
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.6.2015

129
ANEXO C & DISPOSITIVOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Presidência da República Casa Civil


Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 13.105, DE16 DE MARÇO DE 2015. Mensagem de veto


Vigência Código de Processo Civil.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

PARTE GERAL

LIVRO I
DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS

TÍTULO ÚNICO
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS
PROCESSUAIS

CAPÍTULO I
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme


os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por


impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.


§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral


do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-


se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se


obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Parágrafo único. O juiz poderá nomear um ou mais prepostos por indicação
do depositário ou do administrador.

Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que,


por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada,
mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.

Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos


causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por
ato atentatório à dignidade da justiça.

SEÇÃO IV
DO INTÉRPRETE E DO TRADUTOR

Art. 162. O juiz nomeará intérprete ou tradutor quando necessário para:


I - traduzir documento redigido em língua estrangeira;
II - verter para o português as declarações das partes e das testemunhas
que não conhecerem o idioma nacional;

131
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

III - realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e


testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua
Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado.

Art. 163. Não pode ser intérprete ou tradutor quem:


I - não tiver a livre administração de seus bens;
II - for arrolado como testemunha ou atuar como perito no processo;
III - estiver inabilitado para o exercício da profissão por sentença penal
condenatória, enquanto durarem seus efeitos.

Art. 164. O intérprete ou tradutor, oficial ou não, é obrigado a desempenhar


seu ofício, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 157 e 158.

SEÇÃO V
DOS CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS

Art. 165. OS TRIBUNAIS CRIARÃO CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO


CONSENSUAL DE CONFLITOS,
RESPONSÁVEIS PELA REALIZAÇÃO DE SESSÕES E AUDIÊNCIAS DE
CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO E PELO
DESENVOLVIMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS A AUXILIAR,
ORIENTAR E ESTIMULAR A AUTOCOMPOSIÇÃO.
§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo
respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não
houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que
as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver
vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões
e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento
da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem
benefícios mútuos.

132
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da


independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade,
da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
§ 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no
curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele
previsto por expressa deliberação das partes.
§ 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o
mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor
acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.
§ 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de
proporcionar ambiente favorável à autocomposição.
§ 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia
dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.

Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de


conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro
de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de
profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 1º Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso
realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo
Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador
ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no
cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.
§ 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o
tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde
atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe
a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória,
respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.
§ 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e
mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como
o número de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a
matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal
julgar relevantes.

133
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3o serão classificados sistematicamente


pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da
população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das
câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.
§ 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do
caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que
desempenhem suas funções.
§ 6º O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores
e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas
as disposições deste Capítulo.

Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o


mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.
§ 1º O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar
cadastrado no tribunal.
§ 2º Inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador,
haverá distribuição entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a
respectiva formação.
§ 3º Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um
mediador ou conciliador.

Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, o conciliador e o mediador


receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal,
conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
§ 1º A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho
voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal.
§ 2º Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas
que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação,
com o fim de atender aos processos em que deferida gratuidade da justiça, como
contrapartida de seu credenciamento.

Art. 170. No caso de impedimento, o conciliador ou mediador o comunicará


imediatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolverá os autos ao juiz do
processo ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos, devendo
este realizar nova distribuição.

134
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Parágrafo único. Se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado


o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com relatório do
ocorrido e solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador.

Art. 171. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o


conciliador ou mediador informará o fato ao centro, preferencialmente por meio
eletrônico, para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja
novas distribuições

Art. 172. O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1


(um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar,
representar ou patrocinar qualquer das partes.

Art. 173. Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele


que:
I - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob
sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1º
e 2º;
II - atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido
ou suspeito.
§ 1º Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo
administrativo.
§ 2º O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e
mediação, se houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador,
poderá afastá-lo de suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão
fundamentada, informando o fato imediatamente ao tribunal para instauração do
rectivo processo administrativo.

Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão


câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução
consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:
I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração
pública;

135
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio


de conciliação, no âmbito da administração pública;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de
conduta.

Art. 175. As disposições desta Seção não excluem outras formas de


conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas
por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas
por lei específica.

Parágrafo único. Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às


câmaras privadas de conciliação e mediação.

TÍTULO V
DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 176. O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do


regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis.

Art. 177. O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade


com suas atribuições constitucionais.

Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta)


dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na
Constituição Federal e nos processos que envolvam:
I - interesse público ou social;
II - interesse de incapaz;
III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si
só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

Art. 179. Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o


Ministério Público:
§ 1º Quando houver mais de um réu, o dia do começo do prazo para contestar
corresponderá à última das datas a que se referem os incisos I a VI do caput.

136
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

§ 2º Havendo mais de um intimado, o prazo para cada um é contado


individualmente.
§ 3º Quando o ato tiver de ser praticado diretamente pela parte ou por quem,
de qualquer forma, participe do processo, sem a intermediação de representante
judicial, o dia do começo do prazo para cumprimento da determinação judicial
corresponderá à data em que se der a comunicação.
§ 4º Aplica-se o disposto no inciso II do caput à citação com hora certa.

Art. 232. Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de


ordem, a realização da citação ou da intimação será imediatamente informada, por
meio eletrônico, pelo juiz deprecado ao juiz deprecante.

SEÇÃO II DA VERIFICAÇÃO DOS PRAZOS E DAS PENALIDADES

Art. 233. Incumbe ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo


legítimo, os prazos estabelecidos em lei.
I - os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou
residências;
II - a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da
petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia,
ou para embargar a execução;
III - a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se
houver;
IV - se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado
de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação,
com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento;
V - a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela
provisória;
VI - a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que
o subscreve por ordem do juiz.

Art. 251. Incumbe ao oficial de justiça procurar o citando e, onde o encontrar,


citá-lo:
I - lendo-lhe o mandado e entregando-lhe a contrafé;

137
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

II - portando por fé se recebeu ou recusou a contrafé;


III - obtendo a nota de ciente ou certificando que o citando não a apôs no
mandado.

Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o
citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita
de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho
de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.

Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com


controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário
da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.

Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente


de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de
realizar a diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-
se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha
ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.
§ 2º A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família
ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a
pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com
qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
§ 4º O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será
nomeado curador especial se houver revelia.

Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria
enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data
da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica,
dando-lhe de tudo ciência.
II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de
mediação na forma do art. 334;

138
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 307. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor
presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro
de 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Contestado o pedido no prazo legal, observar-se-á o
procedimento comum.

Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser


formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado
nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo
do adiantamento de novas custas processuais.
§ 1º O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido
de tutela cautelar.
§ 2º A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do
pedido principal.
§ 3º Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a
audiência de conciliação ou de mediação, na forma doart. 334, por seus advogados
ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.
§ 4º Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado
na forma do art. 335.

Art. 309. Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:


I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;
II - não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;
III - o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou
extinguir o processo sem resolução de mérito.

Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar,


é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.

Art. 310. O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte


formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do
indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição.

139
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

TÍTULO III
DA TUTELA DA EVIDÊNCIA

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da


demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente
e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega
do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar
dúvida razoável.

SEÇÃO I DOS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL

Art. 319. A petição inicial indicará:


I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável,
a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro
Nacional da Pessoa
Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou
de mediação.

140
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

CAPÍTULO V
DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o


caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação
ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o
réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na
audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem
como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação,
não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão,
desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu
advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual;
II - quando não se admitir a autocomposição.
§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na
autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias
de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve
ser manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio
eletrônico, nos termos da lei.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de
conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado
com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da
causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou
defensores públicos.

141
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração


específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por
sentença.
§ 12. A PAUTA DAS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO
SERÁ ORGANIZADA DE MODO A
RESPEITAR O INTERVALO MÍNIMO DE 20 (VINTE) MINUTOS ENTRE O
INÍCIO DE UMA E O INÍCIO DA SEGUINTE.

CAPÍTULO VI
DA CONTESTAÇÃO

Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15


(quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de
conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver
autocomposição;
II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação
ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese doart. 334, § 4o,
inciso I;
III - prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos
demais casos.
§ 1º No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334,
§ 6o, o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de
apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência.
§ 2º Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4o, inciso II, havendo
litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado,
o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a
desistência.

Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa,


expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e
especificando as provas que pretende produzir.

142
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:


I - inexistência ou nulidade da citação;
II - incompetência absoluta e relativa;
III - incorreção do valor da causa;
IV - inépcia da petição inicial;
V - perempção;
VI - litispendência;
VII - coisa julgada;
§ 2º Reconhecida a competência do foro indicado pelo réu, o juízo para o
qual for distribuída a contestação ou a carta precatória será considerado prevento.
§ 3º Alegada a incompetência nos termos do caput, será suspensa a
realização da audiência de conciliação ou de mediação, se tiver sido designada.
§ 4º Definida a competência, o juízo competente designará nova data para
a audiência de conciliação ou de mediação.

Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as


alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não
impugnadas, salvo se:
I - não for admissível, a seu respeito, a confissão;
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação
consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a
qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito,
deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação
com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a
integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz
fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem
rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3o, as partes devem levar, para a audiência prevista, o
respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez),
sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.

143
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a


complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve
observar o disposto no art. 465e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário
para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma)
hora entre as audiências.

CAPÍTULO XI
DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Art. 358. No dia e na hora designados, o juiz declarará aberta a audiência de


instrução e julgamento e mandará apregoar as partes e os respectivos advogados,
bem como outras pessoas que dela devam participar.

Art. 359. Instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes,


independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual
de conflitos, como a mediação e a arbitragem.
Art. 360. O juiz exerce o poder de polícia, incumbindo-lhe:
I - manter a ordem e o decoro na audiência;
II - ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportarem
inconvenientemente;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a
perda da posse, na ação de reintegração.

Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá,


sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração,
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-
se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não


será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos
respectivos representantes judiciais.

144
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 563. Considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir


mandado de manutenção ou de reintegração.

Art. 564. Concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou de


reintegração, o autor promoverá, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a citação do réu
para, querendo, contestar a ação no prazo de 15 (quinze) dias.

Parágrafo único. Quando for ordenada a justificação prévia, o prazo para


contestar será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar.

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a


turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes
de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de
mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
§ 1º Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano,
a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação, nos
termos dos §§ 2º a 4º deste artigo.
§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência,
e a Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de
gratuidade da justiça.
§ 3º O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença
se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da
União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto
do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre
seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o
conflito possessório.
§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.

Art. 566. Aplica-se, quanto ao mais, o procedimento comum.

SEÇÃO III DO INTERDITO PROIBITÓRIO

Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho

145
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada


pena pecuniária caso transgrida o preceito.

Art. 568. Aplica-se ao interdito proibitório o disposto na Seção II deste


Capítulo.

Art. 684. Se um dos opostos reconhecer a procedência do pedido, contra o


outro prosseguirá o opoente.

