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O Estado Da Internet 2021
O Estado Da Internet 2021
2021
O Estado da Internet 2021
Edição
Pedro Fonseca
Design Gráfico
Sara Dias
Produção
Conclusão das Letras
Versão online em TICtank.pt
Data de Publicação
Março de 2021
Patrocínio
03 1 | A procura de uma nova Internet
Pedro Fonseca
20 3 | Uma visão do futuro dos nossos dados: bem-vindo à era das coligações de dados
Matt Prewitt
45 6 | Desgovernar?
Hubert Guillaud
Num futuro incerto, poderemos chegar ao limite do crescimento destes números. Não
se irá atingir os 100% pelo inevitável desinteresse de uns e a desistência de outros,
cansados do mundo online. Mas isso não é expectável nos próximos anos devido à
oferta generalizada do que cada vez mais nos liga á Internet.
Na sua forma tradicional, cerca de 66% da população mundial deve ter acesso à
Internet em 2023, antecipa a Cisco [2]. Serão quase 5,3 mil milhões de pessoas,
quando em 2018 se rondava os 4 mil milhões (51% da população).
Haverá forças positivas que podem acelerar este crescimento, como a adopção de
carteiras digitais e da distribuição de dados por satélite para smartphones em zonas
recônditas, como explica Doug Antin neste livro.
Hardware e software vão andar juntos neste percurso, cada um a puxar pelo outro. Os
smartphones terão um número maior de aplicações, com o 5G nas telecomunicações
a potenciar novos usos mais acelerados. Os dispositivos móveis serão apenas uma
parte dessa tendência, com mais de 70% da população global a ter conectividade
móvel daqui a dois anos, embora apenas 10% em ligações 5G.
"O número de dispositivos conectados às redes IP será mais de três vezes a população
global em 2023. Haverá 3,6 dispositivos em rede per capita em 2023, contra 2,4 dispo-
sitivos em rede per capita em 2018. Haverá 29,3 mil milhões de dispositivos em rede
em 2023, perante os 18,4 mil milhões em 2018", antecipa o mesmo estudo da Cisco.
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está resolvido". A Internet 3.0 pode ser a da "Este exemplo mostra que há certos aspectos
intervenção política. da sociedade em que o online não deve ser o
novo normal", sintetizou Caitriona
"Após décadas de desenvolvimento da Fitzgerald, do Electronic Privacy Information
Internet e da compreensão do seu potencial Center.
económico, o mundo inteiro está a acordar
para a realidade de que a Internet não é E depois da Internet of Things?
simplesmente um novo meio, mas um novo
criador da realidade". Neste cenário, a O online será o novo normal mas não como o
intervenção política pode impor-se do topo conhecemos.
para acalmar as bases de cidadãos cansados
da desinformação, da falta da sempre Após a IoT, perspectiva-se uma Internet of
prometida e nunca prometida privacidade, Materials (IoM) ou uma Internet of Bodies
da fadiga tecnológica e da sua obsolescência (IoB). No primeiro caso, trata-se de "imaginar
programada. uma nova geração de dispositivos de compu-
tação, materiais de computação, que são
A pandemia agilizou desenvolvimentos auto-sustentáveis, fabricados por baixo
tecnológicos expectáveis na sociedade custo em escala e exibem factores de forma
apenas num futuro sem data. Generalizou-se que são facilmente incorporados nos
a atenção aos dados pessoais requeridos nas ambientes quotidianos. Esses materiais
relações de saúde e laborais, a vigilância dos podem permitir que objectos comuns, como
empregadores e o "capitalismo da vigilância", paredes, carpetes, móveis, jóias e chávenas
a descurada cibersegurança. façam coisas computacionais sem se parece-
rem com os dispositivos computacionais de
Os enviesamentos dos algoritmos e da hoje", refere-se na introdução ao projecto de
inteligência artificial foram notícia e investigação SATURN [6].
raramente pelas melhores razões, apesar do
que podem fazer de positivo. E surgiram Estes materiais apresentam três grandes
novas maleitas, como a fadiga do Zoom e das desafios, nomeadamente a necessidade de
vídeo-reuniões em geral, com a respectiva ter um consumo energético auto-suficiente, o
escassez de segurança a provocar uma ainda seu custo ser acessível e o factor de forma,
maior ansiedade. devendo ser flexíveis para facilmente serem
integrados em objectos e superfícies.
Um caso limite ocorreu no estado da Virginia
(EUA), em que uma mulher se recusou a Relativamente à Internet of Bodies (ou
depor por videoconferência em tribunal após Internet dos Corpos), é pensar em
ter acusado um terapeuta de violação. Ela "comprimidos inteligentes transmitindo
temia que imagens suas pudessem ser grava- informações de dentro do seu corpo; camas
das e publicadas sem o seu consentimento. inteligentes que podem monitorizar a sua
Há regras instituídas por força legislativa ou Será possível um outro futuro no domínio
mero marketing mas ignoradas em muitos digital - uma Internet mais ecológica e
países e em plataformas com muitos realmente social?
utilizadores. No caso da obscura gestão dos
dados pessoais, Matt Prewitt no capítulo "As promessas de uma tecnologia digital
"Uma visão do futuro dos nossos dados" e mais justa, mais fraterna, mais responsável,
Cory Doctorow em "Privacidade não é mais equitativa, mais ética, mais inclusiva,
propriedade" revelam abordagens mais democrática, mais frugal... nunca
interessantes desta temática. deixaram de se repetir à medida que nos
afastamos dela a cada dia. Como as
9. Abordar a "exclusão arquitectada" das repetidas desculpas de Mark Zuckerberg, o
comunidades marginalizadas das plataformas digital não pára de prometer que amanhã se
vai humanizar, quando na verdade ele não
O Tech Otherwise Collective aponta novas deixa, de escândalo em escândalo, de se
visões nesse sentido no capítulo revelar a cada dia ainda menos humano do
"Desfinanciar a Big Tech, refinanciar a que ontem", nota Hubert Guillaud [12], cujo
comunidade". texto "Desgovernar?" é aqui publicado.
10. Reformar o escudo da responsabilidade da Num evento em Março de 1998, o autor Neil
tecnologia para criar responsabilidade pela Postman concluiu nas suas "cinco ideias
conduta - não pelo discurso - dos utilizadores sobre mudança tecnológica" [13]:
__________
e os vencedores tentam sempre persuadir os
perdedores de que são, na realidade, Referências
vencedores.
[1] Individuals using the Internet - Portugal
3. Existe em qualquer grande tecnologia um [2] Cisco Annual Internet Report (2018–2023) White
preconceito epistemológico, político ou Paper
[3] Why the internet remains a tool of American
social. Às vezes, esse enviesamento é muito hegemony
vantajoso para nós. Noutros casos, não é. A [4] Cable and satellite TV use has dropped
imprensa aniquilou a tradição oral; a telegra- dramatically in the U.S. since 2015
fia eliminou o espaço; a televisão humilhou a [5] Internet 3.0 and the Beginning of (Tech) History
[6] SATURN: An Introduction to the Internet of
palavra; o computador, talvez, irá degradar a Materials
vida da comunidade. E assim por diante. [7] Are We Ready for the Internet of Bodies?
[8] A Declaration of the Independence of Cyberspace
4. A mudança tecnológica não é adictiva; é [9] 1994. Retour vers le futur du web
[10] Estamos a criar uma distopia apenas para fazer
ecológica, ou seja, muda tudo e é, assim, as pessoas clicar em anúncios
importante demais para ser deixada [11] 10 ideas to rebuild our broken internet
inteiramente nas mãos de Bill Gates. [12] "De l’alternumérisme: d’autres numériques
sont-ils possibles?"
[13] Five Things We Need to Know About Technological
5. A tecnologia tende a tornar-se mítica; isto Change
é, percebida como parte da ordem natural
das coisas e, portanto, tende a controlar
mais as nossas vidas do que é bom para nós".
Se fizer uma pesquisa de imagens pela palavra "ARPANET", encontrará muitos mapas
que mostram como a rede de investigação do governo se expandiu continuamente em
todo o país no final dos anos 60 e início dos anos 70. Eu suponho que a maioria das
pessoas que lê ou ouve sobre a ARPANET pela primeira vez encontra um desses
mapas.
Obviamente, os mapas são interessantes - é difícil acreditar que antes havia tão
poucos computadores em rede que as suas localizações pudessem ser transmitidas
com o que é realmente uma cartografia bastante "lo-fi". (Estamos a falar de diagramas
para retroprojectores na década de 1960. Percebe do que falo.) Mas o problema com os
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mapas, desenhados como são com linhas em um enorme espaço oval para eventos,
negrito que se estendem por todo o conhecido como International Ballroom, que
continente, é que reforçam a ideia de que a foi durante muitos anos o maior salão de
maior conquista da ARPANET foi ligar baile sem pilares em [Washington D.C.]. Em
computadores através das vastas distâncias 1967, os Doors deram lá um concerto. Em
dos Estados Unidos pela primeira vez. 1968, Jimi Hendrix também o fez. Em 1972,
um acto um pouco mais tranquilo tomou
Actualmente, a Internet é a linha da vida que conta do salão para organizar a primeira
nos mantém presos uns aos outros, mesmo International Conference on Computing
quando um vírus transportado pelo ar nos Communication (ICCC), onde um projecto de
mantém trancados em casa. Assim é fácil investigação promissor conhecido como
imaginar que, se a ARPANET foi o primeiro ARPANET foi demonstrado publicamente
rascunho da Internet, então certamente que pela primeira vez.
o mundo antes estava totalmente
desconectado, tal como estaríamos sem a A ICCC de 1972, que ocorreu de 24 a 26 de
internet hoje, certo? A ARPANET deve ter outubro, contou com cerca de 800 pessoas.
sido um grande negócio porque ligava Reuniu todos os principais investigadores no
pessoas por meio de computadores quando nascente campo das redes de computadores.
tal não era antes possível. De acordo com o pioneiro da Internet Bob
Kahn, "se alguém tivesse lançado uma bomba
Essa visão não revela a história muito bem. E no Washington Hilton, teria destruído quase
também desvaloriza o que tornou a toda a comunidade das redes dos EUA
ARPANET numa inovação. naquele momento".
"host" e executar alguns comandos ou jogar O campo do número do "host", como se pode
um jogo baseado em texto era normal. O ver, não tem espaço para mais de três dígitos
software em exibição era muito bom, mas os (ha!). Outros subcomandos NETWRK
dois cenários sobre os quais falei podiam permitiam que os utilizadores vissem o
aparentemente ter sido experimentados sem resumo dos resultados da pesquisa num
passar pela ARPANET. período histórico mais longo ou
examinassem o registo dos resultados da
Mas, claro, algo novo estava a acontecer. Os pesquisa para um único "host".
advogados, decisores políticos e economistas
da ICCC podem ter ficado encantados com o O segundo desses cenários apresentava um
programa de xadrez inteligente e os bots de software chamado SRI-ARC Online System
chat, mas os especialistas em redes estavam desenvolvido em Stanford. Era um software
mais interessados em dois outros cenários sofisticado com muitas funcionalidades (era
que fizeram um trabalho melhor a demonstrar o sistema de software que Douglas Engelbart
o que o projecto ARPANET tinha alcançado. demonstrou em "Mother of All Demos"), mas
uma das muitas coisas que podia fazer era
O primeiro desses cenários envolveu um usar o que era essencialmente um serviço de
programa chamado NETWRK em execução no armazenamento de ficheiros executado no
sistema operativo ITS do MIT. O comando "host" da UCSB [Universidade da Califórnia
NETWRK foi o ponto de entrada para vários em Santa Barbara]. De um terminal no
subcomandos que podiam reportar vários Washington Hilton, os participantes da
aspectos do estado operacional da ARPANET. O conferência podiam copiar um ficheiro
subcomando SURVEY revelava quais os "hosts" criado em Stanford para o "host" na UCSB
na rede que estavam a funcionar e disponíveis executando simplesmente um comando de
(todos cabiam numa única lista), enquanto o cópia e respondendo a algumas das
subcomando SUMMARY.OF.SURVEY agregava perguntas do computador:
os resultados das execuções anteriores de
SURVEY para revelar uma "percentagem de [ESC], [SP] e [CR] abaixo representam as teclas
aumento" para cada "host" e também durante de "escape", espaço e retorno, respectivamente.
quanto tempo, em média, cada "host" levava a As palavras entre parênteses são "prompts"
responder às mensagens. O resultado do impressos pelo computador. A tecla "escape"
subcomando SUMMARY.OF.SURVEY era uma é usada para preencher automaticamente o
tabela parecida com esta: nome do ficheiro na terceira linha. O ficheiro
que está aqui a ser copiado é chamado de
--HOST-- -#- -%-UP- -RESP-
<system>sample.txt;1, em que o último
UCLA-NMC 001 097% 00.80
valor indica o número da versão do ficheiro e
SRI-ARC 002 068% 01.23
<system> indica a directoria. Esta era uma
UCSB-75 003 059% 00.63
convenção para nomes de ficheiros usados
...
pelo sistema operativo TENEX.
