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O Meu Lugar no Mundo: Quem são os Participantes no Estudo Qualitativo?

Helena Vasconcelos1 e Mônica Daltro2


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Mestranda pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Brasil. helena.sv29@gmail.com
2Departamento de Pós-Graduação da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Brasil. monicadaltro@bahiana.edu.br

Resumo. Tanto na configuração prática de assistência, como na execução de campo de pesquisa qualitativa,
o encontro entre duas pessoas é capaz de apontar novos caminhos e diretrizes para o trabalho em saúde. O
objetivo do presente artigo é discutir a importância da codificação dos participantes de uma pesquisa para
uma compreensão mais ampliada do fenômeno, da realidade produzida no processo da pesquisa. A partir
do contexto fenomenológico de interação subjetiva, descreve o processo de construção de codificações de
uma pesquisa que investiga a percepção de oncologistas brasileiros sobre a relação médico paciente. A
codificação foi realizada a partir dos sentidos produzidos pelo encontro da pesquisadora com os
participantes, ampliando assim a possibilidade de o leitor alcançar da realidade ali construída. Nota-se a
relevância da codificação por participante enquanto elemento de aprofundamento da análise sobre a díade
pesquisadora-pesquisados no estudo qualitativo, contribuindo para a melhor contextualização dos
resultados obtidos.

Palavras-chave: Análise de sentido; Cuidado; Complexidade; Fenomenologia; Ética.

My Place in the World: Who are the Participants in the Qualitative Study?
Abstract. Both in the practical configuration of care, and in the execution of a qualitative research field, the
encounter between two people is able to point out new paths and guidelines for health work. The objective
of the present article is to discuss the importance of the codification of the participants of a research for a
broader understanding of the phenomenon, of the reality produced in the research process. From the
phenomenological context of subjective interaction, describes the process of building codifications of a
research that investigates the perception of Brazilian oncologists on the patient physician relationship. The
codification was done from the senses produced by the meeting of the researcher with the participants,
thus increasing the possibility of the reader to reach the reality built there. It was observed the relevance of
the coding by participant as element of deepening of the analysis on the researcher-researched dyad in the
qualitative study, contributing to the better contextualization of the obtained results.

Keywords: Analysis of meaning; Care; Complexity; Phenomenology; Ethic.

1 Introdução

O conceito de saúde, baseado na teoria da complexidade de Edgar Morin (citado por Arruda, Lopes,
Koerich, Winck, Meirelles & Mello, 2015) já indica em si uma necessidade de lidar com o processo de
relação saúde-doença de maneira diversa a um processo fabril de construção e/ou manutenção de
objetos e bens de consumo. Perspectiva que coloca ao pesquisador o desafio de compreender os
processos de cura e adoecimento a partir de dimensões multicausais e multifatoriais. Isso, significa
dizer que para cada sujeito, a experiência de adoecer, assim como a experiência de assistir/cuidar da
saúde de alguém, se fará de maneira singular e, portanto, complexa. Essa perspectiva abre a
discussão sobre como, num processo apresentação de resultados de uma pesquisa qualitativa, essa
singularidade pode está colocada. Especialmente, quando, o cenário exige a proteção da identidade
dos participantes.

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O cuidado na área de saúde alcança um nível de importância de peso essencial à elaboração


