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D546 Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia: / Antonio David Cattani

(Organizador). - 4.ed. rev. ampl. - Petrópolis : Vozes; Porto Ale-


gre : Ed. da UFRGS,2002.

368 p.

Título original: Trabalho e Tecnologia: dicionário crítico

1. Ciências Sociais - Dicionário especializado. 2. Trabalho - D i -


cionário especializado. 3. Organização do trabalho. 4. Tecnologia. 5.
Sindicalismo. 6. Economia. 7. Saúde do trabalhador. 8. Relações de
trabalho. 9. Administração de Empresa. 10. Economia. I . Cattani,
Antonio David (Org.)

CDU 331.03
300.3

Catalogação na publicação: Maria Lizete Gomes Mendes - CRB 10/950

ISBN 85-326-1868-5 (Ed. Vozes)


ISBN 85-7025-634-5 (Ed. da UFRGS)
GESTÃO
Angela Garay

Ao se falar em gestão, está se ente face aos recursos disponíveis


falando na própria administração na organização.
do negócio, isto é, na forma de se Desta forma, a gestão envolve-
conceber e gerir todos os recursos ria todo o chamado processo admi-
envolvidos na produção de um nistrativo, pelo qual se busca pla-
bem ou serviço. Assim, pode-se nejar, organizar, dirigir e controlar
ter a gestão de recursos humanos, os recursos da empresa, visando ao
gestão de capitais, tecnologia, ma- alcance dos objetivos desejados.
rketing, etc. Englobaria a determinação dos
Conforme entendido pelos ad- objetivos e da filosofia da organi-
ministradores, de forma geral, a zação, o desenho da estrutura, a
gestão refere-se ao processo ativo organização do trabalho, a nature-
de determinação e orientação do za das relações hierárquicas, os
caminho a ser seguido por uma mecanismos de decisão e de con-
empresa para a realização de seus trole, entre outros aspectos.
objetivos, compreendendo um con- Porém, para os críticos, tal pro-
junto de análises, decisões, comu- cesso englobaria, não apenas a bus-
nicação, liderança, motivação, ava- ca do aumento da produtividade,
liação, controle, entre outras ativi- mas, principalmente, a reprodução
dades próprias da administração das relações de poder, das relações
(ANSOFF, 1977). É o processo de entre capital e trabalho. Desta for-
administrar as demandas do ambi- ma, sob a bandeira da busca da ra-
136 GESTÃO

cionalidade, objetivando o aumen- rando-se o trabalho intelectual do


to da produtividade, justificar-se-ia manual (TAYLOR, 1982).
a natureza da relação de subordina- Esses autores utilizavam-se de
ção entre capital e trabalho. Como métodos e técnicas da Engenharia
não poderia deixar de ser, a dimen- Industrial, como o estudo dos tem-
são do controle passa a ser uma das pos e movimentos, a criação de fer-
grandes preocupações. ramentas, o planejamento de tare-
Historicamente, o enfoque dado fas e cargos, etc, procurando ele-
à gestão das empresas pode ser var os níveis de produtividade das
analisado através da evolução das empresas por meio da divisão e da
Escolas de Administração, o que racionalização do trabalho, da cri-
permite visualizar-se as bases do ação de estruturas hierarquizadas,
pensamento administrativo, assim de mecanismos de decisão centra-
como os valores subjacentes às lizados e do aumento do controle
ações e decisões tomadas na esfe- (buscando a certificação de que o
ra da organização do trabalho. trabalho estivesse sendo executado
Logo, a administração tem sua de acordo com os padrões então es-
origem na chamada Administra- tabelecidos). A organização era
ção Científica cujos principais vista, essencialmente, como uma
representantes são Frederick estrutura formal, constituída de
Taylor, Henri Fayol, Henry Ford órgãos, cargos e tarefas.
eHenry Gantt que procuraram de- O trabalho passou a ser rotinei-
senvolver uma ciência de traba- ro, com pequeno grau de envolvi-
lho, buscando basicamente: 1) mento dos operários. Expropriado
selecionar e treinar os emprega- trabalhador seu saber específico,
dos, considerados naturalmente desqualificando seu ofício e desor-
indolentes, movidos apenas por ganizando sua forma de luta polí-
incentivos financeiros {homo fica ao individualizar o operário no
económicas) e valorizados prin- interior da fábrica (RAGO, 1987).
cipalmente em função de sua for- Com a Escola das Relações
ça física; 2) obter a cooperação Humanas, surgida principalmente
entre administrador e empregado, a partir de estudos e experiências
na medida em que consideravam realizadas na Western Eletric, fá-
não existir conflitos entre eles, brica de equipamentos telefónicos
visto que o que ambos desejariam de Hawthorn, deslocou-se o foco
seria obter melhores ganhos; e 3) de interesse da organização formal
a divisão do trabalho entre prepa- para os grupos informais e suas
ração (direção) e execução, sepa- inter-relações, assim como dos in-
GESTÃO 137

teresses financeiros para os psicos- REIRA, 1980, p.300). Neste mo-


sociais. O homem passou a ser vis- delo, a organização é vista como
to como um ser social que reage um sistema social intencionale-
como membro de um grupo soci- mente construído e reconstruído,
al. Introduziram-se novas formas com funções oficializadas; o ho-
de dominação mais sutis, minimi- mem como um ser que reage, como
zando-se as coerções com base no ocupante de um cargo e de uma
entendimento das "motivações hu- posição.
manas", sempre com a justificati- Já a Escola Neoclássica da Ad-
va económica do aumento de pro- ministração preocupou-se com a
dutividade. atualização dos postulados clássi-
Com o crescimento das empre- cos, dando ênfase à prática da ad-
sas em tamanho e complexidade e ministração e ao processo adminis-
com a necessidade, cada vez mai- trativo (planejar, organizar, dirigir
or, da classe capitalista em garan- e controlar), tendo em vista os ob-
tir a disciplina dos trabalhadores, jetivos e resultados almejados. Em
buscaram-se modelos de organiza- decorrência, surgiu a chamada Ad-
ção racional que conduzissem à ministração por Objetivos, visan-
maior eficiência, sendo esta uma do, cada vez mais, à organização
preocupação básica da então cria- racional da atividade humana, ten-
da Abordagem Estruturalista da do em vista o alcance de metas de-
Administração. Um dos modelos sejadas. O homem passou a ser vis-
utilizados foi o desenvolvido por to como um ser racional e social,
Max Weber, a Burocracia, baseado voltado para o alcance de objetivos
na dominação racional-legal, no individuais e organizacionais.
caráter hierárquico e na impessoa- A Escola Comportamentalista
lidade da administração. "Os capi- da Administração, por sua vez, pre-
talistas preferem a organização bu- ocupou-se com a análise do pro-
rocrática a qualquer outra, porque cesso decisório e dos limites da
somente assim poderão controlar a racionalidade, com as motivações
renda obtida na produção, e além humanas, estilos de liderança, sis-
disso, poderão evitar que os traba- temas de administração, enfim,
lhadores adquiram elementos com o chamado comportamento
como iniciativa e experiência para organizacional, discutindo os con-
se envolverem numa produção pró- flitos existentes entre objetivos or-
pria ou colocarem em jogo a hege- ganizacionais e objetivos individu-
monia dos capitalistas nos escritó- ais. A organização passa a ser vis-
rios e na fábrica" (MOTTA PE- ta como um sistema social coope-
138 GESTÃO