"a ARPANET ligou pessoas em diferentes pela rede, talvez para marcar encontros ou
locais por meio de computadores pela manterem o contacto com namorados. Isso
primeira vez", e a declaração B, "a ARPANET tudo estava a acontecer na década de 1960.
ligou sistemas de computador entre si pela Rankin argumenta que, ao ignorar essas
primeira vez". Isso pode parecer confuso, primeiras redes de "time-sharing", empobrece-
mas a afirmação A elimina alguma história mos a nossa compreensão de como a cultura
esclarecedora de uma forma que a afirmação digital americana se desenvolveu nos últimos
B não faz. 50 anos, abrindo espaço para uma “mitologia
do Silicon Valley” que credita tudo ao génio
Para começar, a historiadora Joy Lisi Rankin individual de alguns poucos pais fundadores
mostrou que as pessoas estavam a socializar seleccionados.
no ciberespaço muito antes do surgimento da
ARPANET. Em "A People’s History of Quanto à ARPANET, se reconhecermos que o
Computing in the United States", ela descreve principal desafio era ligar os sistemas de
várias comunidades digitais diferentes que computador e não apenas os computadores
existiam em todo o país em redes por partilha físicos, então isso pode mudar o que
de tempo ("time-sharing") antes ou fora da escolhemos enfatizar quando contarmos a
ARPANET. Essas redes não eram, história das inovações que tornaram a
tecnicamente falando, redes de computadores, ARPANET possível. A ARPANET foi a primeira
uma vez que consistiam num único rede comutada por pacotes, e muita
computador "mainframe" a executar cálculos engenharia impressionante foi usada para
numa cave nalgum lugar para muitos fazer isso acontecer. Acho que é um erro, no
terminais "burros", como uma criatura ctónica entanto, dizer que a ARPANET foi um grande
corpulenta com tentáculos a espalharem-se avanço porque foi a primeira rede comutada
pelo país. Mesmo assim, possibilitaram a por pacotes e depois deixar isso assim. A
maior parte do comportamento social agora ARPANET foi concebida para facilitar a
conotado com a palavra "rede" num mundo colaboração dos cientistas da computação em
pós-Facebook. Por exemplo, na Kiewit todo o país; esse projecto era muito mais para
Network, que era uma extensão da Dartmouth descobrir como diferentes sistemas
Time-Sharing System para faculdades e operativos e programas escritos em
escolas secundárias em todo o Nordeste, os diferentes linguagens interagiriam uns com
alunos do ensino superior mantinham de os outros do que descobrir como transportar
forma colaborativa um "ficheiro de rumores" dados de forma eficiente entre Massachusetts
que lhes permitia acompanhar os e a Califórnia. Portanto, a ARPANET foi a
acontecimentos emocionantes de outras primeira rede comutada por pacotes, mas
escolas, "criando ligações sociais do também foi uma incrível história de sucesso
Connecticut ao Maine". Entretanto, as de normas - algo que considero
mulheres do Mount Holyoke College especialmente interessante tendo em conta
correspondiam-se com homens em Dartmouth as vezes que escrevi sobre normas falhadas.
do teletipo virtual TELNET para informar ao primeiros anos, numa tentativa de enfatizar a
"host" remoto que ele devia ecoar a entrada natureza aberta e colaborativa do que o grupo
do utilizador. Quando um utilizador executou estava a tentar fazer. Esse enquadramento e
o comando @L 134, abreviação de @login a disponibilidade dos próprios documentos
134, isso fez com que o TIP invocasse o Initial transformaram o processo de design do
Connection Protocol com o "host" 134, o que, protocolo num caldeirão de contribuições e
por sua vez, faria com que o "host" remoto contributos às contribuições de outras
alocasse todos os recursos necessários para pessoas, onde as melhores ideias podiam
a ligação e deixasse o utilizador numa sessão surgir sem ninguém perder prestígio. O
TELNET. (O cenário de transferência de processo RFC foi um sucesso estrondoso e
ficheiros que descrevi pode muito bem ter ainda hoje é usado para especificar as
feito uso do File Transfer Protocol, embora normas da Internet, meio século depois.
esse protocolo só estivesse pronto pouco
antes da conferência). Todos esses É esse legado do NWG que acho que devemos
protocolos eram conhecidos como protocolos destacar quando falamos sobre o impacto da
de "nível três" e abaixo deles estava o ARPANET. Embora hoje uma das coisas mais
protocolo de nível dois "host-to-host" (que mágicas sobre a Internet seja que ela pode
definiu o formato básico para as mensagens ligar-nos com pessoas do outro lado do
que os "hosts" devem esperar uns dos outros), planeta, é um pouco jocoso dizer que essa
e o protocolo "host-para-IMP" de nível um tecnologia está connosco desde o século XIX.
(que definiu como os "hosts" comunicavam A distância física foi conquistada muito
com o equipamento de roteamento ao qual antes da ARPANET pelo telégrafo. O tipo de
estavam ligados). Incrivelmente, todos os distância conquistada pela ARPANET foi, em
protocolos funcionaram. vez disso, a distância lógica entre os siste-
mas operativos, códigos de caracteres,
Na minha opinião, o NWG conseguiu reunir linguagens de programação e políticas orga-
tudo a tempo e ultrapassar-se em geral na nizacionais empregadas em cada "host".
sua tarefa porque adoptou uma abordagem Implementar a primeira rede comutada por
aberta e informal para a normalização, como pacotes foi, obviamente, um grande feito de
exemplificado pela famosa série de engenharia que também deve ser menciona-
documentos "Request for Comments" (RFC). do, mas o problema de chegar a um acordo
Esses documentos, originalmente distribuídos sobre normas para conectar computadores
entre os membros do Grupo por correio que nunca foram concebidos para se darem
tradicional, eram uma forma de manter bem uns com os outros foi o mais difícil dos
contacto entre as reuniões e solicitar dois grandes problemas envolvidos na cria-
"feedback" de ideias. O enquadramento dos ção da ARPANET - e a sua solução foi a parte
“Request for Comments” foi sugerido por mais milagrosa da história da ARPANET.
Steve Crocker, que escreveu o primeiro RFC e
supervisionou a lista de e-mails dos RFC nos Em 1981, a ARPA editou um “Completion
Isto acontece normalmente com pessoas técnicas. Na década de 1990, aqueles que
realmente entendiam a Internet não podiam expressar as suas previsões sem
despertar um revirar de olhos. Durante grande parte da última década, os entusiastas
da "blockchain" soaram ridículos para todos, excepto entre si.
Neste ensaio, dirigido ao leitor a partir de 2022, vou retratar e defender uma visão
atraente e viável para o futuro da economia dos dados. Mas não se engane: vai ter de
se lutar por isso.
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muito mais do que proteger os nossos punhado de cópias de algo que escreveram.
interesses económicos e de privacidade. Em Mas se os leitores respondessem
2021, percebemos que, se não pudermos positivamente, as editoras maiores reagiriam,
tomar decisões democráticas ágeis sobre o saturando rapidamente o mercado e excluindo
uso de todos os tipos de informação, nunca o escritor tanto do lucro como do crédito
seguiremos um caminho intermediário entre moral. Assim, o poder passou dos criadores
a tirania e o caos. para os proprietários das mais rápidas
máquinas de processamento de informações.
Rimas com Gutenberg
Não pretendo sugerir que a imprensa era
O ditado de que “conhecimento é poder” prejudicial ou mesmo uma faca de dois
contém um registo completo da economia dos gumes. A questão é que a facilitação da
dados. Quem controla a informação na qual distribuição de informação pela tecnologia
confiamos controla-nos e pode, assim, lucrar do século XV concentrou inexoravelmente o
connosco. Outro ditado (apocrifamente poder entre os proprietários do capital.
creditado a Mark Twain) diz que a história Desafiou o Estado, mas também transformou
não se repete - ela rima. Fomos sempre os editores em magnatas e os escritores em
lentos a reconhecer quando a informação se seus peões.
torna nossa mestre em vez de nossa serva.
Duzentos anos depois, após várias guerras
Considere a história da imprensa escrita. religiosas impulsionadas por panfletos
Sabemos que a tecnologia da imprensa heréticos - as notícias falsas da época - os
permitiu aos proprietários capitalistas das países começaram a responder. Após o fim
impressoras desafiarem o Estado. Um lado da Guerra dos Trinta Anos, em 1648, os
negligenciado da história é como também os soberanos estabeleceram severos regimes
capacitou a explorar os escritores. de censura à imprensa. Pouco depois,
também a fortaleceram para os escritores.
A invenção de Gutenberg mudou a vida dos Em 1710, o Parlamento britânico aprovou a
escritores de duas maneiras importantes. primeira lei de direitos autorais ("copyright"),
Primeiro, aumentou a sua distribuição dando aos autores ferramentas legais para
potencial e, segundo, diminuiu o seu se protegerem da fácil exploração dos
controlo. As prensas podem produzir proprietários da imprensa.
milhares de cópias de um texto com muito
mais facilidade do que os copistas manuais. A censura estatal centralizada não é lembra-
Mas os escritores geralmente não beneficiam da com carinho: os regimes mais progressis-
porque não possuem essas novas e caras tas (como a Suécia e os Estados Unidos)
máquinas de impressão. Para ter certeza, derrubaram-na no século XVIII. Com o direi-
com um orçamento apertado, eles podem tos autorais, por outro lado, não funcionou
alugar uma impressora e imprimir um muito mal. Claro que nunca foi perfeito.
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E hoje, a lei de direitos de autor tem uma Onde a lei da propriedade intelectual dá aos
reputação merecidamente terrível porque as indivíduos direitos de propriedade
empresas globais de media a vergaram para unilaterais, as coligações de dados em vez
atender aos seus interesses. (Por exemplo, disso dão às comunidades autoridade
os textos foram originalmente protegidos por democrática. As impressoras possibilitavam
um período razoável de 21 anos desde a sua aos detentores do capital apropriarem-se de
escrita. Agora, graças ao lobby da Disney, a certos textos montados (em teoria) por
maioria dos direitos autorais dura mais de escritores solitários. Mas o Big Data e a
um século, gerando rendimentos absurdos inteligência artificial permitiram que os
de trabalhos antigos.) Mas, no geral, o proprietários do capital se apropriassem de
projecto de 300 anos de armar os autores todas as informações que todos registaram
contra a exploração tem sido um dos maiores colectivamente. É por isso que precisamos
sinais de sucesso da lei moderna. de coligações de dados em vez de novos
direitos individuais.
