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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 1ª Turma Criminal

Processo N. AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL 0701472-91.2021.8.07.0000

AGRAVANTE(S) DOUGLAS DA SILVA LIMA

AGRAVADO(S) MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITORIOS


Relator Desembargador MARIO MACHADO

Acórdão Nº 1327524

EMENTA

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DE PENA. APROVAÇÃO PARCIAL NO


EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO - ENEM. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA IN
BONAM PARTEM DA REGRA DO ART. 126 DA LEP. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ.

Condenado aprovado em duas das cinco áreas de conhecimento do ENEM - Exame Nacional do
Ensino Médio. Defere-se a remição da pena em virtude de aprovação no ENEM, ainda que parcial,
tendo em vista a finalidade ressocializadora da pena, servindo tal medida como recompensa e estímulo
ao estudo. Interpretação analógica in bonam partem da regra do art. 126 da LEP. Recomendação
44/2013 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

Recurso de agravo provido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, MARIO MACHADO - Relator, J. J. COSTA CARVALHO - 1º Vogal e
CARLOS PIRES SOARES NETO - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador J. J.
COSTA CARVALHO, em proferir a seguinte decisão: DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 18 de Março de 2021

Desembargador MARIO MACHADO


Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo em execução (ID 22513853 - págs. 2/8), interposto por Douglas da Silva Lima
contra a decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais, datada de 30/11/2020, que indeferiu o pedido
de remição da pena, com base na Recomendação n° 44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em
virtude de sua aprovação parcial no Exame Nacional do Ensino Médio e pelo fato de o ENEM não
mais certificar a conclusão desde 2017 (ID 22513853 - pág. 25).

Nas razões do recurso (ID 22513853 - págs. 4/8), a Defesa alega que, no curso da execução, o
agravante realizou o ENEM 2017 e foi aprovado em duas de cinco áreas do conhecimento. Acrescenta
que, de acordo com o art. 126 da Lei de Execução Penal, o apenado possui direito à remição pelos
estudos, na proporção de um dia de pena para cada 12 horas de estudo, com carga horária distribuída,
no mínimo, em três dias, para atividades realizadas de modo presencial ou à distância, incluindo-se o
ensino fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional. Acrescenta
que a Recomendação 44 do Conselho Nacional de Justiça deve ser interpretada in bonam partem, pois
não elencou a aprovação integral no ENEM como requisito ao deferimento da remição por estudo.
Pede-se o reconhecimento da remição proporcional das horas de estudos, correspondente à aprovação
em duas áreas do conhecimento do ENEM.

Contrarrazões da Promotoria de Justiça pela manutenção da decisão (ID 22513853 - págs. 26/31).

Na fase do juízo de retratação, a decisão foi mantida (ID 22513853 - pág. 267).

Parecer da Procuradoria de Justiça, reiterando os fundamentos das contrarrazões da Promotoria de


Justiça, pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ID 22531341).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Relator

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.


Confira-se a decisão impugnada (ID 22513853 - pág. 25):

“(...) Indefiro o pedido de remição pela aprovação em algumas das disciplinas do ENEM
2017, considerando que não há previsão legal para tal reconhecimento. Tanto a LEP
(artigo 126, §5º) quanto a Recomendação 44/2013 do CNJ, exigem a efetiva conclusão do
ensino médio para a homologação da remição. Além disso, desde 2017 o ENEM não mais
certifica a conclusão do ensino médio.

Aguarde-se a juntada pelo CED 01 do certificado de conclusão do ENCCEJA, conforme


informações de mov. 210.2.

Intimem-se (...)”.

O art. 126 da Lei de Execução Penal garante ao apenado a remição pelos estudos, na proporção de um
dia de pena para cada 12 horas de estudo, com carga horária distribuída, no mínimo, em três dias,
tanto para atividades realizadas de modo presencial como à distância, incluindo-se o ensino
fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional.

Nesse contexto, objetivando regulamentar as atividades educacionais complementares para o fim de


remição da pena pelo estudo, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 44/2013, que,
em seu art. 1º, inciso IV, disciplina o aproveitamento do Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Confira-se:

“(...) Art. 1º Recomendar aos Tribunais que:

IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades


regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta
própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter
aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental
Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou
médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao
disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo
para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta
por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino [fundamental
ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do
CNE], isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e
1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de
nível médio (...)”.

No caso, o apenado obteve aprovação em duas das cinco áreas do conhecimento no Exame Nacional
do Ensino Médio – ENEM (ID 22513853 - pág. 21).

A remição não foi reconhecida pelo juízo, sob o fundamento de que, para tal, é necessária a conclusão
do ensino médio para a homologação da remição, além de que a aprovação no ENEM, desde 2017,
não mais serve para certificação de conclusão do ensino médio.

