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Ética e Deontologia Profissional em Educação Física e Desporto, 1º Ano, 2020-

2021. II SEM. Sobre Ética, Meta-ética, Moral, Axiologia, Direito e “Deontologia Profissional.

1. A ética (do grego ethos, i.e, morada, hábitos, habitação) tal como a moral (do latim mores, costumes, conjunto
de normas ou regras adqueridas pelo hábito) tem a ver com os usos, com os costumes (...) No entanto, a filosofia
moderna procurou diferenciá-las (...). A ética define-se por uma exigência de sistematização, por uma abordagem
crítica. Conduz a uma interrogação sobre os fundamentos, que divide com a investigação metafísica. Na sua
acepção corrente evoca uma concepção coerente e pessoal da vida, enquanto a moral designa o conjunto das
regras (normas comuns e convencionais) de comportamento geralmente admitidas por uma sociedade
historicamente dada. (...) A decisão ética passa por um processo interior crítico de fundação e de legitimação das
normas (...) A moral cumpre uma tarefa de regulação, facilitada pela publicidade dada às suas normas, enquanto
a ética cumpre uma função de legitimação ao interrogar essas próprias normas (...) A dificuldade (em distinguir a
ética da moral) ressurge quando o carácter privado da moral é invocado para a distinguir do direito, quando se
argumenta que, ele e só ele, seria válido para a ordem pública. Nem por isso deixa de haver diferenças notórias
entre a lei e a regra moral. O domínio do direito implica controlos e imposições que a moral, como tal, não
organiza sanções que ela não inflinge. Mas, tanto o direito como a moral assentam num fundo de convicções e de
práticas, comum a uma dada sociedade histórica. Este fundo (comum da moral social e das leis) é formalizado,
codificado, estruturado no direito positivo, quer resulte das leis escritas ou dos costumes feitos letra da lei. (...)
Enquanto a moral é prescritiva, a ética é reflexiva, interrogativa, crítica antes de se constituir como normativa. É
o instrumento privilegiado de questionamento do estado (moral) de uma sociedade e da sua ordem jurídica. É
capaz de os pôr em causa, é capaz também de os regenerar. Se o direito é a expressão legal do estado da moral
colectiva de uma sociedade, a questão ética surge... para questionar os valores morais, discuti-los (...) As relações
entre a moral e a ética, entre a moral e o direito permitem situar agora o lugar da deontologia profissional. A
deontologia, de acordo com a sua raíz grega, é uma teoria dos deveres. O termo foi criado por Jeremy Bentham
(1748-1832), o pai do Utilitarismo, para qualificar a sua concepção da moral. É importante precisar, de um
ponto de vista filosófico..., que a deontologia (...) remete para uma abordagem empírica de diversos deveres
relativos a uma situação social ou a uma profissão determinada. Isso indica desde logo o seu carácter
instrumental (i.e, contextual), portanto, os limites da deontologia (...) O facto de a deontologia passar muitas
vezes por uma formulação codificada, sob o aspecto de preceitos ou de artigos, aproxima-a do direito...cujo
aspecto público seria limitado quanto à sua autoridade... a um círculo socioprofissional determinado. (CORNU,
Daniel (1999 [1994]). Jornalismo e Verdade. Por uma Ética da Informação, trad. de Armando P. da Silva. Lisboa: I. Piaget, pp.
36-39).

2. “As normas da sociedade de que estamos falando aqui têm muito a ver com os valores morais. Elas são os
meios pelos quais os valores morais (justiça, verdade, transparência, legalidade, solidariedade, competitividade,
fair play...) de uma sociedade são expressos e adequirem um carácter normativo, i.e, obrigatório (...) Aliás, a
palavra moral vem do latim mos (singular) e mores (plural) que significa costumes. Por isso, muitos utilizam a
expressão “bons costumes” como sinónimo de moral ou moralidade (...) Quando surgem questionamentos acerca
da validade de determinados valores, surge a necessidade de fundamentar teoricamente este valores vividos de
uma forma prática; e para aqueles que não concordam, a de criticá-los. Aqui aparece o conceito de ética, que
vem do grego ethos, modo de ser, carácter (...) Ética é definida como um conjunto de práticas morais de uma
determinada sociedade, ou então os princípios que norteiam estas práticas (...) Ética seria então a reflexão
teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral
(dimensão prática)”. SUNG, J.M. e SILVA, J. C. da (2011). Conversando sobre Ética e Sociedade, Petrópolis, RJ: Vozes, pp.
12-13.

3. (...) há que operar uma distinção entre a ética (do grego ta êthé ou costumes/morada) e a moral (do latim,
mores, hábitos, modos de agir determinados pelo uso). A ética (i.e, filosofia moral sobre o bem-estar ou vida
boa/viver bem) esforça-se por desconstruir as regras de conduta que formam a moral, os juízos do bem e do mal
que se reúnem no seio desta última. A ética é... uma teoria raciocinada sobre o bem e o mal, os valores e os juízos
morais. Em suma, a ética desconstrói as regras de conduta, desfaz suas estruturas e desmonta sua edificação,
para se esforçar em descer até os fund(ament)os ocultos da obrigação. Diversamanete da moral, ela se pretende,

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pois desconstrutora e fundadora, enunciadora dos princípios ou de fundamentos últimos (...) Concerne à teoria e
à fundamentação, às bases mesmas das prescrições ou juízos morais”. (RUSS, Jacqueline (2005 [1999]). Pensamento
Ético Contemporâneo, trad. de Constança M. Cesar. São Paulo: Paulus, pp.7-8).

