Carlos Alberto Torres

A Dialética H e g e l i a n a e o
P e n s a m e n t o Lógico-Estrutural
de Paulo Freire
N O T A S P A R A U M A ' A N A L I S E E C O N F R O N T A Ç Ã O D O S
P R E S S U P O S T O S F I L O S Ó F I C O S V I G E N T E S N A
D I A L É T I C A D A P E D A G O G I A D O S O P R I M I D O S
E D O P E N S A M Í E N T O F R E I R E A N O E M G E R A L

INTRODUÇÃO

O p e n s a m e n t o d e P a u l o F r e i r e c o n s t i t u i u m a síntese difícil d e s e r
captada globalmente. R e p r e s e n t a a maturação orgânica e a c o m p r e -
ensão d e a l g x m s a s p e c t o s c e n t r a i s — o s e l e m e n t o s m a i s v a l i o s o s —
d e d i s t i n t a s v e r t e n t e s filosóficas, c o m p l e m e n t a r e s e m a l g u n s c a s o s ,
confrontados e opostos e m outros.

O o b j e t i v o d e n o s s o t r a b a l h o será l e v a r u m p o u c o m a i s d e Ixxz s o b r e
a f i l o s o f i a d a educação q u e está s u b j a c e n t e , e n q u a n t o f i l o s o f i a .

N o s s a t e s e c e n t r a l é a s e g u i n t e : e m F r e i r e c o n f l u e m , n u m r i c o amál-
g a m a filosófico, o p e n s a m e n t o e x i s t e n c i a l ( o h o m e m c o m o s e r e m
construção), a f e n o m e n o l o g i a ( o h o m e m q u e constrói s u a consciência
enquanto intencionalidade), o maxismo (oh o m e m vive o drama do
c o n d i c i o n a m e n t o econômico d a iníraestrutura e o c o n d i c i o n a m e n t o
ideológico d a s u p e r e s t r u t u r a , o u e m p a l a v r a s d o m e s m o F r e i r e ( . . . )
" p a r a e n t e n d e r o s níveis d e consciência, é necessário v e r a r e a l i d a d e

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 histórico-cultural c o m o l u n a s u p e r e s t r u t u r a e m 'relação a u m a i n f r a -
e s t r u t u r a " , ^ e a dialética hegeliana ( o h o m e m , c o m o autoconsciên-
c i a , p a r t e d a experiência c o m u m até elevá-la à ciência dialética,
p a s s a d e s e r" e ms i " p a r a s e r" e me p a r a si").

É possível a f i r m a r q u e a dialética h e g e l i a n a é a v e r t e n t e central

d e s t a confluência.

S e m dúvida, a dialética d o s o p r e s s o r e s - o p r i m i d o s , a p e s a r d e s u p o r
a dialética d o s e n h o r e d o e s c r a v o , não s e e s g o t a n e l a . A diferença
r a d i c a l e n t r e a dialética p r e s e n t e e m F r e i r e e a dialética d e H e g e l
é q u e este, a o incorporar o s valiosos elementos d e outras correntes
filosóficas ( e x i s t e n c i a l i s m o , f e n o m e n o l o g i a , marxismo), reduz a
p o s i t i v i d a d e d a negação d e t e r m i n a d a e c r i a n O v o s h o r i z o n t e s d e
compreensão d o fenômeno histórico-social e a conseqüente p r a x i s .

E s t a redução c o n f i g u r a - s e c o m o superação, daí q u e o p e n s a m e n t o

f r e i r e a n o a s s u m a o p o v o c o m o " S e n h o r d a História", e m o l d e s u a
f i l o s o f i a c o m o libertação, c o m o p r a x i s , e não s o m e n t e c o m o c o n -
ceito.

S e m dúvida a l g u m a P a u l o F r e i r e — d a m e s m a m a n e i r a q u e H e g e l
— t e m s u b j a c e n t e u m p e n s a r teológico, u m a t e o l o g i a , " porém
não é o o b j e t i v o d e s s e t r a b a l h o explicitá-lo.

P o r último c a b e r i a f a z e r a s e g u i n t e consideração: e s t a t e s e s u r g e
d e n o s s a compreensão d o p e n s a r f r e i r e a n o c o m o u m p e n s a m e n t o
lógico-estrutural, e e n q u a n t o t a l , cohfrontável c o m o u t r o s . E n t e n -
d e m o s p o r lógico u m p e n s a m e n t o q u e s e e s t a b e l e c e através d e
c a t e g o r i a s , comunicáveis, construídas e q u e estão i n t e r c o n e c t a d a s
c o m o s i s t e m a ; e n t e n d e m o s p o r e s t r u t u r a l , u m s i s t e m a estável,
f e c h a d o e c e n t r a d o e m t o m o d e Idéias c h a v e s — idéias forças —
a r t i c u l a d a s p o r p a r t e s c u j a confrontação c o n s t i t u i u m t o d o dialé-
tico n o qual, a ovariar algumas d a s premissas fundantes, varia
toda a "estrutura".

1. F R E I R E , P a u l o : " A c c l d n C u l t u r a l p a r a I a L l b e r t a d " , T i e r r a
N u e v a , B . A . — edição a c a r g o d e Júlio B a r r e i r o — 2.* edición, m a r z o
d e 1975, p . 65.
2. V e r a r e s p e i t o : C A V A L C A N T I , Pompéia: " T e n t a t i v a d e u m a l e i -
t u r a teológica d o p e n s a m e n t o d e P a u l o F r e i r e " , "Síntese 5 " , N o v a F a s e ,
v o l . 1 1 , o u t u b r o - d e z e m b r o d e 1975, R i o d e J a n e i r o , p p . 87-89. Também
no item I Vd e " L a s raices cristianas d ePaulo Freire", e m "Lectura
crítica d e P a u l o F r e i r e : a n t o l o g i a d e e n s a y o s l a t i n o a m e r l c a n o s s o b r e I a
p e d a g o g i a d e P a u l o F r e i r e " , T i e r r a N u e v a , B A . , próxima aparición,
introducción. F i n a l m e n t e p o d e - s e c o n s u l t a r : T O D T , H J : . ; T O D T , I . :
" P a u l o F r e i r e conscientização-fine t h e o l o g i s c h e T h e o r l e d e r S o z i a l l s a -
t i o n ? ( R e v i e w a r t i c l e ) , Z e i t s c h r i f t f u r E v a n g e l i s c h e E t h i k , 16, s e p t i e m b r e
d e 1972, p p . 306-311; o u F R A N C O , F a u s t o : " E l h o m b r e , construcclón
progresiva — I a tarea educativa d e Paulo Freire", Edit. Marsiega,
M a d r i d , 1973, p p . 39-45, 247-261.

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E m F r e i r e e x i s t e e s s e p e n s a m e n t o c a t e g o r i a l e s t r u t u r a d o e não
m e r a m e n t e u m a m e s c l a c o n f u s a d e idéias o u c o r r e n t e s , n e m t a m -
p o u c o l u n ecletismo d em e r a n o v i d a d e .

Estas são a s p r e m i s s a s d e o n d e p a r t i m o s p a r a n o s s a análise.

ANÁLISE DAS VERTENTES FILOSÓFICAS

D I V E R S A S D E F R E I R E
1. A Influência d o E x i s t e n c i a l i s m o
O DaSein (existente h u m a n o ) possui como estrutura fimdamental
a t e m p o r a l i d a d e (Zeitlichkeit). A descrição fenomenológica q u e
u m H e i d e g g e r r e a l i z a , e m b u s c a d e u m a analítica e x i s t e n c i a l d o
Dasein, m o s t r a q u e e s t e s e m a n i f e s t a c o m o u m s e r c u j o caráter
fimdamental é estar-no-mundo, c o m s e u correspondente compor-
t a m e n t o e x i s t e n c i a l , q u e c o n s i s t e n a f a c u l d a d e d e desapropriação
— aptidão q u e t e m o e x i s t e n t e h i u n a n o p a r a a b s o r v e r - s e n a s c o i s a s .

Três a s p e c t o s c o m p l e m e n t a m t a l análise. A p r i m e i r a v i r t u a l i d a d e
d a desapropriação c o n s i s t e n a inteligência o u apreensão p r o s p e c -
tiva de suas possibilidades, capaz de transformar s e u futuro. A
s e g u n d a v i r t u a l i d a d e é u m a situação d e f a t o * r e v e l a d o r a d e m a
p a s s a d o q u e l h e f o i i m p o s t o e d e v e forçosamente a c e i t a r ; f r e n t e
à primeira virtualidade, atitude prospectiva, esta manifesta-se como
atitude retrospectiva. Finalmente deve subordinar-se a u m a atitude
d e servidão p a r a c o m a l g u m a s c o i s a s d o e s t a r p r e s e n t e .