A lição histórica é que, quando novas
tecnologias radicais de processamento de Os dados do século XXI não podem ser
informação emergem, o equilíbrio de poder entendidos nos termos individualistas do
entre os produtores de conteúdo, século XVIII. Os seguidores de John Locke e
proprietários dos dispositivos de de Immanuel Kant, sem surpresa,
processamento de informação e o Estado restringiram a sua protecção da informação
muda. É necessária uma nova às obras em escala artesanal dos “génios e
infra-estrutura legal para re-estabelecer grandes homens” que eles paroquialmente
essas relações de uma forma que permita viam como condutores da história. Mas os
que o potencial desbloqueado pela tecnologia vastos dados que impulsionam hoje a
floresça, enquanto protege os fracos da história não são assim. Em vez disso,
exploração e evita que os proprietários ricos sempre pertence sempre e tem origem num
da tecnologia ajam contra os interesses número indefinido de pessoas e ganha o seu
públicos. valor através da agregação. Os “meus” dados
são valiosos não porque são uma obra-prima
Governança partilhada, não a de auto-expressão, mas porque contêm
propriedade individual percepções profundas e predictivas sobre as
pessoas com as quais me relaciono. Assim,
As coligações de dados fazem algo muito sempre que uma pessoa a revela ou retém,
diferente da propriedade intelectual. Ainda inúmeras outras são afectadas de maneiras
assim, é útil ver que abordam o mesmo que não podemos simplesmente ignorar.
problema: ajudar os criadores de
informações valiosas a protegerem-se das É por isso que os dados não podem
partes bem capitalizadas posicionadas para possuídos mas devem ser controlados. Os
se apropriarem delas. dados devem ser objecto de decisões
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diferentes coligações que representam A era da coligação de dados não é uma tecno-
dados parcialmente sobrepostos. -utopia nem um sonho febril ludita. É sim-
plesmente um novo acordo político -econó-
3. Os direitos individuais sobre os dados cria- mico com uma síntese mais razoável de inte-
dos por legislação legada, como o RGPD (na resses concorrentes, melhores incentivos e
Europa) e o CCPA (na Califórnia), precisavam uma concentração de poder menos alarman-
de ser temporariamente delegáveis para as te em Silicon Valley.
coligações. Se isso não acontecesse, elas não
poderiam ter cumprido o seu propósito Questiono-me para onde estaríamos a ir sem
central: facilitar as decisões partilhadas pelos ela?
seus membros sobre o uso de dados. Tornar
os direitos de dados individuais estritamente
não delegáveis às coligações tê-los-ia neutra-
lizado exactamente da mesma forma que as
leis do “direito ao trabalho” neutralizam os
sindicatos.
Chegámos ao paraíso?
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Quando tudo o que se tem é a ortodoxia do mercado, tudo parece uma falha do
mercado. Considere-se a privacidade: gigantes e gananciosas corporações
instrumentalizaram os mundos digital e físico para nos estarem sempre a espiar, pelo
que algumas pessoas acham que elas deveriam pagar-nos pelos nossos dados.
Há uma história teórica muito rica que explica porque esse "dividendo dos dados" é
uma ideia estúpida. Em primeiro lugar, a informação privada não é muito parecida
com uma propriedade. E não apenas porque partilha todos os problemas das obras
digitais (infinitamente, instantaneamente copiáveis a custo zero).
Esse facto é então vendido a sites de [publicidade online conhecidos por] "chumbox"
de lixo como o Tabouleh, cujo argumento de venda para os anunciantes é que "Posso
mostrar os seus anúncios aos leitores do NYT por 15% do preço que o Times cobra".
Se o mesmo facto é "propriedade" de muitas pessoas, é uma mercadoria
("commodity").
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que ele seja divulgado - quem é o dono do Para fazer isso bem, precisamos de parar de
facto de que o seu chefe o assediou fingir que os dados são uma boa propriedade
sexualmente: você ou ele? Ele tem direito de e que, portanto, os mercados resolverão os
veto sobre as suas divulgações? problemas dos dados. E só porque os dados
não são propriedade, não quer dizer que não
Mesmo se pudéssemos fazer com que os sejam valiosos.
direitos de propriedade funcionassem com a
privacidade (o que, para que fique registado, Longe disso: as coisas mais valiosas que
não podemos), tudo o que conseguiríamos conhecemos (seres humanos) não são
seria transformar a privacidade num bem de propriedade precisamente porque tratá-las
luxo em que os pobres são coagidos a vender como propriedade as embarateceria. Nós,
os seus dados por centavos, como nos humanos, somos tão valiosos que temos um
lembra Malavika Jayaram . conjunto complexo de regras exclusivamente
para nós.
Os dividendos dos dados também exigem
que alguém estabeleça preços sobre os A minha filha não é minha propriedade, mas
dados, e as hipóteses são de que o preço seja tenho interesse nela. O mesmo acontece com
definido por uma empresa de tecnologia a minha esposa, os avós, os professores, o
invasora de privacidade ou por um regulador distrito escolar e os Serviços de Protecção à
subordinado a elas. Criança... e ela também. Esse sistema
baseado em "interesses" reconhece a
E seja qual for o preço, ele não irá capturar o complexa teia de reivindicações sobrepostas.
custo real, como Hayley Tsukayama nos
recorda: "Os americanos com baixos Temos toda uma disciplina - uma que não se
rendimentos e muitas vezes comunidades de cruza com os mercados de forma alguma -
cor não devem ser incentivados a despejar que descreve essas relações, com conceitos
mais dados num sistema que já os explora e especializados como "direitos de nutrição" e
usa os dados para os discriminar". "direitos de auto-determinação" (obrigado a
Rory Pickens por me apresentar esses
"A privacidade é um direito humano, não conceitos).
uma mercadoria".
Todos esses pontos e muito mais são
Não é tarde demais para acabar com o mostrados em "Why data ownership is the
"pagamento pela privacidade", porque, como wrong approach to protecting privacy"
diz Dipayan Ghosh, os dados ("Porque a propriedade de dados é a
comportamentais são "temporalmente abordagem errada para proteger a
sensíveis" - as empresas precisam mais privacidade"), um artigo do Brookings
deles durante mais tempo, o que significa Institute, de 2019, de Cameron F. Kerry e
que ainda podemos recuar. John B. Morris, que os relaciona à legislação
"A única maneira que vejo de aplicar tantos recursos financeiros é convertendo os meus
lucros na Amazon em viagens espaciais"
Jeff Bezos fez o comentário citado em relação à riqueza que adquiriu como CEO e
maior accionista da Amazon. Aqui, consideramos os danos produzidos pela Amazon,
junto com as outras empresas denominadas de Big Tech - Apple, Google/Alphabet,
Facebook e Microsoft, e oferecemos uma proposta melhor de como se pode
colectivamente redistribuir as enormes receitas ao serviço da prosperidade terrestre.
O movimento Black Lives Matter contra o racismo sistémico e o longo movimento
organizado abolicionista nos Estados Unidos fornecem um contexto importante para
os nossos esforços. Fomos inspirados pelos constantes apelos ao Defund the Police
nos Estados Unidos, que revigoraram o debate vital a respeito sobre o financiamento
dos departamentos de polícia, quem é realmente servido por eles e quais as formas de
injustiça histórica que são perpetuadas pelas actuais instituições de policiamento e
encarceramento. No contexto do movimento abolicionista, desfinanciar significa
convidar as comunidades locais e regionais a decidir como redireccionar os fundos
desproporcionais agora investidos na aplicação [das autoridades] e no
encarceramento para apoiar formas alternativas e mais holísticas para o bem-estar e
infra-estrutura da segurança pública. No espírito deste movimento, adaptamos alguns
dos seus conceitos-chave ao domínio das infra-estruturas de informação e
comunicação públicas/comunitárias (TIC), em particular aquelas agora dominadas
pela Big Tech.
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público. Embora não estejamos a pedir o fim redistribuir recursos para capacitar
da Big Tech, apela-se a uma reforma radical. iniciativas individuais e colectivas na
Isso inclui a abolição das condições que construção de infra-estrutura alternativa,
criam e normalizam o alcance desproporcio- muitas das quais já existem, mas carecem de
nal da Big Tech sobre a infra-estrutura prin- recursos. A tecnologia comunitária
cipal das TIC e as suas amplas consequên- compreende um esforço holístico para
cias negativas para a sociedade e o meio capacitar as pessoas com a capacidade de
ambiente. O objectivo é reter - e expandir - os criar, aceder e administrar tecnologias
muitos benefícios que as pessoas actual- digitais que sirvam os seus interesses.
mente obtêm das tecnologias digitais, ao
mesmo tempo que se atende melhor às suas I Porquê desfinanciar a Big Tech?
necessidades individuais e colectivas.
O mito da origem da Big Tech é familiar para
Escrevemos num momento histórico crítico. a maioria de nós: génios empreendedores
A pandemia global do Covid-19 intensificou o que procuram o risco começam do nada e
papel vital que as tecnologias digitais perseguem uma ideia nova, desde a criação,
desempenham na vida de tantas pessoas. passando pela comercialização e produção
Isso contribuiu directamente para as até a escalar. De acordo com a lógica deste
fortunas crescentes da Big Tech, enquanto o mito, os capitalistas de risco ["venture
resto da economia está a passar pela pior capitalists"] que, contra todas as
crise desde a Grande Depressão. Essa probabilidades, seguiram a sua visão
riqueza crescente e disparidades inovadora, devem colher os frutos: eles
informacionais aumentaram os apelos criaram o valor que cimenta as receitas.
recentes do governo e da sociedade civil para Mas, como explicamos, muito pouco dessa
dividir o poder de mercado monopolista da narrativa familiar é verdadeira. A sua
Big Tech. repetição sem fim apenas diminui a nossa
capacidade de ver os desafios e as
Começamos com uma revisão das origens oportunidades que as novas tecnologias de
míticas, e actuais, da infra-estrutura de TIC comunicação apresentam.
dominada pela Big Tech, bem como os danos
que o sistema existente trouxe. Em seguida, Em primeiro lugar, os “visionários” da Big
discutimos maneiras de desfinanciar a Big Tech invariavelmente começaram com
Tech, esboçando os papéis que diferentes tecnologias baseadas em investigação em
actores podem desempenhar. Por fim, instituições que contam com um significativo
mostra-se como se pode reembolsar as financiamento público. Os "venture capitalists"
comunidades, ajudando-as a desenvolver e a não assumiram a maior parte do risco, nem os
adoptar os sistemas de TIC que atendam tecnólogos criaram por sua própria conta a
melhor às suas necessidades. Promovemos a base para a avaliação de mercado dos seus
tecnologia comunitária como uma forma de desenvolvimentos. Em vez disso, como a
Finalmente, as empresas Big Tech são Uma situação paralela desenrola-se na econo-
altamente lucrativas porque geram valor mia do biscate ("gig economy"), na qual os
económico numa enorme escala. Mas quem trabalhadores se ligam a empresas de plata-
cria muito desse valor? Os utilizadores. formas por empregos incertos, inseguros
As principais empresas de tecnologia têm de A história provou que a Big Tech não tomará
levar a sério as preocupações legítimas essas medidas simplesmente por sua
sobre o seu poder excessivo e os impactos própria iniciativa. A acção colectiva por
prejudiciais cada vez mais expressos por parte da sociedade civil e do governo será
actores em todo o espectro social, político e necessária para exercer a pressão e a força
económico. Em particular, as empresas da reguladora que podem remodelar as
Big Tech precisam de: prioridades e os modos de operação da Big
Tech.
