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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL II

Exame 2018/19

a) Distinga negócio jurídico de simples ato jurídico e dê exemplos de um e de


outro.
A distinção entre negócios jurídicos e simples atos jurídicos assenta no critério da relação
que intercede entre a vontade ou volição das partes dirigida a um resultado e os efeitos
jurídicos produzidos.

Os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou
mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos
concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objetivamente (de fora)
apercebido. Nos negócios jurídicos, o comportamento de cada parte aparece exteriormente
como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos, sob a tutela do
ordenamento jurídico, e os efeitos determinados pela lei são os correspondentes aos
resultados cuja intenção foi manifestada. Os efeitos dos negócios produzem-se ex voluntae e
não apenas ex lege.

Os simples atos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não
tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância
entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os efeitos dos simples atos jurídicos, ou atos
jurídicos stricto sensu, produzem-se ex lege e não ex voluntae.

Poderão ser exemplos de negócios jurídicos, a compra e venda; a doação; etc. Já de um


simples ato jurídico temos como exemplo a liquidação de um imposto; uma sentença; a
emissão de uma certidão; etc.

b) Defina declaração negocial e justifique com base na lei essa noção.


O Código Civil regula a declaração negocial nos artigos 217.°e seguintes. Trata-se de um
verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do
negócio.

A declaração de vontade negocial é o comportamento que, exteriormente observado, cria


a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando a
vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam
juridicamente tutelados e vinculantes.

O comportamento externo, em que se traduz a declaração, manifesta normalmente uma


vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele
comportamento. A declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade
psicológica do declarante.

NOTA: O CC não toma partido, diretamente, numa questão dogmática; mas é manifesto o
intuito do legislador de se não comprometer, sequer ao nível terminológico, com as conceções
voluntaristas, pois não emprega a expressão «declaração de vontade», falando antes em
«declaração negocial».
c) Defina vontade hipotética ou conjetural das partes e diga em que contextos
recorre a lei a esse critério.
A vontade hipotética ou conjetural das partes constitui uma das três fases da integração,
consistindo na posição/ decisão que teriam tomado as mesmas se tivessem previsto o caso
omisso. Por exemplo, na falta de disposição supletiva que possa aplicar-se, o artigo 239º
remete para esta mesma definição da vontade das partes- “… a que elas teriam tido se
houvessem previsto o ponto omisso”.

O juiz deverá afastar-se da vontade hipotética ou conjetural das partes quando a solução,
que estas teriam estipulado, contrarie os ditames da boa fé; neste caso, deve a declaração ser
integrada de acordo com as referidas exigências da boa fé, isto é, de acordo com o que
corresponda à justiça contratual.

Exame de Recurso 2018/19

a) Defina património autónomo ou separado e exemplifique.


Fala-se de património para designar o património global. Tem-se em vista o conjunto de
relações jurídicas ativas e passivas (direitos e obrigações) avaliáveis em dinheiro de que uma
pessoa é titular.

Na esfera jurídica de uma pessoa existe normalmente apenas um património. Em certos


casos, porém, pode concluir-se existir na titularidade do mesmo sujeito, além do seu
património geral, um conjunto de relações patrimoniais submetido a um tratamento jurídico
particular, tal como se fosse de pessoa diversa – estamos então perante um património
autónomo ou separado

Para responder à questão qual o tratamento jurídico particular que conduz à afirmação da
existência de um ou vários patrimónios separados ao lado do património geral do sujeito
admitem-se diversos critérios.

O critério preferível é, em coerência com a principal função jurídica do património, o da


responsabilidade por dívidas.

Se o património tem como função principal responder pelas dívidas do seu titular, então
parece que o critério mais adequado para caracterizar a separação de patrimónios deve ser o
da existência de um tratamento jurídico particular em matérias de responsabilidade por
dívidas.

Património autónomo ou separado será o que «responde por dívidas próprias», isto é, só
responde e responde só ele por certas dívidas. Para se falar de autonomia patrimonial ou
separação de património é necessário que um certo património responda apenas por certas
dívidas do seu titular, não respondendo pelas outras, e que por aquelas dívidas só o
património autónomo responda, não podendo elas afetar o património geral do seu titular.
As dívidas pelas quais só o património responde, sem responder por quaisquer outras, são
as dívidas relacionadas com a função específica, com a finalidade ou afetação especial desse
património.

