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ex-colaborador
um leitorado de também a literatura de (e por) um novo
leitor" é
literatura "contra o provocação de Lindon e de Bernhard.
da
essa a beleza radical (a ponto de se tornar inconcebível)
civilizatório se perde
Esse projeto pelo gosto. E aí não resta
espaço para alargar
literatura é sequestrada que já é a
para além daquilo
compreensão do mundo apreciadoe
cia e a
novidade passa a ser uma palavra vazia, no máximo um
cido. A escreve "contra o leitor" é imediatamente
hoje que se
pretensão. Dizer de quem diz. É uma heresia e
e à presunção um parad
à suposta arrogância de ser considerado uma
contfildiçâo em termos, além ofensa.por
uma mandam as regras do bom comércio, o cliente
um cliente e, como
leitor é do academicismo, da aplicação
É o tempo das normas
em primeiro lugar. ed
convenções,do pensamentopequeno e da visão curta. É o tempo desenten
chato ou bem construído, bem ou mal escrito
ciar que tal romance é
personagenssão psicologicamente críveis, de carne e osso ou não. que
"AquiloOs
falou sobre o editor francês era piada, não era?", o escritor colombiano
você
"Não",eu respondi.
perguntou quando saímos do debate.
ANGELO VENOSA: Sou paulista, nascido na capital em 1954,filho de
pós-guerra. O ofício do meu pai
italianos que vieram para o Brasil no era
a
marcenaria, minha mãe, por sua vez, costurava.
Esse era o ambiente em que nasci; fazer coisas, transformar a matéria
alguma coisa. Em São Paulo cursei o Ginásio Vocacional,6uma escolapública
experimental, onde tive como professores Evandro Carlos Jardim7e Maciej

6 0 Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, escola pública experimental, experiência pedagógica


plar do Sistema de Ensino Vocacional, foi criado por Maria Nilde Mascellani no estadodeSão
em 1961, durando em seu formato original até 1969, quando foi interrompido pelo governomilitar.
Disponível em: <http://www.pucsp.br/cedic/memoria_educacao/root/historia.html>.

7 EvandroCarlos Frascá PoyaresJardim (1935), gravador, desenhista, pintor. Em 1953,ingressa


na
Escola de Belas-Artes de São Paulo, onde estuda pintura com Theodoro Braga (1872-1953),Antônio
Paim Vieira (1895—1988)e Joaquim da Rocha Ferreira (1900—1965), além de modelagem eescul-
tura com Vicente Larocca (1892—1964). Entre 1956 e 1957, estuda gravura em metalcomFrancesc
DomingoSegura (1893-1974). Especializa-se em gravura em metal, na técnica da água-forte.
Paralelamente à carreira artística, desenvolve intensa atividade docente em várias instituições,
como

110 HOJE
CULTURA BRASILEIRA
Babinski.sMinhas memórias do colégio me levam a crer que passei grande parte
do tempo enfurnado na sala de artes plásticas.
No final do segundo grau, frequentei por alguns meses a Escola BrasilRcriada
pelos artistas Baravelli, José Resende, Carlos Fajardo e Frederico Nasser; Isso foi
às vésperasda minha vinda para o Rio. Mas só me assumi como artista quando
me mudei para o Rio de Janeiro, em 1974.Aqui cursei a Esdi (Escola Superior de
Desenho Industrial), onde conheci minha mulher, tive filhos e me estabeleci.
N.áosei precisar exatamente quando tudo começou; porque parece que há um
momento em que as coisas engrenam, a inércia é rompida e se começa a trabalhar.
Em 1981,frequentei por alguns meses a Escola de Artes do Parque Lage. Embora
tenha sido uma passagem muito rápida, foi lá que conheci os artistas10com quem
tive meu primeiro ateliê, em 1983,numa vila na Rua São Clemente, em Botafogo.

a Escola de Belas-Artes, a FundaçãoArmandoÁlvares Penteado(Faap) e a Escola de Comunicações


e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Durante o regime militar, promove leilões de obras
suas para ajudar os familiares de presos políticos e colabora com o movimento pela anistia política.
Em sua produção gráfica, enfoca constantemente o cenário urbano de São Paulo. 0 artista, que revela
extremocuidado técnico na execução de suas obras, reelabora constantemente certas imagens, como
a do Pico do Jaraguá, além de representações de pássaros, frutos, janelas ou de um cavalo morto.