E m síntese, Dasein, i m p l i c a u m a tensão contínua c o n ^ antecipação

d o f u t u r o , dependência d o p a s s a d o e imprescindível n e c e s s i d a d e
d ^ estar e m contato c o m algumas coisas do presente. E m stmia,
t o d a e s t a análise r e s u m e - s e n a c o m p l e x a expressão estar-no-mundo.
Porém d e s d e u m a p e r s p e c t i v a ontológica, e s s e estar-no-mundo
eqüivale a e s t a r - n o - t e m p o . O existencialismo t e m insistido perma-
n e n t e m e n t e e m c o n s i d e r a r o h o m e m c o m o ser-no-munão, q u e r d i z e r ,
o h o m e m c o m o existência, m a s também, o h o m e m c o m o s e r - c o m -
-os-outros, c o m o a b e r t u r a .
T o d a v i a e s s e s e r - n o - m u n d o , c o m o experiência h u m a n a , c o r r e u m
g r a n d e r i s c o , o " e s t r a n h a m e n t o " , a alienação n u m m u n d o q u e
m a s s i f i c a ( p e l a funcionalização, o t e r c o m o v a l o r p a r a s e r , a p e r d a
d o s e n t i d o d o mistério); d a m e s m a m a n e i r a , só a p a r t i r d a e x p e -
riência c o m o existência, é possível a comunicação d e i n t e r s u b j e t i -
v i d a d e s m e d i a n t e o diálogo q u e só é possível e l a b o r a r c o m o c o m -
p r o m i s s o c o m 05 " d e s a f i o s " d o m u n d o .
U m compromisso q u e r e v a l o r i z a a f i d e l i d a d e e a esperança.
O e x i s t e n t e , a o t e r u m a apreensão a n t e c i p a d a d e s u a t e m p o r a l i d a -
d e , d e ser-para-a-morte, não t e m d e m o d o a l g u m u m c o n h e c i m e n t o

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r a c i o n a l , senão u m a experiência q u e c o n s i s t e n u m a c e r t a tonalidade
afetiva.
E s t a tonalidade afetiva fundamental pode exprimir-se no conceito
d e angústia — o d e s l i z a m e n t o d a t o t a l i d a d e d o e x i s t e n t e p a r a o
n a d a , n o d i z e r d e H e i d e g g e r —, c o m o s e a última v i r t u a l i d a d e d o
existente fosse o nada. P a r a o existencialismo, a frase estar-no-
- m u n d o o u n o m e i o d o e x i s t e n t e , não q u e r d i z e r , n e c e s s a r i a m e n t e
e d e f o r m a ineludível, u m e s t a r e n t r e o u t r o s e x i s t e n t e s c o m o s e
e s t e s f o s s e m seres-situados-ante-nós. E s t a é m n a d a s diferenças
fundamentais entre a sdiversas correntes conceptualizadas como
existencialismo.

F r e i r e , r e t o m a n d o e s t a discussão esiJecífica, n i a n i f e s t a q u e o h o -
m e m (...) "existe no e c o m o mundo". ^

Começa d i z e n d o - n o s q u e o h o m e m é u m s e r d e relações e não

s o m e n t e d e contatos c o m o m u n d o (ser h u m a n o c o m o situado
e d a t a d o — M a r e e i — o u s e r n a situação — J a s p e r s — ) , e e n q u a n t o
t a l a d m i r a e s s e m u n d o porém a o m e s m o tempo'é u m t r a n s f o r m a -
d o r d e s s e m u n d o , d a n a t u r e z a , d e s u a própria p e s s o a , d a História.

Diz a respeito (...) " P o r q u e a d m i r a o m u n d o , e p o r isso objetiva-o,

porque capta e compreende a realidade e a transforma c o m sua
ação-reflexão, o h o m e m é u m s e r d a p r a x i s . M a i s a i n d a : o h o m e m
é p r a x i s ( . . . ) s u a vocação ontológica, q u e d e v e e x i s t e n c i a r é a d e
sujeito que opera e transforma o mundo. S u b m e t i d o a condições
c o n c r e t a s q u e o t r a n s f o r m a m e m o b j e t o , o h o m e m estará s a c r i f i -
c a n d o s u a vocação f u n d a m e n t a l . ( . . . ) Ninguém é, s e proíbe q u e
os outros sejam"."

Porém c o m o p a r a F r e i r e , a humamzação é u m p r o c e s s o d e i n t e r -
relação dialética e s u b j e t i v a , e m t a l p r o c e s s o o v e r d a d e i r a m e n t e
h u m a n o p o d e c h e g a r a s e r r o u b a d o — c o m o é r o u b a d a a produção
d o t r a b a l h o p a r a o p e n s a m e n t o m a r x i s t a — P o r quê? P o r q u e a
mediação i n t e r s u b j e t i v a p o d e s e r a l t e r a d a p e l a prescrição: u m a
consciência p r e s c r e v e o âmbito h u m a n o d a o u t r a .

S e m e m b a r g o , este r o u b o fica i m p u m e . C o m efeito, e x i s t e m homens

q u e não p o d e m c h e g a r a p r o n i m c i a r s u a p a l a v r a , já q u e existem
o u t r o s q u e o s proíbem q u e s e j a m , s i m p l e s m e n t e .

O o p r e s s o r ( a consciência p r o i b i d o r a ) , s ea r r o g a o direito de ser

a única h u m a n i d a d e — a humanização pelo ter e não p e l o s e r —.
Além d i s s o , p a r a e s t a consciência i s t o não é u m delito m a s u m a
ação lógica, já q u e é, n a m e d i d a q u e tem mais, e s e começa a

3. F R E I R E , P a u l o : o p . c i t . , p . 55.
4. F R E I R E , P a u l o : " L a concepción p r o b l e m a t i z a d o r a d e I a E d u c a -
ción y I a humanizaclón", e m"Cristianismo y Socledad", suplemento
especial-edición n o c o m e r c i a l —, Montevidéu, s e p t i e m b r e d e 1968, p . 18.

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p e r d e r p a r t e d e s u a s p o s s e s , c o m e g a a p e r d e r também p a r t e d e
sua humanidade.

Então, o q u e o c o r r e c o m a vítima? A consciência p r o i b i d a , p r e s -

c r i t a , não r e c l a m a p e l o r o u b o , o u m e l h o r , e s p e r a p o r s u a o p o r t i m i -
dade. M u i t o f a c i l m e n t e , a c o l h e e m s i o s v a l o r e s d a consciência
q u e proíbe e , p o r i s s o , só e s p e r a s u a ocasião d e p o d e r t e r , p a r a s e r .
Ê u m a consciência dual. Também é u m a consciência fatalista, s e
os outros coisificam-na, procura adaptar-se, identificando-se c o m
a fimção q u e l h e o u t o r g a m .

D e n t r o d o âmbito r e l a c i o n a i
q u e também l h e f o i p r e s c r i t o ,
g a d o : é i n f e r i o r a o patrão, —
o r d e m — p o r i s t o , também é
s u a s experiências a l i e n a n t e s .
d e s t a consciência, e x i s t e u m m i t o ,
e q u e se encontra fortemente arrai-
símbolo d a c u l t u r a , d o p o d e r e d a
mágica, já q u e não p o d e c o n t r o l a r

Desta maneira Freire, d o m e s m o m o d o q u e o pensamento existen-

c i a l , a o a p r o f u n d a r a reflexão s o b r e a experiência h u m a n a , c o n c e b e
esta c o m o projeto a ser realizado, c o m o palavra a ser pronunciada.

P o r t a n t o , a existência autêntica é u m a tensão d o l o r o s a entre a

l u t a p e l a personalização e o r i s c o d a alienação.

A situação c o n c r e t a q u e F r e i r e d e s c r e v e i m p l i c a u m a denúncia-
-anúncio: a n u n c i a n d o a l i b e r d a d e e a esperança n o h o m e m n o v o ,
o h o m e m crítico d e s u a r e a l i d a d e , o h o m e m - p e s s o a ; d e n i m c i a o
roubo d a humanidade pelo opressor.

D e s t a m a n e i r a , p a r a F r e i r e — u m p e d a g o g o p o r excelência — a
educação, d e n t r o d e s t e p r o c e s s o , c u m p r e u m a função m u i t o d e f i -
n i d a d e "orientação n o m i m d o " e p o r t a n t o é u m ( . . . ) " a t o d e
c o n h e c i m e n t o e não d e memorização".

Esse ato d e conhecimento supõe n e c e s s a r i a m e n t e a s s u m i r l u n

tema d oqual s e ocupou abimdantemente o pensamento existen-
c i a l : a situação d o h o m e m contemporâneo.

2. A Influência da F e n o m e n o l o g i a

A f e n o m e n o l o g i a é s o b r e t u d o u m a meditação s o b r e o c o n h e c i m e n t o .
E n q u a n t o t a l , d e f r o n t a a consciência c o m o Fenômeno, e e s t a a p a -
r e c e então c o m o consciência d o d a d o .

A Consciência, a p e s a r d e t e r t u n a dimensão i n d i v i d u a l n o h o m e m ,
é u m p r o d u t o s o c i a l . C o n s t i t u i - s e c o m o t a l e m íntima interação
c o m a realidade objetiva.

5. PREIEE, Paulo: "Acción c u l t u r a l . . . " o p . c i t . , p . 7.

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 E m termos g e r a i s , poderíamos c o l o c a r a s e g u i n t e pergunta:

O q u e é a Consciência?

P a r a e v i t a r m o s c a i r e m u m a definição apriorística d a consciência,

d e f i n a m o s , e m p r i m e i r a instância, s u a s p o s s i b i l i d a d e s históricas.

