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CONSELHO EDITORIAL
Cláudio Couto Terrão
Délia Mara Villani Monteiro
Élida Graziane Pinto
Elke Andrade Soares de Moura
Evandro Martins Guerra
Fernando Gonzaga Jayme
Flávia Lacerda Franco Melo Oliveira
José de Ribamar Caldas Furtado
Leandro Maciel do Nascimento
Licurgo Joseph Mourão de Oliveira
Lilian de Almeida Veloso Nunes Martins
Luis Emílio Pinheiro Naves
Sebastião Helvecio Ramos de Castro
Valdecir Fernandes Pascoal
FICHA CATALOGRÁFICA
CDU 336.126.55(815.1)(05)
CORPO EDITORIAL
EDITOR
EVANDRO MARTINS GUERRA
EQUIPE TÉCNICA
REGINA CÁSSIA NUNES DA SILVA
SOLANGE BÁRBARO BÁRRIOS
REVISÃO
CÉLIA ROSA
GILSON ESTEVES GUEDES FILHO
JÉSUS ARAÚJO VIEIRA
CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
ANDRÉ AUGUSTO COSTA ZOCRATO
ANDRÉ LUIZ DE OLIVEIRA JUNIOR
BRUNA GONTIJO PELLEGRINO
LÍVIA MARIA BARBOSA SALGADO
VIVIAN DE PAULA
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
COMPANHIA DA COR STUDIO GRÁFICO LTDA.
CORPO DE PARECERISTAS
DOUTRINA
A disruptura arrecadadora do erário: a concessão (in)discriminada de benefícios fiscais
Marcílio Barenco Corrêa de Mello e Gabriel Salgueiro.................................................................................. 12
Articulação municipal em resposta à pandemia da covid-19
Cláudia Costa de Araújo Fusco, Flávia Alves Guimarães, Frederico Martins de Paula Neto e
Giovanna Bonfante.....................................................................................................................................................30
A aplicação da Lei n. 13.655/2018 Pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:
diagnósticos e perspectivas acerca da análise de editais de concurso público
Gabriel Venturim de Souza Grossi.........................................................................................................................49
As inovações jurídicas trazidas pelo sistema de registro de preços nas licitações da
união
José Kaerio França Lopes..........................................................................................................................................66
A aplicação da decadência no controle externo: o estudo do instituto nos processos
analisados no TCEMG
Juliana Meireles de Mattos.......................................................................................................................................83
Fundamentos do direito constitucional contemporâneo: do constitucionalismo ao
neoconstitucionalismo e pós positivismo
Lucas Antunes Leão....................................................................................................................................................99
ESTUDO E PESQUISA
Controle externo exercido pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais sobre os fundos
educacionais
Cristina Andrade Melo et al.....................................................................................................................................124
PARECERES E DECISÕES
Inexigência de lei específica para a consecução dos instrumentos legais de parcerias
previstos na Lei n. 13.019/2014
Consulta n. 1.072.572 | Relator: Conselheiro Wanderley Ávila..................................................................152
Recurso cabível diante das impugnações de decisões interlocutórias no curso
procedimental em que foi aplicada multa-coerção
Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 1.058.760 | Procuradora-Geral do Ministério
Público Junto ao Tribunal de Contas Elke Andrade Soares de Moura......................................................164
DOUTRINA
A DISRUPTURA ARRECADADORA DO ERÁRIO: A
CONCESSÃO (IN)DISCRIMINADA DE BENEFÍCIOS
FISCAIS
THE COLLECTIVE DISRUPTURE OF THE PUBLIC ERARY: THE (IN)
DISCRIMINATED GRANT OF FISCAL BENEFITS
Gabriel Salgueiro
Resumo Abstract
Este artigo se propõe a examinar – a partir da This paper proposes to analyze, from the
análise econômica do direito – os incentivos Economic Analysis of Law, the tax incentives and
fiscais e as implicações decorrentes da prática de the implications arising from the practice of (in)
concessão (in)discriminada de benefícios fiscais. Na discriminate concession of tax benefits. In the
seção introdutória, expõem-se os desígnios teóricos introductory section, contemporary theoretical
contemporâneos para um Estado republicano — designs for a republican state are exposed, especially
mormente sob a ótica orçamentária —, e se trazem from a budgetary perspective, giving the reasons
as razões que impelem o tratamento sustentável that impel the sustainable and cautious treatment
e cauteloso das finanças públicas, propondo um of public finances. In the following section, a portrait
Palavras-chave: análise econômica do direito; benefícios fiscais; gastos públicos indiretos; transparência
pública; controle da relação entre custo e benefício.
Keywords: law & economics; tax benefits; indirect public spending; public transparency; cost-benefit control.
1 INTRODUÇÃO
A concessão de benefícios fiscais e as implicações (não) arrecadadoras decorrentes da (in)
discriminada benesse creditícia tributária são variantes que atingem o planejamento orçamentário
financeiro dos entes estatais, havendo impactos estruturais que necessitam passar pela análise
econômica do direito.
A hodierna organização político-administrativa dos Estados republicanos deve ser conjugada com os
preceitos estruturantes das cartas políticas, que trazem ensimesmados os predicados de sociedade
politizada, sistema de governo temporal e mandatário (presidencialismo ou parlamentarismo) e
regime de governo democrata, todos volvidos aos objetivos fundamentais de bem-comum.
As ações governamentais na seara republicana devem se pautar por normas jurídicas erigidas sob
esses vieses, admitindo-se que as políticas públicas devam concretizar os objetivos traçados na carta
política, em especial a implementação dos direitos fundamentais.
No entanto, de todo direito assegurado pelo Estado decorre um custo orçamentário financeiro.
Os recursos públicos para fazerem face a esses compromissos estatais são hauridos do patrimônio
Vários dos vocábulos utilizados na definição acima são, em verdade, abertos. Alguns são ideias, então
condensadas em um único termo. Explicá-los, porém, foge ao âmbito da via estreita deste artigo. No
entanto, não há prejuízo em tomarmos o “núcleo duro” da definição.
Nos dizeres de Scaff (2018, p. 127): “O uso do conceito de república como sinônimo de democracia também se encontra fora
1
do escopo desta exposição. Trata-se de conceitos distintos, mas que devam necessariamente se complementar para que surja
efetivamente um Estado que seja ao mesmo tempo republicano e também democrático, como adiante será destacado. Isso indica,
por um lado, a necessidade de participação popular na determinação de seu destino – o que, lato sensu, caracteriza a democracia – e,
de outra banda, a necessidade de que a condução da coisa pública seja efetuada consoante o interesse geral, visando o bem comum
– itens que caracterizam a república”.
Ainda em Scaff (2018, p. 192): “A democracia se correlaciona com o desejo na obtenção de bens e melhor qualidade de vida, de
2
status, de poder; a república se correlaciona com a limitação dessa vontade, algo férreo que limita o desejo em prol do bem
comum, da governabilidade, da manutenção da sociedade”. Assim, ainda conforme, “a democracia é popular, está do lado da
sociedade, dos que podem obedecer a maior parte do tempo e podem desobedecer menos vezes – mas desejam o tempo todo; e
a república está do lado do poder, das instituições, expressando”.
O antecessor lógico de um mandamento de eficiência é a finitude dos insumos que compõem aquele
processo. Ilustrando-se o preceito, é dizer, então, que, ao determinar eficiência na administração
pública3, o constituinte originário reconheceu a limitação dos elementos que compõem a ação estatal
— no caso em análise, dos recursos financeiros cada vez mais escassos, em meio a demandas elevadas.
É na escassez, pois, que mais importa a análise econômica — e, felizmente, também é esse o cenário
no qual a metodologia mostra seus potenciais. Passa-se, então, à análise da questão orçamentária sob
a ótica jurídica e jus econômica.
4
MATION, 2014, p. 173-175, p. 185-197; BONELLI, 2014, p. 111-113, p. 120-125, p. 137-149; SQUEFF; DE NEGRI, 2014, p. 249-250, p.
253-257, p. 276-277)
5
Art. 165, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
6
Disponível em: http://www.fazenda.mg.gov.br/governo/contadoria_geral/lrf/17-2019/bimestre5/anexo1.pdf. Acesso em 15 mar.
2020.
7
Disponível em: https://portal.fazenda.sp.gov.br/acessoinformacao/Downloads/Relat%C3%B3rio-Resumido-Execu%C3%A7%C3%
A3o-Or%C3%A7ament%C3%A1ria/Balan%C3%A7o-Or%C3%A7ament%C3%A1rio-1_2-e-2_2/Relat%C3%B3rio%20Resumido%20
da%20Execu%C3%A7%C3%A3o%20Or%C3%A7ament%C3%A1ria%20-%206_bi_quadro_I_1-2019.pdf. Acesso em 15 mar. de
2020.
8
Disponível em: http://www.contabilidade.fazenda.rj.gov.br/contabilidade/content/conn/UCMServer/path/Contribution%20
Folders/contadoria/relatoriosContabeis/lrf/2019/1%c2%ba%20Bimestre%202019/Anexo%2001_1%c2%baBim_RREO_%202019_
MDF%209%c2%aaEd..pdf?lve. Acesso em 15 mar. 2020.
9
Igualmente relevante (e preocupante) é o grau de dependência, por parte dos entes subnacionais, de transferências. Cf. BRASIL.
Ministério da Economia. Secretaria Especial da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais
2019. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2019. Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_
PUBLICACAO:30407. Acesso em 15 mar. de 2020.
10
Em termos econômicos pode-se entender o tributo extrafiscal como a faceta jurídica do imposto pigouviano. Sobre este tipo de
imposto, valem as lições de Mankiw (2009), nas quais em vez de regulamentar o comportamento em resposta a uma externalidade,
o impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-estar de outras, que não tomam parte da ação, levará o governo a usar políticas
baseadas no mercado para alinhar incentivos privados com eficiência social.
11
Na teoria econômica, a falha de mercado é a situação em que o sistema de mercado, por si só, falha em alocar os recursos de forma
eficiente – levando, em regra, a uma diminuição do bem-estar (MANKIW, 2009). Para exemplos, Cf. MENDES, Marcos. Por que o
governo deve interferir na economia? 2011. Disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/03/24/por-que-o-
governo-deve-interferir-na-economia/. Acesso em: 12 mar. 2020.
Resultado primário é o saldo da diferença entre receita primária (aquela decorrente da atividade fiscal do governo) e a despesa
12
primária (relativa às atividades de política pública e manutenção do Estado, excluídas as despesas financeiras – como pagamento de
juros e empréstimos).
Por “acima da linha”, entenda-se como a diferença entre as receitas e as despesas do setor público. O termo “abaixo da linha”, noutro
13
Vide http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2016/10/parcelamento-do-salario-de-servidores-em-mg-vai-ate-fim-de-2016.html.
14
Não raramente, os dilemas podem ser trágicos. A eleição de prioridades na consecução de políticas
públicas deve respeitar uma agenda política democrática. Frequentemente, surge tensão quando um
dos elementos sopesados é — ao menos — relativo às necessidades mais primitivas do homem, de
primeira ordem, tais como as fisiológicas, as de segurança e as de saúde (CALABRESI; BOBBIT, 1978).
Em termos hialinos: “é possível acabar com o analfabetismo ou erradicar as doenças endêmicas,
como dengue ou zika, mas é necessário decidir onde se deve realizar esse gasto, pois, no âmbito
orçamentário existe uma decisão política que prioriza sua realização” (SCAFF, 2018, p. 297).
Vide, por exemplo, a ascensão cada vez mais frequente dos termos “reserva do possível”. A expressão,
no contexto jurídico-orçamentário, pode ser entendida como uma limitação à realização de algum
direito - o qual, diante da impossibilidade de concretização absoluta, deve ser atendido na maior
medida possível.
Harmonizando os preceitos constitucionais, surge o conceito de orçamento republicano, dado por
Scaff (2018, p. 296-299), a seguir.
O orçamento republicano é aquele que arrecada mais de quem ganha mais ou
possui mais bens, e gasta mais com quem ganha menos ou possui menos bens, de
modo a permitir que sejam reduzidas as desigualdades sociais e reduzida a pobreza.
Esse conceito pode ser refraseado de diferentes formas, com o mesmo espírito: o
orçamento republicano é aquele que arrecada progressivamente mais dos ricos, e gasta
progressivamente mais com os pobres, a fim de cumprir os objetivos fundamentais
da Constituição. As possibilidades de refraseamento são inúmeras, respeitada a ideia
de que se deve arrecadar mais de quem ganha mais e gastar mais com os grupos
socialmente vulneráveis, a fim de lhes assegurar um mínimo de dignidade e isonomia
socioeconômicas. Tal preceito encontra-se em plena consonância com o princípio
jurídico republicano.
Não se trata de uma equação meramente financeira, mas jusfinanceira, pois mediada
por decisões políticas que, uma vez juridicizadas conforme os parâmetros normativos,
irão determinar de quem arrecadar e com quem gastar. [...]
Impõe frisar, na mesma linha, que os sucessivos governos dos entes estatais diferentes da União não
vêm perseguindo uma dinâmica sustentável das despesas públicas, tampouco focada em consecução
de políticas públicas de cunho social.
Note-se, por exemplo, o Gráfico 2 a seguir, que expõe a despesa total com pessoal dos estados em
relação às respectivas receitas correntes líquidas no terceiro quadrimestre de 2019 (BRASIL, 2019):
Gráfico 2 – Despesa total com pessoal em relação às receitas correntes líquidas (RCL)
A opção pela concessão de benefícios fiscais pode não se dar de forma republicana, mas, sim,
oportunista, valendo-se da posição de destaque e da essencialidade, onde burocratas e políticos
podem editar regulações prejudiciais à própria sociedade, tão somente para auferirem benefícios
próprios, num sistema pernicioso que se retroalimenta, num verdadeiro ciclo vicioso.
Neste sentido, por exemplo, são as sugestões de Wu et al. (2011) e Lazzarini (2010).
15
4 PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO
Não há receita simples para a superação de deficiências econômicas. São questões que permeiam o
estudo da economia do setor público, por exemplo, quando – e como – o governo deve intervir na
economia? Qual é o efeito dessa intervenção nos resultados econômicos? Por que os governos optam
por intervir da maneira que fazem? (GRUBER, 2016, p. 219).
Na mesma linha, as sugestões metodológicas de Poterba (2011, p. 453-454), em tradução dos autores
deste artigo, a seguir.
[...]
Primeiro, quanta receita é perdida devido a cada despesa tributária? As estimativas
de receita devem reconhecer possíveis respostas comportamentais que podem estar
associadas a alterações nas provisões para imposto de renda. Segundo, quais são os
custos de eficiência de determinadas despesas tributárias? As estimativas dos custos
de eficiência associados às despesas tributárias atuais podem ajudar a orientar os
formuladores de políticas, pois se concentram em disposições específicas de despesas
tributárias. Por fim, quem se beneficia das políticas atuais de despesa tributária e quem
seria afetado negativamente por uma expansão da base de imposto de renda que
eliminasse ou reduzisse as despesas tributárias atuais?
O controle da ação estatal, de imediato, deve ser feito sob a ótica democrática. No entanto,
é imprescindível que os tomadores de decisão estejam munidos de informações técnicas
suficientemente capazes para fundamentarem as melhores decisões. Holmes e Sunstein (1999, p. 152-
153) abordam o tema, como se vê a seguir na tradução dos autores deste artigo.
Classificar direitos como bens públicos onerosos não significa encorajar analistas
políticos - ligados a quadros de contadores - a resolverem unilateralmente a questão
de quais direitos os cidadãos devem ou não gozar, de forma insensível. Pelo contrário,
a inevitabilidade dos trade-offs nos lembra a necessidade de controle democrático e
até de “virtude cívica”, isto é, de um escrutínio cuidadoso dos contribuintes quanto às
alocações orçamentárias na área de proteção e aplicação de direitos. Desnecessário
dizer que é muito mais fácil exigir responsabilidade democrática em tais assuntos do
que alcançá-la.
Especialistas bem treinados e competentes têm um papel a desempenhar, aqui e em
outros lugares. São indispensáveis para
descobrir, interpretar e traduzir em linguagem
Para apreciação pormenorizada de como se estruturar uma análise de custo-benefício na área tributária: Cf. CHEN, Duanjie. The
16
Framework for Assessing Tax Incentives: A Cost- Benefit Analysis Approach. Nova York: Workshop On Tax Incentives And Base
Protection, 2015. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/uploads/2015/04/2015TIBP_PaperChen.pdf. Acesso em:
19 mar. 2020.
Giovanna Bonfante
CRÉDITO: PLATAFORMA LATTES
1 INTRODUÇÃO
Com origens identificadas em dezembro de 2019 na China, uma nova cepa de coronavírus passou
a assolar diversas nações em 2020, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a reagir com a
declaração de emergência de saúde pública de interesse internacional, ainda em 30/1/2020, e com
2 CONTEXTUALIZAÇÃO
Com uma rápida taxa de transmissão entre humanos quando comparada a outros vírus respiratórios1
e com uma taxa de mortalidade que, senão tão elevada quanto a de outras cepas do coronavírus2,
mostrou-se inaceitável dentro dos atuais padrões das sociedades democráticas modernas; o surto da
Covid-19 foi rapidamente classificado por epidemiologistas como grave, dados os possíveis resultados
causados, caso não fossem tomadas sérias medidas pelos governos e pelas sociedades civis.
No Brasil, o primeiro registro de contaminação pelo coronavírus ocorreu em 26/2/2020. No final de
julho, o total de casos confirmados chegava a 2.200.000 com cerca de 82.000 vítimas fatais, indicando
uma taxa de 39,4 mortes para cada grupo de 100.000 habitantes. A doença já havia atingido cerca de
5.378 municípios brasileiros ou, aproximadamente, 96% das cidades do país (BRASIL, 2020).