rativo e racional, no qual cada par- pessoas desempenham em função


ticipante tem um papel definido a de seu cargo do que as próprias
desempenhar e deveres e tarefas a pessoas. Os sistemas de informa-
executar. Como decorrência desta ção ganham cada vez maior sofis-
escola, surge o chamado Desen- ticação, expressando importante
volvimento Organizacional (D.O.), forma de controle.
conceituado como uma mudança Por último, a Abordagem Con-
planejada dentro da organização, figencial da Administração enfafi-
ou um "esforço educacional desti- zou a influência do ambiente e da
nado a mudar valores, atitudes, tecnologia sobre a gestão das em-
comportamentos e a estrutura orga- presas, sem desprezar as tarefas, as
nizacional, usando os conhecimen- pessoas e a estrutura organizacio-
tos das ciências comportamentais" nal. Salienta que não se afinge a
(Chiavenato,1987, p.213). De ca- eficácia seguindo-se um único e
ráter basicamente prático, o Movi- exclusivo modelo e que são as ca-
mento Comportamentalista enfati- racterísticas ambientais (sistemas
zou uma série de dicotomias, como culturais, polídcos, económicos,
racional e irracional, satisfeitos e sociais, etc.) e as tecnologias (ori-
insatisfeitos, eficientes e ineficien- ginando o chamado determinismo
tes, deixando de considerar proces- tecnológico) que condicionam as
sos dinâmicos e complexos, legifi- particularidades organizacionais.
mando uma ordem social na qual Cria-se a noção de um certo fata-
uma elite relativamente pequena, lismo, de aceitação do mundo do
com seus valores, detém o poder. trabalho tal como é apresentado.
Já a Abordagem dos Sistemas Uma das grandes preocupações
Abertos introduziu uma preocupa- da gestão passa a ser a idenfifica-
ção com a necessidade de estudos ção e a análise das oportunidades
interdisciplinares, buscando a inte- e das ameaças do ambiente, assim
gração e a síntese das diversas te- como os pontos fortes e fracos da
orias existentes. Assim, as organi- organização.
zações passaram a ser vistas como Fruto desse pensamento admi-
sistemas sociais abertos em cons- nistrativo, pode-se dizer então que,
tante intercâmbio, devendo ser até os anos 70, as organizações ca-
todo e qualquer sistema estudado racterizavam-se por terem uma es-
em termos de manutenção, conse- trutura predominantemente formal,
cução de metas, adaptabilidade e hierarquizada, departamentalizada,
integração. Há uma tendência de se com centralização de informações
enfatizarem mais os papéis que as e de decisões, estrutura esta criada
GESTÃO 139

com base nas grandes empresas in- aumento da produtividade pela ele-
dustriais. Os padrões de produção vação constante dos ritmos de tra-
de tais organizações distinguiam- balho. A resistência dos trabalha-
se por aspectos como: a produção dores ao trabalho parcelado e repe-
em massa, principalmente de bens titivo, ao ritmo acelerado e aos bai-
de baixa diferenciação; a produção xos salários causados pela depre-
em linha de montagem, na qual os ciação do valor da força de traba-
produtos eram programados em lho, princípios norteadores dessa
um setor específico e "empurra- forma de organização, que origina-
dos" para as vendas; a mecaniza- ram vários movimentos sociais,
ção do fluxo de produção; a pre- também contribuíram, de forma
sença de estoques, etc. Havia, as- marcante, para o agravamento da
sim, uma padronização do maqui- crise existente (LEITE, 1994).
nário e do equipamento, da mão- Neste quadro de crise, como
de-obra e de materiaprimas. soluções alternativas para o proble-
Porém, com o acirramento da ma da qualidade e da produtivida-
concorrência internacional e com a de, passaram a ser tomados como
globalização da economia, a partir da modelos especialmente o caso ja-
década de 70, em nível mundial, e ponês, o caso sueco na produção
em fins dos anos 80, no Brasil, esse em média série, o caso italiano e o
padrão de acumulação de capital en- alemão. Estes modelos trouxeram
trou em crise devido a fatores como novas estratégias de sobrevivência
a saturação do mercado de bens du- no mercado, por serem capazes de
ráveis, a perda do poder aquisitivo, produzir a baixos custos, com qua-
a entrada de novos países produtores, lidade assegurada e flexibilidade
a formação de blocos regionais. Com de oferta (diversidade e rapidez).
isso, começou-se a buscar novos pa- Porém, observou-se que, para que
drões e modelos de organizações, a tais países servissem de exemplo
fim de se fazer frente a esses novos para outras economias, seriam ne-
desafios de competitividade, por cessárias não apenas mudanças de
meio dos quais as empresas pudes- nível tecnológico, mas, principal-
sem sobreviver. mente, exigir-se-iam novas formas
Além disso, a partir dos anos de organização do trabalho, novas
- 60, a "organização científica do estruturas organizacionais e novos
trabalho", enquanto técnica de do- padrões de relações inter-firmas.
minação do capital sobre o proces- A empresas sentiram, então, a
so de trabalho, deixou de ser eficaz necessidade de passar por um pro-
em seu objetivo fundamental: o cesso de reestruturação produtiva.
140 GESTÃO PARTICIPATIVA

Este processo tende a dar ori- incorporação de tecnologias, dife-


gem a um novo padrão de acumu- rentes formas de segmentação da
lação de capital e de organização força de trabalho e diferentes mo-
da produção, o qual vem sendo dos de se solicitarem as qualifica-
chamado pelos estudiosos de pós ções (CARRION, 1996).
ou de neofordismo, de acumulação
Bibliografia
flexível, especialização flexível,
modelo japonês, entre outras no- ANSOFF, H.Igor. Estratégia Empresa-
rial. São Paulo: McGraw-Hill, 1977.
menclaturas. Empresários buscam
competitividade através de novas CARRION, Rosinha. Processo de Rees-
formas de ganhos de produtivida- truturação Produtiva e Qualificação.
Porto Alegre: PPGA/UFRGS, 1996 (mi-
de aliados à flexibilidade da produ- meografado).
, ção, visando à adequação do apa-
CHIAVENATTO, Idalberto. Teoria Ge-
relho produtivo às novas exigênci- ral da Administração.S^ão
as de um mercado de muita produ- Paulo:McGraw-Hill,1987.
ção e pouco consumo, em uma LEITE, Márcia de Paula. O Futuro do
concorrência não só nacional, mas Trabalho - Novas Tecnologias e Subjeti-
principalmente internacional, com vidade Operária. Ssão Paulo: Página
produtos de qualidade e em cons- Aberta, 1994.
tante inovação. A capacidade de MOTTA, Fernando CP. Teoria Geral da
inovar em produtos e processos Administração. São Paulo: Livraria Pio-
neira Editora, 1989.
transformou-se em diferencial es-
tratégico para as empresas. MOTTA, Fernando CR, PEREIRA, Luiz
C. Introdução à Organização Burocráti-
Deve-se ressaltar, entretanto, ca. São Paulo: Brasiliense, 1980.
que, de modo geral, essa reestrutu-
RAGO, Luzia, MOREIRA, Eduardo. O
ração produtiva, antes de ser um Que é Taylorismo. São Paulo: Brasilien-
processo homogéneo, é um movi- se, 1987 (Coleção Primeiros Passos)
mento que comporta diferentes es- TAYLOR, Frederick. Princípios da Ad-
tratégias ou modos de uso de for- ministração' Científica. São Paulo:
ça de trabalho, diferentes ritmos na Atlas, 1982.