Art. 685. Admitido o processamento, a oposição será apensada aos autos


e tramitará simultaneamente à ação originária, sendo ambas julgadas pela mesma
sentença.

Parágrafo único. Se a oposição for proposta após o início da audiência de


instrução, o juiz suspenderá o curso do processo ao fim da produção das provas,
salvo se concluir que a unidade da instrução atende melhor ao princípio da duração
razoável do processo.

Art. 686. Cabendo ao juiz decidir simultaneamente a ação originária e a


oposição, desta conhecerá em primeiro lugar.

CAPÍTULO IX
DA HABILITAÇÃO

Art. 687. A habilitação ocorre quando, por falecimento de qualquer das


partes, os interessados houverem de suceder-lhe no processo.

Art. 688. A habilitação pode ser requerida:


I - pela parte, em relação aos sucessores do falecido;
II - pelos sucessores do falecido, em relação à parte.

Art. 689. Proceder-se-á à habilitação nos autos do processo principal, na


instância em que estiver, suspendendo-se, a partir de então, o processo.

146
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 690. Recebida a petição, o juiz ordenará a citação dos requeridos para
se pronunciarem no prazo de 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. A citação será pessoal, se a parte não tiver procurador
constituído nos autos.

Art. 691. O juiz decidirá o pedido de habilitação imediatamente, salvo


se este for impugnado e houver necessidade de dilação probatória diversa da
documental, caso em que determinará que o pedido seja autuado em apartado e
disporá sobre a instrução.

Art. 692. Transitada em julgado a sentença de habilitação, o processo


principal retomará o seu curso, e cópia da sentença será juntada aos autos respectivos.

CAPÍTULO X
DAS AÇÕES DE FAMÍLIA

Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos


de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda,
visitação e filiação.

Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de


criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação
específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.

Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a
solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais
de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.

Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a


suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial
ou a atendimento multidisciplinar.

Art. 695. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências


referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à
audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694.

147
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§ 1º O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência


e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o
direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo.
§ 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da
data designada para a audiência.
§ 3º A citação será feita na pessoa do réu.
§ 4º Na audiência, as partes deverão estar acompanhadas de seus
advogados ou de defensores públicos.

Art. 696. A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em


tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem
prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.

Art. 697. Não realizado o acordo, passarão a incidir, a partir de então, as


normas do procedimento comum, observado o art. 335.

Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá


quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação
de acordo.

Art. 699. Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a


abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá
estar acompanhado por especialista.

CAPÍTULO XI
DA AÇÃO MONITÓRIA

Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar,
com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do
devedor capaz:
I - o pagamento de quantia em dinheiro;
II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.
§ 1º A prova escrita pode consistir em prova oral documentada, produzida
antecipadamente nos termos do art. 381.

148
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

§ 2º Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso:


I - a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo;
II - o valor atual da coisa reclamada;
III - o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico
perseguido.
§ 3º O valor da causa deverá corresponder à importância prevista no § 2o,
incisos I a III.

Brasília, 16 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Jaques Wagner
Joaquim Vieira Ferreira Levy
Luís Inácio Lucena Adams
Este texto não substitui o publicado no DOU de 17.3.2015

149
ANEXO D & CÓDIGO DE ÉTICA DOS CONCILIADORES E MEDIADORES

ANEXO III –

RESOLUÇÃO 125/2010 - CNJ

CÓDIGO DE ÉTICA DE CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS

INTRODUÇÃO

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, a fim de assegurar o


desenvolvimento da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos e a
qualidade dos serviços de conciliação e mediação enquanto instrumentos efetivos de
pacificação social e de prevenção de litígios, institui o Código de Ética, norteado por
princípios que formam a consciência dos terceiros facilitadores, como profissionais,
e representam imperativos de sua conduta.

Dos princípios e garantias da conciliação e mediação judiciais

Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores


e mediadores judiciais: confidencialidade, competência, imparcialidade,
neutralidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis
vigentes.
§1º. Confidencialidade – Dever de manter sigilo sobre todas as informações
obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública
ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado
dos envolvidos, em qualquer hipótese;
§2º. Competência – Dever de possuir qualificação que o habilite à atuação
judicial, com capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem
periódica obrigatória para formação continuada;
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

§3º. Imparcialidade – Dever de agir com ausência de favoritismo, preferência


ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no
resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e
jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente;
§4º. Neutralidade – Dever de manter equidistância das partes, respeitando
seus pontos de vista, com atribuição de igual valor a cada um deles;
§5º. Independência e autonomia - Dever de atuar com liberdade, sem sofrer
qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper
a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento,
tampouco havendo obrigação de redigir acordo ilegal ou inexequível;
§6º. Respeito à ordem pública e às leis vigentes – Dever de velar para que eventual
acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes.

Das regras que regem o procedimento de conciliação/mediação

Art. 2º. As regras que regem o procedimento da conciliação/mediação são


normas de conduta a serem observadas pelos conciliadores/mediadores para seu bom
desenvolvimento, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à
sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido, sendo elas:
§1º. Informação - Dever de esclarecer os envolvidos sobre o método de
trabalho a ser empregado, apresentando-o de forma completa, clara e precisa,
informando sobre os princípios de ontológicos referidos no capítulo I, as regras de
conduta e as etapas do processo.
§2º. Autonomia da vontade – Dever de respeitar os diferentes pontos de
vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e
não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do
processo, podendo inclusive interrompê-lo a qualquer momento.
§3º. Ausência de obrigação de resultado – Dever de não forçar um acordo
e de não tomar decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da
conciliação, criar opções, que podem ou não ser acolhidas por eles.
§4º. Desvinculação da profissão de origem – Dever de esclarecer aos
envolvidos que atua desvinculado de sua profissão de origem, informando que,
caso seja necessária orientação ou aconselhamento afetos a qualquer área do
conhecimento poderá ser convocado para a sessão o profissional respectivo, desde
que com o consentimento de todos.

151
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§4º. Teste de realidade – Dever de assegurar que os envolvidos, ao


chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem
ser exeqüíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento.

Das responsabilidades e sanções do conciliador/mediador

Art. 3º. Apenas poderão exercer suas funções perante o Poder Judiciário
conciliadores e mediadores devidamente capacitados e cadastrados pelos tribunais, aos
quais competirá regulamentar o processo de inclusão e exclusão no respectivo cadastro.

Art. 4º. O conciliador/mediador deve exercer sua função com lisura,


respeitando os princípios e regras deste Código, assinando, para tanto, no início
do exercício, termo de compromisso e submetendo-se às orientações do juiz
coordenador da unidade a que vinculado;

Art. 5º. Aplicam-se aos conciliadores/mediadores os mesmos motivos


de impedimento e suspeição dos juízes, devendo, quando constatados, serem
informados aos envolvidos, com a interrupção da sessão e sua substituição.

Art. 6º. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o


conciliador/mediador deverá informar com antecedência ao responsável para que
seja providenciada sua substituição na condução das sessões.

Art. 7º. O conciliador/mediador fica absolutamente impedido de prestar


serviços profissionais, de qualquer natureza, pelo prazo de dois anos, aos envolvidos
em processo de conciliação/mediação sob sua condução.

Art. 8º. O descumprimento dos princípios e regras estabelecidos neste


Código, bem como a condenação definitiva em processo criminal, resultará na
exclusão do conciliador/mediador do respectivo cadastro e no impedimento para
atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário nacional.

Parágrafo único – Qualquer pessoa que venha a ter conhecimento de


conduta inadequada por parte do conciliador/mediador poderá representar ao Juiz
Coordenador a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis.

152
ANEXO E & RECOMENDAÇÃO Nº 50/2014

Recomendação Nº 50 de 08/05/2014

Ementa: Recomenda aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do


Trabalho e Tribunais Regionais Federais realização de estudos e de ações tendentes
a dar continuidade ao Movimento Permanente pela Conciliação.

Origem: Presidência

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso


de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle


da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela
observância do art. 37 da Constituição da República;

CONSIDERANDO que a eficiência operacional, o acesso ao sistema de


Justiça e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder Judiciário,
nos termos da Resolução CNJ n. 70, de 18 de março de 2009;

CONSIDERANDO os resultados positivos alcançados pelo Movimento


Permanente pela Conciliação, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto
de 2006, culminando com as Semanas Nacionais de Conciliação e a Resolução CNJ
n. 125 de 29 de novembro de 2010;

CONSIDERANDO a necessidade de se consolidar a política pública


permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de
solução e prevenção de litígios;
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no julgamento do


Procedimento de Competência de Comissão n. 0001566-23.2014.2.00.0000, na
186ª Sessão Ordinária deste Conselho, realizada em 8 de abril de 2014.

RESOLVE:

Art. 1º Recomendar aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais,


por meio de seus Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos, que:
I - adotem oficinas de parentalidade como política pública na resolução
e prevenção de conflitos familiares nos termos dos vídeos e das apresentações
disponibilizados no portal da Conciliação do CNJ;
II - estimulem os magistrados a encaminhar disputas para a mediação de
conflitos em demandas nas quais haja necessidade de preservação ou recomposição
de vínculo interpessoal ou social, não apenas decorrentes de relações familiares,
mas todos os afetos a direitos disponíveis;
III - apoiem práticas de empresas e de grandes litigantes que visem avaliar
o grau de satisfação do jurisdicionado nas audiências de conciliação como critério
de remuneração dos prepostos, em especial com a aplicação de formulários de
qualidade;
IV - acompanhem a satisfação do jurisdicionado nos encaminhamentos
de feitos a mediadores judiciais, nos termos da Resolução CNJ n. 125/2010, e a
mediadores privados nos termos do art. 139 do Código de Processo Civil;
V - certifiquem, somente após os estágios supervisionados, os cursos
de formação de conciliadores e mediadores judiciais, realizados diretamente ou
mediante credenciamento, pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos;
VI - organizem e administrem estágios supervisionados junto às unidades
jurisdicionais bem como junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania (Centros), aos participantes de cursos presenciais e à distância de conciliação
ou mediação judicial, que estejam seguindo as diretrizes pedagógicas do CNJ;
VII - indiquem os responsáveis pelos Centros em lista de discussão
coordenada pelo Comitê Permanente pela Conciliação para compartilhamento de
boas práticas de administração judiciária.

154
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 2º A presente Recomendação entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 3º Publique-se, inclusive no site do CNJ, e encaminhe-se cópia aos


Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios
para que providenciem ampla divulgação desta Recomendação.

Ministro Joaquim Barbosa


Presidente do Conselho Nacional de Justiça

155
ANEXO F & ENUNCIADOS DO FONAMEC

ENUNCIADOS DO FORUM NACIONAL DA MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

Semestralmente o Fórum Nacional da Mediação e Conciliação se reúne e


promove discussões objetivando levantar boas práticas que possam aprimorar o
exercício das funções desempenhadas por seus integrantes nos Estados de origem,
tendo por escopo aperfeiçoar cada vez mais os métodos consensuais de solução de
conflitos por meio de intercâmbio de experiências.