A s p o s s i b i l i d a d e s históricas d a consciência s u r g e m n o m a r c o d e
u m p r o c e s s o p e l o q u a l a consciência psicológica ( i n d i v i d u a l ) e f e t u a
u m m o v i m e n t o f r e n t e às c o i s a s , f r e n t e ã r e a l i d a d e o b j e t i v a , c o m o
o b j e t o d e conhecê-las, e n q u a n t o p o r s u a v e z , e s t a s i n t e r p e l a m e s s a
consciência psicológica, a d e s a f i a m , já q u e a s c o i s a s não s e a p r e
s e n t a m e m s u a i m e d i a t i d a d e , senão c o m o e n v o l t a s p o r u m a p a t i n a .
A essência d a s c o i s a s , a l t e r n a t i v a m e n t e s e m a n i f e s t a e s e o c u l t a
n o s e u fenômeno, i m p r e s s i o n a n d o a s s i m a consciência. E s t e d u p l o
m o v i m e n t o , s e a s s i m o c h a m a r m o s , d e u m a consciência f a c e às
c o i s a s e d a s c o i s a s m e s m a s f a c e à consciência, c o n f i g i u r a u m
m o m e n t o d o processo de conhecimento. Trataremos de conhecer
s o m e n t e este p r i m e i r o m o m e n t o d oprocesso, especialmente refe-
r i d o às p o s s i b i l i d a d e s históricas d a consciência.

D e n t r o d e s t a p e r s p e c t i v a , o p r i m e i r o m o v i m e n t o o u nível d a c o n s -
ciência s e d e n o m i n a intencionalidade; a consciência é s e m p r e d e
algo, d ea l g u m objeto, a consciencia.se sente sempre projetada
p a r a f o r a , e m f a c e d o o u t r o . E s t a p r i m e i r a p o s s i b i l i d a d e histórica é
f u n d a n t e p a r a a consciência n i u n nível "genético", porém não p o d e
d e t e r - s e aí, a i n d a c o m o r i s c o d e — p a r a f r a s e a n d o H e g e l — p e r m a -
necer perdida entre o sobjetos. •

S u r g e a s s i m , u m a s e g i m d a p o s s i b i l i d a d e histórica o u nível, q u e a
consciência t r a n s f o r m a a c o i s a e m " c o i s a e m s i " , e m o b j e t o - d e -
-conhecimento. A e s t a s e g u n d a p o s s i b i l i d a d e histórica d e n o m i n a r
r e m o s objetividade. N e s t e m o m e n t o a consciência r e a l i z a u m i n -
ventário d o s o b j e t o s q u e a r o d e i a m ; é m e r a m e n t e d e s c r i t i v a . C a p t a
a aparência fenomênica d o m u n d o o b j e t i v o . E s t a m o s aqui n o
t e r r e n o d a " d o x a " o u opinião e não n o t e r r e n o d a " e p i s t e m e " , o u
s e j a , n o nível d e compreensão v u l g a r d a r e a l i d a d e e não alcança-
m o s a i n d a o l i m i a r d a Ciência.

U m a t e r c e i r a p o s s i b i l i d a d e , q u e pressupõe i n d e f e c t i v e l m e n t e a s
a n t e r i o r e s é a criticidade. A q u i a consciência a t r a v e s s a a " c o i s a "
i d e n t i f i c a d a , n o esforço d e c o n h e c e r s e u s c o m p o n e n t e s internos.
Já não é s o m e n t e a m e r a identificação e r e c o n h e c i m e n t o — o nível
d a objetivação —, m a s t e n d e a d e s c o b r i r a s l e i s d o d e s e n v o l v i m e n t o
d o o b j e t o . S e m dúvida a l g u m a e s t e m o m e n t o o u p o s s i b i l i d a d e h i s -
tórica é q u a l i t a t i v a m e n t e s u p e r i o r a o s a n t e r i o r e s .

F i n a l m e n t e , u m a q u a r t a e última p o s s i b i l i d a d e c o n s t i t u o a trans-
cendentaliãade. D i z a r e s p e i t o F r e i r e : ( . . . ) " A t r a n s c e n d e n t a l i -
d a d e n e s t e c o n t e x t o , s i g n i f i c a a c a p a c i d a d e d a consciência h u m a n a

66
 e m u l t r a p a s s a r a s limitações d a configuração o b j e t i v a . S e m esta
" i n t e n c i o n a l i d a d e t r a n s c e n d e n t a l " a consciência d o q u e e x i s t e p a r a
além d a s limitações s e r i a impossível. P o r e x e m p l o , e u s o u c o n s -
ciente da maneira e m que m e limita a m e s a e m que escrevo, somen-
t e p o r q u e p o s s o t r a n s c e n d e r s e u s l i m i t e s , e f o c a l i z a r m i n h a atenção
s o b r e eles".«

E s t a transcendentalidade e m nada s eassemelha à transcendenta-

l i d a d e v e r t i c a l , q u e d i r i g e s e u esforço e x p l i c a t i v o p a r a f o r a d o
u n i v e r s o m a t e r i a l e c o n c r e t o , e m b u s c a d e u m m a i s , m a i s além
e d o infinito. E s t a transcendentalidade p o r s u a vez, é eminente-
m e n t e " f i n i t a " — p r o p r i e d a d e ineludível e traço característico d o
ser h u m a n o — s u a finitude permite b u s c a r as leis tendenciais d o
d e s e n r o l a r d o fenômeno, e p o r s u a v e z , c a p t a r o s c o m p o n e n t e s
internos d oobjeto. I s t o é, c a p t a t a n t o s u a s l e i s d e d e s e n v o l v i -
m e n t o , c o m o fenômeno, c o m o s u a s contradições i n e r e n t e s , e t a m -
bém c a p t a a i m e d i a t i d a d e d a c o i s a e a e s s e n c i a l i d a d e p u r a e m
suas formas tendenciais. S e quiséssemos n o s e x p r i m i r m e t a f o r i -
c a m e n t e , diríamos" q u e t e n d e a c a p t a r a v i d a d o o b j e t o e s e u d e s t i n o .

S o m e n t e n e s t e último nível d e máxima consumação o u quahtativo„

p o d e a consciência o p e r a r s o b r e o fenômeno p a r a transformá-lo,
p o s t o q u e a o c o n h e c e r s u a direção e l e g a l i d a d e t e n d e n c i a l , e s t a b e -
l e c e u m a transformação h i s t o r i c a m e n t e viável e q u e não t e n t a p e r -
m u t a r o o b j e t o . E m r e s u m o , a p r i m e i r a p o s s i b i l i d a d e histórica o u
intencimalidcale m a r c a , g e n e t i c a m e n t e , o esforço d a consciência
p o r exprimir o m o m e n t o d oconhecimento, saindo d es i m e s m a
( a b s t r a t o ) ; o s e g u n d o m o m e n t o o u objetividade, converte o objeto
e m objeto d e conhecimento; o terceiro m o m e n t o o u criticidade
descobre os componentes internos d o objeto-deconhecimento p a r a
c h e g a r a o q u a r t o m o m e n t o o u p o s s i b i l i d a d e histórica, a transcen-
dentalidade, que capta o movimento interno d o objeto-de-conhe-
c i m e n t o , e m s e u s c o m p o n e n t e s f i m d a m e n t a i s e s u a s contradições
d e f o r m a t a l q u e p e r m i t a p r o j e t a r u m a ação " r a c i o n a l " q u e não
afete o objeto c o m o tal — n e m o m u d e — e por sua vez seja luna
ação h i s t o r i c a m e n t e viável.

P a u l o F r e i r e a s s u m e e s t e s conteúdos d a f e n o m e n o l o g i a r e l a c i o n a n -
d o - o s porém, c o m a e s t r u t u r a s o c i a l . D e s t a m a n e i r a d i z a r e s p e i t o :
(...) "À m e d i d a q u e o s h o m e n s e x e r c e m s u a ação e f i c a z s o b r e o
m i m d o , t r a n s f o r m a n d o - o p e l o s e u t r a b a l h o , s u a consciência, p o r
s u a v e z , é histórica e c u l t u r a l m e n t e c o n d i c i o n a d a . (...) D e
a c o r d o c o m a q u a l i d a d e d e s t e c o n d i c i o n a m e n t o , a consciência d o
h o m e m alcança d i v e r s o s níveis n o c o n t e x t o d a r e a l i d a d e histórico-
-cultural".'

6. F R E I R E , P a u l o : o p . c i t . , n o t a 28, p . 57.
7. F R E I R E , P a u l o : "Acción c u l t u r a l y concientización" e m " H a r -
v a r d E d u c a t i o n a l R e v i e w " , v o l . 40 n.» 3, a g o s t o d e 1970, p . 457.

67
£ a p a r t i r daí q u e a s p o s s i b i l i d a d e s históricas d a consciência c o n -
v i d a m F r e i r e a r e f l e t i r s o b r e o s g r a u s d e consciência possível r e l a -
c i o n a n d o - o s c o m a e s t r u t u r a s o c i a l o u o m a r c o histórico-cultural
de onde surgem.