GESTÃO PARTICIPATIVA
Antonio David Cattani

1. Por gestão participativa - GP mente ou por delegação, estejam


- entendem-se aquelas situações investidos da capacidade de deci-
nas quais os trabalhadores, direta- são na organização do trabalho.
NOVAS TECNOLOGIAS DE GESTÃO -NTG's
Ricardo Augusto Alves de Carvalho

As NTG's (Novas Tecnologias a necessidade de incorporar os as-


de Gestão) compreendem as inova- pectos sociais, simbólicos e cultu-
ções tecnológicas e organizacio- rais dentro da noção e da concep-
nais como um único núcleo gesti- ção de tecnologia. Nesta configu-
onal, sobretudo a partir do final da ração, a tecnologia deve ser pensa-
década de 80, vinculadas ao retor- da como um conjunto de práticas
no do fator humano, como o novo sociais, um conjunto de processos
(velho) ingrediente de competên- objetivando a transformação do
cia. Neste contexto, as NTG's são conhecimento em "savoir-faire"
concebidas no bojo da "lean pro- para aumentar a produtividade e a
duction" (produção enxuta), como rentabilidade. Vemos aqui que as
a busca desenfreada das empresas condições socioeconómicas são
para redução dos custos para mai- determinantes.
or competitividade, mudando de Dentro desta mesma linha de
maneira drástica a dinâmica con- análise,a noção de "tecnologia de
tratual e de vinculação/engajamen- organização" nos parece também
to empregado/empresa, redese- pertinente. Noção formulada ainda
nhando novas direções no nível das no início da segunda metade da
relações de trabalho em escala década de 80, por CHANARON &
mundial. Dois autores franceses, PARRIN(1986). Nesta concepção,
DRUVOT & VERNA(1994), de- "tecnologia de organização" pode
senvolveram uma concepção de ser designada como um sistenu
tecnologia que integra a dimensão coerente e formalizado de técnicas
sociossimbólica. Estes autores dis- de organização e da organização.
cutem, a partir de numerosas con- definindo também, desta forma,
cepções de técnicas e tecnologias. um modo específico de organiza-
NOVAS TECNOLOGIAS DE GESTÃO -NTG 's 229

ção de trabalho, revelando a rela- controle que passa a ser cada vez
ção entre controle e produtividade mais um autocontrole (desde o
de uma dada empresa. Esta coerên- controle de sua performance pro-
cia tem que ser assegurada por um dutiva, até o controle de seus esta-
conjunto de princípios e axiomas, dos emocionais), ou seja, o contro-
que vão orientar os métodos e as le de sua subjetividade. A mobili-
técnicas de mobilização e de impli- zação da subjetividade, às habili-
cação/engajamento da força de tra- dades ditas atitudinais e relacionais
balho na empresa. A Gestão, neste são incorporadas então a atividades
sentido, passa a ser uma "tecnolo- de gestão. A capacidade de auto-
gia", tão ou mais importante que a gestão é apreendida pela organiza-
"tecnologia" (hardware) stricto ção e utilizada pela produção. Um
sensu. Neste sentido, as NTG's exemplo dentro desta perspectiva
podem ser entendidas como a "sín- de uma NTG são os Emociogra-
tese" otimizada entre os processos mas, também chamados Kanbans
softwares (leves) e hardwares (du- Emocionais. Trata-se de um painel
ros), como por exemplo sistemas em cada célula produtiva com as
integrados de gerenciamento, do fotos de cada trabalhador, com si-
ponto de vista humano e maquinal, nalizadores em verde, significando
em termos de produtividade. Numa "eu estou OK", em amarelo, "aten-
outra acepção, as NTG's são sobre- ção comigo" e vermelho, signifi-
tudo a transformação do trabalho cando "eu estou precisando de aju-
em atividade de gestão (ALVES da". Cada trabalhador deve então
DE CARVALHO, 1998). sinalizar seu estado emocional, as-
Em princípios da década de 90, sim que chega para trabalhar.
esta nova terminologia começa a As NTG's devem ser, sobretu-
ser adotada. A Gestão torna-se, do, compreendidas como mais uma
então, o 'epicentro' dos processos estratégia do capital na direção de
organizacionais, onde as NTG's cada vez mais aperfeiçoar seus
unificariam a gestão do trabalho, métodos de controle e exploração
de um lado e a gestão do trabalha- da classe trabalhadora.
dor, de outro, antes atividades se-
Bibliografia
paradas. Quanto à gestão do traba-
lhador, este deverá, a partir das ALVES DE CARVALHO, Ricardo. Les
nouvelles technologies de gesUon et la
NTG's, gerir a si próprio (ALVES
mobílisation de la subjectivité dans une
DE CARVALHO, 1997). Nesta usine automobile au Brèsil, Editions du
perspectiva, as NTG's objetivam o Septentrion, Lille, 1997
controle do trabalhador, mas um ALVES DE CARVALHO, Ricardo. As
230 NOVAS TECNOLOGIAS DE GESTÃO -NTG 's

novas tecnologias de gestão e a mobili- CHANARON, J.. & J. PARRIN. Scien-


zação da subjetividade numa industria ce, sociologie e organisation du travad
automobilística no Brasil, X X V I Con- in sociologie du travaU, n)l-86, p.23
gresso Interamericano de Psicologia,
DRUVOT, H. & VERNA, G. Les politi-
PUC-SP,1997
ques de développement technologique:
ALVES DE CARVALHO, Ricardo. A Vexemple brésilien, L ' I H E A L , Paris,
transformação do trabalho em atividade 1994
de gestão- considerações sobre os novos
perfis profissionais, NESTH/UFMG,
1998
PROCESSO DE TRABALHO
Elida Rubini Uedke

1. O conceito de processo de vida. Ao modificar a natureza, o


trabalho foi desenvolvido por trabalhador coloca em ação suas
Marx em O Capital, v.I, Parte Ter- energias físico-musculares e men-
ceira, Capítulo V (1867/1968). De tais. No processo de intercâmbio
acordo com o autor, o trabalho é com as forças naturais, ele trans-
um processo no qual os seres hu- forma a si mesmo, ao imprimir, no
manos atuam sobre as forças da material sobre o qual opera, um
natureza, submetendo-as ao seu projeto que já houvera idealizado
controle, e transformando os recur- anteriormente, atribuindo um sig-
sos naturais, em formas úteis à sua nificado ao seu próprio trabalho.
248 PROCESSO DE TRABALHO