No Estado de Minas Gerais, a doença tem-se apresentado de forma heterogênea entre os 853
municípios, já podendo ser identificados no momento da redação deste artigo alguns pontos de maior
incidência da doença, geralmente em áreas metropolitanas com alto adensamento populacional,
como os centros regionais de Uberlândia, Ipatinga e a capital, Belo Horizonte. Em 22/7/2020, o Estado
de Minas somava mais de 98.000 pacientes, dos quais 71.000 declarados recuperados (MINAS GERAIS,
2020b).
2
MALLAPATY, 2020; SHABIR, 2020)
(SCHEIN, 1982)
3
4 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Já há muito se discute a necessidade de alterar o foco dos estudos sociais para uma produção
literária que consiga não só apresentar contribuições epistemológicas ao tema, mas também que
possa apresentar pesquisas com relevância para a sociedade e, acima de tudo, propostas de soluções
práticas para problemas reais.
(PIDERIT, 2000)
5
7
(PETTIGREW; WHIPP,1991)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível notar que a administração pública municipal apresenta respostas em tempos de crise
que reforçam o modelo de administração historicamente institucionalizado em cada órgão, seja mais
burocrático, seja inovador. Por outro lado, considerando a aversão à incerteza típica de qualquer
instituição, pública ou privada, e a necessidade de respostas rápidas imposta pela pandemia, verifica-
REFERÊNCIAS
AHMED, F. et al. Why inequality could spread COVID-19. The Lancet Public Health, v. 5, n. 5, p. 240,
2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/s2468-2667(20)30085-2. Acesso em: 22 jul. 2020.
ALVES, T. H. E. et al. Underreporting of death by COVID-19 in Brazil’s second most populous state.
medRxiv, 23 de maio de 2020.
ASTLEY, W. G.; VAN DE VEN, A. H. Central Perspectives and Debates in Organization Theory.
Administrative Science Quarterly, Ithaca, NY, USA. v. 28, n. 2, p. 245–273, jun. 1983.
BELO HORIZONTE. Câmara Municipal. Lei n. 11.065 de 1º de agosto de 2017. Estabelece a estrutura
orgânica da administração pública do Poder Executivo e dá outras providências. Disponível
em: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/controladoria/20. 18/
documentos/LEGISLA%C3%87%C3%83O%20CTGM%202/lei11065-atual.pdf. Acesso em: 19 jul. 2020.
BELO HORIZONTE. Decreto n. 16.682 de 31 de agosto de 2017. Dispõe sobre a organização da
Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em: http://portal6.pbh.gov.
br/dom/ iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1183524. Acesso em: 18 jul. 2020.
BELO HORIZONTE. Decreto n. 17.297 de 17 de março de 2020. Declara situação anormal,
caracterizada como Situação de Emergência em Saúde Pública, no Município de Belo Horizonte em
razão da [...] COVID-19. Disponível em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=
DetalheArtigo&pk=1226967. Acesso em: 18 jul. 2020.
BELO HORIZONTE. Decreto n. 17.298 de 17 de março de 2020. Dispõe sobre medidas temporárias
de prevenção ao contágio e de enfrentamento [...] de doença infecciosa viral respiratória causada
pelo agente Coronavírus – COVID-19. Disponível em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/inicia Edicao.
domethod=DetalheArtigo&pk=1226966. Acesso em: 18 jul. 2020.
BELO HORIZONTE. Decreto n. 17.377 de 26 de junho de 2020. Suspende, por prazo indeterminado,
Resumo Abstract
A Lei n. 13.655/2018 realizou importante alteração The Law No. 13.655/2018, an important change
na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro was made in the Law of Introduction to the Rules of
(LINDB), visando valorizar a segurança jurídica, Brazilian Law (LINDB), aiming at enhancing legal
sobretudo no direito público. Na fiscalização certainty, especially in public law. In the supervision
realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de carried out by the Audit Court of the State of Minas
Minas Gerais (TCEMG) sobre os editais de concurso Gerais (TCEMG) on public tender notices, the new
público, o novo normativo tem sido invocado standard has been invoked as a basis for votes,
como fundamento votos, acórdãos, pareceres e judgments, opinions and technical reports. In some
relatórios técnicos. Em alguns casos, a aplicação da cases, the application of Law No. 13.655/2018 is
Lei n. 13.655/2018 é realizada de forma ponderada carried out in a thoughtful and relevant manner. In
e pertinente. Em outros, entretanto, os novos others, nevertheless, the new articles added to the
artigos acrescidos à LINDB são invocados de forma LINDB are invoked in a possibly hasty or untimely
possivelmente precipitada ou inoportuna, apesar manner, despite the intention of safeguarding the
do intuito de resguardar a segurança jurídica dos legal certainty of the participants of the relations in
partícipes das relações em questão, mormente a question, especially those of the TCEMG jurisdiction.
dos jurisdicionados do TCEMG.
Palavras-chave: Lei n. 13.655/2019; Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; segurança jurídica;
tribunais de contas; edital de concurso público.
Keywords: law no. 13.655/2018; law of introduction to the rules of brazilian law; legal certainty; audit courts;
public tender notice.
1
Artigo 1º da Lei n. 12.376/2012: “Esta Lei altera a ementa do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, ampliando o seu campo
de aplicação”.
2
O projeto de lei pretendia a inclusão de 11 artigos, porém aquele que seria o artigo 25 da LINDB foi objeto de veto presidencial.
3
Ementa da Lei n. 13.655/2018: Inclui no Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Ao contrário dos demais artigos, que tiveram vigência imediata a partir da publicação, em 26/4/2018, o artigo 29 entrou em vigor
5
Em função de tais excessos e distorções, foram apresentadas, no anteprojeto, algumas medidas com
base nas seguintes diretrizes expostas pelos professores Marcelo Schenk Duque e Rafael Ramos (2019.
p. 23-24).
É preciso combater a tendência à superficialidade na formação do juízo sobre questões
jurídico-públicas pela adoção do paradigma de que as autoridades não podem
tomar decisões desconectadas do mundo real; de que elas têm o dever de medir as
consequências, de considerar alternativas, de analisar a necessidade e a adequação
das soluções cogitadas, de pesar os obstáculos e as circunstâncias da vida prática etc.
Além disso, em nome da segurança jurídica, é preciso impedir que, por via de simples
interpretação de normas totalmente indeterminadas, as autoridades instituam, sem um
regime adequado de transição, deveres e proibições específicas para sujeitos certos,
modificando situações jurídicas com efeitos em relação ao passado.
[...]. É preciso impedir que pessoas sejam pessoalmente responsabilizadas apenas por
não terem adivinhado, à época, a futura orientação das autoridades finais de controle.
O risco de, em virtude de incertezas jurídicas ou mudanças de orientação, ocorrer
responsabilização ou perda patrimonial para o gestor ou para os particulares paralisa
e distorce a atividade decisória. É preciso melhorar a proteção das pessoas envolvidas
nessas situações.
A outorga às autoridades de poderes para buscar soluções negociadas com particulares,
em procedimentos passíveis de controle, é positiva para que se alcance um índice mais
elevado de cumprimento das obrigações, para diminuir incertezas e para eliminar ou
abreviar conflitos.
7
Comissão de Juristas constituída pela Portaria n. 426, de 6/12/2007, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
8
Sob a supervisão do professor Carlos Ari Sundfeld, o Grupo Público desenvolve pesquisas e propõe inovações no direito público,
contribuindo para a mudança cultural na gestão pública brasileira.
9
Também presidida pelo professor Carlos Ari Sundfeld, é uma entidade científica não governamental e sem fins lucrativos, ativa
desde 1993, voltada ao estudo e à inovação do direito público.
Em 2015, o anteprojeto elaborado pelos professores recebeu apoio decisivo do senador Antônio
Anastasia, também professor de direito administrativo, responsável por apresentá-lo ao parlamento
sob a forma do Projeto de Lei do Senado n. 349/2015. Após sua aprovação no Senado Federal, o
referido projeto de lei tramitou na Câmara dos Deputados sob o n. 7.448/2017, tendo sido, ao final,
sancionado pelo presidente da República, porém com vetos.
Nos termos de sua ementa, a Lei n. 13.655/2018 inclui, no Decreto-Lei n. 4.657/1942, “disposições sobre
segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público”. A respeito do propósito da
legislação em comento, o professor Carlos Ari Sundfeld (2019, p.10) registra que, “quando me pedem
uma palavra breve sobre a nova LINDB e o direito administrativo, explico que seu objetivo profundo é
superar a simplificação, a legalidade do senso comum”.
De modo mais aprofundado, observa-se, a partir de comentários elaborados pelos professores
Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas (2019, p. 7-10), que os artigos
acrescentados à LINDB têm como objetivo explícito “reforçar a segurança jurídica num quadro de
incerteza e de mudança permanente”, estando balizados em três fatores, a saber: I) a ampliação do
sentido da legalidade e a pluralidade de fontes normativas; II) a complexidade da regulação, que faria
as prescrições serem mais abertas e menos precisas; e III) a multiplicação dos polos legitimados para
aplicação do direito.
A partir desses balizamentos, torna-se possível compreender o conteúdo adotado pela Lei n.
13.655/2018 para a segurança jurídica, como se pode perceber pelo seguinte enunciado de Marques
Neto e Freitas (2019. p. 18).
E aí chegamos aos três vetores da segurança jurídica. A segurança jurídica
tem uma vertente da estabilidade, na medida em que dá perenidade aos atos
jurídicos e aos efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas
normas ou no entendimento que se faz delas. Tem um vetor de previsibilidade,
protraindo mudanças bruscas, surpresas, armadilhas. E, por fim, tem um vetor
de proporcionalidade (e de ponderabilidade), na medida em que a aplicação
do Direito não pode nem ser irracional, nem desproporcional. É, exatamente,
nesses três sentidos que a Lei nº 13.655/18 veio reforçar a aplicação da
segurança jurídica no âmbito do Direito Público.
Assentada, portanto, nesses pilares e objetivos – os quais, ressalte-se, foram aqui expostos, nesse
momento inicial, a partir do ponto de vista dos responsáveis pela concepção da lei –, a Lei n.
13.655/2018, que aborda aspectos como a proteção à confiança legítima (artigos 21, 23, 24 e 30), a
consideração da realidade fática dos gestores e das consequências práticas das decisões (artigos 20
e 22), o consensualismo na solução de conflitos (artigo 26) e a responsabilização de agentes públicos
(artigo 28). No entanto, apesar de não haver dúvidas sobre a importância dos objetivos pretendidos
com a nova lei, o tratamento dado aos elementos supramencionados tem suscitado renhidos debates,
desde a tramitação dos projetos de lei.
Afirmação feita pelos autores do PL n. 7.448/2018 no Parecer-Resposta à Análise Preliminar Realizada pela Consultoria Jurídica do
10
TCU.
idem.
11
PEREIRA, 2019.
12
PEREIRA, 2015.
13
A professora Irene Patrícia Nohara considera que, no âmbito acadêmico, não teria havido debate satisfatório sobre o PLS n. 349/2015
15
e o PL n. 7.448/2017, reputando parcas e insuficientes as oportunidades em que o tema foi discutido. Manifestação expressa na
mesma mesa de debates indicada na nota de rodapé n. 25, da qual também fez o conselheiro substituto do TCEMG Licurgo Mourão.
Os debates iniciados durante a tramitação dos projetos de lei não só se mantiveram após a
promulgação da Lei n. 13.655/2018, como se intensificaram e alcançaram outras arenas, como
o Poder Judiciário. Prova disso é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 6.146, proposta
em 22/5/2019 pela Anamatra, em face dos artigos 20 a 23 da LINDB. Em suma, a entidade de
classe aponta a necessidade de conferir aos mencionados dispositivos interpretação conforme a
Constituição da República, “para observaram os princípios da separação de poderes (art. 2º) e do
contraditório (art. 5º, LV), sob pena de invalidade”16.
No bojo da referida ADI, peticionou o Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e
Urbanístico (CEDAU), requerendo seu ingresso na ação como amicus curiae, enquanto o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) não só requereu sua participação na ação, como
também já apresentou suas razões. Na ocasião, o CFOAB impugnou, preliminarmente, a legitimidade
ativa da Anamatra para a propositura da ADI e, no mérito, manifestou-se pela improcedência da ação,
em razão da constitucionalidade das normas atacadas, que buscariam aprimorar a ação decisória
estatal. Desde 23/8/2019 e até o momento de conclusão do presente artigo, os autos da ADI n. 6146
encontram-se conclusos, aguardando despacho do relator, ministro Celso de Mello.
Apresentados, os principais embates atinentes à Lei n. 13.655/2018, cabe adentrar no estudo de
dispositivos específicos da lei, tendo por base, como já mencionado, o controle realizado pelo TCEMG
sobre os editais de concurso público.
Conforme extraído da primeira página da petição inicial da ADI n. 6164, obtida no site do Supremo Tribunal Federal (STF).
16
Diante da competência exposta, segundo a professora Luciana Moraes Sardinha Pinto (2007), é
possível observar que o legislador constituinte privilegiou, de forma inegável, o controle externo,
concedendo aos tribunais de contas uma posição de destaque no auxílio do Poder Legislativo. Nesse
contexto, destaca Sardinha Pinto (2007, pp. 8-19) o que se segue.
A partir da Constituição Federal de 1988 e da Constituição Estadual de 1989, o Tribunal
de Contas do Estado de Minas Gerais teve de adaptar-se à nova ordem institucional,
surgindo, como consequência, sua nova Lei Orgânica – a Lei Complementar n. 33, de
28/06/94 – e o novo Regimento Interno – Resolução n. 10, de 03/07/96.
Nesse cenário, de considerável ampliação das atribuições dos tribunais de contas e de atualização
dos normativos internos aplicáveis, a atual Lei Orgânica do TCEMG (Lei Complementar Estadual n.
102/2008) consagrou, como atividade fiscalizadora inerente ao controle a fiscalização sobre os atos
de admissão e a análise dos editais de concurso público: “Art. 3º – Compete ao Tribunal de Contas: [...]
XXXI – fiscalizar os procedimentos de seleção de pessoal, de modo especial os editais de concurso
público e as atas de julgamento”.
O exame prévio dos editais de concurso público constitui medida de caráter preventivo, destinada
a zelar pela adequada oferta e pelo regular provimento dos cargos e empregos públicos. Assim,
considerando que os vínculos estabelecidos entre a administração e seus servidores perduram,
normalmente, por longo período de tempo e que, conforme amplamente sabido, a maior parte dos
gastos públicos concentra-se nas despesas com pessoal17, o controle dos editais de concurso público
reveste-se de especial relevância, oferecendo significativa contribuição para a profícua gestão dos
recursos públicos.
No contexto da mencionada fiscalização, a Lei n. 13.655/2018 tem sido invocada por conselheiros,
conselheiros substitutos, procuradores e pela unidade técnica do TCEMG como fundamento em
votos, acórdãos, pareceres e relatórios técnicos. Além disso, a limitação da análise dos impactos da
nova LINDB ao escopo dos editais de concurso público também se justifica por se tratar de recorte que
permite o trânsito por diversos dispositivos e institutos do novel normativo.
Feito esse breve introito, passa-se à análise do artigo 21, que dispõe como se segue.
Nas esferas estadual e municipal, o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.101/2000) para as
17
despesas com pessoal é de 60% da receita corrente líquida do ente, conforme artigo 19, II e III.
A respeito desse dispositivo, destacam-se dois acórdãos prolatados pela Segunda Câmara do TCEMG.
No primeiro deles, em razão de o concurso público examinado já se encontrar encerrado no momento
da prolação do acórdão, invocou-se o parágrafo único do artigo 21 para salientar a impossibilidade
de imposição de ônus ou perdas anormais ou excessivas e a inviabilidade da realização de correções
no edital naquele momento, mesmo tendo sido identificadas irregularidades no instrumento
convocatório, devendo-se considerar, ainda, que eventual anulação do certame poderia ser mais
prejudicial ao interesse público que a manutenção do referido ato. Assim, caberia perquirir somente
acerca do eventual cabimento de multa ao gestor responsável.
Diante de tal circunstância, entendo perfeitamente aplicável ao presente caso o disposto
no art. 21, parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com as
alterações promovidas pela Lei n. 13.655/2018. Segundo tal dispositivo, a decisão que
nas esferas administrativa, controladora ou judicial decretar a invalidação de ato, ajuste,
contrato, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas
consequências jurídicas, bem como, quando for o caso, indicar as condições para que
a regularização ocorra de modo proporcional e equânime, sem prejuízo aos interesses
gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das
peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Sabendo do encerramento do concurso regido pelo Edital n. 02/2016, entendo ser
inviável determinar a realização de correções no instrumento convocatório neste
momento. Como não há indícios de danos concretos ao Município ou aos candidatos
do concurso, eventual anulação do certame seria mais prejudicial ao interesse público
do que a manutenção do ato. Nesse sentido, há que perquirir, somente, sobre as
inconsistências verificadas e o eventual cabimento de multa ao gestor responsável18.
Diante do aludido caso concreto, cumpre observar, primeiramente, que tanto o caput como o
parágrafo único do artigo 21 referem-se – especificamente e de modo bastante claro – às hipóteses
de decisões pela invalidação de atos, o que não ocorre no julgado em comento. Com efeito, conforme
Marques Neto (2019, p. 43), “a norma contida no artigo 21 cinge-se às decisões que invalidam ato,
contrato, processo ou norma”. Dessa forma, verifica-se que a norma em questão foi conduzida a um
campo de aplicação que excede seu escopo. Para além da constatação dessa circunstância, deve-se
ressaltar que a ampliação realizada é, ainda, injustificada.