Por exemplo, o caso mais nítido e claro de património autónomo no direito privado
português era, até 1986, a herança. A herança é o conjunto das relações jurídicas patrimoniais
que, por força da morte de um indivíduo, passam da titularidade deste para os herdeiros e
legatários.

Outro exemplo de um caso em que o legislador se referiu a um «património separado ou


autónomo» é o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (E.I.R.L.). Este pode
ser constituído por qualquer pessoa singular que pretenda exercer uma atividade comercial,
afetando para o efeito ao estabelecimento uma parte do seu património, cujo valor representa
o capital inicial do estabelecimento.

b) Distinga a aquisição originária da aquisição derivada e dê exemplos.


Um direito é adquirido por uma pessoa quando esta se torna titular dele. Aquisição de
direitos é a ligação de um direito a uma pessoa.

Os dois tipos fundamentais de aquisição de direitos são a aquisição originária e a


aquisição derivada.

Na aquisição originária o direito adquirido não depende da existência ou da extensão de


um direito anterior, que poderá até não existir.

Na aquisição derivada, o direito adquirido funda-se ou filia-se na existência de um direito


na titularidade de outra pessoa.

São casos de aquisição originária a ocupação de coisas móveis (arts. 1318.° e segs.), a
usucapião (art. 1287.° e segs.), etc.

São casos de aquisição derivada a aquisição do direito de propriedade, ou de outro direito


real, por força de um contrato, a aquisição de um crédito ou de uma relação contratual por
cessão, aquisição de direitos por sucessão mortis causa.

O direito adquirido, na aquisição derivada depende na sua existência, extensão e natureza


do direito pré-existente.

Dentro da aquisição derivada pode ainda distinguir-se entre aquisição derivada translativa,
aquisição derivada constitutiva e aquisição derivada restitutiva.

c) Explique qual é a posição consagrada entre nós sobre a interpretação do


negócio jurídico.
A teoria da interpretação dos negócios jurídicos tem dado lugar à formulação de
conceções opostas.

Existem posições subjetivistas e posições objetivistas.


Para as posições subjetivistas o intérprete deve buscar, através de todos os meios
adequados, a vontade real do declarante. O negócio valerá com o sentido subjetivo, isto é,
como foi querido pelo autor da declaração.

Para as posições objetivistas o intérprete não vai pesquisar a vontade efetiva do


declarante, mas um sentido exteriorizado ou cognoscível através de certos elementos
objetivos. É uma interpretação normativa e não uma interpretação psicológica.

De entre as doutrinas objetivistas, merece referência a chamada teoria da impressão do


destinatário; a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na
posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas
condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele
conheceu efetivamente, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como teria
feito um declaratário razoável.

Esta teoria é a posição adotada pela nossa doutrina. É a mais justa por ser a que dá tutela
plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração. É também a
posição mais conveniente, por ser largamente mais favorável à facilidade, à rapidez e à
segurança da vida jurídico-negocial.

O Código Civil define o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação nos termos
daquela posição objetivista: «a declaração vale com o sentido que um declaratário normal,
colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art.
236.°, nº1).

Exame Época Especial Setembro 2018/19

1) Defina terceiros para efeitos de registo.

Os terceiros para efeitos do registo predial, são as pessoas que adquiram do mesmo autor
ou transmitente direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio e
justificava essa definição de uma forma convincente: trata-se da ideia de que o registo, dada a
forma como está organizado, não pretende assegurar a existência efetiva do direito da pessoa
a favor de quem está registado o bem, mas só que a ter ele existido ainda se conserva. O
registo não dá direitos, apenas os conserva (nº 4 do artigo 5º do Código do Registo Predial).

2) Defina negócio jurídico e distinga-o do simples «gentlemen’s agreement».

Os negócios jurídicos são atos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de
vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob
tutela do direito, determinando o ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.

A falta de vontade de efeitos jurídicos distingue os negócios jurídicos dos chamados meros
acordos ou agreements, ou ainda «gentlemen’s agreements» («acordos de cavalheiros»).