Ocorre que a pena tem entre seus objetivos não somente a retribuição pelo crime cometido, mas
também a ressocialização. A remição pelo estudo almeja fomentar o bom comportamento e o esforço,
de modo a proporcionar a reinserção do apenado.

Portanto, a aprovação no ENEM, ainda que parcial, contribui para a finalidade ressocializadora da
pena. Assim, a regra do art. 126 da LEP e a Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça
- CNJ devem ser aplicadas analogicamente in bonam partem. Nesse sentido a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO


PENAL. REMIÇÃO DA PENA. APROVAÇÃO PARCIAL NO EXAME NACIONAL
DO ENSINO MÉDIO - ENEM. INCENTIVO AO ESTUDO. CARÁTER DE
RESSOCIALIZAÇÃO DA PENA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 126 DA
LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEP. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO 44/2013
DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. UTILIZAÇÃO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo
de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de
Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise
do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. A jurisprudência
deste Superior Tribunal de Justiça tem admitido que a norma do art. 126 da LEP, ao
possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado
encorajando inclusive, como no caso concreto, seu estudo por conta própria e
consequente aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, sendo possível o
uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento em razão de
atividades que não estejam expressas no texto legal, nos termos da Recomendação n.
44/2013 do Conselho Nacional de Justiça buscando, primordialmente, a readaptação do
apenado ao convívio social. Precedentes. A Resolução CNJ n. 44/2013 menciona a carga
horária de 1.600 horas para o ensino fundamental, e 1.200 horas para o ensino médio, que
se refere ao percentual de 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de
ensino. Considerando como base de cálculo 50% da carga horária definida legalmente
para o ensino médio, ou seja, 1.200 horas, deve-se dividir o esse total por 12,
encontrando-se o resultado de 100 dias de remição em caso de aprovação em todos os
campos de conhecimento do ENEM. Na hipótese, como o paciente obteve aprovação em
apenas uma dentre as cinco áreas de conhecimento do ENEM, a remição deve
corresponder à 20 dias. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para
reconhecer o direito do paciente à remição de 20 dias de pena, considerando sua
aprovação em uma área de conhecimento do ENEM” (HC 421.176/SC, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 18/09/2018).
“3. Agravo regimental parcialmente provido para determinar que o Juízo das execuções
reexamine o pedido de remição do recorrente, nos termos do art. 1º, inciso I, da
Recomendação 44/2013/CNJ, considerando a aprovação parcial do ora agravante no
Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM" (AgRg no RHC 118.912/RO, Rel.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
03/11/2020, DJe 16/11/2020).

“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE NEGA A REMIÇÃO DA


PENA EM VIRTUDE DE APROVAÇÃO NO EXAME DO ENEM. AUSÊNCIA DE
PONTUAÇÃO MÍNIMA. CONCESSÃO PARCIAL DA BENESSE. DECISÃO
REFORMADA EM PARTE. 1 Reeducanda, condenada por crimes de roubos e furtos,
agrava a decisão do Juízo da Execução Penal que lhe negou a remição da pena fundada
em aprovação do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, argumentando que não se
comprovou a conclusão do ensino médio. 2 A remição da pena pelo estudo objetiva
estimular o condenado a traçar novos horizontes que possam fazê-lo alcançar novos
patamares no processo ressocializante, reforçando a autoconfiança e o próprio sentimento
de dignidade. Por isso, é recomendável conceder algum benefício pela aprovação num
exame de âmbito nacional, de dificuldade notória. Como a aprovação no ENEM foi
parcial, não incluindo a diplomação do ensino médio, o benefício deve ser concedido
proporcional, considerando a extensão do êxito alcançado. 3 Agravo parcialmente
provido.” (TJ-DF 20180020087515 DF 0008616-65.2018.8.07.0000, Relator: GEORGE
LOPES, Data de Julgamento: 07/03/2019, 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação:
Publicado no DJE: 19/03/2019. Pág.: 189/199)".

Nesse quadro, considerando carga horária definida para o ensino médio na Resolução do CNJ n.
44/2013, 1.200 (um mil e duzentas) horas, que se refere ao percentual de 50% da carga horária
definida legalmente, deve-se dividir esse total por 12 (doze) horas diárias de estudo, encontrando-se o
resultado de 100 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do
ENEM. No caso, como o paciente obteve aprovação em apenas 2 (duas) das 5 (cinco) áreas de
conhecimento, deve-se dividir os 100 (cem) dias por 5 (cinco) áreas, o que corresponde a 20 (vinte)
dias de remição para cada uma delas, totalizando 40 (quarenta) dias a serem remidos.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para reconhecer o direito do agravante à remição de 40
(quarenta) dias da pena pelo estudo.

É o voto.

O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador CARLOS PIRES SOARES NETO - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

DAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME

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