Isso se dá porque a imposição – por uma decisão judicial, administrativa ou controladora – de ônus ou
perdas anormais ou excessivas aos sujeitos envolvidos já era conduta rechaçada pelo ordenamento
jurídico antes mesmo da Lei n. 13.655/2018. Nesse sentido, destaca-se o princípio da razoabilidade, o
qual, embora não expresso no texto constitucional, é considerado como decorrência direta do princípio
do devido processo legal19 e se encontra positivado no caput do artigo 2º da Lei n. 9.784/1999. Com
precisão, Daniela Zago Gonçalves da Cunda (2019, p.10), conselheira substituta do Tribunal de Contas
Edital de Concurso Público n. 980580, Prefeitura Municipal de Mar de Espanha, Segunda Câmara, sessão realizada em 9/5/2019.
18
No caso em tela, o relator apontou que, após os exames da unidade técnica e do Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas, tinha-se por procedente o apontamento referente à ausência de previsão,
no edital, das formas de entrega do laudo médico a ser feita pelos candidatos. Diante, então, dessa
circunstância, valeu-se o relator do apontado dispositivo para, embora reconhecendo a irregularidade
da situação, acolher a justificativa apontada pelo gestor e afastar a aplicação de sanção.
Após o voto do relator, foi inaugurada divergência, e proferido “voto-vista”, o qual, embora aprovado,
não modificou os fundamentos daquele em relação ao excerto apresentado. Dessa forma, percebe-se,
uma vez mais, que, embora o entendimento final adotado mostre-se adequado às circunstâncias do
caso concreto, mesma qualificação não pode ser atribuída ao abrigo buscado no artigo 21 da LINDB,
o qual, conforme exposto, direciona-se às decisões de invalidação.
Outro dispositivo da LINDB que tem sido aplicado no controle dos editais de concurso público e que
merece detida análise é o artigo 22, que prescreve o seguinte.
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os
obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu
cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º. Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste,
processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que
houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
Edital de Concurso Público n. 1031213, Prefeitura Municipal de Camanducaia, Segunda Câmara, sessão realizada em 18/6/2019.
21
Em relação ao normativo ora transcrito, insta relevar, inicialmente, o Edital de Concurso Público
n. 1.007.738, em que se debateu, entre outros pontos, a exigência do edital de prova prática para os
cargos de motorista. A despeito do entendimento da unidade técnica e do Ministério Público, que
consideraram razoável a referida exigência, o colegiado competente reputou a previsão de prova
prática irrazoável e reveladora de potencial invasão da competência estadual, já que não caberia aos
municípios executar funções relativas à formação e à avaliação de condutores.
Lado outro, por considerar a inexistência de indícios de prejuízos concretos aos candidatos submetidos
ao exame, já que não constam dos autos quaisquer impugnações ao resultado da prova, deixou-se de
aplicar multa ao gestor, fundamentando-se tal opção no artigo 22 da LINDB, “na medida em que [esse
dispositivo] veda a aplicação das normas legais em desconexão com os fatos concretos que ensejaram
a atuação do controle”22.
A respeito do entendimento exarado no acórdão exposto, verifica-se que poderia ter sido indicada,
de modo mais específico, qual seção – caput ou parágrafo – do artigo 22 de fato fundamentou o
afastamento da sanção no caso concreto, uma vez que o dispositivo em comento congrega distintos
comandos normativos. De toda forma, é possível inferir que a “conexão com os fatos concretos”
mencionada no acórdão corresponda ao disposto no caput e no primeiro parágrafo do artigo, que
pregam a consideração dos obstáculos e das dificuldades reais do gestor, bem como das exigências
das políticas públicas e das circunstâncias práticas que haviam condicionado sua ação. Todos esses
aspectos e circunstâncias não foram, no entanto, bem explicitados no acórdão, que não apresenta,
de modo claro, as premissas fáticas que permitam a subsunção do caso aos ditames do artigo 22 da
LINDB.
Ainda com relação ao caso sob exame, é pertinente realizar análise comparativa com o já abordado
Edital de Concurso Público n. 980.580, em que se aplicou o artigo 21 da LINDB. Naqueles autos,
conforme já se indicou, a Lei n. 13.655/2018 foi invocada para fundamentar I) o descabimento da
determinação de correção do edital e da anulação do certame e II) o cabimento da aplicação de multa,
uma vez que o concurso já havia se encerrado e não havia indícios de danos ao interesse público ou
aos candidatos. Já no Edital de Concurso Público n. 1.007.738, essas mesmas circunstâncias – concurso
encerrado e ausência de prejuízo aos candidatos e ao interesse público – ensejaram, com base também
na LINDB, o afastamento inclusive da aplicação de multa ao gestor.
A aplicação de entendimentos distintos a casos semelhantes é ainda mais nítida quando o Edital de
Concurso Público n. 1.007.738 é comparado com o Edital n. 969.353, que também se debruçou sobre
a previsão de prova prática para o cargo de motorista. Nos primeiros autos, conforme já exposto,
invocou-se o artigo 22 da LINDB para, em conjunto com os elementos do caso concreto, afastar-se a
aplicação de multa. Já nos autos n. 969.353, em que se analisou idêntica matéria, foi aplicada multa
Edital de Concurso Público n. 1.007.738, Prefeitura Municipal de Paraguaçu, Primeira Câmara, sessão realizada em 6/8/2019.
22
A aplicação de entendimentos distintos a casos semelhantes, com amparo na mesma lei, evidencia
que a aplicação do novo normativo, ao menos na seara dos editais de concurso público, é – apesar dos
esforços que têm sido empreendidos pelo Tribunal no sentido de fomentar seu estudo e sua adequada
compreensão – ainda incipiente, havendo espaço para seu aprimoramento.
A aplicação da Lei n. 13.655/2018 tem espaço, também, na análise do Edital de Concurso Público
n. 1.047.654, em que se discutiu a concessão de isenção do pagamento da taxa de inscrição24. Na
oportunidade, prevaleceu o entendimento de que a demonstração, a ser realizada pelo candidato, da
ausência de recursos suficientes para arcar com a taxa de inscrição sem prejuízo do sustento próprio
ou de sua família pode ser feita por qualquer meio legalmente admitido.
Não obstante o reconhecimento de que as restrições trazidas pelo edital contrariam o entendimento
já elucidado, considerou-se, na ocasião, que a avançada tramitação do concurso e a citação do gestor
em data posterior à data de encerramento das inscrições inviabilizaram a promoção, em tempo hábil,
das correções que seriam necessárias, razão pela qual essas correções não foram determinadas no
acórdão. Nesse caso, ao contrário do julgado anterior, indicou-se, com precisão, a aplicação do § 1º
do artigo 22 da LINDB, destacando-se, no exame sobre a regularidade do edital, uma circunstância
prática que inviabilizaria a determinação, na decisão, de correções no edital, conforme se pode ver a
seguir.
Em que pese a irregularidade constatada, a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB), modificada pela Lei n. 13.655/2018, prevê que em decisão sobre
regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto,
limitado ou condicionado a ação do agente (Art. 22, §1). No caso em análise, ficou
demonstrada a inviabilidade de o prefeito promover as correções pretendidas, face à
avançada tramitação do concurso e à citação posterior à data do encerramento das
inscrições.
Edital de Concurso Público n. 969.353, Prefeitura Municipal de Jequitibá, Segunda Câmara, sessão realizada em 4/4/2019.
23
Edital de Concurso Público n. 1.047.654, Prefeitura Municipal de Conceição do Pará, Segunda Câmara, sessão realizada em 25/4/2019.
24
Prosseguindo na análise, importa destacar também, o artigo 24 da nova lei, que buscou salvaguardar
a segurança jurídica de cidadãos e jurisdicionados diante de atos decisórios, tendo em vista,
sobretudo, a noção de ato jurídico perfeito e a necessidade de se conferirem mais estabilidade,
previsibilidade e proporcionalidade às relações estabelecidas no direito público,25 conforme se vê
no artigo 24 a seguir.
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade
de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver
completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com
base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações
plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações
contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou
administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de
amplo conhecimento público.
A aplicação desse dispositivo na fiscalização dos concursos públicos pode ser visualizada, dessa
vez, não em um acórdão do TCEMG, mas em um parecer do Ministério Público, emitido nos autos
do Edital de Concurso Público n. 1.024.589. O edital em questão, referente ao concurso da Polícia
Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG), previa a devolução da taxa de inscrição nas hipóteses de
cancelamento ou suspensão do processo seletivo. Em seu relatório, a unidade técnica considerou que
a referida devolução deveria ser possível, também, em caso de alteração da data das provas ou de
pagamento em duplicidade ou extemporâneo.
Mesmo reconhecendo a pertinência da observação feita pela unidade técnica, o salientou que
as hipóteses de devolução da taxa de inscrição estão de acordo com o disposto na Lei estadual n.
13.801/2000, cujos artigos foram colacionados àqueles autos. Em face dessa circunstância e do
disposto no caput do artigo 24 da LINDB, a manifestação ministerial destacou, com razão, que “o
controle externo deve se pautar nos limites estabelecidos na legislação vigente, imprimindo-se maior
segurança jurídica à atuação da Administração”26.
Considerando que uma das formas mais efetivas de se prestigiar a segurança jurídica está no
cumprimento das leis e da Constituição27, observa-se, no caso em estudo, que o edital em questão
foi, na condição de ato administrativo, adequadamente preservado no ponto discutido (restituição da
taxa de inscrição), porquanto praticado em consonância com a norma de regência. Aplicar, nesse caso,
entendimento que alarga o comando normativo consubstanciaria ofensa ao princípio da segurança
jurídica, tendo em vista que o jurisdicionado amparou-se, precisamente, no texto da Lei n. 13.801/2000,
tendo, inclusive, feito referência expressa a essa lei no texto do edital.
Edital de Concurso Público n. 1.024.589, Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, data do parecer: 21/6/2018.
26
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise realizada, depreende-se que a aplicação da Lei n. 13.655/ 2018, realizada pelos tribunais
de contas, efetuou-se pouco mais de um ano após sua promulgação ainda incipiente, embora se
tenham identificado variados acórdãos que fundamentam suas conclusões em dispositivos da nova
lei. Conforme se observou, em alguns casos, a citada lei é aplicada de forma ponderada e pertinente,
subsidiando a adoção de medidas concretas mais adequadas e coerentes com os fatos apreciados.
Em outros, no entanto, os novos artigos acrescidos à LINDB são invocados de forma possivelmente
precipitada ou inoportuna, apesar do intuito de se resguardar a segurança jurídica dos partícipes das
relações em questão, mormente a dos jurisdicionados do TCEMG.
Diante do cenário identificado, não se pode perder de vista que a Lei n. 13.655/2018 decorre de um
contexto em que, supostamente, estaria ocorrendo certo excesso praticado pelos órgãos de controle,
o que inibiria a atuação decisória dos gestores, circunstância que ficou conhecida como o “apagão
das canetas” ou a “secura das canetas”. Visando resguardar a segurança jurídica dos jurisdicionados, a
nova LINDB consagrou diversas exigências aos órgãos de controle, as quais, no entanto, mostraram-se
excessivas em alguns casos, oferecendo, assim, entraves à importante atuação de órgãos responsáveis
por fiscalizar a boa gestão da coisa pública e por propiciar o ressarcimento de significativas quantias
indevidamente desviadas dos cofres públicos.
Em suma, nesse contexto, deve-se buscar compatibilizar, por meio de uma interpretação sistêmica, o
atendimento à Lei n. 13.655/2018 com o atendimento, também, a outras normas legais e constitucionais
do direito brasileiro, como aquelas que consagram as relevantes atribuições dos órgãos de controle
– em especial dos tribunais de contas – e aquelas que impõem o ressarcimento em caso de dano ao
erário.
REFERÊNCIAS
BORTOLETO, Leandro. Direito Administrativo. 6. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília:
Senado, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 set. 1942.
BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 5 de maio de 2000.
BRASIL. Lei n. 12.376, de 30 de dezembro de 2010. Altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de
setembro de 1942. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de dezembro de 2010.
Resumo Abstract
O objetivo deste estudo é apresentar as The basic concern of this study is to present the innovations
inovações trazidas pelo sistema de registro de brought about by the price registration system in public
preços nas licitações públicas, com ênfase no tenders, with emphasis on Federal Decree no. 7,892 /
Decreto Federal n. 7.892/2013, haja vista que 13, given that the Union is always the first federative
a União é sempre o primeiro ente federativo a entity to regulate the theme, serving as a model for the
regular o tema, servindo de modelo para os regulations to be edited by states and municipalities. The
regulamentos a serem editados pelos estados e study was always drawn up drawing a parallel with the
municípios. Neste estudo, traçou-se um paralelo common bidding procedure, that is, presenting only the
com o procedimento comum da licitação, ou differences in the price registration system in relation to
seja, apresentando apenas as diferenças do the traditional way of bidding. In addition, this article,
sistema de registro de preços em relação à forma in addition to analyzing the basis and legal relevance of
tradicional de licitar. O artigo, além de analisar o price registration in federal bids formalized by means of
fundamento e a relevância jurídica do registro electronic trading, also comments on the effectiveness or
de preços nas licitações federais formalizadas otherwise of this special procedure, on the perspective of
por meio de pregão eletrônico, tece comentários price reduction for the Administration and legal certainty
acerca da eficácia ou da falta de eficácia desse in the signed relationship, given that risk is a determining
procedimento especial, sob a ótica de redução factor in the formulation of supplier prices. Thus,
de preços para a administração e a segurança considering the contributions of several authors, this
jurídica na relação firmada, haja vista que o risco article will discuss all the peculiarities of the price register,
é fator determinante para formulação de preços always concluding whether or not there is economic and
do fornecedor. legal viability in this procedure.
Gráfico 3 — Quantidade de processos, valor das compras homologadas, média e mediana de preços
de todos os pregões federais, SRP ou não, para contratação de serviços
2 DESENVOLVIMENTO
Preliminarmente, cabe esclarecer certos questionamentos sobre o tema, quais sejam: o que é sistema
de registro de preços, como e quando se aplica e quais os diplomas legais o fundamentam.
Sobre o conceito de SRP, cabe destacar as definições jurídicas apresentadas por doutrinadores, como
se a seguir.
1 Sistema de Registro de Preços (SRP): informa o decreto que se trata de um conjunto
de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e
aquisição de bens, para contratações futuras.
Já esposamos que o SRP não é uma licitação, mas sim um mecanismo para sua
implantação.
Analisando os conceitos retro apresentados, percebe-se que o sistema de registro de preço não é
modalidade licitatória, mas sim um procedimento administrativo que se acopla a uma modalidade de
licitação, pregão ou concorrência, de forma a relativizar o procedimento tradicional, com o intento de
dar maior celeridade e eficiência às contratações públicas.
O SRP inova a forma de licitar, trazendo à gestão pública regras e procedimentos muito similares ao
modelo produtivo japonês just in time (JIT1).
As hipóteses de cabimento do SRP, ou seja, quando é permitida sua utilização, encontram-se previstas
no art. 3° do Decreto Federal n. 7.892/2013.
Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:
I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações
frequentes;
II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou
contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para
atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo
a ser demandado pela Administração.
A hipótese do inciso III visa proporcionar melhores resultados econômicos, estratégicos e operacionais,
pois objetiva aumentar o vulto da licitação e, consequentemente, o poder de negociação da
administração, além de garantir padronização e logística mais eficientes durante a execução contratual.
Basicamente, invocar-se-á tal inciso quando o órgão público realizar contratações compartilhadas
com outros órgãos (inciso III), ou seja, quando um órgão licitar sua demanda acrescida da demanda
de outros órgãos públicos, podendo esses estarem vinculados a ele ou não.
No entanto, utilizar-se-ão as demais hipóteses quando o órgão fizer uso do modelo JIT, em outras
palavras, visa evitar estoques, seja porque não tem como quantificar exatamente a necessidade do
órgão (inciso IV); seja porque a necessidade do bem ou serviço é contínua, repetindo-se ao longo do
tempo (inciso I); seja quando a obtenção dos bens ou serviços ocorrer de acordo com o surgimento
da demanda (inciso II).
Como já dito, o SRP refere-se a procedimentos acoplados a uma modalidade licitatória; portanto,
partindo-se desse pressuposto, cabe elencar quais são esses procedimentos, estabelecendo um
comparativo com a forma tradicional de licitar.
[...] o conceito de JIT se expandiu, e hoje é uma filosofia gerencial que procura não apenas eliminar os desperdícios, mas também
1
colocar o componente certo, no lugar certo e na hora certa. As partes são produzidas em tempo de atenderem às necessidades
de produção, ao contrário da abordagem tradicional de produzir para caso as partes sejam necessárias. O JIT leva a estoques bem
menores, custos mais baixos e melhor qualidade do que os sistemas convencionais. (ROSSETI et al, 2008. p. 2).
Outra peculiaridade do SRP é a possibilidade de aquisição parcial dos quantitativos licitados. Ora, se o
intento do registro de preços é criar um modelo produtivo just in time nas contratações públicas, seria
ilógico exigir que a administração ficasse obrigada a adquirir o quantitativo integral registrado na ata.
Numa licitação tradicional, como já mencionado, vigora o princípio da adjudicação compulsória,
ou seja, a administração não é obrigada a contratar; todavia, caso faça o contrato, vincular-se-á ao
fornecedor vencedor da licitação e, consequentemente, deverá também contratar o quantitativo total
licitado, salvo fato superveniente que impossibilite o feito.
