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Dr.

Pierre Schmidt
Est obra é uma coletânea de conferências ministradas pelo
Dr. Pierre Schmidt que tem por objetivo apresentar ao homeopa-
ta, seja ele estudante ou profissional, a vivência da prática de
abordagem e tomada do caso clinico deste mestre que conviveu
com discípulos diretos de James Tyler Kent.
Esses textos foram cuidadosamente selecionados, traduzidos
e organizados dentro de uma segiiência que vai da anamnese até
a prescrição homeopática, servindo assim para o aprimoramento
da técnica de anamnese, valorização e seleção dos sintomas mais
importantes de um caso, seja ele agudo ou crônico.
Visando fornecer um guia para os clínicos, encontra-se em
anexo um encarte denominado "Como Formular Perguntas em
uma Anamnese Homeopática”, que certamente auxiliará os pro-
fissionais homeopatas.

ii
: ISBN 85-86625-24- 8.
A Arte de Interrogar
e outros textos selecionados do
Dr. Pierre Schmidt
A Arte de Interrogar
e outros textos selecionados do
Dr. Pierre Schmidt

Editora associada

Dr. Pierre Schmidt 2004


(1894-1987) . São Paulo, Brasil

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Editora Organon
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Editora Organon
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Editor: Dr. Ariovaldo Ribeiro Filho


Sumário
Editora Organon
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CEP 01599-970 S.Paulo — SP
Tel.: (11) 5084-9397 Prefácio ......... eee neta 9
Web site: www.editoraorganon.com.br

A SINTOMATOLOGIA .........ccicicccccsiceeiicen 13
Tradução: Dr. Cláudio Roitman
Copydesk: Alessandra J. Gelman Ruiz
H A ARTE DE INTERROGAR ......... ces 19
e Conselhos práticos sobre a ............. 21
Diagramação: Mercury Digital
Capa: Ricardo Serraino consulta homeopática
e A arte de interrogar nas doenças crônicas .... 34
e Como formular as perguntas? ................... 44
e A arte de interrogar nas afecções agudas ..... ss
e Os deveres do médico homeopata................ 98
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) e A propósito do questionário
— Estudo crítico ............i iii 103
Schmidt, Pierre
A arte de interrogar e outros textos selecionados / Pierre Schmidt
[tradução de Cláudio Roitman] / São Paulo : Editora Organon, 2004.
HJ O DIAGNÓSTICO.........cciiiiiiiiiiiiicereeee eo 113

ISBN 85-86625-24-8
e As armadilhas do diagnóstico .................... 134

1. Homeopatia —- Semiologia 2. Anamnese homeopática I. Título lv A VALORIZAÇÃO DOS


SINTOMAS NA HOMEOPATIA ...........iccceeo. 139
CDD-615.532 NLM-WB 930

COMO ESCOLHER O REMÉDIO ................. 147


Índices para catálogo sistemático:
— A SELEÇÃO MEDICAMENTOSA
1. Homeopatia : Semiologia homeopática 615.532 NA HOMEOPATIA
2. Semiologia homeopática : Homeopatia 615.532
vil ESCOLHA DA DINAMIZAÇÃO ...............o. 165

Vil A PRESCRIÇÃO DO REMÉDIO ................ 185

Vil POSOLOGIA DO REMÉDIO HOMEOPÁTICO.. 191


Prefácio
IX DILUIÇÃO E DINAMIZAÇÃO DOS REMÉDIOS 199

A MATÉRIA MÉDICA .........cccciiisecitistecree na 205

XI HIGIENE E CAUSAS OCASIONAIS ............ 211


O interrogatório, na Homeopatia, é uma das etapas
mais importantes para o encontro do medicamento homeo-
xH HOMEOPATIA DE URGÊNCIA ..........ccccc. 2253
pático. Ele está diretamente relacionado ao sucesso da pres-
crição, pois fornece o substrato essencial no qual o médico
Xl PEQUENA REVISÃO
se baseia para realizar a comparação com a Matéria Médi-
MEDICAMENTOSA PRÁTICA ......ciiiceccentos 241
ca Homeopática e fazer a seleção, pela similitude, do me-
dicamento correto.
Muito fácil seria se apenas tivesse-se que estabelecer um
diagnóstico clínico - pronto, o trabalho do médico acabaria
aí! A realidade da atividade hodierna, entretanto, é mais
ampla do que apenas colher dados da queixa clínica, fazer
um bom exame físico e pedir alguns exames complementa-
res para confirmar a hipótese diagnóstica. O homeopata, ao
se deparar com seu paciente, necessita saber abordar corre-
tamente sua história de vida, os desencadeantes do sofri-
mento e da moléstia, as peculiaridades da saúde e da doen-
ça, Os sintomas gerais e muitos outros aspectos que
concernem à individualidade daquele que sofre.
Hahnemann foi muito preciso quando escreveu o pará-
grafo 83 do Organon:

“Este exame individualizador de um caso de moléstia...


apenas requer do médico ausência de preconceitos (im-
parcialidade), sentidos perfeitos, atenção na observa- "Os textos foram traduzidos e adaptados para o portu-
ção e fidelidade no traçar o quadro da doença”. guês, do original em francês, pelo médico homeopata
Dr. Cláudio Roitman, o que conferiu qualidade ao conjunto
Eis a arte, a base e a razão plena da necessidade de um da obra. Além disto, houve o trabalho de copydesk realizado
trabalho que vai além da mera observação de algumas pou- pela Sra. Alessandra J. Gelman Ruiz, a quem também agra-
cas histórias tomadas pelos nossos preceptores. Para atingir decemos.
o ponto descrito por Hahnemann, faz-se necessário um trei-
no diário, um exercício de observação pessoal e, logicamen-
te, do paciente também. É um trabalho não de interferir, São Paulo, julho de 2004
mas de participar no relato da história para um entendimen-
to do processo individual de adoecimento e reconhecimento
Ariovaldo Ribeiro Filho
de sinais manifestos, que devem ser considerados para a
Editor
escolha do medicamento homeopático.
Esta seleção de textos, que são, na realidade, transcri-
ções de aulas ministradas pelo Dr. Pierre Schmidt, atende
justamente à necessidade de apresentar ao homeopata, seja
ele estudante ou profissional, a vivência deste mestre que
conviveu com discípulos diretos de James Tyler Kent. O
objetivo básico desta obra está em aprimorar a técnica da
anamnese, a valorização e a seleção dos sintomas mais im-
portantes de um caso, seja ele crônico ou agudo. Com vis-
tas a atingirmos este objetivo, selecionamos alguns textos
relacionados à prática semiológica, realizamos uma tradu-
ção e adaptação ao português e, a seguir, organizamos os
diferentes temas dentro de uma sequência que vai da
anamnese até a prescrição homeopática. Visando fornecer
um guia para os clínicos, elaboramos um encarte denomi-
nado “Como Formular Perguntas em uma Anamnese Ho-
meopática”, que certamente auxiliará os homeopatas em
geral.
Como todo o trabalho que vem sendo realizado pela Edi-
tora Organon, este também visa difundir a Homeopatia atra-
vés da edição de textos de qualidade editorial e contribuir
para o aperfeiçoamento dos homeopatas.
A SINTOMATOLOGIA
Sintomatologia 15

D e uma maneira geral, parece que o ser humano está


colocado diante do problema da laranja.
- Imagine uma imensa laranja. Esta laranja possui casca,
gomos e, no interior, caroços, que podem fazer com que a la-
ranja se reproduza. Estas três partes estão em locais bem dife-
rentes da fruta. A primeira encontra-se completamente no ex-
terior, exposta, e pode-se vê-la, olhá-la e analisá-la. Os gomos
estão um pouco mais ocultos, no interior da fruta. E completa-
mente por dentro, na parte mais escondida, há os caroços.
Existem, também, três categorias de homens. Os homens
da Ciência, que estão no exterior, na casca, e que examinam,
pesam, olham o externo da laranja; são os que vêem. Eviden-
temente, se a laranja for muito grande, eles nunca terminarão
de examiná-la. No centro, nos caroços, estão os filósofos, os
homens da religião, os espiritualistas, que conhecem o segredo
interior das coisas, porém como é um segredo abstrato e ocul-
to, eles fornecem uma explicação sobre ele sempre relativa-
mente abstrata, pois eles não podem se exprimir como os ho-
mens da Ciência que, do exterior, examinam, medem e pesam.
Finalmente, há os que tentam unir o que está no profundo com
o que está na superfície: são os artistas, que exprimem esta ten-
tativa através da Literatura, da Pintura da Música, etc. São os
que exprimem a verdade interior e a manifestam no exterior.
Os sintomas objetivos não são simplesmente os que se
observa no doente, mas abrangem todos os resultados labo-
Sintomatologia 17
16 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

Porém, para o estudo de um caso constitucional, deve-


ratoriais, os exames radiológicos e outros, que nos fornecem
mos considerar:
diversos sintomas! objetivos.
A universalidade dos sintomas, os sintomas atuais do
Existem trabalhos publicados sobre as “doenças sem sin-
doente, os sintomas que ele teve ao longo da sua vida desde
tomas”. Porém, me parece que isto não existe: sempre há
a sua infância, e também os sintomas dos seus pais; do pai,
sintomas que podem ser encontrados através de diversos
caso se trate de uma menina, e da mãe, se for um menino.
meios de investigação e análise. Alguns indivíduos, eviden-
Eis um pequeno exemplo extraído de meus pacientes:
temente, têm sífilis e não sabem disto, pois não possuem
Sr. M., 43 anos. Operado de uma hidrocele e de uma
sintomas aparentes mas apresentam teste de Wassermann
hérnia há um ano, sofre de muitas anginas. Teve uma pri-
positivo.Este, para mim, é um sintoma.
Nas doenças terminais graves, as cancerosas por exem- mo-infecção no ápice direito com 26 anos, uma comoção
cerebral aos 33 e há 10 anos sofre de uma fístula anal.
plo, os doentes apresentam somente sintomas locais da sua
Seu médico o encaminhou a um cirurgião, pensando não
doença, não mostrando mais reações pessoais, subjetivas.
haver outra saída senão a cirurgia. Este último confirmou a
Isto geralmente é muito grave, pois sempre se quer encon-
opinião do médico, insistindo que apenas a cirurgia poderia
trar sintomas subjetivos.
resolver o problema e que todos os outros meios estavam
O problema sempre está na observação. Quando se olha
fadados ao insucesso e que, ainda, se ele esperasse ou ten-
uma pessoa que está diante de nós, uma piscadela de olho,
tasse qualquer outro tipo de tratamento, a operação tornar-
um franzir, um pequeno tique, qualquer coisa pode revelar
se-ia difícil, senão impossível. O doente, assustado, aceitou
um estado patológico bastante inicial, um estado que a
a preparação para a operação, que consistia na cauterização,
maioria dos médicos não observa.
o que provocou muitos sofrimentos; depois, ele se subme-
teu à cirurgia dita “radical e salvadora”.
Já mencionei diversas vezes e repeti que é necessário
distinguir “o conjunto”, “a totalidade” e a “universalidade” Porém, a cicatrização não foi boa e o cirurgião disse que
dos sintomas. havia uma infecção. Durante um mês o doente eliminou secre-
O conjunto dos sintomas é aquele que se observa em um ções. O tratamento, com nitrato de prata, foi bem doloroso.
determinado momento durante uma doença aguda. Por Um mês depois, o estado é estacionário: apresenta uma fístula
exemplo: uma crise de rinite alérgica, uma súbita crise de como anteriormente, que talvez esteja supurando ainda mais.
litíase, uma picada de abelha. Pega-se o conjunto destes sin- Tratou, então, com cauterização local, que interrompeu
tomas e procura-se o remédio correspondente. a secreção durante duas semanas, recidivando em seguida.
A totalidade dos sintomas é a que abrange todos os sin- Após três meses de tratamento dito pós-operatório, a fístula
tomas de uma doença no estudo de um caso crônico, por permaneceu presente, muito exsudativa, exalando perma-
exemplo, desde o início da doença até o presente. nentemente um odor penetrante, que afetou o moral do
doente e, a cada nova consulta, deixava o cirurgião mais
irritado e descontente, e ele dizia que era seu primeiro caso
1 No original referido como sintomas. Sabe-se que estes elementos são conside-
rados sinais (N.T.).
com uma reação tão ruim, e que a culpa era do paciente.
18 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

Diante deste brilhante resultado, em que o doente lem-


brou ao médico suas palavras iniciais, isto é, que a operação
seria o único método que daria resultado e que qualquer
outro método estaria destinado ao insucesso, o cirurgião res-
pondeu que isto era absolutamente verdade. Visto que os
tratamentos médicos que ele havia feito não solucionaram o
caso, ele reencaminhou o doente ao seu médico, que res-
pondeu não ser de sua alçada e que ele não era especialista
II
em ânus. O pobre cliente, exsudando pelo reto, completa-
mente desamparado e desgostoso da Medicina e dos médi-
cos, e voltou-se, então, à “divina Homeopatia”.
Com Silicea XM, que correspondia à totalidade do esta-
do constitucional do doente, a fístula secou na primeira
A ARTE DE INTERROGAR
dose.
Cinco semanas depois, uma segunda dose lhe foi pres-
crita e depois, após dois meses, Silicea SOM em uma dose
única foi indicada. Depois disto, o doente não apenas curou
sua fístula, mas todo o seu estado geral se transformou; ele
disse estar encantado e com plena saúde. Tal é o resultado
que a Homeopatia pode trazer, seguindo-se a doutrina do
seu fundador.
De nada adiantou mostrar, depois, tal caso ao cirurgião.
Ele respondeu: “Coincidências, pois somente os cirurgiões
podem curar tais casos!”. “Alguns destes casos necessitam de
um tratamento prolongado, de um, dois e até três anos. Deve-
se saber persistir!”, dizem eles. “E há também fístulas que
não se curam!”. Há um padre, na região dos Pireneus, que
possuía uma fístula e numerosos outros sintomas. Este ho-
mem apresenta, atualmente, uma saúde perfeita, não possui
mais dores de cabeça e nem insônias, come bem, é alegre, e
cheio de disposição. Entretanto, ele possui umafístula que às
vezes exsuda. E foi bastante inteligente para compreender
que diante do resultado brilhante sobre todo o seu estado
geral, é melhor permanecer com a fístula e continuar bem.
Aarte de interrogar 21
Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

Conselhos práticos sobre


a consulta homeopática

O ato terapêutico que deve conduzir à cura baseia-se no


“sacrossanto” diagnóstico. A finalidade principal da consul-
ta alopática é estabelecer um diagnóstico patológico, isto é,
determinar o rótulo mórbido segundo os métodos nosológi-
cos mais modernos e mais recentes. Diz-se e ensina-se em
todos os lugares que sem um diagnóstico não se pode, e
nem se deve, iniciar um tratamento. Segundo o ensino
universitário da antiga escola, a investigação das manifesta-
ções patológicas objetivas é absolutamente essencial. A
anamnese, excetuando-se nas doenças psíquicas, exerce um
papel natural secundário na consulta alopática comum, con-
siderando-se que esta deve se basear nas constatações obje-
tivas e ocorre, principalmente, através de múltiplos exames
realizados por meio de numerosos aparelhos, mais ou me-
nos complicados, e por várias análises clínicas. Um instante
de nossa reflexão nos convencerá da evidência de que todos
estes procedimentos só visam determinar qual é o órgão ou
sistemaafetado e seu grau de comprometimento. É a caça
às manifestações objetivas a sua finalidade derradeira, ou
seja, os resultados mórbidos. Se os resultados não aparece-
rem de uma maneira objetiva e precisa e se o paciente ape-
nas sofrer de distúrbios funcionais, ou se talvez sua doença
se encontrar ainda no início, ele apresentará apenas distúr-
bios subjetivos. Julga-se, então, e se diagnostica arbitraria-
22 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Aarte de interrogar
do DR. PIERRE SCHMIDT Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

mente seu caso, dizendo: “É um nervoso, um psíquico, um cor e o aspecto destas falsas membranas chamarão particu-
imaginário”. larmente sua atenção. Ele notará se elas são verdes, amare-
Na consulta homeopática, a meta é, antes de tudo, esta- las, cinzas, brancas ou de qualquer outra cor. Ele examinará
belecer um diagnóstico terapêutico. E para obtê-lo, o diag- a consistência, verá se há aderência ou não, o que pode
nóstico patológico isolado, que todo médico consciencioso variar de uma pessoa para outra, se elas sangram ou não.
pratica da melhor maneira possível, não é nada satisfatório. Qualquer odor particular da garganta será cuidadosamente
A meta do médico homeopata é estabelecer como uma de- notado. Porém, o que interessará mais ao homeopata serão
terminada afecção pôde se desenvolver em um doente, pes- os distúrbios funcionais e subjetivos do doente. Um sentirá
quisar todos os detalhes que dizem respeito à evolução des- dores queimantes e lancinantes, ou se queixará de secura
ta doença e, sobretudo, saber em quê, precisamente, ele é na garganta com sensação de aperto. A dor de alguns doen-
diferente de todos os outros que possuem o mesmo diagnós- tes melhorará pela ingestão de águafria; para outros, será a
tico nosológico. água quente. Outros, ainda, não sentirão nenhuma dor ao
Um alopata, por exemplo, depois de examinar a gargan- comer, mas somente ao beber. A irradiação da dor da es-
ta de um paciente, nota que ela está inflamada e apresenta querda para a direita ou vice-versa, da garganta à laringe ou
falsas membranas das quais ele poderá retirar material para rinofaringe, será juntamente com todas as pequenas dife-
análises. Se o resultado microscópico indicar difteria, ele renças precedentes cuidadosamente considerada e poderá
fará imediatamente a injeção de soro. Caso se trate de uma justificar a escolha de um remédio homeopático diferente.
simples infecção, ele prescreverá um gargarejo com anti-sép- Todas estas numerosas modalidades particulares, estranhas
tico e indicará um colutório. Se este médico tiver a oportu- e paradoxais, parecem, à primeira vista, secundárias para o
nidade de ver 10 doentes, todos acometidos com a mesma alopata, ou pelo menos completamente inúteis, e permitirão
afecção, ele os tratará todos da mesma maneira: é a maneira ao médico homeopata formular, com mais precisão, não
alopática. Estabelecerá um diagnóstico patológico e tratará apenas o diagnóstico da doença, mas o diagnóstico terapêu-
o diagnóstico segundo as descobertas mais recentes que va- tico baseado em tudo o que o doente exprime como respos-
riam, naturalmente, ainda segundo0 país, os costumes e os ta reativa pessoal à doença.
professores que o ensinaram. Evidentemente, isto não pode interessar ao médico
A Homeopatia, em compensação, além das constatações alopata porque ele não sabe o que fazer com isto; ele não
e dos exames feitos da mesma forma que nosso colega possui a Matéria Médica correspondente. Este estudo minu-
alopata, buscará com minúcia todos os detalhes que dife- cioso visa individualizar o caso, conhecer como o doente
renciam este doente particular dos outros nove: um apre- respondeu à invasão mórbida desta doença particular e a
sentará a localização destas falsas membranas à direita, um esta afecção. Todos estes fatores permitirão ao médico ho-
outro à esquerda, um outro ainda no palato e na rinofaringe. meopata encontrar o remédio correto, e devo mesmo dizer o
Para um alopata isto não possui nenhuma importância. Po- remédio pessoal, correspondente a este doente particular,
rém, para um homeopata, isto possui importância sim, pois aquele que se adaptará e casará precisamente todas estas
existem medicamentos que têm localizações específicas. A indicações características e estas modalidades individuais.
A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar 25
24.
do DR. PIERRE SCHMIDT Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

Existe, em Homeopatia, mais de 56 medicamentos “con- do doente repousa essencialmente na anamnese associada à
tra a difteria”, para usar a linguagem alopática, mas apenas observação rigorosa, penetrante e sagaz do indivíduo vivo.
um pequeno número de remédios que corresponde realmen- Ora, nossos estudos médicos são tão essencialmente centra-
te ao conjunto sintomático a ser considerado “neste” dos nas pesquisas laboratoriais e nos exames através de apa-
diftérico. É exatamente aí que começa a tarefa da Homeopa- relhos cada vez mais complicados, que a grande maioria dos
tia. Se insisto tanto neste ponto é porque aí reside essencial- médicos ou nossos professores da faculdade, depois de algu-
mente a diferença entre a Medicina clássica, que generaliza mas perguntas sumárias, não tomam nenhuma decisão e
todos os casos e os classifica em grandes categorias, e a muitos não fazem nenhuma anamnese antes de ter os resul-
Medicina homeopática, que individualiza cada caso porque tados dos exames de urina, sangue, dos humores, secreções
ela possui meios que lhe permitem prescrever seus reme- patológicas, biópsias, eletrocardiograma, eletroencefalo-
dios “sob medida”, se podemos assim dizer. grama, histerograma e outros. O que observa o estudante nas
Resumindo: se a Medicina dita clássica se contenta com o nossas clínicas universitárias? Uma anamnese sumária, com
diagnóstico da doença, o médico homeopata sério, mesmo perguntas direcionadas a um suposto diagnóstico e, se este
estabelecendo com os mesmos detalhes este indispensável apresenta várias alternativas, uma brusca interrupção do diá-
0 logo entre o médico e o doente em benefício de numerosos
diagnóstico, não fica satisfeito. Ele deve, além disto, fazer
diagnóstico do doente, a maneira como tal ou qual indiví- exames que acabam de ser mencionados.
duo faz “sua” doença, pois a Homeopatia é, antes de mais O estudante de Medicina que concluiu seu curso e fez um ou
nada, e nunca será demais repetir, uma Medicina da pessoa, vários anos de internato, se quiser estudar Homeopatia, deve
e um dos pilares da sua doutrina é a individualização. aprender, antes de mais nada, sobre a importância considerável
que os homeopatas dão à anamnese do doente. Porém, o novato
Diagnóstico da doença e diagnóstico do doente. Estes terá dificuldade de encontrar as noções práticas neste campo. É,
diagnósticos comportam os seguintes meios: atualmente, a tarefa a qual me proponhorealizar para o maior
1. A anamnese benefício dos principiantes como dos médicos já praticantes, e
2. O exame clínico até para os mais antigos como um agradável auxílio-memória.
3. As pesquisas laboratoriais Sem pretender desenvolver em toda a sua minúcia a totalidade
das perguntas ideais (pois há 32 páginas) que deveriam ser fei-
Deixaremos de lado o exame clínico, que será a aplicação tas se dispuséssemos de várias horas e sem se preocupar com o
do que nos foi ensinado nos nossos estudos de Medicina ofi- tempo, mas sim um questionário ao mesmo tempo mais
cial, e isto com o maiorrigor e consciência possíveis, pois um condensado, mais prático e mais útil quando o tempo é limitado
bom homeopata deve ser, antes de mais nada, um bom clíni- e que se chegará em um labirinto anamnésico e sintomático
co, não negligenciando nenhuma informação que o laborató- obtido, para poder, em seguida, classificar judiciosamente esses
rio, a radiologia e todos os meios de investigação mais mo- desvios do estado de saúde de um determinado doente.
dernos podem lhe fornecer. Se o diagnóstico da doença tem a Teoricamente, possuímos, sem contestação, muitos con-
necessidade destes três meios de investigação, o diagnóstico selhos preciosos relacionados com os questionários. Hahne-
26 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar 27
e do DR. PIERRE SCHMIDT Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

mann, no seu Organon, consagra mais de 37 parágrafos sim- Nãofarei aqui o desenvolvimento teórico destes quatro
plesmente à anamnese do doente: são os parágrafos 86 ao preceitos, pois minha meta visa essencialmente o lado pura-
89, 93 ao 104, 151, 153, 167 ao 170, 175, 176, 184, 192, 206 mente prático e útil da anamnese. Consegiuentemente, não
ao 212, 217, 218 e 255. Seus primeiros discípulos também discutirei a arte de escutar o doente, a melhor maneira de
nos fornecem alguns. Por exemplo, Von Boenninghausen, escrever sua história, a técnica e o estudo da coordenação
que nos dá excelentes conselhos sobre a maneira de tirar dos sintomas, nem a questão do exame clínico. Ficaremos
uma história; Jahr, que publicou um questionário da mesma no terceiro preceito: a anamnese propriamente dita.
forma que outros autores tais como Gerhard More, Molinari,
Perussel, Lutze, Landri e, enfim, mais recentemente, Claude
Ora, toda anamnese deverá satisfazer os três pontos
e Kent. O último é o único que nos deixou um questionário
seguintes:
absolutamente completo, comportando mais de 32 páginas
em inglês, intitulado: “O que todo médico deve saber a fim 1. Fazer um MÍNIMO DE PERGUNTAS ao doente em
de estabelecer uma prescrição útil”, e que acaba de ser um tempo limitado, mas procurando aquelas com va-
reeditada por homeopatas belgas. Eu estabeleci um deste lor essencial.
tipo para os casos clássicos depois de muitos anos de pes- 2. Estas perguntas não visarão DESCOBRIR o diagnósti-
quisas, mas ele comporta 36 páginas in-folio2... Nunca aca- co patológico, já que ele foi realizado durante o exa-
barei de discutilo aqui. Não considero como questionário me preliminar, mas o diagnóstico terapêutico, isto é,
as fichas clínicas esquemáticas que se encontram na maio- O REMÉDIO QUE SE DEVE ENCONTRAR.
ria dos ambulatórios e hospitais e que foram elaboradas por 3. Pensar sempre, e isto é o essencial, em fazer PER-
alguns médicos porque elas não mostram nenhuma diferen- GUNTAS CUJAS RESPOSTAS POSSAM ENCONTRAR
ça com as que nossos colegas alopatas possuem. Não deixa- UMA CORRESPONDÊNCIA NOS NOSSOS REPERTÓ-
rei de lembrar a célebre conferência de Constantine Hering, RIOS E NOSSAS MATÉRIAS MÉDICAS: de nada adi-
publicada na Biblioteca homeopática de Genebra em 1833, anta fazer perguntas com as quais desconhecemos a
onde ele indica o método que deve ser seguido, tendo ficado correspondência. Nossos repertórios são volumosos,
como modelo no gênero, permanecendo perfeitamente atua- nossas Matérias Médicas também, mas há coisas que
lizada até hoje, para descrever o quadro das doenças, po- não se encontram neles. Às vezes, nossos doentes
dendo-se resumir seus preceitos em quatro palavras: nos dizem, espontaneamente, coisas que não encon-
-— Escutar tramos em lugar nenhum: podemos, entretanto, ano-
Escrever tar esperando um dia encontrar...
-— Perguntar
Coordenar Agora deve-se saber sobre o quê vamos tratar. Trata-se
de uma doença crônica para a qual deve-se encontrar o re-
2 Diz-se do formato determinado pela dobra de uma folha de impressão em 2 médio constitucional, toda a evolução mórbida do caso con-
folhetos, ou seja, 4 páginas; livro com esta forma (N.T.). siderado onde, principalmente, os sintomas gerais e mentais
28 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados A arte de interrogar 29
———————— do DR. PIERRE SCHMIDT Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

são essenciais, ou então de um caso agudo, doença aguda nativas ou então dizer: “há doentes que são ciumen-
verdadeira ou exacerbação temporária de um estado crôni- tos...”, e ao mesmo tempo você olha o doente. Fre-
co, do qual se deve procurar os novos sintomas repentina- quentemente, sua atitude, sua mímica e o tom queele
mente surgidos com todas suas modalidades. O interrogató- empregará lhe dará a resposta.
rio detalhado que forneceremos a seguir será, sobretudo, 4. O médico deve empregar uma linguagem compreen-
aplicado nas doenças crônicas. Para as doenças agudas, ire- sível pelo paciente. Não se deve perguntar “como o
mos desenvolvê-lo no final. Porém, trata-se de uma ou ou- senhor se sente na posição ortostática?”. “Sua atitude,
tra destas alternativas e o interrogatório deverá, antes de ao mesmo tempo séria e atenciosa, será favorável e
tudo, ser metódico. dará confiança ao doente. Por outro lado, ele deverá ser
bastante versado em Matéria Médica para que suas per-
Deve-se considerar, naturalmente, que as perguntas se-
guntas sejam adaptadas à comparação entre as respos-
rão feitas segundo os mais puros princípios homeopáticos, a
tas obtidas e as patogenesias medicamentosas que ele
saber:
será obrigado a fazer posteriormente. “Estude bem sua
1. Evitar qualquer pergunta direta (você tem sede? Você Matéria Médica”, diz Kent, “de maneira que você possa
tem dor de cabeça?) pois deve-se lembrar que se o aplicá-la sem esforço e sua memória surgirá na medida
doente só puder responder com “sim” ou com “não” à em que você for fazendo as perguntas ao doente”.
pergunta, ela está mal formulada. Você gosta de alca- 5. O médico deve sempre se esforçar para não determi-
chofras? Você detesta manteiga? São perguntas que nar nada através do seu modo de perguntar mas fa-
não possuem nenhum valor em Homeopatia. Devemos zer com que isto venha do paciente através de ques-
encontrar uma maneira de fazer perguntas às quais o tôes muito gerais, que o próprio doente caracterizará
paciente nunca possa responder por sim ou por não. por fatos particulares. Fale o menos possível mas faça
Evidentemente, às vezesisto é difícil. Quando um doen- o doente falar, ajudando-o prudentemente a não fazer
te é ciumento, como fazer a pergunta? divagações fúteis e a desenvolver corretamente o as-
2. Evitar sugerir respostas colocando-as como se diz sunto. Seja, sobretudo, paciente, e nunca apresse um
“na ponta da língua”. “- Quando você ouve uma tor- doente. É apenas pelo esforço de um trabalho cuida-
neira aberta com água correndo, não tem vontade de doso que se criará uma boa reputação e se cumprirá a
urinar?” Lembro-me de um médico dizendo isto a um verdadeira missão do médico. Evidentemente, há
doente, ao qual ele queria dar Lyssinum. doentes para os quais se deve fazer falar e há outros
3. Evitar qualquer pergunta que obrigue o doente es- que falam demais, sobretudo as mulheres. Alguns não
colher entre duas alternativas e respeitar sempre a param e têm uma logorréia pavorosa. Porém, deve-se
sagrada lei de deixar o doente sem impedimentos nem deixar que falem e depois de ter escutado durante meia
pressão, mas totalmente livre para escolher suas res- hora, sem conseguir interrompê-las, deve-se dizer a
postas. Às vezes, somos obrigados a dar uma escolha elas: “O que me diz é muito importante, porém como
mas então, deve-se deixar a escolha entre várias alter- ainda há muitas coisas que tenho para perguntar, e
30 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Aarte de interrogar 31
do DR. PIERRE SCHMIDT Conselhos práticos sobre a consulta homeopática

que a senhora deverá me responder, falaremos disto Mostrei, aqui, a maneira ruim de fazer determinadas
numa próxima vez”. E assim, se uma doente retornar perguntas e, considerando o bom método, lembre-se delas
por cinco ou seis vezes para contar suas histórias, ela durante suas anamneses. A respeito das perguntas diretas, é
acabará por parar. bastante frequente que um doente responda “sim, tenho
sede”, porque talvez ele tome seu café de manhã, sua sopa
Nunca é demais repetir o quanto a arte de interrogar é ao meio-dia e nunca beba. Ou então diga “não”, porque
difícil e qual a importância que se deve dar a ela. “Pode-se talvez ele pense que beber chá, cerveja, vinho ou limonada
pensar em apreender de Sócrates”, já dizia Hering: “E o es- não signifique beber, e este termo seja empregado exclusi-
. tudo de Platão é tão importante para nós como o de Hipó- vamentepara água pura. Sobre os alimentos gordurosos, ele
crates”. Para evitar qualquer ambigiidade, convém citar, dirá que não gosta porque o médico disse “gordurosos de-
logo neste início, algumas perguntas que todos, como eu mais”, e insistiu. Sobre as menstruações, será respondido
também, certamente fazemos no decurso de nossas práti- que são escuras, embora sejam perfeitamente vermelhas,
cas, pois muitos médicos mostram, pelas perguntas que fa- porque uma doente tímida, só tendo opções entre clara e
zem, sua ignorância homeopática. Há perguntas que indi- escura, livra-se da pergunta respondendo uma delas. Não se
cam uma maneira ruim de interrogar. pode discutir cada resposta possível e os erros resultantes
da má escolha da pergunta. Estes exemplos são suficientes.
Eis o exemplo de PERGUNTAS RUINS: Minha meta é apresentar umalista útil de perguntas, evitan-
e Perguntas diretas: você tem sede? (deve-se dizer: do precisamente estes erros.
como é sua sede?). Você é irritável? (como você tole- Pode-se imaginar, sem dúvida, a imensa vantagem que
ra as reprimendas, as contradições, as críticas?). Você possui um homeopata principiante ao saber disto sem ter que
tem dor de cabeça? (onde e como é seu sofrimento esperar 40 anos ou mais, e já começar sabendo fazer as per-
em relação à cabeça?). guntas certas e exatas que visam um resultado prático, e cujas
e Perguntas sugestivas: você suporta mal os banhos respostas encontram correspondência com as patogenesias.
frios, não? (como você suporta os banhos frios?). Es- Terminada esta introdução, estimo que seja necessário
tou certo que por ocasião de desgosto você prefere um alerta a respeito do método mostrado em certos livros
que seja consolado (como reage ao consolo?). Acho homeopáticos recentes onde o médico, depois de ter dado
que você não gosta nem um pouco de coisas muito uma olhada no rosto do doente, pergunta a ele sobre sinto-
gordurosas (como suporta os alimentos gordurosos?). mas de Sepia sugeridos por uma discromia amarela (a sela
e Perguntas que obrigam escolher: você prefere o tem- amarela) disposta em vespertílio sobre o nariz; e sobre os de
po úmido ou seco? (como suporta o tempo úmido e o Lycopodium em um outro doente irritável, que se queixa do
seco?). Você sonha com coisas alegres ou tristes? fígado. É isto que se pode chamar de método de torpedea-
(quais são seus sonhos?). Suas menstruações são es- mento. Se o doente tem os lábios vermelhos e lhe pergunta-
curas ou claras? (qual é a cor do sangue das suas mos: “Você não sente um vazio ou um oco no estômago
menstruações?). antes do meio-dia?”. “Quando permanece durante muito
e outros textos seleciona
dos Aarte de interrogar 33
32 A ARTE DE INTERROGAR MID T
Conselhos práticos sobre a consulta homeopática
DR. PIE RRE SCH
e do

noite, não conta que passei uma hora examinando e fazendo a


o em pé, nã o ac ha isso desagradável? “Á
temp te queimar?” visor a doentes ele entrou, raspou a planta dos pés do
to dorme porque os sen
descobre os pés enquan , etc, oef isse: “é Antimonium
i crudum” , porque a planta
ov av el me nt e be be mu ita água e come pouco”
“Você pr -se continuar do péera cosa; ele não olhou no sulco das nádegas. para
im , vej o be m, se u re médio é Sulphur!” Pode
“s um ou outro opera rse e avia i umpequeno ponto vermelho, ou atrás da
a memória, levantando
assim de acordo com su e encon- o masP a ve se não havia uma pequenafissura, ou etc
om a se gu nd o su a vo nt ade, e ter a ilusão de qu
sint us brilhantes E completoe é necessári você pode se livrar
ário, e você i d
de pensar ter exibido se
trou a solução. Apesar as com qui quer sugestão escrevendo o nome do remédio do qual
im en to s sup erf ici ais ficou, na realidade, apen
conh ec seu alcance. usp eiaranada:é sistemai de torpedeamento consiste em ati
a do caso, limitada ao
uma visão fragmentad contra- 1 gran a: é, evidentemente uma intensa i tentaçã
ve rá ser fei to be m no final, quando já tiver en
Isto de rigoso por- a ip:
o principiante e podeaté
até ser um método o divertido
até di i na
uma fase
fase
do do torpedeamento é pe
do o remédio. Este méto ou dois neces:ária para se atingir algo melhor. Porém, o prático que
se ba se ia fr eq ue nt emente em apenas um
que ele ntomas exterio- te estudar a Matéria Médi édica, nem trabalh
exclusivamente em si
sintomas somente, OU Além disso, pertório,
porém ou conhecer profundamente o O rganon e,àsobreta sobretu-
perigo para O iniciante.
res, o que é um grande ionável ou coPermanecer imparcial e sem partidarismo durante sua
ri go so ta mb ém po rq ue um indivíduo sugest
é pe afirmativamente, nana ee, seráá capaz de atingir ingi o resultado desejado- com
médico responderá
impressionado pelo reende-se apenas tmiblodoE com apenas uma flecha, segundo o belo
ve rd ad e, a to do s OS sintomas-citados. Comp
na prescrever co mm] o do heherói francês
. Gui
uilherme Tell. . U Uma anam-
têm a necessidade de
porque tais médicos os pelo neA metódica e séria revelará o quadro da doença no pa
or es pa ra le la me nt e à quatro ou cinco remédi
drenad gum efeito ai e com suas verdadeiiras características e permitirá
itirá con-
er, a qualquer preço, al
menos, a fim de poder obt ada, e a E não somente um sintoma local, mas todo um grupo
Su a an am ne se é par cial, tendenciosa, parcel
possível. em benefí- moisportante de sintomas, os quais representam, verda
a ao ris co de ocu lta r O verdadeiro simillimum
lev depois, a e, o doente em um conjunto e na sua totalidade
. ? .

ndário, que O obrigará,


cio de um remédio secu
ar à cura.
ziguezaguear para cheg tempo
s estamos limitados pelo
Evidentemente, todos nó elhos,
do ch eg a um do en te com grossos lábios verm
e quan dios que
Porém, há 29 outros remé
já se pensa em Sulphur. sob
est e si nt om a. E se há um doente que transpira
mostram Neste mo-
nar iz, já se pe ns a ev identemente em Thuya.
o hur em sua
e escreva Thuya ou Sulp
mento, pegue um lápis iração na
ha, na ma rg em do si ntoma. Se houver transp
fic cê se de-
Tuberculinum, e assim vo
ponta do nariz, escreva ar nele.
ar aç a des te re mé di o, não tendo mais que pens
semb em uma
um homeopata célebre,
Sempre me lembrarei de
selecionados A arte de interrogar nas doenças crônicas 35
A ARTE DE INTERROGAR e outros textos
34 PIERRE SCHMIDT
———————— do DR.

