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Apontamentos 3 - Modelos organizacionais, Tipos de racionalidade e Teorias das


organizações

Integrar diversos factores de produção num conjunto organizado e coerente apenas é possível
mediante uma referência a modelos organizacionais já conhecidos. Deste modo, a empresa deve
procurar uma resposta para a questão da integração dos seus membros na estrutura da
organização, procurando soluções organizacionais por meio de diagnóstico, identificando e
analisando os processos de racionalização do funcionamento de suas estruturas, assim como
através da formulação de princípios de orientação (Pimentel, 2012). É neste âmbito que
Sainsaulieu (1999) refere-se a “estruturas analógicas persistentes”. Na realidade, trata-se de
encontrar esquemas ou fórmulas com utilidade para a organização a partir de outras realidades
institucionais.

3.1 Modelos de racionalidade organizacional

Conforme assinalado por Pimentel (2012), os modelos ideais de racionalidade organizacional


estão ligados, quer à própria história do mundo industrial e pós-industrial, quer às características
estruturais das organizações, e ainda aos problemas de racionalização que variam de sector para
sector de actividade (primário, secundário e terciário), de tipo de produção (unitária, em série,
de processo), de tipo de produto (bens de equipamento, serviços) e de tipo de mão-de-obra
(indiferenciada, qualificada, género, natureza do vínculo contratual, etc.).

Ademais, a adopção de um dado modelo de organização tem sido influenciada pelo


desenvolvimento das Ciências Sociais: num primeiro momento, pela Psicofisiologia, Psicologia
Industrial e a Ergonomia, com enfoque sobre a natureza das tarefas e das condições de trabalho;
num segundo instante, pela Sociologia Industrial e a Psicossociologia das Organizações e dos
Sistemas Sociotécnicos, objectivando a articulação das funções e dos processos de comunicação,
a Psicologia dos grupos e das motivações, com destaque nas relações humanas, a Sociologia do
Trabalho, com uma particular atenção às relações sociais de produção, divisão técnica e social
do trabalho, conflitos, etc., e, recentemente, as Ciências de Gestão a propósito dos processos de
decisão.

Eugénio Gujamo – Sociologia das Organizações, 2° Ano, Curso de Economia, UniZambeze, 2021.
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Por conseguinte, o impacto desta variedade de contribuições para a modelização da integração


social e os processos de racionalização e ainda a capacidade da organização para, de igual modo,
modelizar os elementos de sua própria racionalidade. No presente texto de apoio serão
destacados alguns modelos de racionalidade organizacional e algumas das principais teorias
desenvolvidas sobre as organizações modernas.

3.1.1 A Organização Profissional do Trabalho

O trabalho sempre inscreveu-se numa dimensão de ofício, traduzindo-se na capacidade manual


adquirida através da aprendizagem e da experiência, como é o caso das “profissões clássicas”, e
orientado por um saber complexo mais ou menos formalizado e transmissível. Neste âmbito,
supõe um elevado grau de reflexão e de integração dos elementos da situação de trabalho. Pelo
que a profissão constitui a organização das modalidades de recrutamento, aprendizagem e
formação profissional; regulamentação e o controlo dos resultados; um aparelho de controlo
social por via da difusão de valores profissionais, de práticas de iniciação e da formalização de
um código deontológico. A organização profissional do trabalho repousa sobre a aprendizagem,
a avaliação dos resultados, o recrutamento e o controlo do valor profissional (Pimentel, 2012).

A organização profissional do trabalho sempre existiu (as corporações de ofício), existe (em
pequenas comunidades afectadas, por exemplo, a tarefas ora de preparação ora de manutenção
do trabalho) e tende a reaparecer, sob novas formas, como nas equipas semi-autónomas, nas
equipas de projecto ou nos círculos de qualidade, isto é, em estruturas sociais de produção em
que as tarefas são complexas e requerem um elevado saber-fazer. Em suma, os jogos sociais em
torno de princípios de racionalidade e de procura de legitimidade profissional introduzem
perturbações na busca de um determinado equilíbrio organizacional.