Veja a seguir o que assevera Jacoby Fernandes (2015, p. 91-93 ):
Lamentavelmente, porém, o Governo vem provocando verdadeiro contingenciamento
do orçamento, liberando cotas trimestrais, e sempre no final do exercício as maiores
cifras, de modo que o gestor acaba devolvendo ao erário cifras que eram efetivamente
necessárias ao bom andamento do serviço, apenas por impossibilidade de concretizar
em curto espaço de tempo, o longo percurso burocrático da licitação.
[...]
Com a adoção do Sistema de Registro de Preços, a Administração deixa a proposta mais
vantajosa previamente selecionada, ficando no aguardo da aprovação dos recursos
orçamentários e financeiros.
Não há necessidade de que o órgão tenha prévia dotação orçamentária, porque o
Sistema de Registro de Preços, ao contrário da licitação convencional, não obriga a
Administração Pública, em face à expressa disposição legal nesse sentido, como visto no
subtítulo 1.1.4. do capítulo 1 deste título.
No sistema convencional de licitação, a Administração tem que ter prévia dotação
orçamentária, porque há um compromisso que só em caráter excepcional pode ser
revogado e anulado.
É importante destacar que o adjudicatário não tem direito adquirido à celebração do contrato, mas mera expectativa de direito. Isso
2
se dá porque, mesmo após a adjudicação, a administração não é obrigada a celebrar o contrato, cabendo-lhe avaliar a conveniência
e oportunidade da contratação.
Se, entretanto, houver celebração do contrato com preterição da ordem classificatória, é nula a contratação (art. 50 da Lei n.
8.666/1993), passando o adjudicatário a ter direito adquirido de figurar no contrato. (MAZZA, 2013, p. 331).
Outrossim, ainda sobre esse assunto, segue também o disposto na Lei n.10.520/2002. “Art. 6º O prazo
de validade das propostas será de 60 dias, se outro não estiver fixado no edital.”
Em contrapartida, note o que versa o Decreto Federal n. 7.892/2013.
Art. 12. O prazo de validade da ata de registro de preços não será superior a doze meses,
incluídas eventuais prorrogações, conforme o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666,
de 1993.
§ 1º É vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados pela ata de registro de preços,
inclusive o acréscimo de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.
§ 2º A vigência dos contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços será definida
nos instrumentos convocatórios, observado o disposto no art. 57 da Lei nº 8.666, de
1993.
§ 3º Os contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços poderão ser alterados,
observado o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.
§ 4º O contrato decorrente do Sistema de Registro de Preços deverá ser assinado no
prazo de validade da ata de registro de preços.
Em síntese, há três situações distintas. Na primeira, a Lei n. 8.666/1993, que se aplica a todas as
licitações tradicionais — salvo pregão —, disciplina que o licitante somente se vincula a sua proposta
no prazo de 60 dias.
Na segunda, tem-se a Lei n. 10.520/2002, que permite que a administração, no caso de pregões
tradicionais, estipule discricionariamente o prazo da proposta, aplicando-se o prazo de 60 dias no
caso de omissão do edital.
Apenas é prescindível apresentar a dotação orçamentária previamente ao licitar, e não ao longo de toda contratação, ou seja, para
3
licitar por meio de SRP, não necessita da dotação orçamentária; contudo, para contratar, a administração está obrigada a indicar tais
recursos orçamentários. Nesse sentido, ressalta-se o posicionamento do TCEMG no Acórdão n. 932692 — 1ª Câmara, com destaque
para o seguinte excerto do voto. “Por não gerar compromisso de contratação, na licitação para registro de preços não é necessário
indicar a dotação orçamentária, que somente será exigida para a formalização do contrato ou outro instrumento hábil.”
Embora parte da doutrina considere uma enorme vantagem do SRP, em especial pelo ganho de
escala dada pelo IRP, decorrente do enorme quantitativo licitado, outros doutrinadores defendem o
inverso, ou seja, que tal procedimento de contratação gera perda de economia de escala. Destacam-
se os argumentos de Justen Filho (2014, p. 258) acerca do tema, a seguir.
Na realidade da atividade econômica, o preço unitário numa venda de dez mil unidades
não é idêntico àquele numa operação de um milhão de unidades. E isso porque o
custo unitário de dez mil unidades é muito superior ao custo unitário de um milhão de
unidades.
Para Jacoby Fernandes (2015, p. 77), embora a lei verse sobre vigência da ata, e não especifique validade da proposta, assim como
4
fazem os demais normativos, o entendimento doutrinário é que o legislador confundiu os institutos jurídicos, tratando-os como
sinônimos.
Justen Filho argumenta que licitar maior quantidade de itens não necessariamente significa economia
de escala per si. Isso se dá porque o SRP permite ao órgão adquirir quantitativo inferior ao licitado,
ou seja, gera uma obscuridade para o fornecedor de quanto será efetivamente contratado, evitando,
assim, que ele mergulhe no preço por medo de cotar seus custos com base em uma demanda que não
se concretizará na realidade.
Realmente é temerário o fornecedor basear-se unicamente nos quantitativos licitados no momento
da formulação da proposta; não obstante, com o devido planejamento na fase interna da licitação, é
possível superar essa insegurança jurídica e permitir efetiva redução nos custos da licitação SRP.
Podem ser citadas como medidas de planejamento para minimizar a insegurança jurídica: anexar
ao edital histórico de consumo; estipular quantitativos mínimos de tiragem do objeto; não permitir
a participação ou criar lote específico para os órgãos participantes, geograficamente distantes;
estabelecer percentual mínimo de aquisição dos itens registrados na ata, dentre outros mecanismos
de planejamento.
Além da figura do órgão gerenciador e do participante, o referido decreto federal também criou a
figura do órgão não participante.
Órgão não participante é aquele que não participa das fases interna e externa da licitação, seja
como órgão participante, seja como órgão gerenciador, mas acaba aderindo e contratando algum
quantitativo dos itens constantes na ata de registro de preços, por meio de um procedimento
administrativo denominado adesão à ata de registro de preços, ou, como é popularmente conhecido,
“carona”.
Segundo o dispositivo, desde que devidamente justificada a vantagem, a ARP, durante
sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração
federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do Órgão
Gerenciador, sendo facultada aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais
a adesão a atas da Administração Pública federal (§9º do art. 22).
A prática popularizou-se no âmbito das ligações através da denominação “carona”,
ou seja, a participação daqueles que, não tendo compartilhado da competição (não
constando, em decorrência, da ata), consultam o Órgão Gerenciador, solicitando o uso
da ARP (BITTENCOURT, 2019, p. 51).
Note-se a diferença entre os atores envolvidos na SRP: primeiro há o órgão gerenciador que realiza
a licitação e divulga seus quantitativos, no caso da União pelo portal SIASG-NET, daí os órgãos
participantes cadastram suas demandas, as quais são unificadas pelo gerenciador, que pratica os
demais atos processuais.
Uma vez concluída a licitação, cada órgão fica responsável por empenhar, gerenciar e executar seus
quantitativos separadamente.
Por sua vez, ressalta-se, a seguir, o que pensam alguns doutrinadores acerca da flexibilização normativa
para regular o “carona”.
Quem poderia, em tese, criar a carona é o Poder Legislativo, por meio de Lei, em
obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ter sido criado, como
malgrado foi, pelo Presidente da República, por mero regulamento administrativo.
No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei,
conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e
irrefutável pela Constituição Federal. (NIEBURH, 2006, p. 15)
[...] o inciso XXI do art. 37 da CF ficou aberta e escancaradamente violentado, pois esses
órgãos ou entidades, que no curso da execução de uma Ata de Registro de Preços, podem
adquirir os bens ou serviços licitados pelo órgão gestor e pelos outros convidados a
participar, em última análise, estão adquirindo bens ou serviços sem ter participado de
qualquer licitação. Eis aí a figura do “carona”, como a doutrina já apelidou esses órgãos
ou entidades que, por essa via, compram bens ou contratam serviços sem licitação, o
que é frontalmente contra o disposto no inciso XXI do art. 37 da CF. (MUKAI, 2007, p. 96)
[...] a Constituição Federal define os limites desse procedimento, mas em nenhum
momento obriga a vinculação de cada contrato a uma só licitação, ou, ao revés, de
uma licitação para cada contrato. Essa perspectiva procedimental fica ao alcance de
formatações de modelos: no primeiro, é possível conceber mais de uma licitação para
um só contrato, como na prática se vislumbra com o instituto da pré-qualificação em
que a seleção dos licitantes segue os moldes da concorrência, para só depois licitar-
se o objeto, entre os pré-qualificados; no segundo, a figura do carona em registro de
preços ou a utilização de licitação por mais de um órgão, como permite o art. 112 da Lei
8.666/1993. Desse modo é juridicamente possível estender a proposta mais vantajosa
conquistada pela Administração Pública como amparo a outros contratos. (JACOBY
FERNANDES, 2009, p. 673)
Veja a divergência doutrinária, pois, para alguns doutrinadores, o “carona” cria novas relações
jurídicas, ou seja, cria deveres e obrigações não previstos inicialmente pela lei.
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Enunciado do Acórdão: “É indevida a utilização da ata de registro de preços por quaisquer interessados - incluindo o próprio
gerenciador, os órgãos participantes e eventuais caronas, caso tenha sido prevista a adesão para órgãos não participantes - para
aquisição separada de itens de objeto adjudicado por preço global de lote ou grupo para os quais o fornecedor convocado para
assinar a ata não tenha apresentado o menor preço na licitação”.
Enunciado do Acórdão: “No sistema de registro de preços com critério de adjudicação pelo menor preço global por grupo (lote)
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de itens, não é admissível aquisição junto a empresa que apresentou a melhor proposta para determinado item, mas que não
foi vencedora do respectivo grupo, uma vez que a licitação para registro de preços objetiva a convocação dos fornecedores mais
bem classificados para assinar as atas, sendo possível, única e exclusivamente, contratação com as empresas vencedoras para
fornecimento dos itens nelas registrados.”
Num concurso público existem os concursados para cargos de provimento efetivo e os pertencentes
ao cadastro de reserva, que somente serão nomeados caso surjam novas vagas. Nesse caso, aplica-se a
mesma lógica, isto é, o fornecedor pertencente ao cadastro de reserva, em regra, não será contratado;
contudo, poderá acontecer sua contratação, caso haja “surgimento de vaga”, ou seja, se porventura o
licitante vencedor tiver sido excluído da ata.
Para isso, assim que concluir a licitação SRP, a Administração convocará os demais licitantes para
saberem se possuem o interesse em ingressar na ata como cadastro de reserva. Havendo aceitação
dos fornecedores, esses deverão cotar seus preços em valor igual ao do fornecedor vencedor da ata,
ou seja, para participar do cadastro deverão fazer o mesmo preço do primeiro colocado.
A formação de cadastro de reserva não se refere a uma nova ata, com prazos, quantidades ou valores
diferentes, mas apenas a um complemento da ata inicial, a qual somente será acionada se o fornecedor
contratado não honrar sua proposta.
Destarte, uma vez acionada a licitante pertencente ao cadastro, ela será contratada para o remanescente
dos itens da ata, permanecendo inalterada a vigência da ARP, ou seja, não se reiniciam o prazo da ata
nem os quantitativos a serem contratados.
O decreto é bastante sucinto ao normatizar o tema, o que acarreta diversos questionamentos
procedimentais e jurídicos.
É imperioso questionar acerca da habilitação da licitante pertencente ao cadastro de reserva.
O art. 11, § 3°, do Decreto Federal n. 7.892/2013 assevera que a empresa do cadastro de reserva somente
terá seus documentos de habilitação analisados no momento da contratação. Esse dispositivo, segundo
Reolon (2014), em que pese ter o escopo de desburocratizar e agilizar o procedimento licitatório, não
permite fechar os olhos para que essa postergação, em tese, fere a isonomia da licitação, haja vista
que o licitante pode regularizar sua situação empresarial no interstício compreendido entre a sessão
pública e o momento de sua convocação para ser contratado.
No entanto, não há na prática essa lesão à isonomia, pois o licitante vencedor tem o direito adquirido
da preferência da contratação, enquanto o cadastro de reserva, mera expectativa de direito; logo, é
razoável que se exijam os documentos de habilitação quando for convocado, pois é o momento em
que se materializa seu direito de preferência em ser contratado, caso a administração ainda utilize a
referida ata.
Embora silente a legislação, acredita-se que, por meio de analogia, também se estende o mesmo
entendimento acerca da habilitação da empresa convocada no cadastro de reserva para os casos de
análise de amostra.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se que o SRP trouxe inúmeros instrumentos inovadores às licitações,
principalmente reduzindo o excesso de burocracia e o engessamento da máquina pública.
É imperioso destacar que a inserção do just in time e a faculdade em adquirir os itens da ata fizeram
do SRP um modelo extremamente interessante à administração pública, tanto que, atualmente, esse
procedimento já representa quase 100% de todo o montante licitado pela União, por pregão, para
aquisição de bens, e 34%, quando se trata de serviços.
Embora o SRP implemente muitas inovações, tem-se ainda a necessidade de se criar uma lei, stricto
REFERÊNCIAS
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AZEVEDO, Rodrigo Soares de. A armadilha do cadastro de reserva no registro de preço. Licitante
Vencedor. 22 ago., 2016. Disponível em: http://licitantevencedor.com.br/2046-2/. Acesso em: 12 nov.
2019.
BITTENCOURT, Sidney. Decreto n 9.488/2018: alteração do regulamento federal de Registro de
Preços. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 17, n. 202, p. 44-49,
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BITTENCOURT, Sidney. Licitação de Registro de Preços. 5 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
BRASIL. Decreto Federal n. 7.892/13, de 23 de janeiro de 2013. Regulamenta o Sistema de Registro de
Preços previsto no art. 15 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 23 jan. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/
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BRASIL. Lei n 8.666/93, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 9 out. 2019.
BRASIL. Lei n. 10.520/02, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de
licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Painel de Preços. Disponível em: http://paineldeprecos.planejamento.gov.br/analise-
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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudências do TCU. 4
ed. rev., atual. e ampl. Brasília, DF, 2010.
FERNANDES, J. U. Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 3 ed.
Resumo Abstract
Este trabalho se baseia no estudo da decadência, This paper is based on the study of decadence, from the
sob a perspectiva do controle externo, em especial perspective of external control and the performance
da atuação dos tribunais de contas no período of the Courts of Auditors after the Constitution of the
pós Constituição da República de 1988. O enfoque Republic of 1988. The main focus of this article is to
principal deste artigo é o aprofundamento do tema deepen the theme of the institute and its application
do instituto e sua aplicação feita pelos tribunais in Brazilian Courts of Auditors, adopting the Court of
de contas brasileiros, adotando-se o Tribunal de Auditors of the State of Minas Gerais as the focus of
Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) como the investigation.
foco da investigação.
1 INTRODUÇÃO
A segurança jurídica consiste em princípio do direito positivo que, embora não tratado de forma
expressa no texto da Constituição da República de 1988 (CR/88), tem fundamental importância para
a concretização do Estado Democrático de Direito brasileiro. Consubstancia-se, sob a forma objetiva,
em proteção a direito adquirido e, no viés subjetivo, como proteção à confiança depositada no Estado
em sua atuação perante a sociedade.
Como forma de garantia da segurança jurídica, foram introduzidos no ordenamento brasileiro os
institutos da prescrição e da decadência. Tanto a prescrição quanto a decadência garantem que certa
condição jurídica se perpetue após decorrido determinado lapso temporal, uma vez que se fundam
2 CONTEXTUALIZAÇÃO
2.1 A missão constitucional dos Tribunais de Contas
Consoante exposto no primeiro capítulo, para o bom desenvolvimento do tema adotado como cerne
deste trabalho, qual seja, o instituto da decadência e sua aplicação a ser feita pelos tribunais de contas,
entende-se necessário, inicialmente, realizar uma breve conceituação do controle externo, além de se
esclarecer sua importância sob a perspectiva da atuação dos tribunais de contas, em especial após a
redemocratização ocorrida em 1988.
A figura do tribunal de contas surgiu no Brasil ainda no século XIX, mais precisamente em 1890, quando
Rui Barbosa, por meio do Decreto n. 966-A, criou-o com a função de órgão fiscalizador. Durante o
passar dos anos, inúmeras constituições da República dispuseram sobre as atribuições do tribunal de
contas.
A Constituição da República brasileira de 1988 (CR/1988) previu expressamente em seu artigo 70 a
necessidade de realizar-se controle externo, a ser exercido, primordialmente, no âmbito federal, pelo
Congresso Nacional, para “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial
da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.”
Dado o princípio da simetria entre os entes da federação, é estabelecido no artigo 75 que são aplicadas
as mesmas normas aos tribunais de contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos tribunais
e conselhos de contas dos municípios.
No que se refere ao Estado de Minas Gerais e ao TCEMG, a subseção VI da Constituição Estadual1 trata
do tema “Da Fiscalização e dos Controles”, sendo composta pelos artigos 73 a 82. O controle externo,
atribuído à Assembleia Legislativa – com o auxílio do TCEMG – é previsto nos artigos 74 e 76, enquanto
a estruturação, a composição e as competências do TCEMG estão dispostas nos artigos 76 a 81 da
norma maior estadual.
Ainda na Constituição estadual, encontra-se a previsão, no artigo 76, §7°, de que cabe ao TCEMG a
observância dos institutos da prescrição e da decadência, nos termos da legislação em vigor, in verbis.
Art. 76 – O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete:
[...].
§ 7º – O Tribunal de Contas, no exercício de suas competências, observará os institutos da
prescrição e da decadência, nos termos da legislação em vigor. (Parágrafo acrescentado
pelo art. 1º da Emenda à Constituição nº 78, de 5/10/2007.) (Vide art. 118 da Lei
Complementar nº 102, de 17/1/2008.)
