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EXPOSIÇÃO DA IMAGEM DE PRESOS NA IMPRENSA E DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Francisco Iasley Lopes de Almeida1

RESUMO

Neste trabalho analisaremos o tema relativo à exposição da imagem de presos


pela polícia através dos meios de comunicação frente aos direitos constitucionais da
inviolabilidade da privacidade e imagem das pessoas, da liberdade jornalística e da
segurança pública. Não existe nenhum direito fundamental absoluto, pois diante de uma
situação concreta, sobre a qual incide dois ou mais direitos constitucionais, um não
poderá ter valor supremo provocando, sempre, a derrogada de outro de igual valor. Daí,
demonstraremos que a exibição de presos na imprensa não redunda, necessariamente,
em violação do direito a inviolabilidade da imagem e privacidade, pois em
determinados casos a segurança pública deverá preponderar sobre aquele. Objetiva,
ainda, evidenciar que o Ministério Público não tem a competência para regular a
exposição de presos à imprensa através de uma recomendação impositiva, usurpando de
suas funções institucionais. Ao final, conclui-se que cabe as autoridades policiais
preservarem os direitos constitucionais em colisão, verificando a necessidade da
exibição de presos pelos instrumentos de comunicação com o objetivo primordial de
assegurar a segurança da coletividade, identificando autores de delitos que provocam
desestabilidade social.

Palavras-chave: exibição de presos. Direito a inviolabilidade da privacidade e imagem.


Segurança pública.

11
Delegado de Polícia Civil, Mestrando em educação pela Universidade de Lusófona de
Humanidades e Tecnologias de Portugal. Professor de direito penal da CESREI Faculdade. e-
mail: iasley_cesrei@hotmail.com.
1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo analisar a violação ou não do direito


fundamental a inviolabilidade da imagem, privacidade e honra dos presos que são
expostos pela polícia através dos meios de comunicação.
Nesse estudo, além da incursão nos direitos a vida privada, honra e imagem das
pessoas, ao direito de informação e a liberdade de imprensa, se fará uma análise crítica e
comparativa sobre essas garantias constitucionais, alicerçada na dignidade da pessoa
humana.
Intrinsecamente ligado a exposição da imagem de presos estão os direitos de
informar e ser informado, bem como a segurança pública, no tocante a possibilidade de
se obter, com a aparição do preso nos meios de comunicação, elementos probantes que
contribuam na elucidação de outros crimes, cuja autoria até o momento eram
desconhecidas e incertas.
Desta feita, surge uma colisão de direitos fundamentais, pois diante de uma
mesma situação fática: a exposição da imagem de presos pela imprensa aplicar-se-á
diversos direitos constitucionais, cabendo ao operador do direito definir e decidir qual,
dentre eles, será efetivamente aplicado.
Isto por que o princípio do interesse público não se subjaz, necessariamente, ao
direito a privacidade e imagem das pessoas, nem este àquele, devendo se buscar um
equilíbrio jurídico primando-se pela efetividade da ordem constitucional.
Daí surge a indagação: “até que ponto a exibição da imagem de presos pela
imprensa viola a Constituição Federal?”.
Será que qualquer veiculação da imagem de pessoas presas redundará na
ofensa constitucional? E como fica o direito a liberdade de imprensa e o direito de ser
informado? E mais, a garantia da segurança pública é menos importante do que o
direito à imagem e privacidade?
Fundado nesses questionamentos direcionaremos a confecção do presente
artigo, visando construir um cenário jurídico que norteiem os operadores do direito e o
legislador para a criação de normas regulamentadoras da exposição da imagem de
presos pela imprensa, assegurando-se assim os direitos constitucionais em confronto e
legitimando a atuação dos órgãos policiais e a atividade jornalística.
2 FUNDAMENTAÇAO TEÓRICA

O tema, ora proposto, vem à tona com bastante força nos nossos dias frente às
recomendações do Ministério Público Federal dirigidas às polícias civil e militar, no
sentido de impedir a exposição indevida de presos pela imprensa, recolhendo-o a
viaturas ou ao interior das instalações policiais, sempre que possível, ou condicionando
o acesso ao interior das instalações policiais à não realização de imagens não
consentidas, além da proibição de entrevistas com qualquer preso, exceto com o
consentimento deste, determinando que o registro de qualquer imagem só poderá ser
gravado com o prévio consentimento do preso.2
Ressalte-se que essas recomendações destinam-se apenas às filmagens e
registros para fins jornalísticos, que se destinam à divulgação pública.
Desse modo, criou-se um impasse de ordem constitucional a respeito da
exposição de pessoas presas na imprensa pela polícia.
Essa exposição violaria o direito fundamental a imagem, vida privada e honra
das pessoas? Por outro lado, a proibição da veiculação pela imprensa ofenderia a
liberdade jornalística de informar e os direitos dos cidadãos de serem informados? E o
interesse público que exige uma segurança pública efetiva pode ser descartado?
São essas e outras indagações que justificam a nossa pesquisa e nos propiciam
um largo campo de estudo dos direitos fundamentais e se sua efetiva aplicabilidade no
meio social e jurídico.
A proibição da exposição da imagem de pessoas presas através da televisão ou
jornais, não pode ter por fim absoluto e único preservar sua intimidade e seu direito a
imagem, pois em contrapartida existem outros direitos constitucionais que reclamam
amparo jurídico.
Assim, se de um lado está à preservação da imagem, privacidade e honra das
pessoas, do outro surge à liberdade de imprensa, o direito e der informado, e o direito a
segurança pública, no tocante a necessidade de se descobrir outros delitos que estão com
autoria desconhecida, cuja exposição através dos meios de comunicação contribuirá
efetivamente para elucidação dos fatos criminosos.
A salvaguarda de práticas ilícitas não pode se esconder sob o manto protetivo
de direitos fundamentais, pois no juízo de ponderação de valores constitucionais àqueles