- Pagar a sua justa parte dos impostos. As
receitas perdidas devido à evasão fiscal Governos e decisores políticos:
pelas maiores empresas de Silicon Valley
(Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Google e O governo tem a primeira responsabilidade
Microsoft) ultrapassam os 100 mil milhões de promover o interesse público, além de ser
de dólares globalmente nos últimos 10 anos. a única instituição com legitimidade,
autoridade e recursos suficientes para
- Parar o secretivo lobby e outros esforços responsabilizar a Big Tech, especialmente na
nos bastidores para evitar a regulamentação. medida em que trabalha em conjunto com a
Embora algum grau de lobby seja legítimo, sociedade civil. Os órgãos públicos eleitos
deve ser conduzido de forma totalmente devem agir de forma decisiva e colaborativa
pública. em todas as jurisdições para regular a Big
Tech, exigir que essas corporações paguem
- Fornecer transparência pública em relação impostos justos e, através dos seus poderes
à política de privacidade, práticas de de aquisição e de contratação, promover um
vigilância, tráfico de dados, campanhas sector de tecnologia que atenda de forma
políticas nas redes sociais e impactos sustentável às necessidades de informação e
ambientais (consumo e fontes de energia). comunicação das pessoas. Em particular, os
governos e decisores políticos precisam de:
- Oferecer acesso a APIs ("Application
Programming Interface" ou Interface de - Rever as leis anti-concorrência para
Programação de Aplicações) a funções separar monopólios e desarticular fusões
essenciais em conformidade com normas anti-concorrenciais, para permitir mercados
abertas para permitir a interoperabilidade mais competitivos e controlar a excessiva
com fornecedores de serviços alternativos. influência política.
o poder dos media sociais para manter líde- opressão ou violência sistémica. Ao mesmo
res e empresas responsáveis pelas mudan- tempo, sabe-se que a humanidade enfrenta
ças climáticas. Muitas outras iniciativas de outros problemas profundamente sérios,
tecnologia comunitária dignas de apoio incluindo mudanças climáticas, pandemias,
podiam ser mencionadas. autoritarismo e guerra. Por essa razão, um
objectivo crítico do refinanciamento das
Onde as formas convencionais de tomada de comunidades é apoiar a sua organização em
decisão democrática são consideradas inade- torno de questões partilhadas. É vital desen-
quadas para enfrentar desafios espinhosos volver coligações que sustentem as infra-es-
de políticas, como a crise climática e a refor- truturas digitais essenciais amplamente
ma eleitoral, as pessoas recorrem às assem- utilizadas e promovam a cooperação entre as
bleias de cidadãos como a forma mais popu- comunidades, não apenas nos Estados
lar de deliberação colectiva em torno de Unidos mas em todo o mundo.
questões controversas. As assembleias de
cidadãos também podem ser adequadas para Ao permitir que corporações e governos
propor, avaliar e recomendar estratégias estabeleçam as regras relativas à tecnologia,
para o desenvolvimento da tecnologia que negligenciámos as possibilidades de expan-
podem ser relativamente livres da influência dir as nossas próprias agências, enquanto
dos interesses da Big Tech e do solucionismo muitos que usam essas tecnologias são afec-
tecnológico em geral. Fóruns públicos ainda tados adversamente por elas. Resistir à cap-
mais modestos, como debates entre defenso- tura das nossas infra-estruturas de informa-
res rivais e o questionamentos por especia- ção e comunicação e redireccionar recursos
listas, pode ajudar as pessoas a compreender para iniciativas orientadas e baseadas na
as opções e limitações tecnológicas das solu- comunidade torna-se mais crítico e cada vez
ções tecnológicas para questões preocupan- mais difícil, à medida que a tecnologia é
tes, de outra forma obscurecidas pelas incorporada de forma mais profunda, com-
promoções da Big Tech. pleta e menos transparente nas nossas
mentes e corpos, nossas casas e cidades, e
IV Outra tecnologia é possível no ambiente onde vivemos. Agora é a hora de
radicalmente refinanciar o futuro da tecnolo-
A mobilização actual em torno da violência gia, reivindicando os propósitos do desenvol-
policial e do racismo sistémico nos Estados vimento tecnológico e redistribuindo as
Unidos recorda-nos a profunda opressão que responsabilidades e benefícios associados,
foi tecida no fabrico social e tecnológico de ao serviço do nosso bem-estar colectivo e
regiões e países em todo o mundo. Refinan- sustentável.
ciar as comunidades ajudará a fortalecer as ___________
organizações que desenvolvem tecnologias
para reconhecer, apoiar e ajudar indivíduos e Referências disponíveis no texto original.
comunidades que vivem com discriminação,
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Tanto faz, desde que haja comida e roupa nas Como o capitão do navio porta-contentores,
lojas, dinheiro nas máquinas, histórias no temos cada vez menos controlo político
nosso Instagram… Agora, tudo parece ser sobre as nossas próprias democracias, diz
feito sozinho, sem necessidade de ter preo- Maughan. Parafraseando o cineasta Adam
cupações! No entanto, esses sistemas com- Curtis, em vez de eleger líderes visionários,
plexos podem falhar. 2020, por exemplo, estamos na verdade a votar em quadros
permitiu constatar quanta pressão podem intermédios num sistema global complexo
ter as cadeias de abastecimentos, levando a sobre o qual ninguém tem controlo total. O
uma quota de escassez. As cadeias de distri- resultado desta situação assemelha-se cada
buição também sofrem regularmente com vez mais a um vácuo democrático. Vivemos
ataques de malware... Ainda assim, nenhu- numa época em que os eleitores têm um
ma falha foi verdadeiramente catastrófica, nível recorde de desconfiança em relação
como se o colapso da complexidade fosse, aos políticos, em parte porque podem sentir
em última análise, muito mais resiliente do essa desconexão, argumenta Maughan: eles
que o esperado. É de se perguntar se essas vêem na realidade quotidiana que, apesar
redes, em última análise, não funcionam das suas reinvindicações, os políticos não
muito bem, apesar de sua opacidade ineren- podem realizar mudanças, como se ninguém
te. Demos-lhes um grande poder de decisão pudesse actuar no sistema automatizado de
para atingirem os seus objectivos da manei- tomada de decisão. Pior, sublinha Maughan,
ra mais eficiente possível e elas estão a fazer muitos políticos acreditam que não devemos
isso relativamente bem... desde que os deta- consertar o sistema, mas acelerar o proces-
lhes não sejam inspeccionados, ressalva so de desregulamentação, ou seja, dar ainda
Maughan, porque não têm capacidade de mais poder à automação em rede.
tomar decisões éticas ou julgamentos morais
sobre o que fazem - lembrando-nos as pala- Para Maughan, precisamos de encontrar
vras de Miriam Posner sobre os limites da maneiras de aumentar o nosso conhecimen-
transformação do software na cadeia de to do incognoscível e de estratégias para
fornecimentos. Na verdade, recorda Mau- combater a impotência e a ansiedade que o
ghan, pelo seu próprio design, a rede da sistema produz, conclui ele. Poderíamos
cadeia global de abastecimentos perpetua e concordar plenamente com isso se não
aumenta as desigualdades: o seu papel é percebessemos, com o tempo, que essa
aproveitar as diferenças nos padrões de vida exigência de explicação e ética, à força de
para produzir em países onde essa produção ser repetida, parece estar-se a afastar de
é mais barata e despachar as mercadorias nós à medida que avançamos, à medida que
para o outro lado do mundo para as vender os sistemas se desdobram e criam raízes.
com lucro. Essas constatações estendem-se Em vez de exigir transparência que parece
a plataformas de streaming que oferecem recuar em todos os lugares à medida que é
conteúdos de entretenimento ilimitado, em mobilizada, não deveríamos olhar melhor
detrimento dos lucros de quem os produz. para o que está a impedir isso? Por que essas
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cadeias parecem cada vez mais fortes e cada visões sob reinvindicações de universalidade
vez menos governáveis? Talvez se deva sem portanto proporem adequadas
entender que elas não se pretendem gover- prescrições, sem possibilidade de fazer
náveis precisamente - ou mais exactamente corresponder as estruturas institucionais
que a sua estrutura (que é bem governada) aos resultados.
tende antes de tudo a produzir, voluntaria-
mente, a ingovernabilidade, ou seja, a redu- Mais precisamente, explicam, a não gover-
zir o alcance de quem pode governá-las... nança global não significa uma ausência de
governança, mas tensões entre o facto de
Um mundo sem governança que o lado global perturba a governança e o
acessível? facto de que a governança perturba o seu
projeto mundial. Para eles, a não governança
A revista jurídica Transnational Legal funciona num contexto de grandes visões
Theory retomou precisamente numa edição (como o mercado ou o Estado de direito) que
recente o conceito da "não governança" não têm vias de recursos adequados... e que,
("ungovernance"). Nas várias contribuições a portanto, sofrem de uma impossibilidade de
esta questão, vários significados emergiram, acção (quer dizer que as estruturas institu-
mostrando que o conceito ainda precisa cionais não podem atingir os resultados
certamente de ser refinado. Para alguns desejados), o que leva tanto a dar continuida-
autores, a não governança parecia antes de à sua acção e a constatar a impossibilida-
resultar da ingovernabilidade, da de, tanto que o sucesso não se mede na sua
impossibilidade de governar pela ausência capacidade de construir instituições adapta-
de estruturas e instrumentos para o fazer. das, mas muito mais em re-organizar cons-
Para outros, a não governança parecia tantemente as grandes visões iniciais.
resultar de uma desgovernança, de um
declínio na governamentalidade, conforme Para os seus colegas Dimitri Van Den
proposto por procedimentos baseados em Meerssche (@dimitri_vdm) e Geoff Gordon, o
algoritmos e inteligência artificial, por risco e a resiliência são a nova arquitectura
exemplo (seguindo o conceito de normativa. Tomando como exemplo o
governamentalidade algorítmica definido por funcionamento da banca mundial, os dois
Antoinette Rouvroy e Thomas Berns, que é investigadores revelam que o risco e a
uma mudança nos métodos de governo complexidade já não são considerados como
precisamente visando eliminar o “próprio condições limitadoras de um projeto, mas
projecto de governar”). como elementos constitutivos, visando
governar a partir de ferramentas baseadas
Assim, os juristas Deval Desai na incognoscibilidade.
(@devalsdesai) e Andrew Lang, no seu artigo
introdutório, definem a não governança como Um outro artigo de Stephen Humpreys exami-
projectos globais que procuram grandes na a não governança da questão climática.
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por falsas capacidades de prever 'o' futuro organizações estão mal equipadas para os
que eles se encontram também incapazes de escalar. “A cooperação e a coordenação
conceber 'um' futuro. A quase-certeza de continuam a ser o elo fraco - o 'pouco
poder conter a parte da incerteza do mundo, pensado' - dos dispositivos organizacionais”,
diminui mais porque ela não aumenta a daí o facto de saírem dos enquadramentos
capacidade de agir numa situação de em caso de crise, mas muitas vezes em
incerteza". detrimento do que é excluído (como as
considerações económicas excluídas do
A desorganização: modo de enquadramento muito hospitaleiro da crise).
funcionamento das organizações? Num mundo saturado de organizações,
penamos sempre para as organizar!
Eis-nos confrontados com repetidos erros Certamente porque essa organização está
que a crise sanitária ampliou ainda mais intimamente ligada ao poder (o que traz à
porque deixou de lado as questões de equi- mente as perguntas feitas por Frédéric
dade e de igualdade, em favor de uma efici- Laloux em "Reinventing organisations".
ência que só seria essencial quando tudo o
resto não o fosse mais. Resta que a eficácia Na gestão elitista e sanitária da crise que
da resposta à pandemia também tropeçou conhecemos, as organizações e os
nos métodos de resposta, nas suas respostas protocolos criados favoreceram uma decisão
operacionais, como destacado pelos investi- a curto prazo, de cima para baixo,
gadores em sociologia das organizações conflituosa... explicam. Por trás das suas
Henri Bergeron (@HenriBergeronSP), Olivier análises, os autores dedicam todo um
Borraz (@BorrazOlivier), Patrick Castel capítulo sobre como aprender com as crises,
(@PatrickCastel) e François Dedieu na sua como passar da procura das culpabilidades à
avaliação muito estimulante em "Covid-19: reforma das causas estruturais, apelando a
une crise organisationnelle" (Presses de criar uma espécie de observatório de crises
SciencesPo, 2019. Eles perguntaram-se: para retirar ensinamentos que não sejam
porque as situações de crise geram tamanha mais singulares - porque as crises não são -
criatividade organizacional, tornando os mas sistémicos. Ao denunciar com rigor o
planos elaborados com tanta atenção cadu- excesso de confiança, a saturação
cos antes de serem implementados? Porque desorganizada, a gestão de elite, a
essa proliferação aumenta os problemas de exuberante criatividade processual, o
coordenação que deveriam resolver? esgotamento decisório e contraditório... os
investigadores sublinham, no entanto, que
Para os investigadores, questionamos o peso estes defeitos continuam a ser o lote comum
das falhas ou dos méritos individuais e de todas as nossas organizações. O
negligenciamos as dimensões colectivas e "comando e controlo" autoritários raramente
organizacionais das decisões. Minimizamos produzem o que se espera deles. Acima de
os riscos e sinais, certamente porque as tudo, produzem desconfiança.
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O crescimento das carteiras digitais e da ubíqua Internet móvel global levarão à era
dourada da Web descentralizada. Como a Internet via satélite traz áreas pouco
desenvolvidas online, os primeiros produtos e serviços móveis terão uma rápida
adopção. E através do acesso móvel à Internet, a infra-estrutura digitalmente nativa e
descentralizada será a melhor opção para integração com as redes globais.