Estrutura do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania -


CEJUSC

ENUNCIADO nº 01 - O CEJUSC poderá ser instalado mediante parcerias


com entidades públicas e privadas, por meio da formalização de convênio entre o
TRIBUNAL DE JUSTIÇA e a entidade interessada.

ENUNCIADO nº 02 - O CEJUSC deverá contar com os setores pré-


processual, processual e de cidadania.

ENUNCIADO nº 03 - É viável a realização de sessão de conciliação ou


mediação por videoconferência, inclusive para prepostos.

ENUNCIADO nº 04 - O uso do sistema informatizado, onde disponível, será


obrigatório nos CEJUSC.

Funcionamento do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania

ENUNCIADO nº 05 - O setor pré-processual deverá receber reclamações


cíveis e de família.
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

ENUNCIADO nº 06 - O tratamento pré-processual do conflito terá


precedência a ações que induzam a judicialização de conflitos.

ENUNCIADO nº 07 - É viável a organização de rotinas de trabalho nas


áreas tributária, ambiental, criminal, fazendária e previdenciária, e matérias de
competência dos Juizados, tanto na área pré-processual como na área processual.

ENUNCIADO nº 08 - O Centro poderá realizar parcerias com entidades


públicas e privadas para a realização de exames de DNA para atendimento dos
setores pré-processual e processual.

ENUNCIADO nº 09 - Nas comarcas em que há jurisdição de competência


delegada da Justiça Federal, os CEJUSC da Justiça Estadual poderão elaborar
rotinas de trabalho para promoção da conciliação em processos previdenciários,
com a organização de evento com a presença de Procurador do INSS com poderes
para transigir, ainda que por videoconferência.

ENUNCIADO nº 10 - Os CEJUSC poderão elaborar rotinas de trabalho na área


de benefícios acidentários, com a organização de evento com a presença de Procurador
do INSS com poderes para transigir e de peritos, ainda que por videoconferência.

ENUNCIADO nº 11 - Os CEJUSC deverão fomentar e implantar a Oficina


de Divórcio e Parentalidade para tratamento adequado dos conflitos entre pais e
referentes à criação de filhos.

Setor de cidadania

ENUNCIADO nº 12 - No Setor de Cidadania serão disponibilizados serviços


de orientação e encaminhamento do cidadão quando se tratar de questões não
relacionadas à mediação.

ENUNCIADO nº 13 - O Setor de Cidadania poderá contar com parceria para


emissão de documentos como Registro Geral, Carteira de Trabalho, Título de Eleitor
e serviços perante os Cartórios de Registro Civil e Registro Imobiliário.

157
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

ENUNCIADO nº 14 - O Setor de Cidadania poderá contar com atendimento


na área de psicologia e assistência social, sendo que a atuação de tais profissionais
estará coberta pelo sigilo, razão porque vedada a realização de laudos ou avaliações
para utilização como prova em processo judicial.

ENUNCIADO nº 15 - No Setor de Cidadania poderão ser implantados


Projetos de cunho social, como a Oficina de Divórcio e Parentalidade, desenvolvida
em parceria com o CNJ.

ENUNCIADO nº 16 - O Setor de Cidadania poderá contar com atendimento


por parte da OAB e Defensoria Pública para orientação do cidadão ou seu
encaminhamento para assistência judiciária.

ENUNCIADO nº 17 - O Setor de Cidadania poderá ofertar serviços decorrentes


de convênios com a Prefeitura, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e o INSS.

ENUNCIADO nº 18 - O CEJUSC poderá realizar parceria com o PROCON


local para o encaminhamento e tratamento de conflitos consumeristas, em especial
para negociação de casos de superendividamento e renegociação de dívidas, com a
homologação dos acordos encaminhados ao setor pré-processual.

Do Procedimento Pré-processual nos CEJUSC

ENUNCIADO nº 19 - No CEJUSC não há custas processuais e limite de valor


da causa.

ENUNCIADO nº 20 - O Juiz Coordenador do CEJUSC poderá propor aos


grandes litigantes da comarca a realização de política pública de não judicialização de
conflitos através do seu tratamento preventivo em conciliação ou mediação prévia.

ENUNCIADO nº 21 - Nas sessões de conciliação ou mediação, inclusive


naquelas relacionadas ao Direito de Família, não é obrigatória a presença
de advogado, ante o caráter consensual do procedimento, embora deva ser
recomendada a sua presença.

158
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

ENUNCIADO nº 22 - No dia da sessão de conciliação ou mediação, as


partes deverão comparecer munidas dos seus documentos de identificação, bem
como dos documentos que tenham relação com o conflito, carta de preposição e
procuração, se o caso.

ENUNCIADO nº 23 - As sessões de conciliação e mediação do CEJUSC


poderão ser redesignadas pelo próprio conciliador/mediador até 2 (dois) meses,
podendo ultrapassar tal período justificadamente, ou quando alguma das partes
não compareceu devidamente munida com os documentos necessários para a
realização da sessão, ou ainda quando o Juiz ou Promotor solicitarem.

ENUNCIADO nº 24 - Em casos de família onde haja menor ou incapaz, o


Ministério Público deverá, obrigatoriamente, se manifestar sobre o acordo antes do
Juiz homologá-lo, sendo desnecessária a presença de advogado.

ENUNCIADO nº 25 - Os acordos obtidos na fase pré-processual serão


homologados pelo Juiz Coordenador do CEJUSC.

Do Procedimento Processual nos CEJUSC

ENUNCIADO nº 26 - Os acordos da fase processual serão homologados


pelo Juiz da Vara competente, computando-se na planilha de movimento judiciário
do CEJUSC a realização da audiência frutífera, e a sentença de homologação na
planilha da respectiva Vara.

ENUNCIADO nº 27 - No procedimento processual, o CEJUSC agendará


a sessão, devendo o processo ser devolvido à Vara competente para o ato de
intimação das partes e advogados.

ENUNCIADO nº 28 - A sessão de conciliação e/ou mediação será realizada


nos CEJUSC, conduzida por conciliador e/ou mediador capacitado ou, ainda em
coconciliação ou comediação, devendo o feito ser devolvido para a Vara de origem
para homologação do acordo ou seguimento do feito.

159
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Dos títulos executivos

ENUNCIADO nº 29 - Os acordos homologados nos CEJUSC no Setor Pré-


processual valerão como títulos executivos judiciais e poderão ser executados nos juízos
competentes para julgamento das causas originárias, mediante livre distribuição.

ENUNCIADO nº 30 - Os acordos homologados nos CEJUSC no Setor


Processual valerão como títulos executivos judiciais e deverão ser executados nos
juízos do feito em que foram constituídos, se for o caso.

Do quadro funcional do CEJUSC

ENUNCIADO nº 31 - O CEJUSC terá, no mínimo, um servidor concursado


com o cargo em comissão, que poderá ser indicado, desde logo, pelo Juiz
Coordenador do Centro. O servidor iniciará o exercício das suas funções e passará a
ser remunerado a partir da data da instalação do CEJUSC.

ENUNCIADO nº 32 - Em caso de ausência ou férias do chefe do CEJUSC,


deverá ser designado servidor para a chefia interina, em período integral e sem
acumulação de outras funções.

ENUNCIADO nº 33 - Os funcionários e estagiários cedidos pelos órgãos


parceiros receberão orientações do servidor e do Juiz Coordenador do CEJUSC, não
podendo substituir o servidor em sua ausência.

Dos mediadores e conciliadores

ENUNCIADO nº 34 - As sessões de conciliação e mediação são conduzidas


por Conciliadores e Mediadores capacitados ou em fase de adequação à capacitação
obrigatória (para os que já atuam no CEJUSC), nos moldes estabelecidos pela

Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.

ENUNCIADO nº 35 - A condução da conciliação e da mediação poderá ser,


ainda, por coconciliadores ou comediadores, que também deverão ter a capacitação
obrigatória.

160
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

ENUNCIADO nº 36 - O trabalho desenvolvido pelos Conciliadores e


Mediadores poderá ser tanto de forma voluntária como remunerada, sendo
regulamentado por lei específica.

ENUNCIADO nº 37 - O juiz coordenador do CEJUSC poderá remeter às


partes para conciliação e mediação privadas.

ENUNCIADO nº 38 - O mediador/conciliador que tomar conhecimento


de crime ocorrido ou que testemunhe crime ocorrido durante as sessões deverá
informar ao juiz Coordenador do CEJUSC a respeito. Tal situação será uma exceção
ao dever de sigilo constante no Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores.

ENUNCIADO nº 39 - Os cursos de capacitação de conciliadores e mediadores


serão pelas Escolas da Magistratura e por entidades habilitadas em parceria com o
NUPEMEC.

ENUNCIADO nº 40 - O NUPEMEC, as Escolas da Magistratura e as entidades


habilitadas poderão emitir certificados de capacitação.

161
ANEXO G & RESOLUÇÃO Nº 225/2016 DO CNJ

Resolução Nº 225 de 31/05/2016

Ementa: Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito


do Poder Judiciário e dá outras providências.

Origem: Presidência

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso


de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO as recomendações da Organização das Nações Unidas


para fins de implantação da Justiça Restaurativa nos estados membros, expressas nas
Resoluções 1999/26, 2000/14 e 2002/12, que estabelecem os seus princípios básicos;

CONSIDERANDO que o direito ao acesso à Justiça, previsto no art. 5º,


XXXV, da Carta Magna, além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica
o acesso a soluções efetivas de conflitos por intermédio de uma ordem jurídica justa
e compreende o uso de meios consensuais, voluntários e mais adequados a alcançar
a pacificação de disputa;

CONSIDERANDO que, diante da complexidade dos fenômenos conflito


e violência, devem ser considerados, não só os aspectos relacionais individuais,
mas também, os comunitários, institucionais e sociais que contribuem para
seu surgimento, estabelecendo-se fluxos e procedimentos que cuidem dessas
dimensões e promovam mudanças de paradigmas, bem como, provendo-se
espaços apropriados e adequados;

CONSIDERANDO a relevância e a necessidade de buscar uniformidade,


no âmbito nacional, do conceito de Justiça Restaurativa, para evitar disparidades de
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

orientação e ação, assegurando uma boa execução da política pública respectiva, e


respeitando as especificidades de cada segmento da Justiça;

CONSIDERANDO que cabe ao Poder Judiciário o permanente


aprimoramento de suas formas de resposta às demandas sociais relacionadas às
questões de conflitos e violência, sempre objetivando a promoção da paz social;

CONSIDERANDO que os arts. 72, 77 e 89 da Lei 9.099/1995 permitem a


homologação dos acordos celebrados nos procedimentos próprios quando regidos
sob os fundamentos da Justiça Restaurativa, como a composição civil, a transação
penal ou a condição da suspensão condicional do processo de natureza criminal que
tramitam perante os Juizados Especiais Criminais ou nos Juízos Criminais;