César Jérez e J u a n H e m a n d e z P i c o s i n t e t i z a r a m b r i l h a n t e m e n t e
e s t a relação e s s e n c i a l d o p e n s a r f r e i r e a n o : ( . . . ) " N a América
L a t i n a , F r e i r e d i s t i n g u e três t i p o s d e m a r c o s históricos sócio-cultu-
r a i s : s o c i e d a d e s f e c h a d a s , s o c i e d a d e s e m p r o c e s s o d e transição e
sociedades abertas. A cada i m i a delas corresponde u m tipo dife-
r e n t e d e consciência: consciência s e m i - i n t r a n s i t i v a o u s u b m e r g i d a ,
consciência i n g e n u a m e n t e t r a n s i t i v a o u e m e r g e n t e e consciência
criticamente transitiva ou comprometida. A d e m a i s , existe a socie-
d a d e m a s s i f i c a d a , n a q u a l estão e m r i s c o d e d e s e m b o c a r t a n t o a s
s o c i e d a d e s a b e r t a s c o m o a s e m transição, s e j a p o r degeneração
q u a n t o p o r c r e s c i m e n t o a b o r t i v o . A e s t e último t i p o d e s o c i e d a d e
m a s s i f i c a d a c o r r e s p o n d e a consciência i r r a c i o n a l ( o u fanática), q u e
F r e i r e c h a m a também d e f l u t u a n t e " . *

D i z F r e i r e a r e s p e i t o d a consciência " s e m i - i n t r a n s i t i v a " : ( . . . ) "Há

l u n a f o r m a d e consciência q u e c o r r e s p o n d e à r e a l i d a d e c o n c r e t a
d e t a i s s o c i e d a d e s d e p e n d e n t e s . É u m a consciência h i s t o r i c a m e n t e
condicionada pelas estruturas sociais. A p r i n c i p a l característica
d e s t a consciência, tão d e p e n d e n t e c o m o a s o c i e d a d e q u e a o r i g i n a ,
é s u a "qiiase-aderência" à r e a l i d a d e . A consciência d o m i n a d a não
l o g r a u m a distância s u f i c i e n t e d a r e a l i d a d e , a f i m d e objetivá-la e
conhecê-la d e f o r m a crítica. A e s t e t i p o d e consciência é d a d o o
n o m e d e "semi-intransitiva".»

O s e g i m d o g r a u d e consciência possível é a transitivo-ingênua, q u e

(...) "se caracteriza, entre outros aspectos, pela simplicidade na
interpretação d o s p r o b l e m a s ; p e l a subestimação d o h o m e m c o m i u n ;
p o r u m a f o r t e inclinação a o g r e g a r i s m o , característica d a m a s s i f i -
cação; p e l a i m p e r m e a b i l i d a d e à investigação, à q u a l c o r r e s p o n d e
m n g o s t o a c e n t u a d o p e l a s explicações f a b u l o s a s ; p e l a f r a g i l i d a d e
n a argumentação; p o r l u n f o r t e t e m o r e m o c i o n a l ; p e l a prática
não p r o p r i a m e n t e d o diálogo, m a s d a polêmica; p e l a s explicações
mágicas",

A última f a s e d a consciência é r e p r e s e n t a d a p e l a consciência t r a n -

sitivo-crítica, q u e , s e n d o o r e v e r s o i m e d i a t o d a a n t e r i o r , obtém

8. J E R E Z , César; H E R N A N D E Z P I C O , J u a n : " P a u l o F r e i r e y I a
educación: Acción c u l t u r a l L i b e r a d o r a . U n aporte latinoamericano a
I a d e m o c r a c i a e d u c a c i o n a l y política: P a u l o F r e i r e " , e m "Estúdios
C e n t r o A m e r i c a n o s ( E C A ) , U n i v e r s i d a d José S i m e o n C a n a s , E l S a l v a -
d o r , a g . - s e p t i e m b r e d e 1971, n . " 274-275, p . 503.
9. F R E I R E , P a u l o : "Acción c u l t u r a l . . . " o p . c i t . , p . 72.
10. F R E I R E , P a u l o : " L a educación c o m o práctica d e I a l i b e r t a d " .
E d . S i g l o X X I , B . A . . 10.* e d i c . s e p t i e m b r e d e 1973, p . 54.

68
u m a percepção e s t r u t u r a l d o s p r o b l e m a s d o q u e r e s u l t a r i a s u a
inserção c r i t i c a ( c o m p r o m e t i d a ) n o p r o c e s s o d e transformação
(mudança s o c i a l ) . F r e i r e u t i l i z a a q u i o c o n c e i t o d e G o l d m a n n , >>
p e l o q u a l a consciência real alcançaria s e u o p o s t o : a consciência
máxima possível.

F r e i r e d e s c r e v e e m " A educação c o m o prática d a l i b e r d a d e " , "

a s n o t a s características d e s t a consciência, s e n d o a p r i n c i p a l a s e u
entender — retomando novamente a vertente existencial — a capa-
c i d a d e d e diálogo.

E s t a consciência, a n t e s d e t u d o , avança e m direção à consciência

política — d i s c e r n i r e m o s i s t o s e e f e t u a r m o s maa. l e i t u r a e n t r e a s
l i n h a s d a p e d a g o g i a d o o p r i m i d o — p o i s s o m e n t e e s t a última p o d e
t o m a r possível o "inédito viável". E s t a consciência é, n o d i z e r d e
F r e i r e , u m a consciência d a totalidade, posto que somente assim
p o d e c h e g a r a s e r l i b e r t a d o r a : ( . . . ) " S o m e n t e a consciência d a
t o t a l i d a d e é l i b e r t a d o r a . S e m e l a é impossível p o d e r a t u a r s o b r e a
realidade"."

Incorporando o selementos da fenomenologia. Freire entende que

a consciência s e c o n s t i t u i c o m o t o t a l i d a d e i n t e n c i o n a d a q u e s i m -
b o l i z a - s i g n i f i c a , têmporalmente.

É a p a r t i r daí q u e a conscientização e x c e d e e m a m p l i t u d e o fenô-

m e n o d a consciência psicológica i n d i v i d u a l : ( . . . ) " É u m fenômeno
q u e v a i m a i s além d a consciência psicológica ( o S u p e r - e g o d e
F r e u d ) , d a m e s m a consciência i n d i v i d u a l e t o c a e m c h e i o a c o n s -
ciência histórica e c o l e t i v a , o u s e j a , o c a m p o c h a m a d o d a i n t e r -
subjetividade"."

P o r t a n t o é a p a r t i r d a f e n o m e n o l o g i a — não s o m e n t e , m a s s i m
p r i n c i p a l m e n t e — q u e F r e i r e c o n s t i t u i o s g r a u s d a consciência e
ação d o h o m e m contemporâneo.

3. A Influência d o M a r x i s m o

A influência d o M a t e r i a l i s m o dialético s e t r a n s m i t e , i n i c i a l m e n t e ,
p o r Herbert Marcuse e E r i c h F r o m m e pelo influxo que cronolo-
g i c a m e n t e — e m nível d e b i o g r a f i a i n t e l e c t u a l — e x e r c e r a m s o b r e
F r e i r e . D o p r i m e i r o , s u a s análises d a razão n e g a t i v a n a s s o c i e d a d e s

11. G O L D M A N N , L u c i e n : " L a s ciências h u m a n a s y I a F i l o s o f i a " .

E d i t . N u e v a V i s i o n , B . A . c i t a d a p o r P a u l o F r e i r e e m " S o b r e I a acción
c u l t u r a l " , I C I R A , S g o . d e C h i l e , 1972, p . 84.
12. F R E I R E , P a u l o : " L a Educación...", o p . c i t . , p . 55.
13. F R E I R E , P a u l o : " S o b r e I a acción c u l t u r a l " , o p . c i t . , p . 55.
14. A D A M E S , R o q u e : "Concientización: h a c i a u n a presentación d e i
p r o b l e m a " , e m "Estúdios S o c i a l e s " n.» 4, S a n t o D o m i n g o , 1971, p . 306.

69
i n d u s t r i a l i z a d a s e o fenômeno d a massificação. D o s e g u n d o , a s
análises s o b r e a codificação e a l i b e r d a d e psicológica — e s u a s
incidências n a d e m o c r a c i a — e s p e c i a l m e n t e n a o b r a " O m e d o à
liberdade". i=

A ninguém e s c a p a , p o r o u t r o l a d o , q u e a r i q u e z a d a s análises
críticas d a alienação s o c i a l e econômica d e M a r x n o s M a n u s c r i t o s
ãe 1844,^^ estão p r e s e n t e s n a s análises q u e F r e i r e f a z s o b r e a
alienação n a l i n g u a g e m ( c f . Educação c o m o Prática d a L i b e r d a d e ,
o p . pág. 9 0 ) .

Mais adiante, o m e s m o Freire se encarrega de ir associando temas

d i s t i n t o s d e s e u p e n s a m e n t o c o m a s análises d o m a t e r i a l i s m o dialé-
t i c o . C o m p a r e m o s a propósito, a n o t a q u e F r d r e c o l o c a a o pé d a
página e m "Extensão o u Comunicação?" o n d e , d e p o i s d e d i z e r q u e
( . . . ) " S e o s o l i p s i s m o s e e q u i v o c a a o c o n c e b e r a existência única
d o E u , e a o p r e t e n d e r q u e s u a consciência t u d o alcança, c o n s i d e -
r a n d o a b s u r d o p e n s a r e m u m a r e a l i d a d e e x t e r n a a e l a , também
s e e q u i v o c a o o b j e t i v i s m o acrítico e m e c a n i c i s t a , g r o s s e i r a m e n t e
m a t e r i a l i s t a , s e g u n d o o q u a l , e m última análise, a r e a l i d a d e s e
t r a n s f o r m a p o r s i m e s m a s e m a atuação d o s h o m e n s , m e r o s o b j e t o s
d a transformação",'7 o c o n f r o n t a c o m a t e r c e i r a T e s e s o b r e Feuer-
bach, e m q u e M a r x d i z : ( . . . ) " A t e o r i a m a t e r i a l i s t a d a mudança
d a s circimstâncias e d a educação o l v i d a q u e a s circunstâncias
fazem m u d a r o s h o m e n s e q u e o educador necessita, p o r s u avez,
s e r e d u c a d o " . i«