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Essa falta de acesso está finalmente a mudar serviços globais de Internet em qualquer
com a expansão de smartphones acessíveis lugar do planeta estabelecerá um padrão
e infra-estrutura de Internet via satélite. básico para serviços de conexão. Os utiliza-
dores esperam um nível mínimo de serviço e
Por exemplo, a SpaceX está a reduzir o custo recursos semelhantes ao Starlink como a
do lançamento espacial para a órbita terres- alternativa mínima viável. Isso significa que,
tre baixa (LEO). Com um custo eventual de se não gostarem do fornecedor de acesso à
1,5 milhões de dólares por lançamento do Internet (ISP) local, podem escolher a opção
Falcon 9 ou 10 dólares/kg. Em resultado global. E, à medida que esses grandes forne-
disso, o Starlink, uma infra-estrutura espa- cedores globais de Internet estabelecem
cial de Internet por satélite, pode fornecer conectividade com toda a população global,
acesso à Internet comparativamente acessí- surgirá um sub-produto interessante. As
vel pelos padrões actuais. Especialmente linguagens úteis do tráfego da Internet serão
para áreas tradicionalmente fora das regiões contratadas para normalizar as comunica-
acessíveis da infra-estrutura digital, como os ções universais.
países menos desenvolvidos.
Embora pareça extremo, isso já está a
Isto significa que os 50% restantes do mundo acontecer. As línguas usadas na Internet, de
provavelmente estarão online nesta década. facto, já estão em declínio.
Rússia, que planeia impedir o acesso ao Star- Esta ameaça de saída capacita as pessoas a
link e a fornecedores de Internet controlados fazerem as melhores escolhas para si
externamente. Ou como na China, onde a mesmas. Escolhas que de outra forma não
Internet é restrita pela Grande Firewall do lhes estavam disponíveis. Os governos,
governo. Nesses cenários, o acesso à infra- assim, serão forçados a adaptar as suas
-estrutura de Internet via satélite e sistemas políticas se os seus constituintes tiverem
Web descentralizados será preferido para a alternativas prontamente disponíveis.
era digital. Especificamente porque opera Novamente - neste cenário, os sistemas
fora do controlo do Estado. descentralizados permitem que as pessoas
contornem o controlo autoritário, forçando
Torna-se uma escolha simples e sem os governos a tomarem acções positivas.
cérebro. As pessoas nesses ambientes irão
optar por serviços digitais confiáveis e Adopção rápida da descentraliza-
resistentes à censura. Ao fazer isso, os ção nesta década
serviços descentralizados fornecem uma
base que reduz os riscos futuros e permite À medida que a adopção descentralizada
que os usuários tomem decisões orientadas continua em conjunto com a rápida adopção
para o futuro com confiança. global da Internet, ocorrerá um fenómeno
interessante. Juntamente com outros
Carteiras digitais resistentes à serviços digitalmente nativos e móveis, a
censura e a saída capacitada pela procura pelo 21 milhões de bitcoins
tecnologia aumentará drasticamente. Considere a
riqueza e a influência que possuir um bitcoin
Os serviços de Internet fora da infra-estrutu- inteiro proporcionará à medida que a
ra tradicional fornecem um "buffer" impor- procura aumenta para milhões de pessoas.
tante para pessoas que tradicionalmente [O total limitado de] 21 milhões de bitcoins
estão à mercê do controlo governamental. divididos igualmente entre uma população
Ele também fornece acesso à saída capacita- de 8 mil milhões de pessoas significariam
da pela tecnologia. Ou seja: um meio de criar que cada pessoa teria 0,002625.
uma vida online independente da localiza-
ção, que capacita os indivíduos a fugir de É improvável que a procura chegue a este
sistemas opressores. ponto. Mas é interessante considerar os
números de oferta e procura numa quantida-
Contando com carteiras digitais e suporte de de variável da adopção global. E nem sequer
infra-estrutura externa, os governos locais começa ou acaba com os bitcoins. Existem
são incapazes de confiscar os activos dos muitas maneiras novas e interessantes pelas
utilizadores. E estes ganham a capacidade quais os serviços descentralizados da Web
de levar facilmente os seus activos consigo estão a trazer mudanças positivas para o
quando fogem. mundo. Na próxima década, podemos esperar
Como muitos já apontaram, Twitter, Facebook e Amazon são empresas livres para
fazer cumprir os seus termos de serviço da maneira que entenderem, dentro dos
limites da lei aplicável (por exemplo, legislação anti-discriminação). No entanto,
devemos também perceber que quase todas os media sociais, os espaços públicos do
reino digital, são na verdade espaços de propriedade privada sujeitos aos termos de
serviço de uma empresa. Actualmente, não existe um espaço alternativo viável e não
corporativo para o qual todos possamos nos mudar. Para o bem ou para o mal, Mark
Zuckerberg, Jack Dorsey e Jeff Bezos (e os seus subordinados) são, por enquanto, os
árbitros do que pode e não pode ser dito online.
Resistência à censura
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Por exemplo, os editores da Wikipedia conse- muito poder nas mãos de um pequeno
guem chegar a um consenso sobre o que número de administradores desses
deve e o que não deve ser incluído nos arti- servidores. Se estas redes sociais se
gos da Wikipedia, mesmo aqueles sobre tornarem mais populares, espero que esses
assuntos controversos. Não vou dizer que efeitos sejam amplificados.
esse processo é perfeito: os editores da Wiki-
pedia são predominantemente brancos, Filtro de bolha
homens e da esfera cultural anglo-america-
na, pelo que é provável que haja algum envie- Uma forma de media social é o chat privado
samento nas suas decisões editoriais. Não para pequenos grupos, conforme fornecido,
participei desta comunidade mas presumo por exemplo, pelo WhatsApp, Signal ou
que o processo de chegar a um acordo às mesmo o e-mail. Neste caso, quando se
vezes é confuso e não deixará todos felizes. coloca uma mensagem para um grupo, as
únicas pessoas que podem vê-la são os
Além disso, por ser uma enciclopédia, a membros desse grupo. Neste cenário, não é
Wikipedia concentra-se em factos necessária muita moderação de conteúdo: os
amplamente aceites com base em provas. membros do grupo podem expulsar outros
Tentar moderar os media sociais da mesma membros se disserem coisas consideradas
forma que a Wikipedia iria torná-los tristes, inaceitáveis. Se um grupo diz coisas que
sem espaço para sátira, comédia, arte outro grupo considera questionáveis, não há
experimental ou muitas outras coisas que os problema, porque os dois grupos não podem
tornam interessantes e humanos. No ver as conversas um do outro de qualquer
entanto, a Wikipedia é um exemplo maneira. Se um utilizador estiver assedian-
interessante de moderação de conteúdo do outro, a vítima pode bloquear o assedia-
descentralizada que não é controlada por dor. Assim, grupos privados são comparati-
uma entidade privada. vamente fáceis de lidar.
Outro exemplo são as redes sociais A situação é mais difícil com as redes sociais
federadas, como o Mastodon ou a Diaspora. que são públicas (qualquer pessoa pode ler)
Aqui, cada administrador de servidor e abertas (qualquer pessoa pode entrar na
individual tem autoridade para definir as conversa) ou quando os grupos são muito
regras para os utilizadores do seu servidor grandes. O Twitter é um exemplo desse
mas não têm controlo sobre a actividade modelo (e o Facebook até certo ponto, depen-
noutros servidores (a não ser para bloquear dendo das suas configurações de privacida-
totalmente outro servidor). Apesar da de). Quando qualquer pessoa pode escrever
arquitectura descentralizada, há uma uma mensagem que você verá (por exemplo,
tendência para a centralização (10% das uma resposta a algo que você postou publi-
instâncias do Mastodon respondem por camente), a porta abre-se para o assédio e o
quase metade dos utilizadores), deixando abuso.
Uma resposta pode ser recuar para os quê, como quando se bloqueia utilizadores, é
nossos filtros de bolha ("bubble filter"). Por uma parte importante para reduzir os danos
exemplo, pode-se dizer que o utilizador vê nas redes sociais, mas por si só não é
apenas mensagens postadas pelos seus suficiente. Também é necessário manter
amigos imediatos e amigos de amigos. Tenho padrões mínimos sobre o que pode ser
quase a certeza que não tenho neonazis publicado, por exemplo, exigindo uma base
entre os meus amigos directos, e provavel- de civilidade e veracidade.
mente também não na minha rede em segun-
do grau, pelo que uma tal regra me poderia Moderação democrática de
proteger de um certo tipo de conteúdo extre- conteúdo
mista, pelo menos.
Argumentei anteriormente não existir um
Também é possível que os utilizadores padrão universal de aceitabilidade de conte-
colaborem na criação de filtros. Por exemplo, údo e, no entanto, devemos de alguma forma
o ggautoblocker era uma ferramenta para manter o padrão do discurso elevado o sufi-
bloquear contas abusivas no Twitter durante ciente para que não se torne intolerável para
o GamerGate, uma campanha de assédio os envolvidos e para minimizar os danos,
misógino de 2014 que prenunciou a ascensão normalmente de assédio, radicalização e
do "alt-right" e do trumpismo. Na ausência de incitamento à violência. Como podemos
moderação central pelo Twitter, as vítimas resolver essa contradição? Deixar o poder
deste assédio podem usar esta ferramenta nas mãos de um pequeno número de CEO de
para bloquear automaticamente um grande empresas de tecnologia, ou de qualquer
número de utilizadores prejudiciais para que outro grupo pequeno e não eleito de pessoas,
não tenham de ver mensagens abusivas. não parece uma boa solução a longo prazo.
Obviamente, embora essa filtragem evite que Uma solução puramente técnica também não
se tenham de ver coisas que não se gosta, existe, uma vez que o código não pode fazer
esta não impede que o conteúdo questioná- julgamentos de valor sobre que tipo de com-
vel exista. Além disso, outras pessoas podem portamento é aceitável. Parece que algum
ter o tipo oposto de filtro de bolha em que tipo de processo democrático é a única solu-
vêem muito conteúdo extremista, levando-as ção viável de longo prazo, talvez apoiada por
a se radicalizarem. Filtros personalizados alguns mecanismos tecnológicos, como inte-
também nos impedem de ver opiniões alter- ligência artificial/aprendizagem de máquina
nativas (válidas) que ajudariam a ampliar a para sinalizar material potencialmente abu-
nossa visão do mundo e a permitir uma sivo. Mas como seria este processo demo-
melhor compreensão mútua dos diferentes crático?
grupos na sociedade.
A moderação não deve ser tão pesada a
Assim, a filtragem subjectiva de quem vê o ponto de abafar o desacordo legítimo. O
desacordo nem sempre precisa ser educado; coisas, é um trabalho horrível. Quem iria
na verdade, o policiamento pelo tom não querer fazer isto? Por outro lado, 15.000 é um
deve ser um meio de silenciar reclamações número minúsculo em comparação com a
legítimas. Por outro lado, a crítica agressiva contagem de utilizadores do Facebook. Em
pode rapidamente virar para o reino do vez de concentrar todo o trabalho de
assédio e pode não estar claro quando moderação de conteúdo num número
exactamente foi cruzada essa linha. Às comparativamente pequeno de
vezes, pode ser apropriado ter em moderadores, talvez cada utilizador devesse
consideração as relações de poder entre as fazer uma restrição na moderação de vez em
pessoas envolvidas e manter os privilegiados quando como parte das suas condições de
e poderosos num padrão mais elevado do uso de um serviço. Existem precedentes
que os oprimidos e desfavorecidos, dado que para esse tipo de coisa: em vários países,
ao contrário o sistema pode acabar indivíduos podem ser chamados como
reforçando os desequilíbrios existentes. Mas membros de um júri para ajudar a decidir
não existem regras rígidas e rápidas, e muito casos criminais; e os investigadores são
depende do contexto e da formação das regularmente solicitados a rever artigos
pessoas envolvidas. escritos pelos seus pares. Essas coisas
também não são muito divertidas, mas são
Este exemplo indica que o processo de feitas pelo bem do sistema cívico do qual
moderação precisa de incorporar princípios todos nós beneficiamos.
e valores éticos. Uma maneira de fazer isso
seria ter um conselho de supervisores de Moderadores com visões políticas
moderação eleito pela base de utilizadores. divergentes podem discordar sobre se
No seu manifesto, os candidatos a este determinado conteúdo é aceitável ou não.
conselho podem articular os princípios e Em casos de discordância, outras pessoas
valores que trarão para o trabalho. podem ser chamadas, permitindo que a
Candidatos diferentes podem escolher questão seja resolvida através do debate. Se
representar pessoas com visões de mundo não se chegar a nenhum acordo, o assunto
diferentes, como conservadores e liberais. pode ser encaminhado ao conselho eleito,
Ter um conjunto diversificado de opiniões e que tem a palavra final e usa a experiência
culturas representadas em tal conselho para definir directrizes para moderação
legitimaria a sua autoridade e melhoraria a futura.
qualidade da sua tomada de decisão. Com o
tempo, talvez até partidos e facções possam Implicações para as tecnologias
surgir, o que considero um sucesso descentralizadas
democrático.