CONSIDERANDO que o art. 35, II e III, da Lei 12.594/2012 estabelece,


para o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, que os princípios da
excepcionalidade, da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo
meios de autocomposição de conflitos, devem ser usados dando prioridade a
práticas ou medidas que sejam restaurativas e que, sempre que possível, atendam
às vítimas;

CONSIDERANDO que compete ao CNJ o controle da atuação


administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância
do art. 37 da Constituição da República;

CONSIDERANDO que compete, ainda, ao CNJ contribuir com o


desenvolvimento da Justiça Restaurativa, diretriz estratégica de gestão da
Presidência do CNJ para o biênio 2015-2016, nos termos da Portaria 16 de fevereiro
de 2015, o que gerou a Meta 8 para 2016, em relação a todos os Tribunais;

CONSIDERANDO o Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ 74 de 12 de


agosto de 2015 e o decidido pelo Plenário do CNJ nos autos do Ato Normativo 0002377-
12.2016.2.00.0000, na 232ª Sessão Ordinária realizada em 31 de maio de 2016;

RESOLVE:

163
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

CAPÍTULO I
DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado


e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à
conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de
conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou
abstrato, são solucionados de modo estruturado na seguinte forma:
I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem
como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença
dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de
um ou mais facilitadores restaurativos;
II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores
restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução
de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal,
agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;
III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades
de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram
direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da
comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição
do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro.
§ 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se:
I – Prática Restaurativa: forma diferenciada de tratar as situações citadas
no caput e incisos deste artigo;
II – Procedimento Restaurativo: conjunto de atividades e etapas a serem
promovidas objetivando a composição das situações a que se refere o caput deste artigo;
III – Caso: quaisquer das situações elencadas no caput deste artigo,
apresentadas para solução por intermédio de práticas restaurativas;
IV – Sessão Restaurativa: todo e qualquer encontro, inclusive os
preparatórios ou de acompanhamento, entre as pessoas diretamente envolvidas
nos fatos a que se refere o caput deste artigo;
V – Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações descritas
no caput deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados, compreendendo os
seguintes elementos:

164
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades;


b) atenção às necessidades legítimas da vítima e do ofensor;
c) reparação dos danos sofridos;
d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre ofensor,
vítima, famílias e comunidade para superação das causas e consequências do
ocorrido.
§ 2° A aplicação de procedimento restaurativo pode ocorrer de forma
alternativa ou concorrente com o processo convencional, devendo suas implicações
ser consideradas, caso a caso, à luz do correspondente sistema processual e
objetivando sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a comunidade.

Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a


corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades
de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade,
a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a
celeridade e a urbanidade.
§ 1º Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça Restaurativa,
é necessário que as partes reconheçam, ainda que em ambiente confidencial
incomunicável com a instrução penal, como verdadeiros os fatos essenciais, sem que
isso implique admissão de culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial.
§ 2º É condição fundamental para que ocorra a prática restaurativa, o prévio
consentimento, livre e espontâneo, de todos os seus participantes, assegurada a
retratação a qualquer tempo, até a homologação do procedimento restaurativo.
§ 3º Os participantes devem ser informados sobre o procedimento e sobre
as possíveis consequências de sua participação, bem como do seu direito de solicitar
orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento.
§ 4º Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e digna,
sendo assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais serão auxiliadas a
construir, a partir da reflexão e da assunção de responsabilidades, uma solução
cabível e eficaz visando sempre o futuro.
§ 5º O acordo decorrente do procedimento restaurativo deve ser formulado
a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos os participantes, e os seus
termos, aceitos voluntariamente, conterão obrigações razoáveis e proporcionais,
que respeitem a dignidade de todos os envolvidos.

165
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

CAPÍTULO II
DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Art. 3º. Compete ao CNJ organizar programa com o objetivo de promover


ações de incentivo à Justiça Restaurativa, pautado pelas seguintes linhas
programáticas:
I – caráter universal, proporcionando acesso a procedimentos restaurativos
a todos os usuários do Poder Judiciário que tenham interesse em resolver seus
conflitos por abordagens restaurativas;
II – caráter sistêmico, buscando estratégias que promovam, no atendimento
dos casos, a integração das redes familiares e comunitárias, assim como das políticas
públicas relacionadas a sua causa ou solução;
III – caráter interinstitucional, contemplando mecanismos de cooperação
capazes de promover a Justiça Restaurativa junto das diversas instituições afins, da
academia e das organizações de sociedade civil;
IV – caráter interdisciplinar, proporcionando estratégias capazes de
agregar ao tratamento dos conflitos o conhecimento das diversas áreas científicas
afins, dedicadas ao estudo dos fenômenos relacionados à aplicação da Justiça
Restaurativa;
V – caráter intersetorial, buscando estratégias de aplicação da Justiça
Restaurativa em colaboração com as demais políticas públicas, notadamente
segurança, assistência, educação e saúde;
VI – caráter formativo, contemplando a formação de multiplicadores de
facilitadores em Justiça Restaurativa;
VII – caráter de suporte, prevendo mecanismos de monitoramento,
pesquisa e avaliação, incluindo a construção de uma base de dados.

Art. 4º. O programa será implementado com a participação de rede


constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e
privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino, cabendo ao
Conselho Nacional de Justiça:
I – assegurar que a atuação de servidores, inclusive indicados por
instituições parceiras, na Justiça Restaurativa seja não compulsória e devidamente
reconhecida para fins de cômputo da carga horária, e que o exercício das funções de

166
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

facilitador voluntário seja considerado como tempo de experiência nos concursos


para ingresso na Magistratura;
II – buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições
públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem
o surgimento da cultura de não-violência e para que nas Escolas Judiciais e da
Magistratura, bem como nas capacitações de servidores e nos cursos de formação
inicial e continuada, haja módulo voltado à Justiça Restaurativa;
III – estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, as
Defensorias Públicas, as Procuradorias, o Ministério Público e as demais instituições
relacionadas, estimulando a participação na Justiça Restaurativa e valorizando a
atuação na prevenção dos litígios.

CAPÍTULO III
DAS ATRIBUIÇÕES DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

Art. 5º. Os Tribunais de Justiça implementarão programas de Justiça


Restaurativa, que serão coordenados por órgão competente, estruturado e
organizado para tal fim, com representação de magistrados e equipe técnico-
científica, com as seguintes atribuições, dentre outras:
I – desenvolver plano de difusão, expansão e implantação da Justiça
Restaurativa, sempre respeitando a qualidade necessária à sua implementação;
II – dar consecução aos objetivos programáticos mencionados no art. 3º e
atuar na interlocução com a rede de parcerias mencionada no art. 4º;
III – incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização
permanente de magistrados, servidores e voluntários nas técnicas e nos métodos
próprios de Justiça Restaurativa, sempre prezando pela qualidade de tal formação,
que conterá, na essência, respostas a situações de vulnerabilidade e de atos
infracionais que deverão constar dentro de uma lógica de fluxo interinstitucional e
sistêmica, em articulação com a Rede de Garantia de Direitos;
IV – promover a criação e instalação de espaços de serviço para atendimento
restaurativo nos termos do artigo 6º, desta Resolução.
§1º. Caberá aos tribunais estabelecer parcerias ou disponibilizar recursos
humanos e materiais para a instalação e continuidade do programa e dos serviços
de atendimento, que contarão com a atuação de facilitadores de processos

167
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

restaurativos e de equipe técnica interdisciplinar composta por profissionais como


psicólogos e assistentes sociais.
§2º. Para os fins do disposto no caput deste artigo, os tribunais deverão
apoiar e dar continuidade a eventuais coordenadorias, núcleos ou setores que já
venham desenvolvendo a Justiça Restaurativa em suas atividades institucionais.

Art. 6º. Na implementação de projetos ou espaços de serviço para


atendimento de Justiça Restaurativa, os tribunais observarão as seguintes diretrizes:
I – destinar espaço físico adequado para o atendimento restaurativo,
diretamente ou por meio de parcerias, que deve ser estruturado de forma adequada
e segura para receber a vítima, o ofensor e as suas comunidades de referência, além
de representantes da sociedade;
II – designar magistrado responsável pela coordenação dos serviços e da
estrutura, que deverá contar, também, com pessoal de apoio administrativo;
III – formar e manter equipe de facilitadores restaurativos, arregimentados
entre servidores do próprio quadro funcional ou designados pelas instituições
conveniadas, os quais atuarão com dedicação exclusiva ou parcial, e voluntários,
sempre que possível auxiliados por equipes técnicas de apoio interprofissional;
IV – zelar para que cada unidade mantenha rotina de encontros para
discussão e supervisão dos casos atendidos, bem como promova registro e elabore
relatórios estatísticos;
V – primar pela qualidade dos serviços, tendo em vista que as respostas
aos crimes, aos atos infracionais e às situações de vulnerabilidade deverão ser feitas
dentro de uma lógica interinstitucional e sistêmica e em articulação com as redes
de atendimento e parceria com as demais políticas públicas e redes comunitárias;
VI – instituir, nos espaços de Justiça Restaurativa, fluxos internos e externos
que permitam a institucionalização dos procedimentos restaurativos em articulação
com as redes de atendimento das demais políticas públicas e as redes comunitárias,
buscando a interconexão de ações e apoiando a expansão dos princípios e das
técnicas restaurativas para outros segmentos institucionais e sociais.

CAPÍTULO IV
DO ATENDIMENTO RESTAURATIVO EM ÂMBITO JUDICIAL

Art. 7º. Para fins de atendimento restaurativo judicial das situações de que
trata o caput do art. 1º desta Resolução, poderão ser encaminhados procedimentos

168
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

e processos judiciais, em qualquer fase de sua tramitação, pelo juiz, de ofício ou


a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública, das partes, dos seus
Advogados e dos Setores Técnicos de Psicologia e Serviço Social.
Parágrafo único. A autoridade policial poderá sugerir, no Termo
Circunstanciado ou no relatório do Inquérito Policial, o encaminhamento do conflito
ao procedimento restaurativo.

Art. 8º. Os procedimentos restaurativos consistem em sessões


coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma voluntária, das
famílias, juntamente com a Rede de Garantia de Direito local e com a participação
da comunidade para que, a partir da solução obtida, possa ser evitada a recidiva do
fato danoso, vedada qualquer forma de coação ou a emissão de intimação judicial
para as sessões.
§ 1º. O facilitador restaurativo coordenará os trabalhos de escuta e
diálogo entre os envolvidos, por meio da utilização de métodos consensuais na
forma autocompositiva de resolução de conflitos, próprias da Justiça Restaurativa,
devendo ressaltar durante os procedimentos restaurativos:
I – o sigilo, a confidencialidade e a voluntariedade da sessão;
II – o entendimento das causas que contribuíram para o conflito;
III – as consequências que o conflito gerou e ainda poderá gerar;
IV – o valor social da norma violada pelo conflito.
§ 2º. O facilitador restaurativo é responsável por criar ambiente propício
para que os envolvidos promovam a pactuação da reparação do dano e das medidas
necessárias para que não haja recidiva do conflito, mediante atendimento das
necessidades dos participantes das sessões restaurativas.
§ 3º. Ao final da sessão restaurativa, caso não seja necessário designar
outra sessão, poderá ser assinado acordo que, após ouvido o Ministério Público,
será homologado pelo magistrado responsável, preenchidos os requisitos legais.
§ 4º. Deverá ser juntada aos autos do processo breve memória da sessão,
que consistirá na anotação dos nomes das pessoas que estiveram presentes e do
plano de ação com os acordos estabelecidos, preservados os princípios do sigilo
e da confidencialidade, exceção feita apenas a alguma ressalva expressamente
acordada entre as partes, exigida por lei, ou a situações que possam colocar em
risco a segurança dos participantes.

