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CFPROF 2021 – AULA 2

Prof. Ms. Thales Biguinatti Carias


Prof. Ms. Iza Debohra Godoi Sepulveda
Prof. Dr. Rosinaldo Barbosa
Na aula passada:

■ Vimos que o discurso do governador sobre o salário de professor em MT não


corresponde a um critério mínimo de análise para sabermos se o nosso salário é,
de fato, bom ou ruim;

■ A partir disso, também vimos como é problemático equiparar os índices do IDEB


com qualidade educacional;

■ Como conclusão, percebemos que essa confusão (entre salário, IDEB e qualidade
da educação) leva o governo a considerar que o salário já está ótimo, mas que falta
avançar no IDEB. A preocupação com esse índice gera uma perseguição
autorreferente que prejudica avaliarmos a educação do ponto de vista da
qualidade; observando como ela é estruturada para ser ofertada e não como mero
reflexo de um índice de resultados gerais do aluno.
Na aula de hoje:

■ Veremos como essa preocupação autorreferente com o índice do IDEB não é um


caso isolado de MT e obedece uma certa lógica de sociedade regida por
determinações mais mercantis do que propriamente educacionais, caso pensemos
na educação em sentido público, laico, democrático e humanista.
Um problema:
■ Contexto: lançamento do programa “Educação Já” em MT – 12 de abril de 2021 – disponível em:
https://youtu.be/JL30hBnVj8U - último acesso em 19 de abril de 2021.
■ Priscila Cruz (Presidente executiva do “Todos Pela Educação”):
■ “(...) Cumprimentar e começar dizendo que a gente enviou para todas as prefeituras do Mato Grosso um material que é o
“Educação Já – municípios”. Esse é um material técnico; muito bem construído para entender quais são os principais passos
que precisam ser dados pra que os efeitos da pandemia sejam minimizados e também como que é possível construir
políticas estruturantes de longo prazo para que aquela educação que a gente tinha pré pandemina siga avançando e que ela
melhore muito nos próximos anos; próximas décadas, como bem disse o governador Mauro Mendes. É um trabalho sim de
longo prazo, mas já será possível a gente ver esses efeitos; a gente ver esses resultados no curto e médio prazos, a depender
desse ritmo de trabalho; do compromisso de cada um de vocês. Do compromisso que a gente tem que ter pra colocar a
educação como um pilar central do projeto de desenvolvimento social e econômico do estado de Mato Grosso. A depender de
como a educação vai ter o seu lugar nesse projeto de desenvolvimento social e econômico, a gente pode ter sim resultados
muito fortes. A gente pode ganhar uma musculatura muito forte na educação. E eu não tenho a menor dúvida, acho que essa
é a grande experiência internacional... De pandemias ou guerras passadas: os países que investiram em educação; os países
que focaram em educação, são países que hoje estão numa situação muito melhor. E que essa oportunidade... O mundo
inteiro está sendo varrido por essa pandemia horrorosa. O Brasil pode fazer agora uma escolha. Pode fazer a diferença pra
essa geração agora de estudantes se a educação for realmente uma grande prioridade. Existe uma ideia muito disseminada.
Muito falada... O tempo inteiro a gente ouve “há, a educação é fundamental. A educação é muito importante. A gente precisa
priorizar a educação”. Agora, realmente priorizar a educação é algo que a gente precisa inaugurar no nosso país.
Infelizmente, a gente ainda não tem uma situação sustentada, por muitos anos, de priorização da educação. Por isso que eu
fico tão animada com essa fala do governador Mauro Mendes, né... Que sinaliza uma prioridade maior dada à educação,
porque não existe a menor possibilidade do Brasil dar certo; Mato Grosso dar certo; da vida de cada uma das crianças e
jovens dar certo se educação não for uma prioridade.”
Qual o papel da educação numa sociedade?

■ Essa pergunta pode ser o mote para levantar um problema a se discutir na fala da presidente
executiva do “Todos pela educação”: Com “Qual o papel da educação numa sociedade?”, quero
rebater e ampliar a colocação de Priscila Cruz sobre a educação como “pilar central do
desenvolvimento social e econômico do estado de Mato Grosso”.

■ Será que a educação tem de fato um lugar no atual projeto de desenvolvimento social e econômico
do estado de Mato Grosso?

■ Mais ainda: será que o atual projeto de desenvolvimento social e econômico de Mato Grosso
admite um lugar para a educação? Se admitir, qual é a educação que teria lugar nesse tal projeto?
Uma educação de qualidade ou uma que persegue os índices do IDEB?