Nas redes sociais descentralizadas, acredito
O Facebook emprega cerca de 15.000 que, em última análise, devem ser os
moderadores de conteúdo e, vistas bem as próprios utilizadores que decidem o que é
aceitável ou não. Essa governança terá que ditatoriais, devemos trabalhar em prol de
ocorrer por meio de algum processo humano princípios éticos, controlo democrático e
de debate e deliberação, embora ferramentas responsabilidade.
técnicas e algum grau de automação possam ___________
ser capazes de apoiar o processo e torná-lo
mais eficiente. Em vez de resistir à censura Referências disponíveis no texto original.
simplista ou dar aos administradores poderes
O que acontece quando há muita informação sobre um determinado assunto sem uma
visão rigorosa do que é verificável e do que é falso? A Organização Mundial da Saúde
classificou a superabundância de informações como uma “infodemia”, onde é cada
vez mais difícil encontrar informações oportunas, relevantes e locais no meio de uma
torrente de conteúdos, parte ou grande parte dela propositalmente falsa. Maus
actores, de propagandistas políticos a operações comerciais que vendem “curas”
médicas falsas e equipamentos de proteção pessoal falsificados, atingem os
desavisados pesquisadores de informações à procura de desinfectante para as mãos,
máscaras N95 e suplementos de reforço imunológico. As empresas de busca e de
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O Estado da Internet 2021
media sociais continuam incapazes de sepa- provas podem ser citadas para provar ou
rar conteúdo oficial, produtos legítimos e refutar um evento que nunca aconteceu?
serviços reais dos predadores. A infodémica Consequentemente, o impulso para desmas-
Covid-19 sobrecarregou a Internet com carar ou esclarecer as informações médicas
novos sites, textos, contas e anúncios, quase erradas levou a uma cacofonia de conteúdo,
todos prometendo demais e entregando de em que a verdade e a mentira se misturam
forma insuficiente nas suas áreas. Há muito em consultas de pesquisas que devolvem
tempo que a fraude online é um problema artigos, textos e vídeos com base na popula-
mas, na actual pandemia, a escala e a audá- ridade e noutros sinais comportamentais.
cia dessas fraudes são realmente enormes. Enquanto as empresas de tecnologia lutam
com a presença da desinformação, elas
Bens e serviços à parte, a infodemia dificultou voltaram-se para monitorizar sinais de
encontrar até mesmo informações básicas "comportamento inautêntico coordenado"
sobre o novo coronavírus, Covid-19, e as (um conceito cunhado pelo Facebook) porque
medidas que os indivíduos devem tomar para avaliar a veracidade do conteúdo é um negó-
se protegerem e aos outros. Em circunstân- cio complicado, especialmente quando se
cias normais, pode-se pesquisar informações trata de política e de notícias.
junto de pares ou colegas de trabalho, mas a
necessidade de distanciamento social relegou Nos últimos anos, as plataformas não consi-
a maioria das pessoas para fóruns online e deraram a desinformação médica como políti-
outras áreas da Internet, onde a conspiração ca. Alguns, como o Pinterest, estavam dispos-
e a desinformação médica prosperam. Conte- tos a remover informações incorrectas sobre
údos conspirativos, de "click-bait", com temas as vacinas, mas isso foi deixado para as políti-
como os abaixo referidos, existem em todas cas de uma plataforma específica. No entanto,
as principais plataformas de media social: as empresas de tecnologia descobriram que a
saúde da população é um assunto profunda-
“Covid-19 é uma conspiração para destruir o mente político. Praticamente qualquer soció-
governo dos EUA” logo concordaria que a saúde é política por
outros meios, citando as graves desigualda-
“Covid-19 é uma conspiração democrata para des no acesso à saúde (juntamente com a má
destruir Trump” gestão de recursos por parte dos políticos) e o
lento cuidado exigido pela ciência no desen-
“Covid-19 é uma reacção física às torres 5G” volvimento de terapêuticas. Neste momento,
porém, o acesso desigual à informação atra-
“Covid-19 é o controlo da população através palhou os esforços para distinguir a verdade
de vacinas com microchips” da falsidade online. As descobertas científi-
cas são cada vez mais divulgadas por meio de
É difícil provar que uma afirmação é falsa comunicados de imprensa pelas grandes
quando é completamente inventada. Que corporações farmacêuticas globais, onde a
rumores, a sua negação de qualquer ligação não deviam usar o seu limitado financiamen-
entre a vacina e as supostas reações a ela to para conduzir a glorificada moderação de
irritou os moradores locais da aldeia, que conteúdos para empresas avaliadas em
ficaram ainda mais desconfiados da vacina. biliões. O cenário da investigação em desin-
Este episódio sugere que a desinformação formação está a começar a replicar os
médica pode ser sentida profundamente e mesmos padrões de financiamento que
causa danos duradouros à confiança do agora coloca as universidades nos bolsos das
público na medicina e no governo. empresas farmacêuticas, onde a pesquisa é
onerada por empresas que procuram prote-
Como resultado da actual pandemia, médi- ger as suas reputações. Os campos de estu-
cos e investigadores de saúde pública estão dos críticos da Internet e da tecnologia de
a ecoar o apelo dos investigadores da desin- interesse público terão que crescer para a
formação para encontrar uma maneira de ocasião e criar formas de investigação que
partilhar dados de media social protegidos dependam menos dos dados das plataformas
por privacidade, a fim de apoiar pesquisas para determinar como as pessoas realmente
em andamento sobre desinformação e hesi- lidam com a desinformação diariamente.
tação vacinal. No entanto, as colaborações
anteriores entre o Facebook e investigadores Também precisamos de um corpus de
de ciências sociais falharam por uma infini- pesquisa para investigar como organizações
dade de razões: algumas técnicas, a maioria da sociedade civil, profissionais de saúde e
político. O principal obstáculo à privacidade governos (não os políticos) podem proteger a
ainda permanece. No entanto, sem políticas integridade das comunidades online e
mandatórias para auditar as empresas de desenvolver estratégias de comunicação
plataformas de media social e penalizações ousadas que se elevam acima da cacofonia da
reais pela distribuição de desinformação desinformação. Como seria se esses actores
médica perigosa, não pode haver solução se esforçassem para corrigir a desinformação
para a desinformação não verificada, mesmo dentro de uma hora após ela ganhar força
quando pode ter consequências de vida ou de online? Como seria uma operação de
morte para o público. Os apelos à transpa- desmistificação distribuída se, por exemplo,
rência também são desadequados sem apli- fosse organizada em torno de locais, eventos
cação; as empresas têm todos os incentivos e questões específicas? Essa abordagem
para manter o que sabem e o que escolhem abriria o caminho para as empresas de
ocultar, escondido do escrutínio público. tecnologia mudarem e abraçarem as
obrigações de interesse público?
O financiamento para investigação sobre a
desinformação também precisa de se Finalmente, não há comunicação sem desin-
concentrar em mecanismos que protejam as formação. Haverá um atraso em confrontar
comunidades e criem responsabilidades. perigosas informações incorrectas sobre
Investigadores universitários, especialmente, saúde e alguns problemas persistirão
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O Estado da Internet 2021
Zach Bastick, European School of Political and Social Sciences, Lille Catholic University
Destaques
Resumo
Introdução
As plataformas online medeiam cada vez mais o discurso público. Os seus algoritmos
ajudam os cidadãos a integrar grupos sociais, a organizar através do ruído do discurso
público e a ficar a par de eventos actuais relevantes. No entanto, esses algoritmos
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O Estado da Internet 2021
também permitem bolhas de filtro que mostrar artigos sobre tópicos sensíveis que
correm o risco de distorcer a realidade, incluem a política em "newsfeeds" das plata-
suprimindo visões contrárias e fragmentan- formas [digitais]. Identificar notícias falsas
do a esfera pública. Nesse contexto, a virali- pode ser desafiante, até porque a intenção de
dade costuma combinar-se com a ambigui- enganar pode ser difícil de diferenciar do
dade, produzindo cascatas de informações retrato genuíno de uma perspectiva contro-
onde os utilizadores partilham informações versa. No entanto, este texto concentra-se na
com poucas garantias de rigor. A dissemina- desinformação e usa o exemplo específico
ção orgânica da desinformação online é das notícias falsas e, como tal, pressupõe um
ampliada por interesses privados em busca conteúdo criado deliberadamente com a
de recompensas políticas ou financeiras, que intenção de enganar.
visam micro-indivíduos vulneráveis como
sementes para disseminar ainda mais a A noção de que a desinformação online pode
desinformação. Em grande escala, a disse- produzir mudanças de comportamento no
minação e a criação de informações intencio- mundo real ganhou atenção pública com o
nalmente falsas, conhecidas como desinfor- escândalo da Cambridge Analytica em 2018,
mação, podem impactar a sociedade, distor- em que dados de 87 milhões de utilizadores
cer os mercados e, em última instância, sub- do Facebook foram secretamente recolhidos
verter a democracia. Esse risco sistémico e usados para publicidade política no
pressupõe que a desinformação pode gerar referendo do Brexit e na eleição presidencial
efeitos que, mesmo que pequenos ao nível de 2016 nos EUA. Em 2019, o Mueller Report
individual, agregam-se o suficiente para citou explicitamente o Facebook e o Twitter
produzir resultados em larga escala. Embora como tendo sido usados por agentes russos
as tentativas concertadas de manipular a para espalhar desinformação para interferir
opinião pública por meio da desinformação nas eleições nos EUA e incitar a violência no
predominem em todo o mundo, há menos mundo real. A desinformação sobre a teoria
evidências sobre a capacidade da desinfor- da conspiração do Pizzagate foi atribuída
mação online em manipular directa e disfar- como a causa do tiroteio em 2016 numa
çadamente o comportamento. pizzaria em Washington D.C., e especula-se
que a desinformação nos votos por correio e
Embora tanto a "misinformation" quanto a a teoria da conspiração dos QAnon tenha
"disinformation" se refiram a formas de infor- impactado a eleição presidencial de 2020 nos
mação factualmente imprecisa, a "disinfor- EUA. Da mesma forma, afirma-se que a
mation" envolve a intenção de enganar. As desinformação sobre a pandemia do
notícias falsas são um veículo particular- coronavírus possa ter reduzido o uso de
mente potente de desinformação - aquele máscara e o distanciamento social.
que se disfarça de artigo jornalístico e, como
tal, usurpa a credibilidade do jornalismo, a No entanto, ainda não é claro até que ponto a
oportunidade do conteúdo e a capacidade de desinformação pode modificar o comporta-
dos participantes envolvidos num "Finger natureza elusiva e efémera do seu assunto.