169
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

§5º. Não obtido êxito na composição, fica vedada a utilização de tal


insucesso como causa para a majoração de eventual sanção penal ou, ainda, de
qualquer informação obtida no âmbito da Justiça Restaurativa como prova.
§6º. Independentemente do êxito na autocomposição, poderá ser proposto
plano de ação com orientações, sugestões e encaminhamentos que visem à não
recidiva do fato danoso, observados o sigilo, a confidencialidade e a voluntariedade
da adesão dos envolvidos no referido plano.

Art. 9º. As técnicas autocompositivas do método consensual utilizadas pelos


facilitadores restaurativos buscarão incluir, além das pessoas referidas no art. 1º, § 1º,
V, a, desta Resolução, aqueles que, em relação ao fato danoso, direta ou indiretamente:
I – sejam responsáveis por esse fato;
II – foram afetadas ou sofrerão as consequências desse fato;
III – possam apoiar os envolvidos no referido fato, contribuindo de modo
que não haja recidiva.

Art. 10. Logrando-se êxito com as técnicas referidas no artigo anterior, a


solução obtida poderá ser repercutida no âmbito institucional e social, por meio de
comunicação e interação com a comunidade do local onde ocorreu o fato danoso,
bem como, respeitados os deveres de sigilo e confidencialidade, poderão ser feitos
encaminhamentos das pessoas envolvidas a fim de atendimento das suas necessidades.

Art. 11. As sessões restaurativas serão realizadas em espaços adequados e


seguros, conforme disposto no art. 6º desta Resolução.

Art. 12. Quando os procedimentos restaurativos ocorrerem antes da


judicialização dos conflitos, fica facultado às partes diretamente interessadas
submeterem os acordos e os planos de ação à homologação pelos magistrados
responsáveis pela Justiça Restaurativa, na forma da lei.

CAPÍTULO V
DO FACILITADOR RESTAURATIVO

Art. 13. Somente serão admitidos, para o desenvolvimento dos trabalhos


restaurativos ocorridos no âmbito do Poder Judiciário, facilitadores previamente
capacitados, ou em formação, nos termos do Capítulo VI, desta Resolução.

170
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Parágrafo único. Os facilitadores deverão submeter-se a curso de


aperfeiçoamento permanente, realizado na forma do Capítulo VI, o qual tomará por
base o que declinado pelos participantes das sessões restaurativas, ao final destas,
em formulários próprios.

Art. 14. São atribuições do facilitador restaurativo:


I – preparar e realizar as conversas ou os encontros preliminares com os
envolvidos;
II – abrir e conduzir a sessão restaurativa, de forma a propiciar um espaço
próprio e qualificado em que o conflito possa ser compreendido em toda sua
amplitude, utilizando-se, para tanto, de técnica autocompositiva pelo método
consensual de resolução de conflito, própria da Justiça Restaurativa, que estimule
o diálogo, a reflexão do grupo e permita desencadear um feixe de atividades
coordenadas para que não haja reiteração do ato danoso ou a reprodução das
condições que contribuíram para o seu surgimento;
III – atuar com absoluto respeito à dignidade das partes, levando em
consideração eventuais situações de hipossuficiência e desequilíbrio social,
econômico, intelectual e cultural;
IV – dialogar nas sessões restaurativas com representantes da comunidade
em que os fatos que geraram dano ocorreram;
V – considerar os fatores institucionais e os sociais que contribuíram para
o surgimento do fato que gerou danos, indicando a necessidade de eliminá-los ou
diminuí-los;
VI – apoiar, de modo amplo e coletivo, a solução dos conflitos;
VII – redigir o termo de acordo, quando obtido, ou atestar o insucesso;
VIII – incentivar o grupo a promover as adequações e encaminhamentos
necessários, tanto no aspecto social quanto comunitário, com as devidas articulações
com a Rede de Garantia de Direito local.

Art. 15. É vedado ao facilitador restaurativo:


I – impor determinada decisão, antecipar decisão de magistrado, julgar,
aconselhar, diagnosticar ou simpatizar durante os trabalhos restaurativos;

171
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

II – prestar testemunho em juízo acerca das informações obtidas no


procedimento restaurativo;
III – relatar ao juiz, ao promotor de justiça, aos advogados ou a qualquer
autoridade do Sistema de Justiça, sem motivação legal, o conteúdo das declarações
prestadas por qualquer dos envolvidos nos trabalhos restaurativos, sob as penas
previstas no art. 154 do Código Penal.

CAPÍTULO VI
DA FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO

Art. 16. Caberá aos tribunais, por meio das Escolas Judiciais e Escolas da
Magistratura, promover cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de
facilitadores em Justiça Restaurativa, podendo fazê-lo por meio de parcerias.
§1º. O plano pedagógico básico dos cursos de capacitação, treinamento e
aperfeiçoamento de facilitadores em Justiça Restaurativa deverá ser estruturado
em parceria com o órgão delineado no art. 5º da presente Resolução.
§2º. Levar-se-ão em conta, para o plano pedagógico básico dos cursos
de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de facilitadores em Justiça
Restaurativa, os dados obtidos nos termos do Capítulo VII da presente Resolução.
§3º. Os formadores do curso referido no caput deste artigo devem ter
experiência comprovada em capacitação na área de Justiça Restaurativa, bem como
atestados de realização de procedimentos restaurativos e atuação em projetos
relacionados à Justiça Restaurativa.

Art. 17. Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de


facilitadores deverão observar conteúdo programático com número de exercícios
simulados e carga horária mínima, conforme deliberado pelo Comitê Gestor da
Justiça Restaurativa, contendo, ainda, estágio supervisionado, como estabelecido
pelas Escolas Judiciais e Escolas da Magistratura.
Parágrafo único. Será admitida a capacitação de facilitadores voluntários
não técnicos oriundos das comunidades, inclusive indicados por instituições
parceiras, possibilitando maior participação social no procedimento restaurativo e
acentuando como mecanismo de acesso à Justiça.

172
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

CAPÍTULO VII
DO MONITORAMENTO E DA AVALIAÇÃO

Art. 18. Os tribunais, por meio do órgão responsável, deverão acompanhar


o desenvolvimento e a execução dos projetos de Justiça Restaurativa, prestando
suporte e auxílio para que não se afastem dos princípios básicos da Justiça
Restaurativa e dos balizamentos contidos nesta Resolução.
§1º. Os tribunais deverão, ainda, valer-se de formulários específicos,
pautados nos princípios e na metodologia próprios da Justiça Restaurativa,
conforme Resolução CNJ 76/2009.
§2º. A criação e manutenção de banco de dados sobre as atividades da
Justiça Restaurativa é de responsabilidade dos tribunais.

Art. 19. Caberá ao CNJ compilar informações sobre os projetos de Justiça


Restaurativa existentes no país e sobre o desempenho de cada um deles.
Parágrafo único. Com base nas informações oriundas dos tribunais, o CNJ
promoverá estudos, com auxílio de especialistas, para fins de elaboração de plano
disciplinar básico para a formação em Justiça Restaurativa junto às Escolas Judiciais
e Escolas da Magistratura.

Art. 20. Serão adotados, pelos Tribunais de Justiça, parâmetros adequados


para a avaliação dos projetos de Justiça Restaurativa, preferencialmente, com
instituições parceiras e conveniadas.

CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 21. Os tribunais, consideradas as peculiaridades locais no âmbito de


sua autonomia, estabelecerão parâmetros curriculares para cursos de capacitação,
treinamento e aperfeiçoamento de facilitadores, com número de exercícios
simulados, carga horária mínima e estágio supervisionado.

Art. 22. Para fins de efetivação do disposto no art. 35, II, da Lei 12.594/2012,
poderão os tribunais certificar como aptos ao atendimento extrajudicial de
autocomposição de conflitos, os espaços de serviço mantidos por organizações

173
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

governamentais ou não governamentais, que atendam aos qualificativos


estabelecidos nesta Resolução.

Art. 23. Fica acrescido o seguinte dispositivo ao § 1º do art. 2º da Resolução


CNJ 154/2012:
“V – Projetos de prevenção e ou atendimento a situações de conflitos,
crimes e violências, inclusive em fase de execução, que sejam baseados em
princípios e práticas da Justiça Restaurativa.”

Art. 24 Fica acrescido o seguinte parágrafo ao art. 3º da Resolução CNJ


128/2011:
“§3º. Na condução de suas atividades, a Coordenadoria Estadual da
Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar deverá adotar, quando
cabível, processos restaurativos com o intuito de promover a responsabilização dos
ofensores, proteção às vítimas, bem como restauração e estabilização das relações
familiares.”

Art. 25. Portaria da Presidência do CNJ poderá instituir selo de


reconhecimento, e seu respectivo regulamento, aos tribunais que implementarem
os objetivos da presente Resolução.

Art. 26. O disposto nesta Resolução não prejudica a continuidade


de eventuais programas similares, coordenadorias, núcleos ou setores já em
funcionamento, desde que desenvolvidos em consonância com os princípios da
Justiça Restaurativa apresentados nesta Resolução.

Art. 27. Compete à Presidência do CNJ, com o apoio da Comissão


Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania, coordenar as atividades da Política
Judiciária Nacional no Poder Judiciário, assim como instituir e regulamentar o
Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, que será responsável pela implementação e
acompanhamento das medidas previstas nesta Resolução.

Art. 28. Os tribunais, consideradas as peculiaridades locais e autonomia,


poderão suplementar esta Resolução naquilo que não lhe for contrário.

174
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Art. 29. Esta Resolução aplica-se, no que couber, à Justiça Federal.

Art. 30. Esta Resolução entra em vigor após decorridos sessenta dias de sua
publicação.