3.1.2 O Taylorismo: a organização científica ou racional do trabalho

Antes de mais, é importante reter a ideia de que o problema da racionalidade organizacional


extravasa o domínio estrito da tarefa, dado que é necessário levar em consideração a
complexidade dos factores de produção: a dimensão da organização; a diversidade das técnicas
ou dos produtos; o número de clientes e de fornecedores e a pulverização geográfica das
unidades de produção. Taylor (1990) tentou estabelecer uma articulação racional dos factores de

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produção (capital e trabalho) construindo um modelo de organização e de divisão do trabalho a


partir de uma análise das componentes materiais e humanas.

Assim sendo, ele propôs construir um método “científico”, para fazer coincidir racionalmente
os elementos económicos e técnicos da produção: uma organização mais racional das tarefas,
“one best way”, ou modo operatório óptimo de execução de uma tarefa e conducente à
especialização extrema, análise dos tempos, com o recurso à sua cronometragem, gestos e pausas,
a carga dos gabinetes de organização e métodos, visando uma produtividade máxima: “o
comando dos homens é substituído pela administração científica e racional das coisas”, isto é,
regulamentação formal dos comportamentos.

Parafraseando Max Weber, Pimentel (2012) refere que a organização científica do trabalho
representaria um exemplo perfeito de um modelo ideal de uma situação social, na medida em
que a racionalidade subjectiva pela finalidade dos actores, aqui reduzida às exigências fisiológicas,
económicas e técnicas coincide com a racionalidade objectiva pela conformidade de uma solução
organizacional baseada numa formalização das tarefas e das competências.

3.1.3 H. Fayol e H. Ford: os sucessores de W.F. Taylor

Fayol desenvolveu uma teoria de organização industrial a partir dos chamados “cinco infinitivos:
prever, organizar, comandar, coordenar e controlar” (funções administrativas). A empresa forma
“um todo organizado”. A racionalização desenvolveu-se, simultaneamente, em duas vias: a
análise e a diferenciação das funções que podem evoluir com a dimensão, o produto, o Meio e
a própria história social e económica da organização; a definição das estruturas correspondentes
com a disposição das funções entre si e à sua transposição em estruturas (localização dos
indivíduos na distribuição geográfica e funcional dos órgãos). Esta concepção tem tido
desenvolvimentos entre consultores em organizações ao conceberem uma estrutura da empresa
por mercado versus produto, em resposta ao crescimento, à concorrência e ao número de clientes
(Pimentel, 2012).

Com o fordismo, a organização racional do trabalho de Taylor é aprofundada mediante a


introdução do trabalho em cadeia, cujo paradigma é a linha de produção ou de montagem na
indústria automóvel, no âmbito de uma produção em massa e de uma sociedade fortemente

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industrializada e capitalista como a norte-americana dos anos vinte do século XX, representando
a racionalização do trabalho e do modelo tayloriano a um nível “superior”. Ou seja, não se trata
apenas de organizar a tarefa ou a função, mas todas as estruturas passaram a estar integradas
num mesmo modelo de previsão e gestão racional do trabalho.

3.2 Organização, Autoridade e Burocracia

Max Weber (1999), ao questionar-se sobre a legitimidade do exercício da autoridade, desenvolve


o seu pensamento em torno da administração racional-legal, ou também designada por
burocracia. Por via da análise de vários fundamentos da acção que justificam diferentes que
justificam variadas formas de exercício da autoridade, ou seja, diferentes modalidades de
organização e de dependência, resultando na definição de três fundamentos possíveis da
autoridade: a legitimidade de tipo racional (a regra); a tradicional (a tradição) e a carismática (a
crença). A consideração dos três fundamentos permitiu-lhe opor o exercício do poder nas
sociedades tradicionais e contemporâneas. Pelo que resultam destas modalidades de legitimidade
diversas relações de autoridade.

Na legitimidade racional a obediência não é devida a um indivíduo, mas antes à regra e a quem
tem o direito para dar uma ordem em conformidade com aquela. Na legitimidade tradicional a
obediência é devida a uma relação pessoal, sendo que na legitimidade carismática a obediência é,
de igual modo, devida a uma relação pessoal porém não fundada na tradição, pelo que mais
frágil. Neste âmbito, Max Weber interroga-se acerca da compatibilidade destes tipos de
legitimidade face a uma sociedade industrial e em rápido crescimento económico, tendo
percebido que a mais adequada é a racional-legal, pois é a única que assegura a estabilidade das
regras e a sua continuidade. Assim sendo, o modelo racional-legal ou burocrático reuniria a
flexibilidade e a continuidade necessárias a uma actividade económica que repousa num cálculo
a longo termo (Pimentel, 2012).