Não estou falando aqui, naturalmente, do histórico da


doença, dos antecedentes hereditários ou pessoais, informa-
ções estas que fazem, evidentemente, parte da anamnese
mas não apresentam nenhuma dificuldade comparável com
A arte de interrogar a anamnese direta, quando o paciente expõe livremente ao
seu médico toda a lista dos sintomas. Insisto no “livremen-
nas doenças crônicas te” pois conheço médicos que “atacam” seu doente e o in-
terrompem no meio de uma frase dizendo-lhe: “Não, isto
não me interessa.” Esta maneira de interromper o diálogo
falseia a relação entre o médico e o doente e este é um erro
revistas homeo- psicológico considerável. Todos deveriam conhecer a expo-
Não vemos com muita fregiiência, nas
áticas, artigos sição magistral ocorrida nas XXIII, XXIV, XXV e XXVI confe-
páticas, embora raramente nas revistas alop
interrogar o doen- rências de filosofia homeopática de Kent, que trata de todo
sobre a arte de examinar e, sobretudo, de
cina e, particular- este assunto.
te e, no entanto, isto é essencial em Medi
mente, em Homeopatia. Nas doenças agudas, a anamnese se baseia mais precisa-
anamne
Vejamos agora quais são as bases de qualquer mente nos quatro dados de Hering, que iremos detalhar pos-
s a pore me
se, qual é a melhor classificação das pergunta teriormente. ,
etudo, se elas Ífo-
tas, como formulá-las, e como saber, sobr
apresentar um Qual é, então, a classificação adotada a respeito destas
ram bem elaboradas. Não se trata aqui de
curto pos- questões? De um lado temos os conselhos fornecidos por
questionário completo, mas O questionário mais
que o tempo é Hahnemann no seu Organon da arte de curar; de outro lado,
sível para obter os resultados máximos, já
co, que tem o notável estudo de Kent nos seus Capítulos XXXII e XXXIII,
limitado. Este questionário é do médico práti
anamnese de um a propósito do valor dos sintomas. Finalmente, existem as
cerca de 30 minutos à sua disposição para a
, que éo ques- "numerosas classificações feitas pelos Drs. Gibson Miller,
doente. Existe um questionário muito completo
nas, e é útil Grimmer, Gladwin, Green, Loos, Margaret Tyler, Del Mas,
tionário de Kent, mas ele compreende 32 pági
anam nese. Stearns, etc., para citar apenas os principais. Sairíamos do
principalmente para esmiuçar certas partes da
contexto deste estudo se quiséssemos discutir aqui cada
se basear uma das classificações propostas, cujas linhas gerais são,
Nas doenças crônicas, as perguntas devem
respei- no entanto, mais ou menos semelhantes. As perguntas que
nas regras da semiologia homeopática no que diz
re considerar vou indicar a seguir são realmente para um tempo limita-
to ao valor dos sintomas, procurando semp
sua totalida- do, aquelas que todo homeopata deve conhecer, pois per-
o doente no seu conjunto, ver o paciente na
certa mitem apreciar o essencial de um caso sem se perder nem
de e não apenas um determinado órgão ou uma
diagnós- se fragmentar, como infelizmente os doentes incitam fre-
localização: não a doença, sua patologia ou seu
e pensa. quentemente.
tico, mas o doente vivo, que sofre, sente
A arte deinterrogar nas doenças crônicas 37
36 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

Em ordem de importância, teremos sempre, inicialmen- tes sintomas, mais eles interessam, ao contrário da
te, para as doenças crônicas: Medicina Clássica, que os deixa de lado (exceto os
psiquiatras, para os quais os sintomas subjetivos são
1. Os Sintomas Mentais, evidentemente, contanto que essenciais). O sintoma subjetivo caracteriza o doente
eles sejam realmente representativos do indivíduo e e é ele que faz a personalidade. Ele pertence à Medici-
que sejam característicos. Se houver generalidades, na do homem e não da doença. Além disto, estes sin-
como um pouco de irritabilidade ou de depressão, isto tomas sexuais pertencem a manifestações instintivas
não interessa nem um pouco. É necessário existir mo- e tocam o instinto de conservação assim como a pe-
dalidades ou então que o sintoma seja realmente típi- riodicidade biológica. Estes sintomas sexuais são mui-
co. Para saber se um sintoma é característico, basta to importantes. Eles pedem, evidentemente, muito tato
abrir o repertório: se for encontrada uma rubrica que e circunspecção por parte do médico. É uma questão
contém 500 remédios, isto não interessa. Deve-se ter que depende da educação pessoal, da formação, da
uma rubrica com cerca de três a dez linhas, contendo, compreensão da psicologia humana para saber como
se possível, remédios de três pontos. abordar estas questões sem melindrar ninguém. Al-
2.Os Sintomas Gerais são as reações do organismo a guns doentes poderão ser interrogados logo na primei-
todas as influências exteriores: o calor, o frio, as con- ra vez; outros terão que esperar algumas consultas
dições meteorológicas, o movimento, etc, tudo o que antes de tocar neste assunto. É semelhante ao exame
coloca o indivíduo em contato com o mundo exterior. do doente: não é necessário desnudá-lo completamen-
Estes sintomas são essenciais, pois consideram todo o te logo na primeira consulta. É uma questão de psico-
indivíduo e não apenas uma de suas partes. logia e de tato.
3. Os Desejos e Aversões Alimentares. Um doente que .O Sono e os Sonhos. Estes últimos sintomas são muito
possui um grande desejo de sal, que salga seu prato importantes porque fazem parte do inconsciente. Não
mesmo antes de experimentá-lo, ou que não pode pas- sabemos o que ocorre durante o sono. Foram formula-
sar um dia sem ingerir açúcar ou chocolate; ou que das numerosas teorias segundo as filosofias, porém
tem aversão pavorosa por queijo e por repolho. Tudo sabe-se apenas uma coisa: ocorre algo durante o sono
isto interessa muito quando estes desejos ou estas porque durante este feliz período não temos consciên-
aversões são bem marcadas. A isto deve-se, neste ca- cia do nosso estadofísico. Alguns pensam quese trata
pítulo, acrescentar as pioras alimentares: um doente de um envenenamento com o ácido carbônico; outros,
pode gostar muito de ovos mas possui intolerância a que é uma viagem astral. Resumindo, na realidade não
eles e isto interessa também. se sabe nada e isto é um dos aspectos mais perturba-
4. Os Sintomas Sexuais, sobretudo na mulher, no que dores quando se pensa que uma das bênçãos do céu
diz respeito às menstruações. Igualmente, os sintomas comporta tanto desconhecido. Este período tem uma
sexuais psíquicos e subjetivos que são sempre muito grande importância para os homeopatas. Qual é a po-
importantes porque quanto mais subjetivos forem es- sição durante o sono? Não se entende como e porque
38 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar nas doenças crônicas 39
cem do DR. PIERRE SCHMIDT

algumas pessoas dormem atravessadas na cama, com quer outro sintoma, seja ele qual for, e qualquer órgão ou
as pernas fora das cobertas, ou então com uma perna região a que ele pertença, é secundário porque é patogno-
para cima. Alguns dormem com os olhos entreaber- mônico e pode, fregientemente, até ser deixado de lado, a
tos, outros com o maxilar pendente; alguns rangem os não ser que seja particularmente marcante, singular, raro,
dentes, gritam, falam, riem e choram. Há toda uma característico, ou dotado de uma modalidade verdadeira-
sintomatologia do sono que testará o dom de observa- mente curiosa.
ção do doente e do médico. Os sonhos só têm impor- Esqueça o reumatismo do joelho, o eczema ou a entero-
tância se forem repetitivos. Lembro-me de um caso colite, motivos pelos quais o doente vai consultar os médi-
que foi curado pelo Dr. Weir levando em conta os so- cos, e faça prescrições com base nestas cinco categorias de
nhos do doente: ninguém lhe havia perguntado e ele sintomas. Será seguindo esta regra que poderão serfeitas as
sonhava sempre com gatos, o que indicava fortemente mais belas curas. Desta maneira, o doente terá sido tratado
Pulsatilla, que curou o doente. e é ele que se cura, pois a doença desaparece por si só. Não
devemos esquecer que os sintomas mórbidos são conse-
Se forem explorados estes cinco grandes capítulos da sin- giências, resultados, e que os sintomas apresentados pelo
tomatologia, sem mesmo considerar a razão pela qual o doente são anteriores a estes resultados. Deve-se, portanto,
doente vai à consulta, seja por um reumatismo, um eczema, prescrever-se para o doente: esta é a chave da verdadeira
um glaucoma ou outra coisa, aí estarão os principais fios terapêutica. .
condutores que permitirão curar muito melhor do que se É somente depois desta série que se colocam os sinto-
houvesse sido dado “o remédio” do glaucoma, do eczema, mas locais relativos aos diversos órgãos. Se há dúvida entre
do reumatismo. Desta forma, toca-se o ponto central do os remédios encontrados, eles permitirão fazer a escolha,
caso. mas na maioria das vezes estes sintomas respondem perfei-
Deve-se também considerar os sintomas etiológicos que tamente ao medicamento que corresponde à totalidade ca-
sempre deverão ser pesquisados em primeiro lugar: a partir racterística do caso considerado.
de quando? A doença começou depois do quê? Por vezes, Porém, se teoricamente a ordem desta classificação pa-
poderá ser a morte de um amigo, uma perda de dinheiro, rece ser a mais lógica e a mais aceitável, na prática não é. A
uma decepção, uma vexação, uma mortificação, uma indi- experiência trouxe para mim preciosas lições a este respei-
gestão, uma cólera, ou então uma doença aguda, uma vaci- to. No início da minha prática, começava qualquer história
nação, etc. pelos sintomas mentais. Não precisei de muito tempo para
Estas cinco categorias representam, para todo o homeo- perceber o erro. De fato, um novo doente, não conhecendo
pata, a própria base da sintomatologia característica das nem compreendendo nada de Homeopatia, não apenas fica
doenças. Elas são como os dedos da mão: o polegar repre- surpreso mas se sente incomodado com perguntas relativas
senta os sintomas mentais, inseparáveis, indispensáveis a ao seu caráter e às suas reações emocionais quando ele vem
qualquer ato terapêutico. Com estes cinco grupos, o ho- à consulta por causa de uma enxaqueca, uma tuberculose
meopata consegue o essencial do caso considerado. Qual- pulmonar ou uma hipertrofia da próstata. Com fregiiência,
ao A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados A arte de interrogar nas doenças crônicas 41
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

pensa que é submetido a uma psicanálise disfarçada e que o mas muito importantes para o sexo feminino, vêm aqueles
médico pensa que seu problema é mental. Pela maneira correspondentes às perturbações menstruais. Quanto às per-
como o paciente responde, sua atitude e seu olhar, o médico guntas relativas à sexualidade, como vimos, raramente po-
não demora a perceber, o erro que está cometendo. Tive até derão ser abordadas na primeira consulta. No máximo,
pacientes quese levantaram e deixaram a sala, dizendo que pode-se abordar esta questão com muito tato durante as
não toleravam mais ser assim questionados. perguntas sobre os antecedentes, as doenças hereditárias ou
Por outro lado, fazer as perguntas sobre os sintomas a descrição cronológica da anamnese do paciente. Depois
mentais somente ao final do exame também constitui um das perguntas com enfoque nas questões essenciais, é bom
erro psicológico, pois o paciente já está cansado e como na voltar a alguns dos sintomas referidos pelo doente e, mais
sua visão estes sintomas não possuem nenhumarelação com particularmente, aqueles considerados estranhos, raros, bi-
a sua doença, não representando para ele nada de essencial, zarros ou singulares e detalhar suas modalidades para jul-
ele responde mal, brevemente, quase sem pensar e manifes- gar o valor real que convém lhes atribuir na classificação
ta sua impaciência e pressa para terminar. hierárquica a ser estabelecida em seguida.
Qual é o método a seguir? A experiência ensina que é Às vezes é também útil quando um doente chegar com
preferível começar pelos sintomas gerais pois, uma vez que um pequeno papel preparado antes, deixá-lo falar tranqúila-
o contato foi estabelecido, a confiança também ocorre. Em mente e enumerar seus sintomas até a saciedade, sem lhe
seguida, pode-se abordar as questões relativas aos sintomas fazer nenhuma pergunta. É muito útil deixar o doente se
mentais, explicando rapidamente ao paciente sua importân- exprimir. Se, naturalmente, depois de meia hora ele ainda
cia primordial do ponto de vista homeopático, que conside- não houver terminado, deve-se salientar a importância do
ra O homem superior ao animal, cujos sintomas mentais são que ele conta e que poderá continuar esta parte em uma
rudimentares. Na Alopatia, os sintomas do intelecto são próxima oportunidade. Prolongar uma consulta durante ho-
quase desprezíveis. De fato, a Homeopatia baseia toda a sua ras é, no entanto, um erro. Desta maneira, o paciente não
terapêutica no efeito dos medicamentos observados no ho- poderá dizer que seu médico estava com pressa e que não
mem são, efeitos estes tanto físicos quanto psíquicos, en- teve tempo para escutá-lo!
quanto que a Medicina oficial se baseia exclusivamente nas Ouça sempre com paciência. É curioso ver que o doente
experiências feitas com animais, obtendo, assim, apenas res- é tão egoísta que adora falar de si e é insaciável a este res-
postas físicas. Pascal3 disse: “É o pensamento quefaz a gran- peito. Quando ele começa a falar, não há compromissos ou
deza do homem” e é ele que tratamos antes da casa onde encontros que sejam mais importantes para ele, que fica
ele vive. encantado quando a consulta é demorada e que o médico o
Em seguida, vêm as aversões, os desejos e as pioras ali- escuta com paciência. Os médicos devem, por polidez, es-
mentares. Depois, os sintomas relativos ao sono e aos so- cutar atentamente seu paciente e concentrar-se sobre o que
nhos. E, finalmente, para terminar uma categoria de sinto- ele diz o quejá é, do ponto de vista psicoterapêutico, um
excelente início. Somente quando o paciente realmente ter-
3 Matemático,físico, filósofo e escritor francês do século XVI (N.T). minar é que os médicos poderão começar a lhe fazer per-
42 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar nas doenças crônicas 43
do DR. PIERRE SCHMIDT

guntas. Não há nada pior do que depois de ter feito a anam- Depois da anamnese teórica que acabo de esboçar, exa-
nese e examinado o doente durante 45 minutos, vê-lo tirar minemos agora o interrogatório apresentado de uma manei-
do bolso uma longa lista e recomeçar toda sua história. É ra eminentemente prática, através de perguntas que respei-
por isto que sempre costumo perguntar ao paciente se é tudo tem os preceitos hahnemannianos. Todas as perguntas
o que ele tem a dizer, se ele terminou e se tem certeza de escolhidas são, intencionalmente, aquelas que correspon-
que não esqueceu de nada. E quandoele está esgotado, nes- dem aos medicamentos que podem ser encontrados nas
te momento pode-se fazer as perguntas. Matérias Médicas, mais particularmente no repertório de
Em toda consulta, sempre se deve examinar algum ór- Kent, sob rubricas de grandeza média que contêm remédios
gão do doente, auscultá-lo, examinar os olhos e os ouvidos. de 2 e 3 pontos, se possível, e não aquelas longas rubricas
Um doente, que sai do consultório sem ter sido examinado, como a da tristeza, do agravamento à noite ou da sede sem
sente-se frustrado. A consulta não conta. Porém, se o médi- modalidade, as quais contêm quase todos os remédios.
co examinar alguma coisa, medir a pressão ou fizer qual- É inútil fazer perguntas sem correspondência com as
quer coisa, ele fica satisfeito. O ser humano é assim, quer Matérias Médicas. Esta é a razão pela qual os alopatas não
que se examine alguma coisa. fazem perguntas a respeito de assuntos que não lhes inte-
Pessoalmente, gosto muito de examinar os olhos: isto sem- ressam do ponto de vista terapêutico ou diagnóstico, pois
pre ensina alguma coisa e tem a grande vantagem de que, eles sabem que não encontrarão correspondências. O mes-
quando o paciente está com o queixo apoiado sobre o apoio mo acontece com os homeopatas. Interessamo-nos sobre
do microscópio ocular, ele não pode falar! Pode-se, então, tudo o que os pacientes dizem e nossa Matéria Médica é tão
tranquilamente pensar e ter um momento de repouso! rica e abundante que é bastante raro não encontrar um sin-
Quando comecei minha prática, observei um doutor que toma exprimido pelo doente. Se não for encontrado um sin-
era médico de família e que era muito bem sucedido em toma no Repertório, existem dois dicionários sobre as
Neuchãtel*. Não era o médico mais instruído, mas tinha uma “sensations as if”>.
clientela enorme, que o adorava. E a razão era porque ele
sempre estava vestido de uma maneira impecável, perfeita-
mente limpo: suas unhas, mãos e gola estavam limpos e ele
estava bem penteado. Era sempre muito pontual em seus
horários. E em qualquer doença, este médico auscultava
sempre o coração (mais um momento ainda em que os doen-
tes não falam)! Da mesma maneira, o médico homeopata
não deve somente conhecer a Homeopatia, mas também
saber o que acontece no campo dito adverso e conhecer sem-
pre os últimos medicamentos que surgem.

4 Cidade Suíça à beira do lago de mesmo nome (N.T.). 5 Em inglês no original e significando “sensações como se”.
Como formular as perguntas? As
A4 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
DT
— do DR. PIERRE SCHMI

toma e continua a tomar suas drogas pensando que isto não


tem nenhuma relação com a Homeopatia.

Depois de ter escutado pacientemente a exposição feita


Como formular pelo paciente, é frequentemente muito útil dizer a ele: “eu o
escutei sem interrompê-lo. Vamos mudar de papel. Não fi-
as perguntas? que surpreso se eu o interromper nas suas respostas para
lhe fazer uma outra pergunta. Isto significará que a resposta
que eu queria foi obtida. Não creia que procedendo assim
desprezo sua resposta, mas é que indo nesta direção uma
| — Perguntas preliminares maior explicação nãotraria nenhum resultado útil, novo ou
interessante”. Deve-se, então, estabelecer uma relação sim-
A) Do que você sofre e quais as coisas pática com o paciente. Comecei minha prática lendo todas
que quer curar? as páginas do Repertório que dizem respeito aos sintomas
É a pergunta preliminar; é importante colocá-la em pri- gerais e mentais. De inicio, eu necessitava de 40 horas para
meiro lugar, mesmo se não for usada, porque é a que inte- fazer a anamnese do meu paciente. Agora isto está reduzido
ressa ao paciente. O paciente descreverá, então, principal- a uma hora e meia e, neste tempo, posso fazer um interroga-
o
mente seus sintomas locais, considerados por ele mesm tório absolutamente completo. O que apresento aqui é mais
médi -
como os mais importantes e os quais, no entanto, O curto, mas contém o essencial.
e é
co só levará em conta em última instância. Para O doent
vol-
uma excelente extroversão, que se deve deixar desen
ver até o último detalhe. Não é feita uma psicanális
e mas Il — Sintomas gerais
dife-
se procede a uma análise psicológica, o que é muito
rente, porque o médico e o paciente perm anec em no mes- 1. Qual é o momento das 24 horas do dia em que
mo nível. você se sente pior do ponto de vista geral?
Alguns doentes não conseguem responder e cabe ao
B) Quais são os medicamentos que você toma médico dizer a eles: “Há pessoas que se sentem piores ao
atualmente e quais os efeitos que observa? acordar, outras ao meio-dia, outras às 16 horas, no crepús-
Para que serve procurar um remédio para os sintomas culo, ao se deitar ou à noite.” Fornecendo pequenos exem-
basta
causados por uma droga que o doente toma e que plos, desinteressadamente, olhando bem o doente, repenti-
e toma namente seu olhar se iluminará e ele dirá: “Oh, é sempre
interromper para eliminar seus sintomas? Se o doent
cos
estreptomicina e se queixa de pruridos, sintomas alérgi antes do meio-dia, é pavoroso; tenho fome, sinto-me mal,
ou distúrbios auditivos, deve-se, inicialmente, parar com à etc.” Um outro dirá: “Às 16 horas eu mesinto pior”. É sem-
o que
estreptomicina, pois frequentemente O doente não diz pre muito valioso conhecer esta piora horária.
As A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Como formular as perguntas? 47
do DR. PIERRE SCHMIDT

2. Qual é a estação do ano em que você se sente pior? 6. O que você sente nas mudanças climáticas?
Esta pergunta pode abrir horizontes muito úteis. Alguns
doentes sentem-se sempre piores na primavera, ou sempre 7. Como você tolera a neve?
mal no inverno. Evidentemente, há algo importante a se
notar: se dizem que é simplesmente o olho que está pior, o 8. Qual é o clima que você não suporta e onde gosta
intestino, ou a pele, deve-se fazer uma distinção entre a pio- de passaras férias?
ra do estado geral ou de certas partes do corpo. Há doentes Alguns doentes dizem: “Não suporto o sol, mas passo
que têm conjuntivite ou febre do feno na primavera e, no minhas férias na costa espanhola...” Deve-se, então, prestar
outono, têm diarréia. Porém, se forem observados numero- bastante atenção, pois às vezes os pacientes não suportam o
sos sintomas na mesma estação, isto passa a interessar de sol por causa de um pequeno sintoma local. Eis as “cross
uma maneira especial, evidentemente. questions”é, muito úteis para se analisar.

3. O que você sente durante o tempo frio, quente,


9. Como você se sente antes, durante ou após as
seco ou úmido?
tempestades?
Sabe-se que é impossível responder com simplicidade a
tais perguntas. Alguns doentes dirão que não sentem nada. 10. Quais são suas reações ao vento do norte, do sul
O médico dirá, então: “Há doentes que ficam resfriados ou ao vento em geral? .
quando o tempo está frio; outros, têm dor de ouvido quando Há pessoas que detestam o vento. Para outros, isto é
o tempo está úmido; alguns se sentem melhor no tempo completamente indiferente. Deve-se sempre saber se suas
seco...”. Assim, deixa-se o doente sempre livre para respon- reações são locais ou gerais.
der. É como a mãe que vê seu filho voltar da escola e lhe
diz: “Você fumou esta manhã!”, ou então, “Você roubou
11. Como você suporta as correntes de ar?
isto!”. Evidentemente, o rapaz dirá que não, pois é a respos- Há pacientes que possuem um desejo de ar, que não con-
ta que acompanha este tipo de pergunta. Porém, se a mãe seguem ficar longe de uma janela aberta, mas que detestam
sabe como falar com ele e diz: “Veja, sinto muito mas você correntes de ar. Há um certo número de remédios que cor-
está cheirando a cigarro...”. Então, o rapaz não diz não ime- respondem, ao mesmo tempo, ao desejo de ar e à piora pe-
diatamente; ele enrubesce e é levado gentilmente a confes- las correntes de ar.
sar o que fez. É aí que se deve ser psicólogo, não colocando
perguntas muito diretas.
12. Como você suporta as diferenças de temperatura?
Quando se vai de uma sala quente para um aposento
4. O que você sente quando o tempo está nublado?
frio, saindo ao ar livre ou entrando em um aposento quente,
5. Como você se sente sob o sol forte? ao ir até uma adega, etc.
Acrescento frequentemente: “Há pacientes que não con-
seguem sair de casa sem um chapéu...” 6 Em inglês, no original, significando “interrogatório cruzado” (N.T).
onados Como formular as perguntas? Ag
As A ARTE DE INTERROGAR e outros textos seleci
do DR. PIERRE SCHMIDT

19. Como você suporta ficar em pé em uma prova de


13. Como você suporta o calor, em geral?
de um quar- roupa na costureira ou a espera de um transporte?
E pode-se insistir: o calor da cama, o calor
pequenas diferen- Na igreja, como é para você ajoelhar-se?
to, de um forno, de um radiador. Existem
sentar diver- Algumas senhoras não suportam, absolutamente, expe-
ças que mostram que um indivíduo pode apre
rimentar roupas na costureira por mais de cinco minutos.
sas modalidades.
Pode-se perceber que esta pergunta sobre a posição já foi fei-
ta na pergunta 18 e está repetida aqui. Esta maneira de reto-
14. Quais são suas reações às temperaturas
mar a pergunta, uma ou duas vezes, é intencional: é um pro-
extremas?
cedimento de verificação muito recomendável e necessário.
Alguns pacientes dirão que não suportam as temperatu-
importante a
ras extremas e há no Repertório uma rubrica
20. Qual esporte você pratica, quando e com que
este respeito.
frequência?
as de Este assunto é de interesse secundário, mas o paciente
15. Que diferenças você nota entre suas roup
e à sempre poderá contar algo a este respeito: “Sim, pratico es-
verão e as de inverno? Como você se cobr
grima, mas o que mechateia é que transpiro muito, e depois
noite, na cama?
du- fico resfriado”. “Jogo tênis, mas tenho sempre dor no calca-
Alguns pacientes não são nem um pouco friorentos
nhar”; assim, os pacientes acabam falando sobre coisas que
rante o dia mas o são muito à noite.
eles nunca teriam dito de outra maneira e que são muito
nte o úteis para os médicos.
16. Quantos resfriados você contrai dura
inverno e nas outras estações?
21. Como suporta uma viagem de barco, de trem, de
Esta é uma pergunta que obriga o doente a falar.
automóvel, avião, e dos meios de transporte em
nte geral? Desde quando isto acontece?
17. Como você deixa a janela do seu quarto dura
a noite?
a e outras a 22. Como se sente de uma maneira geral antes,
Algumas pessoas abrem amplamente a janel
da janela, durante e depois das refeições?
deixam entreaberta; outras, ainda, fecham, além
Existem doentes que sempre sentem-se mal depois das
também o corta-vento.
refeições, ou então sentem-se muito melhor, e não conse-
você: guem ficar sem comer três ou quatro vezes por dia.
18. Qual é a posição mais desagradável para
sentado, em pé ou deitado e por quê?
ou 23. Comoé seu apetite e de qual refeição você
Existem doentes que não conseguem ficar em pé
dia todo poderia facilmente se privar?
deitados. Porém, alguns acham que ficam em pé o
lhes per- Alguns doentes não conseguem ficar sem uma refeição e
e que isto os incomoda. Então é o momento de
nem jejuar e outros, ao contrário, sentem-se muito melhor, pois
guntarmos:
50 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Como formular as perguntas? 51
do DR. PIERRE SCHMIDT

comem apenas por hábito. Eles dirão frequentemente: “Posso Kent indica os remédios correspondentes, pois, não esque-
perfeitamente saltar uma refeição e detesto grandes jantares e çamos, este questionário tem umafinalidade essencialmen-
banquetes.” É uma pergunta que não é feita mas que mostra te prática, de descobrir o remédio curador.
e
que a solicitação foi bem formulada, pois o paciente reage
desenvolve sua resposta segundo sua própria escolh a. 27. Queefeito o cigarro produz em você e quantos
você fuma por dia?
24. Quando sente vontade de beber, o que prefere Recebem-se, a esta pergunta, respostas muito curiosas.
beber e em que quantidade? “Alguns dirão: “Quase não fumo, somente um maço e meio”,
Deve-se tomar muito cuidado com esta pergunta sobre pois seu amigo fuma três ou quatro maços. Um outro dirá
bebidas. Se for perguntado ao doente se ele tem sede, ele que fuma muito porque fuma três cigarros por dia e que não
poderá pensar que sente muita sede porque toma sua sopa, está acostumado a fumar muito.
bebe seu chá de manhã e um copo de vinho no jantar. Ou-
tros, embora bebam o dia todo, responderão que não têm 28. Quais são os medicamentos ou substâncias de uso
sede porque, evidentemente, bebem bastante! externo ou interno que lhe trazem problemas?
Iodo, cânfora, arnica... Lembro-me muito bem de um
25. Quais os alimentos que não lhe convém doente que prevenia sempre seus oftalmologistas dizendo-
e por quê? lhes: “Doutor, não me passe atropina, não a tolero”, e natu-
Se o paciente não responder prontamente, pergunte ob- ralmente, por um reflexo alopático, estes médicos lhe da-
servando cuidadosamente sua fisionomia sobre: as coisas vam, apesar de tudo, e provocavam como resultado
adocicadas, salgadas, ácidas, gordurosas, Os ovos, a carne, distúrbios alérgicos, eczema,etc, durante semanas! Deve-se
os frios, as frutas, os legumes verdes, O repolho, as cebolas, respeitar as coisas que os doentes dizem, sobretudo quando
a manteiga... Resumindo, cite vários alimentos e nesta oca- são pessoais.
sião observe o que transparece na sua expressão, anotando
imediatamente suas impressões. 29. Que vacinas tomou eque efeito teve sobre sua
saúde?
26. Como você suporta o vinho, a cerveja, O café, O O efeito das vacinas é muito importante. Quando o doen-
chá, o leite e o vinagre? te não reage, às vezes, talvez seja porque a vacina não era
Desta forma, o doente não consegue responder apenas eficaz ou então o doente estava fraco demais para reagir.
com um sim ou um não; ele precisará dizer alguma coisa e a
maneira como ele responderá fará com que se sublinhe o 30. Como suporta os banhos quentes, os banhos no
sintoma uma, duas ou três vezes e mostrará se ele possui rio, lago ou mar?
realmente um desejo ou uma aversão. Tenho uma paciente que se banha no lago todos os dias
Não há motivos para se indicar muitas substâncias ali- de manhã. Ela sofre de reumatismo e os banhos a aliviam
mentares. Deve-se limitar àquelas as quais o Repertório de imediatamente.
Como formular as perguntas? 53
s selecionados
52 A ARTE DE INTERROGARe outros texto
—— —— —— — do DR. PIERR E SCHMIDT
——

dos sintomas o doente tinha respondido sim ou não e um


na montanha?
31. Como se sente à beira-mar ou outro era geral demais e nada característico; quanto aos
ar os pacientes.
Esta pergunta é útil para poder aconselh outros, eles eram patognomônicos e não me sobrou nada.
unta, pode-se aconse-
Caso nunca tenha sido feita esta perg Fiquei confuso e senti-me realmente muito diminuído.
r do paciente que ele
lhar uma estadia na montanha e ouvi Aprendi, em seguida, a perguntar melhor.
e Ser muito prudente
não se sente bem nestes locais. Deve-s
que precisamente pio-
para não aconselhar, em seguida, algo
re o paciente. IH — Os sintomas mentais
e as roupas muito
32. Como suporta as golas, cintos Esta é uma questão muito difícil e entretanto muito vali-
fechadas ou abotoadas? osa. Há 47 anos tenho, no máximo, cinco casos em que não
em casa, abrem a
Há pessoas que, assim que chegam obtive sintomas mentais. Sempre há sintomas mentais, mas
caso de senhoras,
gola da roupa, arrancam gravatas ou, no é necessário aprender a observar e, às vezes, não se conse-
r suas cintas. Exis-
logo após a refeição são obrigadas a abri gue encontrá-los através da anamnese e nem da observação
a este sintoma de
tem poucos remédios que correspondem e se é obrigado a perguntar às pessoas do relacionamento
letar esta rubrica atra-
desabotoar e cabe aos médicos comp do paciente, que muitas vezes informam coisas muito inte-
vés de suas observações. ressantes, que não se poderia ter sabido de outra maneira.
Como Hahnemann diz muito bem, há sintomas que os doen-
mentos
33. Como é a cicatrização dos seus feri tes contam, os sintomas que você mesmo observa e há aque-
e por quanto tempo sangram? les que os familiares informam.
aos doentes que
Esta pergunta refere-se aos hemofílicos,
ntam erupções cutã-
se infectam facilmente ou que aprese
Os sintomas mentais só têm valor, é claro, se forem
neas com o menor arranhão. bem marcados, apresentarem modalidades e não forem
patognomônicos.
34. Em quais circunstâncias você já
teve vertigem ou desmaiou? 1. Quais são as maiores emoções e desgostos que
e, em jejum, etc.
Em umaigreja, em um quarto cheio de gent você já experimentou na vida?
Esta pergunta é muito útil. E como já interrogou o pa-
gerais. Elas for-
Estas perguntas referem-se aos sintomas ciente, o médico já estabeleceu um primeiro contato, não
anto que estes sin-
necem a chave de muitos pacientes, cont sendo mais um estranho para ele. Frequentemente, o doente
entemente. Lem-
tomas sejam verdadeiramente típicos, evid apresenta uma pequena lágrima neste momento. Quando
a trabalhar com a
bro-me sempre de que quando comecei um médico é capaz de fazer o paciente chorar ou rir na
a selecionado 40 sin-
Dra. Gladwin, atendi um doente e havi primeira consulta, ele toca seu coração e isto é muito impor-
. Porém, ela os ris-
tomas. Eu estava muito orgulhoso disto tante. Muitas vezes, pode-se ver os olhos do paciente se
nenhum, pois a um
cou todos com lápis, não tendo deixado
54 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 55
do DR. PIERRE SCHMIDT

umedecerem, e ele abaixará a cabeça para esconder a emo- vem no meu consultório. Eu a conheço, aliás, através de ou-
ção. Uma boa conversa com ele será, então, necessária. Esta tras pessoas de sua família e também sei porque ela não quer
é a razão pela qual, depois da extroversão, a pergunta se- que falemos do assunto. Ademais, há muitas outras maneiras
guinte, feita rapidamente, fará com que ele levante a cabeça de conhecer um paciente: a numerologia, a nominologia, o
com uma expressão um pouco confusa e depois mostre um estudo das mãos, a escrita, os olhos, todas poderão auxi-
feliz sorriso em seu rosto. liar a descobrir o que querem ocultar. Não há segredos que
o tempo não revele e sempre poderão ser descobertos de
2. Quais foram suas maiores alegrias? uma maneira ou de outra. Porém, psicologicamente, é um
Assim queforfeita esta pergunta, provavelmente o rosto erro escondê-los pois, como acontece com os advogados,
do paciente se iluminará e ele pensará nas coisas agradáveis deve-se sempre dizer a verdade aos médicos.
da sua vida. Porém, o número de ingratos é incomensurá- Após estas duas perguntas, o paciente, com fregiiência,
vel. Há pacientes que têm sucesso em tudo na vida, mas já terá contado algo de si mesmo, sentindo simpatia pelo
não consideram isto como alegria: um marido perfeito, uma médico porque este o escutou falar de coisas que fregiiente-
fortuna imensa, empregados bons, filhos que dão prazer; mente ele não pode dizer a ninguém.
resumindo, eles têm tudo para serem felizes e não sentem
isto como uma benção vinda do alto. Cabe aos médicos fa- 3. Quais são os momentos das 24 horas do dia em
zer os pacientes perceberem e mostrar-lhes que são privile- que você se sente deprimido, triste ou pessimista?
giados e que têm muita sorte. E repentinamente, os pacien- Esta maneira de perguntar evita dizer: “você é triste ou
tes dizem: “É verdade, eu não havia percebido.” Partem, pessimista?”. Existem pacientes que, com frequência, estão
então, para a vida, muito felizes. deprimidos de manhã, ao acordar, e há, sabidamente, dois
grandes remédios para isto: Lachesis e Alumina.
Estas duas perguntas são, portanto, particularmente im-
portantes e a faculdade psicológica do médico conduzirá a 4. Como você suporta as dificuldades ou os
preciosas deduções. Além disto, colocadas no momento cer- problemas?
to e com uma entonação atenciosa, elas prepararão o cami- Alguns responderão que, para eles, é indiferente. Outros
nho para as perguntas seguintes. dirão que a mínima coisa os arrasa completamente e, fre-
Tenho dois pacientes dentre a minha clientela que medis- quentemente, nestas ocasiões, eles ainda indicarão mais al-
seram: “Doutor, proíbo-o de tocar nos meus assuntos pes- guma coisa, que deverá ser anotada. Conhecendo estenogra-
soais; não quero responder a estas perguntas.” Evidentemen- fia, há a vantagem de poder anotar o que o paciente disser
te, podemos dispensá-las, mas são precisamente as perguntas abreviada e rapidamente, o que é, evidentemente, muito útil.
essenciais as que não se quer responder. Nunca se pode curar
um doente tão bem quando ele quer esconder alguma coisa. 5. Em que ocasiões você chora?
Tenho, particularmente, uma paciente que me pediu para Perguntando desta maneira, não se fere o paciente.
nunca falar do seu passado e me pergunto porque ela ainda Lembro-me que uma das minhas pacientes deixou um ex-
Como formular as perguntas? 57
56 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