O p e n s a m e n t o político d e F r e i r e , jã d e s d e s e u s p r i m e i r o s e s c r i t o s ,
é e m i n e n t e m e n t e s o c i a l i s t a . S e m dúvida, freqüentemente f o i c r i t i -
c a d o p o r não e x p l i c i t a r t e o r i c a m e n t e t o d a s a s dimensões q u e s u p o r -
t a e s s a opção, a o m e n o s n a educação. F r e i r e r e c o n h e c e , r e f e r i n d o -
- s e à Pedagogia d o O p r i m i d o q u e : ( . . . ) " C o m relação, p o r e x e m p l o ,
a o q u a r t o capítulo e m q u e m a n i f e s t a c o m c l a r i d a d e a dimensão
política d a educação (não c r e i o q u e alguém p o s s a m e c r i t i c a r p o r
f a l a r d e educação n e u t r a ) , é impossível q u e a o f a z e r a crítica d o
q u e p a r e c e c o n s t i t u i r a s características d e l u n a ação c u l t u r a l d o -

is. FROMM, Erich: " E l miedo a I a l i b e r t a d " , P a i d o s , B . A . 1973,

345 p p .
16. M A R X , C a r l o s ; E N G E L S , F e d e r i c o : " E s c r i t o s econômicos vá-
r i o s " , E d . G r l j a l b o , México, 1966, p p . 25-125.
17. F R E I R E , P a u l o : "Extensión o comunicación?". L a concienti-
zación e n e l médio r u r a l . E d i t . S i g l o X X I — T i e r r a N u e v a , s / f , p .
85, B . A .
18. M A R X , C a r l o s ; E N G E L S , F e d e r i c o : " L a i d e o l o g i a Alemana",
coedición E d i c i o n e s P u e b l o s U n i d o s , M o n t e v i d e o — E d i c i o n e s G r i j a l b o
— B a r c e l o n a , 1970, Z.' e d . , p . 666. U t i l i z a m o s e s t a edição, a o citá-la, a
f i m d e f a c i l i t a r s u a localização a o l e i t o r l a t i n o - a m e r i c a n o . F r e i r e c i t a
a s " O b r a s E s c o g i d a s " , d e M a r x - E n g e l s , E d i c i o n e s P r o g r e s o , Moscú,
1966. T e s e s s o b r e F e u e r b a c h I I I , p p . 404-406.

70
m e s t i c a d o r a e a contraposição q u e a o c r i t i c a r , p o r e x e m p l o , a m a -
nipulação, a invasão c u l t u r a l e t c , e s t a r i a d e a c o r d o e m r e c o n h e -
c e r q u e n e c e s s i t o d e m a i s experiência c o m M a r x " . i 9

V a l e d i z e r q u e P a u l o F r e i r e começa a i n v e s t i g a r e a e x e r c i t a r u m a
prática e d u c a t i v a , m u n i d o d e t o d o u m " i n c o n s c i e n t e " filosófico
q u e t r a z c o m o b a g a g e m c u l t u r a l , f r u t o d e s u a formação i n t e l e c t u a l .

N e s t a b a g a g e m ciQtural-filosófica — e s p e c i f i c a m e n t e — o s e l e m e n -
t o s p r e p o n d e r a n t e s são, s e m s e u p r i m e i r o m o m e n t o , o e x i s t e n c i a -
l i s m o e a f e n o m e n o l o g i a , e n q u a n t o q u e o s critérios d a a n t r o p o l o -
g i a judeu-cristã — v i v i d a s também n o p l a n o d a fé — s e s i t u a m já
n e s t e s inícios e c o n t i n u a m a c o m p a n h a n d o o p e r e g r i n a r i n t e l e c t u a l
d o a u t o r . A dialética h e g e l i a n a f o r m a r i a p a r t e d o núcleo c o n c e p -
t u a l i n i c i a l e v i g e n t e d e f o r m a p r e p o n d e r a n t e e m s e u l i v r o básico, a
Pedagogia d o Oprimido. S e m dúvida a l g u m a , a c o n s t a n t e i n t e r a
ção c o m a r e a l i d a d e , a s experiências e d u c a t i v a s d e s e n v o l v i d a s i n i -
cialmente n o Brasil e logo retomadas no Chile, f o r a m questionando
o p e n s a m e n t o d o a u t o r , a o p a s s o q u e i n c r e m e n t a v a m o esforço
d e caracterização-'teórica, i n c o r p o r a n d o m a j o r i t a r i a m e n t e , a t o d o
s e u c o n t e x t o teórico p e s s o a l , e l e m e n t o s d o m a t e r i a l i s m o histórico.

S e m dúvida a l g m n a , o m a i s i m p o r t a n t e é a caracterização d a s
c l a s s e s s o c i a i s , q u a n d o d i z : ( . . . ) " O r e d u z i r expressões t a i s c o m o
" h u m a n i s m o " , "humanização", "promoção h u m a n a " , a c a t e g o r i a s
abstratas, as esvazia de seu real significado. Transformam-se e m
u m blá-blá-blá c u j o línico mérito é s e r v i r às forças reacionárias.
C o m e f e i t o , é absolut£imente impossível u m a "humanização" s e m
libertação, c o m o t a m p o u c o há libertação s e m transformação r e v o l u -
cionária d a s o c i e d a d e d e c l a s s e s , o n d e e s t a humanização não s e
p o d a r e a l i z a r " . 20

M u i t o s o u t f o s c o n c e i t o s históricos d o m a t e r i a l i s m o dialético f o r a m
incorporando-se a o pensamento freireano. Assim encontramos
r e p e t i d a m e n t e , s o b r e t u d o e m s e u s últimos e s c r i t o s , a utilização d a
c a t e g o r i a "sobredeterminação d a s u p e r e s t r u t u r a s o b r e a e s t r u t u r a
social d aqual surge", d eAlthusser, ainda que esclarecendo que
u t i l i z a r u m c o n c e i t o d e u m a u t o r não pressupõe a s s u m i r t o d o s e u
s i s t e m a teórico.

19. " E n t r e v i s t a c o m P a u l o F r e i r e " , r e v i s t a "Ciências d e I a e d u c a -

ción", n." 10, B A . o c t u b r e d e 1973, p . 53. Também será p u b l i c a d o
c o m o apêndice d o l i v r o " L e c t u r a c r i t i c a d e P a u l o F r e i r e . . . " o p . c i t .
20. F R E I R E , P a u l o : " E d u c a t i o n , l i b e r a t i o n a n d t h e C h u r c h " , e m
" S t u d y E n c o u n t e r " , v o l . I X , n."> 1 , C o n s e j o Ecumênico d e l a s I g l e s i a s ,
1973.
21. C f r . " C u a d e m o s d e p e d a g o g i a Universitária" U N B A ; N.° 1 ,
m a r z o d e 1974, p . 27. E s t a s são a s a t a s d a " C o n c l u s i o n e s d e i Seminá-
r i o s o b r e l a F i l o s o f i a d e l a Educación l i b e r a d o r a y s u s a p o r t e s p a r a
I a reformulación d e u n a p e d a g o g i a Universitária". Organizado pelo

71
A s referências a G r a m s c i , G o l d m i a n n o u Guevarã também são
freqüentes, m o s t r a n d o q u e a s s u m e t o d o o a m p l o e s p e c t r o teórico
d e m a t e r i a l i s m o dialético, s e m i n c l i n a r - s e p o r n e n h i m i a c o r r e n t e
e m particular (Karel K o s i k aparece citado reiteradamente quando
r e a l i z a u m a análise gnoseológica).

E m síntese, P a u l o F r e i r e , a o i n c o r p o r a r d i v e r s o s c o n c e i t o s teóricos
d o m a t e r i a l i s m o dialético e histórico, a n a l i s a a situação d o h o m e m
contemporâneo, n a q u a l s e c o n f i g u r a s u a consciência e o s r i s c o s
q u e p r o v o c a a alienação s o c i a l . S e m dúvida, a presença d e análises
p r o v e n i e n t e s d o m a t e r i a l i s m o dialético não i m p l i c a n e c e s s a r i a m e n t e ,
n o p e n s a m e n t o f r e i r e a n o , a incorporação d a a n t r o p o l o g i a m a r x i s t a
e m t o d a s a s s u a s dimensões. Já t r a t a m o s d e s s e t e m a e m o u t r a s
ocasiões. 22

4. A Influência ãe H e g e l

E x p o r o e s q u e m a básico d e H e g e l n o s p a r e c e u m a t a r e f a m u i t o
ambiciosa para o presente trabalho. T r a t a r e m o s , não o b s t a n t e ,
d e esboçar a l g u m a s l i n h a s d i r e t r i z e s d o p e n s a m e n t o hegeliano.

H e g e l d i s t i n g u e q u a t r o situações: n a p r i m e i r a , o s u j e i t o ( e n t e n d i d o
c o m o razão), s e e n c o n t r a a f i r m a n d o - s e c o m o U n i v e r s a l A b s t r a t o
( a situação d o Espírito a n t e s d e s a i r d e s i m e s m o ) , porém c o m o
só chegará à possessão p l e n a d e s i m e s m o através d o m u n d o o b j e -
t i v o , e f e t u a u m a saída d e s i , u m a inflexão p a r a o o b j e t o ( a n a t u -
r e z a ) . E s s a inflexão o u exteriorizzição, f a z c o m q u e o Espírito s e
negue a s im e s m o c o m o tal, e s eperca n om u n d o dos objetos,
particulares e concretos. A s s i m s u a situação a n t e r i o r s e m o d i f i c a
n e s t a s e g u n d a situação, n a q u a l a,-negação d o U n i v e r s a l A b s t r a t o
p e l a exteriorização d o S u j e i t o n a N a t u r e z a , p r o d u z u m " t o r n a r - s e
estranho" d osujeito a s i m e s m o .