Ministro Ricardo Lewandowski

175
ANEXO H & FORMULÁRIO DE OBSERVAÇÃO DO MEDIADOR

FORMULÁRIO DE OBSERVAÇÃO DE MEDIAÇÕES


(Versão para o Observador)

Nome do Mediador_________________________________________

Avaliação Específica da Competência em Mediação


Circule o número apropriado para cada item utilizando a seguinte escala:

Não se aplica 1 – Não atingiu 2 - Atingiu em parte 3 – Atingiu plenamente

A. Qualidades Pessoais
Aparência e vestimenta apropriadas 1 2 3
Desenvolveu rapport e confiança e transmitiu uma perspectiva 1 2 3
positiva
Aparentou confiança e controle emocional 1 2 3
Mostrou-se preocupado com o conforto físico e emocional das partes 1 2 3

B. Início da Mediação
Recepcionou devidamente as partes e fez comentários de abertura 1 2 3
Explicou o processo de mediação 1 2 3
Detalhou o papel dos mediadores, das partes, advogados e observadores 1 2 3
Explicou as regras gerais a serem observadas 1 2 3
Verificou se todos compreenderam, respondendo a eventuais dúvidas 1 2 3
Confirmou disposição das partes para participar da mediação NA 1 2 3

C. Reunião de Informações
Deu início à narrativa das partes explicando o critério para a ordem 1 2 3
das falas
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Manteve o ambiente adequado para que cada lado pudesse 1 2 3


apresentar suas narrativas

Demonstrou atenção ao ouvir as narrativas, mantendo contato visual 1 2 3


de forma adequada
Manteve linguagem verbal e não verbal neutras 1 2 3
Equilibrou o tempo das narrativas das partes 1 2 3
Fez perguntas ao final da narrativa das partes de forma apropriada e 1 2 3
objetiva

D. Identificação de Questões, Interesses e Sentimentos e Esclarecimento


da Controvérsia
Após a narrativa inicial das partes, realizou o resumo do que ocorreu 1 2 3
até aquele momento
Utilizou palavras, termos e expressões de forma neutra ao realizar o 1 2 3
resumo
Reenquadrou as questões trazidas pelas partes de forma objetiva e 1 2 3
confirmou com as partes
Identificou os interesses individuais e comuns, ligando-os às questões 1 2 3
identificadas
Validou sentimentos comuns identificados na narrativa das partes 1 2 3

E. Resolução de Questões
Organizou e selecionou as questões passíveis de serem resolvidas para 1 2 3
discussão
Manteve o foco nas necessidades atuais e futuras 1 2 3

Ajudou as partes a concentrarem-se mais nos interesses do que nas 1 2 3


posições
Propôs caminhos para a geração de opções de ganhos mútuos 1 2 3

Incentivou as partes a utilizarem critérios objetivos 1 2 3

177
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

Ajudou as partes, nas sessões individuais, a fazerem testes de realidade 1 2 3

Deu suporte às partes na construção de propostas satisfatórias para 1 2 3


ambos os lados
Ajudou as partes a aperfeiçoarem suas propostas para tentarem 1 2 3
chegar a um acordo

F. Reuniões Individuais
Explicou a reunião individual novamente para ambos 1 2 3
Reiterou a confidencialidade na abertura 1 2 3
Controlou o tempo 1 2 3
Pediu para compartilhar informação no encerramento 1 2 3

G. Elaboração do Termo de Acordo


Testou a viabilidade de execução 1 2 3
Verificou a igualdade dos termos do acordo 1 2 3
Redigiu o acordo com clareza e especificidade 1 2 3
Escreveu na presença de ambas as partes (quando apropriado) 1 2 3
Verificou o entendimento das partes 1 2 3
Leu o texto para as partes antes de oferecê-lo para assinatura 1 2 3
Demonstrou uso adequado da Língua Portuguesa 1 2 3
Demonstrou domínio na utilização do editor de texto 1 2 3

H. Encerramento da Mediação
Entregou os acordos assinados para as partes 1 2 3
Esclareceu possíveis dúvidas em relação ao não cumprimento do 1 2 3
acordo
Em caso de impasse, validou o esforço das partes e encerrou a 1 2 3
mediação
Em caso de impasse, comentou sobre a possibilidade das partes 1 2 3
retornarem

I. Qualidades Profissionais
Planejou com antecedência a sessão juntamente com o co-mediador 1 2 3

178
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Demonstrou consciência dos princípios éticos envolvidos na mediação 1 2 3


Manteve a neutralidade, a imparcialidade e a objetividade 1 2 3
Evitou dar conselhos, pressionar e julgar 1 2 3
Demonstrou respeito por diferentes valores e estilos de vida das partes 1 2 3
Demonstrou habilidade em trabalhar com o co-mediador e com as 1 2 3
partes

J. Habilidades Comunicativas
Demonstrou postura, gestos e contato visual apropriados 1 2 3
Demonstrou uso da voz, tom, volume e clareza apropriados 1 2 3
Demonstrou conteúdo verbal e timming apropriados 1 2 3
Demonstrou capacidade de ouvir ativamente de maneira apropriada 1 2 3
Demonstrou boas habilidades de parafraseamento e reenquadramento 1 2 3

K. Advogados
Esclareceu as funções dos advogados na mediação 1 2 3
Estimulou comportamento produtivo 1 2 3
Controlou a participação de forma eficiente (com estímulo da atuação 1 2 3
do advogado como solucionador de questões)

L. Habilidades contingenciais
Administrou situações de impasse, resistência ou comportamentos 1 2 3
difíceis
Administrou situações de desequilíbrio de poder com técnicas 1 2 3
apropriadas
Administrou situações de emoção intensa 1 2 3
Demonstrou flexibilidade por meio de estratégias criativas 1 2 3

M. Sugestões de Melhorias

______________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

179
ANEXO I & DECLARAÇÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS NA
MEDIAÇÃO: AS MAGISTRADAS, ADVOGADOS, A COORDENADORA
DO NUPEMEC E MEDIADOR JUDICIAL INTEGRANTE DA EQUIPE

Como em todos os processos autocompositivos e consensuais o


protagonismo é dado aos atores envolvidos no conflito, neste capítulo trazemos
as diversas reflexões dos envolvidos naquela disputa, direta e indiretamente, como
forma de oferecer a eles também uma possibilidade de diálogo neste estudo. A
íntegra das manifestações consta dos Anexos ao presente trabalho, razão pela qual
fizemos apenas algumas citações de cada contribuição oferecida.

Iniciamos pela importante reflexão trazida pela eminente


Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Coordenadora do Núcleo
Permanente de Métodos Consensuais de Soluções de Conflitos – NUPEMEC do
TJRS à época da experiência:

“A ideia de se trabalhar com a mediação nos processos envolvendo os


arrozeiros de Uruguaiana surgiu por ocasião do Curso de Aperfeiçoamento de
Magistrados ocorrido em Santana do Livramento em abril de 2013.
Depois de palestrar, juntamente com a Desa. Genacéia da Silva Alberton,
sobre mediação de conflitos no sistema judicial, fui procurada pelas três juízas titulares
das Varas nas quais tramitavam os processos.
Relataram elas que havia solução jurídica para os casos, porém, esta
não resolveria efetivamente o problema dos envolvidos nos litígios em razão da
multiplicidade de partes e negociações intrincadas, com grande probabilidade de não
haver cumprimento das decisões.
Diante do quadro que se desenrolava, sugeri tentássemos a via da mediação,
com a seleção de equipe bem capacitada, apta para a realização da tarefa.
Na oportunidade, apostei no potencial pacificador e transformador da mediação,
ciente de que propor um método autocompositivo desconhecido e inovador poderia trazer
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

algumas complicações às magistradas, como suspeita de que estivessem protelando a


solução dos processos, bem como resistência dos advogados e partes envolvidas.
Havia possibilidade de a proposta ser rechaçada pelos envolvidos nas disputas
e perderíamos uma grande oportunidade de construir um caminho para a implantação
dos métodos autocompositivos no estado.
De outra parte, se tivéssemos sucesso, o caso poderia servir de motivo de
convencimento quanto às vantagens da adoção das práticas autocompositivas, num
processo de implantação estadual que se iniciava.
Formada a equipe, com a escolha de mediadores experientes e bem
capacitados, o resultado foi surpreendente. Houve plena adesão da grande maioria dos
litigantes e grande envolvimento da comunidade, resultando num número bastante
significativo de acordos e, principalmente, no restabelecimento da confiança e das
relações de comércio entre as partes que estavam em conflito.
Outro efeito importante foi o interesse despertado na comunidade quanto à
prática da mediação como forma eficaz de resolução de conflitos no âmbito judicial,
tanto que houve imediata solicitação para a instalação de um Centro Judiciário de
Solução de Conflitos e Cidadania na Comarca para que as práticas autocompositivas
passassem a fazer parte da rotina do Foro local.
A experiência foi acompanhada por equipe de reportagem da TV Justiça,
justamente para que fosse dada ampla divulgação dos benefícios obtidos com a opção
pela mediação.
Para mim que, à época, coordenava o Núcleo Permanente de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC do TJRS foi uma grande vitória, pois
tivemos um caso concreto complexo de relevante impacto social muito bem solucionado
pela via da mediação e, com isso, o serviço em implantação e os mediadores ganharam
o destaque e respeito merecidos no judiciário.
Os mediadores, com seu trabalho exemplar, propiciaram que se abrissem
novas portas para a implantação da mediação no sistema judicial brasileiro.
A eles, em especial, ao Cláudio Fernandes Machado, meu colega de Maestria,
meu reconhecimento e admiração”.

Outra importante reflexão foi trazida pela ilustre Magistrada, Doutora


Joseline Mirele Pinson de Vargas, que jurisdicionada uma das Varas Cíveis da
comarca de Uruguaiana à época da nossa atuação:

181
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

“A ideia de utilizarmos as técnicas da Mediação para solucionar o conflito


existente entre os produtores rurais de Uruguaiana e as empresas que processavam o
arroz, surgiu em um Curso de Atualização de Magistrados, em que estavam presentes as
Des. Vanderlei e Genacéia, ministrando uma palestra sobre a utilização das mediações
nos processos cíveis.
Nós, Magistradas de Uruguaiana já havíamos imaginado que a solução dos
processos, para que tivesse efetividade no campo prático, passaria necessariamente
por conciliações, as quais teriam que ser feitas conjugando além das partes do processo,
aquelas pessoas que também teriam feito parte do negócio no mundo dos fatos, ou
recebendo arroz pelo qual não haviam pago ou que recebendo pagamento por arroz
que não tinha sido entregue, ou seja, era necessária a triangulação dos feitos.
Entendíamos que embora os processos de cobrança fossem ações simples, o
seu julgamento na forma convencional, não traria uma solução satisfatória para os
envolvidos e poderia até inviabilizar que alguns dos produtores rurais conseguissem
continuar produzindo, pelo montante envolvido.
Acreditávamos também, que se nós, Magistradas, realizássemos as
audiências, as partes não se sentiriam a vontade para “confessar” que não tinham
entregue o arroz, ou que tinham recebido por mercadoria não entregue e assim por
diante, situações que inevitavelmente iriam ocorrer, para que fossem feitos os acordos.
A Mediação, por ter sido realizada por Mediadores desvinculados dos feitos,
imparciais e abrigados pelo princípio da confidencialidade, trouxe exatamente tudo
que precisávamos para que as partes pudessem ser ouvidas, estabelecer um diálogo de
aproximação e concatenar a melhor forma de resolução de suas lides.
Com certeza, a atuação do NUPEMEC apoiando a ideia foi fundamental para
o sucesso do projeto, bem como para que esse efetivamente saísse do papel, pois não
tínhamos os meios para executar por nós mesmas, em Uruguaiana, as mediações.
Já na primeira etapa de mediações, percebemos que os advogados e partes
estavam surpresos positivamente com a atuação dos Mediadores e com o resultado
das sessões, o que fez com que acreditássemos ainda mais na forma de resolução dos
feitos através da Mediação.
Observamos que os advogados, antes receosos com o projeto e que até pediam
para não incluirmos os processos, mudaram de ideia e vinham aos nossos gabinetes
pedindo a inclusão de seus processos nas próximas etapas da Mediação.