8 Maciej Antoni Babinski (1931), gravador, ilustrador, pintor, desenhista, professor. Em 1940, migra com
a família da Polônia para a Inglaterra, por causa da Segunda GuerraMundial (1939—1945). Inicia sua
formação artística, tendo aulas de aquarela com o padre Raphael Williams, que o introduz na técnica da
pintura ao ar livre. Em 1949, fixa-se com a família em Montreal,Canadá, onde estuda pintura com John
GoodwinLyman, na McGill University.Além disso, tem aulas de gravura com Eldon Grier e faz cursos de
desenho e pintura com Goodridge Roberts, na Art Association {f Montreal.No ateliê de Roberts, pinta paisa-
gens, interiores e naturezas-mortas. Paralelamente, aproxima-se do grupo de vanguarda Les Automatistes,
reunido em torno de Paul-Émile Borduas, e expõecom eles, em 1952, no Musée des Beaux-Arts de Montréal.
Ainda na fase canadense, realiza sua primeira individual, em 1953. Nesse mesmo ano, muda-se para o
Brasil, e permanece no Rio de Janeiro até 1965. No períodocarioca entra em contato com Oswaldo Goeldi,
Augusto Rodrigues e Darel e participa de diversos salões e mostras coletivas. Realiza, em 1961, 24 águas-
-fortes para o livro Cadernos de João, de Aníbal Machado,editado pela Sociedade dos Cem Bibliófilos do
Brasil. A galeria Selearte, em São Paulo, e a Petite Galerie, no Rio de Janeiro, abrigam suas primeiras indi-
viduais no Brasil, em 1962 e 1964, respectivamente. Em 1965 é convidado a lecionar no Instituto Central de
Artes da Universidade de Brasília —ICA/UnB, do qual se afasta um ano depois em virtude de perseguições
políticas. Após viver oito anos em São Paulo, de 1966 a 1974, muda-se para Minas Gerais, primeiro para
Araguari e depois para Uberlândia, e vai lecionar na Universidade Federal de Uberlândia — UFO, onde fica
de 1979 até 1987. Com a anistia política, é reintegradoà UnB em 1988, e lá permaneceaté se aposentar,
em 1991, quando passa a residir em Várzea Alegre, interiordo Ceará. Em 2004, é realizada a retrospectiva
"Babinski: 50 anos de Brasil", no ConjuntoCultural da Caixa, em Brasília.

9 A Escola Brasil, fundada por quatro artistas paulistas, Luiz Paulo Baravelli, Frederico Nasser, Carlos
Fajardo e José Resende, antes alunos de Wesley Duke Lee, existiu em São Paulo entre 1970 e 1974.

10 Daniel Senise, João Magalhães e Luiz Pizarro.

ANGELO VENOSA/BERNARDO CARVALHO 111


1985. Foto: Isla Jay
Rio de Janeiro,
Ateliê do artista na Lapa,

CULTURA

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Escultura em execução no ateliê do artista na Lapa, Rio de Janeiro, 1987. Foto: Angelo Venosa

Comecei como pintor, mas a pintura me levou à escultura. No meu primeiro


trabalho tridimensional, havia uma silhueta que definia a forma daquele objeto
e que correspondia ao rasgo que eu havia feito numa tela. Há nessa peça umas
pinceladas, um colorido, que dão a impressão de uma tela estufada. Era uma
escultura que fazia uso de um tratamento de superfície próprio da pintura.
Na segunda metade da década de 1980,meus trabalhos se tornaram cada
vez mais densos e orgânicos. Eram construídos a partir de uma estrutura de
madeira (processo derivado daquele primeiro trabalho), que muitas vezes eu
cortava, girava, alterando radicalmente a forma à medida que os concebia.