A q u i s e g e r a o m o m e n t o d a consciência d o s u j e i t o q u e , f o r a d e
s i , r e c o n h e c e o u t r o s q u e não são e l e m e s m o .

A t e r c e i r a situação é o r i s c o e x i s t e n c i a l d o s u j e i t o . O " t o m a r - s e
e s t r a n h o " i m p h c a e m i m i r i s c o q u e não é indispensável e m s i
m e s m o : a alienação. A o ficar perdido n om u n d o dos objetos,
coisifiçado ( . . . ) " . . . o m u n d o dós o b j e t o s o r i g i n a l m e n t e p r o d u t o

"Ministério d e C u l t u r a y Educación" d u r a n t e o s d i a s 7, 8 e 9 d e n o -
v e m b r o d e 1973, c o o r d e n a d o p o r P a u l o F r e i r e c o m participação d e
representantes d e todas a sUniversidades nacionais.
22. V e r , a r e s p e i t o : " P a u l o F r e i r e , u n i n t e n t o d e b i o g r a f i a i n t e -
l e c t u a l " , e m " C o n c l e n c i a y I d e o l o g i a : introducción a l p e n s a m i e n t o d e
P a u l o F r e i r e " . Introdução a o l i v r o " L e c t u r a c r i t i c a d e P a u l o F r e i r e . . . "
o p . c i t . V e r também o t r a b a l h o d e n o m i n a d o " C o n c i e n c i a y H i s t o r i a :
d o s d i m e n c i o n e s e n l a antropogía política d e P a u l o F r e i r e " .

72
d o t r a b a l h o e d o c o n h e c i m e n t o d o h o m e m , s e iass i n d e p e n d e n t e
d e l e e c h e g a a s e r g o v e r n a d o p o r forças e l e i s incontroláveis,
n a s q u a i s o h o m e m não s e r e c o n h e c e . Ao m e s m o tempo o pensa-
m e n t o s e f a z a l h e i o à r e a l i d a d e e à v e r d a d e , s e c o n v e r t e e m vim
ideal impotente preservado n o pensamento, enquanto q u e o m u n d o
r e a l f i c a tranqüilamente f o r a d o a l c a n c e d e s u a influência. A
menos que o h o m e m logre reunir a s partes diversas de s e u m u n d o
e pôr a n a t u r e z a e a s o c i e d a d e a o a l c a n c e d e s u a razão, estará p a r a
s e m p r e c o n d e n a d o à frustração. A t a r e f a d a f i l o s o f i a n e s t e período
d e s u a desintegração t o t a l é d e m o n s t r a r o princípio c a p a z d e r e s -
taurar a unidade e totalidade perdidas",

Esta alienação ( E n t f r e m d u n g ) é o contrário à s u a apropriação.

Q u a r t a situação: a consciência f a z u m esforço d e reflexão, d e
v o l t a p a r a s i m e s m a , n e g a n d o p o r s u a v e z e s t a sittiação d e e x t e r i o -
r i d a d e e , j u n t a m e n t e , d e coisificação. Porém, a g o r a o s u j e i t o q u e
r e t o m a d o m u n d o d a s c o i s a s ( e m princípio o m i m d o d o s p a r t i c u l a -
r e s c o n c r e t o s ) não r e t o m a n a abstração d e s u a afirmação i n i c i a l ,
m a s c o m o U n i v e r s a l ( a t r i b u t o d o s u j e i t o , comunicável) porém
c o n c r e t o (Univçrsal — C o n c r e t o ) .

S e g u e - s e d a q u i q u e a dialética h e g e l i a n a é a constmção r a c i o n a l
d a r e a l i d a d e , p e l a q u a l o s u j e i t o v a i a s s i m i l a n d o s u a experiência
v i t a l até r e e n c o n t r a r - s e c o n s i g o m e s m o p e l a negação d e t e r m i n a d a .
H e g e l p r e v i a q u e o s u j e i t o não s e a p r o p r i a r i a s o m e n t e d a s c o i s a s
( p r o p r i e d a d e básica), m a s também d o s s u j e i t o s ( a l u t a d a s c o n s -
ciências o p o s t a s ) ; q u a n d o s e a r m a v a o c o n f l i t o e n t r e a s consciên
c i a s ( a consciência q u e h a v i a saído d e s i e e r a p a r a s i ) q u e l u t a -
v a m p o r a p r o p r i a r - s e d o m e s m o b e m , o c a m i n h o d e solução e r a
o pacto.
P a c t o n o q u a l l u n a d a s d u a s conseqüências s e s u b m e t i a a o u t r a
p a r a não m o r r e r . S u r g i a a s s i m u m a consciência i n d e p e n d e n t e e u m a
consciência d e p e n d e n t e ( d a p r i m e i r a ) , o u , e m t e r m o s clássicos, o
Senhor e o Escravo.
C o m o s e p o d e r e l a c i o n a r a dialética h e g e l i a n a c o m a dialética d e
Freire?
A n o s s o v e r , u m a d a s c h a v e s d e s s a relação s e e n c o n t r a n a F e n o m e -
nologia ão Espírito — "... verdadeira origem e o segredo d a
filosofia h e g e l i a n a " p a r a M a r x . 2*
D i s s e H e g e l : ( . . . ) " . . . o s e n h o r não t e m p o i s , a c e r t e z a d o s e r
p a r a s i c o m o a v e r d a d e , e s i m q u e s u a v e r d a d e é, p e l o contrário,

23. M A R C U S E , H e r b e r t : "Razón y Revolución", I n s t i t u t o s d e e s -

túdios políticos — F a c u l d a d d e D e r e c h o — U n i v e r s i d a d C e n t r a l d e V e -
n e z u e l a , C a r a c a s , 1967. Tradução d e J u l i e t a F o m b o n a d e S u c r e , p p .
25-26.
24. M A R X , C a r l o s : " E s c r i t o s Econômicos vários", o p . c i t . , p . 110.

73
a consciência não-essencial e s u a ação não-essencial. A v e r d a d e
d a consciência i n d e p e n d e n t e é, p o r t a n t o , a consciência s e r v i l . S !
c e r t o q u e e s t a começa a p a r e c e n d o f o r a d e s i e não c o m o v e r d a d e
d a autoconsciência. Porém, a s s i m c o m o o s e n h o r i o r e v e l a v a q u e
s u a essência é o i n v e r s o d a q u i l o q u e q u e r s e r , a s s i m tamhém a
servidão deverá s e r , s e m dúvida, a o r e a l i z a r - s e p l e n a m e n t e , o c o n -
trário d o q u e é d e u m m o d o i m e d i a t o ; retornará a s i c o m o c o n s -
ciência r e j e i t a d a s o b r e s i m e s m a , e s e converterá e m v e r d a d e i r a
independência". 2 5
C o m p a r e m o s e s t e parágrafo c o m a afirmação c e n t r a l d a P e d a g o g i a
do Oprimido: (...) " A Pedagogia do Oprimido, que busca a restau-
ração d a i n t e r s u b j e t i v i d a d e , a p a r e c e c o m o p e d a g o g i a d o h o m e m .
Só e s t a , a n i m a d a p o r u m a autêntica g e n e r o s i d a d e h u m a n i s t a e
não ' h u m a n i t a r i s t a ' p o d e alcançar e s t e o b j e t i v o " . 2«

P o r q u e só e l a p o d e alcançar e s t e o b j e t i v o ? P o r q u e p o u c o a n t e s
F r e i r e h a v i a d i t o q u e ( . . . ) " a t a r e f a h u m a n i s t a e histórica d o s
oprimidos (...) é libertar-se a s i m e s m o s e libertar aos opres-
s o r e s " . 27

O p r o c e s s o histórico c o n f r o n t a o s h o m e n s c o m t a r e f a s e d e s a f i o s
q u e , p a r t i n d o d e s u a própria i r r e a l i d a d e , o s l e v a a e x e c u t a r vim
m o v i m e n t o m e d i a d o r , q u e a s s u m i n d o a s . r i q u e z a s d e s s a instância,
de u msalto superador, qualitativo, conservando o m e l h o r d o
p a s s a d o " h u m a n o " , p a r a f e c u n d a r a ação d o p r e s e n t e — a o n d e
a conscientização não é só c o n h e c i m e n t o o u r e c o n h e c i m e n t o i n t e r -
s u b j e t i v o , m a s s i m opção e c o m p r o m i s s o — e a s s i m p r o j e t a r - s e
a u m futuro d e homens — projetos na busca d e compartilhar a
v e r d a d e c o m u n i t a r i a m e n t e , s e m prescrições.