182
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Ao final, o resultado alcançou e superou as nossas expectativas, pois além


de resolver a quase totalidade dos feitos, viabilizou que as relações comerciais, entre
aquelas partes, antes rivais nos processos, fosse restabelecida e se perpetuasse,
possibilitando o retorno dos produtores rurais às suas atividades e a reestruturação da
economia da cidade, basicamente voltada para o cultivo do arroz.
Falando a respeito da minha experiência pessoal, após esse contato com as
mediações e depois de vivenciar o seu resultado em relação as partes e os advogados
envolvidos, posso dizer que passei a ser uma incentivadora dos métodos consensuais
de solução de conflitos, buscando sempre encaminhar processos para o CEJUSC e
ressaltar para as partes a importância da participação nas sessões.
Além disso, mudei um pouco da minha visão como magistrada, tendo
inclusive, buscado realizar o curso de Mediação, incorporando algumas das técnicas
nas minhas próprias audiências, pois me encantei com todo o procedimento e com os
resultados que as técnicas podem nos oferecer.
Como teu trabalho é exatamente sobre o papel do Magistrado para o fomento
das práticas de Mediação, acredito que realmente, os magistrados têm um papel
fundamental na multiplicação do instituto, pois se nós, por exemplo, não tivéssemos
acreditado e confiado na qualidade do trabalho dos Mediadores e do NUPEMEC, todo
esse projeto de Mediação de múltiplas partes nem teria ocorrido. Por isso, entendo
fundamental que os julgadores também percebam as vantagens da utilização desses
meios de solução de conflitos, principalmente para as partes, deixando de lado um
pouco daquele egoísmo de achar que “o melhor resultado é a sentença”, e passar a
aceitar que o melhor resultado é aquele construído pelas partes, através do diálogo.
Enfim, virei uma entusiasta das mediações!”.

Significativa reflexão foi trazida pelo Doutor Eduardo Velo Pereira,


advogado de inúmeros produtores de arroz, cujo teor foi apresentado por
ocasião da instalação do CEJUSC da Fronteira Oeste do Estado, em discurso
de saudação ao eminente Desembargador José Aquino Flôres de Camargo,
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do RS à época:

[...] “O grande desafio deste século XXI é sem dúvida acabar com a odiosa e
nefasta morosidade processual, aliás essa tem sido a tônica das várias reformas do
nosso Código Buzaid, como em 1994, com a introdução da tutela antecipada, avanço

183
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

significativo de projetar o processo ao mundo externo ao direito material; e depois se


sucederam inúmeras reformas de 1994 até 2010, enfim até chegarmos o Novo Código
de Processo Civil.
Importante repetir a máxima “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça
qualificada e manifesta”, como proclama a voz do nosso patrono maior, RUI BARBOSA.
E é nesse espírito que os jurisdicionados não suportam mais conviver com seus
litígios por vários anos, por décadas de tramitação processual. No RS, para se ter uma
ideia, são 16 ações judiciais para cada 100 habitantes.
Diante desse impasse crônico, nascem soluções alternativas aos conflitos
justapostos, como a arbitragem, a conciliação e, por fim a figura da Mediação,
todas elas com o mesmo escopo, mesmo foco de reduzir o número excessivo de
demandas judiciais, de tornar a prestação jurisdicional mais célere, mais próximo do
mundo real.
No decorrer dos anos, desde a edição da Lei 9.307/96, que criou a arbitragem,
assim como, a audiência de conciliação que existia no CPC/73, vislumbra-se que esses
dois instrumentos alternativos de composição não estavam atendendo a sua função
originária.
Segue o Judiciário lotado de ações judiciais. Isto é, nem a possibilidade do uso
amigável do Árbitro, nem a presença do Magistrado, conseguiram diminuir o número
excessivo de demandas.
A indagação aos juristas era onde estava e está o erro? Na verdade, a
arbitragem e a conciliação somente terão êxito se as partes estiverem predispostas,
preparadas para chegar a essa solução do conflito. E na contramão dessa realidade, o
povo brasileiro não está preparado para
avaliar a situação jurídica, o litígio de forma ampla, para decidir qual o
caminho mais correto e sábio, muito embora esteja acompanhado de um advogado.
Por isso nasce a terceira via, outro instrumento destinado a amenizar os conflitos
judiais, que é a MEDIAÇÃO, inclusive ínsita no NCPC, artigos 165 e seguintes.
Na verdade, essa nova modalidade busca, fundamentalmente, restabelecer o
diálogo entre as partes; com técnicas específicas de abordagem, colocando-as frente a
frente, ouvindo-as e, fundamentalmente, preparando-as ao enfrentamento de ideias,
desenvolvendo os temas, os pontos conflitantes, cujos resultados de compreensão
têm sido extraordinários e disso eu posso dar meu testemunho, como advogado, com
formação processualista e acadêmica, no exercício do magistério por mais de 15 anos
na área de processo civil.

184
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Como é de conhecimento público, tivemos um caso emblemático aqui na Cidade


de Uruguaiana/RS, noticiado na imprensa como GOLPE DO ARROZ, objeto inclusive
de reportagem pela própria assessoria de imprensa do Tribunal, sob o título “Mediação
de Múltiplas Partes”, onde foram catalogados aproximadamente cem (100) ações em
Uruguaiana e algumas em Santa Catarina, entre produtores e indústrias de arroz.
A questão envolvia compra e venda de arroz, onde um escritório representante
em Uruguaiana fazia as compras para as distintas indústrias, cujos pagamentos
aos produtores eram realizados de forma aleatória, de forma cruzada, de tal sorte
que haviam casos de produtores que enviavam arroz para a indústria X e recebiam
o pagamento pela indústria Y. Quando não foi mais possível o escritório comprador
manter essa ciranda financeira, com a saída de algumas indústrias de sua carteira,
deu-se o rompimento financeiro, cessando os pagamentos. A partir daí cada um dos
produtores passou a exigir o pagamento do seu arroz e cada uma das indústrias a
devolução de valores pagos para aqueles produtores diversos do que constava da nota
fiscal. Uma verdadeira confusão e de difícil solução.
Pois este case complexo envolvendo múltiplas partes levou ao acionamento
do CEJUSC, Centro Judiciário de Solução de Conflitos, na oportunidade ainda sob
o controle do TJRGS, tendo sido realizadas inúmeras reuniões, as primeiras sem
qualquer solução, pelo menos até que os Mediadores conseguissem, primeiramente,
compreender o imbróglio criado. Mas, já na segunda etapa de Mediação, as indústrias
compradoras e os produtores vendedores começaram a compreender que a solução
estava neles, no âmbito do direito material e não processual. E essa expertise é fruto
do trabalho do CEJUSC e das partes.
Foram quase 80% de acordos realizados, um índice impressionante,
envolvendo quase 10 milhões de reis. E mais, todos os acordos, sem exceção, foram
cumpridos rigorosamente.
Outro dado importante é que não houve um pedido de cumprimento de
sentença ou execução de transação. A pacificação foi completa.
E tudo aconteceu porque na MEDIAÇÃO, na minha modesta visão, não se
busca diretamente a resolução da lide, mas o enfoque é PREPARAR A PARTE, torná-la
capaz de enfrentar uma demanda judicial, conhecendo a sua própria realidade e ter
ciência da visão da parte contrária, dos riscos de ganhar e perder.
Na verdade, é a velha prática socrática, impondo-se através da manifestação
das partes a possibilidade de QUE ELAS CRIEM A DIALÉTICA DO PRÓPRIO LITÍGIO.

185
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

O contraponto é o mais importante, na medida em que as partes terão, efetivamente,


a noção de até onde poderão ir e quais são suas verdadeiras chances. A tudo isso
deverá estar presente e atento o advogado, que é imprescindível no quesito segurança
jurídica, caberá a ele dar a compreensão responsável e necessária da situação jurídica
ao seu cliente.
O objetivo da MEDIAÇÃO é fazer com que os litigantes consigam dialogar,
utilizando-se a técnica da regressão ao status anterior (direito material), quando ainda
não havia processo, exatamente para incentivar o fim ou evitar o litígio, buscando as
causas e soluções na sua gênese.
E os resultados são variáveis, há casos de solução total do litígio, há casos
de solução parcial do litígio e há casos em que as partes seguem a demanda sem
composição, mas com outra visão do processo, estarão maduras ao enfrentamento,
podendo chegar mais adiante a uma conciliação.
Por isso, a OAB deve ser incentivadora desse serviço implantado pelo
TRIBUNAL, agora em Uruguaiana, que atenderá a toda a região de fronteira o Oeste,
cuja contribuição será valorosa a todos os jurisdicionados”. [...]

O Doutor Homero Bellini Júnior, que atuou como advogado de uma


importante indústria de beneficiamento de arroz de Santa Catarina, que teve
importante protagonismo neste processo de mediação, trouxe o importante
relato da sua experiência:

“Confesso a todos minha ignorância. Não conhecia o trabalho dos mediadores.


Não sabia como funcionava a mediação.
Em meio a esse desconhecimento que me apresentei, um tanto desconfiado,
sestroso, sem ter muita noção de até onde seria válida a semana de mediação que iria
acontecer na comarca de Uruguaiana, por força de um grande número de processos
que se interligavam.
Fui para Uruguaiana no domingo. As sessões de mediação dos meus quase
vinte processos ocorreriam durante toda a semana, de segunda até sexta.
Estar em Uruguaiana, para mim, é um imenso prazer. Meu falecido pai era de
lá. Tenho raízes naquela cidade.
Entretanto, iria ficar uma semana inteira fora do escritório. Será que valeria a
pena? Será que essas mediações surtiriam algum efeito? Será que algum acordo seria feito?

186
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

Esse sentimento me parecia ser comum nos advogados e nas partes.


