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Livre arbítrio não é só a capacidade de decidir.

Isso até um computador


pode imitar. Livre arbítrio é capacidade de decidir E DE ARCAR COM
AS CONSEQÜÊNCIAS. Isso os computadores só poderão imitar
quando inventarem um computador dotado de responsabilidade
moral, civil, penal e “post mortem”. So simple as that.

Para um povo não cair na loucura e na barbárie, duas coisas não podem
parar: a missa e a educação clássica.

Cultura literária não é ler muitas obras de literatura. É absorver delas,


e incorporar na nossa própria alma as inumeráveis superfícies
refletoras com que, pela imaginação de muitas vidas possíveis, elas
nos ajudam a perceber e compreender a alma alheia. 
Quem não quer fazer o esforço para adquirir essa capacidade não tem
NENHUM interesse em compreender o seu próximo, e toda a sua
presunção de “amá-lo” é pura pose.
*

Alguém pode receber do céu, de graça e sem nenhum esforço de auto-


aperfeiçoamento cognitivo, o dom de compreender a alma alheia e
poder então amá-la?
Pode, mas isso é evidentemente um milagre, e Cristo deixou claro:
“Maldita a geração que pede um milagre”. Quanto mais malditos,
então, não serão aqueles que acreditam ter DIREITO ao milagre e por
isso se consideram dispensados do mero esforço humano de
aprendizado?

TODO o cristianismo é um apelo ao despertar da autoconsciência


individual, biográfica, sem a qual o sacramento da confissão se reduz a
um mero formalismo exterior. Esse despertar NÃO É FÁCIL nem se
realiza num estalar de dedos só porque você teve, como hoje em dia
tantos alardeiam com leviandade obscena, “um encontro pessoal com
Jesus Cristo”. O PRIMEIRO sinal de uma autoconsciência individual
maximamente desenvolvida só aparece com as “Confissões” de Santo
Agostinho (397-400 a. D.), e essa obra contrastava de tal modo com a
impessoalidade e oficialismo das autobiografias antigas, que durante
mil e duzentos anos permaneceu um exemplo isolado, sem disseminar
um novo gênero literário. Esse gênero só começará a dar seus
primeiros sinais de vida a partir do século XVI.

Sem o desenvolvimento da arte narrativa, a consolidação da


autoconsciência biográfica seria IMPOSSÍVEL. As “Confissões” de
Agostinho são o fruto de um milagre, anterior a todo esse
desenvolvimento de séculos. A pergunta é: Por que todos os outros
seres humanos não receberam o mesmo milagre e, em vez disso,
tiveram de esperar muitos séculos até que o desenvolvimento da arte
narrativa lhes desse os meios de autocompreensão que Agostinho
recebeu do céu? É simples: Deus não quer fazer no seu lugar o que Ele
quer que você faça.

Roxane Carvalho 
Nosso amigo Mauricio Marques Canto Jr. está no hospital com um quadro
clínico meio complicado, envolvendo um problema nos rins e na circulação
sanguínea. Por favor, rezem pela recuperação da saúde dele.
*

Para quem não está no COF, informo que esses tópicos sobre literatura
e consciência autobiográfica foram partes do assunto da aula de ontem.

Cada personagem, cada situação ficcional, cada emoção, cada


ambigüidade e cada paradoxo da narrativa tem de se impregnar na
sua mente como possibilidade humana concreta, reconhecivel na vida
real — na sua própria e na das pessoas que você conhece. Tem de se
transformar num ÓRGÃO DE PERCEPÇÃO. 

Só assim a leitura literária vale a pena e tem verdadeiro poder


educativo.

Faça isso com obras da literatura dos dois últimos séculos durante
alguns anos, e depois você lerá a Bíblia com olhos mais penetrantes.
É preciso evitar, naquelas, todo tecnicismo acadêmico e, nesta, toda
especulação teológica. Não “analise” o texto, apenas guarde os conteúdos na
memória até que eles próprios comecem a lhe mostrar o que desejam lhe
mostrar.
Análises técnicas e especulações teológicas, só muitos anos depois de ter
assimilado muitos textos dessa maneira. Antes, não.

Leia tudo como se fosse narrativa de acontecimentos reais, sentindo


intensamente a presença das situações, personagens, conflitos, etc.

Acredite em tudo como se estivesse vendo com os próprios olhos ou


vivenciando você mesmo as situações.

Flávio Lindolfo Sobral Eu não consigo entender como o protestantismo


americano é de uma exuberância intelectual ímpar, enquanto o brasileiro
chega a ser visceralmente averso à vida intelectual – ao ponto de exaltar a
ignorância como um “dom divino”. Pois, a religião leva a uma vida
intelectual.
Olavo de Carvalho Mas a culpa é do próprio protestantismo americano, que
agora já superou o seu anti-intelectualismo mas primeiro o ensinou aos
brasileiros. Leia o livro do Hofstadter que mencionei na aula.
*

Em geral, o que os professores de literatura na universidade ensinam é


não entender nada e teorizar sobre tudo.

Os mesmos métodos que ensinei abaixo podem servir para a leitura de


obras históricas e biografias. Muitos grandes homens do passado
formaram a sua alma decorando as “Vidas Paralelas” de Plutarco,
Shakespeare e a Bíblia.

