«Discurso de Almeida Garrett (9 de outubro de 1837)»
Três são as diversas posições em que pode colocar-se o homem público, o
homem chamado a pronunciar-se sobre questões da gravidade e importância da que hoje tratamos. A primeira e a mais fácil é seguramente a daquele que nem por si a toma, que, levado da torrente das opiniões e cuidando dirigir as turbas, quando não é senão empurrado por elas, imaginando-se forte só porque se pôs do lado da força, vai com o poder que reina; está pela potência que impera. Esta posição é, como disse, a mais fácil, e para certos olhos — ainda bem que não para os meus — a mais brilhante. Os aplausos estão em roda dela, as recompensas lhe chovem em cima, e coroado há de ser decerto quem a ocupa. Que seja das folhas de carvalho do repúblico tribuno ou das pérolas feudais do barão aristocrático, a diferença está na forma. A coroa é a mesma: vale e significa poder. Ganhou-se e deu-se pelo mesmo modo. Quase tão fácil é a segunda posição. Fácil de tomar, entendo. Aparentemente mais nobre, nem sempre a mais desinteressada, mas sem dúvida mais lisonjeira para o amor-próprio de quem a escolheu por sua, é a daqueles que aparentando — Deus sabe às vezes com que ânimo — integridades de Catão, parecem pleitear justiça com os céus, praz-lhes a causa vencida só porque o é, defendem quando está debaixo só porque o está. E justa ou injusta é sua sempre a parte dos que se dizem oprimidos. Não é tão independente como talvez parece esta posição nem lhe faltam vantagens. Nela se formam muitas vezes reputações que aliás fora impossível adquirir. Também sobejam aplausos. E lá está — mais longe sim, mas não mais incerta — a perspetiva da recompensa, a querida esperança do galardão. A história de todas as revoluções nos apresenta sempre e pelo mesmo modo forte e numerosamente ocupadas estas duas posições. Ambas são as da ambição. Para elas vai, para elas forçosamente há de ir a máxima parte dos homens. Terceira posição há, difícil, desgraçada e árdua. De poucos seguida, de poucos entendida, caluniada dos muitos, pode-se quase dizer que desprezada de todos. Raros a ocupam, raros deixaram ainda de morrer nela sós, como entraram, abandonados e
malquistos. Na peleja, nem um voto os anima. Os aplausos da vitória não os têm, porque não há vitória para eles. Na desgraça, nem simpatias, porque não dão esperanças. Na boa fortuna… Onde há boa fortuna para os justos e inteiros?