■ O que eu desejo, na verdade, é ir pela lógica inversa de Priscila Cruz – que tenta reconhecer um
lugar para a educação no projeto de desenvolvimento econômico e social de Mato Grosso – para
afirmar que é justamente esse projeto (em curso pelo menos desde a ditadura civil-militar) que não
admite que a educação possa ser uma prioridade social. Por isso, a nossa aula irá fazer uma
análise deste projeto para, a partir dela, afirmar: não há lugar para a educação de qualidade no
horizonte político-partidário de Mato Grosso.
Dessa forma...

■ Compreender a crise da educação no Brasil passa, definitivamente, por compreender


como se estruturou a economia nacional. Quais foram as escolhas para o
desenvolvimento econômico e como isso produziu um quadro mais ou menos definido
para a educação são questões complementares e imporatntes para sairmos desse lugar
comum de que basta um governo ou um político priorizarem a educação que
seguiremos o rumo certo.

■ Essas escolhas e projetos econômicos nacionais definiram, por sua vez, um lugar para
o estado de Mato Grosso. Vamos, então, compreender essa tensão entre um programa
nacional de desenvolvimento, as articulações políticas estaduais e a lógica global do
capital financeiro. Sem o entendimento dialético dessas instâncias, a defesa da
educação no Brasil é capitaneada pelos agente que, justamente, nunca fizeram muito
caso dela.
SILVA, Rosinaldo Barbosa da. Produção de centros e centralidades urbanas na
conurbação Cuiabá-Várzea Grande-MT. Tese (Doutorado em Geografia) –
Universidade de Brasília, 2019.

■ Modernização conservadora: modo de promoção do desenvolvimento periférico com


crescimento industrial e abertura ao capital internacional.

■ Reorganização do espaço produtivo como forma de empreender essa resposta aos


momentos de crise:
■ - declínio do ciclo do açúcar e formação de um setor econômico hegemônico no sudeste
(detalhe: é justamente essa reorganização e a elite econômica resultante desse processo
que vão garantir a unidade nacional no pós-independência)
■ - “ocupação produtiva” do Centro-Oeste por meio dos PND’s
■ Por meio dessa estratégia proveniente de um Estado intrinsecamente comprometido com
as demandas da classe dominante, basicamente se confundindo com ela, o agro negócio
se estruturou da forma como conhecemos hoje e se articula para garantir seus lucros
recordes.

■ A tese de Rosinaldo nos prova que é a demanda produtiva do agronegócio que organiza a
conurbação Cuiabá-Várzea Grande.

■ Nada se faz por essas bandas que não seja para atender à demanda do agro negócio; seja
do ponto de vista fiscal (pensemos a perda da 510), seja do ponto de vista propriamente
educacional. Pois, como nos diz o texto de Samira Peduti Kahil, a hegemonia da técnica nas
comunicações e na educação é a hegemonia do pensamento único à serviço da lógica do
mercado.
RIBEIRO, Darcy. Sobre o Óbvio. In: Ensaios Insólitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara,1986.

■ Ler o texto do ponto de vista das “façanhas da classe dominante desse país”: Uma
análise da história nacional atenta às saídas encontradas pela classe dominante
para manter seu projeto econômico mesmo diante das vicissitudes políticas e
sociais (“Modernização Conservadora”?)

■ Momento chave para a compreensão dessas façanhas: A questão da reforma


agrária em comparação com a escolha do modelo educacional para o país:
■ Pois bem, prestem atenção, e se edifiquem com a sabedoria que os nossos maiores revelam
neste passo: ao entregar a educação primária exatamente àqueles que não queriam educar
ninguém – porque achavam uma inutilidade ensinar o povo a ler, escrever e contar – ao entregar
exatamente a eles – ao prefeito e ao governador – a tarefa de generalizar a educação primária, a
condenavam ao fracasso, tudo isso sem admitir, jamais, que seu imposto era precisamente este.
O professor Oracy Nogueira nos conta que a nobre vila de Itapetininga, ilustre cidade de São
Paulo, em meados do século passado, fez um pedido veemente a Pedro Dois: queria uma escola
de primeiras letras. E a queria com fervor, porque ali – argumentava – havia vários homens bons,
paulistas de quatro e até de quarenta costados, e nenhum deles podia servir na Câmara
Municipal, porque não sabiam assinar o nome. Queria uma escola de alfabetização para fazer
vereador, não uma escola para ensinar todo o povo a ler, escrever e contar. Vejam a diferença
que há entre a nossa orientação educacional e as outras tradições. Aqui, sabiamente, uma vila
quer e pede escola, mas não quer rezar, nem democratizar, o que deseja é formar a sua
liderança política, é capacitar a sua classe dominante sem nenhuma idéia de generalizar a
educação. Como não admirar a classe desta nossa velha classe que no caso da terra, adota uma
solução oposta à granjeira norte-americana; e no caso da educação, adota exatamente a solução
comunitária yankee... Varia nos dois casos para não variar. Isto é, para continuar atendendo aos
seus dois interesses cruciais: a apropriação latifundiária da terra e a santa ignorância popular.
(p. 8)
A esta altura...
■ Voltamos à fala da presidente executiva do “Todos pela educação” para, novamente
questionar: há um lugar para a educação num quadro político-econômico como esse?