8. Em quais circunstâncias você sente ciúmes?


celente homeopata porque ele havia perguntado se ela cho-
por Existem três tipos de ciúmes: o ciúme da cabeça, o do
rava. Ela achou isto muito inconveniente e O deixou
a coração e o do sentido. Pode-se senti-los separadamente ou
esta razão. Eu também iria perguntar, porém tive a cautel
ao mesmo tempo. Com todos estes sintomas mentais, deve-
de não fazê-lo. Se o doente não responde imediatamente,
podemos perguntar, enquanto observamos sua expressão:
se tomar cuidado. Se o paciente responder com um tom acre,
“a música, as reprimendas? Em qual momento do dia? Al-
como: “Nunca fico colérico!”, pode-se compreender muito
E bem o queisto quer dizer. Existem doentes que respondem
gumas pessoas seguram O choro, outras não conseguem.
você, como é? Há pessoas que choram pela menor repree n- - que não são impacientes, porém não conseguem esperar
nem por um minuto na sala de espera, e ficam andando de
são”. Antigamente, eu tinha uma secretária que me desar-
, um lado para outro no corredor. Outros dirão, ao contrário,
mava porque, cada vez que eu lhe fazia uma observação
que são. Cabe ao médico observar.
ela tinha uma crise de riso! Existem pessoas que ficam
muito melhor quando choram e outras, muito pior. Isto é 9. Quando e por que você sente ansiedade
algo que interessa. e quais são seus medos?
Se o paciente não responder imediatamente, pode-se acres-
centar: muitas pessoas têm medo à noite, da escuridão ou de
6. Quando você está com um problema, uma
preocupação ou um desgosto, como suporta O
estar só. Outras, têm medo de ladrões, da multidão, de certos
consolo e qual efeito ele lhe provoca? animais, da morte, das doenças, dos espíritos, de que algo de
ruim lhe aconteça, de uma infelicidade, De ficar louco, do ba-
Eis aí uma pergunta-chave que separa imediatamente
rulho à noite, da pobreza, das tempestades, da água, etc. As-
Pulsatilla de Natrum muriaticum, por exemplo. É muito útil
saber sobre a piora pelo consolo. Os pacientes, frequente-
sim, os pacientes ficam livres para responder e não serão obri-
gados a dizer alguma coisa. Evidentemente, não existem todos
mente, respondem: “Isto depende de quem vem o consolo.”
e os medos no Repertório de Kent e para os animais só encontra-
Evidentemente, se vier de pessoas que nos são simpáticas
lado, mos os medos de cachorros e dos animais em geral. Mas pode-
se mesmo neste caso o doente não quiser ser conso
se anotar estes diversos medos.Isto é útil para casos como o do
preferindo permanecer só, este sintoma deverá ser conside-
paciente que sabia que sua mãe tinha medo de rãs e, um dia,
rado. Em contrapartida, a melhora pelo consolo é algo nor-
o os enquanto ela dormia a sesta, ele colocou uma rã na sua barri-
mal e, consequentemente, não é um sintoma. Quand
ga! Ela acordou apavorada. Brincadeiras como esta não devem
pacientes dizem: “Isto me faz piorar no início, mas depois
ser feitas pois podem ser perigosas.
eu melhoro”, é sinal que a piora deve ser considerada, pois
é uma manifestação primária. 10. Como se sente em uma sala cheia de gente?
Que lugar você escolheria em uma igreja, em
uma conferência ou em um espetáculo?
7. Em que ocasiões você já se sentiu desesperado?
Desta maneira, pode-se conhecer os sintomas de claus-
Esta questão é útil para evidenciar a questão do suicídio,
do desgosto pela vida. trofobia que serão muito úteis.
58 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Comoformular as perguntas? 59
mm do DR. PIERRE SCHMIDT

11. Você fica vermelho ou pálido quando se zanga? O gue dizer: “Escute, meu caro, você não o verá. Ele morreu
que o deixa colérico? Como se sente depois? esta noite.” Nosso homem parou, largou o telefone e sen-
Há, graças a Gallavardin, remédios muito interessantes tiu um zumbido pavoroso no ouvido direito, que não mais
para as cóleras com vermelhidão e com palidez. São conhe- o deixou. Ele foi aos otorrinolaringologistas. É claro que
cidos, também,os transtornos por cólera. fizeram testes, insuflações, massagens, mas absolutamen-
te nada adiantou. Seus zumbidos continuaram. Entupiram-
12. Como tolera a espera? no de remédios, calmantes, e nada deu resultado, e duran-
te seis meses, este pobre homem sofreu um martírio.Com
Se o paciente não responder, deve-se fazer, então, as
perguntas sobre a impaciência. apenas uma dose única de Gelsemium XM? o zumbido de-
sapareceu completamente e não voltou mais durante um
ano. Nesta ocasião, tive que dar a ele uma segunda dose,
13. Algumas pessoas fazem tudo com pressa e porque sofreu uma emoção e voltou a ter um pequeno zum-
precipitação. Outros, ao contrário, com uma bido. Masele ficou curado definitivamente. Qual é o ramo
lentidão extrema. E você? Como anda, come, fala, da Medicina que pode fazer algo assim? Apenas uma pe-
escreve e como são seus gestos? quena dose da diluição Korsakoviana XM, e um zumbido
Há doentes que sempre são apressados em tudo o que de ouvido consecutivo a uma má notícia é curado? Há os
fazem. remédios Calcarea e Gelsemium, que são os medicamentos
para os transtornos por más notícias. No Repertório, isto é
14. Quais foram, para você, as conseqiiências de encontrado em “bad news”8 e há nesta rubrica mais ou
decepções amorosas, de vexações, humilhações, menos 50 remédios, entre os quais Calcarea e Gelsemium,
indignações, más notícias ou medos? ambos com 3 pontos. Deve-se começar sempre por um re-
Estes são sintomas etiológicos essenciais. Esta pergun- médio vegetal, se for possível. E Gelsemium corresponde
ta é, no meu ponto de vista, uma pergunta-chave no capí- admiravelmente a isto.
tulo dos sintomas mentais. Nem sempre há uma resposta, Frequentemente, quando alguém diz: “sim, tive um des-
mas pelo menos 70% dos pacientes a respondem. Há um gosto grave na minha vida, perdi meu irmão”, deve-se per-
caso de um paciente meu, um zelador do Conservatório de guntar sempre: “Como você soube da notícia?”. Se o pacien-
Genebra, que tinha o hábito, durante 20 anos, de sair to- te assistiu ao acidente, trata-se de transtorno por medo. Nos
das as manhãs com um amigo; das 8 às 9 horas eles iam outros casos, serão transtornos “por excitação emocional”.
pescar ou passear com seu cão em volta do lago. Eram Porém, geralmente, o doente fica sabendo por telefonee é aí
amigos inseparáveis. Uma manhã, às 8 horas, o amigo não que se deve considerar “bad news”.
veio; às 8h30, o zelador telefonou para a casa dele: “Por
que Paul não veio? É um escândalo, bem ele, que é tão
pontual...” Em resumo, ele não deu tempo para a senhora, 7 XM= 10.000
do outro lado da linha, responder. Finalmente, ela conse- 8 Em inglês, no original, significando “más notícias” (N.T).
60 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 61
do DR. PIERRE SCHMIDT

15. Nos seus momentos detristeza, depressão, 17. Como fica seu humorantes, durante e
como imagina a morte? Os pressentimentos? depois da menstruação?
Os pensamentos? Os desejos? Isto é muito importante. Antes da menstruação, uma
A vontade de se suicidar? mulher pode estar agitada (restlessness”), ou então estar
Há doentes que sentem pressentimentos de mortee até deprimida, irritável, chorar. São sintomas importantes, que
mesmo desejo de morte. Alguns têm vontade de se suicidar pertencem ao doente no seu conjunto.
e outros estão dispostos a fazê-lo; alguns outros não possu-
em a coragem, apesar do seu desejo ou seu impulso. Qual é Durante toda a anamnese, o médico, ao mesmo tempo
o meio que você teria escolhido? em que procura deixar sua doente à vontade pela sua atitu-
Alguns falam de enforcamento, outros de veneno, de e comentários certos, não deve deixar de olhá-la e “es-
etc. E é possível saber rapidamente se o paciente diz a piar”, se assim se pode dizer, com tato e discrição. Quanto
verdade. Para começar, quando alguém diz a verdade, o ao resto, todo médico que tem os olhos abertos, assim como
olho se dilata por um instante; se estiver mentindo, a o espírito, observará muitos sintomas mentais sem dizer
pupila se contrai. Pessoas com desejo de suicídio atra- uma única palavra como, por exemplo, a timidez, a loquaci-
vés de meios violentos ou espetaculares como revólver, dade, a suscetibilidade, o egoísmo, o ar encabulado, a reser-
acidente, faca, sempre mostrarão um achatamento na par- va, a exaltação, os sobressaltos corporais, o orgulho, a alti-
te superior da pupila esquerda; em compensação, o dese- vez, a negligência, a desconfiança, a agitação, os risos
jo de suicídio por meios não espetaculares, não violentos, anormais, os distúrbios da memória, a disposição calma ou
como veneno, gás, afogamento, mostrará um achatamen- nervosa, OS suspiros, a vivacidade ou a lentidão, os choros
to na parte superior da pupila direita. O achatamento da quando fala da sua doença, etc.
pupila na sua parte superior do olho esquerdo também Por outro lado, existem sintomas sobre os quais não há
indica, frequentemente, raiva, cólera reprimida, uma pe- necessidade de se perguntar, porque os doentes contam espon-
quena revolta secreta; no olho direito, indica um desgos- taneamente, se forem realmente marcantes, ou então os famili-
to amoroso. ares os enviam por escrito antes da consulta, como: a recusa
de comer, o desejo de fugir, o medo, às vezes, do suicídio. E há
sintomas que deve-se saber observar. Os tiques são muito inte-
16. Alguns pacientes sofrem quando suas ressantes. São sintomas do subconsciente e pode-se, quase
coisas não estão em uma ordem meticulosa. sempre, dizer que eles possuem uma relação genital. Quando
Para outros, isto é indiferente. alguém apresenta tiques, há qualquer coisa errada do lado se-
Certos doentes, à noite, dobram sua camisa ou sua rou- xual, sobretudo se eles se encontram perto do nariz. Nas crian-
pa íntima bem nos vincos, e colocam seus sapatos perfeita- ças, isto pode corresponder a uma repressão, depois de uma
mente lado a lado. Outros, colocam seus objetos sem ne- reprimenda ou qualquer coisa que os chocou.
nhuma ordem e espalhados. Isto interessa e permite
diferenciar um Sulphur de um Arsenicum, por exemplo. 9 Em inglês, no original, significando “ inquietude” (N.T).
62 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 63
mem do DR. PIERRE SCHMIDT

IV — As aversões e os desejos alimentares V-— Os sintomas do sono

1) Em que posição você dorme e desde quando você


1. Quais são os alimentos pelos quais você possui faz isto?
um desejo marcante? Alguns doentes dirão: “Nunca consegui dormir do lado
Neste caso, é conveniente, quando o paciente responder, esquerdo”. Há cardíacos que só dormem bem quando ficam
observar bem sua mímica, pois é muito fácil ler a expressão sobre o lado esquerdo. Em qual posição você coloca a ca-
pela observação, por exemplo, dos cantos da boca que abai- beça? Alguns dormem com a cabeça alta, outros com a ca-
pm xam se a pessoa tem nojo ou, ao contrário, sobem, enquan- beça completamente baixa. Se for encontrado um doente
to os olhos brilham, se existe um desejo ou uma intensa que faz uma crise de asma ou de enfisema e que fica bem
atração alimentar. É bom acrescentar, por exemplo: os somente quando deitado com a cabeça baixa, isto poderá
confeitos, os doces, as coisas açucaradas, o açúcar puro. ser considerado extraordinário, e é um sintoma muito valio-
Não deve-se fazer perguntas. Apenas enumera-se e, de re- so que conduz a Psorinum. Deve-se, também, perguntar em
pente, o paciente reagirá: “Oh, os doces, adoro isto, até vou que posição colocam os braços, a cabeça e as pernas.
comprar durante o dia...”; e as coisas ácidas? As coisas con-
dimentadas? As coisas ricas em gordura? A manteiga (quan- 2. O que você faz durante o sono?
do se perguntar sobre a manteiga, pergunte se é a manteiga Deve-se acrescentar, de passagem: alguns doentes falam,
sozinha ou o pão com manteiga), as frutas, O peixe, a carne, gritam, choram,riem, têm sobressaltos, agitam-se, têm medo,
o café, o vinho, a cerveja, o sal? O que interessa não é o rangem os dentes ou dormem com os olhos e a boca abertos.
paciente que diz: “Sim, eu gosto do sal.” mas aquele que
possui um desejo de sal e que salga os alimentos mesmo 3. A que horas você acorda e quais são os horários
antes de experimentá-los. que você apresenta insônia ou então sonolência
nas 24 horas do dia, e ao quê as atribui?
Alguns dirão que não dormem porque têm coceiras, ou
2. Quais são os alimentos pelos quais você tem
palpitações, ou sonhos pavorosos que os despertam.
aversão?

4. Conte os sonhos que ocorrem com maior fregiiência.


3. Quais são os alimentos que lhe fazem mal e que Esta questão é muito importante. Neste caso, há uma ex-
você não pode comer? ceção no Repertório que deve-se conhecer. Eu disse que no
Todas estas perguntas, já se pode perceber, já foram fei-. Repertório dever-se-ia procurar corresponder os sintomas dos
tas no início do questionário. Porém, ao repeti-las, pode-se remédios de valorização equivalente à importância queestes
notar se a resposta foi correta da primeira vez ou não; se O sintomas possuem no doente. Um desejo de sal muito marca-
paciente se contradiz, isto é uma contra-prova útil. do em um doente deve fazer com que se procure no Repertó-
rio os remédios que também apresentem este desejo muito
Como formular as perguntas? 65
os textos selecionados
A ARTE DE INTERROGARe outr
do DR. PIER RE SCHMIDT
64 ——————

tre a pontuação mais alta, juge, por ocasião de uma próxima consulta. Pode-se saber,
marcado, e entre estes, o que mos
que se trate de um remédio às vezes, coisas que serão exatamente o contrário do que foi
impressa em negrito, à não ser sonhos, dito. Seja sempre prudente quando se tratar de sintomas
mentado. Mas, para OS
raro e insuficientemente experi ção, sexuais. É útil saber que pode existir a aversão sexual ou a
se for encontrado um rem édio com uma pequena pontua
nele. instabilidade. Frequentemente, é uma questão de educação
deve-se, assim mesmo, confiar e de técnica.
to importante. Infeliz-
A hora do despertar, à noite, é mui que Eu digo frequentemente que quando um marido pensa
o: “Isto depende da hora em
mente, muitos doentes dirã
10 horas, acordo às 2 horas.
Se ser delicado, ele é ainda muito grosseiro, porque a sensibili-
me deito; se vou dormir às
às 4 horas.” Isto não interessa dade feminina é “especial” e o homem nunca é suficiente-
deito-me à meia-noite, acordo
hora em que ele acorda com mente delicado em relação à sua esposa. Conheço um casal
em nada. O que é preciso é a
as da manhã, pode-se saber que complicou seu relacionamento porque o marido deseja-
maior fregiiência. Se for às 4 hor
r. Pode-se saber que este va que, à noite, sua mulher andasse totalmente nua nos apo-
que já é uma indicação de Sulphu
pela manhã, logo que acor- sentos iluminados. Ela o fez para satisfazer seu marido mas,
doente evacua à noite ou então
idade de evacuar. Toda esta a partir deste dia, ficou com nojo dele. Há neste campo mil
da, saltando da cama pela necess
será muito útil para 08 mé- e um pequenos detalhes com os quais deve-se tomar cuida-
questão do horário das insônias
rubrica do Repertório refe- do. Lembro-me de um outro marido que adorava fotografar
dicos. Não deve-se confundir a sua esposa toda nua. Evidentemente, ela achou aquilo en-
diz respeito ao horário das
rente à hora do despertar e a que cantador no momento, mas depois começou a se perguntar
corresponde aos mesmos
insônias: a insônia às 2 horas não
pois um doente pode acor- para quem seria esta foto...
remédios do despertar às 2 horas,
alguns minutos depois, e
dar às 2 horas e voltar a dormir
a.
não se tratar de uma insôni VII — Menstruações 1º

Este é um capítulo extremamente útil e valioso para a


VI — Os sintomas sexuais pesquisa dos remédios. Kent já dizia que tudo o que se refe-
iando seu paciente, deve- re às secreções, seja qual for sua origem, cor, odor ou con-
Com um ar indiferente, mas vig
sistência, diz respeito a características que nunca serão en-
se dizer:
contradas no caixão e é o que não se vê no caixão que
sexo; outros, ao caracteriza a vida e deve ser objeto das nossas pesquisas.
1. Há doentes muito ligados ao
uns até sentem
contrário, são muito frios e alg
oximação.
uma aversão a qualquer apr
to? no
O que você me diz a seu respei 10 O autor emprega o termo indisposições mensais (“indispositions mensuelles")
será mais fácil COITO-
Deve-se anotar as respostas, mas
com o sentido de menstruações. Traduzi como menstruações, que é mais apro-
pergunta ao outro cOn-
borar estes sintomas colocando esta
priado ao uso atual (N.T.).
66 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 67
mu do DR. PIERRE SCHMIDT .

e
. 1. Com que idade você teve suas primeiras matismos, os corpos estranhos, as causas externas. Se um
menstruações e com que idade elas cessaram? | paciente se queixa de sentir um aperto no punho por uma
pulseira ou um relógio muito apertado, isto não é, evidente-
2. Qual é a fregiiência de suas menstruações? mente, um sintoma! Se falam que sentem comose houvesse
E a regularidade? uma bola na garganta, é preciso perguntar em que momento
ela ocorre, se é engolindo ou depois de engolir, se ela sobe
3. Qual é a duração, abundância, cor, odor depois de ter sido engolida, se não é modificada quando se
e qual é o aspecto e consistência do fluxo? engole, etc., e verificar se não existe um bócio, é claro!
pm Deve-se, em seguida, precisar as modalidades dos sinto-
4. Diga a que hora a hemorragia é mais importante. mas mais evidentes dos quais o doente se queixa, isto é, a
o Há mulheres que só têm perdas à noite, outras só duran- piora pelo movimento, o repouso, o calor, o frio, em um
, te o dia e outras, ainda, só quando andam. quarto, ao ar livre, de acordo com a posição, etc.
É necessário, neste ponto, verificar se as perguntas fo-
5. Como se sente antes, durante e depois das regras ram bem feitas e, consegiientemente, bem respondidas. Há
no aspecto físico, psíquico e eventualmente no duas maneiras de se assegurar:
momento em que elas deveriam chegar?
1. Pela observação direta durante a anamnese.
O médico não deve deixar de fixar a atenção no paciente
VIII — Revisão do caso a fim de observar como ele responde às perguntas feitas,
pois, neste caso, as coisas devem combinar. A entonação da
Faz-se, para terminar, o que se chamarevisão do caso. É voz, os jogos de fisionomia, da sua boca, dos seus olhos,
necessário retomar, dentre os sintomas indicados pelo doen- toda sua atitude, enfim, deve ser perfeitamente observada e
º te, aqueles que são estranhos, esquisitos, raros ou singula- anotada. Um doente que diz: “Sim, gosto bastante de carne
res. Por exemplo: mas não de peixe!” —- sem que sua mímica seja modificada,
não indica nenhum sintoma. Porém, se ele diz: “Oh! Adoro
e Sensação de ter um prego enfiadona cabeça.
a carne! E detesto o peixe!” - pode-se saber que estes são
e Sensação de que um barbante puxa os olhos para trás.
sintomas úteis, sobretudo se eles forem acompanhados, no
e Sensação de ter uma bola na garganta. |
| caso do primeiro sintoma, por olhos bem arregalados, um ar
e Sensação de haver uma garra que aperta o coração. |
| prazeroso e, no segundo, de um gemido expressando um
e Sensação como se os joelhos e os calcanhares estives-
| desgosto, acompanhado de um movimento para o lado com
sem enfaixados.
a cabeça. É através da mímica que podemos graduar em
Estes são sintomas que, para os médicos, são de grande | primeiro, segundoe terceiro graus e saber se é um verdadei-
- importância, contanto que seja certo que não existe causa | ro sintoma ou se é um sintoma superficial, o qual nem se
ocasional que os provoquem como, por exemplo, os trau- deve levar em consideração.
68 A ARTE DE INTERROGARe outrostextos selecionados Como formular as perguntas? 689
— do DR. PIERRE SCHMIDT

Não se deve esquecer que, excetuando-se estas duas gran- doente que diz que dorme com as mãos acima da cabeça,
des categorias de sintomas utilizáveis e aqueles que não pos- deve ser questionado: “Qual é o efeito do calor da cama e
suem valor e são supérfluos, há ainda uma graduação a ser das cobertas sobre suas mãos durante o sono??. Se ele ga-
feita entre aqueles sintomas que podem ser considerados. Há, rantir que detesta as coisas gordurosas, pode-se perguntar:
de-.fato, sintomas muito importantes que merecem ser subli- “Você prefere o peixe com molho, frito ou na manteiga? E o
nhados duas vezes, e outros de menor valor. Entretanto, toucinho, como você gosta?”. Ele será obrigado a responder
“quem não tem cão caça com gato” e se com certos doentes já alguma coisa e pode-se, assim, verificar se ele realmente
se fica bastante satisfeito em conseguir alguns sintomas, com gosta ou não de coisas gordurosas. Se ele disse que detesta-
outros há uma verdadeira invasão, um arrebatamento por va o consolo, pode-se dizer a ele: “Há pessoas para quem
uma verdadeira enxurrada sintomatológica. Não se deve ser gostamos de desabafar nos momentos difíceis, e você?”. Es-
exigente se a qualidade, e talvez a quantidade dos sintomas, tas são perguntas muito úteis, que verificam, confirmam ou,
não permitir estabelecer uma classificação com nuances. Mas, ao contrário, infirmam o que o doente disse. Se ele disse
neste caso, também não se pode esperar resultados brilhan- que nunca ficava colérico, pode-se perguntar se ele fica ver-
tes quando se cai nos sintomas pálidos, comuns, vagos. É por melho ou pálido quando se zanga. Frequentemente, ele res-
isto que se deve ser exigente na caça aos sintomas e reter ponderá: “Vermelho! Mas isto passa logo”. Estes exemplos
somente os sintomas raros, singulares e característicos. dão uma idéia sobre a maneira de saber como fazer as per-
guntas importantes, a fim de estar certo de que os sintomas
2. Através de um contra-interrogatório considerados em um determinado caso são bons. Se na pri-
ou contra-prova. meira anamnese é absolutamente indispensável e importan-
Durante a anamnese, o médico escreve cuidadosamente, te restringir-se às regras rigorosas de Kent, nas perguntas de
na linguagem que foi exprimida, todas as respostas do pa- verificação e de controle é perfeitamente permitido, em com-
ciente. Como é útil, quando o doente retorna, poder exibir a pensação, como se viu aqui, fazer perguntas mais diretas e
frase que ele disse, as próprias palavras que ele empregou. que permitem a escolha entre duas alternativas, mesmo se
Ele reconhece imediatamente. Porém se isto for transporta- isto leve a conversar ainda com o doente se a última respos-
do para uma frase própria do médico, o doente não sentirá ta estiver em contradição com a primeira resposta.
absolutamente esta correspondência. Apenas a observação, de fato, permitirá separar bem as
O médico deve sublinhar ou marcar com uma cruz as contradições. Na verdade, frequentemente o doente diz que
respostas que são importantes e deverão ser verificadas, a é muito impaciente e você observa que depois de ter espera-
fim de garantir que o doente realmente tenha entendido bem do meia hora ou mais na sala de espera, ele está perfeita-
a pergunta e respondido corretamente. É o que se entende mente calmo, senta-se e levanta-se sem nenhuma pressa e
porprova ou verificação do interrogatório e é o que os ingle- responde com tranquilidade às perguntas. Outros dirão que
ses chamam fazer “cross questions”!l. Por exemplo, um têm um bom humore se acaba sabendo pelos familiares ou
conhecidos que eles são impossíveis ou até divorciados por
14 Em inglês, no original (N.T). incompatibilidade de humor.
Como formular as perguntas? 71
70 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

sobre Pulsatilla e não se terá feito um bom trabalho. Porém,


Hahnemann insistia neste aspecto, dizendo que há três
pode-se perguntar: “Como é sua sede?” “Nunca tenho sede!”
tipos de sintomas: aqueles que O doente exprime, aqueles
“Nunca mesmo? E, por exemplo, às duas horas da tarde?”
que o médico observa e aqueles que a família conta. Esta é,
“Ah sim, é verdade, nesta hora, tenho sempre a necessidade
ainda, uma maneira de confirmar ou invalidar os sintomas
de ir tomar um copo de água fresca!” Para as coisas gordu-
que foram contados. Deve-se ser muito rigoroso nesta ques-
rosas, pode-se perguntar: “Quando você come presunto,
tão da escolha dos sintomas. Fiquei bastante deprimido a
gosta tanto do vermelho quanto do branco?!2” “Oh sim, eu
primeira vez que fui à Filadélfia para estar com O Dra.
“adoro o branco”. Antes, o paciente dizia não gostar de coi-
CGladwin, depois de ter feito, durante seis meses, um exce-
sas gordurosas porque talvez pensasse em algo muito dife-
lente curso com o Dr. Austin, e ela pediu para que eu inter-
rente, como muita gordura no caldo, um pato banhado na
rogasse um doente reumático no seu consultório. Obtive 40
gordura, ou um peixe que servido boiando na manteiga.
perguntas com respostas positivas. Depois, fizemos o doen-
Outros dirão que têm muita sede porque tomam sopa e be-
te passar para uma outra sala e analisamos detalhadamente
bem café com leite.
estas 40 perguntas. A Dra. Gladwin riscou todas, não restou
É muito mais prudente esperar, ou então dar Saccharum
nenhuma válida. Todas foram mal feitas, pois o doente po-
lactisl, do que prescrever um remédio do qual não se está
deria responder com um sim ou um não, ou então ele havia
certo e, consequentemente, não é bem indicado. É preciso ter
hesitado e não era absolutamente uma pergunta válida; uma
a coragem de esperar a segunda consulta para completar a
outra referia-se a um sintoma patognomônico e, consequen-
anamnese. Verificar e retomar certas perguntas depois de um
temente, sem nenhum interesse. Resumindo: das minhas 40
estudo consciencioso do caso. Fazendo assim nunca se per-
perguntas, não restou nenhuma e isto me fez sentir diminu-
derá nenhum doente ao esperar para lhe dar o bom remédio.
ído. Em seguida, a doutora pediu para o doente voltar; ela o
Porém, perde-se muito dando um remédio que não é indica-
interrogou e me mostrou as respostas que se podia obter e
do e que ofuscará o raciocínio e o caso. De fato nãose trata,
considerar.
sobretudo para um doente crônico, de blefar ou esconder a
Quando, depois de um interrogatório, surgem e se reve-
ignorância dando um remédio que não foi perfeitamente es-
lam claramente um ou dois remédios, e que hesita-se entre
tudado. Qualquer principiante de Homeopatia pode encon-
os dois, é a única ocasião em que se é autorizado a fazer
trar rapidamente algumas indicações medicamentosas inter-
perguntas (baseando-se nos mesmos princípios) orientadas
rogando qualquer doente, como qualquer um pode pretender
segundo os sintomas característicos do ou dos remédios que
esboçar o perfil de uma pessoa. Porém, daí a estabelecer uma
se julga corresponder ao caso. Porém, sempre deve-se abs-
prescrição baseada nos sintomas essenciais de um caso, em
ter de fazer perguntas diretas e evitar, sempre que possível,
vista de um resultado terapêutico, ou fazer um desenho ver-
que o doente possa escolher entre duas alternativas. Se, por
dadeiramente parecido e artístico, há uma grande diferença.
exemplo, hesita-se entre Pulsatilla e Bryonia, não poderá
ser dito: “Você não gosta de coisas gordurosas, não é? Você
não tem sede, não? Não é certo que, às duas horas da tarde, 12 Presunto cru e cozido (N.T).