Marx expõe seu pensamento acer- meios de produção distintivos do


ca da distinção entre as formas ins- potencial de desenvolvimento atin-
tintivas, animais de trabalho e o gido pelo processo de trabalho em
processo de trabalho humano, uti- uma determinada época histórica.
lizando a figura de imagem que se 3. Considerado em geral, o pro-
tornou bastante conhecida: "... o cesso de trabalho é atividade vol-
que distingue o pior arquiteto da tada para a produção de valores de
melhor abelha é que ele figura na uso para a satisfação de necessida-
mente sua construção antes de des humanas, independente das
transformá-la em realidade" formas sociais que assuma e das
(Marx, 1867/1968, p.202). relações sociais de produção. Seu
2. Os elementos componentes significado é eminentemente qua-
do processo de trabalho são: a) a litativo e refere-se à utilidade do
atividade adequada a um fim, o tra- resultado do trabalho. Já do ponto
balho propriamente dito; b) o ob- de vista do produto como proces-
jeto de trabalho, a matéria sobre a so de produção, assume um signi-
qual se aplica o trabalho; e c) os ficado quantitativo e supõe um
meios de trabalho. O objeto de tra- modo definido de relações de pro-
balho, tanto pode ser a matéria em dução que determinam as condi-
seu estado de natureza (a terra, por ções sociais nas quais se realiza o
exemplo), como objetos resultan- trabalho. Assim, quando o indiví-
tes de trabalho anterior, as matéri- duo trabalha sob controle do capi-
as-primas. Os meios de trabalho talista, a quem vende sua força de
são os instrumentos utilizados pelo trabalho, o processo de trabalho
trabalhador. É o instrumental dis- passa a voltar-se não mais para a
ponível que distingue as condições produção de utilidades, de valores
sociais nas quais se realiza o traba- de uso, mas de valor de troca, como
lho em um dado período histórico. processo capitalista de produção
Incluem-se, aqui, desde os instru- de mercadorias, baseado na valori-
mentos mais simples de transfor- zação do valor (mais-valia). Marx
mação da natureza, a utilização de (1867/1968) define o "fetiche da
força animal, mecânica, elétrica, mercadoria" como o modo pelo
hidráulica, assim como, mais re- qual se apresentam as relações de
centemente, a possibilidade de se produção, na sociedade capitalista,
utilizarem semicondutores, que re- como relações de troca de produ-
volucionaram as técnicas de produ- tos do trabalho e não como rela-
ção. O conhecimento científico é ções sociais entre os produtores.
constitutivo, por excelência, dos 4. Segundo Marx (1867/1968),
PROGRAMA TOTAL 249

O processo de trabalho capitalista GROUP. O Processo de trabalho capita-


lista. In: SILVA, TomazT. Trabalho, edu-
é, essencialmente, processo de pro-
cação e prática social: por uma teoria
dução de mais-valia e não de pro- da formação humana. Porto Alegre: Ar-
dução simples de mercadorias; tes Médicas, 1991.
produz e reproduz a relação capi- DOBB, Maurice. Teorias do valor e dis-
talista, que é aquela entre classes tribuição desde Adam Smith. Lisboa/São
sociais: de um lado, o capitalista e, Paulo: Presença/Martins Fontes, 1977.
de outro, o assalariado. MARX, Karl. O capital: crítica da eco-
nomia política. Rio de Janeiro: Civiliza-
Referências bibliográficas ção Brasileira, 1968. Livro I , v.1-2.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capi- THOMPSON, Kenneth (Ed.). Work, em-
tal monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, ployment and unemployment. Philadel-
1977. phia: Open University Press, 1985.
BRIGHTON L A B O U R PROCESS
SAÚDE MENTAL
Jaqueline Tittoni

A noção da Saúde Mental e do Como sugere Selligmann Silva,


trabalho pode ser definida como "a nestes casos, "a promoção de saú-
inter-relação entre o trabalho e os de mental poderia ser reconhecida
processos saúde-doença, cuja di- apenas na medida em que pudesse
nâmica se inscreve mais marcada- ser reconhecida como parte dos
mente nos fenómenos mentais, insumos necessários ao sucesso da
mesmo quando sua natureza seja produção e da lucratividade"
eminentemente social" (Sellig- (1994, p.48). A questão do traba-
mann Silva, 1994, p.51). lho aparece, quando ocorre alguma
A discussão sobre saúde mental referência ao trabalho, como um
e trabalho está formulada sob di- fator desencadeante dos distúrbios
versas perspectivas, desde aquelas psíquicos, sendo a questão da dinâ-
que se vinculam às políticas de mica mental remetida, principal-
gestão até aquelas que se inscre- mente, a fatores genéticos ou às
vem na discussão sobre saúde do relações familiares dos indivíduos.
trabalhador. A abordagem da saúde mental
No primeiro caso, a ênfase está integrada à problemática da saúde
na compreensão dos processos psí- do trabalhador partilha dos seus
quicos implicados no desenvolvi- pressupostos, propondo uma rede-
mento das tarefas e encontra-se finição da noção de saúde mental,
associada aos estudos sobre moti- onde o trabalho aparece como fa-
vação e satisfação no trabalho. tor constitutivo de adoecimento e
280 SAÚDE MENTAL

de saúde mental. Esta redefinição O primeiro eixo refere-se ao di-


passa pelos estudos de Canguilhem agnóstico dos sintomas de origem
(1986), os quais colocam em pau- "psi" e sua vinculação às situações
ta as análises que se sustentam na de trabalho. Dentre estes, contem-
concepção da saúde e da doença poraneamente, ressaltam-se os es-
como dualidades e oposições e tudos de Codo e colaboradores
suas consequências para a concep- (1993), cuja ênfase está na constru-
ção do normal e do patológico. ção de instrumentos diagnósticos
A partir dessa redefinição, o que permitam o estabelecimento
campo da saúde mental, e trabalho dos nexos causais entre sintomas
aproxima-se da temática da subje- de origem "psi" e situações de tra-
tividade, ampliando as abordagens balho. Neste caso, a influência da
centradas no diagnóstico das doen- epidemiologia, enquanto referên-
ças e dos transtornos psíquicos. cia, metodológica faz-se evidente.
Essa perspectiva redefine temas A importância destes estudos,
clássicos na discussão sobre saúde entre outros, refere-se à formaliza-
mental, como a noção de identida- ção de tais nexos, que pode tradu-
de, por exemplo. Costa (1989) su- zir-se em políticas de saúde e de
gere que a própria causalidade da assistência, podendo trazer melho-
doença está atravessada pelas for- res e maiores garantias de acesso
mas subjetivas de vivenciá-la e aos direitos sociais dos trabalhado-
constrói a noção de "identidade de res acometidos por adoecimento
trabalhador" como traço identifica- ocupacional com comprometimen-
tório que sustenta outros elementos to de sua saúde mental.
da identidade psicológica. A partir O segundo eixo não enfatiza o
dessas ideias, propõe a noção de diagnóstico de doenças ocupacio-
"doença dos nervos" como um nais, mas as representações dos
conjunto de queixas que não pode trabalhadores e suas experiências
ser entendido exclusivamente atra- no cotidiano de trabalho, e nas si-
vés da nosologia psíquica, pois tuações de adoecimento, sendo for-
envolve o trabalho e o lugar de tra- temente influenciado pelo conhe-
balhador na sociedade como fato- cimento produzido nas Ciências
res importantes. Sociais e na Psicanálise.
De um modo geral, colocam-se Nesses casos, encontram-se os
dois eixos na anáhse da saúde men- estudos no campo da Psicodinâmi-
tal e do trabalho construídos por: ca ou Psicopatologia do Trabalho
abordagens teórico-metodológicas (Dejours, 1994) e na perspecti\Ti
diferentes. das representações sociais sobre
SAÚDE MENTAL 281