ANGELO VENOSA/ BERNARDO CARVALHO 113


estruturas eram revestidas com tecido, gesso e tinta,
Essas
e opaca. O procedimento era semelhante ao da pintura.
densa tudo a cada pincelada. Embora eu sempre Destrói
-se, reorganiza-se
partisse
negras, que foram expostas na 19aBienal de
grandes esculturas Sãop
hora em que estou mergulhado elaborando determinado
Na eu me preocupo em saber se ele vai
uma peça,
compor
desse elemento com os outros o que ou não
a relação interna é isso que vai me dizer se ele eu visualizo
e funciona ou não.
estou trabalhando,

de vidro, 121 x 450 x 143 cm. Museu de Arte Contemporânea


Angelo Venosa. Sem título, 1987. Madeira e fibra daUniversidade
de São Paulo. Foto: Daniel Venosa

No começo da década de 1990, comecei a utilizar, explicitamente,elemen_


tos orgânicos, como dentes de boi, costelas, vértebras e crâniosde animais.
Amalgamando esses elementos, cera de abelha, parafina e chumboeram
empregados. Eram construções geométricas com conteúdos orgânicosoucom
a representação deles, como dentes de chumbo ou vértebras de cera.Umsin-
cretismo do orgânico com o geométrico. Alguns desses trabalhos forammos-
trados na 45a Bienal de Veneza.ll

II 45a Bienal de Veneza, 1993. Essa edição da Bienal com curadoria de Achille BonitoOliva,incluiuapar•
ticipação de 45 países. 0 prêmio de melhor participação nacional coube à Alemanha:o pisodopavilhão

HOJE
114 CULTURA BRASILEIRA
Angelo Venosa. Sem título, 1994. Osso de boi e bronze fundido, 47 x 42 x 20 cm. Coleção Mara Fainziliber. Foto: Sergio Araujo

AngeloVenosa. Sem título, 1992. Chumbo e cera, 21 x 24 x 3 cm. Coleção particular.Foto: Sergio Zalis

foi quebradopelo artista Hans Haacke, forçando o visitante a caminhar sobre os "restos de uma nação".
0 pavilhão brasileiro levou os artistas Angelo Venosa, Carlos Fajardo e Emmanuel Nassar.

ANGELO VENOSA/BERNARDO CARVALHO 115


Zalis
Venosa. Foto: Sergio
Ateliê de Angelo

HOJE
BRASILEIRA
CULTURA
116
AngeloVenosa. Sem título, 1994. Dentes de boi e parafina,65 x 40 x 40 cm. Coleção particular.Foto: Sergio Zalis

ANGELO VENOSA/ BERNARDO CARVALHO 117


Angelo Venosa. Sem título, 1994. Cera e dentes. 64 x 6 cm. Coleç¿o particular. Foto: Angelo Venosa

118
CULTURA BRASILEIRA
HOJE
partir de um crânio e um fêmur humanos, iniciei um processo de desmon-
tar e remontar esses corpos por meio de camadas. Inicialmente por meio de
tomografiaS e transformação das imagens tomográficas em desenhos lineares.
O desenho, nesse período, pode ser interpretado como um elo crucial, presente
as fases de produção dos 'trabalhos€
em todas
Idealmente, era como se eu quisesse quc esses vários desenhos, ordenados em
camadas,flutuassem no ar, criassem a perccpçâo de um corpo a um só tempo
concreto e ilusório, Mas como isso não seria possível, comecei a usar placas de
vidro como suporte para essas camadas.No trabalho feito a partir do crânio
pode ser vista a sua reconstrução com fios de arame colados nas placas de vidro
breu.
com gotas de
Em meados de 1990,um CD do The VisibleHuman Project12chegou às minhas
mãos. Fiquei fascinado por essas imagens e, tal qual um anatomista maluco, me
debruceisobre elas, gerando novos contornos, deformações e superposições que
resultaram em formas totalmente diversas do corpo de onde se originavam.