Realizadas as breves considerações acerca da missão constitucional dos tribunais de contas, passa-se
ao estudo do instituto da decadência e sua aplicação no âmbito administrativo.
Destaca-se que foi reconhecida existência de repercussão geral no “Tema 445 – Incidência do prazo
decadencial previsto no artigo 54 da Lei 9.784/1999 para a Administração anular ato de concessão de
aposentadoria”, o qual se encontra pendente de julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário n. 636.553/RS, conforme se segue.
Recurso extraordinário. 2. Servidor público. Aposentadoria. 3. Anulação do ato pelo TCU.
Discussão sobre a incidência do prazo decadencial de 5 anos, previsto na Lei 9.784/99,
para a Administração anular seus atos, quando eivados de ilegalidade. Súmula 473
do STF. Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Repercussão
geral reconhecida. (RE 636553 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em
23/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 08-03-2012 PUBLIC 09-03-2012
REPUBLICAÇÃO: DJe-123 DIVULG 22-06-2012 PUBLIC 25-06-2012 )
Da leitura do texto da lei, entende-se que é possibilitado à Administração anular seus atos praticados
que produzam efeitos favoráveis a quem se destinam no prazo decadencial de cinco anos. Ademais,
analisando o parágrafo primeiro da referida norma, conclui-se que a contagem do prazo decadencial
se iniciaria a partir do primeiro pagamento quando se tratar de ato administrativo que gere efeito
patrimonial contínuo, como é o caso da concessão de aposentadoria, reforma ou pensão e de admissão
de pessoal. Nesse sentido, a título de exemplo, começaria a correr o prazo decadencial quando o
aposentando recebesse o primeiro provento de seu benefício concedido pela administração.
Na corte de contas da União, a aplicação da decadência é regulamentada não só pelo artigo 54 da
citada lei federal, mas também pelo artigo 260 do Regimento Interno daquele órgão, que registra o
seguinte.
Art. 260. Para o exercício da competência atribuída ao Tribunal, nos termos do inciso III
do art. 71 da Constituição Federal, a autoridade administrativa responsável por ato de
admissão de pessoal ou de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, a que se
refere o artigo anterior, submeterá os dados e informações necessários ao respectivo
órgão de controle interno, que deverá emitir parecer sobre a legalidade dos referidos
atos e torná-los disponíveis à apreciação do Tribunal, na forma estabelecida em ato
normativo.
§ 1º O Tribunal determinará o registro dos atos que considerar legais e recusará o registro
dos atos considerados ilegais.
§ 2º O acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu registro não faz coisa
julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do
Ministério Público e do beneficiário do ato, dentro do prazo de cinco anos da apreciação,
se verificado que o ato viola a ordem jurídica, ou a qualquer tempo, no caso de
comprovada má-fé.
Para o STF, os atos concessórios de benefícios, como a concessão de aposentadoria, são de natureza
complexa e só se aperfeiçoam a partir do registro feito pelo Tribunal de Contas, disciplinado no artigo
E é nesse sentido que a Corte de Contas da União tem decidido nos processos sobre os quais incide a
decadência, como se vê nas decisões cujos excertos são trazidos a seguir.
Os atos de admissão, concessão de aposentadoria, reforma e pensão são considerados
atos complexos, não cabendo a incidência do instituto da decadência enquanto
não examinados pelo TCU. (Acórdão 4573/2013 - Segunda Câmara. Data da sessão:
06/08/2013. Relator JOSÉ JORGE)
Não incide a decadência administrativa, prevista na Lei 9.784/1999, nos processos por
meio dos quais o TCU exerce sua competência constitucional de apreciação da legalidade
dos atos de aposentadoria, reforma ou pensão, que, por sua natureza complexa, somente
se aperfeiçoam após seu registro pelo Tribunal. (Acórdão 2132/2014-Primeira Câmara |
Relator: JOSÉ MUCIO MONTEIRO)
O prazo para anulação de aposentadoria começa a fluir a partir do momento em que
ela se aperfeiçoa, com o respectivo registro pelo TCU. Assim, ainda que se admita a
aplicabilidade da Lei n. 9.784/1999 às atividades de controle externo, o prazo decadencial
estabelecido pelo seu art. 54 não constitui um impedimento à apreciação contemplada
pelo art. 71, inciso III, da Constituição Federal. (Acórdão 4446/2008-Segunda Câmara |
Relator: UBIRATAN AGUIAR)
Uma incongruência nesse posicionamento consiste no fato de o ato de aposentadoria surtir efeitos
quando da publicação de sua concessão, recebendo o beneficiário, a partir daí, os proventos
correspondentes. Nessa perspectiva, o registro do ato não seria condição de sua existência, mas
apenas forma de exercício do controle externo, para verificação da conformidade com a norma.
A aplicação da decadência para atos administrativos não passíveis de registro foi tratada na consulta
respondida pelo TCU em 29/8/2012, apresentada pelo, à época, Ministro de Estado das Comunicações
nos seguintes termos: “Aplicando-se o art. 54 da Lei n° 9.784/99, qual o termo inicial do prazo
decadencial para a Administração anular os seus atos eivados de vícios, no exercício da autotutela,
nos procedimentos licitatórios de radiodifusão”, a qual foi solucionada da seguinte forma.
O termo inicial do prazo estabelecido no art. 54 da Lei 9.784/1999 para a Administração
anular ato praticado em procedimento licitatório é a data da realização desse ato. Caso,
porém, haja interposição de recurso contra tal ato, o termo inicial passa a ser a data da
decisão desse recurso. (Acórdão 2318/2012-Plenário. Data da sessão 29/08/2012. Relator
José Jorge)
O termo inicial da decadência administrativa é a data em que o ato foi praticado e não
a data de início da produção dos efeitos do ato. (Acórdão 2747/2014-Plenário. Data da
sessão. 15/10/2014. Relator BENJAMIN ZYMLER)
Feitas as considerações sobre a atuação do Tribunal de Contas da União, passa-se à análise da forma
com que o mesmo instituto é abordado no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
A mesma previsão foi também inserida no Regimento Interno daquele órgão de contas2, no artigo
182-I, pela Resolução n. 17/2014.
Destaca-se que a Súmula n. 105, decorrente do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.
72.4637 julgado pelo TCEMG, em sessão plenária datada de 13/6/2007, pautou-se na já tratada Lei
Federal n. 9.784/1999, em seu artigo 54, e na norma estadual correspondente, qual seja, o artigo 65 da
Lei Estadual n. 14.184/2002, que dispõe o seguinte, in verbis.
Art. 65 – O dever da administração de anular ato de que decorram efeitos favoráveis
para o destinatário decai em cinco anos contados da data em que foi praticado, salvo
comprovada má-fé.
§ 1º – Considera-se exercido o dever de anular ato sempre que a Administração adotar
medida que importe discordância dele.
§ 2º – No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência será contado da
percepção do primeiro pagamento.
Consoante consta do Capítulo IV do Regimento Interno TCEMG, o art. 256 dispõe o seguinte.
Art. 256. O Tribunal apreciará, para fins de registro, mediante procedimentos de
fiscalização ou processo específico, conforme ato normativo próprio, a legalidade
dos atos de: I - admissão de pessoal, a qualquer título, por órgão ou entidade das
administrações direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
poder público, no âmbito estadual e municipal, excluídas as nomeações para cargo de
provimento em comissão; II - concessão de aposentadoria, reforma e pensão, bem como
as melhorias posteriores que tenham alterado o fundamento legal do ato concessório.
Da leitura da norma recém colacionada, extrai-se que compete aos julgadores dos atos analisarem os
atos de pessoal à luz da legalidade, registrando-os pela regularidade total, pela regularidade parcial
cuja falta ou impropriedade seja de caráter formal e não tenha gerado dano ao erário, ou, verificado
o transcurso do prazo decadencial, com fundamento nas alíneas “a”, “b”, e “c”, respectivamente, do
apontado no artigo 258, inciso “I”.
Destaca-se que ficou consignado na proposta de voto apresentada que “a decadência [...] somente se
aplica como impedimento à invalidação pela administração pública de atos anuláveis ampliativos por
ela atingidos”.
Sob tal viés, alguns conselheiros têm optado pelo afastamento do instituto quando o ato administrativo
se mostra regular, conforme análise da unidade técnica correspondente. Nesse sentido foram os
julgamentos dos processos de Aposentadoria n. 9807074 e de Pensão n. 9317815.
Na sessão da Primeira Câmara datada de 7/11/2018, constou-se pronunciamento no julgamento da
Aposentadoria n. 7385186, quanto à aplicação do instituto da decadência na corte de contas mineira
nos seguintes termos.
[...] os atos de pessoal sujeitos a registro nesta Casa se enquadram, na classificação dos
atos administrativos, como sendo de natureza complexa, somente se aperfeiçoando
com o registro pelo Tribunal de Contas. Por esse motivo, perfilho o entendimento de
que o prazo decadencial relativo às concessões de aposentadorias, reformas e pensões
somente tem início a partir do registro pelo Tribunal de Contas competente.
Pensão n. 931781. Primeira Câmara. Data da sessão: 14/5/2019. Data do trânsito em julgado: 13/8/2019.
5
Reforma n. 1057157. Primeira Câmara. Data da sessão: 28/5/2019. Data do trânsito em julgado: 13/8/2019.
7
Também nesse sentido foi a decisão prolatada no processo de Aposentadoria n. 10196998, como se
vê a seguir.
Em que pese o posicionamento do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas,
entendo que o ato deve ser registrado, nos termos da alínea “a” do inciso I do § 1º do
artigo 258 da Resolução nº12/2008 desta Corte, uma vez que o processo se encontra
regular, tendo sido preenchidos os requisitos constitucionais e legais da presente
aposentadoria.
Além de corroborar a tese de que o registro do ato com base em sua legalidade - e não com
fundamento na decadência - é mais favorável ao beneficiário do ato, o último julgado demonstra
a utilização de posicionamento conforme entendimento firmado pelo STF e também pelo TCU, no
sentido de que os atos de aposentadoria, reforma ou pensão seriam de natureza complexa, de modo
que a decadência somente seria contada a partir do registro feito pelo tribunal de contas respectivo,
conforme já explanado alhures.
Destaca-se que, no citado processo de Aposentadoria n. 1004848, o relator foi vencido em seu
entendimento, pelos seguintes fundamentos apresentados no voto divergente, in verbis.
Acolho a proposta de voto do Relator pelo registro do ato concessório, mas mantendo
coerência com que o venho defendendo, divirjo quanto ao fundamento legal do registro,
uma vez que, em face do decurso de mais de cinco anos desde a data da concessão do
benefício, entendo cabível a aplicação da decadência. Diante disso, voto pelo registro
do ato concessório, com fundamento no disposto no art. 110 H, parágrafo único, da Lei
Orgânica, c/c 258, § 1º, inciso 1º, alínea “c”, regimental.
Tal entendimento tem sido reforçado em julgados recentes, conforme é demonstrado na sessão da
Segunda Câmara datada de 23/5/2019, retorno de vista do processo de Aposentadoria n. 823.855, no
qual foi consignado o seguinte.
[...] a Lei Orgânica estabelece, como únicos pressupostos para a aplicação do instituto da
decadência, o decurso do prazo de cinco anos e a inexistência de má-fé, de modo que,
8
Aposentadoria n. 1019699. Primeira Câmara. 39ª Sessão Ordinária — 18/12/2018. Trânsito em julgado: 27/2/2019
Não obstante as divergências já apontadas, tem sido suscitado em julgados do TCEMG que a
contagem do prazo decadencial somente se iniciaria a partir da publicação do ato pelo responsável,
oportunidade na qual o órgão de controle passa a ter ciência do fato. Sobre o tema, ficou disposto na
proposta de voto apresentada no processo de aposentadoria n. 891.982 o seguinte.
[...] tendo em vista que já transcorreram mais de cinco anos desde a concessão da
aposentadoria, bem como da data de publicação do respectivo ato, que reputo
ser o marco inicial para a contagem do prazo decadencial, em consonância com o
entendimento do Conselheiro José Alves Viana no Processo de Aposentadoria n. 1045455,
ressalto que não ficou comprovada a existência de má-fé. Desse modo, entendo que
a concessão do benefício foi alcançada pela decadência, consoante manifestação do
Ministério Público de Contas, o que possibilita o registro do ato. (TRIBUNAL DE CONTAS
DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Processo Aposentadoria n. 891982. Primeira Câmara. 18º
Sessão Ordinária – 28/5/2019. Trânsito em julgado: 13/8/2019)
Consoante apontado na decisão, o entendimento de que o marco inicial para contagem do prazo
decadencial seja a data da publicação do ato, vem sendo defendido, conforme se constata da
leitura da decisão do processo de Aposentadoria n. 10029739, e o referenciado na fundamentação do
voto apresentado na 35ª sessão ordinária da Segunda Câmara, em 6/12/2018, nos autos do processo
de aposentadoria n.1003078, que relata o seguinte.
Impende, ainda, registrar que a Administração Pública é regida pelo princípio
constitucional da publicidade, que é condição de eficácia do ato administrativo. Assim,
entendo que o instituto da decadência deve ser aplicado ao processo de aposentadoria,
reforma ou pensão concedida há mais de cinco anos, contados a partir do primeiro dia
útil seguinte ao da publicação do ato concessório.
A propósito, embora o art. 4º da Instrução Normativa nº 03, de 2011, apresente rol de
eventos como marcos iniciais a partir dos quais será considerada a concessão efetiva
do benefício, pareceres do Órgão Ministerial demonstram que a data da publicação
do ato de concessão deve ser considerada como termo inicial da contagem do prazo
decadencial. É o que se observa, v.g., no Processo nº 1.009.694 e no Processo nº 889.954.
Talvez não seja demais lembrar que tal entendimento já foi adotado por este Tribunal,
consoante dispõe o inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço nº 06, de 2007, revogada pela
Ordem de Serviço nº 03, de 2008.
A meu sentir, essa exegese é a que mais condiz com a Constituição da República (caput
do art. 37), mais especificamente com o direito constitucional de acesso do cidadão à
informação pública, direito que, hoje, se encontra regulamentado pela Lei nº 12.527, de
2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação.
9
Aposentadoria n. 1002973. Segunda Câmara. Sessão: 13/12/2018. Trânsito em Julgado: 7/3/2019.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ficou demonstrado que a aplicação do instituto da decadência é bastante divergente entre o TCU e
o TCEMG. Sobre a questão do marco temporal para aplicação do instituto da decadência, divergem
o Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - ao menos, o
entendimento majoritário - uma vez que, para o órgão federal, os atos de pessoal são de natureza
complexa e somente se concretizam a partir do registro pelo TCEMG, considerado marco inicial para
contagem do prazo decadencial.
Já no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, o entendimento majoritário é o de que o
prazo começa a ser contado a partir da data da concessão de aposentadoria, pensão ou reforma,
ou de ingresso do servidore no quadro de pessoal da administração. Embora majoritário esse
entendimento no TCEMG de que o marco para o curso do prazo decadencial seja a concessão do
benefício, divergências têm sido suscitadas para que se julgue em consonância com o que pregam
o STF e o TCU, e para que seja adotada a data da publicação do ato realizado pela administração
pública.
Ademais, constata-se que, embora existam normas que disponham de forma expressa sobre a
aplicação do instituto no TCEMG, divergências têm aumentado e gerado discussões produtivas nas
sessões das câmaras, em especial da Segunda Câmara, acerca do tema.
Verifica-se a necessidade de uniformização de entendimento no TCEMG acerca da aplicação da
decadência nos processos julgados, para que o instituto garantidor da segurança jurídica sirva,
de fato, para o qual foi proposto. Para tanto, consoante dispõe o Regimento Interno da Casa, nos
artigos 223 a 225, incidente de uniformização de jurisprudência poderia ser arguído por conselheiro,
conselheiro substituto, membro do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, responsável ou
interessado, de modo a ser votada exegese que dirima a questão divergente e dê segurança aos
jurisdicionados quanto aos julgados da Casa que versem sobre decadência.
Resumo Abstract
Este trabalho destaca a evolução do direito This work highlights the evolution of Constitutional
constitucional como um vetor interpretativo Law as an interpretative vector to Contemporary Law.
ao direito contemporâneo. Pontua It points out general and propedeutical considerations
considerações gerais e propedêuticas acerca about constitutionalism to evolve into notions about
do constitucionalismo para, posteriormente, post-positivism and neo-constitutionalism. It also
evoluir em noções sobre o pós-positivismo discusses some characteristics of constitutions, their
e o “neoconstitucionalismo”. Disserta sobre classifications and nuances about the applicability
algumas características das constituições, suas of their norms in order to understand the essence of
classificações e nuances acerca da aplicabilidade constitutions. Emphasizes the need to intensify the
de suas normas, visando melhor compreender a debate, at a global and national level, considering the
essência das constituições. Destaca a necessária importance of the study of basic and fundamental
intensificação do debate, em âmbito global e notions, in order to warn the legal system and the
nacional, ponderando sobre a importância do community about the danger of encrusting remnants
estudo de noções nevrálgicas e basilares no afã de of absolutism in non-observance of constitutional
alertar ao sistema jurídico e à coletividade sobre norms, especially when is based on a legalistic
o perigo de encrustar resquícios de absolutismo interpretation, without observing the generality and
na inobservância das normas constitucionais, complexity of the norms, in each concrete case. Was
mormente quando se pauta em uma interpretação used the method of dialectical approach, comparing
legalista, sem observar a generalidade e a ideas and logical arguments, through an exploratory
complexidade das normas e de cada caso concreto. research whose data collection had fulcrum in a
Recorreu-se ao método de abordagem dialético, bibliographical survey of indirect documentation.
comparando ideias e argumentos lógicos, por
meio de uma pesquisa exploratória cuja coleta de
dados teve fulcro em levantamento bibliográfico de
documentação indireta.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo abordará a evolução do direito constitucional e apresentará relevantes considerações
acerca desse ramo do direito. Evidenciará noveis facetas interpretativas e os desafios que o
universo jurídico encontra em relação à interpretação, aplicabilidade e efetividade das cláusulas
constitucionais. Para tanto, discorreu sobre o avanço do constitucionalismo, até chegar em
movimentos contemporâneos, a exemplo do pós-positivismo e do neoconstitucionalismo.