trabalho e sobre doença (Sato, Neste segundo eixo, desloca-se


1994; Spinck, 1994). Ainda que a doença do foco central, inscre-
com importantes diferenças do vendo a análise da saúde mental e
ponto de vista teórico e metodoló- trabalho, situando-a na vida cotidi-
gico, ambas as perspectivas cen- ana. Do mesmo modo, trata-se de
tram sua análise nas experiências e conceber a saúde mental como um
vivências no cotidiano de trabalho. movimento feito pelos trabalhado-
Sob a ótica da Psicopatologia do res na busca de melhores condi-
trabalho, estão em eviência as for- ções para trabalhar e viver, e não
mas de expressão do sofrimento como um conjunto de especifica-
advindo do trabalho. Neste caso, ções ou um "modelo" a ser segui-
conforme Dejours e Abdoucheli do indiscriminadamente por todos
(1994, p.l22), se trata de "temati- os trabalhadores.
zar o sofrimento no trabalho e as Estes elementos compõem a
defesas contra a doença", eviden- compreensão da saúde mental e
ciando os vínculos entre pressões expressam-se, principalmente, no
do trabalho e defesas e não entre as que Dejours (1994) chama do reco-
pressões do trabalho e as doenças. nhecimento no trabalho. Este reco-
Outro aspecto em questão nes- nhecimento, tomado como tendo
ta perspectiva é a abordagem do importante função nas possibilida-
coletivo e não, exclusivamente, do des de saúde mental dos trabalha-
individual. Nestes casos, o estudo dores, é definido através de duas
das representações sociais como instâncias: o reconhecimento pela
significados atribuídos à experiên- hierarquia, que implica a noção de
cia do "estar doente" ou do "ser utilidade que a atividade desempe-
trabalhador" aparecem como efei- nhada adquire e o reconhecimento
tos de valores, costumes e práticas pelos pares ou pelos colegas de tra-
sociais, entre outros. Assim, é na balho, o qual, por sua vez, implica
sua inscrição na história e na soci- a inteligência, os talentos pessoais
edade que serão buscadas as matri- e a originalidade no exercício da
zes dessas representações. tarefa. Poderíamos acrescentar ain-
Do mesmo modo, na perspecti- da mais uma instância desse reco-
va da Psicopatologia do Trabalho, nhecimento, a saber, aquela que
ressaltam-se as "estratégias defen- advém da família e da sociedade
sivas coletivas" (Dejours, 1987) com relação à atividade desempe-
coletivamente construídas para su- nhada pelo trabalhador.
portar e lutar contra o sofrimento Considerando todos estes as-
advindo do trabalho. pectos, a noção de saúde mental no
282 SAÚDE MENTAL

trabalho sugere, portanto, as pos- lho aumenta na medida em que os


sibilidades que os trabalhadores conhecimentos práticos ou tácitos
forjam de alterar as condições de são transformados em prescrições,
trabalho causadoras de sofrimento, pois o que poderia ser considerado
não podendo ser prescrita ou previ- como uma produção dos trabalha-
amente definida à própria experiên- dores volta-se contra eles na forma
cia no cotidiano de trabalho. As de modos impostos e controlados
possibiUdades de saúde mental no do exercício da atividade.
trabalho, ampliada da noção do di- Assim, coloca-se uma nova pers-
agnósfico das doenças profissio- pectiva de análise do sofrimento
nais, implica nas relações entre os advindo do trabalho que não reside
trabalhadores, e nas possibilidades no "esvaziamento" do seu conteú-
produzidas na sua relação com as do, mas na apreensão dos conheci-
organizações para transgredir as si- mentos dos trabalhadores para a
tuações causadoras de sofrimento. cristalização de novas formas de
Os processos de reestruturação controle e de disciplinamento.
produtiva, as novas estratégias de
Referências bibliográficas
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SAÚDE DO TRABALHADOR 283

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ro: Editora UFRJ, 1994.

SAÚDE DO TRABALHADOR
Henrique Caetano Nardi

Entende-se por Satíde do Traba- to técnico oriundo do conjunto das


lhador o conjunto de conhecimen- disciplinas referidas acima. A Epi-
tos oriundos de diversas disciplinas demiologia Social, através do estu-
tais como: Medicina Social, Saiíde do dos modos de desgaste e repro-
Piíblica, Saúde Coletiva, Clínica dução da força de trabalho apre-
Médica, Medicina do Trabalho, senta uma influência fundamental
Sociologia, Epidemiologia Social, na construção do campo da Saúde
Engenharia, Psicologia, entre tan- do Trabalhador. A análise propos-
tas outras, que - aliado ao saber do ta, pela Epidemiologia Social, con-
trabalhador sobre as condições e a siste na avaliação dos impactos dos
organização do trabalho - estabele- ambientes de trabalho e das formas
ce uma nova forma de compreen- de organização e gestão do traba-
são da relação saúde-trabalho e lho na vida dos trabalhadores a par-
propõe uma forma diferenciada de tir da determinação histórica e so-
atenção à saúde dos trabalhadores cial dos processos de saúde e do-
e intervenção em ambientes de tra- ença (Laurell e Noriega, 1989).
balho (Nardi, 1999). O termo Saúde do Trabalhador
Este conceito situa-se no qua- surge no Brasil no bojo do Movi-
dro geral do estudo das relações mento pela Reforma Sanitária no
entre saúde e trabalho e apresenta- Brasil a partir da década de 1980,
se como um modelo de orientação tendo a Reforma Sanitária Italiana
às ações de atenção à saúde dos tra- como seu exemplo inspirador. A
balhadores. Entende-se por aten- união dos esforços de técnicos de
ção à saúde, as ações de promoção, saúde ligados às Universidades, ao
prevenção, cura e reabilitação e de Ministério da Saúde e as Secreta-
vigilância em saúde. Este modelo rias de Saúde dos Estados, com os
orienta a aplicação do conhecimen- trabalhadores, dentro da emergên-
284 SAÚDE DO TRABALHADOR

