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Nesse trecho, bem como nas fontes primárias que já tivemos a oportunidade de
coligir, resta evidente que havia uma concepção liberal de universidade a presidir a
implementação da USP. Para além disso, fica claro também que as missões estrangeiras
tinham o propósito de formar as primeiras turmas no rumo das ciências. Ou seja, era
nítida, no Brasil, a noção de que não havia um corpo docente coeso e definido que fosse
capaz de criar um programa de ensino nos moldes dos padrões universitários europeus.
Nesse sentido, e ainda num sentido latu de motor do desenvolvimento social, a USP
parece representar um esforço dessas elites para alcançar os patamares de
desenvolvimento de países de maior progresso. Estavam, portanto, as elites preocupadas
com a universidade sentindo o tempo histórico numa dimensão de atraso social
proporcionado por um campo de experiências que promoveu essa primeira missão
formadora, francesa e italiana, dentro de um horizonte de expectativas para o quadro
político e cultural mais amplo do Brasil.
A turma de ciências sociais de Antonio Candido, sendo a primeira a se formar na
USP, evidentemente, estaria a par desse campo de experiência. Nesses termos, pretendo
evocar o processo formativo de Candido. Não como aluno de ciências sociais e, depois,
como professor assistente de Fernando de Azevedo, mas como professor do curso de
Teoria Literária e Literatura Comparada. É preciso compreender que, para chegar nesse
cargo, Candido operou uma verdadeira peregrinação, como nos narra o já citado
Rodrigo Ramassote em sua tese de doutoramento.
A primeira etapa desse processo formativo se refere ao concurso disputado por
Candido no ano de 1945. Deste concurso, resultaram duas publicações: a coletânea de
artigos de jornal intitulada “Brigada Ligeira” e a sua tese “O método crítico de Sílvio
Romero”, que lhe garantiu o título de livre docente em letras, mesmo formado em outra
área, no caso, a das ciências sociais. Não obstante essas duas publicações já de peso,
Antonio Candido fora preterido em função de José Aderaldo de Castello. Esse já
ocupava o cargo interinamente e fora escolhido por critérios que não constavam no
edital. No dia seguinte ao concurso, Antonio Candido figurava nas páginas do jornal “O
Estado de São Paulo” como o vencedor moral do pleito, posto que ele tinha mais
currículo do que o ganhador de fato.
Para que Candido pudesse se sagrar professor concursado pela USP, portanto, o
caminho a ser percorrido deveria ser mais longo. Nesse sentido, dois pontos são
marcantes nessa trajetória. O primeiro é a publicação de “Formação da Literatura
Brasileira”. Livro de fôlego que iria marcar sobremaneira o debate crítico da época e
que continua como grande referência. Concomitantemente, Candido ruma para Assis,
onde será peça fundamental para o planejamento e estruturação da faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Assis a partir do ano de 1958, retornando à USP no ano
de 1960, mas ainda como professor interino.
Essa passagem de Candido por Assis é vista na tese de Ramassote como
momento onde ele irá estabelecer um rito de passagem da sociologia à crítica literária.
Nós compreendemos que essa é uma leitura pertinente, porém, procuramos historiar
esse momento desde uma outra perspectiva. Pretendemos argumentar que, por meio de
uma frente variada de atuação, Antonio Candido promoveu um esforço de projeção de
sua concepção de universidade como ruptura com as relações de compadrio. Esse
projeto universitário envolve: 1 – o desenvolvimento de um método de análise centrado
na obra e desenvolvido como base para suas aulas, resultando inclusive na publicação
de “Na sala de aula”; 2 – a atuação em Assis no sentido de estabelecer horário de
estudos, projetos de pesquisa, bem como o esforço para a garantia de estrutura física e
material para o desenvolvimento dos mesmos; 3 – O esforço em levar para Assis e
planejar o II Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária e 4 – O trabalho de
orientador responsável pelos primeiros projetos do curso de letras a serem contemplados
pela FAPESP.
Dessa forma, a atuação de Antonio Candido não só o ajudou a promove-lo
crítico literário reconhecido como também foi fundamental para que o projeto das
oligarquias paulistas de 1934 de universidade como motor do desenvolvimento pudesse
se autonomizar no sentido de não depender mais das missões francesas.
Desta feita, podemos enxergar Candido como um dos agentes promotores deste
projeto de desenvolvimento social que era a USP, universidade sentida temporalmente
como forma de diminuir a diferença de progresso entre o Brasil e os grandes centros
produtores de conhecimento do mundo. Como conclusão, reforçamos que esse campo
de experiência do qual Candido partilha e dele se vale para empreender seu projeto
intelectual não é verificável apenas nas movimentações institucionais, mas na própria
análise que ele faz. É o caso, por exemplo, do capítulo de formação da literatura
brasileira dedicado aos neoclássicos brasileiros que tematizaram a reforma da
universidade de Coimbra. Como também podemos colocar nesse patamar, o estudo de
Candido sobre Nicolau Tolentino, figura política interessante que se vale do cargo para,
em pleno império de D. Pedro II, instituir o concurso público como critério de seleção e
não mais as indiações resultantes das relações de compadrio.