Destacará aspectos fundamentais das principais correntes filosóficas e teóricas que dissertam sobre
esses institutos.
Buscará demonstrar, por meio de noções classificatórias e propedêuticas, além de linhas teóricas,
que cada constituição, apesar das diversas peculiaridades, possui um objetivo semelhante (que
é guindar e estruturar a atuação do governo e de seus governados, por meio de princípios e
normas vetoriais, além de estabelecer direitos fundamentais que devem ser respeitados); ou seja,
evidenciará qual é a substância mister do documento constitucional, em consonância com as novas
formas de interpretação, oriundas do pós-guerra, guindadas no princípio da dignidade humana.
O que se pretende é otimizar o debate acerca da interpretação constitucional visando adequar
as normas constitucionais à realidade social, fazendo com que os governados e os governantes
tenham a possibilidade de serem satisfeitos e o pleno entendimento do jaez constitucional e dos
direitos fundamentais, aproximando o universo fático à ideia de justiça.
A generalidade dos princípios em relação às regras e à dialética da Constituição levantam hipóteses
que podem ser favoráveis ou desfavoráveis ao direito individual e coletivo dos integrantes de uma
comunidade. Como exemplo de alinhamento com as essências constitucionais contemporâneas,
sublimam-se hipóteses favoráveis, dentre as quais destacam-se a garantia dos direitos fundamentais
e dos vetores constitucionais. Por outro lado, em contraste com o “modo de ser” das leis maiores,
sobrelevam-se hipóteses negativas encrustadas nos desvios de atuação dos intérpretes no pós-
positivismo e no neoconstitucionalismo (ou constitucionalismo contemporâneo), quais sejam:
ativismo judicial; ausência de legitimidade democrática aos juízes em sua discricionariedade,
quando abusiva; inexistência de critérios para a ponderação etc. O artigo apresentará linhas que
visam robustecer a hermenêutica e evidenciar soluções práticas, ou, em um segundo momento,
provocar o universo científico (acadêmico ou jurídico) a intensificar o debate nesses pontos.
Para tanto, no referente à metodologia, recorreu-se ao método de abordagem dialético, comparando
ideias e argumentos lógicos, por meio de uma pesquisa exploratória cuja coleta de dados teve fulcro
em levantamento bibliográfico de documentação indireta. Com efeito, trata-se de uma pesquisa
qualitativa.
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 34.
1
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. E atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2016. p.35.
2
3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 61.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.
4
HESSE, Konrad. Constitución y derecho constitucional. Manual de derecho constitucional. 2 ed. Madri: Marcial Pons. 2001.
6
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: Juspodium, 2018. p. 29-30.
7
São exemplos os casos da Inglaterra no século XVII, a França Revolucionária, no fim do século XVIII, bem como a Declaração de
9
Independência das colônias americanas, que originou a Constituição de 1787. STRECK. Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional. 5. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2018. p. 1.
10
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 31.
11
AFONSO DA SILVA, José. Op. cit. p. 37.
12
Para Kildare Gonçalves de Carvalho o conceito sociológico é aquele que remete a um movimento social que dá sustentação à
limitação do poder, inviabilizando o absolutismo. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do Estado e da
Constituição. Direito constitucional positivo. 12 ed. p. 211.
13
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit p. 31-32.
14
STRECK. Lenio Luiz. Op. cit. p. 1.
15
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p.35-36.
16
MATTEUCI, Nicola. Constitucionalismo. Dicionário de política. 13.ª ed. Norberto Bobbio, Nicola Matteuci, Gianfranco Pasquini (org.).
Brasília: UnB, v. 1. 1998.
17
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de direito constitucional. 11ª ed. rev. ampl. atual. – Salvador: Juspodivm, 2017. p. 29.
18
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 33.
19
LENZA, Pedro. Op. cit. p. 67.
20
LASSALE, Ferdinand. Op. cit. p. 41.
21
LOWESTEIN, Karl. Teoria de la Constitucion. 2. ed. Barcelona: Ariel.
22
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 33-35.
MULLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o poder constituinte do povo. Trad. Peter Naumman. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
25
2004. p. 20 e p. 80
BACHOFF, Otto. Normas Constitucionais infraconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Portugal: Livraria Almedina
26
1994. p. 39.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 37.
27
Freios e contrapesos
28
ACKERMAN, Bruce. Transformação do direito constitucional: nós, o povo soberano. Luiz Moreira, coordenador e supervisor; Julia
30
Sichieri Moura e Mauro Raposo de Mello, tradutores. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 501.
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 9.
31
Traz à baila a ressalva de que o STF tem se posicionado no sentido da possiblidade de alterar algumas dessas cláusulas, desde que a
45
reforma não vise abolir preceitos ali resguardados e em respeito aos princípios de razoabilidade e ponderação.
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit. p. 105.
46
Como a Magna Carta (1251), Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1689) etc.
51
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 91.
65
4 PÓS-POSITIVISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO
A insigne lavra de Luís Roberto Barroso87 pontua que o pós-positivismo consiste na “designação
provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores,
princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana”. Sobrelevam-se os princípios a
um status normativo dentro desse ambiente de proximidade entre o Direito e a Ética. Além disso, são
ideias essenciais a ponderação de valores e a teoria da argumentação88.
Marcelo Novelino89 ensina que o pós-positivismo, termo empregado desde a década de 1990, refere-
se a uma via intermediária entre o jusnaturalismo e o juspositivismo, pautada, fundamentalmente,
na normatividade dos princípios, na centralidade da dialética jurídica e na defesa da conexão entre
direito e moral. Ainda sob essa perspectiva, o pós-positivismo possui três acepções, quais sejam: a)
metodológica; b) ideológica e, por fim; c) teórica.
A primeira acepção do pós-positivismo, como metodologia, alia a teoria jurídica a prescrição (aquilo
que deve ser – elemento volitivo) e a descrição (aquilo que é – elemento cognoscitivo), no intuito
de aferir critérios satisfatórios voltados para a resolução prática de problemas jurídicos complexos. O
direito assume, portanto, praticidade e funcionalidade ao reduzir incertezas do direito, fornecendo
Nos ditames de Karl Lowenstein a realidade ontológica de uma constituição semântica: “no es sino la formalización de la existente
83
situación del poder político em beneficio exclusivo de los detentores del poder fácticos que disponem del aparato coactivo del Estado”.
Teoria de la constitución. p. 216-222.
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p. 102.
84
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.
87
a solução de um determinado problema não se encontra previamente estabelecida pelo ordenamento, dependendo de valorações
subjetivas a serem feitas à vista do caso concreto.” BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 386.
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p. 57.
89
Segundo Luís Roberto Barroso, os casos difíceis são aqueles que, devido a variadas razões, não possuem uma solução abstrata
90
prevista no ordenamento. Esses casos exigem uma construção artesanal decisória, mediante uma dialética mais acentuada,
que justifique e legitime o papel judicante. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 38
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p. 58.
91
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.32-33.
92
CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional e os desafios postos dos direitos fundamentais. In: SAMPAIO, José
93
Adércio Leite (coord.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.143-163.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
94
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizacao do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil.
96
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 65, n. 4, p.20-50, 2007. p. 30-32.
Nas palavras de Barroso: “em meio às quais podem ser assinalados, como marco histórico, a formação do Estado constitucional
99
de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; como marco filosófico, o pós-positivismo, com a
central idade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e como marco teórico, o conjunto de mudanças que
incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da
interpretação constitucional”. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 32.
Segundo Marcelo Novelino (op. cit. p. 59) o termo neoconstitucionalismo foi cunhado por Suzanna Pozzolo, em 1997, no XVIII
Congresso Mundial de Filosofia Jurídica e Social, realizado na Argentinam e ganhou projeção a partir das coletâneas organizadas
por Miguel Carbonell.
100
STRECK. Lenio Luiz. Contra o neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de
Direito Constitucional. Curitiba, 2011, vol. 3, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27. p. 22.
101
STRECK. Lenio Luiz. Contra o neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de
Direito Constitucional. Curitiba, 2011, vol. 3, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27. p. 10.
102
Cita como exemplo Ronald Dworkin e Robert Alexy.
103
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit. p. 34-35.
104
LENZA, Pedro. Op. cit. p. 70.
105
POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo y Especificidad de la Interpretación Constitucional. In: DOXA, Cuadernos de Filosofia del
Derecho. Espanha: Alicante. n. 21 – II, 1998, p. 339-353. Disponível em: <http://rua.ua.es/dspace/bitstream/10045/10369/1/doxa21-
2_25.pdf>. Acesso em 8.7.2019.
106
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p. 59.
107
MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. São Paulo: Método, 2008. [?]
108
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit. p. 34-35.
109
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª Ed. Coimbra: Almedina, 1997. [?]
110
Nesse sentido tece uma crítica em relação a distinção entre normas constitucionais materiais e normas constitucionais formais.
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit. p. 132.
111
BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1933. p. 475.
112
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 103-104.
113
COOLEY, Thomas M. A treatise on the constitutional limitations which rest upon the power of the States of the American Union, Boston,
1903. p. [?]
114
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 104.
115
CRISAFALLI, Vezio. La constituzione e le sue disposizioni di principio. 1952. p. [?]
116
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 105.
117
Nesse sentido, Bernardo Gonçalves Fernandes destaca que as normas constitucionais conterão no mínimo dois efeitos, a saber:
positivos e negativos. Os efeitos positivos, consistem em um efeito proativo baseado na revogação do ordenamento anterior,
que se contrarie a nova norma constitucional. Quanto aos efeitos negativos, se originam ao passo que é relativamente vedado
ao legislador ordinário produzir normas infraconstitucionais contrárias a ela (caso seja produzida, será retirada pelo controle de
constitucionalidade). FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 105.
118
AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª Ed. rev. amp. atual., São Paulo: Malheiros, 1998. p. 52.
119
Ainda para Bernardo Gonçalves Fernandes, as normas constitucionais de eficácia plena “reúnem todos os elementos necessários para
a produção de todos os efeitos jurídicos. São dotadas de uma aplicabilidade imediata, direta”. Versa que as normas constitucionais
de eficácia contida “nascem com eficácia plena, reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos
jurídicos imediatos, mas terão seu âmbito de eficácia restringido, reduzido ou contido pelo legislador infraconstitucional (ordinário)”.
As normas constitucionais de eficácia limitada “são as únicas que, definitivamente, não são bastantes em si. Nesses termos, elas
não reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos. São normas que têm aplicabilidade
apenas indireta e mediata”. Por oportuno, continua sopesando que, para que produza todos os efeitos jurídicos, será necessária a
regulamentação dessas normas. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit. p. 105.
120
AFONSO DA SILVA, José. Op. cit. p. 52.
121
LENZA, Pedro. Op. cit. p. 233.
122
NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p. 105-107.
123
LENZA, Pedro. Op. cit. p. 233.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde tempos remotos, a doutrina relata que as comunidades foram constituídas. E se foram
constituídas, obviamente, possuem uma constituição vetorial que estabelece parâmetros de
comportamento aos governantes e governados. Seja ela escrita ou não. A forma de interpretar e formar
as constituições evoluiu, notadamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando evidenciou-se
a necessidade de uma análise garantista aos direitos fundamentais, que se coadune com a supremacia
constitucional, além da sublimação dos princípios ao caráter de pedestal normativo.
Nesse sentido, o constitucionalismo se dinamizou ao pós-positivismo e ao neoconstitucionalismo (mais
específico que o pós-positivismo), anexando ao direito valores, princípios e regras, consubstanciando
uma nova hermenêutica constitucional, fundada, sobretudo, na concretização da dignidade da
pessoa humana e na aproximação do Direito à Ética. Além disso, são ideias essenciais à concretização
dos paradigmas constitucionais (normas, princípios) a ponderação (diferentemente das regras, que
são interpretadas por subsunção) de valores e a teoria da argumentação. Assim, o direito passa a
ser entendido como um fim para que se evite uma medida insuportável, em prol da justiça, direitos
fundamentais e democracia, mediante a intensa atividade dialética, em face da generalidade e da
abstração das normas.
Logo, incumbe ao universo jurídico, científico e acadêmico o mergulho nessas questões, de modo a
dirimir soluções práticas e efetivas, evidenciando parâmetros de ponderação e aspectos de controle
124
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. p. 84-106.
125
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit. p. 135.
REFERÊNCIAS
ACKERMAN, Bruce. Transformação do direito constitucional: nós, o povo soberano. Luiz Moreira,
coordenador e supervisor; Julia Sichieri Moura e Mauro Raposo de Mello, tradutores. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008.
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2009.
______. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª Ed. rev. amp. atual., São Paulo: Malheiros, 1998.
p. 52.
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
______. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
BACHOFF, Otto. Normas Constitucionais infraconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa.
Portugal: Livraria Almedina 1994.
BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1933.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
______. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 7ª ed. ver. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 65,
Pesquisadores
Ana Elisa de Oliveira (Especialista em Contabilidade e Finanças Públicas e em Controle Externo pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas). Andressa Santos Seixas (Especializando em
Finanças Públicas pela Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo). Fabrícia de Oliveira Silva
(Especializando em Gestão de Programas e Projetos Sociais pelo Centro Universitário de Belo Horizonte,
Uni BH, Minas Gerais). Maíra Cardoso Ribeiro (Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas
– Fumec.. Especialista em Direito Público e Políticas Públicas pela Faculdade de Direito de Itaúna MG) Naila
Garcia Mourthé (Especialista em Língua Espanhola e em Orientação Educacional pela PUC Minas). Regina
Célia Vieira Kelles (Especialista em Linguagem, Tecnologia e Ensino pela Universidade Federal de Minas
Gerais). Ryan Brwnner Lima Pereira (Especialista em Direito Público: Controle de Contas, Transparência e
Responsabilidade e em Controle Externo da Gestão Pública Contemporânea pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais). Sérgio Sadi Maksud (Graduado em Ciências Econômicas e Direito. Especialista
em Administração Financeira, Controle Externo e Controle Externo da Gestão Pública) Stela Maris Pimenta
Ribeiro (Graduada em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais).
Colaboradores
Gustavo Neves de Lacerda (Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais).
Leticia Carvalho Coelho Pinheiro Brandão (Graduanda em Direito pela Faculdades Milton Campos).
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 (CR/88), desde a origem, prevê a educação como um direito
fundamental dos cidadãos e dever do Estado e da família. Com as alterações promovidas por emendas
constitucionais ao longo dos anos, percebe-se um contínuo processo de aquisição evolutiva na tutela
estatal do direito fundamental à educação, de forma que, atualmente, a educação básica, que inclui
Efeito supletivo do Fundeb via complementação da União: análise das receitas e dos valores anuais por aluno efetivos (2007 a 2014),
1
Inep/MEC, 2015.
Estudo Técnico 24/2017, de Claudio Riyudi Tanno, da Conof/CD.
2
Nesse arcabouço foi aprovada a Emenda Constitucional n. 108/2020, que garantiu a perenidade e o
aprimoramento desse instrumento para o financiamento da educação. Além disso, o texto aprovado
trouxe um grande avanço em relação à ampliação da participação da União no fundo, com a definição
de alcançar, até 2026, uma complementação de 23%, enquanto no fundo anterior essa faixa era fixada
em 10%. Outra definição importante trazida pela referida emenda foi a determinação do investimento
mínimo de 70% dos recursos do fundo no pagamento de remuneração aos profissionais da educação,
percentual que na regra anterior era de 60%.
Esse caráter “multinível” é um dos grandes desafios da política educacional, no que tange ao
financiamento. No que diz respeito à fiscalização dos fundos contábeis, à aplicação dos recursos, à
complexidade de agentes e recursos envolvidos no sistema, a tarefa torna-se hercúlea.
Nesse sentido, os tribunais de contas da União, dos estados e dos municípios, incumbidos de julgar
a boa e regular aplicação dos recursos públicos, têm importante papel para que tal financiamento
se concretize, com eficiência, eficácia e efetividade, garantindo-se, também, que todas as partes
cumpram suas responsabilidades. Desde as análises dos extratos específicos das transferências
realizadas pela União para os estados até as movimentações realizadas pelos gestores dos estados
para os municípios, os tribunais têm a tarefa de fiscalizar o percurso dos recursos, bem como a sua
aplicação nas devidas áreas, conforme as determinações legais.
Mais desafiadora ainda é a atuação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), que
opera em um estado com o maior número de municípios no país (853) e que concentra mais de
12.000 escolas públicas no atendimento de mais de três milhões e meio de alunos3. Neste artigo,
serão evidenciadas as principais ações de fiscalização desenvolvidas pelo TCEMG nos fundos (Fundef
e Fundeb), com o objetivo de elencar possíveis propostas de aprimoramento do controle externo para
a política da educação.
Dados extraídos do Censo Escolar 2019, Resumo Técnico do Estado de Minas Gerais, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos
3
Por sua vez, a Lei n. 11.494/2007, que regulamentou o art. 60 do ADCT da CR/88, aprimorou a redação
do revogado dispositivo legal no seu art. 25 e determinou expressamente que a fiscalização e o
controle, especialmente em relação à aplicação da totalidade dos recursos dos fundos, serão exercidos
pelos Tribunais de Contas segundo a sua jurisdição, como se registra a seguir:
Art. 25. Os registros contábeis e os demonstrativos gerenciais mensais, atualizados,
relativos aos recursos repassados e recebidos à conta dos Fundos assim como os
referentes às despesas realizadas ficarão permanentemente à disposição dos conselhos
responsáveis, bem como dos órgãos federais, estaduais e municipais de controle interno
e externo, e ser-lhes-á dada ampla publicidade, inclusive por meio eletrônico. [...]