heideggeriana de que é o que molda “as diversas formas particulares de existência” (Ayres, 2008).
Hipócrates (Rezende, 2009), um dos primeiros a compreender o peso da responsabilidade de quem
assiste e de quem ensina aos então médicos sobre como lidar com aqueles que sofriam de um mal-
estar, já apontava para o entendimento de que cuidar do outro representa um poder que resulta em
benefícios ou malefícios. Atenta também para o dever de reconhecer a capacidade técnica para cada
situação, ao respeito para com os entes de seus pacientes e sigilo diante das informações por eles
fornecidas que exigissem discrição e reserva. O cuidado aqui enquanto “conjunto de procedimentos
tecnicamente orientados para o bom êxito de um certo tratamento” (Ayres, 2008) visa a integridade
do profissional, indicando alguns preceitos do que deve fazer, deve evitar e deve respeitar. O dever do
médico estaria baseado em normas de conduta também sociais. A prática clínica desde então já
estava posta diante de um contato de relação, no qual o cuidado prestado sobre a vida dos pacientes
também poderia interferir no contexto social em que ambos se inseriam. Logo, a relação aqui
estabelecida será de suma importância para que os melhores resultados sejam alcançados e que a
qualidade do processo de tratamento também se dará sob as melhores condições disponíveis por
cada um. A autonomia, neste caso, está representada pela liberdade de cada elemento da relação em
expressar seus conhecimentos, suas precauções e receios e saber que haverá ali um espaço de
respeito (Campos & Oliveira, 2017) escuta e compreensão. A compreensão abordada por Gadamer,
segundo Ayres (2008) representa uma noção humilde e ampla sobre a margem entre os saberes e as
posições de onde partem cada pessoa num processo de comunicação, o que em saúde aparece
enquanto um dos conceitos fundamentais para garantir o bem-estar da relação de cuidado entre
médico e paciente. Porém, tais conceitos como cuidado, compreensão e autonomia, ainda que
pareçam por definição bastante significativos no processo de contato junto aos pacientes, só se
mostram passíveis de importância científica quando explorados e analisados segundo um processo
de interpretação teórico-metodológico, apontado por Deslandes & Assis (2013), como um breve
resumo do que se possa expressar sobre o que significa classificar uma pesquisa qualitativa. Isto é,
precisam também passar pelo crivo da escrita e avaliação da comunidade científica para que possam
ser utilizados de forma técnica dentro das formações profissionais. Trata-se de um nicho específico de
interação com a realidade, onde se reconhece que aqueles elementos constituem um lugar de saber
sobre o mundo e suas qualidades intersubjetivas, buscando reconhecer o significado da ação social
sob o ponto de vista dos sujeitos pesquisados (Deslandes & Assis, 2013). Sendo assim, retorna à
necessidade de reconhecer que não é possível ignorar estes também participantes da pesquisa, que
representam a outra ponta do que tradicionalmente se categoriza enquanto objeto de estudo: as
“configurações singulares”. De acordo com as autoras, não é possível reproduzir uma pesquisa
qualitativa, ainda que se faça um estudo baseado na condução de outro autor, dado o fato de que
cada elemento descrito, observado e interpretado, passam pelo contexto que cerca o pesquisador
que executou e produziu o trabalho, a partir das condições disponíveis no momento em que aquela
realidade for a acessada. No processo da pesquisa qualitativa, Bauer, Gaskell & Allum (2015) apontam
que, havendo nela um interesse pela compreensão do mundo através de seus atores sociais, o
pesquisador necessita estar disponível para “falar a língua que ele interpreta”, com o intuito de
favorecer o processo de interpretação e crítica de seus conteúdos. Em complemento, Deslandes &
Assis (2013) defendem que, além de melhor definir quais teorias e conceitos guiam as articulações
interpretativas estabelecidas, é importante reforçar que as ciências sociais, trabalhando a partir da
abordagem qualitativa de pesquisa, valem-se dessa proximidade desenvolvida junto à população de
estudo para garantir um alto nível de fidedignidade sobre os chamados de “construtos de realidade
empírica” e da “experiência dos sujeitos pesquisados”. Sabe-se que, no Brasil, de acordo com a
Resolução 466/12, na construção de trabalhos científicos em saúde, o processo de identificação dos
“participantes da pesquisa” deve garantir o anonimato e o sigilo. Torna-se, portanto, etapa primordial

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no contexto de compreensão da população estudada saber direcionar a caracterização desta de