cia do Novo Sindicalismo, estabe- guinte definição legal no artigo VI


leceu as bases do movimento. A da lei 8080:
Saúde do Trabalhador nasce opon- "conjunto de atividades que se
do-se aos modelos hegemónicos destina, através de ações de vigilân-
das práticas de intervenção e regu- cia epidemiológica e vigilância sa-
lação das relações saúde-trabalho nitária, à promoção e proteção da
tradicionais, executados pelos pro- saiíde dos trabalhadores, assim
fissionais ligados a Medicina do como visa à recuperação e reabili-
Trabalho, a Engenharia de Segu- tação da saúde dos trabalhadores
rança e a Saúde Ocupacional. O submetidos aos riscos e agravos ad-
contraponto criado tem com mar- vindos das condições de trabalho."
ca simbólica a modificação da de- A portaria que estabelece os
nominação dos serviços de atenção procedimentos para orientar e ins-
à saúde de "Serviços Especializa- trumentalizar as ações e serviços
dos em Medicina do Trabalho" e/ de saúde do trabalhador no Siste-
ou "Saúde Ocupacional" para se- ma Único de Saúde, entretanto, só
rem chamados de "Serviços de será definida em 1998 (Portaria
Saúde do Trabalhador" seguindo N°3.908) através da Norma Opera-
uma tendência mundial nos países cional de Saúde do Trabalhador
que passaram por movimentos de (NOST-SUS).
Reformas Sanitárias semelhantes. A característica que diferencia a
O momento culminante de mobi- Saúde do Trabalhador é a afirmação
lização popular pela Saúde do do trabalhador como sujeito ativo
Trabalhador no Brasil, dá-se na do processo de saúde-doença (in-
V I I I Conferência Nacional de cluindo-se aí a participação efetiva
Saúde, em 1986, e na I Conferên- nas ações de saúde) e não simples-
cia Nacional de Saúde do Traba- mente como objeto da atenção à
lhador, também em 1986. A afir- saúde, tal como é tomado pela Saú-
mação do movimento dentro do de Ocupacional e pela Medicina do
campo institucional acontece na Trabalho. Além desse fato, trata-se
IX Conferência Nacional de Saú- da construção de um saber e de uma
de e na II Conferência Nacional de prática interdisciplinares que se di-
Saúde do Trabalhador em 1994 ferenciam de uma ação centrada no
(Dias, 1994). Consolida-se, desta conhecimento médico ou nos sabe-
forma, como conceito dentro dos res divididos em compartimentos
textos legais na Constituição de (Engenharia, Psicologia, Medicina,
1988 e na Lei Orgânica da Saúde Enfermagem, Serviço Social, etc.)
(Lei 8080) de 1990. Tem-se a se- na forma de uma equipe de técnicos
SAÚDE DO TRABALHADOR 285

das várias profissões que não esta- Não é uma atividade liberal, pois
belece uma interlocução como, tra- a grande parte dos profissionais é
dicionalmente, tem se dado na Me- empregada de empresas, sindicatos
dicina do Trabalho e na Saúde Ocu- e/ou faz parte do sistema de saúde
pacional, respectivamente. pública e da burocracia do Estado
O contraponto entre a Medici- e, portanto, vai espelhar as práticas
na do Trabalho e a Saúde do Tra- institucionais. Isto, por sua vez,
balhador se explica pela história da aniquila a possibilidade de uma
Medicina do Trabalho no Brasil. suposta neutralidade afetiva com
Pois esta história nos mostra que relação ao trabalhador. Ainda com
ela se diferencia, radicalmente, das referência à análise estrutural-fun-
características da profissão médi- cionalista de Parsons e Freidson, a
ca tal como definidas por Parsons legitimidade do exercício da Medi-
(apud Oliveira, 1995) e Freidson cina do Trabalho não se constrói a
(1988), que estabelecem como o partir de um consenso social de que
objetivo da profissão o bem estar esse conhecimento seja legítimo e,
do paciente e a cura da doença, a desta forma, a procura pelo profis-
partir do modelo de prática liberal sional seja espontânea, uma vez
autónoma e dotada de neutralida- que o trabalhador é obrigado a pas-
de afetiva. A Medicina do Trabalho sar pelo crivo e julgamento de ap-
surge no contexto brasileiro e mun- tidão para o trabalho. O exame
dial a partir da necessidade de o médico é uma exigência legal para
Estado intervir nas relações capi- o acesso ao posto de trabalho e se
tal-trabalho e regulamentar os am- constitui na tarefa principal do
bientes de trabalho. O foco central médico, ou seja, ser o "juiz" dos
dessa Medicina, como o próprio mais aptos, para que a produção
nome denota, é a "saúde" do traba- seja mais "saudável". Este objeti-
lho, da produção e, portanto, não é vo da Medicina do Trabalho en-
a saúde do trabalhador. Esta espe- contra-se explicitado em livros tex-
cialidade médica nasce e se cons- tos básicos para o exercício profis-
titui a partir da regulação de um sional (Schuller Sobrinho, 1995).
corpo de normas legais que define A construção do campo da Saúde
sua prática. Não é autónoma, pois do Trabalhador, como uma reivin-
depende desse corpo de leis, que, dicação do movimento sindical e
por sua vez, expressam, como todo dos técnicos de saúde ligados à re-
corpo legal, as relações de poder forma sanitária, expressando uma
em uma determinada sociedade e, profunda discordância com o mo-
portanto, as relações de classe. delo da prática da Medicina do
286 SA ÚDE DO TRABALHADOR

Trabalho, criticando o envolvi- pais críticas advindas dos setores


mento excessivo dos médicos do tradicionais da Medicina do Traba-
trabalho com o Capital. Tal fato lho, da Saúde Ocupacional e da
determina ações profissionais clas- Engenharia de Segurança em rela-
sificadas como antiéticas (Lurie, ção à Saúde do Trabalhador, refe-
1994), por assumirem, os médicos, rem-se ao excesso de influência
posturas de defesa do Capital em das Ciências Sociais, e a um envol-
detrimento da saúde dos trabalha- vimento ideológico à esquerda de
dores. Os teóricos do campo da seus defensores, por representarem
Saúde do Trabalhador apontam, uma proposta estatizante e sociali-
também, para os limites do conhe- zante para a prática da Medicina.
cimento específico da Medicina Além do confronto descrito, a saú-
em lidar com questões que envol- de do Trabalhador enfrenta todas
vem o conflito capital-trabalho. O as dificuldades de gerenciamento
surgimento da Saúde do Trabalha- do SUS propriamente dito. Trata-
dor coloca a saúde dos trabalhado- se do enfrentamento vivido por to-
res como principal objetivo da prá- dos os setores que dependem de
tica médica neste campo, ao invés uma intervenção direta do Estado.
do julgamento da aptidão para o Tais dificuldades são característi-
trabalho. cas das políticas de liberalismo
Apesar de estar definida e nor- económico que advogam o Estado
matizada em textos legais, a im- Mínimo (Vilaça Mendes, 1993). O
plantação de fato do modelo pro- Brasil, de certa forma, chegou atra-
posto para a Saúde do Trabalhador sado na História ao propor uma
- seguindo os princípios da univer- política de welfare state (bem es-
salidade, equidade e integralidade tar social), dentro do modelo soci-
e o controle social das políticas e al-democrático adotado no pós-
dos serviços de atenção à saúde guerra na Europa, pois o fez em um
dentro do Sistema Único de Saúde momento em que o mundo estava
(SUS) - enfrenta a resistência dos sendo varrido pela onda Neolibe-
setores hegemónicos da Medicina ral. Sem ter conseguido implantar-
do Trabalho e da Saúde Ocupacio- se e enraizar-se dentro do sistema
nal. Estes segmentos estão enraiza- público de atenção à saúde, a Saú-
dos nos serviços médicos das em- de do Trabalhador enfrenta as cor-
presas e nas associações profissio- rentes da Medicina do Trabalho e
nais, assim como dentro de setores da Saúde Ocupacional, que se be-
do Ministério do Trabalho (Fadel neficiam de uma intervenção esta-
de Vasconcellos, 1994). As princi- tal mínima, ficando a relação capi-
SINDICATOS • SINDICALISMO 287

tal-trabalho no campo da saúde FREIDSON, E. Profession of Medicine.