Art. 26. A fiscalização e o controle referentes ao cumprimento do disposto no art. 212 da
Constituição Federal e do disposto nesta Lei, especialmente em relação à aplicação da
totalidade dos recursos dos Fundos, serão exercidos:
I - pelo órgão de controle interno no âmbito da União e pelos órgãos de controle interno
no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - pelos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, junto aos
respectivos entes governamentais sob suas jurisdições;
III - pelo Tribunal de Contas da União, no que tange às atribuições a cargo dos órgãos
federais, especialmente em relação à complementação da União.
A lei ainda dispõe que compete aos tribunais de contas a regulamentação dos procedimentos de
prestação de contas dos recursos dos fundos, como se vê no artigo 27, parágrafo único:
Art. 27. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios prestarão contas dos recursos dos
Fundos conforme os procedimentos adotados pelos Tribunais de Contas competentes,
observada a regulamentação aplicável.
Parágrafo único. As prestações de contas serão instruídas com parecer do conselho
responsável, que deverá ser apresentado ao Poder Executivo respectivo em até 30
(trinta) dias antes do vencimento do prazo para a apresentação da prestação de contas
prevista no caput deste artigo.
Portanto, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem prestar contas dos recursos públicos
que compõem o fundo ao Tribunal de Contas competente, instruída com parecer do conselho do
Fundeb, obedecido o disposto em atos normativos editados por cada tribunal.
No âmbito do Estado de Minas Gerais, o TCEMG tem editado diversas instruções normativas, desde a
vigência do Fundef, que estabelecem orientações aos gestores na aplicação dos recursos vinculados
à educação, incluindo as verbas dos fundos, com base na legislação vigente (Lei n. 9.424/1996 e,
posteriormente, Lei n. 11.494/2007), bem como na contabilização das receitas e das despesas e na
guarda de documentos para as eventuais ações de fiscalização in loco pela Corte de Contas.
Portanto, para além da orientação dos gestores na aplicação e na gestão dos recursos vinculados
à educação, as instruções normativas dispõem acerca dos documentos necessários em caso de
eventual auditoria ou inspeção do Tribunal de Contas, tendo em vista que as informações contábeis,
orçamentárias e financeiras relativas à educação são autodeclaradas pelo gestor, via sistemas
informatizados.
Com relação ao Fundef foram editadas pelo TCEMG as seguintes instruções: (i) Instrução Normativa
A maior polêmica com relação às despesas do fundo parece ter sido finalmente resolvida com a
promulgação da Emenda Constitucional n. 108/2020, que passou a vedar expressamente o uso dos
recursos vinculados à educação – tanto os impostos como a contribuição social do Salário-Educação
– para pagamento de aposentadorias e de pensões (acréscimo do § 7º ao art. 212).
Igualmente, ressalte-se que o art. 2º da Instrução Normativa n. 5/2012, ao vedar o cômputo de restos
a pagar sem disponibilidade financeira nos gastos com educação, atende aos artigos 8º e 50 da Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar n. 101/2000, quanto à vinculação de tais recursos
à sua destinação específica, evitando, ainda, a apuração de despesas fictícias na manutenção e
desenvolvimento do ensino para fins de cumprimento do percentual de 25% estabelecido pelo art.
212 da CR/1988. Assim, determina o art. 2º da Instrução Normativa n. 5/2012, a seguir:
Instrução Normativa TCEMG N. 5/2012:
4
O art. 70 da Lei Federal n. 9.394/1996 admite como despesa de manutenção e desenvolvimento do ensino apenas aquelas
relacionadas à “remuneração” e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação, excluindo, implicitamente,
os proventos e pensões. Segundo o Manual de Demonstrativos Fiscais, as despesas com inativos e pensionistas devem ser
classificadas como despesas de Previdência Social.
Registre-se ainda que o art. 13, § 2º, da Instrução Normativa n. 13/2008 regulamentou o parágrafo
único do art. 27 da Lei n. 11.494/2007 ao prever os prazos de apresentação do parecer do conselho do
Fundeb ao Poder Executivo, parte integrante das contas de governo prestadas anualmente, conforme
se vê a seguir:
Art. 3º da IN n. 05/2012: O §2º do artigo 13 da Instrução Normativa nº13/2008 passa a
vigorar com a seguinte redação:
§2º: O Conselho responsável pelo acompanhamento e controle social do FUNDEB deverá
elaborar parecer circunstanciado de toda movimentação dos recursos recebidos e sua
aplicação, o qual será apresentado ao Poder Executivo Estadual, até o dia 1º de fevereiro
e ao Poder Executivo Municipal até o dia 1º de março, do exercício seguinte, e será
parte integrante das contas de governo anualmente prestadas pelos chefes do Poder
Executivo, tendo por finalidade subsidiar as ações de controle do Tribunal de Contas.
Devido a realidades e complexidades diferentes, a fiscalização dos recursos dos fundos educacionais
pelo TCEMG segue a lógica da divisão de seus órgãos internos, de acordo com o âmbito: municipal ou
estadual.
Disponíveis no Portal da Transparência do TCEMG. Segundo o art. 4º da LC n. 102/2008, compete privativamente ao Tribunal: [...]
5
IX – enviar à Assembleia Legislativa, trimestral e anualmente, relatório das suas atividades, para fins do disposto no art. 120 desta lei
complementar.
Nesse período, as inspeções constituíram importante instrumento de fiscalização das receitas e das
despesas dos recursos do fundo, tendo em vista que, nas prestações de contas de governo municipais,
a análise do Fundef era bastante restrita.
Tomando como parâmetro o ano de 2006 para uma análise pormenorizada, a metodologia das
inspeções ordinárias realizadas consistiu-se no confronto dos dados autodeclarados pelo gestor, via
Sistema Informatizado de Apoio ao Controle Externo (SIACE-PCA), com documentos solicitados in
loco, especialmente quanto aos tópicos: (i) conciliação da conta corrente do Fundef com os extratos
bancários, o relatório contábil das contas de receita que integram o referido fundo, os avisos de
débito e crédito e o relatório de contribuição ao Fundef; (ii) inscrição de despesas em restos a pagar e
correspondente disponibilidade financeira.
Segundo o relatório de atividades anuais, em 2006 foram realizadas 447 inspeções ordinárias em
municípios mineiros. Esse número, contudo, não foi confirmado após amplas pesquisas no Sistema
de Gestão e Administração de Processos (SGAP), que apontou o número de 394 inspeções ordinárias
em municípios mineiros com fiscalização do Fundef em seu escopo realizadas em 2006 e referentes
ao exercício de 2005. Feita uma análise dos acórdãos contendo o julgamento final dessas inspeções,
chegou-se aos seguintes números, demonstrados, a seguir, na Tabela 2:
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No ano de 2005, das 432 inspeções ordinárias, um dos temas abordados foi a análise das despesas da educação no geral, sem a
menção do Fundef.
Como se observa da compilação acima, o julgamento final das inspeções ordinárias de 2006 se
alongou no tempo e acabou por ocasionar a prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de grande
parte delas, não gerando, assim, benefício para o controle do fundo educacional, à exceção de alguma
conduta que possa ter sido corrigida na gestão local após a presença dos técnicos nas dependências
da prefeitura e emissão do relatório de inspeção, o que, entretanto, não é passível de mensuração.
Com relação ao Fundeb, foi apurado pelo relatório de atividades anuais divulgado pelo TCEMG,
conforme Tabela 3, o seguinte:
Tabela — 3 Número de inspeções com abordagem do Fundeb
As inspeções realizadas em 2008 referem-se ao exercício de 2007 – primeiro ano de existência do novo
Fundo, agora ampliado em relação ao anterior – tendo sido analisados, dentre outros itens, a aplicação
de recursos com educação, incluindo o Fundeb.
Esse número, contudo, também não foi confirmado após amplas pesquisas no SGAP, que apontou
o número de 648 inspeções ordinárias em municípios mineiros com fiscalização do Fundeb em seu
escopo no exercício de 2007.
Entre os exercícios de 2009 a 2018 não constam informações acerca de inspeções ordinárias municipais
que englobassem fiscalização do fundo educacional nos Relatórios de Atividades do TCEMG de cada
exercício.
Em 2019, impulsionado pelo programa estruturador da gestão 2017/2018 “Na Ponta do Lápis”, o
TCEMG voltou a realizar fiscalização sobre os fundos educacionais, conforme se extrai do relatório
de atividades do terceiro trimestre de 2019. Foram realizadas auditorias de conformidade em cinco
municípios (Itamarandiba, Paraisópolis, Jordânia, Confins e Patos de Minas), tendo por objeto e
finalidade examinar a regularidade da origem e a aplicação dos recursos do Fundeb, recebidos pelo
município nos exercícios de 2017 e 2018, verificar a regularidade da nomeação e da atuação dos
membros do Conselho do Fundeb nesse período, assim como analisar a aplicação dos recursos dos
precatórios judiciais, pagos pela União, decorrente de complementação dos recursos do Fundef. Os
relatórios das auditorias já foram realizados, mas os processos ainda estavam em tramitação no âmbito
do Tribunal até a finalização deste estudo.
Tendo em vista que a análise dos índices legais referentes aos fundos educacionais ficou excluída, os
pareceres prévios emitidos pelo Tribunal a partir de 2010, nos processos de prestações de governos
municipais referentes ao exercício de 2000 em diante, passaram a seguir um escopo previamente
definido e absolutamente enxuto, a ponto de o controle da aplicação das ações de manutenção e
desenvolvimento do ensino se restringir, exclusivamente, ao cumprimento do índice constitucional.
Desde então, as informações orçamentárias e financeiras, remetidas pelos gestores à Corte de
Contas por meio dos sistemas informatizados, relativas aos recursos vinculados ao Fundef/Fundeb
não constituem parte do escopo a ser analisado nas prestações de contas de governos municipais;
portanto, na análise dessas contas atualmente, o percentual de 20% das receitas dos impostos que
compõem a cesta do Fundeb - que é retido para a contribuição municipal do fundo - é considerado
global e automaticamente no percentual mínimo de 25%, que deve ser aplicado na manutenção e
desenvolvimento do ensino, sem que haja análise específica sobre ele.
Fontes 118: Transferência do Fundeb para Aplicação na Remuneração dos Profissionais do Magistério em Efetivo Exercício na
8
Educação Básica. Fonte 119: Transferências do Fundeb para Aplicação em Outras Despesas da Educação Básica.
9 Segundo o disposto no § 3º, art. 165 da CR/88 e no art. 72 da LDB (Lei n. 9.394/1996).
Registre-se que o parecer dos conselhos municipais do Fundeb não são objeto de análise pelo órgão técnico nas prestações de
10
Diante do exposto, observa-se a irregularidade envolvida no atraso do repasse dos recursos que
compõem o Fundeb, prática essa não amparada pela legislação pátria. Além disso, a referida situação
chama a atenção para atuação dos tribunais de contas, tendo em vista a sua competência para
CONSULTA. MUNICÍPIO. RECURSO DO FUNDEB EM ATRASO PELO ESTADO DE MINAS GERAIS. EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO.1.
11
Diante da excepcional situação vivida pelo Estado de Minas Gerais, é possível que o Município, desde que esteja devidamente
justificado, transfira as verbas do FUNDEB recebidas em atraso do Estado de Minas Gerais para a conta de origem dos recursos de
outras fontes que foram desprovidas para pagamento de despesas que deveriam ter sido geridas com os recursos do FUNDEB,
vedada a utilização de recursos vinculados a convênios. 2. A reposição dos recursos do FUNDEB para as contas de origem do
município que foram desprovidas deve ocorrer no exercício financeiro em que ocorrer a transferência dos recursos em atraso pelo
Estado de Minas Gerais. (TCEMG, Consulta n. 1047710, Relator: Conselheiro Mauri Torres, publicação 19/12/2018).
A Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo realiza anualmente o Encontro Mineiro de Conselheiros de Educação,
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evento no qual são debatidos temas relevantes para atuação do controle social na educação como: financiamento, prestação de
contas, monitoramento dos planos de educação, entre outros. O objetivo principal é contribuir para a formação de membros dos
conselhos de educação, fortalecendo-os na perspectiva de consolidar a gestão democrática da educação. A esses agentes também
são ofertadas palestras de capacitação, desde 2017, dentro dos Encontros Técnicos realizados pela Escola de Contas nos municípios
do interior de Minas Gerais
Aliás, a intercomunicação entre instituições de controle e a atuação integrada dos órgãos constituem
modalidade moderna de controle, juntamente com o termo de ajustamento de gestão, as auditorias
operacionais e as audiências públicas, que auxiliam o gestor na retomada de rumos da política pública,
de modo a torná-la mais efetiva à população.
Por fim, vale lembrar que esse conjunto de proposições deve ser lido conjuntamente com as
conclusões do levantamento que deu origem à Representação n. 1092377 (item 5.2). Espera-se que
tanto a pesquisa desenvolvida no âmbito da Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo
do TCEMG como o trabalho de levantamento realizado pela Diretoria de Controle Externo do Estado
possam servir de diagnóstico e direcionamento de rumos para a fiscalização empreendida pelo
Tribunal sobre os recursos do Fundeb, sobretudo com o reconhecimento da importância do fundo
no cenário de financiamento da educação pública básica no Brasil ratificado pela promulgação da
Emenda Constitucional n. 108/2020, que reclama a devida e crescente atuação dos órgãos de controle.
I RELATÓRIO
Trata-se de consulta eletrônica, submetida a este Tribunal em 20/8/2019 pelo Sr. José Antônio do
Nascimento, prefeito de Tiradentes e presidente da Associação dos Municípios da Microrregião dos
Campos das Vertentes, no período de 15/1/2019 a 15/1/2020.
O consulente realizou a seguinte indagação, literalmente. “Com a entrada em vigor da Lei 13.019/2014,
ainda há necessidade de lei especifica para repasse de recursos às Organizações da Sociedade Civil no
desenvolvimento de parcerias com o Poder Público, conforme o disposto no art. 4º da IN 8/2003?”
Preenchendo o campo opcional destinado à fundamentação da pergunta, o consultando acrescentou
o seguinte. “Tal assunto foi abordado na Consulta n. 952.073, entretanto, não foi respondida por este
Tribunal uma vez que à época não estava em vigor a Lei 13.019/14.”
Observando o cumprimento dos pressupostos previstos no art. 210-B, §1°, I a IV, da Resolução
n. 12/2008 – Regimento Interno do Tribunal de Contas (RITCEMG) –, encaminhei os autos à
Coordenadoria de Sistematização de Deliberações e Jurisprudência que, em seu estudo, constatou
que a matéria ainda não foi enfrentada nos exatos termos suscitados pelo consulente.
II FUNDAMENTAÇÃO
1 Admissibilidade
Em juízo de admissibilidade, compreendo que foram observados os pressupostos previstos no art.
210-B, §1°, I a V, do Regimento Interno desta Corte de Contas. Observo, ainda, que o consulente, a teor
do disposto no art. 210, X, do diploma regimental, é parte legítima, e a matéria versada foi formulada
em tese, e é da alçada deste Tribunal.
Assim sendo, conheço da presente consulta, para respondê-la em tese.
2 Mérito
Indaga o consulente se há necessidade, no âmbito da Lei n. 13.019/2014, de edição de lei específica
para que se promova o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil (OSC) quando da
formalização da parceria.
Releva destacar que este Tribunal ainda não se manifestou, em parecer conclusivo, sobre o
questionamento em tela. A discussão, in casu, sobre a necessidade de edição de lei específica para
a efetivação de parceria pública social foi levantada na Consulta n. 951.417, recebida por esta Casa
em 26/3/2015, da qual fui relator. No entanto, a mencionada consulta não teve seu mérito julgado,
uma vez que, na época, a Lei n. 13.019/2014 ainda não havia entrado em vigor e já naquele tempo
foi objeto de fundamentais e significativas alterações legislativas, o que não só impactaria a essência
da própria indagação do consulente, como também comprometeria qualquer decisão definitiva a ser
pronunciada por esta Corte de Contas.
Ao fim, não tendo sido conhecida a dita consulta, ainda está em aberto o pronunciamento do
TCEMG a respeito da obrigatoriedade de edição de lei específica para consecução de parceria entre a
administração pública e as OSC, à luz da Lei n. 13.019/2014.
Ressalto, além disso, que o consulente esclarece que já havia, em outra oportunidade, apresentado
esse mesmo questionamento a esta Corte de Contas (Consulta n. 952.073), mas que na época a Lei n.
13.019/2014 também ainda não estava em vigor, não tendo sido a questão apreciada pela Casa. Em
consulta ao Sistema de Gestão e Administração de Processos (SGAP), verifiquei que aquela consulta,
de relatoria da conselheira Adriene Andrade, chegou a ser pautada e admitida pelo Pleno, mas foi
retirada de pauta em 18/5/2016.
Neste caso, mostra-se oportuno, de início, fazer uma retomada sistemática a respeito da Lei n.
13.019/2014, elucidando o contexto de edição da norma, aclarando seu objeto, recortando seus
instrumentos e explanando os propósitos do delineado legislativo proposto. Posteriormente, de
forma a especificar a questão central tratada nessa Consulta, responder-se-á: seria necessária a edição
de lei específica para que se promovam parcerias com OSCs?