Estas convenções são combinações sobre matéria que é normalmente objeto de negócios
jurídicos, mas que, excecionalmente, estão desprovidas de intenção de efeitos jurídicos.
Pode surgir a dúvida sobre se numa dada hipótese existe um negócio de pura
obsequiosidade ou um negócio jurídico – ou antes sobre se existe um mero gentlemen’s
agreement ou um negócio jurídico.

Se a dúvida for do primeiro tipo, é a parte interessada em demonstrar a existência só


negócio jurídico que tem o ónus da prova respetivo. Se a dúvida for do segundo tipo, é a parte
interessada em demonstrar a inexistência da intenção negocial que tem o ónus probandi.

3) Distinga a simulação absoluta da simulação relativa .

O conceito de negócio simulado está explicitamente formulado no nº 1 do artigo 240.°.

Uma das distinções da simulação é entre a simulação absoluta e a simulação relativa.

Na simulação absoluta – é o caso da venda fantástica ou da doação simulada com fins de


ostentação – as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem
nenhum negócio jurídico. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, mais nada.

Na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade


querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio
simulado, ou aparente, fictício ou ostensivo, há um negócio dissimulado, ou real, latente ou
oculto.

Enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação absoluta não se põe mais nenhum
problema, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado
ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.

Exame Época Especial Março 2018/19

a) Caraterize o património coletivo.


A figura do património coletivo apresenta-se-nos quando um único património tem vários
sujeitos. Duas ou mais pessoas, que possuem – cada uma – o seu património que lhes pertence
globalmente.

O património coletivo pertence em bloco, globalmente, ao conjunto de pessoas


correspondente. Individualmente nenhum dos sujeitos tem direito a qualquer quota ou fração;
o direito sobre a massa patrimonial em causa cabe ao grupo no seu conjunto.

O património coletivo é determinado por uma causa ou escopo. Relativamente à


prossecução desse escopo pode gerar-se um passivo, um conjunto de dívidas. Por essas
dívidas, de que são sujeitos passivos os membros do grupo titular do património coletivo, estes
respondem com os bens coletivos e, esgotados estes, solidariamente com os seus bens
pessoais.

b) Distinga negócio jurídico unilateral de contrato unilateral.


Nos negócios unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas
paralelas, formando um só grupo. Só há um autor da declaração, só há um lado, uma só parte.
É o caso do testamento.
Nos contratos ou negócios bilaterais há duas ou mais declarações de vontade, de
conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir um
resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte. Há assim a oferta ou
proposta e a aceitação, que se conciliam num consenso. É o caso da compra e venda.

Acerca dos negócios unilaterais:

a) É desnecessária a anuência do adversário; a eficácia do negócio unilateral não carece da


concordância de outrem;

b) Vigora, quanto aos negócios unilaterais, o princípio da tipicidade ou do numerus


clausus;

c) Uma importante distinção neste domínio é a que se deve estabelecer entre negócios
unilaterais receptícios e negócios unilaterais não receptícios; nos receptícios, a declaração só é
eficaz, se for e quando for dirigida e levada ao conhecimento de certa pessoa, enquanto nos
não receptícios basta a emissão da declaração, sem ser necessário comunicá-la a quem quer
que seja.

Alguns exemplos de negócios unilaterais são o testamento, a renúncia a certos direitos,


mas não a remissão dos créditos.

Acerca dos contratos. Os contratos unilaterais geram obrigações apenas para uma das
partes (p. ex., a doação e o mútuo). Os contratos bilaterais ou sinalagmáticos geram
obrigações para ambas as partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou
correspectividade (p. ex., a compra e venda, a locação, etc.).

Os autores referem também a categoria dos contratos bilaterais imperfeitos. Nestes há


inicialmente apenas obrigações para uma das partes, surgindo eventualmente mais tarde
obrigações para a outra parte, em virtude do cumprimento das primeiras e em dados termos
(p. ex., o mandato, o deposito, etc.).

Exame de Recurso 2017/18

a) Tendo em conta a doutrina do negócio jurídico, diga em que contextos se


depara com o conceito de “base do negócio” e quais as respetivas definições.

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