forma a preservar o que eticamente precisa ser preservado. Ou seja, a codificação e apresentação
dos participantes da pesquisa precisa, ao mesmo tempo, evitar que aqueles que se dispuseram a
contribuir com o estudo possam ser reconhecidos entre seus pares diante da publicação dos
resultados alcançados, mas também tenham o seu contexto de identidade perante esses mesmos
resultados respeitado. Afinal, a “configuração singular” em que se procede a pesquisa qualitativa
trata de uma perspectiva única, irreprodutível e não generalizável, do encontro do pesquisador junto
ao pesquisado. Estudos que busquem entrevistar participantes e analisar suas respostas a partir da
interpretação de sentido (Minayo, 2016), ao elaborar uma codificação e apresentação da população
considerando as impressões do pesquisador diante do participante, tanto permite uma melhor
aproximação diante da realidade ali vivida entre eles, como amplia a categorização dos dados
coletados para além das falas ouvidas através de gravação de áudio/vídeo. A observação participante
(Gomes, 2014) no contexto do encontro também se faz presente na descrição, apontando a história,
o comportamento e a sintonia estabelecida durante o contato. Assim, o objetivo do presente artigo é
discutir a importância da codificação dos participantes de uma pesquisa para uma compreensão
ampliada do fenômeno, da realidade produzida no processo da pesquisa. A partir do contexto
fenomenológico de interação subjetiva, descreve o processo de construção de codificações de uma
pesquisa que investiga a percepção de oncologistas brasileiros sobre a Relação Médico-Paciente. A
codificação foi realizada a partir dos sentidos produzidos pelo encontro da pesquisadora com os
participantes, ampliando assim a possibilidade de o leitor alcançar a realidade ali construída.

2 Método

A pesquisa que dá suporte à questão metodológica apresentada nesse artigo se apresenta como um
estudo analítico de cunho exploratório e natureza qualitativa a partir do método fenomenológico,
pensando-se na abordagem qualitativa como um viés de pesquisa rigoroso e bastante próximo do
processo de investigação e compreensão sobre os objetivos da pesquisa na Ciências Humanas. Isto é,
ainda que seja possível e muito interessante o viés quantitativo de medição, predição e
reprodutibilidade dos estudos desenvolvidos a respeito da relação homem-mundo, filósofos como
Gadamer (2011) apontam para a necessidade de se reconhecer e validar a distinta natureza da
pesquisa que se volta para os processos não biológicos (ou das Ciências Naturais). Desta forma,
reforça-se a importância do movimento da pesquisa qualitativa em sua capacidade de elucidar e
conhecer os complexos processos de constituição da subjetividade, diferentemente dos pressupostos
“quantitativos” de predição, descrição e controle, permitindo explorar e aprofundar discussões a
respeito de conteúdos não palpáveis ou observáveis, mas sim, vivenciados diretamente pelos
envolvidos em sua experiência singular (Holanda, 2006).
Tal abordagem de pesquisa foi definida ao considerar-se que o encontro profissional-paciente é
compreendido enquanto um fenômeno, isto é, o que Creswell (citado por Holanda, 2006) descreve
como sendo a “descrição das experiências vividas” de vários sujeitos sobre um conceito ou
fenômeno, com vistas a buscar a estrutura “essencial” ou os elementos “invariantes” do fenômeno,
ou seja, seu “significado central”. Dessa forma, sugere-se utilizar de questões que explorem o
significado da experiência, a partir da coleta de dados de sujeitos que experienciaram o fenômeno
(que pode ser feita através de entrevistas, depoimentos, estudos de caso, acrescidas de auto-
reflexão, etc).
A coleta de dados foi desenvolvida a partir de entrevista semiestruturada, com aplicação de
questionário sócio demográfico e roteiro de entrevista com questões abertas. Foram realizadas
catorze entrevistas individuais, havendo estimado como número mínimo, para dar suporte a uma