Tapping Test", um teste neuropsicológico Pode-se esperar que o estilo e o formato das
padrão da função cognitiva e motora. Este notícias falsas evoluam rapidamente em
artigo tem como objectivo iniciar uma resposta aos mecanismos de detecção,
agenda de investigação que explore a capaci- mudanças no "zeitgeist" e avanços na tecnolo-
dade da desinformação digital para modifi- gia. A tendência para elucidar estilos que são
car o comportamento e que investigue meca- comuns a exemplos de notícias falsas corre o
nismos para proteger o público desta risco de ignorar formas emergentes e mais
ameaça. [...] discretas de notícias falsas. Ao contrário de
definir notícias falsas como um género, este
Discussão artigo sugere defini-las como um meio com
restrições sócio-tecnológicas. Consequente-
Este estudo também destaca as limitações mente, os artigos de notícias falsas neste
do esforço da investigação contemporânea estudo não foram concebidos para correspon-
no combate às notícias falsas. Em primeiro der a um estilo específico de artigo, mas sim
lugar, os produtores de notícias falsas podem para serem eficazes ao máximo dentro das
contornar os mecanismos de detecção, restrições de um artigo de notícias falsas -
levando a estratégias defensivas continua- especificamente, (a) sendo uma notícia fabri-
mente reactivas dos profissionais, com uso cada que (b) é partilhada nas redes sociais e
intensivo de recursos e atrasos. Isto, por sua (c) lida num ecrã (d) num curto espaço de
vez, implica que os indivíduos continuarão a tempo. A investigação futura tem a possibili-
ser expostos a notícias falsas. Também con- dade de definir mais formalmente as restri-
fere uma maior responsabilidade editorial às ções normativas das notícias falsas e de
plataformas que controlam o discurso públi- outras formas de desinformação (como "deep
co, que são cada vez mais pressionadas a fakes", "tweets" enganadores e imagens mani-
moderar, filtrar ou excluir conteúdo - aumen- puladas). Pesquisas futuras sobre manipula-
tando as preocupações com a liberdade de ção comportamental encoberta por meio da
expressão e a censura. Em segundo lugar, desinformação devem examinar o funciona-
definir o padrão de "verdade" pelo qual as mento e a eficácia de outras técnicas de
notícias são julgadas como "falsas" é norma- manipulação dentro das restrições sócio-tec-
tivamente redutor, pois força a selecção nológicas da desinformação (como diferentes
entre perspectivas opostas que emergem de tipos de emoção, mensagens encobertas,
diferentes escolas de epistemologia. Tercei- reforço social e repetição). Uma agenda da
ro, a detecção nem sempre é possível. Este é investigação em comportamento encoberto e
particularmente o caso onde a manipulação desinformação deve explorar a questão: até
comportamental é inserida e dissimilada que ponto as técnicas de manipulação podem
entre conteúdo online legítimo. [...] ser efectivamente incorporadas no "medium"
da desinformação e como podemos proteger-
O estudo das notícias falsas é desafiado pela -nos contra essa ameaça?
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O Estado da Internet 2021
desde 2003, quedas de até 50% nas receitas pelos principais jornais metropolitanos,
da publicidade impressa excederam em como o Cleveland Plain Dealer e o New
muito qualquer ganho na receita digital Orleans Times-Picayune (Pickard, 2015a).
online em mais de dez para um (Edmonds et Nos próximos anos, as receitas, os empregos
al., 2012). O declínio da indústria da e a circulação provavelmente continuarão a
imprensa também é exemplificado por um diminuir. Apesar de um “Trump Bump”
aumento no encerramento de jornais, pós-eleitoral nas assinaturas de muitos
especialmente nas poucas cidades com dois editores, a saúde financeira geral da
jornais restantes. Por exemplo, o Rocky indústria jornalística americana irá
Mountain News com 150 anos fechou e o provavelmente piorar.
Seattle Post-Intelligencer só ficou online em
2009, despedindo quase todos os Estes factores estruturais - um excesso de
funcionários. confiança na publicidade, poucas políticas
para corrigir os excessos comerciais e
Embora os encerramentos com grande praticamente nenhuma rede de segurança
visibilidade tenham recebido uma maior pública - combinam-se todos para criar um
atenção, a crise do jornalismo afectou todos sistema de media de notícias nos Estados
os jornais, especialmente os grandes jornais Unidos que está sujeito a pressões
metropolitanos que têm dificuldade em comerciais não mitigadas. Isso leva a
fornecer cobertura noticiosa exclusiva e vulnerabilidades e preconceitos específicos
estão a perder a circulação paga mais que criaram a tempestade perfeita para uma
rapidamente do que os principais jornais crise estrutural do jornalismo.
nacionais, os de menor circulação em
cidades médias e os jornais comunitários O antigo modelo de receitas com 150 anos
(Edmonds et al., 2013). Essas quedas levam a para os jornais comerciais parece estar sem
um aumento nas falências de jornais. Entre conserto. Mas como essa relação económica
os 100 principais jornais do país, 22 jornais existe há muito tempo, muitas vezes é
entraram com pedidos de re-estruturação considerada a ordem natural das coisas e os
entre 2005 e 2015 (Williams e Pickard, 2016). modelos alternativos estão além da
Além da re-estruturação através de imaginação.
falências, muitos jornais cortaram custos
agressivamente com despedimentos em À medida que as organizações de notícias
massa. A American Society of News Editors cortam custos e procura receitas cada vez
estimou que, de 2005 a 2015, houve um menores, as organizações de notícias
declínio de cerca de 39% no número de também são pressionadas a fazer mais com
trabalhadores da indústria dos notícias. menos. As tensões associadas a essas medi-
Outros sinais da contínua e crescente falta das de austeridade traduzem-se em menos
de investimento na produção de notícias empregos, com salários mais baixos e menos
incluem a redução das entregas ao domicílio benefícios. Além dessa crescente causalidade
organização sem fins lucrativos 501 (c) 3 cimento nos fluxos de receitas da filantropia
fundada pelo fundador do eBay, Pierre Omi- e de investimento de capital ainda represen-
dyar, que prometeu centenas de milhões de tam apenas 1% do apoio financeiro para as
dólares para garantir independência edito- notícias (Pew Research Center, 2014). Manter
rial e autonomia em vez de depender dos realmente a media de serviço público no
caprichos de anunciantes e investidores. longo prazo exigirá medidas mais abrangen-
tes que procurem resgatar o dever cívico do
Outro empreendimento empolgante foi jornalismo da captura comercial.
lançado no início de 2016, quando o
proprietário da Philadelphia Media Network O modelo menos discutido é a opção de
(PMN), que consiste em dois jornais e um site media público, que conta com alguma forma
de notícias de Filadélfia, doou o PMN ao de subsídio público. O argumento para
recém-criado Institute for Journalism in New subsidiar o jornalismo de serviço público
Media, uma organização sem fins lucrativos teve uma breve oportunidade discursiva
com uma dotação de 20 milhões de dólares. entre 2009 e 2011, quando uma série de
Essa estrutura única, que é tecnicamente relatórios relacionados com o jornalismo
uma “corporação de benefício público”, foram publicados para apoio à preservação
preserva a influência editorial do PMN, do jornalismo de serviço público (Pickard,
permitindo-lhe manter o seu próprio Stearns e Aaron, 2009; Downie e Schudson,
conselho de directores independente, ao 2009; Knight Foundation, 2009; Federal Trade
mesmo tempo que permite ao Institute Commission, 2010). No entanto, os pedidos
solicitar subsídios para obter fundos. Por ser de intervenção do Estado logo caíram em
um modelo híbrido (a sua estrutura de desgraça com o regresso dos "liberais
propriedade não tem fins lucrativos, mas as nervosos" (Pickard, 2015b), cuja evasão em
suas redações são administradas com fins abordar as falhas do mercado (Pickard,
lucrativos), pode ser protegido de algumas 2014a) é exemplificada pelo principal
pressões comerciais. relatório da Federal Communication
Commission "Information Needs of
Estas experiências sinalizam que o jornalis- Communities ”(Waldman, 2011). Este
mo é algo que pode não ser economicamente relatório diagnosticou com precisão os
sustentável se depender apenas das forças problemas estruturais subjacentes à crise do
do mercado. No entanto, as sociedades jornalismo mas descartou de imediato
democráticas ainda exigem jornalismo de qualquer papel significativo para o governo
serviço público, independentemente dos na procura de soluções estruturais. No
lucros. Infelizmente, embora os empreendi- entanto, os argumentos a favor dos subsídios
mentos sem fins lucrativos apresentem não são menos relevantes agora do que eram
alternativas potenciais, eles provavelmente então, e o debate em torno da sua
não são soluções sistémicas para uma crise implantação, infelizmente, foi encerrado
estrutural. A investigação mostra que o cres- prematuramente. Existem muitos exemplos
conversa nacional. Mas até então, nenhuma No nosso contexto actual, a falta de uma
discussão desse tipo ocorreu e não houve resposta política à crise do jornalismo até
virtualmente nenhuma resposta de política agora pode ser atribuída a vários impedi-
pública. mentos discursivos. Em primeiro e acima de
tudo, é o fundamentalismo de mercado que
Parte dessa inacção pode ser rastreada até se infiltrou nas categorias principais de
às batalhas políticas na década de 1940 como pensamos e falamos sobre jornalismo.
(Pickard, 2015), que resultaram num Essa estrutura levou a certas suposições que
contrato social entre o estado, o público e as continuam a despolitizar a concepção das
instituições de media que chamo de “Acordo instituições, práticas e políticas jornalísti-
Pós-guerra para a Media Americana”. Esse cas. Em primeiro, o estado do jornalismo
acordo foi definido por três características: entendido como oferta e procura trata as
auto-regulação, responsabilidade social notícias como uma simples mercadoria com-
definida pela indústria e uma compreensão prada e vendida no mercado, não como um
negativa da Primeira Emenda - negativa no serviço público vital. A implicação é que, se o
sentido da "liberdade negativa" de Isaiah jornalismo não é lucrativo para editores e
Berlin, que enfatiza uma "liberdade de" proprietários de media, devemos deixá-lo
individualista libertária, como na liberdade definhar. É claro que a oferta e a procura no
dos proprietários de media em relação à mercado livre irrestrito nem sempre reflec-
regulamentação governamental, por tem avaliações precisas do valor social. E,
oposição à mais positiva para o público em muitos casos, ainda existe uma procura
“liberdade para” um diversificado sistema de por notícias, mas o mercado não a assegura.
media (Berlin, 1969). Isso manteve em
funcionamento um sistema de media Uma segunda suposição é que o colapso
comercial com pouca supervisão pública ou institucional do jornalismo está para lá do
governamental e poucos desafios da media nosso controlo, algo que acontece connosco,
não comercial. Esta enquadramento como um desastre natural ou um acto de
permanece amplamente o paradigma Deus. Analistas como Clay Shirky têm uma
dominante para a actual política de media visão Schumpeteriana de que vivemos um
americana - um arranjo ideológico que momento revolucionário de destruição cria-
chamo de “libertarianismo corporativo” tiva, em que novas alternativas vão emergir
(Pickard, 2015a). Isso pressupõe que o organicamente (2011). Temos simplesmente
governo tem um reduzido papel legítimo de que esperar que algo novo surja organica-
intervenção nos mercados de media, o que, mente. Embora esse argumento seja sedutor
como observado no início do texto, é uma - aparentemente radical no seu incentivo à
fantasia libertária, uma vez que o governo substituição de instituições obsoletas por
está sempre presente - geralmente apenas modelos inovadores -, ele pressupõe que o
de formas que beneficiam os proprietários mercado deve ser o árbitro final sobre que
de media. tipo de jornalismo devemos receber. Além
um profundo poder sobre o futuro do jorna- controlo das infra-estruturas digitais. Por
lismo. exemplo, faltando protecções de neutralida-
de da rede - uma possibilidade distinta,
Uma última área de preocupação envolve as dadas as recentes mudanças na FCC de Ajit
principais políticas da Internet. Embora as Pai por Donald Trump para enfraquecer a
questões relativas às condutas e aos neutralidade da rede - uma Internet "cabla-
conteúdos de media sejam muitas vezes da" pode transformar-se num ambiente
tratadas separadamente, as questões de hostil para todos os criadores de media,
política da Internet, como a falta de acesso desde jornalistas profissionais da imprensa
de qualidade à Internet, são fundamentais até aos "bloggers" amadores que não podem
para o crescimento do jornalismo. O acesso pagar taxas exorbitantes a fornecedores de
precário à Internet, por exemplo, é um serviços de Internet e que são, consequente-
problema de infra-estrutura com sérias mente, relegados para as “faixas lentas”
implicações para o futuro dos media, mas digitais e colocados essencialmente num
raramente é abordado nos estudos de gueto online. Essas desigualdades não são
jornalismo. O “digital divide” (ou exclusão acidentais nem inevitáveis; elas resultam de
digital) nos EUA significa que quase um políticas explícitas que acomodam os merca-
quinto de todos os lares americanos ainda dos oligopolísticos e os interesses corporati-
carece de Internet de banda larga (Federal vos de forma mais geral (McChesney, 2013).