2
Recomendação nº 009/09 – Ministério Público Federal da Paraíba.
que, momentaneamente, estiverem encobrindo a existência de fatos criminosos não
poderão prevalecer sobre o direito à segurança da coletividade.
Hodiernamente, a população de sente refém da criminalidade, que cresce
geometricamente, e assola todos os rincões do Brasil, pois não é mais mazela das
grandes cidades, se infiltrou em todos os lugares e em todas as cidadelas.
Nesse ponto, urge a necessidade de se utilizar um mecanismo moderno e de
difusão em massa que são os meios de comunicação, redes de televisão, jornais, sites,
etc, que transmitem informações a cerca de criminosos para a população, que em uma
relação recíproca ajudam os órgãos de segurança a elucidar infrações penais, no
combate ao crime organizado.
Todavia, não poderá ocorrer banalização e uso incontrolado e exagerado da
imprensa para divulgação da imagem de presos, sendo necessário haver um filtro que
verifique a real e efetiva necessidade de se proceder a exposição dessas pessoas, com o
único fim de contribuir na elucidação de outros crimes, para serem mostrados como
troféus, haja vista que a exibição pode provocar prejuízos irreparáveis.
Certo é que não podemos utilizar a garantia fundamental da inviolabilidade da
imagem e privacidade das pessoas para salvaguardar práticas criminosas e nem muito
menos para impedir a realização da justiça pública, promovendo segurança e paz social.
Daí a necessidade premente de instituição de regas legais definidoras dos casos
e em que circunstâncias poderão ser veiculadas imagens de pessoas presas na imprensa,
através de registros visuais ou de entrevistas, pela polícia, para não gerar incertezas
quanto à incidência do ordenamento jurídico punitivo sobre os supostos autores de
violações aos direitos constitucionais, buscando-se preservar a dignidade da pessoa
humana.
Todavia, não podemos suplantar todo ordenamento jurídico a aplicação irrestrita
e individual de um direito fundamental, pois paralelamente se mostram outros direitos e
garantias com o mesmo valor e importância para a vida social.
A Constituição Federal em seu art. 5º consagra esses direitos fundamentais, nos
seguintes termos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes do
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Segundo o art. 144 da Carta Magna, a segurança pública é um dever imposto ao


Estado pelo artigo 44 da Constituição, consistente na preservação da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, e exercida pelos órgãos policiais.
A autuação policial não pode ser amarrada por recomendações expedidas pelo
Ministério Público vedando a exibição de pessoas presas, pois segurança pública
também se concretiza com a participação da população na elucidação de fatos
delituosos, devendo ser informada para que possa denunciar às autoridades públicas
sobre a prática de atos criminosos e do paradeiro dos seus autores
E mais adiante, reafirmando a liberdade jornalística e de expressão, estabelece o
texto constitucional: “art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”.
No dizer do saudoso mestre José Afonso da Silva a liberdade de informação
jornalística “alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por
qualquer meio de comunicação”3.
E arremata “Temos, pois, informações jornalísticas que são publicadas mediante:
(a) veículos impressos de comunicação; (b) veículo de difusão (radiodifusão) sonora, de
sons e imagens”4.
Diante desse quadro, e dessa gama de direitos constitucionais que se apresentam
diante desse recente e polêmico tema, é necessário se fazer uma análise explicativa
deles, e do conflito que surge quando se fala em exposição da imagem de presos pela
polícia na imprensa.
E, por óbvio, face a colisão de direitos fundamentais, a exigência de um juízo de
ponderação dos valores constitucionais em confronto, para que se decida qual, dentre