Segundo Max Weber (1999), a burocracia1 define-se em função das seguintes características
estruturais, isto é, características particulares do tipo ideal de burocracia:

1 De acordo com Weber, todas as grandes organizações em grande escala tendem a ser de natureza burocrática. A
palavra “burocracia” foi pela primeira vez utilizada por De Gournay em 1745, que juntou o prefix “bureau”
(originalmente em francês), que significa escritório, assim como secretária; a palavra “cracia”, derivada do verbo

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 Existência de uma hierarquia de autoridade: uma burocracia parece-se com uma


pirâmide, sendo as posições de maior autoridade as que se localizam no topo. Existe uma
cadeia de comando que se estende do topo à base e torna possível a coordenação da
tomada de decisões; as tarefas têm o carácter de “deveres oficiais” e cada funcionário de
nível superior controla e supervisiona os que estão abaixo de si na hierarquia;
 O regulamento escrito governa a conduta dos funcionários a todos os níveis da
organização: o que não significa que os deveres burocráticos sejam apenas uma questão
de rotina. Quanto mais alto o cargo, mais as normas envolvidas tendem a englobar uma
grande variedade de casos, exigindo flexibilidade na sua interpretação;
 Os funcionários são funcionários a tempo inteiro e assalariados: cada função na
hierarquia tem inerente um salário fixo e definido. Espera-se que os funcionários façam
carreira na organização. A promoção é possível e baseia-se na capacidade e na
antiguidade, ou na combinação destes dois aspectos;
 Separação entre as tarefas dos funcionários na organização e a sua vida privada: a vida
familiar do funcionário é distinta das suas actividades no local de trabalho, sendo que
este último está fisicamente distanciado do espaço da primeira;
 Nenhum membro da organização é dono dos recursos materiais com que opera: o
desenvolvimento da burocracia separa os trabalhadores do controlo dos seus meios de
produção. Nas comunidades tradicionais, de uma maneira geral, os agricultores e os
artesãos tinham controlo sobre os seus processos de produção e eram donos das
ferramentas que usavam. Na burocracia, os funcionários não possuem, por exemplo, os
escritórios onde trabalham, as secretárias onde colocam seus dossiers e respectivos
assentos ou os computadores que utilizam.

grego com o sentido de “governar”. Por conseguinte, a burocracia é o poder dos funcionários. A principio tal termo
era aplicado aos funcionários do governo, porém o seu uso foi gradualmente generalizado para passer-se a referir
às grandes organizações, em geral. Ora, desde o início o conceito foi usado de modo depreciativo, De Gournay
apelidou o desenvolvimento do poder dos funcionários de “uma doença chamada buromania”. O romancista
francês Honoré de Balzac retratava a burocracia como “o poder gigante dos pigmeus”. Este tipo de opinião tem
persistido até aos nossos dias. A burocracia é frequentemente associada à formalidade, à ineficácia e ao deperdício.
Todavia, outros escritores conceberam a burocracia de forma diferente – enquanto um modelo de gestão cautelosa,
precisa, eficaz. Partilham a ideia de que ela é a forma de organização mais eficaz que os seres humanos
desenvolveram, dado que todas as tarefas são reguladas por regras de procedimentos esritas (Giddens, 2008).

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A burocracia teria-se desenvolvido com a economia financeira moderna, bem como com a
racionalização do direito; a importância dos fenómenos de massa; a centralização; o
intervencionismo estatal e o desenvolvimento da racionalização técnica (Pimentel, 2012).

3.2.1 Robert Merton e as disfunções da burocracia

Robert Merton, um académico americano de orientação funcionalista analisou o tipo ideal de


burocracia de Weber e concluiu que vários dos seus elementos podiam levar a consequências
prejudiciais para o funcionamento da própria burocracia, tendo-as designado por disfunções da
burocracia. Primeiro, ele sublinhou que os burocratas são treinados para confiar unicamente nas
regras e procedimentos escritos. Não são encorajados a ser flexíveis, a usar as suas próprias
capacidades de raciocínio na tomada de decisão ou para procurar soluções criativas; a burocracia
prende-se com a gestão de casos de acordo com um conjunto de critérios objectivos. Merton,
portanto, receava que esta rigidez levasse a um ritualismo burocrático, uma situação em que as regras
são protegidas a todo o custo, mesmo em casos em que outra situação poderia ser melhor para
a organização como um todo (Giddens, 2008).