Communications Commission, 2015). Mesmo Por impactarem directamente no fluxo de
para aqueles com acesso, os serviços notícias dos media online, essas questões
costumam ser inferiores e caros em políticas devem ser uma preocupação cen-
comparação com outras democracias. Esse tral para os estudos de jornalismo.
problema poderia ser atenuado de alguma
forma permitindo às comunidades Por que a política de media é
oferecerem os seus próprios serviços de importante para o jornalismo
banda larga, e o fornecimento de subsídios à
Internet para americanos de baixos Olhando para o futuro, precisamos de uma
rendimentos expandiria o acesso e facilitaria visão clara dos problemas estruturais que o
o fluxo dos media online. jornalismo enfrenta. Isso implica não apenas
a compreensão de que as questões de
Problemas relacionados com o acesso aos propriedade e controlo dos media são
media digitais também vêm à tona no debate centrais para o futuro do jornalismo, mas
sobre a neutralidade da rede, que revela o também requer a compreensão de que o
artifício das divisões entre jornalismo e polí- governo terá que assumir um papel mais
tica. Além disso, como sabemos que o futuro activo. Isso é especialmente desafiante nos
do jornalismo é em grande parte digital, Estados Unidos, onde durante muitos anos
deveríamos estar a falar mais sobre as políti- um paradigma “libertário corporativo”
cas de Internet que ditam a propriedade e o dominou os debates políticos e o absolutismo
da Primeira Emenda impediu a intervenção comerciais que lutam para chegar ao status
do governo a favor das instituições de organização com reduzidos fins lucrativos
noticiosas. No entanto, os académicos e sem fins lucrativos para que recebam
podem desempenhar um papel importante contribuições de filantropos e de fundações.
para esclarecer o que está em jogo e quais as Muitos observadores argumentam há muito
intervenções políticas necessárias para que, em última análise, precisamos de um
garantir um sistema viável para o jornalismo grande fundo centralizado de media pública
de serviço público. que possa alocar recursos sem amarras para
apoiar os tipos de jornalismo de serviço
Voltando à ideia de subsídios aos media, público que o mercado nunca vai sustentar
embora não seja provável que aconteça ao (Pickard, 2015a). Os reformadores britânicos
nível federal tão cedo, o nível local pode ser estão a pressionar por um projecto de lei que
promissor. Por exemplo, campanhas recen- forçaria a Google e o Facebook a destinar 1%
tes têm procurado alocar dinheiro arrecada- das suas receitas a esse fundo (Greenslade,
do por estações de televisão públicas com o 2016). Existem métodos criativos para gerar
leilão de espectro para um fundo para jorna- este dinheiro; o que falta é imaginação e
lismo local. Os EUA também poderiam vontade política para os implementar.
alavancar a infra-estrutura pública já exis-
tente. Uma possibilidade é transformar os As reformas estruturais são extremamente
correios em centros de media comunitários difíceis até reformularmos o debate sobre o
locais. Além de fornecer acesso público à jornalismo e o puxemos da sua estrutura
Internet, esses espaços podem ajudar a faci- fundamentalista de mercado. Este debate
litar as reportagens locais através de vários deve envolver todos, incluindo jornalistas,
meios de comunicação - incluindo impres- mas também tecnólogos e defensores
sos, plataformas digitais e estações de rádio públicos. Deve abordar o futuro do
de baixa potência. O Urbana-Champaign jornalismo como um problema para toda a
Independent Media Center lançou um sociedade. Precisamos de regressar aos
modelo similar há mais de uma década, fundamentos normativos do que o jornalismo
quando conseguiu dinheiro para comprar o deve fazer numa democracia, com ênfase no
posto de correios do centro da cidade para a jornalismo local e a abertura para meios de
criação de media comunitária e outros apoio não baseados no mercado. Essa
projectos progressivos (Pickard, 2015a). discussão deve incluir um debate sobre as
responsabilidades sociais dos monopólios de
Também podemos olhar para modelos plataformas de media como o Facebook, à
históricos. Um modelo que merece mais medida que se torna cada vez mais uma
atenção foi uma experiência com jornais importante fonte de notícias. Mark
municipais subsidiados no início dos anos Zuckerberg recusou-se até a reconhecer que
1900 (Pickard, 2011). Outra ideia é ajustar as o Facebook é algo mais do que uma empresa
leis tributárias para facilitar que os jornais de tecnologia (Ingram, 2016).
http://www.niemanlab.org/2011/12/tom-stites-layoffs
-and-cutbacks-lead-to-a-new-world-of-news-deserts/
Resumo
Detalhes
O nome para este serviço deve ser escolhido com cuidado e, claro, registado. "Serviço
da eternidade", "Página perpétua", "Página da eternidade", "Página do E-memorial",
"Página eterna" são algumas possibilidades. Usarei "Página perpétua" neste artigo.
A primeira versão deste texto foi escrita em Dezembro de 1996, embora a ideia da
"página inicial perpétua" me tenha ocorrido pela primeira vez em Janeiro de 1996. Não
é de surpreender que outras pessoas tenham ideias semelhantes, e pode haver alguns
serviços comerciais que fornecem lápides electrónicas disponíveis mesmo agora. Mas
a minha visão é que esse serviço seria oferecido por uma grande organização ou
instituto, que já existe há muito tempo e tem alguma hipótese de existir daqui a 500
anos. E não estou a pensar em lápides, mas em "homepages".
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de lápides lisas pelo desgaste, à procura da a imagem mostra poeira circulando em torno
sepultura perdida de um antepassado. Além de uma ruína apropriada:
disso, à medida que a população mundial
continua a explodir, os cemitérios vão Eu conheci um viajante de uma terra antiga
tornar-se cada vez mais irrelevantes. Que disse: Duas pernas de pedra vastas e sem
tronco
O serviço de "Página perpétua" atrairia Estão no deserto... Perto delas, na areia,
especialmente clientes com alguma idade. Meio enterrado, está um rosto despedaçado,
Existem várias maneiras pelas quais os cuja carranca,
anúncios podem apontar a futilidade de E lábio enrugado, e zombaria de comando frio,
tentativas anteriores para se ser lembrado, Diz que o seu escultor bem lê essas paixões
mesmo por líderes mundiais. Por exemplo, Que ainda sobrevivem, estampados nessas
um anúncio poderia mostrar uma réplica do coisas sem vida,
Mausoléu original de Halicarnasso, após o A mão que zombou deles e o coração que
qual todos os mausoléus posteriores foram alimentou:
nomeados. (ver The Oxford History of the E no pedestal aparecem estas palavras:
Classical World, ed. J. Boardman et al., "Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Oxford, 1993, p. 150.) Olhai as minhas obras, ó poderosos, e
desesperai!"
Uma das Sete Maravilhas do Mundo, foi Nada além disso permanece. Rodear a
construído no ano 353 para o Rei Mausolo de decadência
Caria pela sua esposa. Já não existe. "Mas se Daquele naufrágio colossal, sem limites e vazio
o Rei Mausolo tivesse tido uma página As areias solitárias e planas se estendem para
perpétua, ainda poderíamos ler sobre as muito longe.
suas vitórias hoje..."
Também dará a todos os poetas e escritores
Uma forma alternativa em que a "Página não publicados, pintores e músicos não
perpétua" pode ser usada é por familiares e reconhecidos, cientistas cujas teorias são
amigos após a morte de um ente querido, rejeitadas, a oportunidade de ter os seus
criando um memorial permanente para o trabalhos imortalizados.
falecido. A página precisaria de ter um
guardião autorizado para filtrar material Outro anúncio poderia ter Jessye Norman
impróprio. Uma certa quantidade de espaço cantando a comovente e inesquecível ária
permanente seria adquirida, para a qual as "Remember Me" de "Dido and Aeneas" de
partes interessadas poderiam contribuir da Henry Purcell. (O título formal é "Thy hand
maneira que desejassem. Belinda - when I am laid in Earth" [Philips CD
434 161-2].)
Outro anúncio poderia ter uma voz lendo o
poema "Ozymandias" de P. B. Shelley, enquanto
Edina Harbinja, Marisa McVey (Aston University) e Lilian Edwards (Newcastle University)
Mas actualmente não existem leis que regulem a reencarnação digital. O seu direito à
privacidade dos dados após a sua morte está longe de ser imutável e, actualmente,
não há como optar por não ser ressuscitado digitalmente. Essa ambiguidade legal
deixa espaço para empresas privadas fazerem chatbots com os seus dados após a sua
morte.
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parentes podem falar, através de um telefone por plataformas online privadas, como o
ou de um robô humanóide. Facebook e a Google. Este controlo é baseado
nos termos de serviço que assinamos
A Microsoft não é a única empresa a ter quando criamos perfis nessas plataformas.
demonstrado interesse na ressurreição digi- Esses termos protegem fortemente a
tal. A empresa de IA Eternime desenvolveu privacidade dos mortos.
um chatbot de IA que recolhe informações -
incluindo geolocalização, movimentos, acti- Por exemplo, em 2005, a Yahoo! recusou-se a
vidades, fotos e dados do Facebook - que fornecer detalhes de login da conta de e-mail
permite aos utilizadores criarem um avatar para a família sobrevivente de um fuzileiro
de si mesmos para viver depois de morre- naval dos EUA morto no Iraque. A empresa
rem. Pode ser apenas uma questão de tempo argumentou que os seus termos de serviço
até que as famílias tenham a opção de reani- foram concebidos para proteger a
mar parentes mortos usando tecnologias de privacidade do marinheiro. Um juiz acabou
IA, como a da Eternime. por ordenar que a empresa fornecesse à
família um CD contendo cópias dos e-mails,
Se chatbots e hologramas de alguém num abrindo um precedente legal.
túmulo se tornarem comuns, precisaremos
de elaborar novas leis para os governar. Algumas iniciativas, como o Inactive Account
Afinal, parece uma violação do direito à Manager da Google e o Legacy Contact do
privacidade ressuscitar digitalmente alguém Facebook, tentaram resolver o problema dos
cujo corpo está sob uma lápide onde se lê dados "post mortem". Eles permitem que
“descanse em paz”. utilizadores vivos tomem algumas decisões
sobre o que acontece com os seus conjuntos
Corpos em binário de dados após morrerem, ajudando a evitar
batalhas judiciais feias sobre os dados de
As leis nacionais são inconsistentes sobre pessoas mortas no futuro. Mas essas medi-
como os dados pessoais serão usados após a das não substituem as leis.
sua morte. Na UE, a lei sobre a privacidade
de dados protege apenas os direitos das Um caminho para uma melhor legislação de
pessoas vivas. Isso deixa espaço para os dados "post mortem" é seguir o exemplo da
Estados membros decidirem como proteger doação de órgãos. A lei de "opt out" da doação
os dados dos mortos. Alguns, como a de órgãos no Reino Unido é particularmente
Estónia, França, Itália e Letónia, legislaram relevante, pois trata os órgãos dos mortos
sobre os dados "post mortem". Isso não como doados, a menos que a pessoa tenha
ocorreu no Reino Unido. especificado o contrário quando estava viva.
O mesmo esquema de exclusão [idêntico ao
Para complicar ainda mais as coisas, os português] pode ser aplicado aos dados "post
nossos dados são controlados principalmente mortem".
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O Estado da Internet 2021
Créditos
Imagem da capa
Barrett Lyon/The Opte Project, sob licença CC BY-NC 4.0
http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
6) Desgovernar?
Publicado originalmente na Internetactu.net, reproduzido com autorização do autor.
https://www.internetactu.net/2021/01/06/degouverner/
Imagem: "Social Media: When Was Each Platform Generating Its Peak Buzz on Google"
Fonte: Chartr
https://www.chartr.co/
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