AngeloVenosa. Sem título, 1998. Aço Corten, 130 x 100 x 0,2 cm. Coleção particular. Foto: Angelo Venosa

12 The Visible Human Project tem por finalidade criar um conjunto detalhado de dados de fotografias de
cortes transversais do corpo humano, a fim de facilitar aplicações de visualização de anatomia. 0
projetofoi realizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA (NLM).

ANGELO VENOSA [BERNARDO CARVALHO 119


arame de ferro e breu, 35 x 44 x 23 cm. Coleçao Gilberto
Venosa.sem título,1997. Mármore,vidro,
Angelo
Sergio Araujo
comodato MAM-RJ. Foto:

Angelo Venosa.Sem título,1994. Aço Corten,45 x 150 x 60 cm. Coleção Banco Itaú. Foto: Sergio Guerini

120 CULTURA BRASILEIRA HOJE


Angelo Venosa. Sem título, 1997. Vidro e sal, 140 x 60 x 120
cm. Coleçao particular.Foto: Sergio Araujo

AngeloVenosa. Sem título,2002. Vidro, 59 x 57 x 9 cm (cada). Coleção do artista. Foto: Angelo Venosa

ANGELO VENOSA/ BERNARDO CARVALHO 121


Na sequência, deixei de usar o vidro como suporte para
sustentar
desenho ou a mancha, e ele passou, então, a ser usado a linh
como matéria
a
que o projeto. Utilizava um diamante para cortar as placas ser mais
de forte¿
camadas que iam sendo sobrepostas, produzindo corpos sólid vidro,
foi para mim uma espécie de caneta. os. O criand
diathatiie
O vidro tem urna característica fascinante. Trata-se de um material
líquido nem sólido. Há cientistas que consideram o vidro um
material lí
de alta viscosidade e outros que o classificam como um sólido
Sólidos cristalinos são aquelesamorfo
Vidro
apresentam um padrão de simetria em sua composição molecular. materiais
D. que
exemplo, que, se formos medir a espessura do vitral de uma catedral
será possível constatar que a parte de baixo é mais espessa,-porque
0
Com o domínio do vidro, eu queria escapar do desenho e da no ção
de
Mas acho que 0 desenho ainda prevaleceu por algum tempo; eu queriadesenh
dessas linhas que são planos e que dão uma construção escapar
ilusória de
Eu não tinha a menor ideia de quanto tempo iria volume
continuar trabalhando
esse material. Tive que imaginar um método construtivo diferente
daquele
vinha adotando. Começava, digamos, pelo miolo da peça, usando
urnadas
camadas como uma espécie de semente de onde o resto do corpo
E, à medida que ia cortando, ia decidindo o desenho do plano seguinte,derivava
projeto prévio e sem um final predeterminado. sem
Eu diria que meu trabalho pulsa em duas direções: por um lado, ele é
extrema
mente racional, possui uma organização de decupagem, de entendimento._
por outro, ele é absolutamente desordenado. É como se houvesse uma
E
vibra_
ção entre esses dois campos, ordem edesordem, que, em tese, são opostos;
e
mesmo que não o fossem, dificilmente andariam juntos.
Acho que a obra de um artista é o resultado de um processo lento, que só vai
ter
alguma densidade depois de certo tempo. É um pouco como se fossepossível
encontrar um tipo de inteligência específica. É como se se identificassequeo
trabalho só pode ser isso, que ele veio de tal lugar e que obedece a certos fluxos.
Acho também que não se tem muito controle ao longo de uma obra, de uma
carreira. E o artista, a meu ver, se atira nessa aventura porque ela alimentaseu
espírito. Para mim, existem padrões; há uma espécie de gramática internaque,
vira e mexe, se faz presente e vai coagulando o trabalho, tornando o artista mais
ou menos potente, mais ou menos feliz, no sentido do resultado a que se chega.

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