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TRABALHO
Elida Rubini Uedke

Como categoria abstrata, o tra- sim, para a reprodução da vida hu-


balho pôde ser entendido, estrita- mana, individual e social (Marx,
mente, como esforço físico ou me- 1867/1968; Kumar, 1985; Freysse-
cânico, como energia despendida net, 1994). Na sociedade capitalis-
por seres humanos, animais, máqui- ta, o trabalho contido na mercado-
nas ou mesmo objetos movidos por ria possui duplo caráter: trabalho
força da inércia. A energia coloca- concreto e trabalho abstraio. O tra-
da em movimento (o trabalho) tem balho concreto corresponde à uti-
por resultado a transformação dos lidade da mercadoria (valor de
elementos em estado de natureza uso), à dimensão qualitativa dos
ou, ainda, a produção, manutenção diversos trabalhos úteis. O trabalho ,
e modificação de bens ou serviços ab||raío corresponde ao valor de
necessários à sobrevivência huma- troca da mercadoria, independen-
na. Nessa acepção, prevalece, es- xemente das variações das caracte-
sencialmente, a dimensão física do rísticas particulares dos diversos
trabalho. Sua valorização corres- ofícios. O conceito de trabalho
ponde à utilidade da ação realizada, abstrato alude ao dispêndio de
ou seja, à possibilidade de aprovei- energia humana, sem considerar as
tamento da força posta em movi- múltiplas' formas em que é empre-
mento para a satisfação de necessi- gada. E nessa qualidade de traba-
dades humanas (Lothe et al., 1994). lho humano abstrato que o trabalho
2. Pressupondo-se exclusiva- cria o valor das mercadorias
mente o trabalho humano, como na (Marx, 1867/1968).
acepção de Marx em O Capital 3. A economia política clássica,
(1867/1968), o trabalho é ativida- que antecedeu a análise da socie-
de resultante do dispêndio de ener- dade capitalista realizada por Marx
gia física e mental, direta ou indi- em O Capital, enfocava os proble-
retamente voltada à produção de mas de crescimento, valor e distri-
bens e serviços, contribuindo, as- buição (Garnsey, 1985). Em A ri-
342 TRABALHO

queza das nações, datado de 1776, cessária à manutenção dos traba-


Adam Smith sustentava, contrari- lhadores e o valor total da produ-
ando as teses dos fisiocratas, para ção (estando o lucro, portanto,
quem o valor da riqueza da socie- condicionado à produtividade do
dade provinha dos produtos da ter- trabalho). Ricardo distinguiu o va-
ra, da agricultura, que o salário se- lor de um bem, determinado pela
ria o preço do trabalho, definido, quantidade relativa de trabalho ne-
no mercado, pela relação entre cessária à sua produção, do preço
oferta e procura. Da mesma forma, do trabalho (Heilbroner, 1972;
o lucro oriundo das transações re- Dobb, 1973).
alizadas no mercado com o esto- No final do século 19, a teoria
que acumulado pelos empresários marginalista mudou a perspectiva
(proprietários de fábricas, comer- metodológica da economia políti-
ciantes) e a renda proveniente da ca clássica, que enfatizava a im-
terra (aluguéis, preço de venda) es- portância dos aspectos históricos e
tariam condicionados à relação institucionais. A teoria marginalis-
entre oferta e procura, à chamada ta passou a enfocar a escolha indi-
"mão invisível do mercado". Ter- vidual em condições de escassez
ra, capital e trabalho dão origem às de bens e serviços. Os salários e os
três classes fundamentais da soci- lucros passaram a ser analisados
edade: proprietários fundiários, sem referência às relações sociais
empresários e trabalhadores. O an- e políticas entre patrão e emprega-
tagonismo de classes, não apenas do. Os ganhos obtidos no mercado
entre trabalhadores e industriais, refletiriam os efeitos agregados
como também entre industriais e das transações de mercado, deter-
proprietários fundiários, foi radi- minados pelas preferências indivi-
calizado na teoria do valor de Da- duais em condições de escassez
vid Ricardo em Princípios de Eco- (Garnsey, 1985).
nomia Política; obra datada de 4. Na acepção de Marx e Engels
1817. Sua teoria do valor opunha em A ideologia alemã, datada de
salários aos lucros e renda fundiá- 1845-6, o processo de divisão téc-
ria, aos lucros do capital invesrido nica do trabalho na manufatura,
na indiistria. Na obra, Ricardo for- incluindo-se a divisão entre traba-
mulou sua teoria do valor trabalho, lho manual e trabalho intelectual,
a qual, sintedcamente, coloca-se é, essencialmente, divisão entre
nos seguintes termos: o lucro é o classes sociais, burguesia e prole-
excedente, ou a diferença residual tariado; a relação entre capital e
entre a quantidade de trabalho ne- trabalho, a base da exploração e da
TRABALHO 343

dominação social. Desde essa pra e venda de força de trabalho: o


perspectiva, são diferentes os sen- fetiche da mercadoria significa
tidos das medidas de reconheci- que, nesse processo de troca, ocor-
mento social pela contribuição útil, re a geração de um valor exceden-
produtiva, de cada indivíduo, e te que é apropriado pelo capitalis-
opostos, entre as classes dominan- ta. Marx disdngue as noções de
tes e as subalternas, no processo trabalho, força de trabalho e traba-
capitalista de acumulação: lucro lhador: o capitalista compra, no
empresarial, juro do capital finan- mercado de trabalho, a força de
ceiro, renda das classes proprietá- trabalho, capacidade de trabalho, e
rias de bens imóveis e salário da não trabalho realizado. A força de
força de trabalho livre. trabalho torna-se, na sociedade ca-
A crítica de Marx à economia pitalista, uma mercadoria, mas o
política clássica consistiu em trabalhador não. A quantidade de
apontar que as relações de produ- trabalho obtida depende do modo
-|*^ção capitalistas constituem rela- de organização do processo produ-
ções de produção de valores de tro- tivo, a fim de promover a coopera-
ca (mercadorias), tendo em vista a ção do trabalhador e desestimular
acumulação de capital, através da atitudes de resistência ao trabalho.
expropriação da mais-valia gerada Ao realizar uma tarefa, o traba-
pela força de trabalho no processo lhador, como ser humano, utiliza,
capitalista de produção. A expres- continuamente, sua capacidade de
são trabalho livre, base da relação avaliação e de julgamento. As re-
capitalista de trabalho, significa lações baseadas na confiança mú-
separação entre a força de trabalho tua, entre chefias e subalternos de-
e a propriedade dos meios de pro- sempenham funções importantes
dução. A venda da força de traba- nos locais de trabalho, particular-
lho torna-se a única alternativa do mente em situações em que não
trabalhador livre para obter, atra- haja possibilidade de controle de
vés do salário, sua sobrevivência. todas as atividades que estão sen-
Até este ponto, Marx, em sua obra do executadas (Rueschemeyer,
O Capital, não se distancia muito 1986). Trabalho prescrito e traba-
dos economistas clássicos como lho real são aspectos distintos da
Adam Smith e, particularmente, da atividade de trabalho - normativi-
teoria do valor-trabalho de Ricar- dade, de um lado, e mobilização
do. Entretanto, segundo Marx, de subjetiva, inventividade, de outro.
forma alguma, ocorre uma troca de Seu reajustamento contínuo pro-
equivalentes no processo de com- picia a adequação do trabalho aos
344 TRABALHO