No primeiro dia foi feita uma assembleia com todos os advogados e partes,
quando foi explicado como funcionariam os trabalhos.
Ainda assim, pairava desconfiança. Afinal, naquele singelo momento de
explicação já ocorreram atritos. Será que daria certo?
Só que, já ali, iniciou o trabalho da equipe de mediadores. Todos tranquilos,
muito bem articulados, seguros de si e cientes do trabalho a fazer.
A mediação não é uma audiência comum para tentativa de acordo, como
muitos pensam. Era assim que eu, dentro da minha ignorância, pensava.
Os mediadores ouvem as partes. Muito mais a elas que aos advogados.
Ponderam, mas não opinam. Não induzem a nada. Fazem com que, partes e
advogados, desarmem espíritos e consigam enxergar o processo como um todo. Riscos,
prazos, valores, enfim, tudo.
Para que tenham uma ideia, dos meus cerca de vinte processos, fiz acordo
em dezesseis. Um aproveitamento impressionante. Depois, por ter passado a acreditar
tanto na mediação, dos outros quatro faltantes, fiz mais dois novos acordos já aqui em
Porto Alegre, com a mesma equipe que havia ido até Uruguaiana.
Portanto, como a boa matemática não mente, de vinte processos, restaram
apenas dois.
Posso, tranquilamente, dizer que me tornei um fã ardoroso da mediação.
Lamento que ela não seja muito mais utilizada e seu conceito difundido entre nós
advogados.
Acho, inclusive, que o judiciário, sempre tão assoberbado com um volume
cada vez mais crescente de processos, devia investir na mediação. Devia ampliar o
número de bons profissionais para atuar nessa área.
Esse trabalho conjunto, de juízes e mediadores, com certeza seria um desafogo
para o judiciário. O novo CPC talvez auxilie nisto com seu conceito de audiências
preliminares. Torço para isto.
Quem não conhece que busque informações, que se permita quebrar eventual
preconceito e que não se deixe ficar na ignorância, como era meu caso.
A mediação veio para ficar, e que bom que é assim.

Acostamos, ademais, as reflexões da Coordenadora da Equipe de


mediadores judiciais que atuaram na experiência de Uruguaiana e que integra

187
Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

o corpo pedagógico do NUPEMEC do TJRS, instrutora e supervisora Gisela


Wurlitzer Diniz, e que também atuou como mediadora judicial neste processo:

“URUGUAIANA
A notícia deste desafio foi ao mesmo tempo excitante e amedrontante!!!
Imagina uma mediação onde lidaríamos com industrias e seus interesses, agricultores
e seus interesses, além da necessidade de solução de um conflito que afetaria uma
cidade inteira em sua economia.
Desde os primeiros momentos, quando iniciamos a análise dos processos e
das implicações entre todos eles, tentando encontrar um fio na meada, que nos desse
uma indicação de por onde começar, percebemos que a coisa era muito grande.
Mas, ao escolher minha equipe de trabalho, tenho certeza de que escolhi os
melhores!!!
Construímos desde a primeira mediação uma postura de auxílio e de
interdependência colaborativa, creio que esta postura aliada às técnicas e às
habilidades dos mediadores nos levaram a, de fato, abrir o caminho do diálogo entre
agricultores e industrias, na perspectiva de que uns necessitavam dos outros.
O entusiasmo de todos os mediandos, à medida que os entendimentos iam
acontecendo teve um papel fundamental também na motivação de todos, havendo
influência direta de uma mediação em outras. Foi como uma reação em cadeia, um
efeito dominó, algo impressionante!!!
Acreditar no Inacreditável!!!! A mediação de múltiplas partes estava lá,
concreta, palpável, objetiva e realizada de maneira profissional, técnica, mas com
muita habilidade e postura autocompositiva.
Ao final destaco que, aprendi no período em que desenvolvi este trabalho
que a principal postura em todo o trabalho, tanto dos mediadores para com os
mediandos, mas principalmente, dos mediadores com os próprios colegas, é a postura
de Humildade. Reconhecer nossos limites, dar um passo atrás para reconstruir.
Eu só tenho a agradecer a toda a equipe que me acompanhou nesta grande
aventura que iluminou céu de Uruguaiana e iluminou a minha vida!”.

Por fim, acolhemos as importantes reflexões do colega Paulo Renato


Petry, integrante da equipe de mediadores Judiciais que atuou naquele conflito:

188
Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

“Bueno, relativamente à experiência (a meu ver, fantástica e completamente


exitosa) que vivenciamos em Uruguaiana, pondero contigo o que segue:
1º - tive contato preliminar desse caso complexo e impactante ainda em
Porto Alegre, participando de algumas sessões de Mediação entre os rizicultores e
as beneficiadoras de arroz no CEJUSC - cuja coordenação agendou encontros nesta
capital na intenção de reforçar o princípio da equidade entre os envolvidos: no
caso, todos tiveram que viajar, quem vinha de Uruguaiana e quem vinha de outros
municípios (inclusive do Estado de Santa Catarina); pareceu uma medida salutar, mas
o acanhamento das instalações (salas pequenas, desconfortáveis, impróprias para
receberem 3, 4, 5 partes, cada uma com seu advogado, mais a equipe de Mediadores),
o foco ainda centrado numa relação ganha-perde (as falas eram argumentativas
em “quanto um envolvido abriria mão em favor do outro na busca de um acordo”),
a incompreensão natural mas às vezes “teimosa” dos Mediandos e dos advogados
quanto aos princípios da Mediação - embora o esforço dos Mediadores em tentar
movê-los de uma posição completamente adversarial para uma posição colaborativa
-, não surtiu o efeito esperado pela equipe do CEJUSC - pelo menos essa foi a leitura que
fiz dos encontros dos quais participei;
2º - a Coordenação dos trabalhos resolveu, então, realizar os encontros
novamente na Comarca de Uruguaiana, no prédio do Foro, onde salas espaçosas foram
“adaptadas” para receberem sessões de Mediação comportando confortavelmente os
envolvidos, e nas quais a mesa de negociação estrategicamente montada permitiu que
se respeitassem os elementos mais básicos da Mediação;
3º - esses são, no entanto, aspectos puramente estruturais; por trás desse
cuidado e atenção com o bem-estar dos Mediandos e de seus advogados estava
o empenho de uma equipe de Mediadores que, talvez mesmo não dimensionando
num primeiro momento a amplitude e a envergadura desse problema que há anos
envolvia dezenas de plantadores de arroz, empresas beneficiadoras, intermediários,
fornecedores de insumos e de equipamentos agrícolas, transportadores, entre outros,
e os impactos que a interrupção desses pagamentos - e de consequência a do próprio
fornecimento das safras seguintes - causaram numa comunidade dependente da
produção primária (Uruguaiana é a maior produtora de arroz do Rio Grande do Sul,
Estado que responde por 2/3 da produção nacional desse alimento) -, ainda assim
“mergulhou” nas nuanças dessa relação, com o intuito de iniciar e/ou restabelecer
um diálogo produtivo que visasse ao entendimento e à solução do problema, sem o

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Cláudio Fernandes Machado Coleção Mediação – Volume III

acirramento dos ânimos e sem desinteligências que já vinham caracterizando as


reuniões e audiências judiciais;
4º - foi preciso conhecer a fundo essa intrincada relação negocial entre os
envolvidos, não para se “tomar partido”, mas sim fazê-los entender que a colaboração
recíproca poderia gerar o ganho coletivo. Com isso, o debate passou a se centrar
no problema, de uma forma bastante objetiva, ou seja, com a clara percepção de
que sua solução poderia trazer paz e sossego para todos os envolvidos e sem que
necessariamente se buscassem culpados - até porque havia um consenso de que
o verdadeiro responsável não estava participando da negociação e que cada um
Mediando que se sentava à frente do outro era tão “prejudicado” quando este, ou
seja, cada Mediando passou a entender a posição do outro a partir da “discussão” do
problema, sem acusações e desconfianças recíprocas;
5º - cabe também ressaltar que a participação ativa dos advogados das
partes, e sua imprescindível colaboração a partir do momento em que entenderam
os princípios da Mediação, foram determinantes para o sucesso da empreitada; vejo
como relevante o autoconvencimento dos advogados acerca das vantagens de um
entendimento (comprovado inclusive pela renúncia de parte de verba honorária em
prol da solução do conflito), pois ajudaram de forma contundente seus clientes a
realizarem testes de realidade, a se colocarem no lugar das outras partes envolvidas,
a pensar a negociação como algo positivo, e verem o entendimento como o melhor
caminho - contanto que alcançado de forma serena, madura e consciente;
6º - de se ressaltar ainda a conscientização obtida de que a colaboração entre
todos os Mediandos deveria ser simultânea e convergente - ou seja, se um Mediando
não quisesse colaborar, toda uma cadeia negocial se quebrava; no entanto, se todos
colaborassem, os ganhos seriam coletivos; essa forma de participarem a negociação
desenvolveu nos interessados o senso de ajuda recíproca, de responsabilidade pelo
sucesso do próximo, ou seja, de que se esse fosse satisfeito em suas necessidades,
a chance do outro de se beneficiar era maior; e essa confiança recíproca, mesmo se
tratando de processos judiciais com repercussão patrimonial expressiva em todos
os envolvidos, eliminou burocracias e papéis, não raro restabelecendo relações
negociais e de amizade há longa data abaladas, porque a questão monetária, antes
sobrevalorizada em detrimento de sólidas relações construídas em anos de negócios
feitos e cumpridos, adquiriu, com as sessões de Mediação, um papel secundário;

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Coleção Mediação – Volume III Cláudio Fernandes Machado

7º - pois o interessante é que, em cada fase desse processo de ajuste de


tantos interesses convergentes e ao mesmo tempo divergentes, a participação dos
Mediadores, embora por princípios “secundária”, foi crucial: primeiro, esclarecendo
todo o procedimento, explicitando as nuanças de cada etapa; após, conduzindo
essa negociação também de forma muito serena, objetiva, prospectiva, gerando
uma relação de confiança fundamental para o andamento das conversações; tenho
orgulho em dizer que a influência da equipe de Mediadores foi na medida certa, não tão
protagonista que retirasse dos envolvidos o poder de decidirem por suas consciências e
convicções, nem tão omissiva que gerasse um perigoso desequilíbrio durante as sessões
e mesmo nas negociações extra Fórum;
8º - reforcei também um aprendizado pessoal acerca da Mediação, no sentido
de que não há “limites” para agirmos de forma prospectiva, objetiva e coerente, na
busca de soluções para nossos problemas, e sem que isso signifique agressividade,
imutabilidade nos posicionamentos, intransigência, intolerância. A Mediação pode
ser aplicada nos relacionamentos familiares, nas relações profissionais e sociais, no
universo escolar, em embates políticos, civis, em guerras... não há limites. Mas é uma
questão de treino: precisamos utilizar as ferramentas da Mediação, em qualquer esfera
de convivência. O exemplo de Uruguaiana é emblemático: não importava o valor da
causa nos processos, nem as razões mais “fortes” de um lado ou de outro, mas o
interesse comum de resolverem a demanda, de retomarem os negócios, de tocarem a
vida. Simples assim. Por isso tão efetivo e ao mesmo tempo tão desejado.
Em suma, feliz por ter sido um privilegiado em poder participar de uma
Mediação tão emblemática”.

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