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discussão mais ampla, os dez serviços ambulatoriais de Oncologia na cidade de Salvador, com o
objetivo de obter a participação de pelo menos um médico de cada um desses centros de
assistência/referência da cidade de Salvador. Ainda assim, tratando-se de uma pesquisa qualitativa a
partir de uma estratégia não probabilística de recrutamento, houve a necessidade de atentar que
outros médicos poderiam ser recrutados até que ocorresse o fenômeno da saturação, na qual não
seriam observadas novas informações na comparação das respostas.
O roteiro de questões abertas foi elaborado a partir dos objetivos elencados pela presente pesquisa
diante da revisão integrativa de literatura, a fim de alcançar a percepção dos oncologistas sobre os
conteúdos e sentidos referentes à experiência do fenômeno do encontro junto ao paciente
oncológico através da Relação Médico-Paciente. As entrevistas foram aplicadas em local reservado
sugerido por cada entrevistado. Caso estes sentissem qualquer desconforto ou incômodo diante do
processo de entrevista, poderiam ser encaminhados para atendimento junto à psicóloga
pesquisadora e orientadora deste trabalho. As entrevistas foram realizadas a partir de gravação de
áudio, utilizando aplicativo para celular de captação de áudio. As respostas ao roteiro de entrevista
foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra, sendo o seu conteúdo mantido em sigilo e
compartilhado apenas entre os membros da pesquisa, sem identificação nominal do participante. O
estudo foi submetido para aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Bahiana para o
Desenvolvimento da Ciência, sendo aprovado sob o número do CAEE 70610217.7.0000.5544 após a
qual foi iniciado o processo de coleta de dados, de acordo com a Resolução nº 466/12. Todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de forma a estarem
protegidos ao longo do estudo.
A partir desse desenho de estudo, foi também incluída a descrição de cada participante com o
propósito de permitir a identificação dos participantes, sem comprometer o compromisso do sigilo
ético proposto pela Resolução nº 466/12. Para tanto, foi realizada uma descrição subjetiva a partir
das impressões da pesquisadora sobre os participantes da pesquisa obtidas através de observação
participante (GOMES, 2014), considerando as representações sociais pré-existentes à pesquisa sobre
o lugar social do médico e suas interseções com a escuta realizada pela pesquisadora, psicóloga de
formação. Optou-se então por trabalhar com os nomes dos deuses identificados nas histórias
mitológicas da Grécia Antiga, a fim de buscar também facilitar a visualização da impressão causada na
pesquisadora sobre o tema em estudo e a percepção difundida sobre o lugar do saber médico pelos
próprios pacientes como “divino” (SILVA, SILVA & ALENCAR, 2015). Em seguida, foram apresentados
trechos de falas de cada médico, para ilustrar a interpretação da pesquisadora diante dos
participantes, categorizadas a partir da impressão produzida.

3 Os encontros

Zeus
Como o primeiro dos deuses que fora poupado da maldição do deus Cronos, o qual devorava cada
um de seus filhos devido ao receio de perder o seu lugar de onipotência no Universo, apelido o
primeiro entrevistado. Já observando essa primeira característica, pode-se dizer que fora o primeiro a
vencer a questão do tempo de coleta (Cronos) e buscou também fazê-lo em relação aos demais
participantes da pesquisa, ao também se dispor enquanto “semente” deste trabalho, tal qual Zeus
fizera ao libertar seus irmãos do estômago de seu pai. Outro ponto importante refere-se ao fato dele
já ter transitado em diversas instituições na cidade de Salvador, tendo sido gestor ou parte da alta
gestão em todos eles, sendo reconhecido, portanto, como líder por onde esteve. Este, visivelmente o
mais alto dos participantes da pesquisa, também se assemelha a essa figura mitológica, pela destreza

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com que buscara responder às questões: com precisão e intensidade, tais quais os raios lançados
pelo pai do Olimpo. Em sua abordagem sobre os temas propostos, parecia interessado em dispor da
resposta mais precisa, buscando fazer contextualizações sobre o seu ponto de vista que melhor
verificassem sua capacidade técnica de analisar as circunstâncias de suas vivências. Ao mesmo
tempo, demonstrou ser bastante afável nos contatos externos ao momento da entrevista, tal como
uma figura paterna que se interessa por saber que caminho a pesquisa seguiu e se haveria novos
contatos que pudesse oportunizar.
Então, o médico ainda acha que tem a função protetora, paternalista, e o paciente acha que o
médico tem a função ainda de sacerdote, que tem uma ligação com o divino, que vai cura-lo de
maneira absolutamente fácil da injúria que ele tá passando, isso gera um pouco de conflito na
relação.