você vai tomar um copo de água?” Desta forma, insiste-se 13 Placebo (N.T).
Como formular as perguntas? 73
72 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

durante aspecto, eles têm razão e, se os fizerem retornar, eles verão


Além disto, eu só tive dentre os meus clientes,
ue ela que há interesse neles e voltarão facilmente.
A7 anos, uma única doente que me repreendeu porq
te a Nós separamos aqui, logo de início, tudo o que diz res-
não tinha vindo para pagar meus estudos feitos duran
Os doen- peito à Homeopatia de urgência, ou os casos realmente agu-
consulta, porque olhava meu Repertório. Em geral,
. Da dos, para aventar os casos essencialmente prolongados, que
tes gostam muito que consultemos nosso Repertório
ele viram numerosos Esculápios!4, que percorreram as celebri-
mesma maneira, se eu for ao meu advogado, prefiro que
sua memó ria é dades das faculdades e, na maioria das vezes, esgotaram to-
olhe o Código Civil para poder verificar se
doen- dos os recursos alopáticos conhecidos. É papel dos homeopa-
absolutamente fiel, pois todos podem se enganar. Um
tório e pen- tas tratar os rejeitos da Medicina, estes abandonados. Deve-se
te nunca se arrepende quandose folheia O Reper
fia so- pensar, também, naqueles que esgotaram suas reações aos
sará que é um médico consciencioso e que não se
ntes remédios eletro-homeopáticos, ou aos diversos sistemas de
mente na sua memória. Aliás, pode-se explicar aos pacie
spon- Homeopatia complexista chamada Homeopatia moderna!
que existem Repertórios que contêm remédios corre
pode O verdadeiro hahnemanniano, honesto consigo mesmo
dentes a todos os sintomas e que nenhum ser humano
seu caso, pens o e com seus doentes, só age com conhecimento de causa e,
saber tudo. E se diz: “Evidentemente, no
útil para estabelecer sua prescrição, não negligencia tempo e
em um remédio, mas há talvez um outro que será mais
so expli car nem sacrifício. E se a Homeopatia não pode se desenvolver
e vamos verificar isto.” Da mesma forma, é preci
um mais neste mundo é porque cada caso é um caso que deve
o que é a Homeopatia, mostrar que Se trata de procurar
te ao qua- ser estudado por ele mesmo.
sósia medicamentoso que corresponde exatamen
ndo Às vezes, os doentes pedem: “Doutor, o senhor já teve
dro sintomático do paciente. Se o médico estiver trata
der casos como o meu?” E eu, particularmente, respondo: “Nun-
de uma pessoa cuja inteligência não permite compreen
a ca tive, porque se tivesse tido muitos, estaria inclinado a
isto, pode-se dar Saccharum lactis e depois o médico estud
ne- não quebrar a cabeça e lhe prescrever o remédio que dei ao
o Repertório. Na consulta seguinte, faz-se as perguntas
E, caso último que consultei!” É, precisamente, o que se faz com a
cessárias para verificar o que não se pôde controlar.
para Alopatia. A Homeopatia exige, ao contrário, uma Medicina
se perca este doente, vocês não perderão nada, pois
da pessoa que individualiza o caso, que procura o que é
um perdido encontra-se dez.
cons- benéfico a este doente particular e não o que pode ser útil a
Um doente se sente muito bem quando um médico é
possa ser todos os que sofrem da mesma doença. E o doente compre-
ciencioso e procura no seu interesse algo que lhe
fa- ende muito bem isto. Ele gosta muito que se cuide dele e ele
útil. Da mesma forma, para aqueles doentes que querem
vel tem razão.
lar e nem deixam que o médico faça uma pergunia, é possí
por dez con- Nós observamos que certas perguntas recebem sempre
fazê-lo retornar: quando um doente houver pago
rO as mesmas respostas, para todos, e consequentemente de-
sultas, ele começará a compreender que é necessário deixa
médico fazer seu trabalho. Geralmente, isto não ocorr e. Um
os
doente não se arrependerá de retornar. No fundo, todos
doentes são egoístas: eles desejam que se cuide deles e, neste
14 Deus romano da Medicina (N.T).
74 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 75
do DR. PIERRE SCHMIDT

vem ser consideradas como perguntas ruins. Às vezes, tam- esforce, sobretudo, para compreender o coração humano
bém, o paciente profere sintomas que ele interpreta ou indi- que vem se confiar a ele. Um dos meus professores ensinava
ca mal, sendo esta a razão pela qual se deve fazê-lo mostrar que o médico devia sempre dizer a si mesmo, ao ver um
o local onde sente o sofrimento. Aqueles que falam, por novo doente entrar no seu consultório: “Deve ser um sifilíti-
exemplo, de dores nos rins, sofrem, na maioria das vezes, co, um canceroso ou um tuberculoso!” Que triste atitude!.
de sacralgias. Muitos confundem os olhos e as pálpebras, a Ao contrário, em Homeopatia, deve-se confiar naquele
nuca com o occipício, o pé com a perna, etc. Deve-se pedir que vem e escutá-lo com atenção e, sobretudo, sem partida-
aos pacientes para se exprimirem da maneira mais simples e rismos. É claro que todos têm suas simpatias e antipatias
sem nenhuma interpretação. Pessoas que têm uma meia- por certos doentes. Sente-se uma afinidade por alguns en-
ciência ou que são um pouco intelectuais, podem fazer os quanto com outros é difícil estabelecer o contato. Observa-
médicos errarem continuamente. Expressões como, por ções, críticas, um tom áspero, uma atitude mais ou menos
exemplo, “Tenho uma dor de inflamação” ou “estou com altiva, e quantos outros fatores podem afastar o médico de
enterite” ou “sou ciclotímico”, devem ser corrigidas. Para o seu verdadeiro papel de médico, que é tecido na simpatia,
primeiro será uma queimação ou uma sensação de secura; O na acolhida amável e na bondade. Aqueles que podem pare-
segundo pode ter uma constipação ou diarréia; o terceiro, cer desagradáveis, indico repetir interiormente esta senten-
enfim, pode ter simplesmente um humor variável mais do ça sufista!S, repleta de sábia filosofia:
que verdadeiras alternâncias. Outras vezes, o doente diz que
ele possui certas qualidades, enquanto se observa precisa- Tua luz está em todas as formas
mente os defeitos contrários. E teu amor em todos os corações
É a razão porque estimo que um questionário estabeleci-
do com método e reflexão é sempre indispensável. Eu sem- Eis a atitude interior que deve ter constantemente aque-
pre tentei colocar em prática os excelentes conselhos do meu le que trata, aquele ao qual vem-se confiar e contar seus
mestre, o Dr. Austin, de Nova lorque, que me dizia que um sofrimentos. Assim, a simpatia e a antipatia se apagam
bom médico deve ser capaz de fazer seu doente rir ou cho- diante daquilo que existe de melhor no coração de cada
rar durante a anamnese e, através disto, ele ficava seguro de ser humano.
que o contato havia sido estabelecido, pois ele podia fazer O essencial em Homeopatia é individualizar e discrimi-
vibrar o ser vivo sensível que veio pedir socorro. nar. Porém, quem diz individualização, diz comparação e
Se, na consulta alopática comum, como foi ensinado existem notáveis diferenças na natureza das coisas, mesmo
durante os estudos médicos, deve-se confiar apenas em si as mais similares. Eis um ponto que deve ser suficientemen-
mesmo e duvidar das respostas do doente, interrogá-lo o te pesado e considerado. Não é aceitável para um verdadei-
mínimo possível e somente acreditar no que podemos ob- ro homeopata imaginar a substituição de um remédio por
servar, na consulta homeopática ocorre exatamente o opos-
to; espera-se que o médico homeopata procure criar, em tor-
no de si, uma atmosfera de confiança, de atenção, e se 15 Sufista: relativo ao sufismo, misticismo arábico-persa (N.T.).
A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 77
76
do DR. PIERRE SCHMIDT

um outro. Em Homeopatia, nos diz Kent, um remédio nunca Se falo de Condurango é para fazer aqui uma “mea cul-
pode substituir outro e nem ser, em um determinado caso, pa”. Há mais de 40 anos, vindo pela primeira vez ao hospital
considerado como equivalente a qualquer outro: sem homeopático de Londres, fui amavelmente convidado a par-
“erzats”16 em Homeopatia! Nunca é demais repetir que se a ticipar da visita aos doentes e, neste dia, a responsabilidade
primeira anamnese foi bem feita, bem realizada e bem in- do serviço era do Dr. Weir (que depois se tornou meu padri-
terpretada, a pesquisa do remédio será relativamente sim- nho). Eu não conhecia este nome: seria um bom homeopa-
ples. Se a história foi bem feita e o remédio realmente está ta? Seria competente, altivo? Eu ia vê-lo e saber. Recém che-
baseado nos sintomas essenciais logo na primeira consulta, - gado de Genebra, depois de ter estudado Homeopatia no
a tarefa será consideravelmente facilitada para o médico, catecismo de Dewey e o Organon de Hahnemann, assim
pois ele encontrou o fio condutor e só tem que segui-lo. Ao como a “terapêutica positiva” de Sieffert, eu acreditava ter o
contrário, os tratamentos baseados em um exame parcial conhecimento total desta “pequena” terapêutica. Ainda mais
ou em uma anamnese insuficiente obrigarão a ziguezague- que já havia tratado casos com sucesso, tendo aproveitado a
ar continuamente, porque nunca se estará seguro e, ao in- experiência do Dr. Duprat, de Genebra, que me deu conse-
vés de ter uma prescrição bem estudada, repousando, se lhos em alguns casos mais difíceis.
assim se pode dizer, sobre um edifício construído com fun- O Dr. Weir, com todos os seus assistentes, a Dra.
dações sólidas, ter-se-á a impressão de flutuação e insegu- Margaret Tyler e alguns estudantes de avental, na ocasião
rança perpétua. pararam diante de um leito onde se encontrava uma nova
Quando se estudou um caso convenientemente e foram doente. E vio Dr. Weir, sobre o qual soube, depois, que era
encontrados os sintomas mentais, os gerais, os desejos e as o médico particular da rainha da Inglaterra e da família real,
aversões, os sintomas sexuais eventualmente e aqueles do debruçar-se sobre ela e fazer inúmeras perguntas. Era, lite-
sono, tem-se a chave do paciente. E se o médico estiver cer- ralmente, uma metralhada, se assim pode-se dizer. Ela ape-
to de ter encontrado o bom medicamento, peço que não o nas terminava uma resposta e uma outra pergunta era for-
deixe: os médicos se surpreenderão ao ver que, permane- mulada. No início, admirei este procedimento, o número e a
cendo no remédio, serão obtidos os melhores resultados. variedade de questões. Porém, logo notei que esta doente
Nada é mais condenável do que um médico dizer: “Thuya é tinha uma profunda erupção circunscrita por uma zona ver-
seu remédio porque vejo que você transpira sobre o lábio melha na comissura labial direita, o que se chama de queilite
superior!”. O Repertório possui sete remédios para este úni- comissural, da qual o professor não fez comentários. Lem-
co sintoma! Ou então: “Você é Lachesis porque seus lábios bro-me, ainda, de um caso semelhante, que apresentava,
são azuis e envernizados”; ou ainda: “Você é um caso de paralelamente a uma sintomatologia variada, este mesmo
Condurango pois apresenta uma rachadura na comissura sintoma e que, não conseguindo encontrar o remédio apro-
labial.” priado, um colega homeopata me havia respondido: “Mas é
um caso de Condurango!”. Logo que o Dr. Weir terminou,
sem ter visivelmente podido encontrar o remédio desta
16 Palavra alemã que significa produto substituto de menor qualidade (NT). doente, apesar de 20 minutos de perguntas, sentindo a su-
78 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 79
do DR. PIERRE SCHMIDT

perioridade marcada dos meus conhecimentos, eu lhe disse: lado de Condurango que correspondiam à rachadura na
“O senhor não vê que se trata de um caso típico de comissura labial. Comatenção, mas com persuasão, ele de-
Condurango?!” Muito amavelmente e surpreso, ele se virou moliu rapidamente minhas ilusões e segurança e me con-
para mim, sem ironia, sem reprimendas e inclinando-se me venceu que era um simples caso de Sepia pois, de toda a
disse, muito polidamente. diante de todos: “Eu lhe agrade- anamnese, era preciso discriminar os sintomas, cada um
ço, senhor, discutiremos isto depois.” Todos os assistentes possuindo uma importância particular que convinha valori-
me olharam com um ar de apreciação, com aquele ar que zar, o que eu ignorava totalmente, pensando que um sinto-
queria dizer: “Eis um que conhece a Matéria Médica!”. Em ma objetivo tão manifesto era o suficiente para a escolha do
resumo, a mesma impressão que me provocou anteriormen- remédio (era o método de Nebel, que eu havia aprendido).
te o médico que havia me falado deste remédio. Então, ele me mostrou como convinha classificar hierar-
Porém, durante o resto da sua visita, sobre quase todos quicamente e escolher o remédio, correspondendo não ape-
os doentes, o Dr. Weir pediu minha opinião terapêutica: “En- nas a um sintoma mas àqueles que realmente representa-
tão, o que acha?” “Qual é o remédio deste doente?”. Eu esta- vam o doente. Com uma lógica que me surpreendeu, ele me
va, então, muito satisfeito, às vezes desconfortável, e por expôs que somente princípios e regras presidiam tal estudo
outro lado muito orgulhoso de que pedissem minha opinião e porque, neste caso, o medicamento era somente Sepia,
sem desconfiar do ridículo desta situação. Tendo terminada pois representava a totalidade do caso considerado e de for-
a visita, descemos ao seu escritório e tive então meus 15 ma nenhuma Condurango, que tinha apenas este sinal exte-
minutos de Rabelais!!? “Vejamos um pouco”, diz o Dr. Weir, rior. Entretanto, Sepia também fazia parte dos 22 remédios
“Por que era um caso de Condurango?”. “Porqueela tinha que possuíam esta rágade característica, o que eu ignorava
uma rachadura na comissura labial!”. “E o que você faz de totalmente! Foi a mais bela lição de modéstia que recebi. Eu
todos os outros sintomas que ela apresenta?”. “Oh, isto não tinha demonstrado minha ignorância e desvendado minha
tem importância, disse. Com este sinal, o senhor irá encon- incapacidade.
trar uma língua com algumas partes desnudas e alguns sin- Mas eu ainda não tinha sido, literalmente, batizado. De
tomas gástricos. Mas isto não mudará nada a Condurango, fato, depois de deixar Londres, dirigi-me a Nova Iorque. Re-
já que ela tem esta rágade típica”. comendado ao Dr. Austin, tive que me submeter, logo na
“Bem, vejamos isto um pouco mais de perto, diz ele
[2
minha primeira visita, a um pequeno interrogatório sobre
Ele abriu, então, um livro, que parecia uma grande Bíblia, meus conhecimentos homeopáticos. Depois de sondagens
com mais de 1500 páginas e me perguntou se eu conhecia sobre a Matéria Médica, e em seguida sobre a sistemática
esta obra. “Não, eu disse, espantado. Os homeopatas es- homeopática, ele me perguntou quais eram os remédios do
creveram tais volumes?”. “É simplesmente o Repertório de reumatismo. “É muito simples”, respondi-lhe, como conhe-
Kent”, me diz ele, e me mostrou os outros 22 remédios ao cedor. “Dá-se RAus ou Bryonia, segundo a piora ou a melho-
ra produzida pelo movimento. E, caso hesitemos, nós os
alternamos ou misturamos”. Mas ao invés dos parabéns, que
17 Escritor francês do século XVI. eu esperava, ele me respondeu simplesmente: “Bem, pare-
Como formular as perguntas? 81
80 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

ce-me que teremos que estudar a Homeopatia desde o co- então, nossa perfeita incompetência, nossa profunda e pró-
meço. Pois o que você sabe a este respeito tem certamente pria ignorância! Tudo isto foi tão novo e tão apaixonante
outro nome!”. Fiquei consternado e estupefato! que me confundiu.
Foi, então, que meu futuro mestre, Dr. Austin de Nova Se, por exemplo, dizia ele, um doente se apresentar a
Iorque, revelou-me em uma entrevista, da qual eu conservo você com varizes e dores nas pernas e você lhe prescrever,
uma lembrança inesquecível, os horizontes absolutamente sem mais detalhes, Fluoric acidum, Calcarea phosphorica ou
novos sobre a Homeopatia de Hahnemann que me maravi- Hamamelis, você terá tratado de paredes vasculares com
lharam. Ele me explicou os três famosos erros que devem remédios ditos clássicos para este diagnóstico mas, de for-
ser evitados na prática, tão bem expostos nas doenças crô- ma alguma, o doente varicoso. Isto é a Homeopatia travesti-
nicas de Hahnemann, sobre a maneira de pesquisar, no da, é a aplicação de um remédio a um diagnóstico, é fazer
doente, os sintomas úteis, e em seguida como encontrar Alopatia com remédios homeopáticos. Se o doente acres-
suas equivalências e semelhanças na Matéria Médica. Re- centar que possui os olhos colados, você pensará, evidente-
sumindo, ele me deu um curso de fisiopatologia homeopá- mente, em Graphites ou Sulphur. Porém, se ele disser, ainda,
tica com uma lógica e clareza que provocaram toda a mi- que sangra pelo nariz, tem muita sede à noite e procura os
nha admiração. ácidos, você voltará sua preferência para Phosphorus. Você
Foi ele o primeiro que me iniciou nas regras essenciais provavelmente perguntaria a ele se sente um vazio na boca
que devem ser seguidas durante uma consulta homeopáti- do estômago e se ele sofre de queimações, paraconfirmar as
ca. Sempre pensei, e haviam me mostrado, que bastaria fa- indicações dePhosphorus, com o qual você está assim, “fler-
zer um bom diagnóstico, e abrir um manual homeopático, tando”. Você prescreverá, segundo o tempo que terá consa-
para dar um remédio correspondente a este diagnóstico, grado na sua anamnese e o número de perguntas incomple-
como se faz na Alopatia. Descobri que isto era um erro e tas feitas, um destes remédios, ou talvez todos ao mesmo
uma falta de senso. Aprendi, assim, a viver esta frase céle- tempo, segundo seus conhecimentos modernos ou tradicio-
bre do filósofo grego: “Tudo o que sei agora, é que sei per- nais da Homeopatia.
feitamente que não sei nada.” Se o interrogatório não se Porém, na próxima consulta, se ele disser que sofre de
basear nos princípios gerais da doutrina homeopática, se uma distensão do abdômen, que está constipado, que tem
nos deixarmos levar por nossa pura fantasia, nossos capri- as fezes duras, que está mais cansado de manhã depois de
chos ou se não levarmos em conta que os sintomas termi- dormir do que à noite ao se deitar, que sente uma necessida-
nais ou objetivos dos quais o doente se queixa, estaremos de constante de ar, você dirá: “Mas é claro, desta vez é
fazendo apenas o “patch work”18, isto é, o reboque: chega- Lycopodium.” E será assim sempre. Não há motivos para se
remos apenas a insucessos e diremos que a Homeopatia não ter, a cada dez minutos, a indicação de um outro remédio.
vale para nada. Estes insucessos somente demonstrarão, Vi isto pessoalmente e várias vezes com colegas que se dizi-
am naturalmente homeopatas. Como o judeu errante, vai-se
de um lado para outro neste labirinto e, perdendo a paciên-
18 Em inglês no original significando remendo (N.T). cia, com frequência a cabeça e, às vezes, o cliente. Por quê?
82 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como formular as perguntas? 83
ee do DR. PIERRE SCHMIDT

Porque não se fez uma anamnese sistemática e metódica, o varizes por meios externos, antes de tratar o doente, é co-
interrogatório estabelecido segundo as regras já enunciadas. meter Um erro e se expor a recidivas. É o mesmo que ocorre
É por isto que eu sempre dou o conselho àqueles que com o bócio. Quando se tratar suficientemente o doente,
têm muitas idéias, que possuem uma magnífica memória, uma cirurgia pode estar indicada se todos os sintomas do
que, quando interrogarem seu paciente, devem livrar-se, doente realmente desapareceram. A cirurgia fornecerá, en-
descarregar-se, imediatamente desta pletora intelectual, co- tão, resultados brilhantes, porque o bócio nada mais é que
locando o remédio que estão considerando na margem: e algo secundário.
então, esquecer-se, podendo continuar a anamnese sem pre- Este caso foi assinalado de passagem porque é, precisa-
conceitos. Em seguida, faz-se uma revisão do caso. Se o mente, um dos meus mais belos casos de cura de varizes. A
médico interrogar o paciente seguindo escrupulosamente o paciente foi curada, as varizes ficaram colabadas e o inchaço
questionário reduzido, mas completo, anteriormente desen- diminuiu. Depois, a dor e o peso desapareceram, o que era a
volvido, pode-se saber, além dos sintomas indicados, que a principal preocupação. Não haverá surpresa seu eu disser
paciente pode ter, talvez, regras mais abundantes à noite. O que o aspecto desta doente deprimida tornou-se alegre, e
estudo do caso mostrará que apenas um remédio correspon- que ela tornou-se empreendedora e feliz de viver. Seus ou-
de a todos estes sintomas, exceto o das varizes, é verdade, e tros pequenos problemas, gastrites, epistaxes, alopécia, dei-
este remédio é Magnesia carbonica: coisa estranha, e apa- xaram de existir e seus belos cabelos pretos lhes dão seu
rentemente paradoxal, para aqueles que não conhecem a legítimo orgulho. .
Homeopatia, é claro; deve-se dar Magnesia carbonica não Tudo o que acaba de ser desenvolvido refere-se apenas
para, ou contra, as varizes (estas ectasias venosas não são, ao questionário para os doentes crônicos. É verdade, estes
na realidade, um resultado e não uma causa?) mas para a princípios gerais e muitos outros se aplicam, igualmente, às
doente. E ela ficará curada. doenças agudas. Porém, nas doenças agudas, há a ajuda dos
Porém, como suas veias também lhe pertencem, suas sintomas que não são ambíguos, porque surgem mais ou
varizes também melhorarão. Como o organismo é uma uni- menos bruscamente e são muito mais nítidos. A seguir, o
dade biológica e o remédio será dirigido a esta unidade, as questionário para as doenças agudas será apresentado. Es-
partes que dela dependem serão, então, diretamente influ- tas considerações gerais para as doenças crônicas são im-
enciadas e podem curar-se se tiverem possibilidade de cura. portantes e por isso foi estabelecido o questionário que for-
Evidentemente, as ectasias que ultrapassaram o estado de neci. Se o médico puder encontrar algo melhor, se puder
dilatação não poderão mais voltar a ser veias normais. É conceber um questionário mais perfeito ou imaginar outras
claro, a questão estética incomoda os varicosos, mas há tam- perguntas para serem feitas sem desenvolver, de maneira
bém a dor, o peso, o incômodo funcional, o calor, etc. E se exagerada, este questionário, ficarei muito feliz.
todos estes sintomas desaparecerem, se sobrar somente o Evidentemente, as 50 perguntas comportam um interro-
aspecto estético, pode-se recorrer a meios fisioterápicos ex- gatório de cerca de 30 a 45 minutos. Existe, porém, um ques-
teriores ou, se necessário, à cirurgia. Mas é preciso, inicial- tionário mais completo, o de Kent, que possui 32 páginas e
mente, eliminar todos os outros sintomas. Operar e tratar “* que tomaria de oito a dez dias. Quando comecei minha prá-
sg4 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados 85
Vo do DR. PIERRE SCHMIDT

tica médica, fazia isto. O doente vinha durante dez dias,


durante uma hora diariamente, e eu lhe fazia todas as per-
guntas. Percebi, em seguida, que não era realmente neces-
sário perder tal tempo e, em lugar de empregar 40 horas
para o estudo de um doente, com questionário e estudo do A arte de interrogar
Repertório, verificar-se-á que, na maioria dos casos, em uma
ou duas horas, acaba-se por encontrar o remédio que se nas afecções agudas
aplica ao doente e permite obter curas brilhantes, que farão
a reputação dos médicos.

Expliquei até este ponto como se deve interrogar em um


caso crônico. Porém, ainda não foi mencionado sobre o in-
terrogatório do caso agudo. Ora, no interrogatório do caso
agudo, há algo diferente. Evidentemente, os princípios ge-
rais se aplicam tanto às doenças agudas quanto às crônicas.
Por exemplo, não se deve fazer perguntas às quais o doente
possa responder com sim ou não. Porém, no caso das doen-
ças agudas, o interrogatório é facilitado pela existência de
sintomas que não são ambíguos, porque surgem bruscamen-
te e são nítidos. O doente se revela de uma maneira muito
mais clara e decisiva. Cabe aos médicos pesquisar as moda-
lidades. É, neste caso, que a arte de observar é indispensá-
vel e onde o menor indício pode se tornar essencial para
salvar uma vida. Como um caçador, o médico deve estar à
espreita de qualquer novo sintoma subjetivo ou objetivo, e
isto, tanto mais quanto a disjunção sintomática, é indispen-
sável ao bom conhecimento, a fim de tratar de uma maneira
racional e rápida uma doença aguda, como Hahnemann des-
creveu no Organon.
Os inspiradores deste trabalho foram os preciosos conse-
lhos de Hering, fornecidos aos seus alunos em Allentown,
nos Estados Unidos, e publicados no prefácio dos dez volu-
mes de sua bela coleção dos Guiding Symptoms, combina-
dos às famosas Sete Perguntas que Von Boenninghausen
86 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A arte de interrogar nas afecções agudas 87
———— do DR. PIERRE SCHMIDT

publicou em 1860, no 60º volume do Allgemeine Homoeo-


1 cur? Por quê? Qual a razão?
patische Zeitung, na página 730, que relembro aqui)”: Sintoma etiológico, causa proximal —
traumatismo, choque moral, condições
Cur? Quis? Quid? meteorológicas ou fisiopatológicas,
Ubi? Quibus auxiliis? contágio, excesso ou carência.
Quando? Quomodo?

Eis o quadro que aconselho guardar para todos os casos, 3


mais particularmente os casos agudos: Quid? O quê?
Sensações, dores
5
Quando?
1 Quomodo? 6
Causa inicial Quibus auxiliis?
Como, de que 2
maneira? Quis? Quem? — Oque
Modalidades e acompanha?
Condições de Concomitantes
3 Piora e
Sensações Melhora
experimentadas 4
Ubi?
ou

5 2 localizações
tecidos
Pioras Idade . 6 regiões
e Sexo Sintomas
melhorias Estado concomitantes
Profissão

1. Cur? Por quê? Qual a razão?


É o sintoma etiológico. Acontecimento após o qual a
4 doença começou, aquele que o paciente descreverá: “Foi
Localizações depois de tal acontecimento que fiquei doente”. É um cho-
que moral, uma pena, um traumatismo, uma indignação,
uma vexação, um medo, uma cólera, um contágio, uma in-
toxicação, excessos alimentares, uma supressão de transpi-
19 O esquema abaixo encontra-se escrito em latim e em francês, no original. Man-
tivemoso texto latino e traduzimos o francês. A continuação da leitura esclare-
ração, de regras, de erupções, uma perda de fluidos vitais,
cerá as eventuais dúvidas (N.T.). hemorragias, diarréias... Às vezes, o doente dirá: “Após
88 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A arte de interrogar nas afecções agudas 89
eme do DR. PIERRE SCHMIDT

aquele momento fiquei com insônia ou nevralgia, ou perda tismos cranianos possuem remédios particulares e os da co-
de apetite”. Este sintoma etiológico do início é essencial para luna possuem outros.
o homeopata e o Repertório contém excelentes rubricas a A comoção cerebral está no item “Cabeça-concussão ce-
este respeito. rebral”.
Entre as causas proximais, há, inicialmente, os trauma- As dores de cabeça, que ocorrem depois de comoção,
tismos, que são muito importantes, pois sempre deve-se pen- estão na página 138 (do Repertório de Kent); as referentes à
sar que não existe apenas Armnica... depois de uma queda, na página 140; as referentes a depois
Traumatismos: os traumatismos estão na página 1368 do -de traumatismo mecânico são encontradas na página 141.
Repertório?0 em “injuries”. Neste caso, é preciso verificar, Com relação aos olhos, em “traumatismos”, há o famo-
ainda, se trata-se de um traumatismo ósseo, do periósteo, so olho inchado, para o qual não se receita Amica mas
das partes moles, dos tendões, nervos ou glândulas, de sa- Symphytum. É claro que Arnica será indicada, porém é ape-
ber se houve ou não hemorragia. E isto pode ser visto em nas um similar, ao passo que Symphytum é o simillimum.
“injuries”, Se há uma síndrome geral de traumatismo, pode-se dar, em
Há, também, o choque pós-traumático. Há mais de 20 todo caso, Symphytum, inicialmente, mesmo que seja ne-
remédios para isso e é de se surpreender que há remédios cessário dar Arnica alguns dias depois, se a evolução não
muito importantes, mas existe a tendência a negligenciá- for boa e se existirem outros sintomas de Arnica.
los, mas devemos utilizá-los com discernimento. Na perda de visão pós-traumática, há indicações que
Na última página do Repertório se encontram os podem ajudar muito. Há, também,a catarata após contusão
ferimentos “Wounds” - rubrica muito importante, pois con- ou após operação, a quemose após a operação de catarata, a
tém as “bites” — picadas de serpentes ou outros animais ve- dor ocular após operação e a inflamação do olho pós-trau-
nenosos, e as “stings” - para as picadas de insetos. matismo.
Há em “Feridas”, os cortes que estão em “cortes” ou “pu- Pode-se ver no item ouvidos, audição diminuída por trau-
nhal, feridas por”, as picadas anatômicas, que possuem lo- matismo (por concussão).
calização específica em “dissecção”, os ferimentos penetran- No item nariz, os transtornos por golpe no nariz em
tes, que estão em “penetrantes, perfurantes”, as lascas, em “epistaxe por um golpe”.
“lascas, por”. Não se deve confundir “corte”, que é o corte Em bexiga, transtornos por litotomia, onde Staphysagria
com uma faca, com “punhal, ferida por”, que é o ferimento é o remédio específico e a cistite pós-traumática, na mesma
feito com um punhal. página, pode ser vista no item “inflamação”
Não se deve esquecer das localizações possíveis, inicial- Em rins, pode-se ver anúria depois de um traumatismo
mente na cabeça, com os remédios específicos. Os trauma- da coluna vertebral, em “Supressão da urina por concussão”.
Em abortos, é importante lembrar que existem os abor-
20 Evidentemente, trata-se do repertório da época e em inglês. Embora traduzi-
tos após traumatismos.
dos, mantive alguns termos originais em inglês. Todas as outras referências de Os tumores do seio depois de traumatismos podem ser
páginas terão o mesmo significado (N.T.). vistos em “Endurecimento após contusão”.
nem

90 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A arte de !interrogar


g nas afecções
cções agudas
ag - . 91
do DR. PIERRE SCHMIDT

Todos os traumatismos dos membros podem ser vistos ' Quanto às dores, deve-se ler o capítulo que possui, tal-
em “Extremidades — traumatismo”. vez, o maior número, isto é, página 132 em “Cabeça — dor”,
Pode-se procurar a localização dos traumatismos em: onde pode-se encontrar todas as nuances possíveis. Porém,
Ombros, mãos, dedos, quadril, tornozelos, os estiramen- deve-se ser sempre prudente nas sugestões, pois os pacien-
tos, as dores do coto, as feridas cirúrgicas, os ferimentos por tes dirão, após serem perguntados: “a dor é cortante?”,
cacos de vidro, as mordidas de gato. “sim”, e quando forem questionados: “a dor é rasgante?”, a
A febre traumática deve ser acrescentada ao repertório, resposta será sempre “sim”. Isto mostra que a pergunta foi
pois Kent não a indicou: Aconitum, Arnica, Calendula, - mal formulada.
Coffea, Lyssinum, Iodum, Apis.
Às vezes, os doentes dizem, logo de início, qual a natu-
reza da sua dor. Mas se eles hesitarem, deve-se fazer uma
2. Quis? De quem se trata? Homem, mulher,
pergunta do gênero: “Existem dores queimantes, ferventes,
lactente, adolescente, idoso.
ulcerativas, repuxantes, quebradeiras como por um golpe...”.
Há remédios que agem melhor segundo a idade; por
Ao mesmo tempo, deve-se olhar bem o doente. Ele respon-
exemplo, Mercurius, cuja experiência demonstrou que:
derá, então: “Sim, é mais esta!”. Ele deve escolher e, neste
caso, a resposta é pior do que se ela houvesse sido dita es-
Mercurius corrosivus age melhor e mais em homens.
pontaneamente, porém pode ajudar. Deve-se, então, dar
Mercurius solubilis em mulheres.
uma pequena escolha e não propor dores impossíveis, como
Mercurius vivus em crianças.
as dores pungentes ou trinchantes. Deve-se falar com pala-
vras que os pacientes compreendam.
Pode-se, por exemplo, não confiar tanto nos remédios
com ares masculinos como Nux ou Arsenicum, e em outros, Porém, se a característica da dor não pode ser indicada
mais femininos, se assim se pode dizer, como Pulsatilla ou com precisão, não deve-se confiar muito e aí deve-se voltar
Sepia, pois há homens tipicamente Sepia ou Pulsatilla e para as modalidades. Entretanto, os doentes sabem dizer
mulheres tipicamente Nux ou Lycopodium. muito bem: “É como um dedo que pressiona, do lado es-
Quer se trate de um lactente, adolescente ou idoso, os querdo da cabeça” ou “é como um prego que se enfia”, ou
remédios homeopáticos agem sempre com a mesma fideli- “isto me espeta como agulhas geladas”. Deve-se procurar
dade. E os idosos, que voltam um pouco à infância, reagem estas nuances no Repertório, como exercício.
muito bem aos remédios das crianças: Aconitum, Ipeca ou Todas as sensações que os doentes podem apresentar
Belladonna, que os ajudam muito. encontram-se, geralmente, no Repertório e para mim, par-
ticularmente, não houve, em 47 anos, uma única compa-
3. Quid? Quê? Sensações e dores. ração, mesmo esquisita, que eu não pudesse encontrar no
Pergunta-se sobre as sensações e dores e anota-se exata- Repertório. Há sintomas que não são encontrados, mas
mente as palavras do paciente, com o quê se parecem suas para as dores sempre se acha uma correspondência no
dores, lembrando que há 139 tipos de dores diferentes! Repertório.
92 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar nas afecções agudas 93
meme do DR. PIERRE SCHMIDT

4. Ubi? A localização. cação brônquica, as axilas, o pericárdio, o endocárdio, o


Neste aspecto, pode-se cometer erros consideráveis. diafragma, a pleura, as clavículas, os canais lactíferos, os
Onde é o sofrimento? Deve-se fazer com que o paciente músculos peitorais, os ápices pulmonares, a região retroes-
mostre, com o dedo, o local exato, e não com a mão inteira. ternal, as cartilagens costais, as grandes artérias torácicas, o
Assim, conseguir-se-á uma localização e, frequentemente, cóccix, a nuca, o bordo do ângulo interno dos omoplatas, a
sua irradiação, o que permitirá precisar a extensão. Não articulação sacroilíaca, a região lombo-sacral, as unhas, as
deve-se esquecer de anotar a lateralidade. transpirações anteriores, superiores ou inferiores do corpo,
As localizações são, às vezes, excelentes indicações. Há -as localizações esquerda, direita, cruzadas, diagonais,
remédios que exercem, especificamente, sua ação em uma alternantes, as dores glandulares, ósseas, periósteas, os va-
ou outra região. Evidentemente, deve-se, inicialmente, pro- sos sanguíneos, as cartilagens, os músculos, os tendões, os
curar a natureza do mal, seja a dor, erupção, o inchaço ou vários pulsos, etc.
as diversas sensações, nas rubricas correspondentes do Re- É um excelente exercício procurar estas localizações,
pertório que, em seguida, darão as localizações anatômicas. anotando a página onde elas se encontram. Deve-se anotar,
Por exemplo, a região poplítea encontra-se em “Conca- sempre exatamente, quando o doente falar, as palavras que
vidade do joelho” e a dobra do cotovelo, em “Curvatura do ele diz. Assim, ter-se-á o que foi dito pelo próprio paciente,
cotovelo”. e depois o médico poderá lembrar-lhe..
Todas as localizações anatômicas do olho são encontra-
das na rubrica “Inflamação”: as carúnculas, a esclerótica, 5. Quando? Quomodo? De que maneira?
as conjuntivas, a córnea, a íris, o canal lacrimal, as pálpe- Trata-se, neste caso, de modalidades, agravações,
bras, seus bordos, as glândulas de Meibomius, a coróide, a melhorias, modalidades horárias. Seja qual for o sintoma
retina, o nervo óptico. que o doente contar, o médico deve sempre perguntar o que
O mesmo ocorre para os ouvidos, que deve ser procura- piora e o que melhora este sintoma. Quando não for encon-
do em inflamações, erupções e dores. trada a indicação horária no início do capítulo, na localiza-
Para o nariz, deve-se verificar em “dor” e em “colora- ção procurada, - por exemplo, uma dor às 9 horas da ma-
ção” e assim por diante, nos diversos outros capítulos do nhã ou às 11 da noite - deve-se procurar em “Calafrio”, e a
Repertório. hora típica onde cada medicamento tem uma reação horária
Um exercício é procurar a localização, no Repertório:dos marcada estará indicada. Do ponto de vista anatômico, tam-
sinus, da parótida, dos gânglios sub-mandibulares, do bém, uma dor que parte de um determinado local, se não
forâmen mentoniano e do gânglio sub-mentoniano, do osso for encontrada no capítulo habitual, deve ser procurada em
malar, o zigomático, o hióide, o palato mole, as papilas lin- “Calafrio — iniciando”; isto pode auxiliar frequentemente.
guais, as coanas, a rinofaringe, o cárdia e o piloro, a boca do Há muitos aspectos de modalidades neste Repertório.
estômago e o plexo solar, todas as localizações abdominais, Para o movimento, por exemplo, deve-se fazer a diferença
a rafe perineal, os ureteres, a coroa da glande, o prepúcio, o entre esforço e movimento. Deve-se, igualmente, anotar se é
freio, os linfáticos gerais, o clitóris, o oco traqueal, a bifur- o movimento do membro doloroso ou de uma outra parte
94 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Aarte de interrogar nas afecções agudas 95
mem do DR. PIERRE SCHMIDT

do corpo. Frequentemente, não há piora pelo movimento, quema, dispõe-se de todos os elementos necessários para
mas pela marcha. encontrár o remédio.