Só aí f a l a , então, d e u m a p e d a g o g i a l a d o o p r i m i d o , restauradora
da hiunanidade de ambos.
E s t a d u p l a restauração, n o m e s m o a t o l i b e r t a d o r , i n d i c a a p r e s e n -
ça d o p r e s s u p o s t o h e g e l i a n o , p e l o q u a l , a consciência-em-si n e c e s -
s i t a d a consciênciarde-si e p a r a - s i , e n q u a n t o e s t a s e r e c o n h e c e c o m o
t a l só p e l a p r i m e i r a , a q u a l , e m s u a relação c o m a n a t u r e z a , l h e
dá p o s s i b i l i d a d e d e s e r proprietário ( d o b e m q u e a consciência-
- e m - s i t r a b a l h a ) e p o s s u i d o r ( d oe s c r a v o - e m - s i , q u e t r a b a l h a a
natureza).
Por isto, onde parecia residir o centro do poder do S e n h o r ( a pro-
priedadepossessão), s e r a d i c a s u a m a i o r d e b i l i d a d e : a n e c e s s i d a d e
i m e d i a t a d o e s c r a v o ( a consciênciarem-si).

25. H E G E L , G . M . F . : " F e n o m e n o l o g i a d e i E s p i r i t u " , F . C . E . ,

México, e n e r o d e 1966. Tradução d e V e n c e s l a o R o c e s , p . 119.
26. F R E I R E , P a u l o , " P e d a g o g i a d e i O p r i m i d o " , E d . S i g l o X X I ,
B . A . 1973, p . 53.
27. F R E I R E , P a u l o : I b i d e m , p . 39.

74
E n t r e t a n t o , e s t a d e b i l i d a d e é p e r c e b i d a também p e l o e s c r a v o , p o s t o
q u e , n o d i z e r d e H e g e l , a servidão é autoconsciência, e e s s a a u t o -
consciência c o m o t a l p o d e i n i c i a r o c a m i n h o d a consciência d e
classe. O e n c o n t r o e n t r e a consciência d e c l a s s e e a consciência
c r i t i c a é o último p a s s o d a conscientização.

P o r i s t o dirá Emarú M a r i a F i o r i q u e ( . . . ) " A p e d a g o g i a d o o p r i -

m i d o é, p o i s , l i b e r t a d o r a d e a m b o s , d o o p r i m i d o e d o o p r e s s o r .
H e g e l i a n a m e n t e diríamos: a v e r d a d e d o O p r e s s o r r e s i d e n a c o n s -
ciência d o o p r i m i d o " . 2 8

A pedagogia d o oprimido possui dois momentos: n o primeiro

m o m e n t o , o s o p r i m i d o s e f e t u a m u m a mudança d e percepção, s a e m
d a c u l t u r a d e dominação. E s t e p r i m e i r o m o m e n t o t e m p o r s u a
vez dois m o v i m e n t o s complementares: a ) o soprimidos desvelam
o m i m d o d a opressão e b ) e s t a b e l e c e m t u n c o m p r o m i s s o pela
praxis. N o segundo momento, u m a vez expulsos os mitos criados
n a e s t r u t u r a o p r e s s o r a , n o s e n c o n t r a m o s c o m a ação cultural liber-
tadora e então, d i z F r e i r e q u e ( . . . ) " . . . e s t a p e d a g o g i a d e i x a d e
ser d o o p r i m i d o * p a s s a a s e r a pedagogia d e h o m e n s e m processo
d e p e r m a n e n t e libertação". 2 9

E s t e s e g u n d o m o m e n t o i m p l i c a , h e g e l i a n a m e n t e , o p a s s o d a razão
a b s t r a t a ( e n q u a n t o consciência o p r i m i d a ) , p a r a a p r a x i s l i b e r t a -
d o r a ( e n q u a n t o negação d a consciência o p r i m i d a ) , p a r a a s u a
"síntese", a razão n o v a ( o u razão c o m p l e x a ) e n q u a n t o consciência
e m b u s c a d e libertação d e n t r o d e l u n p r o j e t o - p r o c e s s o d e m u d a n -
ça s o c i a l .

F r e i r e , a o d e s c r e v e r a consciência mágica h a v i a d i t o : ( . . . ) " E s t a

c u l t u r a d o silêncio, característica d e n o s s o p a s s a d o c o l o n i a l , c u l t u -
r a q u e p e r m a n e c e n a s condições favoráveis d a p o s s e d a t e r r a n a
América L a t i n a , c o n s t i t u i u , histórica e c u l t u r a l m e n t e , a consciência
c a m p o n e s a c o m o consciência s e r v i l , n a expressão d e H e g e l " .

P a r a não m u l t i p l i c a r a s citações a o b u s c a r m o s a confrontação c o m

a dialética h e g e l i a n a , a c e i t a m o s e m princípio, q u e a incidência, d a
dialética h e g e l i a n a n a dialética d a p e d a g o g i a d o o p r i m i d o , é p o d e -
rosa. P a r a Freire — a s s i m c o m o p a r a Hegel — o trabalho educar
t i v o põe e m m o v i m e n t o o r i c o m a t e r i a l histórico a c u m u l a d o ( o
o b j e t i v o ) , o q u a l d e s a f i a e q u e s t i o n a p o r s u a s contradições n o nível
s u b j e t i v o , a consciência, q u e é a s s i m d e f i n i d a o u e n t e n d i d a p o r
F r e i r e : " Q u a n d o f a l a m o s , c o m o n e s t e c a s o , d e consciência, r e f e r i -
m o - n o s a o h o m e m c o m o c o r p o c o n s c i e n t e , e m relação dialética

28. F I O R I , E m a n i M . , Prólogo d a o b r a d e F r e i r e , i n t i t u l a d o :
" A p r e n d e r a d e c i r s u p a l a b r a " , p . 11.
29. F R E I R E , P a u l o : o p . c i t . , p . 53.
30. F R E I R E , P a u l o : " S o b r e l a acción c u l t u r a l " , o p . c i t . , p . 82.

75
c o m o m u n d o , e não d a consciência c o m o n u m a concepção i d e a l i s -
t a , s o l i p s i s t a , s e g u n d o a q u a l a consciência c r i a a r e a l i d a d e o u
e s t u d a a realidade"»! e p o d e c h e g a r , m e d i a n t e u m s a l t o q u a l i t a -
t i v o , à consciência crítica ( e m H e g e l o f i m d o c a m i n h o s e r i a o
Saber Absoluto). Resta mencionar que e m Freire — diferente
m e n t e de Hegel — esse salto qualitativo é fruto somente do tra-
b a l h o e d u c a t i v o , a i n d a q u e i n s e r i d o n u m p r o c e s s o histórico c o n -
creto.

N o e n t a n t o s e , a o f o r m u l a r m o s o p r o b l e m a , dizíamos q u e , e m
F r e i r e a dialética h e g e l i a n a e r a a v e r t e n t e filosófica c e n t r a l , t a m -
bém acrescentávamos q u e a dialética d a p e d a g o g i a d o o p r i m i d o
não s e e s g o t a n e l a . Mais ainda: que ela reduzia a positividade
d a negação d e t e r m i n a d a h e g e l i a n a , e q u e e s s a redução c o n f i g u r a v a
u m a superação.

S e a c e i t a r m o s s e r válida a p r i m e i r a p a r t e d e n o s s a hipótese d e
t r a b a l h o — incidência d a dialética h e g e l i a n a n a dialética d a p e d a -
gogia do oprimido — poderemos analisar detidamente a segunda
p a r t e d e n o s s a hipótese — a redução q u e c o n f i g u r a u m a superação
— p a r a p o d e r fxmdamentá-la a n a l i t i c a m e n t e . ,

A c e i t e m o s , e m p r i m e i r a instância q u e , c o m o o m e s m o H e g e l o
a f i r m a , c o n c o r d a r n a utilização e s t r i t a d a dialética h e g e l i a n a —
o u f o r m a l m e n t e o u a p e n a s e m esboço — s i g n i f i c a a c e i t a r p l e n a -
m e n t e t o d a a e s t r u t u r a ideológica h e g e l i a n a , já q u e o método:
(...) "não é, c o m e f e i t o , senão a e s t r u t t i r a d o T o d o e x p o s t a e m
sua essencialidade pura".

O método dialético é a exposição, p u r a e s i m p l e s , d o s i s t e m a h e g e -

liano. Portanto, se p o d e m o s inferir que dentro do pensar freireano
j o g a m , c o m notável v i g o r , c e r t o s p r e s s u p o s t o s h e g e l i a n o s ( i m i d o s
a p r e s s u p o s t o s e x i s t e n c i a l i s t a s , fenpmenológicos e m a r x i s t a s ) , d e
n e n h u m a m a n e i r a poderíamos c o n c l u i r q u e e x p r i m e m u m p e n s a -
m e n t o i d e a l i s t a , c o m o s e transferíssemos H e g e l i n t e i r o p a r a F r e i r e
— o u c o m o s eeste o tivesse feito, a o m e n o s inconscientemente.
V e j a m o s o n d e r a d i c a a p r i n c i p a l diferença. Diferença, q u e não
somente elimina toda possibilidade de assimilar Freire a Hegel ou
a u m pensar semelhante, m a s que n o s m o s t r a a radical originali-
dade de Freire neste aspecto.
A p o s i t i v i d a d e d a negação d e t e r m i n a d a é a m a n e i r a p e l a q u a l o
filósofo t e n d e a n e g a r a s f o r m a s a t u a i s — e m s u a c o r p o r a l i d a d e
— c o m o f u n d a m e n t o e método d e u m a r a c i o n a h d a d e q u e s e b a s e i a
p o r s u a v e z , n a ( . . . ) "indefectível r a c i o n a l i d a d e , n a lógica I m a -
n e n t e a o m e s m o p r o c e s s o histórico". »*

