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CANTIGAS DE SANTA MARIA – AFONSO X (O


Sábio) E o que quero é dizer loor
da Virgem, madre de Nostro Senhor,
[Cantiga de introdução; de mestria]. Santa Maria, que ést’ a melhor
cousa que El fez; e por aquest’ eu
Dom Afonso, de Castela, quero seer hoimais seu trobador,
de Toledo, de Leom e rogo-lhe que me queira por seu
rei, e bem des Compostela
tá o reino d’ Aragom, trobador e que queira meu trobar
receber, ca per el quer’ eu mostrar
de Córdova, de Jaém, dos miragres que ela fez; e ar
de Sevilha outrossi, querrei-me leixar de trobar des i
de Murça (u gram bem por outra dona, e cuid’ a cobrar
lhe fez Deus, com’ aprendi), per esta quant’ enas outras perdi.

do Algarve, que gãou Ca o amor desta senhor é tal


de mouros, e nossa fé que que-no há, sempre per i mais val,
meteu i, e ar pobrou poi-lo gaanhad’ há, nom lhe fal,
Badalhouz (que reino é senom se é per sa grand’ ocajom,
querendo leixar bem e fazer mal
muit’ antig’), e que tolheu (ca per esto o perd’, e per al nom).
a mouros Nevl’ e Xerez,
Beger, Medina prendeu Porém dela nom me quer’ eu partir,
e Alcalá doutra vez, ca sei de pram que, se a bem servir,
que nom poderei em seu bem falir
e que «dos romãos rei» de o haver, ca nunca i faliu
é per dereit’, e senhor, quem lho soube com mercee pedir,
este livro, com’ achei, ca tal rogo sempr’ ela bem oiu.
fez a honr’ e a loor
Onde lhe rogo, se ela quiser,
da Virgem Santa Maria, que lhe praza do que dela disser
que éste madre de Deus, em meus cantares, e, se lh’ aprouguer,
em que ele muito fia. que me dé galardom com’ ela dá
Porém, dos miragres seus aos que ama; e que-no souber,
42 por ela mais de grado trobará.
fezo cantares e sões
saborosos de cantar, Aqui se acaba o prólogo das «Cantigas de Santa
todos de senhas razões, Maria».
com’ i podedes achar.
Esta é de como o crerizom meteu o anel eno dedo da
[Cantiga prólogo; de mestria]. omagem de Santa Maria, e a omagem
encolheu o dedo com el.
Este é o prólogo das «Cantigas de Santa Maria»,
ementando as cousas que há mester eno Refrão: A Virgem mui groriosa,
trobar. reinha espirital,
Porque trobar é cousa em que jaz dos que ama é ceosa,
entendimento, porém que-no faz ca nom quer que façam mal.
há-o d’ haver, e de razom assaz,
per que entenda e sábia dizer Dest’ um miragre fremoso | (ond’ haveredes sabor)
o que entend’ e de dizer lhe praz, vos direi, que fez a Virgem, | madre de Nostro Senhor,
ca bem trobar assi s’ há de fazer per que tirou de gram falha | a um mui fals’ amador,
que amiúde cambiava | seus amores dum em al.
E, macar eu estas duas nom hei
com’ eu querria, pero provarei R1 9-12 [Refrão = vv. 1-4]
a mostrar ende um pouco que sei,
confiand’ em Deus, ond’ o saber vem; Foi em terra d’ Alemanha | que queriam renovar
ca per Ele tenho que poderei ũas gentes sa eigreja, | e porém foram tirar
mostrar, do que quero, algũa rem. a majestad’ ende fora, | que estava no altar,
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e posero-na na porta | da praça, so o portal. assi lho desfez da mente | como desfaz água sal.

R2 17-20 [Refrão = vv. 1-4] R10 81-84 [Refrão = vv. 1-4]

Em aquela praç’ havia | um prado mui verd’ assaz, E da Virgem groriosa | nunca depois se nembrou,
em que as gentes da terra | iam tẽer seu solaz mas da amiga primeira | outra vez se namorou,
e jogavam a pelota, | que é jogo de que praz e per prazer dos parentes | logo com ela casou,
muit’ a homẽes mancebos | mais que outro jog’ atal. e sabor do outro mundo | leixou polo terrẽal.