a) Quando. Deve-se, sempre, perguntar ao doente em Tudo o que foi dito acima demonstra que, para um trata-
que momento das 24 horas do dia ele sofre mais, a mento homeopático, o interrogatório dos pacientes compor-
que horas exatamente as dores se desencadeiam e ta regras que devem ser seguidas e uma técnica a ser obser-
quanto tempo duram; como elas começam e evoluem: vada. Se este interrogatório for feito segundo todas as
início brusco ou progressivo, desaparecimento brusco indicações e recomendações fornecidas, isto permitirá ao
ou gradual. médico individualizar o caso, salientar e precisar as grandes
b) Quomodo. Quais são as condições que pioram ou me- características essenciais. Perguntas bem feitas, bem respon-
lhoram todas as dores ou sensações experimentadas: didas e bem interpretadas representam o pilar precioso do
a posição, o movimento, a pressão, o calor, o frio, as edifício terapêutico. Pode-se dizer que 50% do resultado
refeições, etc. Em resumo, todas as modalidades en- possível já foi alcançado.
contradas particularmente na cabeça: o capítulo da Entretanto, o médico não deixará de evitar qualquer par-
cabeça é o mais detalhado do Repertório e é ele que cialidade para influenciar aquele cujossintomas ele quer
melhor permite encontrar as modalidades. “eleger”, ou fazer perguntas relativas aos remédios nos quais
ele pensa e que vêm na sua lembrança, desde a primeira
6. Quibus auxiliis? O que acompanha? resposta fornecida pelo doente.
Trata-se, aqui, dos sintomas concomitantes. São sinto- Certos médicos possuem uma chave para examinar seus
mas que foram especialmente descritos por homeopatas. doentes, e eles examinam todos com esta chave, isto é, diz
Tudo o que ocorre ou acompanha os distúrbios dos quais o Kent, “pela droga quelhe é indicada, segundo o, ou os, pri-
doente se queixa e que justamente não se conhece a razão meiros sintomas exprimidos”, uma prática que nunca deve
anatômica. Por exemplo, um doente que se queixa de do- ser seguida, salvo como último recurso ou nos doentes estú-
res de cabeça cada vez que tem uma hemorragia vesical; pidos. É assim que se faz um falso trajeto e se fracassa na
ou cuja cefaléia melhora quando urina; cefaléia, hemorra- vocação. Esta é a razão pela qual se aconselha, na medida
gia, transpiração, prurido, convulsões, espasmos, verti- em que se desenvolve o interrogatório, anotar na margem, a
gens, náuseas, vômitos, diarréias, etc, os quais não se com- propósito de cada sintoma, o remédio que ele sugere, se-
preende, absolutamente, a relação com os sintomas dos gundo sua memória ou seus conhecimentos médicos, para
quais o doente se queixa. Eles fazem parte dos sintomas descarregar a consciência e evitar de ser influenciado e pres-
raros, estranhos, particulares, característicos, dos quais crever um remédio rotineiro ou de predileção, prática con-
Hahnemann falou no seu Organon e que são tão importan- denável como exposto nos parágrafos 82 e, sobretudo 257,
tes para os homeopatas. do Organon.
Estas são, portanto, as seis perguntas que devem ser con- Deve-se deixar o espírito aberto e livre até o final de
sideradas e quandose interroga o paciente segundo este es- qualquer interrogatório, para poder, uma vez este concluí-
96 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A arte de interrogar nas afecções agudas 97
em do DR. PIERRE SCHMIDT

do, fazer um estudo rigoroso e cuidadoso, que permita de- século e, mesmo me satisfazendo, parece-me ser necessário
terminar o verdadeiro simillimum. ser melhorado. Pertence, sobretudo, aos críticos e aos médi-
Quanto mais objetivos são os sintomas, mais são aque- cos contemporâneos, completá-lo e aperfeiçoá-lo, mas eu
les que se poderia observar igualmente no doente “morto”, não quis esperar ter encontrado o questionário ideal para
e mais se deve desconfiar do seu valor terapêutico. Ao con- trazer este, pois, como diz o provérbio espanhol: “Quem
trário, quanto mais eles exprimem o ser vivo, que pensa e quer uma mula sem defeitos deve decidir ir a pé!”. Assim,
que sofre, mais importantes eles são para a prescrição. como o melhor dos relógios não é perfeito, nós ficamos
Um bom prático deve, certamente, possuir certas quali- muito contentes de poder utilizá-lo! E o Repertório, mesmo
dades e, antes de tudo, “bom senso” para formular suas não sendo perfeito, auxiliará muito, aguardando que se pu-
perguntas. Ninguém pode negar que a personalidade do blique um que possa resistir a todas as críticas!
médico exerce um grande papel nesta primeira conversa,
que constitui a primeira consulta. Os conhecimentos gerais,
as capacidades psicológicas, o otimismo, a compreensão do
ser humano, tudo isto permite, ao lado da bagagem pura-
mente médica e técnica, interrogar o doente de uma manei-
ra tal que forneça o meio de obter, sem contestação, mais
que um colega igualmente competente e mesmo mais co-
nhecedor, porém mais frio e mais distante.
Já mencionei a história do meu professor de Cirurgia
que dizia que quando um doente entrava em seu consultó-
rio, ele dizia: “ele mente, não o escutarei. Ele tem sífilis,
tuberculose ou câncer.” É, com esta atitude de espírito,
que ele recebia seus doentes. Bem, não! Se o médico deve
ser enganado, ele será enganado. O médico homeopata tem
confiança, escuta o que lhe dizem e toma nota. Em segui-
da, ele faz a discriminação, a triagem, e depois a avaliação
dos sintomas.
Estabelecer um questionário realmente utilizável para a
prática corrente do médico ocupado, interrogatório baseado
na pura doutrina homeopática, esta é minha meta. Os prin-
cípios, os conselhos que acabam de ser enunciados, são O
resultado de 47 anos de prática florescente. Foi Guitton
quem disse que “a perfeição é alcançada através de pedaços
de resíduos!”. Este é o único questionário publicado há meio
98 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Os deveres do médico homeopata 99
> do DR. PIERRE SCHMIDT

cabeça. São aspectos não verificáveis, que o homeopata é


obrigado a aceitar e anotar. Pode-se não acreditar, mas é o
que fazem os alopatas; o quê não encontram nos seus Ji-
Os deveres do vros, não acreditam, atribuem à imaginação, ou ao ptia-
tismo2l. Os homeopatas são muito respeitosos das convic-

médico homeopata ções dos outros, escutam o que dizem e anotam, mesmo se
não compreendem. O restante, são aspectos que se encon-
tram quase sempre na Matéria Médica, pois os pacientes
que experimentaram os remédios também sentiram coisas
esquisitas. Por exemplo, há 139 tipos de dores diferentes, e
Recebo observações dos meus alunos e leio, às vezes, certos doentes são incapazes de dizer o que sentem: “dói”.
algumas que me fazem “subir nos muros” porque, realmen- Pode-se, nestes casos, dar alguns exemplos, mas deve-se
te, não é possível que alunos que estejam há anos estudan- prestar bem atenção, pois os pacientes dizem “sim” a qual-
do não sejam capazes de cumprir o que se pede. Porém, i
i
quer coisa. É preciso fazê-los escolher e efetuar corretamen-
sempre repetirei ainda muitas vezes e não desistirei! te a pergunta: “Há dores picantes, roedoras ou contusas.”
Quando se está consultando um paciente, é preciso ter Depois, retoma-se; ao invés de dizer “contusa”, por exem-
certos aspectos tão presentes no pensamento que não preci- plo, diz-se: “quebradeira” e anota-se suas reações. Estas sen-
sem mais ser discutidos. sações são muito valiosas. Não se deve esquecer, nunca,
O que fazer, então, quando alguém sofre: que, antes de tudo, é o doente que o médico trata.

Primeira questão a ser colocada: A localização Terceira questão: As modalidades

Onde? Onde dói? A garganta? À esquerda, à direita? Esta Como? O que piora ou melhora as sensações ou as dores
pergunta comporta, também, questões etiológicas: depois das quais o paciente se queixa? Às vezes, é necessário ajudá-
do quê? Uma queda, um traumatismo, uma causa moral: los, perguntar-lhes em que momento do dia isto ocorre, o
indignação, cólera, decepção, etc? que aumenta ou alivia a dor: a micção, a defecação, as re-
gras, a posição, o ar, a marcha, etc. Caso digam que pioram
Segunda questão: A sensação pelo movimento, deve-se ter muito cuidado: talvez apenas
piorem no início do movimento, ao passo que o movimento
O quê? O que ele sente? contínuo os faz melhorar. É o movimento da parte afetada
Os homeopatas, interessam-se muito pelos sintomas dos ou de uma outra parte do corpo através do exercício ou da
pacientes. É algo subjetivo, que não se pode verificar: uma
queimadura, uma dor roedora, ou como uma rosca, ou um
prego que se enfia, ou um camundongo que sobe dos pés à 21 Ptiatismo = histerismo (N.T.).
Os deveres do médico homeopata 101
100 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

marcha, etc? Alguns pioram ao se levantar: é ao se levantar houver uma boa lupa, deve-se observar os olhos: um acha-
da cama, de um assento ou de uma posição abaixada? tamento da pupila direita, ao meio-dia?2, indica um des-
A Homeopatia é, antes de tudo, uma Medicina de nuan- gosto na sua origem; à esquerda, é um ciúme, uma cólera
ces. Deve-se, também, prestar atenção à lateralidade: certos reprimida, uma reivindicação; à direita, os sintomas astê-
doentes têm todos seus sintomas de um mesmo lado, ou nicos, à esquerda, os sintomas estênicos. Deve-se pensar
sempre de um mesmo lado, ou com lateralidade cruzada, em tudo isso, que é essencial, e eu gostaria de nunca mais
etc. Nas modalidades também se encontram as extensões, receber casos onde não haja uma localização, uma sensa-
as irradiações. Algumas dores são ascendentes, outras des- ção, algumas modalidades e, se possível, alguns distúrbios
cendentes, outras, como Berberis, irradiam-se em todos os concomitantes.
sentidos a partir de um ponto. Kalmia mostra dores que par- Se o médico estiver apressado, deve se limitar ao essen-
tem do coração e vão a todas as partes do corpo; Plumbum cial e saber fazer as perguntas que darão a imagem do pa-
mostra dores que partem do ventre e puxam para trás. Estas ciente. Nos sintomas mentais, deve-se procurar os medos e
direções e irradiações, podem ajudar a encontrar o verda- a influência do consolo. Nos sintomas gerais, a sensação de
deiro remédio. frio, a ação do calor, do frio, das correntes de ar e das condi-
ções climáticas e meteoropáticas. Depois os desejos e aver-
Quarta questão: De que maneira? sões alimentares, assim como a piora por certos alimentos
E acompanhado do quê? que, não obstante, o doente gosta: o sal, o açúcar, os ali-
mentos gordurosos, os ácidos e a sede. E, para terminar,
Os sintomas concomitantes. Aspectos que somente os deve-se fazer algumas perguntas sobre o sono: como ele,
homeopatas conhecem: o que acompanha as dores. Alguns dorme, se ele sonha, se há uma posição particular, quais são
doentes, cada vez que têm dor de cabeça, por exemplo, têm as horas de insônia, etc.
frio nos pés, frio na ponta do nariz, ou na orelha, ou nas Com algumas dessas questões, já se pode fazer uma boa
mãos. Um doente me dizia: “É sério, quando tenho palpita- prescrição, pois já se tem o essencial. Caso se esteja certo de
ções, tenho ao mesmo tempo coceira na perna esquerda”. um remédio, prescreve-se; caso não haja a certeza, deve-se
“Um outro falava: “Quando tusso, dói meu joelho direito.” dar Saccharum lactis2): Dar uma ou duas doses necessita
Estes são aspectos muito esquisitos e que não se pode expli- muita coragem, é verdade; é mais difícil do que dar qual-
car, coisas raras, estranhas, particulares, características não quer outro remédio. Na verdade, desta maneira se dá ao
patognomônicas, as que Hahnemann precisamente pede doente algo que o entretém e o homeopata fica tranqiúilo
para selecionar com a maior atenção, porque é uma reação para pesquisar e encontrar o verdadeiro remédio.
pessoal do doente, sintomas que a Medicina clássica negli- Nas suas observações, os médicos devem indicar o diag-
gencia totalmente. nóstico patológico para justificar seu título de médico e seu
Quandose faz perguntas a alguém, deve-se pensar sem-
pre em interrogá-lo sobre quatro pontos: a localização, a 22 Referindo-se à posição e não ao horário (N.T).
sensação, as modalidades e os distúrbios concomitantes. Se 23 Saccharum lactisé prescrito como placebo (N.T.).
102 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados 103
> do DR. PIERRE SCHMIDT

dever diante do doente e de seus colegas; depois, deve-se


explicar porquese elegeu os sintomas que fizeram descobrir
o remédio curador, em que dose se administrou e quanto
tempo depois se obteve a cura. A propósito do questionário

— Estudo crítico

Foi-me enviado um questionário que analisarei a seguir.


É um questionário para ser entregue ao paciente.
Este questionário me lembra o Dr. Fortier-Bernoville, que
era um sutil psicólogo deste ponto de vista. O doente deve-
ria chegar de manhã, às 9 horas, e tinha 2 horas para res-
ponder ao questionário. Este questionário seguia, depois,
para a secretária, que o lia, sublinhando as partes importan-
tes. Depois, ele era entregue ao colega, ao mesmo tempo em
que o doente entrava na consulta. Seu papel consistia em
verificar alguns sintomase fazer algumas perguntas. O doen-
te deveria transpirar um pouco no começo, o que era uma
boa coisa.
Não tive tempo deler todo este questionário que contém
24 páginas. Isto mostra que aquele que o elaborou teve
muito trabalho. Este questionário foi apresentado em linhas
muito bem escritas e que valem a pena ser lidas. Porém,
vou, de qualquer forma, levantar alguns pontos particulares
nesta análise.
Lê-se:
“Você está satisfeito com seu trabalho e com a vida que
leva?”
Esta pergunta é ruim porque pode-se respondê-la com
sim ou não.
104 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A propósito do questionário — Estudo crítico 105
e do DR. PIERRE SCHMIDT

“Você teria gostado de uma existência diferente? Se sim, Desta maneira, rebaixa-se muito! Eu colocaria, princi-
que tipo de vida?” palmenite: “Sejam concisos e precisos nas suas respostas.” É
uma forma mais discreta e, além disto, não deve ser longa:
Esta pergunta é ruim!
“Agradeço imensamente o seu esforço de”, etc, pois, afinal
Evidentemente, não se pode responder a cada pergunta
das contas, cabe ao doente agradecer ao médico!
com sim ou não, o que é um erro a ser evitado, segundo
“Enfim, uma última observação: “os sintomas mentais,
Kent. E não sei o que isto mudaria do ponto de vista da
aqueles do sono, dos desejos e aversões alimentares são os
indicação do remédio. Perguntas assim só teriam interesse
mais importantes.”
se feitas diretamente pelo médico para fazer o doente falar e
É necessário que o doente saiba o que isto quer dizer:
observar suas reações.
“sintomas mentais”. É a loucura pura? O queé, afinal? Deve-
se dar alguns exemplos: medo, depressão, excitação, etc. O
“Você guarda arrependimentos permanentes? Uma im-
mesmo ocorre para “os sintomas do sono”. O que o doente
pressão de vida incompleta ou perdida?”
vai pensar? É o caso de saber se ele dorme bem ou imal? É
necessário precisar que se trata da posição, dos sonhos, da
Pergunta ruim.
qualidade do sono, das horas exatas das insônias, etc.
Eis uma pergunta que eu não faria nunca desta maneira!
Última recomendação: deve-se evitar responder com sim
Como perguntar a alguém se ele tem a impressão de que sua
ou não, mas dar nuances às respostas. .
vida foi perdida?! Há pessoas que começarão a pensar e ru-
É realmente interessante! Todas as perguntas deste ques-
minar, pois nunca haviam pensado nisto. Deve-se prestar
tionário pedem umaresposta através de um sim ou um não!
muita atenção para não enxertar em alguém alguma coisa
Os doentes responderão muito melhor se forem apresenta-
que ele não pensa. É semelhante aos jovens que são total-
das perguntas construídas de outra maneira. Reconheço,
mente inocentes e a quem damos um livro intitulado: “Tudo
porém, que é difícil.
-o que o jovem deveria saber”, que fala da masturbação,
De qualquer forma, não se deve esquecer que existiu
sobre a qual ele nunca havia pensado! Eles lêem e tentam
um certo Samuel Hahnemann que escreveu o Organon. E
ver se funciona. De fato funciona! Ah! Não despertemos o
que ele fez perguntas, e que estas perguntas foram muito
“mérinos”,2* como se diz na Espanha! Deve-se, realmente,
bem feitas. Talvez fosse interessante reler algumas páginas
tomar muito cuidado com uma pergunta deste gênero. Do
a partir do parágrafo 86 até o 89 sobre a maneira de fazer
ponto de vista médico, compreende-se muito bem, porém
perguntas. São modelos. Elas não estão apresentadas no
quando se coloca na posição do doente e do efeito que isto
espírito do Repertório, já que este ainda não existia. Para
pode provocar, é um erro se perguntar desta maneira.
que serve fazer uma pergunta que fica sem correspondên-
Há, neste questionário, a expressão: “Agradecemos ante-
cia com a Matéria Médica? Este é o bê-á-bá dos iniciantes
cipadamente a concisão e precisão de suas respostas.”
em Homeopatia!
Para os médicos homeopatas, tudo é importante quando
24 Palavra de origem espanhola que significa carneiro (N.T.). se trata de coisas nítidas.
106 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A propósito do questionário — Estudo crítico 107
do DR. PIERRE SCHMIDT

Tudo é importante: ponto final. Coisas que parecerão não fala disto mais adiante, este é um interrogatório cruzado,
ser claras ao doente poderão, ao contrário, tornar-se, às ve- como se deve fazer.
zes, muito claras e muito importantes para os médicos.
“Fica imaginando ainda? Você tem a impressão que
“Desculpando-nos de termos sido muito demorados tudo isto pertence ao passado, e esta mágoa ainda está
nestas recomendações, nós lhes agradecemose deseja- presente?”
mos coragem.”
Novamente, está é uma má pergunta, pois pode-se res-
Eis umafrase que eu não colocaria no questionário! Não ponder com sim ou não!
devemos nos rebaixar diante de um paciente! Eu colocaria, Neste caso, corre-se o risco de levantar muitas questões.
principalmente: “Da exatidão de suas respostas dependerão
“Você sofreu grandes vergonhas? Sobretudo na infân-
o bom remédio e sua cura.” Eis algo de positivo e que incita-
cia, grandes humilhações, grandes indignações?”
ria, muito mais que todos os agradecimentos, o esforço do
paciente.
Questiono o uso do termo “sobretudo”. Se não for na
Sintomas etiológicos. “Você experimentou emoções mui- infância, o paciente não indicará. Eu colocaria “mesmo na
to fortes durante sua vida...” infância” e mais: “algumas vergonhas, que humilhações
você sofreu?”. Com isto, o paciente não pode responder por
sim ou não.
Sim e não! Esta pergunta é muito ruim! Aqui também o
paciente fica tentado a responder com sim ou não. Deveria “Você teve uma infância feliz?... >»
ser colocado principalmente isto: “Quando e quais foram
Eis aí algo que eu não perguntaria a ninguém. Talvez o
suas reações durante sua vida, às grandes emoções, às cóle-
paciente nunca tenha pensado nisto. Conheço alguns que,
ras, às penas...”. Desta maneira, o doente é obrigado a dar
depois desta pergunta, repreenderiam seus pais violenta-
detalhes.
mente. Isto me faz tremer.
“.. cóleras muito intensas...”
Deve-se perguntar de outra maneira: “Como foi sua in-
fância?” Para começar, ninguém suporta ser maltratado, o
O “muito” está em demasia. Mencionar “Intensas” já é que é muito natural. Mas é importante para uma criança
saber, por exemplo, como ele suporta as reprimendas.
suficiente.
“Você teve períodos de intensos esforços físico ou mo-
“.. grandes medos.” ral? Detalhe as modalidades e a duração.”

Aqui pode-se dar alguns exemplos: medo de animais, da “Intenso esforço” é algo que não se encontra descrito no
tempestade, dos ladrões, de estar só, etc. Porém, como se Repertório! Então, para que perguntar? Talvez ela seja uma
108 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados A propósito do questionário - Estudo crítico 109
e do DR. PIERRE SCHMIDT

questão psicológica, para se saber se o doente tem necessi- que ele tenha dito alguma coisa, fornecer ao doente algu-
dade de férias. Poderíamos perguntar: “Quais foram seus mas precisões sobre seu caráter, suas tendências patológi-
períodos de esforços exagerados, quanto tempo duraram, cas, Isto interessa muito e o paciente fica confiante, sobretu-
como se manifestaram?” Assim, o doente é obrigado a res- do se ele não disse absolutamente nada.
ponder alguma coisa.
Eu perguntaria, principalmente: “Quais foram as gran- “O tempo lhe pareceu muito longo, sentindo que ficou
des emoções da sua vida e o que houve depois? Qual é o seu muito tempo sem ver seus filhos ou seus pais?”
maior pesar e sua maior alegria?”
O que é um intenso esforço moral? Esta pergunta não possui interesse.
Não vejo qual sintoma útil este gênero de pergunta pode
“Você tem preocupações permanentes? Temas, pensa-
trazer.
mentos que voltam sempre sem parar?”

“Você sente tédio? Se sim, em que circunstâncias e em


Esta pergunta é ruim.
que momento?”
Eu perguntaria: “Quais são suas preocupações perma-
nentes?”
Eu diria: “Em que circunstâncias e em que momento
“Você teve grandes afecções ou grandes amores inter- você está sujeito ao tédio?” O doente não deve poder res-
rompidos subitamente pelas pessoas ou pelos aconte- ponder com sim ou não. Quantas vezes devo repetir isto?
cimentos?”
“De uma maneira geral, você tem tendência para a tris-
Esta pergunta é ruim. teza ou para o contentamento? Você pensa fregiiente-
Não sei se as pessoas responderão imediatamente estas mente nas pessoas desaparecidas? Em que circunstân-
perguntas sobre seus amores. Esta é uma pergunta para se cias você fica triste ou alegre: regras, períodos do dia,
fazer verbalmente, observando o doente com o canto do estações?”
olho e dando a impressão de que isto não tem muita impor-
tância. Fregientemente, não se pode fazer esta pergunta na Esta pergunta toca, evidentemente, em vários problemas.
primeira consulta. Deve-se fazer esta pergunta nas consul- Eu perguntaria principalmente: “Quais são os defeitos que
tas seguintes, quando o doente já estiver mais confiante. lhe recriminam mais?”. É uma pergunta que fará o doente
Além disto, nada dá mais confiança ao doente do que refletir e que fará aparecer, às vezes, muito mais os peque-
algumas explicações que dou, desde o início, sobre nos detalhes psicológicos bastante úteis.
grafologia e numerologia.?” Quando se pode, antes mesmo
“Você é dotipo dinâmico ou muito sujeito ao cansaço?
25 Métodos que o autor aplica e que não fazem parte, evidentemente, da Ho- Você se recupera facilmente depois de uma prova ou
meopatia (N.T). um esforço? Você faz muitos projetos?”
110 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A propósito do questionário - Estudo crítico ml
e do DR. PIERRE SCHMIDT

Estas são três perguntas mal feitas! - Resposta: sim! Agora tudo está esclarecido! Porém, não
Trata-se de três aspectos diferentes em uma única per- se sabe muito a que corresponde este “sim”. “Como você
gunta. É mais apropriado fazer perguntas muito simples e reage às emoções...”. O questionário é, às vezes, útil para
claras. Eu teria perguntado: “Qual é sua resistência ao can- desembaraçar um caso antes que o doente chegue. Porém,
saço?” Quanto aos projetos, não vejo qual é a rubrica cor- depois, é preciso revê-lo completamente, pois as respostas
respondente, no Repertório ou nas Matérias Médicas. Então, verbais são sempre diferentes daquelas que foram dadas por
por que perguntar, se nenhum medicamento produziu tais escrito.
sintomas? Um questionário assim deve, evidentemente, ser revisa-
do completamente. É lendo atentamente Hahnemanne Kent
“Você tem um fundo de temperamento sonhador ou ao que se chega a fazer boas perguntas.
contrário, ativo? Você prefere refletir ou agir? Que gêne- Deve-se revisar bem o Organone reler, com cuidado, a
ro de leitura você gosta?” arte e a ciência da Homeopatia de Kent e assim pode-se en-
contrar formas de como construir um questionário racional
Deve-se perguntar, principalmente: “Quais são seus au- e satisfatório.
tores preferidos? Quais os livros que você prefere?” Esta per-
gunta sobre leitura é uma boa pergunta.

“Tendência colérica ou calma?”

É muito difícil para a própria pessoa responder se é colé-


rica ou calma. Diz-se, frequentemente, o contrário do que se
é. Deve-se perguntar isto aos familiares.

“Como você reage às circunstâncias desagradáveis? Gri-


tando, chorando ou sem se manifestar? Você tem difi-
culdades para ficar colérico?”

Achei isto muito curioso. Depende, evidentemente... Creio


que há questões que deverão ser seriamente revisadas!

“Suas emoções se manifestam no exterior? Você gesti-


cula muito? Você sente necessidade de falar ou se co-
municar com os outros?”
O DIAGNÓSTICO
O diagnóstico 115

N a Medicina oficial, o papel do médico consiste, em


primeiro lugar, em estabelecer um diagnóstico e depois
adaptar seus conhecimentos farmacológicos modernos e as
últimas drogas experimentadas em animais ao rótulo mór-
bido assim estabelecido. A finalidade do diagnóstico é pes-
quisar, na doença, os elementos geradores das indicações
terapêuticas.
Na Homeopatia, o diagnóstico é primordial e é o próprio
centro do problema médico.
O que é, então, um bom diagnóstico? É, diz-se, um diag-
nóstico em conformidade com a realidade e que, por exem-
plo, verifica, com diversos graus de certeza, a exatidão da
evolução prevista, a eficiência do tratamento prescrito e os
resultados da necropsia final. É evidente, mas, como vere-
mos adiante, claramente insuficiente. Devemos procurar,
portanto, quais são, atualmente, os elementos de um diag-
nóstico, não apenas correto, mas completo, isto é, que en-
cerre a totalidade dos elementos que permitem classificar
corretamente o caso considerado e dele deduzir uma tera-
pêutica apropriada. Esta necessidade, de ser metódico e
completo, é revelada nos dois exemplos seguintes:
Um doente vai à consulta médica por causa de uma
faringite apenas, queixando-se de sentir, no nível da faringe,
uma sensação persistente e desagradável de secura, sem ter
“sua atenção voltada para outros distúrbios funcionais.
116 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados O diagnóstico . 117
eme do DR. PIERRE SCHMIDT

Um médico inexperiente poderá se limitar a fazer um diag- vel. Constata-se, no momento de uma destas crises, uma
nóstico de faringite simples. Um outro, mais experiente, lem- lentidão considerável do pulso, que pode cair a 40, 32, 28
brar-se-á que a faringite é um dos sintomas “secundários” do ou menos ainda. Trata-se de um quadro clínico clássico bas-
diabete e não deixará de pesquisar, na sua anamnese, os prin- tante conhecido - bradicardia paroxística com crises de sín-
cipais sintomas desta afecção. Ele descobre, então, a hipergli- cope. Esta é a doença de Stokes-Adams, ou melhor, a
cemia reveladora de uma faringite aparentemente normal. Síndrome de Stokes-Adams.
Um outro doente vai a uma consulta por apresentar sinto- As técnicas de registro poligráfico (veias e artérias) de-
matologia gástrica, isto é, vômitos atribuídos por ele a uma -monstraram, no decurso destes últimos 20 anos, que a cha-
indigestão, o que parece ser verdade pois o paciente encontra a mada bradicardia paroxística dependia do “bloqueio do co-
explicação para o problema na ingestão de alimentos indiges- ração”, da “dissociação auriculoventricular”, isto é, do
tos como, por exemplo, o homard?, ou a caça. Poder-se-ia cair funcionamento autônomo das aurículas e dos ventrículos.
na tentação de admitir esta explicação simplista e fornecer con- As experiências fisiopatológicas e as pesquisas anátomo-pa-
selhos circunstanciais: dieta, purgação, etc. Entretanto, o mé- tológicas provaram, por seu lado, que esta dissociação
dico, que sempre deve ter em mente a noção de que um dis- auriculoventricular estava subordinada a um funcionamen-
túrbio aparentemente acidental pode mascarar uma doença to defeituoso do feixe neuromuscular chamado feixe de His,
latente, não deverá negligenciar o aprofundamento da anam- localizado na parede inter-auricular o qual garante, em con-
nese e, neste caso, não demorará a descobrir que o estado dições normais, a transmissão da excitação contrátil da
geral do doente não é satisfatório e que há algum tempo ele aurícula ao ventrículo. No elemento clínico puramente sin-
sofre de cefaléias bastante fregiientes e apresenta, às vezes, tomático constitutivo da síndrome de Stokes-Adams do mé-
um leve inchaço das pálpebras. Resumindo: pode-se suspei- todo gráfico, há um elemento fisiopatológico importante: a
tar de pequenas crises urêmicas em um paciente renal. dissociação auriculoventricular por funcionamento defeitu-
Entretanto, percebe-se rapidamente que a ciência oso do feixe de His.
diagnóstica, segundo as espécies consideradas, produz graus Esta anamnese esclarece que este indivíduo contraiu
muito diversos de perfeição e progresso. Pode-se conceber sífilis vários anos antes do aparecimento das crises epilepti-
uma forma ideal de diagnóstico desde já acessível, seria bom formes; a documentação anátomo-clínica adquirida ensi-
que fosse sempre assim. Na realidade, por falta de recurso na, por outro lado, que a síndrome supracitada é freqiien-
melhor, deve-se, frequentemente, contentar-se com aproxi- temente produzida pela formação de um sifilomaterciário,
mações mais ou menos efetivas. isto é, de uma goma ao nível do feixe de His, o qual pertur-
Tomemos, para começar, um caso concreto e preciso que ba e depois anula o funcionamento. Pode-se, com uma
demonstra o valor de um diagnóstico integral: grande probabilidade, acrescentar aos dois elementos, o
Um paciente adulto sofre, há algum tempo, de crises de clínico (síndrome de Stokes-Adams) e o fisiológico (disso-
síncope, que recidiva em intervalos e com frequência variá- ciação auriculoventricular), dois novos elementos: o
anatômico (lesão do feixe de His) e o etiológico (de origem
26 Crustáceo semelhante à lagosta — lobster (N.T.). sifilítica).
118 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados O diagnóstico 119
> do DR. PIERRE SCHMIDT

O tratamento específico clássico está aprovado — perma- As afecções circulatórias oferecem, atualmente, nume-
nece-se, neste caso, com a Alopatia - suprimindo os aces- rosos exemplos de diagnósticos completos. Por exemplo: a
sos, seja porque a bradicardia desaparece (a lesão era ini- claudicação intermitente (diagnóstico clínico), por insufi-
cial), seja porque a bradicardia passa de paroxística a ciência do débito circulatório na marcha (diagnóstico funci-
permanente (a lesão evoluiu e o sifiloma foi resolvido pelo onal), subordinada a uma arterite não obliterante (diagnós-
tratamento, porém com a ruptura cicatricial do feixe de His). tico lesional), de origem diabética (diagnóstico etiológico).
Um tratamento ulterior com adrenalina pode melhorare ate- Numerosos diagnósticos encerram, implicitamente, es-
nuar o bloqueio do coração?”. tes elementos.
Este é um dos exemplos atualmente mais completos de Exemplos: Pneumonia lobar aguda. Encerra um elemen-
um tratamento integral: Síndrome de Stokes-Adams (ele- to clínico (a síndrome clássica da pneumonia: ponto doloro-
mento clínico), por dissociação auriculoventricular (elemen- so lateral, hipertermia, expectoração característica, etc.), um
to fisiopatológico), determinada por uma lesão do feixe de elemento anatômico (hiperemia com exsudação fibrinosa,
His (elemento anátomo-patológico), de origem sifilítica (ele- hepatização de um ou vários lobos pulmonares), um ele-
mento etiológico). mento etiológico (geralmente pneumococo), elementos fi-
O elemento clínico permite o diagnóstico: as indicações siopatológicos múltiplos que explicam a gênese de vários
terapêuticas são colocadas pelos elementos etiológicos (sífi- sintomas (febre, dispnéia, dor lateral, etc.).
lis) e fisiopatológicos (dissociação auriculoventricular). Porém, nem sempre é assim. O elemento anatômico fal-
Este é o ideal ensinado nas faculdades modernas: que tará nas afecções que não ultrapassarem o estado funcio-
deve-se esforçar-se para atingir, do ponto de vista diagnósti- nal, ou seja, nas quais os distúrbios constatados não esti-
co, um diagnóstico integral, que é, consequentemente, a verem acompanhados por lesões orgânicas apreciáveis
soma de quatro diagnósticos parciais: através dos meios de investigação atuais. O elemento
etiológico faltará com maior frequência ainda. Frequente-
1. Diagnóstico clínico, sindrômico: característico de mente, o elemento fisiopatológico apresentar-se-á por ve-
uma dada espécie clínica. zes só ou quase subsistirá ao elemento clínico, sintomáti-
2. Diagnóstico lesional, anatômico: sede da lesão origi- co, como acontece na maioria dos casos rotulados como
nal. neuroses ou psiconeuroses.
3. Diagnóstico funcional, fisiológico: mecanismo das Eis uma análise da doença de Basedow-Graves, ou bócio
perturbações funcionais constatadas. exoftálmico, cujo diagnóstico clínico assenta-se sobre tri-
4. Diagnóstico causal, etiológico: causa considerada pé clássico: bócio, exoftalmia e taquicardia. Após muitas
como específica da doença, segundo a Medicina do- discussões, o elemento anatômico parece solidamente esta-
minante. belecido: hipertrofia primitiva da tireóide, com hiperplasia
epitelial e alteração concomitante do simpático cervical.
A fisiopatologia tão complexa e tão interessante tem a
27 Na época deste texto os marcapassos ainda não existiam (N.T.). participação, ao mesmo tempo, do hipertireoidismo, com o
120 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados O diagnóstico 121
me do DR. PIERRE SCHMIDT

aumento do metabolismo, a hipersimpaticotonia, mantendo cendente de diagnósticos cada vez mais incompletos, para
sob sua dependência a exoftalmia e a sudorese e a agitação terminár em diagnósticos de espera puramente sintomáti-
comum destes indivíduos; a hiperepinefria?8, portanto, con- cos, simples rótulos clínicos de classificação provisória, com
tribui para manter de maneira permanente a excitação do os quais devemos nos contentar quando não se pode ir “mais
simpático e assim o aumento dos suores; a hiperglicemia e, longe”.
às vezes, a glicosúria, colabora para a resistência considerá- O que dizer, então, sobre o diagnóstico anátomo-patoló-
vel dos indivíduos à fadiga. Há poucas doenças nas quais a gico? Segundo meu professor de anatomia patológica em
análise fisiopatológica foi levada tão longe, embora ela ainda Genebra, o Professor Askenasy, autoridade mundial, os re-
não tenha chegado a uma forma definitiva, sem variação. sultados de biópsias revelaram-se falsos em 77% dos casos:
A etiologia, em compensação, é ainda muito obscura e diagnósticos totalmente errados ou incompletos de várias
provavelmente também complexa. Atualmente, pode-se afecções tais como cálculos renais, do fígado, cálculos soli-
considerá-la inexistente. tários ou múltiplos, vários tumores benignos ou malignos,
Na úlcera, dita primitiva, do estômago, ou Doença de lesões tuberculosas das mais avançadas ou orgânicas, gra-
Cruveilhier, os dois elementos, clínico (dores tardias tão ca- ves, todas passaram despercebidas, tanto pelo doente quan-
racterísticas, com hipercloridria) e anatômico (úlcera), são to por quem o rodeia, e até pelos médicos que o trataram!
os mais claros, o elemento fisiopatológico é ainda bastante Isto sem mencionar as anomalias congênitas: malformação
impreciso e o elemento etiológico está ausente. O diagnósti- renal, órgãos ou partes deles suplementares, anomalias vas-
co é puramente anatômico. culares, viscerais, situs inversus, distúrbios funcionais ou
Na psoríase, há que se contentar ainda com menos. O orgânicos dos órgãos do sentido, os quais não se havia per-
elemento clínico é normalmente muito claro (dermatite crô- cebido até o momento de um acidente ou de umainterven-
nica recidivante, pápulo-escamosa, policíclica e relativamen- ção por um motivo totalmente diferente.
te simétrica). Pode-se dizer que, atualmente, feita a abstra- Vê-se, assim, pessoas tratadas pelo que não possuem:
ção da anatomia patológica da lesão cutânea, todos os outros um diabético sem hiperglicemia devido ao emprego de ve-
elementos faltam. O diagnóstico é puramente clínico. Aliás, lhos reativos ou de um Fehling aquecido, um proteinúrico
isto ocorre na maioria das afecções cutâneas, nos eczemas tratado através de um regime aclorídrico não apresentando,
em particular, grande região desértica da Dermatologia, na no entanto, nenhum traço de albumina na urina mas ape-
qual as pacientes investigações trazem, diariamente, novos nas albumoses??. Ao lado destes falsos diabéticos e falsos
elementos. O mesmo acontece - para não dizer mais - com pacientes renais, existem falsos anêmicos e todos aqueles
as neuroses e psiconeuroses. que, vítimas dos laboratórios de análises, vivem de diagnós-
Vê-se que, partindo de uma espécie de diagnóstico qua- ticos inexatos e contraditórios.
se ideal e integral, percorre-se gradualmente uma gama des- Já que a terapêutica depende, exclusivamente, do diag-
nóstico, pode-se imaginar quantos erros e quantos tratamen-