3
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
246.
4
Idem, ibidem, p. 247.
eles, deverá prevalecer na situação concreta. Entretanto, esse juízo decisório não se faz
de por abstrata e uniforme para ser aplicada em todas as situações, devendo recair sobre
cada situação em concreto e de acordo com as peculiaridades de cada caso, para se
evitar decisões injustas, para não se dizer absurdas.
Tratando sobre a colisão de direitos fundamentais, o professor Marcelo Novelino
esclarece que “a colisão de direitos ocorre quando dois ou mais direitos abstratamente
válidos entram em conflito diante de um caso concreto, hipóteses na qual as soluções
serão divergentes de acordo com o direito aplicado”5.
Nesta esteira, o novel mestre conclui que a colisão de direitos fundamentais
deverá ser resolvida por um juízo de ponderação de valores constitucionais6.
Esse juízo de ponderação consiste no mecanismo que conduzirá o exegeta na
identificação e análise dos direitos constitucionais em colisão, para, em seguida,
fundado nas circunstâncias do caso concreto, decidir qual terá maior prevalência.
Note-se que um direito não excluirá o outro, apenas se fará um juízo de
ponderação para se verificar qual direito constitucional, diante daquele caso concreto,
terá uma maior intensidade de aplicação, ou seja, mais preferência aplicativa.
Além disto, é de bom alvitre ressaltar que nenhum direito constitucional é
absoluto, todos eles possuem zonas limítrofes de incidência que são estabelecidos por
outros direitos igualmente previstos no texto constitucional.
Neste sentido, adverte Alexandre de Moraes que “os direitos e garantias
constitucionais consagrados na Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma
vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta
Magna”7.
Corroborando este entendimento Kildare Gonçalves Carvalho aduz que:

não existe direito absoluto. Assim, os direitos fundamentais não são


absolutos nem ilimitados. Encontram limitações na necessidade de se
assegurar aos outros o exercício desses, como têm ainda limites
externos, decorrentes da necessidade de sua conciliação com as
exigências da vida em sociedade, traduzidas na ordem pública, ética
social, autoridade do Estado, etc., resultando, daí, restrições dos
direitos fundamentais em função dos valores aceito pela sociedade8.

5
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Método, 2008, p. 241
6
Idem, ibidem, p. 242.
7
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 46.
8
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 9ª Ed. Belo Horizante: Del Rey,2003.
Contudo, a decisão quanto à exibição de pessoas presas à imprensa é de
responsabilidade das autoridades policiais incumbidas da função investigativa de
identificar os autores de crimes. Porém, essa decisão deve se basear no binômio
necessidade-utilidade da medida, e observar regras pré-fixadas que venham a preservar
o direito à intimidade e privacidade.
Agora, o que não pode ser aceito é que o Ministério Público venha a querer
controlar a atividade de polícia judiciária, sob a alegação que está exercendo o controle
externo da atividade policial, utilizando de artifícios como uma recomendação, pois
foge do âmbito de suas funções institucionais e impede a realização da segurança da
coletividade que tanto clama por proteção e paz.

3 CONCLUSÃO

O presente artigo abordou a problemática referente a violação ou não do direito


constitucional à intimidade e imagem das pessoas, no tocante a exposição da imagem
de presos pelos órgãos policiais através da imprensa.
Apresentou-se que ao lado do direito a imagem e privacidade existem outros
direitos constitucionais de igual valor: a liberdade jornalística e a segurança pública, que
não podem ser descartados sob a alegação de que aquele seria, sempre e
necessariamente, ofendido com a exibição de presos nos meios de comunicação,
demonstrando que não existe direito constitucional absoluto.
Ademias, em algumas situações a exibição de presos fomentam a efetivação da
segurança pública, no tocante a elucidação de fatos criminosos com autoria
desconhecida ou incerta, pois os cidadãos, no exercício do dever cívico, prestam
informações e denúncias que contribuem na elucidação de delitos e identificação dos
envolvidos.
Além disto, a proibição irrestrita da exposição de presos aos meios de
comunicação redundará no cerceamento, para não dizer supressão, da liberdade de
imprensa e do direito à informação.
Demonstrou-se que não cabe ao Ministério Público expedir recomendação que
discipline e proíba a exposição de presos através da imprensa, pois tal conduta não está
amparada em suas funções institucionais, pois só tem competência para atuar na
proteção dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III, CF), e no caso em tela trata-se de
um direito individual.
Com efeito, a aceitação de recomendações nesse sentido poderia provocar o
sacrifício da segurança pública, impedindo os órgãos policiais de elucidarem crimes e
causando sentimento de descredibilidade da população em relação ao Estado, o que
geraria incerteza e intranqüilidade social.
Por fim, o estudo trará significativas contribuições jurídicas, promovendo uma
análise detida e crítica do confronto de direitos constitucionais frente à exposição da
imagem de presos pela imprensa, buscando trazer elementos conceituais, informadores e
norteadores de aplicação na esfera jurídica.
4 REFERÊNCIAS

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2008.

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 10ª Ed. Rio de Janeiro: campus, 1992.

BRASIL, Constituição Federal de 1988. 5 em 1.Barueri: Manole, 2003.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Curso de direito constitucional e teoria da


constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2000.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 9ª ed. Belo


Horizonte: Del Rey, 2003.

FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2008.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5ª Ed. São Paulo: Atlas,
2003.

NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Método, 2008.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos


fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª, São Paulo:
Malheiros, 2007.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008.

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