31. F R E I R E , P A U L O : I b i d e m , n o t a n . " 32, p . 113.

32. H E G E L , G . N . F . , o p . c i t . , p . 32.
33. D E Z A N , Júlio: " L a dialéctica e n e l c e n t r o y e n l a p e r i f e r i a '

76
I s t o é, e x i s t e m c e r t a s f o r m a s s o l i d i f i c a d a s — n o p e n s a r h e g e l i a n o —
q u e não são a v e r d a d e d a r e a l i d a d e , van& v e z q u e s u a noção
postula u m devir superior, vun progresso ascendente. A História
s e g u e o c a m i n h o d o Espírito p l e n a m e n t e a u t o c o n s c i e n t e , q u e s e
i d e n t i f i c a c o m a t o t a l i d a d e d o p r o c e s s o histórico, e n q u a n t o e s t e
p r o c e s s o histórico — n a s u a Lógica — não c o n s i s t e senão e m
manifestações — e m s i já a-históricas — d a v i d a i m a n e n t e a o
d e s e n v o l v i m e n t o histórico d o Espírito. D e t a l m o d o q u e o Espí-
r i t o , a o n e g a r d e t e r m i n a d a m e n t e o s o b j e t o s q u e a e l e s e opõem,
c o m o f i m d e desembaraçar s e u c a m i n h o , n a r e a l i d a d e está c o n s -
truindo u m a totalidade infinita, pois nega a totalidade finita que
e n c o n t r a e m s e u c a m i n h o . Porém e s s a t o t a l i d a d e i n f i n i t a t e r m i n a
s e n d o a s u a própria v i d a e s p i r i t u a l , e , e i s p o r q u e , s e g u n d o D e Z a n :
" o s q u e opõem resistência a e s t e c a m i n h a r são a s f o r m a s s o l i d i f i -
c a d a s , o f i n i t o q u e e x p r i m e e constrói e s s a t o t a l i d a d e i n f i n i t a m a s
q u e , não o b s t a n t e , e m s u a afirmação i s o l a d a , f i c a excluído d a
t o t a l i d a d e (já q u e é m n a negação: " o m n i s d e t e r m i n a t i o e s t n e g a -
t i o " ) , e a mantém c o m o p u r a substância q u e a i n d a não t o r n o u - s e
s u j e i t o . Então a negação d e t e r m i n a d a é f e c u n d a p o r q u e o n e g a d o
p e r t e n c e a u m a t o t a l i d a d e a t u a l , já r e a l i z a d a , não m e r a m e n t e p o -
t e n c i a l ; a negação alcança r e a l m e n t e s e u f i m , p o i s e s t a t o t a l i d a d e
é i m a n e n t e " . 3"

P o r t a n t o , t o d a a f i l o s o f i a d e H e g e l põe e m m o v i m e n t o -— p e l a
dialética — a r i q u e z a histórico-cultural européia. O q u e é e m - s i
c h e g a a s e r e m - s i e p a r a - s i . Porém e s t e p r o c e s s o s e dá p l e n a m e n t e
d e n t r o d e u m a única t o t a l i d a d e : a t o t a h d a d e européia. Daí q u e
a negação d e t e r m i n a d a — o u razão n e g a t i v a — t e r m i n a p o r f a z e r
a f t o r a r , não a l g o d i s t i n t o q u e a n e g a ( a s f o r m a s solidificadas),
m a s a essência ( o E s p i r i t o e m s u a imanência). Essência e f o r m a
são p o r t a n t o , d u a s f a c e s d e u m a m e s m a m o e d a : a consciência q u e
a E u r o p a t e m d es i m e s m a .
S e F r e i r e n e g a s s e a s f o r m a s d e consciência q u e e x i s t e m n a América
L a t i n a , e m f o r m a sistemática — negação d e t e r m i n a d a —, c o m a
convicção d e q u e l o g o a p a r e c e r i a , e m v i r t u d e d e u m p r o c e s s o histó-
r i c o inelutável, a consciência r e a l — a i n d a q u e o c u l t a —, q u e s e
e x p r i m i r i a c o m o consciência crítica, s e r i a l u n ingênuo. M a i s a i n d a :
p r o v a v e l m e n t e o p t a r i a p o r u m a t e o r i a crítica d a s o c i e d a d e sem
c o l o c a r m e i o s m o d i f i c a d o r e s d a r e a l i d a d e s o c i a l , c o m o alcançou
s e r o método p s i c o - s o c i a l d e alfabetização d e a d u l t o s , q u e e l a b o r o u .

S e m dúvida a l g u m a , n o p e n s a r f r e i r e a n o , a p o s i t i v i d a d e d a negação
d e t e r m i n a d a , q u e s e e x p r i m i r i a c o m o negação a b s o l u t a d e t o d a s
a s f o r m a s a t u a i s , c o m o propósito d e q u e , d a d a a sua imanência

n a r e v i s t a " N u e v o M u n d o " , t . 3, e n e r o - j u n i o d e 1973, n.° 1 , P r o v . d e B.A.

p . 111.
34. D E Z A N , J u l l o : o p . c i t . , p p . 109-110.

77
 a o m e s m o p r o c e s s o histórico, s u r j a m a s n o v a s f o r m a s l i b e r t a d o r a s
— não s e f a z p r e s e n t e . Daí p o s t u l a r e l e l u n a educação q u e c o l a -
b o r e c o m o s o p r i m i d o s n o p r o c e s s o d e s u a organização.
Encontramos aqui a originalidade profunda d opensar freireano.
A experiência pedagógica q u e P a u l o F r e i r e n o s propõe, c o l o c a e m
m o v i m e n t o n a p e r i f e r i a , u m a t o t a l i d a d e d e opressão q u e f e c u n d a
o n a s c i m e n t o d e u m a consciência d e libertação. A o r i g i n a l i d a d e
e vigência d o p e n s a m e n t o f r e i r e a n o , t e m s u a s raízes e m a s s i u n i r ,
a p a r t i r d e t u n h u m a n i s m o pedagógico, a s ânsias d e libertação
l a t i n o - a m e r i c a n a s e o s e l e m e n t o s d e consciência q u e s u r g e m d o s
p r o c e s s o s históricos p o p u l a r e s d o c o n t i n e n t e , e -expô-los e m f o r m a
d e u m método d e alfabetização.
O t e m a d a consciência alcançou s e u máximo e s p l e n d o r e a t u a l i d a -
de na filosofia de Hegel. F r e i r e é tributário d e s t e a s p e c t o . E m
H e g e l , porém, põe-se e m m o v i m e n t o — j u n t a m e n t e c o m u m s e m
número d e e l e m e n t o s p r o f u n d a m e n t e críticos — > a consciência d o
patrão, d o d o n o , d o o p r e s s o r ; e m F r e i r e , a o contrário, põe-se e m
m o v i m e n t o a consciência d a s c l a s s e s p r e t e r i d a s , d o o p r i m i d o , d o
povo.
A redução d a p o s i t i v i d a d e d a negação d e t e r m i n a d a — c o m o f i m d a -
m e n t o ineludível d a dialética h e g e h a n a — i m p h c a s u a superação
n a dialética f r e i r e a n a . E s t a superação s e dá n u m a f i l o s o f i a d a
educação — o u m a i s e s t r i t a m e n t e e m a n t r o p o l o g i a política —,
q u e e n c a r a o p o b r e , o m a r g i n a l e b o p r i m i d o , não c o m o u m s e r
q u e não s a b e , m a s a o contrário c o m o u m s e r q u e não s a b e q u e
s a b e ; q u e a i n d a não c h e g o u a a d m i r a r - s e . U m h o m e m e m p r o c e s s o
d e construção p r o g r e s s i v a . P a r a •'Hegel, t r a n s p l a n t a d o acritica-
m e n t e p a r a a América L a t i n a , a f a c e d o p o b r e e m a r g i n a l s e r i a
u m a m e r a f o r m a solidificada que deve marginsilizar-se, extinguir-se,
p a r a q u e c o n t i n u i avançando o m o v i m e n t o d a c u l t u r a o c i d e n t a l .
S e m dúvida a l g u m a , além d e s t a diferença, o s m a t e r i a i s históricos
q u e a m b a s dialéticas m o v i m e n t a m , são d i f e r e n t e s .
F i n a l m e n t e d i r e m o s q u e e m H e g e l , o e n s i n o só s e p o d e e m p r e e n -
d e r n u m a direção: o d a consciência " d e s i " q u e s e c o n v e r t e e m
" p a r a s i " . P a r a F r e i r e o âmbito r e l a c i o n a i d a consciência p e r m i t e
descobrir u m novo ser que outorga u m novo sentido a o projeto
v i t a l — e u m s e n t i d o p r o f u n d a m e n t e comimitário. E s s e n o v o s e r
p o d e - s e e x p r i m i r c o m o a intersubjetívidade, q u e p o d e e d e v e c h e -
g a r também à consciência d e c l a s s e , m a s s e m p e r d e r o m o m e n t o
d a intersubjetívidade.

O b s . : O s l i v r o s d a s n o t a s 1 , 10, 17 e 26 f o r a m t r a d u z i d o s p a r a o
Português — p e l a e d i t o r a " P a z e T e r r a " — c o m o s títulos d e : "Ação
C u l t u r a l p a r a a L i b e r d a d e e o u t r o s e s c r i t o s " , "Educação c o m o prática
d a L i b e r d a d e " , "Extensão e Comunicação" e " P e d a g o g i a d o O p r i m i -
do", respectivamente.

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