28 Aumento da adrenalina circulante (N.T.). 29 Polipeptídio que se forma durante a digestão de proteínas.
122 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados O diagnóstico 123
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

tos inúteis, frequentemente tóxicos, foram prescritos sem nais são evidentes e, às vezes, até a sua reprodução experi-
necessidade. mental é possível. O substrato anatômico é desconhecido, o
Não deve-se esquecer, como diz Martinet, que a lesão mecanismo fisiológico é, pelo menos em parte, acessível: a
não é a doença mas é, na realidade, uma reação do organis- maioria das arritmias (extrassístoles, arritmias respiratórias,
mo contra o agente gerador da dita doença; é um sintoma um certo número de bradicardias e taquicardias) estão nes-
oculto, mais material que os outros mas, comoeles, é ape- te caso. O mesmo ocorre com todas as manifestações das
nas uma manifestação da doença e não sua causa. neuroses cardíacas. Isto também não acontece com a maio-
Por outro lado, nem sempre pode-se justapor a um de- ria das dispepsias? Deve-se lembrar, também, do sucinto re-
terminado quadro clínico uma descrição anátomo-patológi- sumo fisiopatológico relativo ao bócio exoftálmico, comen-
ca correspondente. Muitos distúrbios funcionais não são tado há pouco.
acompanhados por lesões atualmente detectáveis. Resumindo: esta tendência fisiopatológica, mesmo sem
As noções de nefrite, gastrite, artrite, etc, só podem ser ter dado origem a uma nosologia integral, como as noções
termos genéricos com um valor medíocre se eles não forem. clínicas e anatômicas, não deixa de penetrar mais profunda-
completados por um termo específico: escarlatínica, etílica, mente nos diagnósticos.
gonocócica, etc, ou funcional: hidrêmica, azotêmica, etc. Entretanto, a noção de vícios orgânicos funcionais ten-
Na prática, esta noção puramente anatômica do pensamen- de, cada vez mais, a dominar a patologia causal.
to médico foi muito nefasta à terapêutica, a qual ela certamen- No entanto, o diagnóstico clínico, anatômico ou fisioló-
te interrompeu o desenvolvimento pois, segundo a observa- gico não fornece, em última análise, nenhuma indicação for-
ção de Lepine, “de alguma maneira mais ou menos consciente mal das próprias causas das doenças que lhes imprime as
o anátomo-patologista tende a considerar a incurabilidade da características verdadeiramente específicas. Esta noção das
lesão como natural e, de alguma forma, fatal”. causas, evidentemente, sempre preocupou os médicos, os
Laenec já pedia que se ouvisse o grito dos órgãos que quais designaram, através das suas causas, as afecções
sofrem. Traduzindo-se em linguagem moderna, diremos que provocadas por agentes físicos: queimadura, congelamento,
a atenção do médico deve se fixar em qualquer “modifica- corte, mordida, etc, e por certos agentes químicos, como
ção funcional”. nos envenenamentos. Porém, até o momento, nenhuma ten-
É, de fato, uma das grandes tendências atuais da ciência tativa de nosologia integral baseada na etiologia havia sido
diagnóstica justapor, ou melhor, sobrepor, ou até substituir feita. Não há dúvida que é o lugar extraordinário adquirido
o “pensamento” anatômico lesional pelo “pensamento”fisi- pelas doenças infecciosas e microbianas, depois das desco-
ológico funcional, mais fecundo do ponto de vista terapêuti- bertas de Pasteur, que deu à etiologia seu valor atual, quase
co. É uma das orientações mais claras da Medicina contem- preponderante.
porânea, orientação já aplicada pelos homeopatas na De fato e praticamente, o estudo da evolução nosológica
metade do século XIX. conduziu à mesma conclusão que a do estado atual do po-
Inicialmente, repetindo, a lesão original escapa na maio- der diagnóstico. A ciência diagnóstica está muito longe de
ria das espécies clínicas, enquanto que os distúrbios funcio- ter chegado a um estado de perfeição imutável. Em vias de
124 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados O diagnóstico 125
cmeeemeeee do DR. PIERRE SCHMIDT

evolução incessante, ela é ainda muito imperfeita e muito Entretanto, é preciso que, fulgurante ou laborioso, resul-
móvel. Ela deve tender a um ideal de integralidade, do qual tado de um exame superficial ou metódico, o diagnóstico
existem alguns exemplos, mas não pode atingi-lo sempre e seja sempre exato. Os erros diagnósticos são, infelizmente,
nem mesmo frequentemente. Da mesma forma que não há, muito numerosos, numerosos até demais. Entretanto nada é
atualmente, um método geral de integração das equações mais instrutivo que um erro diagnóstico reconhecido, anali-
diferenciais, não há também um método geral que permita sado e meditado. Seu valor educador é, com fregiiência,
sempre um diagnóstico integral. É uma questão de entida- muito superior ao diagnóstico correto, contanto que esta
de. Convém ser eclético e adotar, segundo as entidades análise seja sincera e metódica. Poderíamos até perguntar
consideradas, um ou outro princípio classificador, porém se uma publicação consagrada a estes erros diagnósticos e
sempre visando, o quanto se possa, o diagnóstico comple- às suas causas não seria extremamente útil. Nunca esque-
to, clínico, anatômico, fisiopatológico, etiológico, conside- cerei da lição magistral do Professor Bérard de Lyon a res-
rando as possibilidades atuais mencionadas nos parágra- peito de um diagnóstico insuficiente para a localização de
fos precedentes. um projétil no coração, tendo levado, após uma hora e
Dever-se-á, em todo caso, tanto quanto possível, banir meia de cirurgia, à morte do doente. Foi uma lição de mo-
da linguagem diagnóstica os termos clínicos vagos e impre- déstia e de probidade profissional muito apreciada por to-
cisos tais como reumatismos, dores reumáticas, nevralgias, dos os assistentes.
acidentes nervosos, etc. Relativamente vazios de sentido e Se submetermos a uma análise cuidadosa os erros diag-
que só adquirem algum significado caso sejam determina- nósticos, que estes erros sejam evidenciados pela evolução
dos através de uma menção localizadora e etiológica: reu- ulterior do caso considerado, que sejam detectados pelo
matismo articular agudo, nevralgia ciática de origem diabé- emprego de técnicas adequadas, que sejam, enfim, revela-
tica, nervosismo motor com movimento coreiforme, etc. dos — in extremis - pela autópsia, reconhecer-se-á que suas
Pode-se chegar a estes diagnósticos relativamente com- causas são, definitivamente, a ignorância, a insuficiência do
pletos através de uma série de investigações clínicas e ope- exame e o erro de julgamento.
rações mentais, tais como as encontradas nos tratados de
A ignorância possui muitos graus:
Medicina moderna. O diagnóstico resultará tanto de um pro-
cesso mental “fulgurante”, de reminiscência, de “déjã vu”30, I- O senso comum reconhece uma ignorância “grossei-
e o diagnóstico será feito rapidamente, ou então, muito mais ra”, felizmente excepcional. É a ignorância dos conhe-
frequentemente, ele necessitará da integração racional rela- cimentos essenciais, fundamentais, à qual o médico
tivamente laboriosa dos múltiplos elementos clínicos colhi- não tem nenhuma desculpa. Ela pode levar a erros
dos durante o exame paciente e metódico. diagnósticos incríveis. Já foi visto um doente rotulado
com “Mal de Bright”! apenas pela constatação de

30 Deixo no original o termo consagrado francês que transmite a idéia do “já


visto” (N.T). 31 Insuficiência renal crônica (N.T.).
126 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados O diagnóstico 12
meme do DR. PIERRE SCHMIDT

uma dor renal! Sem nenhum sinal de patologia renal “não mostrando nenhuma repugnância em incorporar
(ausência de proteinúria, hipertensão, edema, uremia, à sua prática qualquer novidade válida e utilizável.
fenômenos cloro-azoto-hidrêmicos quaisquer), ou de
hérnia escrotal em um caso de varicocele simples, com Porém, deve-se reconhecer que um médico pode ser per-
anel inguinal absolutamente íntegro. Cabot cita um feitamente perdoado se não distinguir as extrassístoles
diagnóstico de ascite quatro dias antes do parto, de auriculares das ventriculares, uma ou outra forma de
surdez por um tampão de cerúmen, de gravidez em leucemia, a espiroquetose íctero-nemorrágica das outras ic-
uma retenção de urina, etc. Já se viu doentes, rotula- terícias infecciosas graves, etc.
dos de “assistólicos”, alegremente subir os degraus do São em casos como estes que a intervenção do especia-
hospital. Seria fastidioso, inútil e insano continuar lista é legítima. Ocorre o mesmo com as entidades clínicas
com estes exemplos. O remédio, neste caso, é eviden- raras, frequentemente excepcionais, e sobre as quais o mé-
te, e consiste, exclusivamente, em uma melhor educa- dico talvez não tenha tido a oportunidade de observar como,
ção clínica. por exemplo, a dissociação auriculoventricular, certas loca-
lizações da actinomicose, certas formas frustras de lepra, a
Y - Em um segundo grau, a ignorância é relativa. É, por psitacose, a cisticercose do rim ou do sistema nervoso, etc.
exemplo, a ignorância de atualizações clínicas recen-
tes. Neste caso, somos todos relativamente ignoran- HI - Quando, finalmente, elimina-se o que. pertence aos
tes. A evolução biológica ocorre nos dias atuais de erros diagnósticos devido à ignorância essencial
uma maneira tão rápida, que a clínica e o laboratório “grosseira” e à ignorância “relativa”, isto é, quando,
têm dificuldades para selecionar o que é bom e o que somando tudo, elimina-se os erros diagnósticos evi-
é ruim; nem sempre o conseguem e os médicos ficam táveis pelo conhecimento integral do estado atual da
perdidos. Daí decorrem duas tendências inevitáveis: patologia e aplicação das técnicas adequadas, per-
os neófilos, para os quais novidade é sinônimo de pro- manece, ainda, uma porcentagem bastante elevada
gresso, aceitando as mais discutíveis inovações bioló- de erros diagnósticos inevitáveis no estado atual da
gicas sem crítica suficiente e os neófobos, que rejei- ciência: é a sobra do não diagnosticável atual. Ele é
tam, a priori, qualquer coisa que não se encaixe constituído:
imediatamente e sem dificuldade no quadro estreito Por certos casos verdadeiramente insolúveis, atualmen-
do que aprenderam anteriormente. O médico honesto te não diagnosticáveis porque são ainda desconhecidos.
e liberal wait and see32, ou seja, espera e observa, (ex-
pressão que os homeopatas substituem por watch and No começo do século, a clínica mais experimentada con-
see33, ou-seja, não “espere”, mas “vigie e observe”), fundia sistematicamente as ulcerações do cancro?4 e do can-

32 Em inglês no original (N.T).


33 Em inglês no original (N.T). 34 Ulceração sifilítica (N.T).
O diagnóstico 129
128 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

É certo que, diariamente, fica-se diante de muitos esta-


cro mole3º; a actinomicose não era suspeitada, assim como
a natureza específica da tabes e da paralisia geral.
dos mórbidos, cujos diagnósticos são tradicionalmente in-
completos ou errados e tais fatos ficam demonstrados pela
Muito recentemente, um dos meus doentes, um hepáti-
co, que havia vindo para um tratamento de “limpeza” e
evolução ulterior.
Porém, uma das causas mais frequentes dos erros
rejuvenescimento, se assim se pode dizer, com regime, ba-
nhos de ozônio, massagens e tratamentos fisioterápicos, diagnósticos é a insuficiência do exame.
As causas desta insuficiência de exame são múltiplas e
voltava para casa transformado, com a língua limpa, o tubo
digestivo em perfeito estado e todas as funções orgânicas complexas: maus hábitos, maus métodos, más condições de
integradas harmoniosamente, e depois de três semanas, su- exame, maus clientes, más técnicas, má organização.
bitamente, no meio da noite, apresentou terríveis dores ab-
dominais no flanco esquerdo, contorcendo-se desespera- Maus hábitos derivam, normalmente, de uma certa pre-
guiça natural, de uma certa ausência de zelo, da tendência
damente. Ele berrava, debatia-se, torcia-se com cólicas,
muito disseminada do mínimo esforço. Eles se manifestam,
apertos e estiramentos, como se estivesse sendo devorado
na maioria das vezes, através de um diagnóstico puramente
por cães.
sintomático e de uma terapêutica de equação. Um indivíduo
Discutiu-se o tétano, a oclusão intestinal, a perfuração
queixava-se de cefaléia, diagnosticada como nevralgia, e tra-
gástrica ou intestinal brutal. Todas as terapêuticas aplicadas
não surtiram efeito e o cirurgião, sem ter um diagnóstico
tada com anti-nevrálgicos. Na realidade, era um insuficiente
renal (1,5 g de uremia) e hipertenso (24/12). Um outro se
preciso, não quis intervir. Felizmente, não era uma mulher,
queixava de dificuldades respiratórias noturnas. Colocou-se
pois quantos outros diagnósticos poderiam ainda ser consi-
no diagnóstico como asma superficial, enquanto tratava-se
derados neste quebra-cabeça inquietador!
de um aneurisma da aorta que há muito tempo ultrapassou
Depois, passadas algumas horas, subitamente tudo ces-
os limites do mediastino.
sou e o doente ficou perfeitamente curado e, para surpresa
dos médicos, sorriu, ele que há poucos instantes gritava
Maus métodos ou também maus hábitos. Um exame,
como se fosse morrer.
para ser correto, deve ser feito no organismo inteiro e não
Esta doença dramática, muito recentemente conhecida
apenas no órgão assinalado pelas queixas do doente. Ora,
na França, chama-se a garra do diabo, ou doença de
este é um método infelizmente muito comum e muito defei-
Bornholm?º, e seria causada pelo vírus coxsackie, descober-
tuoso ao limitar as pesquisas a uma determinada região, a
to por um americano, e as lesões microscópicas que ele pro-
um determinado órgão, ou a determinado aparelho cuja
duz no organismo humano foram recentemente esclarecidas
na França.
atenção foi dirigida devido a um sintoma predominante.

Se um indivíduo tosse, ele é auscultado e é feito o diag-


35 Cancróide, cancro de Ducrey. Doença sexualmente transmissível, aguda, cau- nóstico de congestão pulmonar. Sua urina não é examinada
sada pelo bacilo de Ducrey ou “Haemophilus ducreyi” (N.T).
e ela apresentava proteinúria. Seus membros inferiores não
36 Pleurodinia epidêmica ou mialgia epidêmica (N.T).
130 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados O diagnóstico 131
do DR. PIERRE SCHMIDT

são vistos, e estavam edemaciados. Este indivíduo tinha uma nhuma resposta; doentes irascíveis, que resistem quando se
nefrite, retenção hídrica, e fazia edema pulmonar sintomáti- pesquisa seus antecedentes hereditários, ou suscetíveis e
co. Um indivíduo vomitava, o abdômen foi examinado com que se zangam quando se pergunta se eles choram... Ou-
cuidado, parecendo que a parede abdominal oferecia um tros, muito inteligentes, têm o defeito da sua superioridade
pouco mais de resistência à direita, e uma leve sensibilidade intelectual, e interpretam o mal-estar que sentem à sua ma-
era referida na fossa ilíaca direita; havia febre, e o diagnós- neira, não admitindo discussão, dizendo sofrer de faringite
tico de apendicite foi levantado. Um exame mais minucioso ou etmoidite, quando se trata de um problema com o siso
revelou uma cefaléia, uma rigidez de nuca, o sinal de Kernig ou uma úlcera do septo. :
e a punção lombar mostrou um líquido turvo rico em Deve-se, ainda, considerar a enorme categoria de doen-
linfócitos. A evolução e a necropsia final mostraram a exis- tes que dissimulam e negam diante da evidência, que se
tência de uma meningite tuberculosa. defendem de ter contraído a sífilis, que se calam sobre seus
antecedentes hereditários (afecções mentais, câncer), en-
Más condições de exame. Para um exame correto, há fim, a dos doentes que respondem falsamente, a fim “de
certas condições materiais necessárias, como, no mínimo, experimentar” o médico, de constatar se ele foi mais pers-
uma iluminação adequada e o instrumental. Uma icterícia picaz que os anteriores. Deve-se, enfim, desconfiar dos his-
será desconhecida com uma iluminação deficiente ou artifi- téricos, que sentem prazer na narração complicada de
cial. O mesmo ocorrerá com muitas erupções. Um exame doenças ditas imaginárias e que foram descritas (assim
abdominal correto -só será praticado se o paciente puder ser como todas que descrevemos) por Hahnemann de uma
colocado no bordo do leito, podendo o médico circular em maneira magistral no seu Organon nos parágrafos 90 — 97,
torno dele. Como explorar convenientemente as bases pul- 228 — 229.
monares de um indivíduo obeso e com a saúde precária, se Certas dificuldades da anamnese são inerentes à idade
ele estiver enfiado em uma pilha de travesseiros no meio do dos doentes: uma criança queixa-se de dor de barriga, mas é
seu leito e se não se puder ter a iluminação e o espaço ade- incapaz de localizar a sede da dor. Ela indica a região umbi-
quados através de uma colaboração e atitude apropriadas, e lical quando, na realidade, é apendicular. Uma outra não
pelo emprego de um estetoscópio flexível? diz que dói sua garganta porque se lembra de um exame
anterior.
Maus clientes. Chamam-se assim os pacientes que, por Certos idosos redundantes nas suas explicações ou
pusilanimidade, incompreensão ou idéias preconcebidas, neurastênicos senis revisam todos os seus órgãos, de manei-
tornam o exame difícil e às vezes falacioso. É fregiiente se ra que as informações que dão são mais fáceis de enganar o
estar diante de doentes ininteligentes, incapazes de com- médico que de esclarecê-lo.
preender as perguntas mais claras, que confundem o estô- O pudor leva a mulher a dissimular as enfermidades ine-
mago com o peito e dizem ter “vomitado sangue” quando rentes ao seu sexo. Certas jovens não dizem que são consti-
tiveram uma hemoptise. Doentes emotivos, assustados padas ou que têm anomalias menstruais! Outras, por igno-
quando vêem o médico e dos quais não se pode obter ne- rância ou sentimento difícil de definir, não falam de um
132 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados O diagnóstico 133
———o————— do DR. PIERRE SCHMIDT

início de gravidez. Outras ainda, refutam em falar das tenta- Vê-se, através desta breve exposição, como são numero-
tivas de violência das quais foram vítimas. O capítulo espe- sas as causas de exames defeituosos, conduzindo a resulta-
cífico é extraordinariamente espinhoso na mulher. Isto deve dos insuficientes e errados, levando a falsas conclusões, e
ser considerado e comentado o menos possível. Existe, em quantos destes exames também são evitáveis. Omitimos,
todo caso, uma regra diagnóstica prática que o jovem médi- entretanto, talvez a mais importante: a insuficiência de
co nunca deve esquecer: em matéria de aborto ou gravidez, tempo consagrada ao exame. Isto deriva, frequentemente,
deve-se ouvir os relatos com o maior dos ceticismos e ater- da má organização do trabalho. Alguns diagnósticos podem
se ao que foi constatado. ser feitos em minutos e outros necessitam de longas e pa-
cientes investigações que, convenhamos, nem sempre o
Más técnicas. Isto é evidente: deve-se saber palpar, per- médico tem tempo para as fazer.
cutir, auscultar. Deve-se conhecer as dificuldades, as parti- Este é, talvez, o maior problema da prática médica: a do
cularidades, os “jeitinhos” das análises e das técnicas. Deve- tempo, do emprego do tempo, da organização individual e
se saber olhar uma radioscopia, sempre com imparcialidade, coletiva do trabalho médico, com vistas a um melhor rendi-
e não apenas a única região da qual o doente se queixou. mento; resumindo, a taylorização?” da prática médica.
Uma palpação abdominal brusca e brutal determinará,
automaticamente, uma resistência reflexa invencível da pa-
rede abdominal, que tornará o exame impossível ou condu-
zirá aos piores dos erros.
A percussão constitui uma verdadeira arte que se deve
aprender. Não basta bater como um surdo sobre a região
que se quer explorar. Caso se coloque muita urina sobre o
licor de Fehling, que se aquece, haverá sempre uma redu-
ção, não se podendo nunca concluir que se trata de uma
glicosúria.
E deve-se ser prudente com a radioscopia, ou mesmo
com a radiografia. Não basta, para levantar o diagnóstico de
ectasia aórtica, constatar a presença de uma sombra anor-
mal para e periaórtica. É necessário, ainda, que esta sombra
seja pulsátil. Até uma caverna só pode ser diagnosticada
com a maior das reservas e frequentemente pode-se confun-
di-la com uma simples bolha de enfisema. Se a ausculta não
permite precisar, deve-se procurar no escarro a presença de
fibras elásticas que demonstram, assim, a presença certa de 37 Taylor (1856/1915): Engenheiro e economista americano promotor da organi-
uma cavidade. zação científica do trabalho (N.T).
134 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados As armadilhas do diagnóstico 135
do DR. PIERRE SCHMIDT

É muito grave: é um pouco como a esclerodermia, na qual a


pele se torna dura e esclerótica. Neste último caso, a pele
fica mais rígida e com pequenas manchas”.
Meu colega, então, disse à paciente: “é preciso tentar.
As armadilhas tomar arsênico em altas doses”. Ela respondeu: “Desculpe,
professor, mas não tomarei arsênico sem conhecer a opinião
do diagnóstico do meu médico”. “Como? Seu médico é meu aluno e se ele a
encaminhou a mim é para que siga as minhas prescrições”.
“Não, ele me encaminhou ao senhor para ter seu diagnósti-
co, porém é ele que continua sendo meu médico. Ele conhe-
Lembro-me de uma pequena aventura com um professor ce os medicamentos que me convêm e os que não. O senhor
de Dermatologia que demonstrou que devemos confiar em não examinou todo o meu corpo, o senhor não sabe se meus
nós mesmos apesar de tudo, e não é porque alguém possui rins estão bem e se meu fígado pode suportar o arsênico que
o título de professor que se deve inclinar sempre diante de o senhor quer me dar. Ele me conhece e me dirá se posso
seu diagnóstico. Eu tinha uma paciente que acompanhava tomá-lo”.
há anos pelo seu estado geral. Era uma doente muito fiel, Então, o professor, depois de se zangar um pouco, disse:
sempre muito divertida, porque, quando chegava ao meu “Finalmente, a senhora tem razão. Dê este bilhete ao seu
consultório, ela sempre retirava seu chapéu e colocava so- médico”. Quando ela voltou, olhei sua receita e lhe disse:
bre a cabeça do Hahnemann, cujo busto ornamentava a la- “Não, não quero que tome o arsênico nestas doses”. Tive,
reira. Era muito irreverente, mas era para provar sua supe- então, uma pequena dúvida e lhe disse: “Escute, gostaria que
rioridade de mulher sobre a Ciência! a senhora ainda fosse ver um outro médico, que não é profes-
Esta pessoa apareceu, um dia, com pequenas manchas sor, mas um estrangeiro, muito competente para problemas
brancas com o centro um pouco mais escuro e envolvidas da pele, e gostaria de ter sua opinião”. O professor tinha exa-
por uma leve pigmentação sobre os ombros. Não prestei minado a paciente muito bem, é verdade, mas com os olhos.
muita atenção no início, mas depois, como as manchas se Ele apoiou seu vidro sobre a pele para ver as reações vascula-
espalhavam, disse-lhe que gostaria de ter o diagnóstico de res, mas foi tudo o que fez. O novo médico que a recebeu em
um professor de Dermatologia. Fiz um pequeno relatório de seguida a examinou completamente, raspou um pouco a pele,
encaminhamento. O professor a examinou e disse: “a se- colocou as escamas sobre uma lâmina, olhou no microscópio
nhora tem uma doença muito grave: é uma morféia?8. Trata- e viu que eram tricófitos e, consequentemente, era uma doen-
se de uma doença na qual, como quando se dorme nos bra- ça parasitária que nada tinha a ver com a lepra. Bastou pas-
ços de Morfeu, a pele adormece, morrendo aos pedacinhos. sar sobre a pele um pouco de álcool iodado para eliminar a
causa ocasional e em oito dias tudo estava terminado. Tais
aventuras nos fazem pensar e é por isto que, quando houver
38 Morféia = lepra (N.T). diagnósticos delicados, deve-se tomar cuidado.
As armadilhas do diagnóstico 137
136 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

Há um outro caso, o da mãe de um dos maiores advoga- nela e havia um belo nicho. O professor abriu o estômago e
dos de Genebra. Seu marido era Conselheiro de Estado, uma não encontrou nenhum traço de úlcera. Ele fechou o abdô-
pessoa destacada. Esta pessoa idosa, com cerca de 70 anos, men e depois o paciente ficou muito bem. Há reações
temperamental, dizia ter enfiado uma agulha no joelho inexplicáveis. Abrir o abdômen, expô-lo ao ar e constatar “o
quando se ajoelhou por ocasião de provas de roupa na cos- espanto do estômago” diante da realidade solar deste mun-
tureira. Desde então, sentia muitas dores no joelho. Fez uma do inferior. Esta exposição à luz matou a tendência à úlcera!
radiografia que evidenciou, efetivamente, a presença da agu- O professor ficou humilhado!
lha no joelho. Bastava, então, retirá-la, para acabar o pro- Quando um doente traz uma radiografia, deve-se olhar
blema. Entretanto, quando vi isto, lembrando-me de uma sempre tudo, incluindo as partes que não se quis radiogra-
pequena aventura que tive no passado, pedi uma outra radi- far. Se for dada uma radiografia do estômago, deve-se olhar
ografia, em um outro radiologista. A paciente, então, fez a coluna que pode apresentar, frequentemente, lesões como
uma segunda radiografia: não havia nenhuma agulha! a osteoporose, vértebras em diabolo??, osteófitos e escoliose,
O que se via no primeiro exame era uma dobra da gela- que o radiologista não terá assinalado. Se for pedido uma
tina que, ao secar, resultava naquela imagem, e o que é mais radiografia do estômago ele só olhará o estômago. É como
curioso, exatamente no local onde ela sentia dores! Não foi um ORL: se a consulta for por causa do nariz, ele examinará
operada e aplicou-se uma pequena compressa quente. A dor somente o nariz e não olhará os ouvidos nem o resto. É por
desapareceu e a doente parou de mancar! Deve-se ser, por- isto que indico que os médicos sejam muito conscienciosos
tanto, muito prudente com os diagnósticos, devendo-se a este respeito, examinando as partes que não são motivo
verificá-los e não se basear forçosamente no que se vê. Às da consulta. É como em Homeopatia. Se há um doente que
vezes, coisas estranhas são encontradas. Havia um homem vai à consulta por causa do joelho, os médicos deverão fa-
cuja radiografia mostrava um botão na região dorsal, onde zer perguntas sobre todo o organismo e encontrarão sinto-
ele sentia dores. Ele havia sido radiografado nu e se via O mas muito interessantes, que permitirão, assim, encontrar o
botão. Nunca se soube o que era este botão. Não foi opera- remédio curador.
do, mas depois do tratamento homeopático, as dores desa-.
pareceram. E a radiografia evidencia sempre este botão!
Pode-se cometer erros extraordinários com as radiografi-
as. Lembro-me de dois destes erros que muito me impressi-
onaram. Um dia, um professor de cirurgia disse que deveria
operar um dos seus pacientes que sofria de uma úlcera no
estômago. Tratei-a, na verdade, como gastralgia. A dor ha-
via melhorado até o dia em que teve uma crise mais aguda e
foi consultar o professor, que indicou a cirurgia e me disse: -
“Caso o interesse, poderá assistir a operação”! Assisti, en- 39 Jogo que utiliza, entre outras coisas, uma peça em forma de iô-iô. A analogia é
tão, à esta operação. Colocou-se a radiografia diante da ja- que a vértebra teria uma deformidade que lembraria esta forma (N.T).
IV

A VALORIZAÇÃO DOS
SINTOMAS NA HOMEOPATIA
A valorização dos sintomas na homeopatia 141

1. Deve-se, sempre, começar pelos sintomas etiológi-


cos -— se houver a chance de obtê-los! Os distúrbios do doen-
te consequentes a uma cólera, um desgosto, uma gravidez,
“um traumatismo, etc. - quando houver a sorte de se obser-
var um sintoma etiológico - predominam sobre todos os
outros sintomas, mesmo sintomas mentais!