Daí que sua segunda preocupação estava no facto de a aderência às regras burocráticas poderem
eventualmente assumir prioridade sobre os objectivos subjacentes à organização, diante da
grande ênfase posta no procedimento correcto, é possível perder de vista o que realmente
interessa. Por exemplo, um burocrata responsável pelo processamento de pedidos de seguros
pode recusar compensar um segurado por danos legítimos, evocando a ausência de um
formulário ou o preenchimento incorrecto do mesmo. Ou seja, Merton previu a possibilidade
de existência de tensão entre o público e a burocracia em casos como este. Não se trata de uma
preocupação incorrecta. A maioria de nós lida regularmente com grandes burocracias – desde o
Sistema Nacional de Saúde, as Autoridades Municipais e as de Inspecção Fiscal, por exemplo.

Debatemo-nos, não raras vezes, com situações em que os funcionários públicos e burocratas
parecem não estar preocupados com as ‘nossas’ necessidades. Uma das maiores fraquezas da
burocracia é a dificuldade que tem em lidar com casos que precisam de uma consideração e
tratamento especiais (Giddens, 2008).

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3.3 A Escola das Relações Humanas

A procura de organizar a empresa com eficácia técnico-económica colocou em evidência a


importância do “factor humano”. A organização racional do trabalho (taylorismo) e o modelo
burocrático evidenciaram uma incapacidade para ultrapassarem um conjunto de disfunções que
não relevam da estrutura da organização, mas, pelo contrário, de comportamentos individuais e
colectivos: conflitos, ausência de iniciativa, comunicações bloqueadas, etc.. Com a Escola das
Relações Humanas, a organização passa a ser considerada um lugar de realização da
personalidade dos indivíduos (lógica dos sentimentos), e não só como um espaço de resposta às
necessidades económicas. As relações sociais de trabalho deixam de ser consideradas sob um
ângulo puramente técnico-económico, os “problemas humanos” passaram a assumir uma
significação particular e a lógica das acções inter-individuais é remetidas para as características
da situação de trabalho.

De acordo com Pimentel (2012), os resultados da “experiência de Hawthorne”, realizada na


Western Electric Company, comprovaram que: os comportamentos organizacionais traduzem
necessidades complexas e mais profundas de natureza motivacional; as relações de trabalho
exprimem-se ao nível dos grupos informais (dinâmica de integração); à teoria da motivação junta-
se-lhe a teoria das relações informais completando a ideia de satisfação com a de integração; a
integração dos grupos informais tinha consequências sobre o “clima social”, a satisfação e a
produtividade.

É baseando nas constatações acerca dos grupos informais, que a teoria das relações humanas
desenvolve uma nova argumentação: se o indivíduo procura no trabalho a satisfação das suas
necessidades complexas, é nas relações informais de grupo que podemos procurar uma resposta
para as mesmas. Daí o reconhecimento dos grupos informais e da sua integração no
funcionamento global da organização mediante a formação das chefias nas técnicas de uma
liderança democrática e participativa. Esta argumentação foi elaborada por Elton Mayo, que
entendia que o indivíduo está sujeito a uma dupla integração: na organização e no grupo
primário. Portanto, uma política de relações humanas devia contribuir para: a harmonização
destas duas modalidades de integração; a formação de chefias quanto aos estilos de liderança; a
definição das zonas de participação nas decisões e incremento das comunicações informais. Para

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as Relações Humanas, uma liderança de “estilo liberal” levaria a um melhor “clima social” e a
um acréscimo da produtividade (Pimentel, 2012).