objetivos inicialmente formulados cos nas obras de Marx e Engels,


ou, mesmo, a redefinição desses como em A ideologia alemã, de
objetivos. E no processo dinâmi- Marx e Engels (1968), e em O Ca-
co de inter-relação entre os requi- pital, de Marx (1968), entendem
sitos psíquicos e físicos do traba- que a ênfase nos aspectos físicos e
lho que reside a base da coopera- utilitários do trabalho humano, en-
ção, da construção dos acordos in- quanto afividade económica sepa-
tersubjetivos, necessários para a rada de outras dimensões da vida
fabricação do consenso e para a social e individual, como a religi-
viabilização do processo de traba- osidade, a organização familiar, a
lho (Rueschemeyer, 1986; De- política e a sexualidade, é consti-
jours e Molinier, 1994). tutiva da hegemonia cultural bur-
5. A noção de trabalho huma- guesa. O trabalho foi incorporado
no associa-se a um significado si- à ideologia burguesa como catego-
multaneamente penoso, expresso, ria universal e fundadora de toda a
por exemplo, na formação cultu- vida social, de forma independen-
ral cristã, pela condenação de te de seu contexto histórico, como
Adão no Velho Testamento, e gra- atividade natural de produção e
tificante, expresso pela interpreta- troca de valores de uso, necessária
ção humanista do trabalho como à reprodução material da vida em
mimesis do ato divino de criação. sociedade. Na Era Moderna, após
Na interpretação de Max Weber as grandes navegações, a socieda-
acerca da doutrina calvinista em A de ocidental pautou-se pelo pro-
ética protestante e o espírito do cesso de expansão do mercado ca-
capitalismo, publicada, inicial- pitalista e pela manufatura. Nesse
mente, em 1905, o conceito de tra- contexto, particularmente tendo
balho, no sentido de ascese, ope- por referência os séculos 18 e 19,
rou uma ruptura com a tradição na Europa, floresceu a cultura bur-
cristã, que separava a vida espiri- guesa apoiada nos princípios de l i -
tual do mercado. A recompensa berdade de mercado, de autodeter-
pelo trabalho passou a ser enten- minação individual e de racionali-
dida como sinal de cumprimento dade científica. Nas sociedades
do dever espiritual e de escolha pré-industriais ou, por outra, nas
divina (Kumar, 1985). sociedades onde não ocorreu o pro-
6. Historiadores, sociólogos e cesso de diferenciação do mercado
antropólogos, situados em corren- capitalista, as atividades de trabalho
tes de interpretação que têm seus constituíam parte indissociável das
referenciais teórico-metodológi- demais atividades da vida social.
TRABALHO 345

como lazer, família e comunidade psicossocial, tanto do ponto de


(Kumar, 1985; Freyssenet, 1994). A vista individual, como para a vida
noção burguesa opõe trabalho a comunitária.
não-trabalho ou lazer, separando as 8. No limiar do século 21, os
esferas doméstica e pública da vida avanços da tecnologia microeletrô-
social. De acordo com essa perspec- nica e da racionalização das técni-
tiva, a divisão sexual do trabalho, cas organizacionais do processo de
baseada em relações patriarcais de trabalho, orientados por conceitos
sexo e género, permaneceu enten- como produção flexível, produção
dida como divisão natural entre os enxuta e especialização flexível,
papéis sociais masculinos e os pa- em um contexto de competição ca-
péis sociais femininos. O trabalho pitalista global, colocam em che-
da mulher junto à família e às ati- que a centralidade do trabalho.
vidades domésticas é considerado Decorridos três séculos de predo-
não-trabalho, atividade inerente à mínio da sociedade industrial, o
natureza feminina. trabalho passa a assumir um con--^
Paralelamente, associou-se a teúdo crescentemente intelectual,
noção de trabalho (referente ao tra- em contraposição ao conceito de
balhador livre, na relação assalari- trabalho físico, manual. Aumenta
ada) à sua forma institucional, o a importância da informação, do
emprego. O trabalho, como empre- trabalho imaterial, em contraposi-
go, como função a ser desempe- ção ao conceito convencional de
nhada na ou p a r a a produção (in- trabalho, centrado na ideia de
cluindo-se, aí, as funções indiretas, transformação da natureza. Para
de concepção e da gestão do tra- alguns estudiosos, teria chegado o
balho, assim como as funções de momento, na história da humani-
organização, de administração, de dade, de separarem-se, novamen-
governo e de reprodução da vida te, os conceitos de trabalho, em-
social num senrido mais abran- prego e identidade social e indivi-
gente), tornou-se importante refe- dual. Outras formas de socializa-
rencial para o desenvolvimento ção, de construção das identidades
emocional ético e cognitivo do in- sociais e individuais, deverão vol-
divíduo ao longo do seu processo tar-se para atividades de cunho co-
de socialização e, igualmente, munitário, como escolas, clínicas,
para o seu reconhecimento social, clubes de bairro, manutenção de
para a atribuição de prestígio so- infra-estrutura nas cidades, envol-
cial intra e extragrupal. O desem- vendo várias formas de trabalho
prego tornou-se fonte de tensão voluntário (Kumar, 1985; Caccia-
346 TRABALHO

mali, 1996). Estudos recentes a- FREYSSENET, Michel. Quelques pistes


nouvelles de conceptualisation du travail.
pontam para a importância de po-
Sociologie du travad, v.36, n.HS, p.l05-
líticas públicas voltadas ao estímu- 122, 1994.
lo de atividades intensivas em
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culação, os desafios são amplos e unemployment. Philadelphia: Open
University Press, 1985.
incertas as alternativas. Porém,
parece certo que as formas precá- HEILBRONER, Robert. Os Grandes
economistas. Lisboa: Dom Quixote,
rias de ocupação da força de tra-
1972.
balho (trabalho temporário, desre-
gulamentação do trabalho, rebai- KUMAR, Krishan. The social culture of
work. In: THOMPSON, Kenneth (Ed.).
xamento dos salários) estão longe Work, employment and unemployment.
do conceito aristotélico de traba- Philadelphia: Open University Press,
lho humano como obra criativa, 1985.
livre da esfera da necessidade. LOTHE, François; DULMET, Maryvo-
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