2. Em seguida, vêm os sintomas mentais, não na


anamnese, porque nunca se começa a perguntar pelos sin-
tomas mentais. Porém, no momento de escolher e de valori-
zar Os sintomas sobre os quais se baseará a prescrição, deve-
se escolher os sintomas mentais, depois dos sintomas
etiológicos. Tudo o que é mental, tudo o que é subjetivo,
tem um valor enorme para os homeopatas. Para o alopata,
estes sintomas são do domínio do imaginário; para os psi-
quiatras, se isto não entra em uma categoria, no contexto de
uma de suas doenças mentais, não os interessa muito. O
ciúme, o medo de cães, as consequências de um grande des-
gosto, todos estes sintomas são muito importantes para os
homeopatas, sobretudo todos os medos: medo de estar só,
medo da escuridão, medo de que algo de ruim aconteça,
medo do futuro, da pobreza, dos ladrões, etc. No Repertó-
rio, pode-se encontrar tudo o que se pode desejar sobre este
capítulo, que contém mais de 150 medos diferentes! Deve-
142 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A valorização dossintomas na homeopatia 143
do DR. PIERRE SCHMIDT

se, também, perguntar aos pacientes como eles reagem 4. Vêm, em seguida, os desejos, as aversões, as pioras
quando têm um desgosto: alguns gostam de se exprimir, fa- pelo alimento. São aspectos que não se pode constatar no
lar sobre e ser consolados; outros detestam isto. caixão! Exemplos disto são uma psoríase, um abscesso e
Fui questionado sobre onde se encontrava, no Repertó- um derrame pleural. E todas as manifestações subjetivas que
rio, a “língua limpa”, sintoma de Ipeca. É sabido queesta é não são observadas no caixão são coisas que interessam,
uma característica de Ipeca nos distúrbios pulmonares, por antes de tudo! Porém, uma bela úlcera da perna ou um gran-
exemplo, uma bronquite ou uma asma. Se a língua estiver de tumor do seio são coisas que se vêem no cadáver: e não
limpa, dá-se Ipeca; se ela estiver suja, dá-se Antimonium é baseadonisso que se poderá prescrever um remédio.
tartaricum. Onde se encontra isso no Repertório? Bem, pode- Convém começar pelas perguntas das modalidades de
se procurar mas não será encontrado, pois uma língua lim- piora e de melhora de qualquer sintoma referido: “Quais
pa é algo normal e não é possível repertorizar todos os sin- são os alimentos, os legumes, as frutas que o pioram ou que
tomas normais: não se terminaria nunca! Porém, pode-se você não suporta?”. Estes são sintomas do “doente vivo”, da
dizer que há, no Repertório, “melhora pelo consolo” e ape- mesma forma que as aversões e os desejos. Uma repulsão
nas com Pulsatilla! Entretanto, esta melhora pelo consolo pelo queijo ou pelo cheiro do peixe não pode ser observada
parece ser algo perfeitamente normal quando se tem um “no caixão”. Porém, nesta categoria de sintomas, os mais
desgosto. De fato, Kent pensou muito para estabelecer seu importantes são sempre os de piora inicialmente, depois as
Repertório, e ele pesou cada palavra. Pode-se supor uma aversões e por fim os desejos. Claro, é preciso que estas
ciática, uma disenteria ou uma coqueluche que é aliviada manifestações sejam bem marcadas para serem considera-
pelo consolo: eis um sintoma esquisito, curioso, raro, extra- das, senão não interessa. Esta é a razão pela qual é preciso,
ordinário, singular, característico, inesperado... E é poristo ao mesmo tempo em que o paciente fala, observar as suas
que ele está inscrito no Repertório. Trata-se, então, de uma mímicas, a maneira como ele diz que gosta ou não, ou como
melhora pelo consolo em circunstâncias inesperadas, não ele piora.
habituais.
5. Chega-se, então, aos sintomas do sono. O sono é algo
3. Depois dos sintomas mentais, passa-se aos sintomas muito importante; entretanto, não se sabe o que é! Já se
gerais. Neste capítulo encontram-se todas as condições de escreveu muito a este respeito e até há, em Lyonºº, um pro-
piora e de melhora por fatores climáticos: o calor e o frio, o fessor que consagra todas suas pesquisas, há muito tempo,
tempo, o clima, a estação. Há, também, a influência de di- ao estudo do sono. Na verdade, não se sabe porque dormi-
versas posições, de hábitos de vestuário, a influência dos mos, nem o que nos acontece durante este momento de in-
diversos momentos do dia. São sintomas muito valiosos para consciência. Uns dizem que nos dirigimos “ao astral”, ou-
os homeopatas porque são sintomas gerais, isto é, que di- tros que nada ocorre. Seja lá o quefor, esta fase de sono é
zem respeito às reações de “todo” o organismo. Porém,
deve-se entender, é necessário que estes sintomas sejam cla-
ros e muito marcados! 40 Cidade francesa onde o Dr. P Schmidt lecionava.
empre

144 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A valorização dos sintomas na homeopatia 145
ee do DR. PIERRE SCHMIDT

muito enigmática. Além disto, é algo que desconhecemos: tais sintomas,pois o homem é mais pudico que a mulher
ele chega ou não. quando se trata de contar o que ocorre na área sexual. Uma
Deve-se, também, destacar as diversas posições durante mulher contará sobre suas sensações, excitações, mas um
o sono. Alguns dormem atravessados na cama, ou com as homem não! E é através da mulher que se saberá sobre os
pernas separadas, com a cabeça elevada ou baixa, sobre o sintomas do marido. É um erro psicológico fazer perguntas
ventre, etc, ou então não conseguem dormir do lado esquer- a respeito de questões sexuais ao homem: eles nunca dirão
do, ou do direito. Alguns dizem: “desde que fiquei doente, a verdade, pois isto toca seu orgulho, seu sentimento de
durmo melhor do lado esquerdo”. Eis algo interessante: al- -dignidade pessoal. Então, não vale a pena e deve-se per-
guns, como Rhododendron, dormem com as pernas cruza- guntar às esposas, que dirão a verdade, e a verdade nua e
das; outros colocam as mãos atrás da cabeça (há mais que crua, pois as mulheres não se preocupam com os médicos
16 remédios que apresentam este hábito), o que, paralela- sobre estas questões. É interessante conhecer as perguntas
mente, indica sempre um distúrbio do fígado! Há pessoas sobre a libido, a homossexualidade, etc, mas estes são pro-
que dormem com os olhos e a boca abertos, que roncam, blemas que não poderão ser abordados logo no primeiro
que se sobressaltam dormindo. Há os que descobrem os pés, dia de consulta.
e os que, dormindo, riem, cantam ou gritam. Nos meus 50 anos de prática médica vejo que sempre há
Todos estes sintomas que ocorrem durante o sono são problemas difíceis de se resolver. Porém, eles são
“barras de ouro”! É algo muito precioso para os homeopa- apaixonantes e podemos ajudar muito os doentes neste cam-
tas. Esta é a razão pela qual se pede às mães para observar po. Trato, atualmente, de um paciente que sofre de falta de
muito bem como seus filhos dormem. ejaculação: é, infelizmente, muito desagradável! Há relação,
Os sonhos também são muito preciosos. Alguns preci- em seguida há ereção, mas não há ejaculação! Há, realmen-
sam ser ninados para dormir; algumas crianças não dormem te, um “bolchevismo sexual” nas suas glândulas! Há pes-
sem rolar a cabeça sobre o travesseiro. Isto é encontrado no soas que apresentam sangue no esperma e outros casos.
Repertório no capítulo da cabeça. Todos estes movimentos Porém, se há insatisfação com as consultas masculinas,
são interessantes de serem observados na criança, e também o mesmo não acontece com as mulheres. Neste caso, dis-
no adulto. São frequentemente, sintomas de Tuberculinum. põe-se de uma gama de sintomas que não terminam e pode-
Publiquei em uma revista a lista de tudo o que pode ocorrer se passar meia hora, ou mais, fazendo perguntas sobre os
durante o sono. No que diz respeito aos sonhos, deve-se sintomas sexuais da mulher. Ela tem sorte - é uma maneira
prestar muita atenção: um sonho que aparece uma única de falar - de ter menstruações; o ciclo menstrual interessa
vez não possui nenhum interesse. Porém, se forem sonhos muito. Qual é sua fregiiência, duração, abundância, seu as-
repetitivos, então são sintomas a considerar. No Repertório pecto, sua consistência, seu horário, etc. Às vezes, as regras
há um longo capítulo sobre os sonhos. são irritantes ou fétidas. Porém, o que interessa, principal-
mente, é o que ocorre antes das regras: algumas pacientes
6. Após o sono, chega-se aos sintomas genitais. Infeliz- ficam irritadas, outras têm uma necessidade imensa de ati-
mente, o “apetite” tem que ser modesto quando se procura vidade, outras ficam deprimidas, etc., e tudo isto pode ser
146 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
————— do DR. PIERRE SCHMIDT

encontrado no Repertório, da mesma forma quese encontra


o que ocorre durante e após as regras. Estes sintomas po-
dem auxiliar muito.

7. Restam, finalmente, os sintomas que dizem respeito

V
às diversas partes do corpo, os sintomas ditos locais, que
são aqueles aos quais o doente dá maior importância, na-
turalmente: minha cabeça, minha garganta, meus ovários,
meu ventre, meus pés, etc. Porém, tudo isto só interessa
quando é caracterizado por uma ou várias modalidades, pois
um sintoma sem característica não possui nenhum valor em
Homeopatia.
Uma vez que se valorizaram os sintomas, que foram es-
tudados corretamente, pesados e classificados, possui-se,
COMO ESCOLHER
então, a chave da prescrição.
A pesquisa e o estudo sistemático destes sete capítulos,
O REMÉDIO
essenciais e indispensáveis, constitui a finalidade da tarefa
do médico prático em Homeopatia. Eles devem ser conduzi- A SELEÇÃO MEDICAMENTOSA
dos com toda consciência profissional e esforços. NA HOMEOPATIA
A tudo isto deve ser acrescentado o conhecimento do
que a Ciência atual pode trazer, lembrando-se sempre das
palavras fundamentais enunciadas por Hahnemann:

“Quando se trata da sagrada Arte de curar, deixar de


“aprender é um crime.”
Como escolher o remédio 149
—- À seleção medicamentosa na Homeopatia

É scotner é dar preferência a algo, segundo sua quali-


dade. Escolher é distinguir, é caracterizar, é diferenciar, é
separar o joio do trigo. Escolher é discriminar, é saber
discernir, é triar, é selecionar pela eliminação. Enfim, esco-
lher é, também, abandonar e renunciar, é decidir, é com-
prometer-se.
É importante a qualidade precisa, pois o resultado de-
penderá desta escolha. Nãose trata, aqui, como na Alopatia,
de estabelecer um diagnóstico mórbido, de rotular uma
doença ou parte dela e depois aplicar a este nome, uma vez
determinado, as drogas aceitas momentaneamente como as
mais ativas e mais modernas, as mais atuais, aquelas que se
beneficiam dos mais recentes progressos da Ciência tera-
pêutica. Drogas recentes sim, pois a Ciência está em cons-
tante evolução e passa dos conhecimentos que envelhecem
e caem em desuso, tornando-se caducos, para ir na direção
daquilo que se afirma ser “o progresso”, uma mudança para
melhor, pois pode, também, existir uma mudança para pior,
como o progresso de uma doença, infelizmente! Um livro de
terapêutica com cinco anos já é considerado ultrapassado.
Além disso, a terapêutica para uma determinada doença no
Japão, na Rússia, ou na Europa, e mesmo dentro da Europa,
de um país para outro, Alemanha, Itália, Grécia ou Suécia,
varia muito para a mesma doença.
150 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como escolher o remédio 15
mem do DR. PIERRE SCHMIDT — À seleção medicamentosa na Homeopatia

É grande a diferença com a Homeopatia que, é claro, do termo. Ela diz fazer uma terapêutica etiológica direta
também realiza progressos, mas progressos sobre detalhes, atacando o micróbio ou o vírus e o que é irônico consta-
sobre as técnicas mais rápidas, mas nunca sobre as bases. A tar é que prescrevendo vacinas, ela faz Homeopatia sem
Belladonna sempre dilatou a pupila e o ópio sempre a con- saber.
traiu. O óleo de rícino e o ruibarbo provocam diarréias, en- Neste caso, o homeoterapeuta possui um conhecimento
quanto que o ópio e o chocolate constipam. O cânhamo in- da sintomatologia muito superior ao dos seus colegas da
diano (Cannabis indica) provoca, constantemente, a secura Medicina clássica.
da boca e com Ipeca ocorre sempre sialorréia. Estas bases
são sólidas. Elas não “progridem”, pois são fixas. São sinto- Como determinar, então, os sintomas que deverão ser
mas estáveis sobre os quais a Homeopatia baseia sua pres- escolhidos?
crição há cerca de duzentos anos?! e daqui 100 anos será Hahnemann, segundo seu Organon, mostra três tipos de
ainda assim, pois a Verdade não muda. sintomas pois, segundoele, todas as doenças se manifestam
Mas como escolher o bom, o verdadeiro, o remédio que de três maneiras e, nos antigos livros homeopáticos, lê-se
curará? que qualquer manifestação mórbida se manifesta:
Esta seleção será feita segundo a sintomatologia apre-
sentada pelo paciente, e repito claramente, pelo doente e 1. por sinais
não pela doença. Porque, atualmente, muitos médicos ditos 2. por sintomas
homeopatas escolherão o remédio para a coqueluche, para 3. por acidentes
o reumatismo do joelho, para uma nevralgia facial e para
uma leucorréia, segundo os sintomas patológicos destas Ora, os tradutores de Hahnemann, dos quais o principal
afecções. Além disto, para se chegar à cura, eles serão qua- em francês foi Jourdan - e ele era alopata! - não compreen-
se sempre obrigados de prescrever vários, juntamente com deram a tradução que eu desenvolvo atualmente de uma
o que se chama pomposamente, hoje em dia, de catalisado- maneira clara, inteligível e sem nenhuma ambigúidade.
res e de drenadores. O médico hahnemanniano não conhece
isto. Ele procura o remédio que corresponde inicialmente
Qualquer afecção mórbida se manifesta:
aos sintomas não patognomônicos do seu caso, aos que cor-
respondem, em primeiro lugar, ao doente e às suas sensa-
1. Por sintomas objetivos como, por exemplo, escarros
ções particulares.
sanguinolentos, uma tosse mais ou menosfrequente,
Mas, como determinar estes sintomas preciosos?
uma temperatura elevada, pontos laterais dolorosos,
A escola alopática critica sempre a Homeopatia por
tudo isto patognomônico de uma pneumonia.
ser uma Medicina sintomática, isto no sentido alopático
2. Por sintomas subjetivos como, por exemplo, vertigem
41 Hoje pode-se dizer mais de 200 anos, pois 1796 é considerado como o ano do que impulsiona para trás com amaurose cortical e náu-
nascimento da Homeopatia (N.T.). seas, como no caso de determinados tumores cerebrais.
Como escolher o remédio 153
152 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT - A seleção medicamentosa na Homeopatia

3. Por sintomas acidentais (o causal, o fortuito, o ocasio- Segundo Hahnemann, os Stapf, os Duham, os Nash, os
nal) como as queimaduras, picadas de marimbondo, TE.Allen, os H.C.Allen, os Farrington, os Hughes, os Weirs,
fraturas, etc. (Organon 86). os Tyler, os Stauffer*2, para apenas citar alguns que vêm à
memória, escreve-se Matérias Médicas e Repertórios com uma
Como descobrir estes sintomas: paciência única e estas obras são um auxílio indispensável
para os homeopatas, fazendo-os ganhar um tempo precioso.
1. Pela descrição do doente, os sintomas que ele sente Como exemplo típico nesta pesquisa, evoco frequente-
individualmente. “mente a história do Dr. Charette, na ocasião um médico sem
2. Pelas observações e o exame do médico (dever-se-ia projeção, prático homeopata de Nantes, na França, muito
dizer os exames, pois compreendem o exame físico, o convencido do valor da Homeopatia. Um certo dia, ele vê
psíquico, exames de laboratório, raios X, etc.). chegar ao seu consultório um colega que se queixava de
3. Através do interrogatório dos pais ou dos que cuidam vertigens. Este médico havia experimentado de tudo nas úl-
do doente. timas semanas, havia passado por excelentes médicos
alopatas especialistas e não se curava. Era impossível para
A Homeopatia divide, então, sua tarefa em duas. De um ele ler e, sobretudo, ler durante muito tempo sem sentir ver-
lado, os sintomas da doença, os sintomas ditos patogno- tigens horríveis. Ele podia quase que somente ler os títulos
mônicos, e de outro os sintomas do doente, aqueles que ele dos jornais, mas assim que queria ler o artigo, era tomado
sente e que, frequentemente, não se pode observar, os cha- pela vertigem, e tudo rodava em torno de si e, se ele fechava
mados sintomas não patognomônicos e são estes os primei- os olhos, ainda ficava pior! O Dr. Charette, então principian-
ros que devem ser levados em consideração. Os primeiros te, mas muito convencido da Homeopatia, disse: “Caro co-
apenas serão considerados se hesitar-se entre dois ou vários lega, sei que este sintoma se encontra em algum lugar nas
remédios; neste caso, eles serão úteis para se dar preferên- nossas Matérias Médicas homeopáticas, que este sintoma
cia àquele que é conhecido por provocar os sintomas que o “vertigem ao ler”, já foi experimentado por indivíduos, mas
doente sente. não conheço o medicamento que provocou estas vertigens.
Como, então, escolher o remédio diante de uma anam- Entretanto, vou ler a Matéria Médica de Hahnemann que
nese detalhada, objetiva e subjetiva? Quais são, entre todos expõe os sintomas sentidos depois desta experimentação e
estes sintomas, aqueles que se deve selecionar? Temos a não cessarei enquanto não o encontrar, pois estou absoluta-
sorte de ter, depois de Hahnemann, o fundador da doutrina mente convencido que se um remédio pode provocar este
homeopática, numerosos discípulos, cujo saber e a expe- curioso sintoma, administrando-lhe este mesmo remédio em
riência são infinitamente benéficos. Houve e há no mundo doses mínimas, você deverá ficar curado.”
homeopático estrelas de primeira grandeza, faróis que ilu-
minam e fornecem o resultado precioso de suas ricas expe- 42 Mantive esta figura de linguagem do texto original, o plural dos nomes, pois o
riências, baseadas nos resultados, os quais pode-se aprovei- sentido é mostrar que são simples exemplos e poderiam ser muitos outros
tar amplamente. iguais aos citados pelo autor (N.T).
= pre

154 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como escolher o remédio 155
e do DR. PIERRE SCHMIDT — A seleção medicamentosa na Homeopatia

O médico, embora cético, respondeu. “Ficarei encanta- “Ele prescreveu Arnica na 30º dinamização, para tomar
do com isto pois, até o momento, tudo o que mefizeram nos pela manhã à noite, até o desaparecimento das vertigens.
ouvidos e todos os remédios que tomei não serviram para Após a segunda dose, a vertigem desapareceu como por
nada... nada mesmo!” encanto.
“Fique tranquilo”, respondeu-lhe Charette, “Sou muito Eu fiz, particularmente, muitas vezes, a experiência com
teimoso e, se for preciso, lerei toda a Matéria Médica Pura médicos que não conheciam o inglês, e tampouco o Reper-
de Hahnemann, que comporta três volumes, para procurar tório, dando-lhes um dicionário de inglês e o Repertório de
qual o remédio que provocou vertigens ao ler. Eles estão Kent, e todos encontraram o remédio em 10 ou 20 minutos,
dispostos em ordem alfabética, desde Aconitum até Zincum, no máximo, no item “Vertigem - ao ler”, e descobriram que
e encontrarei. Confie em mim!” O médico agradeceu ao co- existem vários remédios que possuem esta característica;
lega e, apesar de tudo, ainda cético, voltou para casa. porém, mais adiante, em “Vertigem — ao ler durante muito
Felizmente, Deus é generoso e o remédio estava no pri- tempo”, só há Arica. Para um homeopata que conhece o
meiro volume e ainda na letra A! Depois de sete horas de inglês e o Repertório de Kent, esta pesquisa levará exata-
leitura conscienciosa, ao final do volume, ele chegou em mente 12 segundos! Pode-se ver como se ganha tempo!
Arnica montana, onde estava escrito: “vertigem ao ler; ver- O colega ficou encantado e Charette mais ainda e, assim,
tigem ao ler durante muito tempo”. Logo no dia seguinte, a lei do semelhante foi mais uma vez demonstrada.
quando o colega veio se informar sobre o resultado das suas Graças ao bom Repertório e, é verdade que o de Kent é
pesquisas, ele foi acolhido com um grande sorriso. “Encon- atualmente o melhor, ganha-se, como se viu, um tempo con-
trei. É Arica.” siderável e se aprende sempre alguma coisa.
Porém, a Homeopatia tem ainda preciosos recursos. Todo
médico que pratica a Homeopatia sabe que Arnica é o remé- Depois de se fazer perguntas ao paciente, de se ter, dian-
dio dos traumatismos e quando ele é indicado, sempre se te de si, uma anamnese detalhada, quais são os sintomas
faz a pergunta: “Você nunca teve uma queda?”. Ele repetiu a que serão escolhidos para encontrar o remédio?
pergunta que havia feito bem no início, mas o colega nega- Hahnemann escreveu no seu Organon todo o procedi-
va ter tido acidentes ou quedas. Charette insistiu para saber mento a seguir para esta seleção. Seu famoso Organon -
em que momento ele havia sentido pela primeira vez as ver- que todo homeopata deve possuir, ler e meditar, por exem-
tigens. “Ah, sim, lembro-me agora, meu carro tinha quebra- plo, sobre dois ou três parágrafos ao se deitar, antes de dor-
do e eu havia justamente sido chamado para um caso ur- mir - comporta três partes:
gente na cidade vizinha. Telefonei a um táxi e pedi que fosse - A primeira, do 81 ao 8104, expõe como interrogar um
rápido. Saindo da cidade, de repente, ele passou sobre um doente para poder determinar os sintomas que serão
desnivelamento e fui projetado ao teto do carro; meucha- úteis na prescrição do remédio curador; é a pesquisa
péu ficou esmagado e senti uma dor e um abalo no vértex, dos critérios mórbidos.
que felizmente passou... porém, é verdade, foi depois deste - A segunda parte, do 8101 ao 8145, desenvolve a expe-
momento que minhas vertigens começaram”. rimentação no homem (são provings) e, depois, como
156 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como escolher o remédio 157
mm do DR. PIERRE SCHMIDT — À seleção medicamentosa na Homeopatia

conhecer os instrumentos de cura, isto é, os remédios água, do sol, da umidade, do frio, do calor, da roupa,
e como prepará-los. “da posição, das lateralidades, do movimento e do re-
- A terceira parte, finalmente, do 8146 ao 8291, trata da pouso, das periodicidades, da alimentação no que diz
aplicação clínica no paciente dos remédios testados respeito às pioras, etc.
na experimentação no homem são. 3. Os desejos e, sobretudo, as aversões alimentares.
4. O sono e os sonhos. o
Nunca repetirei o suficiente como é importante ler, todas 5. Tudo que se relaciona com a sexualidade.
as noites, um ou dois parágrafos antes de dormir; fica-se
surpreso com tudo que se aprende para benefício próprio e Resumindo, os sintomas do próprio homem, do homem
dos doentes. Kent foi, é verdade, o mais notável aluno de vivo e não da casa onde ele mora, de tudo o que se pode
Hahnemann, o que melhor soube penetrar em sua mente. observar “fora do caixão”.
Depois de ter meditado profundamente sobre sua obra, ele Se as prescrições forem baseadas nestes cinco conceitos,
se esforçou para guardar tudo o que era construtivo e posi- pode-se ficar certo de que obterá um resultado satisfatório.
tivo, não perdendo tempo naquilo que podia ser negativo,
discutível ou sujeito a controvérsias. A obra de Hahnemann Há um ditado francês que diz: “Demais e muito pouco
pareceu-lhe revolucionária, rica, preciosa demais, uma ver- estragam as brincadeiras”*. De fato, em uma anamnese,
dadeira mina de ouro para ser explorada, uma descoberta . pode-se conseguir sintomas demais ou muito poucos.
sensacional e de valor excepcional pois, não podemos es- Deve-se examinar estas duas possibilidades, pois elas
quecer que se Kent era um excelente professor não era um não são raras, infelizmente!
teórico, mas um homem que tinha realmente o dom de des- Sintomas demais: fica-se diante de uma “floresta de sin-
cobrir os sintomas reveladores e úteis na confusão sintomá- tomas”, na confusão, e não se reconhece mais as árvores,
tica complicada. Ele foi um notável terapeuta com resulta- isto porquese quer ser muito consciencioso, anotando tudo
dos sensacionais, não apenas na sua atividade prática o que uma doente muito falante diz ou quase: as descri-
privada, mas também nos ambulatórios onde todos os seus ções do doente com seus inúmeros papeizinhos que estão
alunos podiam julgar diretamente seus conhecimentos e o repletos de detalhes, a tal ponto que não se sabe por onde
resultado de suas prescrições, cujas curas eram relatadas começar.
pelos pacientes curados. É nestas observações que se consegue sintomas como
estes, por exemplo:
Kent recomenda basear a prescrição na classificação em - Insônia
cinco grupos que se tornaram clássicos na Homeopatia: - Depressão
- Fadiga
1. Os sintomas mentais, contanto que sejam característicos.
2. Os sintomas gerais, isto é, aqueles relacionados ao 43 Trop et trop peu gâtent tous les jeux. Aqui a frase em francês que é rimada
doente, seu meio, as influências meteorológicas, as da (NT).
ampeme

158 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Como escolher o remédio 159
do DR. PIERRE SCHMIDT — À seleção medicamentosa na Homeopatia

Constipação Elevação de febre à noite


Dor de cabeça Transpirações abundantes
Vertigem Eczema e coceiras
Os olhos que ardem — Verrugas
Zumbidos nos ouvidos E muitos outros!
Leve surdez
Predisposição às corizas Esta longa lista é para que se aprenda que são todos, sim
As epistaxes “todos, sintomas para que um homeopata coloque no lixo
As aftas imediatamente. Nada se pode fazer com eles. Eles não ser-
A língua suja vem para nada pois há, pelo menos, 100 remédios ou mais
Salivação que os produzem. Eles não possuem nenhuma característi-
Dores de dente ca. Não se pode fazer nada com eles, nem nada obter. Tê-los
Dores de garganta ao engolir anotados é tempo perdido. É o mesmo que dizer para ir à
Garganta seca estação de trem buscar uma prima que não se vê há 20 anos
Regurgitações frequentes e será reconhecida por estar vestida de cinza, usando um
Dores de barriga chapéu, com belos olhos pretos, corpulência média, cabelos
Náuseas castanhos e sapatos pretos! Como se pode reconhecê-la en-
Desejos freqientes de urinar tre a multidão que desce do trem?
No jovem, as ejaculações noturnas Porém,se for dito que ela usa um chapéu verde, com um
Na mulher, os corrimentos brancos, regras abundan- cachecol vermelho, que é estrábica, manca e anda com uma
tes, frequentes demais, dolorosas bengala, usa uma roupa amarela com um casaquinho bran-
A voz rapidamente rouca co, pode-se facilmente encontrá-la. Tudo está aí, tudo está
A dispnéia em geral nas nuances, nas características, no que choca e parece não
Umatosse fregiente habitual, pouco comum, o que é estranho, característico,
Escarros mucosos singular, esquisito, como Hahnemann descreveu muito bem
Palpitações no parágrafo 153 do Organon, onde diz explicitamente:
Dores lombares
Rigidez cervical “.. Deve-se, sobretudo, e quase que exclusivamente, na
Tendência à dor ciática procura do remédio homeopático específico, ater-se aos
Rigidez nos membros sintomas objetivos e subjetivos característicos: os mais
Inchaço nos pés marcantes, os mais originais, os mais inusitados e os
Tremores nas mãos mais pessoais... Ao contrário, os sintomas comuns e
Sonhos pavorosos vagos, como os que acabo de citar, merecem pouca aten-
Arrepios que às vezes o abalam ção, seja por causa da sua característica banal e impre-
Como escolher o remédio 161
160 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT — À seleção medicamentosa na Homeopatia

cisa, seja porque os encontramos em quase todas as Nenhum sintoma possui valor isolado e de uma maneira
doenças e em quase todos os medicamentos.” genérica. Deve-se procurar sempre, a respeito de cada um
deles, sua característica, suas modalidades, isto é, tudo o
É como um trecho de música, sem forte, sem pianíssimo, que os piora, tudo o que os melhora, em que ocasião, em
sem nuances. O que faz a força de um bom caricaturista é o que posição, em que hora ocorrem? E não deve-se esquecer
poder de desenhar com apenas alguns traços as característi- o que Kent chama de concomitâncias, isto é, tudo o que os
cas de alguém. acompanha, de que se possa compreender a razão ou não;
Todos estes sintomas, em geral, adquirem um relevo, por exemplo, uma coceira nas costas ao se deitar, ou aose
tornam-se interessantes logo que é colorido porque aí são desnudar, que corresponderá a Sulphur. Ou uma transpira-
incluídas as modalidades. É como o pintor que coloca um ção à noite, somente nas partes descobertas, como em
pouquinho de branco no bordo de uma árvore, como se o Pulsatilla e Thuya, ou necessidade de beber, porém só tendo
sol o clareasse de lado, e eis que a árvore se torna viva, sede quando se quer urinar, como Causticum, por exemplo.
adquire uma característica. Cefaléias depois de epistaxe, como com Borax. Neste caso,
Insônia, por exemplo, é um sintoma banal, qualquer, trata-se de um concomitante e não de uma modalidade.
inútil, e torna-se importante quando se sabe que ocorre às 4 “Para chocar a doença, veja o que choca sua imagina-
horas da manhã, permitindo que se pense em Muriatic ção”, já dizia o professor Joannon.
acidum e, sobretudo, em Sulphur, que possui esta modali-
dade de maneira marcada. Existem, no entanto, doenças que só se exprimem atra-
Se alguém sonha sempre com a morte, há 42 remédios vés de um ou dois sintomas, ou cujo estudo do caso não
que possuem esta característica, mas se for sabido que o fornece nenhum detalhe, não restando nada para se pres-
paciente só tem os sonhos de morte quando deitado do crever. É o que se chama de doenças defectivas.
lado esquerdo, sabe-se que apenas Thuya possui esta ca-
racterística. Hahnemann desenvolveu esta questão do 8172 ao 8184
A sede é um sintoma banal, sem nenhum valor como do Organon. Cabe aos médicos interrogar, fazer perguntas
tal, mas se for sabido que o paciente tem sede diariamente sempre observando as orientações de Kent, que são formais,
às 14 horas, saber-se-á que é em Pulsatilla que se deve pen- pois ele só repetiu o que havia apreendido dos ensinamen-
sar. Embora seja um remédio que tem a reputação de não tos de Hahnemann,a saber:
apresentar sede, é verdade, é estranho então só ter sede às
14 horas. Eis o que faz a riqueza da Matéria Médica experi- a) Que as perguntas nunca possam ser respondidas por
mentada não em cobaias, rãs ou camundongos, que não um sim ou por um não. Por exemplo:
podem indicar muito destas modalidades, mas experimen-
tada no homem são e que permite aos indivíduos dizer cla- 1. Você tem sede?
ramente quandoe, principalmente, como eles sentem tal ou 2. Você gosta de queijo?
qual sintoma. 3. Você fica cansado principalmente à noite?
162 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
Comoescolher o remédio 163
e do DR.PIERRE SCHMIDT
— À seleção medicamentosa na Homeopatia

Estas são perguntas muito ruins, que deveriam ser for- O doente responde mal porque no fundo, já lhe é
muladas desta maneira:
fornecida uma resposta. Deve-se dizer:

1. Qual é o estado da sua sede? Ou: quando você tem 1. Há pessoas que têm medo de ladrões. E deve-se
sede?
observá-lo bem enquanto ele responde.
2.O que você pensa dos queijos?
2. Que efeito tem sobre você uma torneira aberta com
3. A que horas você se sente particularmente cansado?
água saindo?
3. Há doentes que são friorentos e que, entretanto, te-
O doente deve responder algo, nestes casos.
mem o calor. Como você é?

b) Deve-se evitar as perguntas de opção, que obrigam o


A maneira como o doente responde, sobretudo quando
doente a escolher. Por exemplo:
não hesita, permite que se anote o que se chama de bom
sintoma.
1. Você prefere as coisas doces ou salgadas?
Nas doenças defectivas, deve-se destacar que quase sem-
2. Você é otimista ou pessimista?
pre não é a doença que é defectiva. No entanto, muito fre-
3. Você prefere o mar ou a montanha?
quentemente, é o médico que não conhece, ou conhece mal,
a arte de interrogar. Se ele conhecesse o Repertório de Kent,
O doente escolherá uma opção, sem que sua resposta ele teria inúmeras perguntas para fazer.
seja característica, apenas para se desembaraçar da pergun- Além disto, nada o impede, mesmo durante a consulta,
ta. Deve-se perguntar, observando-se bem os traços do ros- de folhear seu Repertório para ver qual modalidade poderia
to, que imediatamente concordam ou discordam.
dar ao doente como exemplo a respeito de um órgão ou uma
doença.
1. Há pessoas que procuram coisas doces outras salgadas. Estas são as considerações correspondentes à maneira
2. Como você suporta os acontecimentos difíceis, os obs- de interrogar um doente e pesquisar os sintomas úteis para
táculos, as penas ou as grandes alegrias? uma prescrição eficaz.
3. Como se sente no mar, na montanha?

Deve-se evitar insinuar a resposta e deixar o paciente


sempre em plena liberdade para responder. Por exemplo:

1. Não é verdade que você tem medo de ladrões?


2. Você sente, acho, uma necessidade de urinar quando
ouve a torneira correr.
3. Suponho que você sempre procure o calor.
VI
ESCOLHA DA DINAMIZAÇÃO
Escolha da dinamização 167

| rimeiramente, estabelece-se um duplo diagnóstico,


considerando-se todos os recursos possíveis das últimas des-
cobertas da Medicina:

I. O diagnóstico da doença, com os sintomas


patognomônicos:
Com exame clínico geral dos órgãos dos sentidos pelos
especialistas, se necessário, e exames de laboratório e raios
X para se determinar: .
a) O que pertence à própria doença.
bJO que pertence aos erros de regime, ou às violações
das regras de higiene elementares, comportamento,
moradia, Vestuário, limpeza, relações sociais e regime
e que pode ser corrigido sem remédio comoas intoxi-
cações pelo álcool, tabaco, drogas, tranquilizantes,
soníferos, sedativos, fortificantes, etc.

Isto tudo visa afastar as causas subjetivas, como fizeram to-


dos os bons naturistas como Carton, Bircher, Guelpa e outros.