Face a tríplice exigência elencada no artigo 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Flávio Toledo Jr. e
Sérgio Ciquera Rossi (2002, p. 182) abordam, na obra Lei de Responsabilidade Fiscal comentada artigo
por artigo, as subvenções da seguinte forma transcrita.
No caso de auxílio ou subvenção, a ajuda estatal atentará, sempre, para essa tríplice
exigência: 1) sujeitar-se às condições pactuadas na lei de diretrizes orçamentárias, que,
a título de exemplo, podem assentar-se na certificação da entidade junto ao respectivo
Conselho Municipal, na prestação de contas a cada seis meses e no atendimento de
famílias com renda inferior a dois salários mínimos (art. 4º, I, f ); 2) estar autorizada em lei
específica, de iniciativa do Poder Executivo, na qual compareça o nome da instituição e
o valor do repasse; 3) dispor de genérica autorização orçamentária, quer na lei de meios,
quer nas que aprovam créditos adicionais.
Nesse contexto, o parlamentar envolver-se-á no processo que define critérios para
auxiliar pessoas físicas e jurídicas e, depois, avalizará qual o asilo, o orfanato, o albergue
a beneficiar-se do dinheiro público. Assim, não mais se justificam autorizações restritas a
genéricas dotações orçamentárias.
É exatamente nesse ponto que subsiste a aparente, e irreal, incompatibilidade entre os requisitos
impostos pela Lei n. 4.320/1964 e a nova Lei n. 13.019/2014: enquanto aquela exige que se edite uma
lei específica para a concessão de subsídios sociais ao terceiro setor, esta deixa tal requisito de lado
quando o assunto é firmar parceria pública social com entidades integrantes do terceiro setor.
Importante verificar que a falta de estipulação do requisito “edição de lei específica” não se trata de
“esquecimento” por parte do legislador – se lançarmos mão da lógica de interpretação sistemática
lógica histórica, compreendendo a intenção desburocratizante e de afastamento de ingerências
públicas sobre as parceiras públicas sociais. É possível constatar que esse silêncio tem caráter
constitutivo e confirmativo da lógica inovadora abordada na lei mais recente.
A diferenciação entre “subvenções sociais” e “termos de fomento e termos de colaboração”, sendo
esses propostos dentro da lógica de parceria pública social da Lei n. 13.019/2014, é de relevante
importância na presente consulta.
Enquanto as subvenções têm um caráter supletivo, imerso em uma lógica assistencialista de socorro,
amparo ou auxílio, não só ao terceiro setor, mas a diversas entidades, as parcerias públicas sociais
(por meio dos termos de colaboração e de fomento) trazem uma razão de coadjuvação, cooperação
mútua ou coparticipação. Isso quer dizer que se verifica que as subvenções, de maneira diferente das
parcerias, não buscam a consecução de interesse públicos em geral, mas tratam de um dever genérico
do Estado de socorrer e auxiliar as pessoas físicas ou jurídicas.
Isso quer dizer que, para que se repassem tais recursos, deverá ser executada contraprestação pactuada
no termo da parceria na forma de plano de trabalho. Esse plano de trabalho conterá objetivos, metas
físicas, custos, modo de execução, além de parâmetros de avaliação – tudo conforme o artigo 22 da
Lei n. 13.019/2014.
Nesse sentido, pode-se concluir que a subvenção social poderá ser utilizada para fomentar com
dinheiro público a atividade de uma entidade privada sem fins lucrativos, enquanto a parceria,
pautada no interesse público e no interesse recíproco entre as partes, poderá ser usada para atingir
um fim determinado no plano de trabalho, no qual as despesas de custeio serão delineadas.
Em relação a tal questão, esta Corte de Contas, na Consulta n. 898.575, concluiu que “as subvenções
se destinam a suplementar os recursos empregados pelas entidades filantrópicas na realização de
ações de cunho social ou assistencial, não se destinando tal repasse à contraprestação dos serviços
prestados à administração pública por entidades privadas”.
Veja-se que a Lei n. 4.3201964 restringiu a destinação das subvenções sociais apenas para as despesas
de custeio da entidade beneficiária. Ou seja, as subvenções devem ter por objeto, exclusivamente, a
manutenção de serviços anteriormente criados ou a realização de obras de conservação e adaptação
de bens imóveis, conforme prevê o art. 12, §§1º e 3º, da própria lei.
Tendo isso em mente, este Tribunal, em diversas oportunidades, manifestou-se sobre o que poderia
ser custeado com recursos de subvenções sociais, a saber: realização de cursos de capacitação de
jovens aprendizes (Consulta n. 898.575), despesas com hospital particular filantrópico (Consulta n.
716.941) e despesas com rescisão de contratos de trabalho de empregados integrantes dos quadros
da entidade subvencionada (Consulta n. 887.867), etc.
Nessa linha, o Tribunal também editou as Súmulas n. 19 e n. 43 com os seguintes enunciados:
Súmula nº 19 – O procedimento do qual resulte celebração de convênio referente
à concessão de subvenção deve estar instruído, para fins de controle externo, com
documentação apta a comprovar o atendimento às normas da Lei Complementar n.º
101/00, da Lei n.º 4.320/64 e das Instruções Normativas deste Tribunal e também com a
prova de efetivo funcionamento da entidade beneficiada.
Súmula n° 43 – A concessão pelo Município de subvenção social – fundamentalmente
para assistência social, médica e educacional – só se legitima quando houver
disponibilidade de recursos orçamentários próprios ou decorrentes de crédito adicional
e for determinada em lei específica.
De pronto, verifica-se contradição entre tal previsão e a disposição legal trazida pela Lei n. 13.019/2014.
Sobre tal situação, importante fazer alguns apontamentos.
A edição de instruções normativas (INs) feita pelo TCEMG, que encontra respaldo no inciso XXIX do art.
3º do RITCEMG, se dá no intuito de regularizar e especificar questões de sua competência, quando se
tratar de matéria que envolva os jurisdicionados do Tribunal.
As INs são provimentos administrativos cuja normatividade está diretamente subordinada aos atos
de natureza primária. Quer dizer, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e
eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados,
convenções internacionais, ou decretos presidenciais, aos quais se vinculam por um claro nexo de
acessoriedade e de dependência. Assim, tais instrumentos normativos jamais poderão inovar o
ordenamento jurídico, devendo guardar consonância com as leis.
No caso da IN 8/2003, buscou-se estabelecer normas de fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial para os processos que tramitam no Tribunal de Contas do Estado envolvendo
as administrações direta e indireta dos municípios. Dentre as previsões, como já citado, está a exigência
de certas condições para a concessão de recursos públicos por aqueles entes para pessoas físicas e
jurídicas, que é realizada por meio de instrumentos: subvenções, auxílios e transferências.
Como toda produção normativa, a IN 8/2003 tomou forma em função do ordenamento jurídico
vigente no momento histórico em que foi editada, isto é, o ato administrativo buscou regularizar o
procedimento do Tribunal para o exercício do controle externo sobre a concessão de recursos públicos
por meio daqueles instrumentos legais previstos à época.
Ao determinar, em seu art. 4º, que as concessões de recursos públicos deveriam estar previstas em
lei específica, fica claro que essa Corte de Contas tinha em mente as ferramentas jurídicas daquele
A Consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 26/8/2020, presidida pelo
conselheiro Mauri Torres. Votaram o conselheiro Sebastião Helvecio, o conselheiro Cláudio Couto Terrão, o
conselheiro José Alves Viana, o conselheiro Durval Ângelo e o conselheiro presidente Mauri Torres.
I RELATÓRIO
Trata-se de Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo conselheiro José Alves Viana
nos autos do Recurso Ordinário n. 986.966, em que foi apresentada divergência de entendimentos
proferidos nesta Corte de Contas quanto ao recurso cabível diante das impugnações de decisões
interlocutórias no curso procedimental em que foi aplicada multa-coerção.
Conclusos, o conselheiro presidente, a fl. 5, acolheu o presente incidente, bem como determinou o
sobrestamento da tramitação dos processos que versassem sobre matéria similar.
Os autos foram distribuídos ao conselheiro Sebastião Helvecio, que ordenou, a fl. 7, a remessa dos
autos a este Parquet para manifestação, nos termos regimentais.
É o relatório, no essencial.
II FUNDAMENTAÇÃO
No caso em testilha, a controvérsia levantada veio a lume nos autos do Recurso Ordinário n. 986.966,
interposto pelo Sr. Osmando Pereira da Silva em face da decisão proferida pela 2ª Câmara dessa Corte
de Contas.
Na oportunidade, o conselheiro José Alves Viana apresentou divergência jurisprudencial, a fls.
1 a 4, quanto ao recurso cabível diante das decisões interlocutórias em que foi aplicada multa
por descumprimento de determinações deste Tribunal, conforme se infere nas diversas decisões
colacionadas cujos conteúdos evidenciam o desacordo de posicionamento entre os colegiados desta
Corte.
Por repercutir na dinâmica processual deste Tribunal de Contas, o relator destacou a necessidade
do estabelecimento de consenso sobre a matéria, a fim de que sejam resguardados os princípios da
segurança jurídica e eficiência.
Impende destacar que estão presentes os requisitos regimentais para o devido processamento do
Incidente de Uniformização, conforme se infere na leitura do artigo 223 do Regimento Interno desta
Corte de Contas, que ora transcreve-se para melhor elucidação.
Tais comandos visam assegurar isonomia, segurança jurídica e confiabilidade no âmbito das
decisões desta Corte, tendo uma jurisprudência coesa e uniforme, atenta às peculiaridades de cada
caso, garantindo, assim, maior celeridade da solução dos litígios, excluindo os efeitos maléficos das
divergências jurisprudenciais.
Outra não é a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves1:
A harmonização dos julgados é essencial para um Estado Democrático de Direito.
Tratar as mesmas situações fáticas com a mesma solução jurídica preserva o princípio
da isonomia. Além do que a segurança no posicionamento das cortes evita discussões
longas e inúteis, permitindo que todos se comportem conforme o Direito. Como ensina
a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica,
à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança à
igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade,
ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e de despesas) e à
maior eficiência.
No mesmo sentido, são os ensinamentos de Luiz Guilherme MarinonI e Sérgio Cruz Arenhart2
transcritos a seguir.
É cabível o presente incidente sempre que se verificar, em qualquer julgamento proferido
pelo tribunal (por meio de seus órgãos), em recurso ou ação originária, divergência a
respeito da interpretação do direito. Tal divergência pode ser interna, quando existente
entre os membros do colegiado que têm a atribuição de julgar o caso concreto, ou seja,
quando a tese jurídica (interpretação sobre alguma questão jurídica), esboçada por um
dos julgadores, é distinta e antagônica àquela apresentada por outro dos juízes que dá
composição ao quórum de votação do caso concreto; ou pode também ser externa,
isto é, relativa a julgamento proferido por outro órgão do próprio tribunal (câmara,
grupo de câmaras ou câmaras reunidas, no âmbito estadual, ou ainda turma e seção,
na esfera federal), caso em que a comparação da hermenêutica dada a certa regra, no
julgamento a que se procede, com a dada em outra situação idêntica reflete a variação de
entendimento, a exigir que o tribunal se pronuncie a propósito de qual é a interpretação
efetivamente válida. A divergência externa há de ser verificada entre a orientação
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. Juspodivm, 2018, p. 1.546.
1
MARIONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V.2 – Processo de Conhecimento. 12. ed. Revista dos
2
Vale salientar que a segurança jurídica é um valor fundamental no ordenamento jurídico, devendo
ser pautada na certeza, isonomia e estabilidade, trazendo benefícios a toda a sociedade, posto que
a presença de decisões divergentes para situações idênticas ou semelhantes acaba por revelar uma
ordem jurídica incoerente.
O cerne da questão discutida no presente incidente refere-se ao recurso cabível para impugnar multa-
coerção aplicada incidentalmente no processo em trâmite nessa Corte.
No caso em tela, o recorrente utilizou-se do recurso ordinário, em vez do agravo, para impugnar a
decisão proferida pela Segunda Câmara, nos autos da Denúncia n. 859.153, que ensejou a aplicação de
multa no valor de R$ 5.000,00, em razão do descumprimento de determinação do relator no tocante
à ausência de esclarecimentos e documentos relativos à concorrência n. 1/2012, tendo o seu pedido
sido recepcionado pelo conselheiro relator.
A doutrina de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini3, ensina que:
(...) decisão interlocutória é todo pronunciamento com conteúdo decisório proferido
no curso do procedimento, que não encerra a fase cognitiva nem o processo de
execução. É um conceito atingido por exclusão: se o pronunciamento decisório encerra
a fase cognitiva ou a execução, tem-se sentença; se não encerra a fase cognitiva nem a
execução, mas não tem conteúdo decisório, é despacho de mero expediente. Todo o
resto é decisão interlocutória.
Percebe-se que a decisão recorrida foi proferida no curso do processo, não tendo ocasionado o
encerramento da fase cognitiva ou executória, possuindo assim natureza interlocutória, conforme
preceitua o §2° do art. 203 do Código de Processo Civil, in verbis.
Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias
e despachos.
§ 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o
pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à
fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.
§ 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que
não se enquadre no § 1º.
O art. 104 da Lei Complementar estadual n. 102/2008, assim como o art. 337 da Resolução n. 12/2008
preveem que o recurso cabível em face das decisões interlocutórias é o agravo, cumprindo transcrever
os referidos dispositivos legais a seguir.
Art. 104. Das decisões interlocutórias e terminativas caberá agravo formulado uma só
vez, por escrito, no prazo de dez dias contado da data da ciência da decisão, na forma
estabelecida no Regimento Interno.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Cognição Jurisdicional - Processo Comum de
3
Conhecimento e Tutela Provisória. V.2. 17. Ed. Revista dos Tribunais, 2018, p. 551.
Portanto, o recurso ordinário proposto pelo recorrente não seria o meio legítimo para combater a
decisão recorrida.
Esta Corte de Contas já teve oportunidade de se pronunciar sobre a matéria, nos autos do Recurso
Ordinário n. 980.535, em Sessão Plenária, de 13/6/2018, in litteris.
[...]
Por seu turno, em face das decisões interlocutórias e terminativas proferidas pelo
Tribunal Pleno, pelas Câmaras ou pelo relator, salvo daquelas que não conhecem das
consultas, o recurso cabível é o agravo, à luz do disposto no art. 104 da Lei Orgânica
c/c art. 337 do Regimento Interno. Por interlocutória entende-se a decisão pela qual o
relator ou o Tribunal decide questão incidental, antes de pronunciar-se quanto ao mérito
do processo (art. 71, § 1º, da Lei Orgânica), ao passo que terminativa é a decisão pela
qual o Tribunal ordena o trancamento das contas que forem consideradas iliquidáveis,
ou determina o seu arquivamento pela ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo, ou por racionalização administrativa e
economia processual (art. 71, § 3º, da Lei Orgânica).
[...]
A controvérsia que ora se examina, porém, reforça-se, diz respeito à natureza jurídica
das decisões que aplicam multa na fase instrutória de processos de controle, por
descumprimento de diligência ou determinação, e ao recurso com elas compatível.
[...]
Acontece que, relatando o presente conflito de competência – cuja decisão, aliás,
fatalmente dará cabo ao conflito constante do Processo nº 965.707 – e após debruçar-me
sobre a matéria, convenci-me de que em ambos os casos as decisões recorridas possuem
natureza interlocutória, a desafiarem, portanto, a interposição de agravo. Isso porque
tanto no caso dos presentes autos quanto no caso do Recurso Ordinário nº 965.707
o que se observa, analisando os processos como um todo, é que as multas aplicadas
pelo Tribunal não decorreram da análise do mérito dos respectivos autos principais.
Em verdade, as sanções aplicadas e posteriormente recorridas fundamentaram-se
em diligências e determinações supostamente descumpridas no curso da instrução
processual.
Em outras palavras, pode-se dizer que as multas cominadas aos recorrentes tiveram
origem em questões incidentais, acessórias, que surgiram no curso dos processos e
que foram deliberadas de maneira apartada às respectivas questões principais. Tanto
que, em nenhum dos casos, a decisão que culminou na aplicação de multa pôs fim ao
processo. Ao contrário, no caso destes autos, a Segunda Câmara, no mesmo ato, renovou
a diligência suspostamente descumprida, com fixação de prazo de 60 (sessenta) dias,
para complementação da instrução processual e ulterior análise de mérito (a qual, diga-
se de passagem, ainda não foi efetivada).
[...]
Nesse contexto, revendo meu posicionamento, entendo que a interpretação que melhor
se harmoniza com as disposições legais e regimentais aplicáveis à matéria no âmbito
desta Casa é a de que as decisões que aplicam multa na fase instrutória de processos
de controle, tal como ocorrido in casu, possuem natureza interlocutória, impugnáveis,
portanto, via agravo, nos termos previstos no art. 104 da Lei Orgânica c/c art. 337 do
Regimento Interno.
[...]
III CONCLUSÃO
Em face do exposto, opina este Ministério Público de Contas pelo entendimento uniformizador no
sentido de que o recurso cabível é o agravo, com espeque no art. 104 da Lei Complementar estadual
n. 102/2008 c/c o art. 337 da Resolução n. 12/2008.
É o parecer.
Belo Horizonte, 2 de abril de 2019.
Parecer emitido pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais no Incidente
de Uniformização de Jurisprudência n. 1.058.760 apreciado pelo Tribunal Pleno, na sessão do dia 24/6/2020,
presidida pelo conselheiro Mauri Torres. Votaram o conselheiro Cláudio Couto Terrão, o conselheiro Durval
Ângelo, o conselheiro Wanderley Ávila e o conselheiro presidente Mauri Torres. Vencidos o conselheiro
relator Sebastião Helvecio e o conselheiro José Alves Viana.