■ “A capital do Agronegócio” se interessa, verdadeiramente, por uma educação de qualidade,


entendendo com isso uma educação comprometida com valores humanos e pensando num
projeto de sociedade mais aberto à solidariedade do que ao mercado?

■ “Ah, mas essa realidade mudou! Hoje, a alfabetização e a educação são perseguidas e não
evitadas pelos governos”

■ Desconfio que não. Prefiro pensar com Darcy Ribeiro: A estratégia variou para não ter que
mudar. Ex. Todos os investimentos na área de educação anunciados pelo governo tocam
nos verdadeiros problemas da nossa educação? As salas de aula continuam lotadas. Nós
nunca trabalhamos tanto e de modo tão desorganizado. As demandas burocráticas nos
esgotam física e psicologicamente. Os alunos continuam sem acesso a equipamentos e
internet. Está sendo difícil garantir até o kit alimentação por aluno matriculado.
Ademais...

■ A educação que se projeta; a educação que se veicula na linha do discurso


do “Todos pela educação” que, ao que parece, está tendo trânsito garantido
na SEDUC, é uma educação que, da mesma forma como a conurbação
Cuiabá-Varzea Grande, está organizada para atender às demandas do
mercado tal como ele está estruturado em nosso estado, ou seja, pela via
do agro negócio. Lembremos da tal “educação 4.0” e da polêmica live da
SEDUC onde o mote para a discussão foi um vídeo sobre o sistema de
computação integrando a produção da VALE.
KAHIL, Samira Peduti. Meio técnico-científico informacional: comunicação, educação e
democratização política. In: CONCEIÇÃO, Fernando (org.). Educação, comunicação, globalitarismo
(a partir do pensamento de Milton Santos). Salvador: EDUFBA, 2008.

■ A discussão da técnica na educação não é nova. Ela só está sendo potencializada pelo salto que
representa a internet.

■ A técnica como “manifestação geral do pensamento único” nos remete ao processo de apropriação
dos ideais iluministas pela lógica do capital.

■ Com os saltos técnicos que temos ao longo da história, o capital financeiro se estabelece como
ordem única do mundo: (texto, páginas 31 e 32)

■ De tudo o que já falamos até então, fica difícil não notar que o MT dos PND’s e atual “capital do
agro negócio” está dentro dessa lógica. Ele opera nos termos geopolíticos organizados pelos
agentes hegemônicos do capital financeiro já nos finais do século XX. Assistam atentamente à
apresentação do projeto “Educação Já” que foi mencionado no início dessa aula: Priscila Cruz diz,
explicitamente, que os projetos e leituras do “Todos pela educação” tomam como referência as
discussões sobre educação do final do século XX. É o mesmo contexto de hegemonização do
capital financeiro nas comunicações de que trata o texto que lemos.
Educação 4.0?
■ O que significa, então, pensar num lugar para a educação no “projeto de desenvolvimento
social e econômico do estado”?

■ Ao que tudo indica, significa cerrar os olhos para uma educação humanista e integradora e
fixar os rumos na alta de índices do IDEB. A tal “meta” para a educação de MT.

■ Essa preocupação é, na verdade, uma forma de “variar pra não mudar”. É a modernização
conservadora que se apropria da educação para empreender uma formação limitada aos
parâmetros da técnica e do capital financeiro global. Nesse sentido, é possível pensarmos
que a ordem mundial ainda segue parâmetros colonizadores.

■ A educação 4.0 é, na verdade, uma educação que restringe o pensar porque não está a
serviço de um projeto de sociedade eticamente comprometido (texto, páginas 34-5)

■ Qual é o “aluno protagonista” que podemos ter nesse contexto?


Na próxima aula...

■ Feita essa contextualização/crítica ao processo político/econômico que delimita os


termos segundo os quais a educação será organizada, resta-nos perguntar: Como,
então, pensar em alternativas de projetos educacionais? Como ser professor nesse
quadro? Qual a nossa responsabilidade dentro de sala de aula, com nossos alunos
e também fora de sala de aula, pensando a educação como projeto coletivo?

■ Faremos essas reflexões a partir de duas grandes referências para a educação do


nosso país, Paulo Freire e os educadores da “escola nova”.

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