Segundo o juramento hipocrático (Rezende, 2009), a atitude passiva do paciente diante do contato
com o médico favorecia uma relação unilateral de saber sobre o doente, evitando haver qualquer
tipo de diálogo ou compartilhamento de decisões sobre o processo de doença ou de
cura/tratamento. Campos & Oliveira (2017) afirmam que tal posicionamento corrobora com a atitude
paternalista por parte do médico, que então se apresenta junto ao paciente enquanto detentor do
poder de decisão, como um pai numa família que preconize o patriarca enquanto figura central de
saber. Neste sentido, compromete a autonomia do paciente, isto é, sua liberdade de escolher e se
responsabilizar pelo processo vivenciado no acompanhamento médico. Diante da fala exposta pelo
oncologista, é possível inferir que sua compreensão sobre o papel do médico na atualidade já não
corresponde à forma como os pacientes se apresentam em sua clínica. No entanto, ao verificar a
descrição das impressões da pesquisadora, ainda que o seu discurso afirme tal desacordo, a sua
postura no momento do encontro se mostra alusiva a esta posição de paternidade.
Hermes
Conhecido como deus da comunicação e dos transportes, o terceiro entrevistado parecia reunir esses
mesmos elementos dentre as características que mais chamaram a atenção. Além de ter sido uma
das mais longas, o local de sua entrevista também exigia um rigor de agenda, pois atende em outras
unidades da mesma instituição, sendo o seu deslocamento possível apenas por caminhos longos e
sinuosos. Mais jovem, demonstrou bastante interesse e paciência para responder cada uma das
questões, com cuidado e esmero em sanar as dúvidas que pudessem parecer ainda primárias ao
contato com a Oncologia, mas importantes para o reconhecimento de suas especificidades. Em suas
respostas, também houve grande investimento em falar do lugar de comunicador de notícias e de
buscar esse meio de interação para resolução de questões dentro do processo de diagnóstico e
tratamento. É também chefe de serviço no local em que trabalha, sendo este reconhecido como uma
importante instituição de assistência em Oncologia, sendo referência na cidade por sua infraestrutura
e qualidade de serviço. Ainda oportunizou contato junto a outros dois colegas, além de ter permitido
os primeiros insights sobre o lugar da pesquisadora e a forma de questionar e absorver os conteúdos
emergentes ao longo das demais entrevistas.
Então, muitas vezes eu me deparo com familiares pedindo para não falar de uma forma clara o
diagnóstico, e isso é um problema, porque para eu iniciar um tratamento eu tenho que dizer qual
é o diagnóstico.

A questão aqui exposta por Hermes é recorrente no campo da medicina, especialmente na área
oncológica, de acordo com Caponero (2017). O autor chama de “conspiração do silêncio”, prática
comum entre familiares que percebam que o diagnóstico pode apontar para um desfecho de
terminalidade ou agravamento do adoecimento físico investigado. Em consonância com as situações

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ilustradas pela literatura, o médico entrevistado reafirma este dado com a naturalidade de quem
parece lidar com o fato diariamente, sendo possível ressaltar o destaque desta condição a partir da
codificação do deus grego da comunicação.

4 Considerações Finais
No âmbito dos estudos sobre a pesquisa qualitativa, muito se discute sobre o lugar dos personagens
envolvidos, as possibilidades de relação entre pesquisadores-pesquisados. Discute-se também, sobre
a necessidade de respeitar as singularidades de cada participante, garantir atitudes e procedimentos
éticos, um conjunto de questões que sempre mantêm o sigilo e o anonimato em pauta.
Nesse estudo, o processo de codificação, compromete-se com as dimensões de sigilo e anonimato
prevista pelas resoluções que regem os Comitês de Ética no Brasil, mas garantindo a singularidade
que permite ao leitor ter uma maior aproximação com uma realidade produzida no momento do
encontro entre a pesquisadora e os pesquisados e posteriormente entre a pesquisadora e a
experiência da escrita. É evidente que não se trata de uma descrição minuciosa do real da
experiência, mas da produção de uma compreensão, um sentido, uma versão, decorrente de uma
escuta, em um determinado momento. O processo de construção dessa forma de codificação em
pesquisa reitera a impossibilidade da neutralidade da pesquisa e afirma a importância do
pesquisador, de seu lugar de fala e existência para produção do conhecimento científico. Nota-se,
assim, a relevância da codificação por participante enquanto elemento de aprofundamento da
análise sobre a díade pesquisadora-pesquisados no estudo qualitativo, contribuindo para a melhor
contextualização dos resultados obtidos.

Referências
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