4. Para que serve a ética ou acerca da questão sobre os propósitos da teoria moral (Ética): “A moralidade
diz-nos o que devemos fazer em uma série específica de circunstâncias, enquanto a teoria moral (às vezes
chamada de “ética”) consiste no estudo da moralidade. Os propósitos da teoria moral são vários. Talvez a tarefa
mais geral, que os próprios teóricos morais estabeleceram, seja a de entender em que consiste a moralidade.
Tratar-se-á de um conjunto de disposições enraizadas nos nossos genes da mesma maneira que os hábitos sociais
dos chimpanzés? Tratar-se-á de um conjunto de convenções que criamos através da história, a fim de estruturar a
nossa vida social? Como as regras da moralidade diferem das regras religiosas (...). Para que serve a
moralidade? O que ela procura atingir? Um segundo propósito da teoria moral é o de estabelecer o que somos
obrigados a fazer, o que somos proibidos de fazer, o que estamos autorizados a fazer e o que seria bom que
fizéssemos mesmo quando não seja obrigatório. Neste sentido, a teoria moral é prescritiva ( ética prescritiva
versus ética descritiva). Ela prescreve-nos quais são os nossos deveres ou o que seria virtuoso fazer.
Uma terceira questão que muitos teóricos morais colocam é por que as nossas normas morais são válidas. Aqui o
seu objetivo não será o de convencer-nos de novas normas, da necessidade de se rever normas antigas ou de
aplicá-las de forma consistente, mas sim de entender por que essas prescrições são normativas. Por que deveres
são obrigatórios ao invés de serem meramente sugestivos? Pode ser prudente evitar tais ações, mas por que é
errado mentir, enganar ou cometer assassinato? Aqui a tarefa da teoria moral não será tanto a de prescrever
quanto a de justificar as nossas normas. (...) Para os pensadores seculares é muitas vezes argumentado que as
normas morais são obrigatórias por estarem baseadas na razão. A mais simples dessas visões sugere que as
regras morais são obrigatórias por conduzirem a maior felicidade para o maior número de seres afetados,
enquanto a mais sofisticada sugere que o próprio poder da razão torna as nossas normas obrigatórias, dado que
somos seres livres e racionais. Quaisquer que sejam as visões metafísicas que os filósofos subscrevam como um
pano de fundo para o seu pensamento moral (se acreditam em Deus ou na liberdade humana, por exemplo), o que
eles estão tentando fazer quando oferecem tais explicações é justificar as normas morais, mostrando em que elas
estão baseadas e quais motivos se podem aduzir para sustentá-los.

A quarta tarefa da teoria moral é a de descrever-nos as nossas vidas morais. Essa tarefa tem sido por vezes
chamada de “psicologia moral (i.e, ética descritiva)”. Trata-se da tarefa de deixar claro como as pessoas
vivenciam estar sob uma obrigação, como de fato tomam decisões morais, pensam sobre questões morais ou em si
mesmas como agentes morais. Embora soe como se este fosse um estudo empírico, os teóricos morais raramente
fazem uso de dados de ciências sociais como a psicologia, a antropologia e a sociologia. Ao contrário, recorrem a
teorias filosóficas sobre em que consiste ser um ente humano: teorias como aquelas que sugerem possuirmos uma
alma racional, ou uma vontade livre, ou uma mente equipada com sentimentos naturais e inclinações
(sentimentos morais). Uma razão pela qual esses estudos são importantes é que seria inútil prescrever normas
demasiado rigorosas para seres humanos falíveis e finitos seguirem (...) Deste e de outros modos, alegações
acerca da nossa psicologia moral são relevantes para conhecermos quais normas são realistas, prescrever aos
seres humanos. Além disso, a justificação das nossas normas morais deve ser sensível ao que somos como seres
humanos (as equipas e os atletas são uma comunidade de pessoas humanas). Por exemplo, se somos mais
influenciados pelas nossas emoções do que o somos pela nossa razão, talvez, então, seja melhor não estabelecer a
razão pura como a base das nossas normas (...) Como vertentes divergentes dentro da teoria moral, a ética do
dever (deontologia) e a ética da virtude (carácter) partilham estas quatro tarefas: (1ª) • compreender a
moralidade; (2ª) • prescrever normas; (3ª) • justificar essas normas; (4ª) • descrever como elas cabem em nossas
vidas”. (HOOFT, Stan van (2013). Ética da Virtude, trad. de Fábio Creder. RJ: Petrópolis, pp. 11-13).

Questões para reflexão e análise: (1) Como diferem e se relacionam a moralidade e a ética (teoria moral)? (2)
Devemos comportarmo-nos moralmente enquanto desportistas e praticantes de educação física? (3). O que se deve
entender por ética desportiva e desporto socialmente responsável? (4) O que se deve entender por ética na
educação física? (5) Bastará cumprir a lei para ser ético? (6) Têm a ética no desporto e educação física, hoje,
alguma relevância? (7) Quais devem ser os valores desportivos fundamentais e como eles se relacionam com o ser

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humano/pessoa humana? (8) Que significados têm os jogos e as suas regras para o homo ludens (jogador) e os
demais stakeholders (grupos de interesses) desportivos? (9) Como devemos viver enquanto desportistas?

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