Muitas obras de ficção e teatro nada mais são do que simbolismos


bíblicos “descompactados” e traduzidos em situações mais próximas da
nossa experiência real.

É importante abster-se de “interpretar” e “analisar”, seja em termos de


teoria e crítica literárias, seja, mais ainda, de religião e teologia.
DECORAR E SENTIR: isto é o que interessa no começo — um começo
que pode durar muitos anos.
*

Com essa prática, aos poucos as histórias da Bíblia se tornarão tão


transparentes para você como se fóssem notícias de hoje em dia, sem
que você precise “interpretá-las”.
É preciso ler a Bíblia sem a carga de lições morais e teológicas que
geralmente antecedem e deformam a sua leitura. É preciso lê-la como
se você estivesse VENDO tudo se passar diante dos seus olhos ou
mesmo sentindo na carne como se você fosse um dos personagens. Mas
você não conseguirá fazer isso com a Bíblia se antes não fizer o mesmo
com MUITAS histórias da literatura simplesmente humana.

Jonas Faga Jr. Professor, confesso que, seguindo esse conselho, não consigo
mais ver o deus do antigo testamento como algo sequer parecido com o Deus
que Jesus nos apresentou. Onde estou errando, se é que estou? Obrigado.
Olavo de Carvalho Esse paradoxo existe mesmo. Tente antes resolver algum
enigma mais fácil.
*

Leibniz ensinava: O homem que tiver na mente mais figurinhas


decoradas, ainda que totalmente ficcionais, será no fim das contas o
mais inteligente.

Xavier Gil O Rafael Falcón ensina que, quanto mais a criança escuta estórias e


mais tempo leva para ler e escrever, melhor será para ela, sendo que o ideal
seria a alfabetização depois dos sete anos de idade. Confere?
Olavo de Carvalho Certíssimo.
*

O primeiro livro que li com verdadeira paixão foi “O Caçador”, de John


A. Hunter, um livro de memórias. Até hoje aqueles bichos e aqueles
caçadores aparecem na minha mente, sem nenhum esforço da minha
parte, como modelos de situações vividas.

Meu primeiro modelo de conduta cristã foi a Sônia de “Crime e


Castigo”. Foi com ela que aprendi que o cristianismo é, em essência, o
perdão e nada mais.

*
Tem muita gente que discute Bíblia o dia inteiro e até hoje não
entendeu isso.

Xavier Gil Os fariseus eram doutores nas Escrituras. O que adiantou tanto
estudo? Não entenderam nada e meteram Cristo numa cruz.
Olavo de Carvalho Exatíssimo.
*

Aos poucos fui entendendo, sem interpretar nada e sem nem de longe
pensar em controvérsias religiosas, aquilo que mencionei num post de
ontem: Se o próprio Deus Pai não viu outra solução para os dramas
humanos exceto o perdão, como poderia eu encontrar uma solução
melhor?

Gabriela Barcelos Domingues Professor, te amo cada dia mais!!!!Suas ultimas


postagens estão sensacionais.  ❤
Olavo de Carvalho Obrigado, meu anjinho.
*

A escala dos personagens segundo o PODER de cada qual, traçada por


Aristóteles e exposta mais criticamente por Northrop Frye, é muito útil.
É mais fácil você entender personagens banais, como Madame Bovary,
ou mesmo idiotas autênticos como Policarpo Quaresma, do que
personagens de alma nobre, rica e complexa como Hamlet. O pregador
religioso quer que você entenda logo os santos e profetas, ou mesmo o
próprio Jesus. Resultado, você entope a sua imaginação com
estereótipos. Fica tudo horrivelmente artificial.

Fernando Ferreira Jr Prof. Olavo: o sr. lembra em qual livro/artigo o Frye


desenvolve a escala do Aristóteles?
Olavo de Carvalho “Anatomia da Crítica”
*

Como posso entender o drama de um DEUS, se não entendo nem o de


uma empregadinha doméstica?

*
Se ouvir alguém dizendo que “a literatura é uma construção
linguística”, estrangule-o e não pense mais no assunto.

Se aparecer alguém pontificando: “Sim, o perdão, mas tem isto, mais


aquilo, patati-patatá”, responda: 
— Isso é direito canônico. Está acima do meu nível salarial. Pensarei
nisso daqui a vinte anos.
*

Se não consigo entender nem os meus próprios pecados, como posso


imaginar Jesus subindo o Calvário, carregando nos ombros os pecados
do mundo?

Comece por tentar entender os pecados das criancinhas. Por que você
roubou um pirulito?

Espero mais dos meus alunos do que das três Forças Armadas juntas.

Costumo acordar na mesma posição em que adormeci. Enquanto isso a


Roxane rola, pula, me chuta, me dá cotoveladas no nariz e depois
reclama que dormiu mal.

O primeiro modelo de persistência que me impressionou foi o daquele


rastreador africano que, em “O Caçador” de John A. Hunter, subiu
numa árvore para fugir de um búfalo enfurecido e teve os testículos
arrancados a dentadas. Ele passou décadas procurando AQUELE
búfalo, matou-o e comeu-lhe os bagos.

Gabriel Maganha Essa história é real ou ficção?


Olavo de Carvalho Real. O rastreador era empregado do Hunter.
*
NÃO leia a Bíblia buscando lições de moral. Leia buscando as histórias
em si mesmas. A lição de moral vem sozinha, mas só depois de muitos
anos.

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