3.4 Análise estratégica e a teoria organizacional do poder de Michel Crozier e Erhard


Friedberg

De acordo com os pressupostos da análise estratégica, as relações de poder moldam um dado


contexto organizacional. Colocar o problema do poder como o problema central duma
organização, e já não as necessidades ou as motivações, é uma pequena revolução no universo das
representações da empresa. Durante muito tempo, apresentou-se a organização como um
conjunto que apenas funcionava na base de um consenso. Queria ver-se aí a imagem harmoniosa
de membros de uma colectividade solidária, que uniam seus esforços para lutar num universo
duro, hostil, implacável e acabando por triunfar graças à sua união. Conforme refere Bernoux
(2005), nesta representação idílica da empresa, o jogo do poder, as rivalidades internas eram
pudicamente silenciadas ou ignoradas.

Sem rejeitar a necessidade duma unidade, é necessário reconhecer que as coisas não se passam
duma forma tão harmoniosa assim. O dia-a-dia de qualquer organização é marcada por conflitos
de poder. Estes não estão apenas relacionados com ambições pessoais, e, por princípio, a análise
estratégica inibe-se de efectuar juízos morais. Na realidade, constata-se que indivíduos e grupos,
diferentes pela sua formação e função têm objectivos que nunca coincidem exactamente. Cada
um tem a sua visão dos meios necessários para assegurar o funcionamento do conjunto. Esta
visão diferente arrasta estratégias que nem sempre são concordantes. Há, portanto, conflito de
poder, o qual, por sua vez, arrasta a necessidade de um poder regulador desses conflitos, ou seja,
a dupla necessidade de um poder.

Na óptica destes autores, o poder é abordado numa perspectiva estratégica a partir dos actores.
Ele (o poder) pressupõe sempre a possibilidade para o(s) actor(es) de agir(em) sobre outro(s)
actor(es), daí o carácter relacional do mesmo. O poder é uma relação e não um atributo dos
actores, uma vez que o poder implica uma troca entre os actores no quadro de uma dada relação
precisa, estando, por isso, inseparavelmente ligado à negociação.

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Às questões: porque razões obtém o superior a confiança dos seus subordinados? Porque é que o seu poder é
reconhecido como legítimo?, Crozier e Friedberg (1990) enumeraram quatro fontes de poder
legitimado. A primeira, e a mais imediatamente perceptível, é a que se refere à posse de uma
competência ou de uma especialização funcional dificilmente substituível. Por o especialista ser
o único que dispõe do saber-fazer, dos conhecimentos e da experiência do contexto que lhe
permitem resolver certos problemas cruciais para a organização, a sua posição acaba sendo muito
melhor na negociação e na organização do que a dos seus colegas.

Contudo, esta fonte remete para dois tipos de dificuldades. A primeira consiste em saber o que
se entende por resolução dos problemas cruciais, na medida em que o número de especialistas,
muito competentes num domínio particular mas incapazes de compreender as repercussões da
sua especialidade sobre o conjunto dos outros domínios, é grande. Outrossim, por exemplo,
aquele que, tendo uma situação institucional de poder e que faz apelo a uma nova tecnologia
depois de ter convencido os seus pares da necessidade da sua introdução, apela a um especialista
fazendo-lhe sentir a sua dependência, acabando por reforçar consideravelmente o seu poder. Por
conseguinte, a especialidade confere poder se estiver ligada a uma situação estável e reconhecida
na organização. Pelo que, mais do que especialidade, convém falar de competência ligada a um
estatuto estável na empresa. Do mesmo modo que o chefe não deve ser o mais competente em
todos os domínios, mas suficientemente competente para compreender as linguagens, os
objectivos e as estratégias dos seus subordinados e coordenar a sua acção – esta é a sua principal
competência (Bernoux, 2005).

A segunda dificuldade colocada pela especialidade diz respeito à adesão do grupo às conclusões
do especialista. Ou seja, o especialista pode certamente propor boas soluções. No entanto, se os
que estão encarregados de aplicá-las, não as aceitam, tais soluções permanecerão letra morta.
Isto remete-nos à ideia de que uma decisão, na prática, não tem sentido apenas nela própria, mas
na sua articulação com o grupo social à qual ela será aplicada. Neste âmbito, o poder do
especialista é sempre um poder perigoso e os grupos na empresa bem o sentem, daí que o
colocam em cheque. Por isso, a fragilidade do mesmo.