R3 25-28 [Refrão = vv. 1-4] 89-92 [Refrão = vv. 1-4]

Sobr’ aquest’ ũa vegada | chegou i um gram tropel Poi-las vodas forom feitas | e o dia se saiu,
30 de mancebos por jogarem | a pelot’, e um donzel deitou-s’ o nóvio primeiro | e tam toste s’ adormiu;
andava i namorado, | e tragia seu anel e el, dormindo, em sonhos | a Santa Maria viu,
que sa amiga lhe dera, | que end’ era natural. que o chamou mui sanhuda: | “– Ai meu fals’ e
mentiral!,
R4 33-36 [Refrão = vv. 1-4]
R12 97-100 [Refrão = vv. 1-4]
Este donzel, com gram medo | de xe lh’ o anel torcer
quando feriss’ a pelota, | foi buscar u o põer XIII de mi porque te partiste | e fuste filhar molher?:
podess’; e viu a omage | tam fremosa parecer, 102 mal te nembrou a sortelha | que me dést’; ond’ há
e foi-lho meter no dedo, | dizend’: “– Hoimais nom m’ mester
enchal que a leixes e te vaas | comigo a comoquer,
104 se nom, daqui adeante | haverás coita mortal”.
R5 41-44 [Refrão = vv. 1-4]
R13 105-108 [Refrão = vv. 1-4]
daquela que eu amava, | ca eu be-no jur’ a Deus
que nunca tam bela cousa | virom estes olhos meus; Logo s’ espertou o nóvio, | mas pero nom se quis ir;
porém daqui adeante | serei eu dos servos teus, e a Virgem groriosa | fez-lo outra vez dormir,
e est’ anel tam fremoso | ti dou porend’ em sinal”. que viu jazer ontr’ a nóvia | e si pera os partir,
chamand’ a el mui sanhuda: | “– Mao, falso, desleal,
R6 49-52 [Refrão = vv. 1-4]
R14 113-116 [Refrão = vv. 1-4]
E, os gẽolhos ficados | ant’ ela com devoçom,
dizendo avemaria, | prometeu-lhe log’ entom vês?: e por que me leixaste | e sol vergonha nom hás?;
que des ali adelante | nunca no seu coraçom mas se tu meu amor queres, | daqui te levantarás,
outra molher bem quisesse | e que lhe fosse leal. e vai-te comigo logo, | que nom esperes a crás;
erge-te daqui correndo | e sal desta casa, sal!”
R7 57-60 [Refrão = vv. 1-4]
R15 121-124 [Refrão = vv. 1-4]
Pois feit’ houve sa promessa, | o donzel logo s’ ergeu,
e a omagem o dedo | co-no anel encolheu; Entom s’ espertou o nóvio, | e desto tal medo prês
e el, quando viu aquesto, | tam gram pavor lhe creceu que s’ ergeu e foi sa via, | que nom chamou dous nem
que diss’ a mui grandes vozes: | “– Ai Santa Maria, três
val!” homẽes que com el fossem; | e per montes mais dum
mês
R8 65-68 [Refrão = vv. 1-4] andou, e em ũ’ ermida | se meteu cab’ um pinhal,

As gentes, quand’ est’ oírom, | correndo chegarom i R16 129-132 [Refrão = vv. 1-4]
u o donzel braadava, | e el contou-lhes des i
como vos já dit’ havemos; | e conselharom-lh’ assi: u pois em toda sa vida, | per com’ eu escrit’ achei,
que ordem logo filhasse | de monges de Claraval. serviu a Santa Maria, | madre do muit’ alto rei,
que o levou pois consigo | per com’ eu creo e sei,
R9 73-76 [Refrão = vv. 1-4] deste mund’ a paraíso, | o reino celestial.

Que o fezesse cuidarom | logo todos dessa vez; A Virgem mui groriosa,
mas, per conselho do demo, | ele doutra guisa fez, reinha espirital,
que o que el prometera | aa Virgem de gram prez, dos que ama é ceosa,
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ca nom quer que façam mal.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇOM GALEGA DA LÍNGUA. Disponível em: https://a.gal/. Acesso em 04 mai de 2019.

CASTRO, Bernardo Monteiro de. As cantigas de Santa Maria: um estilo gótico na lírica ibérica medieval. Rio de
Janeiro: EdUFF, 2006.

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