A segunda fonte de poder nas organizações encontra-se no domínio das relações com o meio,
porque melhor inserido no contexto das relações habituais que fazem a vida da empresa, esta
fonte é mais importante e mais estável em comparação com a primeira. A força daquele que

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controla as relações com o meio e as comunica à empresa vem do facto de que ele detém o
conhecimento das redes nos dois campos, é o famoso marginal secante, com interesses em vários
sistemas de acção, que e encontram em relação uns com os outros (Crozier e Friedberg, 1990).
Ele, mais do que o especialista que disso não está munido, pode utilizar os seus conhecimentos
nos dois lados para consolidar e engrandecer o seu poder. Ou seja, um actor utiliza, numa
organização, as relações e influências que tem com outra organização para fins estratégicos
(Bernoux, 2005).

A terceira fonte de poder trata-se da comunicação. Nada afigura-se demasiadamente difícil de


organizar que uma boa rede de comunicações. É notório que uma decisão pode fracassar não
por causa da qualidade daqueles que a prepararam, mas porque suas informações eram, ou
insuficientes, ou porque a decisão foi mal transmitida, e, logo, sua execução revelou-se
inadequada. Qualquer indivíduo tem necessidade de informações e, por causa delas, depende
daqueles que as detêm. Portanto, a comunicação de informações tem enorme um valor
estratégico. Esta efectua-se em função dos objectivos dos indivíduos e dos que eles conferem
aos seus correspondentes.

A última fonte de poder assinalada por Crozier e Friedberg (1990) é a utilização das regras
organizacionais. Os membros de uma organização são tanto mais vencedores numa relação de
poder quanto mais dominam o conhecimento das regras e sabem utilizá-las. Ora, a multiplicação
das regras não traz somente como resultado formalizar e precisar as regras do jogo – fazendo
existir regras informais onde ocorre também a distribuição do poder – mas também favorece os
que têm tempo ou gosto em estudá-las. Por exemplo, as regras da progressão na função pública,
não servem apenas para lutar contra o arbitrário, limitando o poder dos superiores; elas servem
para aqueles que as aprenderam, experimentaram e podem utilizá-las melhor em comparação
aos que as conhecem menos.

As quatro fontes de poder remetem para o domínio de uma zona de incerteza, que é também
uma condição da existência do poder. Qualquer organização está sob influência permanente de
massas de incertezas muito elevadas, técnicas, comerciais, humanas, financeiras, etc.. A incerteza
existe em todos os níveis, conferindo autonomia aos actores. Sendo a incerteza mal definida, é
preferível falar de zona de incerteza para delimitar os lugares onde vai ou onde pode passar-se
alguma coisa. Aquele que melhor as domina, por suas competências e sua rede de relações-

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comunicações, podendo por isso prever estas incertezas, detém o maior recurso de poder, os
seus comportamentos são, então, imprevisíveis.

A análise estratégica avança estes conceitos principais para dar conta do funcionamento real das
organizações, apoiando-se na análise do poder e na das zonas de incerteza, construindo os
sistemas e subsistemas concretos de acção, qualquer membro de uma organização pode
compreender-lhe o funcionamento e, portanto, agir de modo útil sobre ele. A relevância da
análise estratégica não se demonstra pela teoria, prova-se no terreno, porque experimentamo-la
nas empresas e acrescentando que ela se revela, particularmente, junto daqueles que, qualquer
que seja o nível a que pertencem, possuem um certo poder. O espaço mais pertinente da análise
estratégica é o dos actores que podem jogar o jogo do poder, da sua conquista e/ou do seu
alargamento. A seu nível, as ferramentas da análise estratégica constituem um excelente meio
para compreender os seus comportamentos e aqueles que eles vêem passar-se diante deles
(Bernoux, 2005).

Referências bibliográficas

Bernoux, P. (2005). A Sociologia das Organizações. (3ª ed.). Porto: Rés-Editora.

Crozier, M. e Friedberg, E. (1990). El Actor y el Sistema: las restricciones de la acción colectiva. México:
Alianza Editorial Mexicana.

Giddens, A. (2008). Sociologia. (6ª ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Pimentel, D. (2012). Sociologia da Empresa e das Organizações – uma breve introdução a problemas e
perspectivas. Lisboa: Escolar Editora.

Sainsaulieu, R. (1999). Sociologia da Empresa. Lisboa: Edições Piaget.

Weber, M. (1999). Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Editora
da Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

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