I. O diagnóstico do doente, com os sintomas não


patognomônicos.
Verifica-se os sintomas que não são encontrados na
doença incriminada, que parecem estranhos, curiosos, ra-
ros, singulares e esquisitos como, por exemplo:
168 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Escolha da dinamização 169
meme do DR. PIERRE SCHMIDT

—-— Não ter sede com 40º C de febre, como se vê nas expe- Esta é uma questão de experiência. É preciso quese sai-
rimentações de Apis, China officinalis, Pulsatilla ba que um hahnemanniano é omnidiluicionista. Ele está
nigricans, por exemplo, em tintura mãe. pronto para prescrever desde a tintura-mãe até as mais altas
- Descobrir-se durante o calafrio ou quando se tem frio, dinamizações: M, XM, CM, DM, MM!
como acontece com Camphora officinalis ou Secale Hahnemann modificou, com bastante frequência, sua
cornutum. escala de dinamizações durante sua vida, assim como O
- Melhorar com o movimento ou com a marcha em número de agitações que se deveria fazer no decurso das
um reumatismo ou ciática, manifestação caracterís- “preparações destas diluições. Ele tentou agitá-las 2 vezes,
tica conhecida de Ferrum metallicum e de Rhus depois 10 vezes, 100 vezes e muito mais. Ele terminou por
toxicodendron. parar em 10. Criou as dinamizações centesimais da 1º à 30º
— Ter o membro paralisado mais quente do que o mem- CH, que escrevia da seguinte maneira:
bro são, sintoma provocado por Alumina e Phosphorus.
— Aliviar-se ao comer em uma intensa angina, como se O
vê em Lachesis trigonocephalus, por exemplo. VI
- Melhorar quando se está constipado, uma sintomato-
logia esquisita de Calcarea e Psorinum. isto é, O = 1 glóbulo e VI = 6º grau de potência.
— Melhorar ao ingerir gelo ou líquidos muito frios quan-
do se está com dor de dente (Natrum muriaticum, Sepia Um dos seus compatriotas, o Dr. Assmann, de Dresden,
succus, etc.). em 1931 realizou uma conferência de grande repercussão
- Sentir gosto de sabão na boca, sintoma produzido por em Genebra, no congresso da Liga Homeopática Internacio-
Solanum dulcamara. nal, onde forneceu todas as correspondências das dinami-
— Apresentar diarréia cada vez que toma banho, sinto- zações homeopáticas para que ficassem claras de uma vez
ma provocado, e consequentemente curado, por Podo- por todas. Esta escala é encontrada no volume do Congresso
phyllum peltatum, etc. de Genebra, em 1931, escrita em francês.
Em relação à preparação de pequenas doses, Hahnemann.
Estes são sintomas que parecem contrários ao bom sen- insistiu bastante no seu Organon, no $269d, sobre a diferen-
so, que chamam a atenção, que fazem pensar e que são ça essencial e fundamental que se deve estabelecer entre
realmente característicos em certos doentes. Sintomas que a uma diluição, como se chama erradamente em todo o mun-
Alopatia não leva em consideração e pelos quais trata os do, e sobretudo na França, e uma dinamização. Eis o que
doentes de histéricos ou que trata sintomaticamente com ele escreveu a este respeito:
drogas supressivas, que acrescentam ainda novos distúrbios “Não ouvimos ainda todos os dias chamar as dinamiza-
ao capital mórbido do doente. ções homeopáticas simplesmente pelo nome de diluições,
Uma vez que se conhece o remédio que se deve dar, sob como se tratasse de uma coisa diminuída, enquanto que é
qual dinamização deve-se, então, administrá-lo? precisamente o contrário? Na realidade, elas constituem uma
170 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Escolha da dinamização . 171
>>>——--— do DR. PIERRE SCHMIDT

verdadeira expansão energética da matéria, uma eclosão e Porém, então, o que conteria uma solução 30 CH, prepa-
uma revelação de forças medicamentosas específicas laten- rada com 30 frascos sucessivos, onde em cada um é coloca-
tes e ocultas na sua essência íntima, desenvolvidas através da uma gota da dinamização precedente para 99 gotas de
de triturações e sucussões. O excipiente não medicamento- álcool a 90º e agitada 10 vezes em cada passagem? E as
so utilizado, desprovido de qualquer ação terapêutica, exer- altas e altíssimas dinamizações, chamadas Korsakov, isto é,
ce, entretanto, um papel indispensável, embora acessório. . preparadas em um mesmo frasco e que são dinamizadas
Uma simples diluição, como por exemplo a obtida pela com máquinas que as agitam 10 vezes a cada passagem, da
dissolução de 5cg de sal de cozinha, torna-se, progredindo- -30 CH, feita manualmente até a 10002, feita com um
se na atenuação, cada vez menos concentrada,quase apro- dinamizador que agita vigorosamente a substância a ser di-
ximando-se da água comum. Chega um ponto em que o namizada, em 10 vezes a cada passagem? Depois da 10002,
cloreto de sódio não é mais detectável. Uma tal diluição se então, procede-se por fluxão.
torna cada vez mais inativa e nunca se tornará, assim, um Estabeleci um dinamizador onde o líquido empregado é
medicamento homeopático. Ao contrário, este mesmo sal, a água destilada levemente alcoolizada. Ele passa por tubos
dinamizado de uma maneira judiciosa, secundum arten*, inoxidáveis de 5 mm de diâmetro que contêm cinco voltas
pode se tornar um remédio notável e adquirir um grau de de espirais, ao final das quais o líquido se transforma, as-
potência terapêutica surpreendente”. sim, em uma veia líquida que é torcida e que, bruscamente,
na ponta, passa de 5 mm para um tubo capilar, o que faz
“Preparar um medicamento não é diminuí-lo”, diz o Dr.
com que, ao se colocar o dedo na saída deste fio líquido,
Peschier, de Genebra, já em 1868. “É desenvolver suas for-
tenha-se a impressão de estar sendo picado por agulhas, tão
ças latentes, é dinamizar: é pegar a idéia de matéria.”
fino e rápido é
Eu mencionei que a escolha da dinamização é uma ques- Quanto à farmacopraxia homeopática, todos os detalhes
tão de experiência. É claro que todos os homeopatas, sejam são encontrados no Organon, do qual aconselho a leitura
eles quem forem, começaram pelas baixas dinamizações e, atenta do 8123, e depois do 8264 até o 8272. Hahnemann
timidamente, e sem grande convicção, subiram os escalões neles expõe, com uma precisão e minúcia notáveis, a ma-
desde a tintura-mãe até a 12 CH, dinamização esta que é neira como devem ser preparados os remédios homeopáti-
considerada já superior aos limites do número de Avogadro, cos. Deve ser relido com a maior das atenções.
pois após a dinamização 9 CH, não haveria, segundo os quí-
micos e matemáticos, mais traços de matéria nestas prepa- Os homeopatas dividem-se em alto-diluicionistas e bai-
rações*. Alguns foram até o limite utilizado muito tempo xo-diluicionistas. Os alto diluicionistas utilizam as dinami-
depois de Hahnemann, a dinamização 30 CH. zações que vão desde a 9 CH até a 1000, ou mais, e são, em
geral, considerados como “iluminados” e médicos não mui-
44 Em latim no original: segundo a arte (N.T). to sérios, pois o que eles dão aos pacientes não contém mais
45 Há nos estudos que a dinamização 12 CH é considerada como a limite e não a nada do que era o medicamento inicial. Os baixo-dilui-
9 CH, como diz o autor (N.T). cionistas utilizam as dinamizações que vão desde a tintura-
Escolha da dinamização 173
172 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

mãe até a 6 CH, a rigor, e mesmo até a 9 CH. Estes são antes de tudo. E esta lei é tão verdadeira e tão admirável que
chamados “científicos” pois pode-se provar que em seus re- se deve constatar, pela experiência, que não há de fato limite
médios ainda haja algo de material, segundo a cor, odor ou na diminuição da concentração das preparações homeopáti-
certas reações químicas ou físicas. Não se pode esquecer cas quando os sintomas do doente correspondem, verdadei-
que, contrariamente ao que se acredita, Kent e seus alunos ramente, aos da patogenesia sentida pelo homem são.
não eram exclusivamente alto-diluicionistas; eram, na reali- É claro que os baixo-diluicionistas repetem os mesmos
dade, omni-diluicionistas, pois davam medicamentos desde argumentos dos alopatas em relação aos homeopatas. Como
a tintura-mãe até as mais altas diluições! Porém, suas lon- -se quer que a preparação aja se absorve-se, na alimentação
gas experiências, e sobretudo seus resultados, fizeram com diária e na água que se bebe, tantas substâncias minerais
que preferissem as diluições muito altas, com suas numero- em pequenas doses?
sas vantagens. Devo repetir que não se trata de uma discussão acadêmi-
Esta questão das altas dinamizações não é uma questão ca e sim de uma questão de experiência. Cito o caso, como
acadêmica, decidida teoricamente. Pode-se dizer que os bai- exemplo, de um magnífico cão pastor alemão, de 11 anos. O
xo-diluicionistas estão para os alto-diluicionistas assim animal foi tratado durante mais de dois meses por um exce-
como os alopatas estão para os homeopatas. lente veterinário francês, com todo o arsenal antiinfeccioso
Os alopatas dizem que a Homeopatia é uma brincadeira mais moderno e as sulfamidas mais recentes, mas os antibi-
e que suas teorias e práticas são absurdas e fantasmagóricas. óticos mais ativos não conseguiram controlar uma metrite
Eles criticam um método que não conhecem e que não ex- séptica, com peritonite supurada. Via-se o pus escorregar à
perimentaram. Sua atitude é absolutamente anticientífica e pressão dos mamilos do pobre animal, que produzia cerca
culpável. de 1 litro de pus todos os dias, há várias semanas. O animal
Da mesma forma, os baixo-diluicionistas zombam dos era, no entanto, bem cuidado e limpo a cada 2 horas por sua
alto-diluicionistas e dizem não ser possível obter resultados dona, e só queria dormir no quarto dos donos. O seu focinho
com água e açúcar, pois após o número de Avogadro, que se estava todo seco e o animal adinâmico podia apenas se me-
situa na 92 CH, não há mais matéria detectável, e nem molé- xer, recusando a alimentação e jazendo no dormitório em um
culas ativas nestas preparações! Ora, isto é teoria! Os baixo- estado lamentável. Depois de cerca de 30 dias de tratamento
diluicionistas jamais experimentaram as altas dinamizações intenso, o veterinário propôs sacrificá-lo, estimando ter atin-
e, sobretudo, não possuem a competência de um colega que gido as doses máximas de remédio e, não podendo fazer mais
as utiliza e as emprega com sucesso. Neste caso, é uma ques- nada, alegou ser inumano deixar o animal sofrer!
tão de honestidade, de consciência e de competência. Ora, um dia, a dona do animal, que era minha paciente,
E que não se venhadizer que estas altas dinamizações são foi à sua consulta habitual mensal chorando por causa de
úteis talvez nos resfriados, e que sozinhas curam, além disto, seu cão, que queria ver morrer de morte natural, pois se
as enxaquecas ou outras doenças que se atenuam porsi só! recusava a sacrificá-lo.
Deve-se lembrar bem que a base da prescrição para um Perguntei: “Mas por que a senhora não a trata com um
homeopata não é a dose, mas o princípio da semelhança, homeopata?”. “Ah, doutor, não brinque comigo. O que se
Escolha da dinamização 175
174 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
————————— do DR. PIERRE SCHMIDT

pode fazer para este animal, que está em um estado séptico- não possa mais ser suficiente para produzir uma me-
piêmico tão grave, como diz o veterinário? O que o senhor lhora sensível na doença à qual ele corresponde.”
quer fazer com pequenos glóbulos?”. “Bem, madame, dê a
E no 8279:
ele a medicação que vou preparar e veremos.”
Dei-lhe, inicialmente, Staphylococcinum XM CH, pela
“.. A dose nunca poderá, então, ser:
manhã, à tarde e à noite. Em seguida, dois dias depois, acres-
centei Hepar XM por causa do pus que cheirava a queijo
velho, e também pela supuração. Enfim, diante da abun-
1. Bastante exígua, para que sua ação farmacodinâmica
dância da infecção, passei, dois dias depois, para Medorrhi- não ultrapasse a ação patológica da doença natural;
num XM - 2 doses. Desde a primeira dose, o pus diminuiu
2. Bastante fraca, para não ser capaz de subjulgá-la, pelo
menos parcialmente;
em 80%, o odor desapareceu aos poucos e, 8 dias depois, O
animal estava curado, correndo, comendo e dormindo como 3. Bastante reduzida, para não extinguir já uma parte da
quando estava em perfeita saúde! influência da doença sobre o princípio vital;
Todas as dinamizações foram dadas na XM. Sim, na XM! 4. Bastante sucinta, para não poder dar início à cura.”
É muito bonito rir e zombar das altas dinamizações, de di-
zer, sorrindo, que 10000 é mágica! Como, então, de um es-
Recomendo ler, reler. e meditar sobre as afirmações de
tado tão grave, o animal voltou a ser normal e passou do Hahnemann, que encontram neste exemplo uma confirma-
ção brilhante.
estado séptico-piêmico mais grave para a saúde? Os homeo-
Já há seis meses o cão está perfeitamente curado de um
patas materialistas também ficaram confusos! Bem, foi atra-
estado séptico, que a materialista Alopatia, com suas drogas
vés da admirável lei dos semelhantes de Hahnemann, des-
heróicas, não havia conseguido curar, e o pior, a doença
crita no 8160:
piorava a cada dia, e o veterinário havia perdido completa-
mente a esperança de salvá-lo.
“Quando um remédio é realmente escolhido segundo
os princípios homeopáticos, é quase impossível torná- Que argumento pode ser usado com o veterinário alopata
lo negativo pela diminuição cada vez maior da sua e com os homeopatas baixo-diluicionistas?
Duvido muito que a 32 CH ou 6º CH pudesse ter feito
dose. A maior dinamização não o impede de melhorar,
de ultrapassar e aniquilar a doença natural, que lhe é algo em uma situação comoesta. Esta cura demonstra qua-
análoga, e de fornecer uma cura perfeita.” tro postulados indiscutíveis:
1. Que a Homeopatia pode operar curas onde a Alopatia
E no 8 249:
é impotente, apesar de todo o arsenal moderno, tão
potente quanto tóxico.
“A experiência prova que é quase impossível atenuar 2. Que a Homeopatia é capaz de destruir micróbios e
suficientemente a dose de um remédio já altamente di- anular vírus infecciosos graças à lei dos semelhantes,
namizado e perfeitamente homeopático, para que ele descoberta por Hahnemann.
mm

176 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Escolha da dinamização 177


do DR. PIERRE SCHMIDT

3. Que a Homeopatia, com suas doses mínimas infinite- prios olhos daqueles que os constatam, honestamente se é
simais, opera através da noção de qualidade e não de obrigado a admitir os quatro postulados citados mais acima.
quantidade, lembrando o adágio: “Die milde Machtist Desarmados, porém jamais convencidos, os céticos dirão:
gross.”46 “coincidência, coincidência!. Seriam necessários mil casos
4. Que a cura de um estado infeccioso extremamente gra- semelhantes, dez mil, cem mil ou mais, para nos persuadir
ve, mesmo aparentemente mortal, pode ocorrer, como e nos levar a reconhecer a verdade de tais fatos!”. Porém,
escreveu Hahnemann na nota do primeiro parágrafo como diria Brunett: “Para mim, a convicção está estabeleci-
do Organon: “Cito jucunde et celeriter. 247 da, o resultado está aí e me basta.”
Isto tudo foi dito para demonstrar que as altas dinamiza-
Emil Schlegel aplaudiria e se contentaria com tal resulta- ções possuem um valor inestimável e que as fracas doses
do. Pergunto-me o que pensariam e o que diriam os Wapler, nunca perdem seu valor terapêutico se forem colocadas ao
os Leeser, os Donner e os Spiegele, pois estes são fatos reais abrigo dos odores e manipuladas com cuidado. Possuo altas
e não são isolados. A Homeopatia sozinha e com altas dina- dinamizações do tempo de Hahnemann com Jenichen, por
mizações, criteriosamente escolhidas, curou e transformou exemplo, e do século passado por Fincke, Swan, Allen e Kent
em pouco tempo um estado moribundo em saúde florescen- e que continuam sendo ativas e fiéis.
te, pois esta cura se mantém e aquele animal está muito Numerosos médicos como Nash, Kent, Carleton, Erastus
bem já há seis meses. Case, Gladwin, Sherwood, Cunningham, Fincke, Majumbar,
Tive um caso semelhante, depois de uma apendicite per- Gibson Miller, Sra. Tyler, Dr. Sir John Weir, de Londres, e
furada, septicemia e peritonite generalizadas, em uma crian- muitos outros, publicaram curas feitas unicamente com al-
ça de dez anos, completamente desidratada e acamada, hos- tas dinamizações.
pitalizada e operada na clínica universitária cirúrgica do Voltemos às chamadas dinamizações.
hospital cantonal de Genebra. A criança, Os pais, e mesmo o Hahnemann, fundador da doutrina homeopática, come-
professor não souberam quem havia curado e quem havia çou, é claro, pelas tinturas-mãe, remédios em substância,
salvado este caso, quejá foi mencionado em outra ocasião, materiais e analisáveis, e depois começou a atenuar a con-
com Arnica 10.000, 1 dose. Sim, uma dose, uma única dose! centração através de triturações e de diluições, observando
Em seguida, Pyrogenium 10.000, 1 dose! Uma única dose, que embora divididas cada vez mais, estas substâncias ain-
igualmente. Porém, para eliminar qualquer influência psí- da agiam.
quica auto-sugestiva, direta ou indireta, escolhi um animal Durante sua longa vida, (ele viveu até os 88 anos), e
para ilustrar o exemplo, para convencer melhor os céticos. para sua época excepcional, revolucionário e contra todos
Diante de resultados assim estrondosos, patentes, evi- os hábitos e tradições, ele subiu até a 30º CH utilizando 30
dentes, manifestos e inegáveis, cometidos diante dos pró- frascos de 10 g contendo, cada um, 100 gotas de álcool fino,
no qual era colocado, no primeiro frasco, uma gota da tintu-
(N.T). ra vegetal ou 5 cg da substância química, ou da terceira
46 Em alemão, no original, significando: “O suave poder é grande”
47 Em latim no original. trituração preparada das substâncias insolúveis e diluindo,
1478 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Escolha da dinamização 179
do DR. PIERRE SCHMIDT

em cada passagem, a substância ativa na proporção de 1%. materialistas, que diziam que isto era impossível. Durante
Porém, no fim da sua vida, começaram algumas polêmicas um certoperíodo, entre estes alto-diluicionistas, como eram
entre seus alunos, alguns achando que não se devia, em chamados, dizia-se que era preciso dar, em um caso em que
nenhum caso, ir além da 302. Outros, e entre seus melhores o conjunto sintomático estava bem selecionado, uma dose
discípulos, Hering, Gross e outros que experimentaram di- da mais alta dinamização que era possível se obter; foi o
namizações até 1000, 1500, 2000, e maiores, com alegria e que fez, neste caso, Nebel, durante um certo tempo, com as
surpresa observaram os sucessos. CM e as DM logo de início e isto, deve-se dizer, com exce-
Para evitar o abuso e as polêmicas entre seus alunos, lentes resultados.
Hahnemann, embora reconhecendo a eficiência destas Kent, que possuía um espírito sistemático e era um pes-
altíssimas dinamizações, fixou-se na 30º CH. quisador, fez o sacrifício, depois de numerosas experimen-
Porém, como era um pesquisador e experimentador, ha- tações, de descobrir uma lei, ou pelo menos uma escala
via notado dois aspectos interessantes: metódica de dinamizações, e foi depois de muitos testes,
durante vários anos, que ele estabeleceu sua escala, que
1. Com vários medicamentos obtinha-se resultados que chamei Escala de Kent. A separação observada, confirmada
pareciam ótimos em certas dinamizações, e esta é a por todos seus discípulos, fornece os resultados máximos:
razão pela qual na Matéria Médica Pura ele indica 3º,
62, 122 e 302 dinamizações como as que dão melho- 30
res resultados. 200
1.000 10.000.5 000
2. Ele observou, igualmente, que geralmente à 2º, 42 e 100.000
72 havia uma ação que se poderia chamar “plana”, ou 500.000, 900.000
seja, diminuída, reduzida, enfraquecida, e que certas
separações de dinamizações deveriam ser observadas.
É por isto, aliás, que em sua farmácia pessoal, ele só que se escreve também: 30, 200, M, XM, LM, CM, DM e MM
mantinha as seguintes dinamizações:1 -3 -6-9- 12 ou ainda 30, CC, Im, 10m, 50m, 500m, Imm indicadas na
- 24 e 30. literatura americana.
Kent considerava, baseado em sua larga experiência,
Desde a morte de Hahnemann, é claro, numerosos pes- que, para começar, as 30 CH eram excelentes preparações,
quisadores continuaram a experimentar e subiram a alturas que não provocavam pioras manifestas, ou quase nada, e
inacreditáveis; eu mesmo possuo uma dinamização à considerava as dinamizações à 200? como baixas, excelen-
13MM? de Psorinum, de Kent. tes para começar. Ele as reservava, mais particularmente,
Em uma determinada época, Fincke, Allen, Swan e ou- para os casos agudos ou crônicos que apresentavam sinto-
tros, haviam se conseguido estabelecer altíssimas dinamiza- mas objetivos ou orgânicos já adiantados. Para os casos crô-
ções, as quais, assim mesmo, davam sempre excelentes re- nicos, ele recomendava, principalmente, M ou XM e depois
sultados, embora muito criticadas por certos pensamentos aconselhava aumentar progressivamente, após um lapso de
somemsom

181
180 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Escolha da dinamização
do DR. PIERRE SCHMIDT

tempo que sua experiência permitiu fixar definitivamente “Qualquer melhora que surge francamente e progride
depois de muitos anos. claramente, é um estado que, enquanto durar, impede
Kent tinha o costume, baseado nas suas numerosas ob- formalmente a repetição de um medicamento qualquer,
servações clínicas, de dar uma dose única e esperar, por porque aquele que o doente usou continua ainda a pro-
uma ou várias semanas, para que houvesse tempo de de- duzir todo o bem que dele pode resultar. Isto não é raro
senvolver toda a sua ação no organismo vivo. Isto é somen- nas doenças agudas.”
te uma questão de experiência mas, é claro, sempre respei-
tando a regra enunciada por Hahnemann que enquanto o E digo que também nas doenças crônicas pouco evoluí-
doente continua a melhorar após a dose administrada, não das. Esta questão de farmacopolaxia“, como eu chamei, foi
se deve intervir, deixando-se o remédio agir sem interferir, modificada por Hahnemannno fim da sua vida, quando ele
como quando joga-se uma pedra em um lago e se quer ob- preconizou a repetição contínua, frequentemente diária,
servar as ondas produzidas, até que atinjam o bordo do lago. apesar das reações favoráveis observadas. Eu e muitos ou-
Desta forma, evita-se as interferências e assiste-se, se for- tros homeopatas puros aplicamos este método durante um
mos bom observadores, uma melhora que progride até a certo tempo, esperando obter resultados melhores e, sobre-
cura imediata ou longínqua. tudo, mais rápidos nas doenças crônicas. Isto, porém, sem
Kent, depois de muitos anos, estabeleceu a duração mé- falar da dificuldade de utilizar este método na prática e sua
dia de ação de suas altas dinamizações e, consequentemen- técnica de aplicação que é difícil para os doentes, que agi-
te, o período a ser respeitado antes da repetição, isto é: tam a preparação irregularmente, demais ou insuficiente-
mente, que diluem mal e de uma maneira fantasista, que
Para uma 200º: de 3 a 4 semanas repetem em intervalos irregulares, etc., e, sobretudo, com-
Para uma Mº: 4 semanas, no mínimo parando com os excelentes resultados obtidos pelo método
Para uma XMº: 5 semanas de Kent. Por tudo isto, eu afirmo, é um método de exceção
Para uma 50Mº: 50 dias notável somente em certos casos muito especiais, mas real-
Para uma CMº: 3 meses mente de raro uso entre os experimentados. Se Hahnemann
Para uma DMº:: 6 meses tivesse conhecido Kent, que é realmente um prolongamento
Para uma MMº: 1 ano de Hahnemann, se assim se pode dizer, ele teria, sem dúvi-
da nenhuma, adotado sua opinião, pois ela respeita absolu-
Estas são cifras aproximadas, é claro, mas todos os seus tamente os princípios essenciais da sua doutrina fundamen-
alunos observaram que elas eram excelentes e que não con- tal, do “watch and wait”*, isto é, “vigie e espere”!
vinha, em nenhum caso, repeti-las antes destes períodos, e
sempre com a mesma regra de ouro, isto é, enquanto hou-
48 Termo “inventado” por P. Schmidt composto de farmacopola = farmacêutico
ver progresso na melhora, não se dá outra dose. (Dicionário Aurélio) e praxe = aquilo que se pratica habitualmente, rotina. Em
Deve-se lembrar do parágrafo 246 do Organon da 6º e outras palavras, pode-se entender como a rotina farmacêutica (N.T.).
última edição de Hahnemann, que diz estritamente isto: 49 Em inglês no original.
Escolha da dinamização 183
182 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

A observação, quase unânime, de que as baixas dinami- ções de 1 à 30 CH já permitem fazer curas espetaculares.
zações correspondem melhor às doenças agudas e as altas, Emprega-se, na França, as 3, 5, 7,9 e 30 CH, com resultados
às doenças crônicas, revelou-se aceita por quase todos os notáveis. É justo dizer que um mestre de Homeopatia pode
homeopatas. Tudo depende, é claro, do que se entende por fazer coisas que um principiante não pode. Por exemplo, é
baixas e altas dinamizações. inegável que em certos casos agudos, totalmente típicos,
A vantagem das baixas dinamizações, segundo Kent, isto com sintomas bem escolhidos e bem definidos, uma XMº,
é, 30 e 200, é que pode-se repeti-las várias vezes, sem O por exemplo, em uma ciática, uma otite, uma gastroenterite
risco de provocar reações intensas demais. Por quê? Porque ou um reumatismo agudo pode surtir resultados espetacula-
uma coqueluche, uma diarréia frequente, uma dor de dente res pela sua rapidez. É um pouco como Guilherme Tell,
e dores agudas, “comem”, de alguma forma, a ação do me- aquele bom atirador, que com sua primeira flecha não errou
dicamento, absorvendo-o e esgotando-o e é por isto que em a maçã colocada sobre a cabeça do seu filho.
qualquer afecção em que se produz reações repetidas, tem- Eu recomendo, então, a todos, utilizar as 30 CH e, mais
se o direito de aplicar uma nova dose do remédio após cada tarde, subir a 200 e tentar, de vez em quando, uma boa
uma das crises. Dar para crises de vômitos o remédio a cada dinamização XM.
2 horas, por exemplo, é um erro; deve-se administrá-lo após Nas gripes e pequenosresfriados, Aconitum napellus 200
cada vômito. Vêem-se, assim, as crises se espaçarem e de- funciona em 90% dos casos, pelo menos. Em certas consti-
pois cessarem. pações crônicas, vê-se os resultados imediatos e duráveis
Para os casos crônicos, os intervalos assinalados por Kent com uma dose única de Nux vomica ou Bryonia alba à XMº.
são respeitados e sempre os períodos indicados por ele são Curei um grande proprietário de restaurante que, há 14
verificados. A volta dos antigos sintomas, a parada da me- anos, sofria de constipação crônica; ele se entupia de nume-
lhora, o status quo ou a evolução da doença que progride rosos purgantes, dos quais já tinha usado todos os conheci-
são todas indicações, então, de repetição. dos. É claro que ele possuía muitos outros sintomas de Nux
Toda esta questão da observação da ação medicamento- vomica no seu caráter e nos seus desejos e aversões. Uma
sa, depois da primeira dose, comporta reações especiais ad- dose única de Nux vomica XM curou-o definitivamente e,
miravelmente observadas por Kent e que permitem um prog- desde então, ele evacua diariamente “emoliente e lenitiva”,
nóstico e decisões a tomar que variam segundo o caso. como diria Moliêreº0, e assim ele pode assegurar uma eva-
Assim como todos os tipos de pioras medicamentosas, a lei cuação regular e mais satisfatória!
de Hering e a indicação das famosas dinamizações chama- Há outro caso, o de uma senhora que sofria de dores de
das “cinquenta milesimais”, ou diluições “Q”, são aspectos cabeça localizadas na protuberância occipital, acompanha-
que pedem precisões e desenvolvimentos que não se pode das de dor nos olhos e constipação, que a obrigava, três ou
apreender desta vez. quatro vezes ao mês, a se fechar em um quarto escuro, por
Infelizmente, na França, onde a Homeopatia é oficial-
mente reconhecida, não é permitido prescrever doses acima 50 Autor dramático francês do século XVI. Entre inúmeras peças teatrais criou O
de 30 CH. Porém, o intervalo e a utilização das dinamiza- doente imaginário (N.T).
184 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
e do DR. PIERRE SCHMIDT

não suportar a luz, sobretudo a do sol, agravada pelo menor


abalo (ao andar, por exemplo), não podendo se inclinar para
frente sem sentir estas dores enxaquecosas, que irradiavam-
se penosamente para a nuca. Uma dose única de Bryonia
alba XM, tomada no fim de uma crise, curou-a definitiva-
mente e para sempre das suas enxaquecas que existiam há
cinco anos e que a obrigavam a tomar calmantes tão varia- Vil
dos quanto numerosos.
Estes são casos, infelizmente, muito pouco frequentes e
que não são observados, é verdade, todos os dias. Entretan-
to, quando eles ocorrem, é uma alegria, inicialmente para o
doente, é claro, mas também para o médico, por verificar de
maneira estrondosa o valor da lei dos semelhantes, o bom Ea
fundamento da Homeopatia e a prova incontestável da sua A PRESCRI ÇÃO
eficiência com doses que parecem incríveis. DO REM É DIO
Os detratores das altas dinamizações podem bem balan-
çar a cabeça e não acreditar nisto. É uma questão de expe-
riência e de observação. Porém, é claro, é necessário que as
indicações dos remédios sejam bem precisas e repousem
sobre uma sintomatologia precisa, tal como Hahnemann,
Kent e seus alunos bem as definiram, porque se não forem
enquadradas nas condições desejadas, terão somente
insucessos e condenarão a Homeopatia e as altas dinamiza-
ções, enquanto a crítica cabe apenas aos médicos. Já que
outros tiveram sucesso, por que não todos?
Os médicos devem reler a Matéria Médica, o Organon e
a Filosofia de Kent, e serão um dia amplamente recompen-
sados, pois se a Homeopatia pede muitos esforços, devolve
mais do que damos. Pode-se, realmente, dizer que a Homeo-
patia, quando aplicada por médicos sérios, estudiosos e per- |
severantes, retorna material, intelectual e espiritualmente.
A prescrição do remédio 187

E. Gallavardin, em Lyon, o primeiro que tentou dar me-


dicamentos ao doente sem que este soubesse. Ele recebia,
em muitas consultas, esposas chorosas que vinham ao con-
sultório, principalmente, por três manifestações: os bêba-
o dos, com todas as suas modalidades possíveis, os vícios se-
rem xuais e, por fim, os distúrbios do caráter. Ele descreveu todos
os sintomas mentais que se poderia curar ou modificar com
os remédios homeopáticos.
Há médicos que dão remédios aos doentes sem queeles
saibam, com resultados magníficos, demonstrando, com
isto, que a ação dos remédio homeopático é realmente sig-
nificativa. Há várias maneiras de fazer um paciente tomar
um remédio. O melhor meio é quando a esposa diz: “Você
tem um resfriado, toma, eis um bom remedinho!” e, nesta
ocasião, ela dá os grânulos homeopáticos preparados para
seu caráter ou seus vícios. Pode-se, também,ter pronto um
pequeno frasco de 3 g cheio até a metade com água destila-
da onde se dissolve alguns glóbulos do medicamento. Em
seguida, verte-se no vinho ou na taça de café, na sopa ou no
chá. Resolvi o caso de um jardineiro que estava se tornando
impossível e que bebia de uma maneira pavorosa. Era o iní-
cio da minha prática. Pedi para colocar dez gotas de tintura-
o mãe de Ranunculus bulbosus em um litro de vinho: ao final
de um quarto de litro, ele não conseguia mais beber, pois
vomitava o vinho logo que bebia. No entanto, o gosto não
tinha sido modificado. E ele ficou definitivamente enojado.
188 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados A prescrição do remédio 189
do DR. PIERRE SCHMIDT

Depois disto, ele não podia nem mesmo beber vinho de ou- A verdade ocorre sempre em pequenos números; nunca
tras garrafas. Por outro lado, no que diz respeito à impreg- pertence aos grandes números. Sempre fica-se surpreso ao
nação da louça, o fato de lavar os pratos na água fervente constatar como a Homeopatia é pouco difundida. Há inú-
faz desaparecer tudo. Para o vidro é diferente, podendo per- meras razões para isto. Ela pede, inicialmente, muita cora-
manecer algo por absorção, é verdade, mas não há proble- gem, pois é necessário virar as costas para a Medicina clás-
ma com isto. Se todos tomam Sepia, aqueles que têm neces- sica. Na Medicina clássica, há a doença, um diagnóstico e
sidade se beneficiam, e nos outros não haverá nenhum um remédio que se adapta a este diagnóstico e varia segun-
efeito. Não há nisto nada a se temer, e o efeito conseguido - do os países e os anos. Na Homeopatia, há o doente, o remé-
por lavagens repetidas com água fervente elimina a ação dio que corresponde a ele, feito sob medida, escolhido de
medicamentosa. acordo com os sintomas e, nos casos em que não são rever-
Lê-se em certas Matérias Médicas francesas que Sepia é síveis, há toda uma possibilidade, em doses ínfimas, às ve-
um remédio de mulheres. Este é um erro muito lamentável, zes incríveis, de restabelecer a saúde deste organismo.
pois Sepia fornece brilhantes resultados no homem, contan- Quando se estuda um caso conscientemente, quando se pro-
to que os sintomas concordem, se o caso for, justamente de cura e se baseia as prescrições em sintomas gerais, sintomas
mau-caráter e de indiferença à sua esposa. São pessoas com mentais, desejos e aversões, sintomas sexuais e do sono,
mal-humor, que reclamam, que nunca estão contentes, fe- quandose está certo do remédio, recomendo que não o
chadas, que não querem absolutamente que a consolem mude e permaneça fiel a ele. .
quando algo vai mal. Phosphorus também mostra esta indi- É necessário, às vezes, um ou dois, ou vários anos, para
ferença pelos seus familiares mas, ao contrário de Sepia, modificar um organismo. É claro quejá se obtêm resultados
gosta que cuidem dele. desde os primeiros meses, mas se souber permanecer fiel ao
Consegientemente, a administração do remédio homeo- remédio, obter-se-á resultados muito mais profundos do que
pático sem que o doente tome conhecimento pode dar resul- fazendo uma terapêutica do tipo ziguezague, indo de um
tados magníficos e o livro inteiro do Gallavardin ilustra este medicamento para outro. Quando os casos tiverem sido obs-
método. Tenho um caso onde estou tentando afastar um curecidos com os remédios (mixed up the case)'!, será ne-
doente da amante que ele arranjou e que estraga sua vida cessário, então, muito mais tempo para reencontrar o cami-
familiar, pois o homem adora sua mulher e quer continuar nho da solução. Os casos são menos “embrulhados” pela
com ela, mas quer também ficar com a amante. Estamos já Alopatia do que pela Homeopatia. Um caso que chega da
no sexto mês de tratamento e ele já fez progressos conside- Alopatia é como um homem que recebeu uns socos: ele pre-
ráveis. Ele deixou esta mulher que tornou a voltar com ele cisa de um tratamento suave, a cama, o repouso moral, es-
por certos aspectos, mas está no caminho da cura, pois co- piritual e intelectual e as coisas melhoram. Porém, se o caso
meçaa criticá-la e tem brigado. Eu disse à sua mulher que, foi tratado com remédios homeopáticos, cujas diversas ações
em uma vida de casal, o acolhimento é essencial, e quando
ele chega em casa (depois de uma briga com a amante), ela
deve ficar bem próxima dele e fazer suas vontades. 51 Em inglês no original (N.T).
190 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

interferiram entre si, não haverá muita dificuldade para re-


solver o problema do paciente. Não é com Nux vomica que
se conseguirá e sim dando placebo durante um, dois ou três
meses, até que seus sintomas apareçam claramente. Nesta
ocasião, se prescreve, então, o remédio.

Vil
Há casos que vem de homeopatas e para os quais é im-
possível prescrever: para cada sintoma, pensa-se em um
novo remédio, mas não há nenhum remédio que possa co-
brir a totalidade dos sintomas. Lembro-me de uma doente
de Annonay que, no início, me escrevia mais ou menos oito
páginas de sintomas; ela havia visto pelo menos quinze ho-
meopatas. Durante seis meses, ela me escreveu a cada quin-
ze dias: inicialmente seis, sete páginas, e depois cinco, qua-
tro e, para terminar, não havia mais do que uma pequena
POSOLOGIA DO
página e notei que sempre os mesmos sintomas apareciam:
era um belo caso de Psorinum. Dei-lhe Psorinum e foi mara-
REMÉDIO HOMEOPÁTICO
vilhoso. Porém, esperei seis meses para prescrevê-lo e, curi-
oso, ela não deixou de vir às consultas. Nunca tive um doen-
te que deixou de vir porque eu tinha lhe dado placebo. Tive,
infelizmente, no início, muitos que não voltaram porque eu
dava muitos remédios dos quais eu não estava muito certo.
Mas os médicos nem desconfiam do valor que tem o
placebo. Com ele, pode-se fazer tudo. Se o paciente abando-
nar a consulta, não há o que se fazer. Porém, ele não aban-
donará as consultas, o que é extraordinário, se ficar ligado a
um placebo e só Deus saberá qual remédio pode-se dar a
ele! Deve-se dar, portanto, o remédio, apenas quando se está
seguro. E uma vez seguro, deve-se permanecer fiel a ele e
não trocá-lo!
Posologia do remédio homeopático 193

A Repetição das Doses

Há uma lei geral e casos particulares. A lei geral está


baseada na experiência dos homeopatas hahnemannianos,
Kent e sua escola, a escola de Allen, e de todos os seus
discípulos.
Para os casos agudos, segundo os sintomas, se eles fo-
rem vagos, ou característicos e muito pessoais, então se dá
uma dose, em geral 200 CH, que é a dose que mais funcio-
na para os casos agudos quando a vitalidade é boa. Se os
sintomas são muito típicos e muito marcados, pode-se,
então, dar uma XMº. Lembro a cura feita pelo Dr. Nash,
um bom velho homeopata, com sua barbicha branca, que
possuía uma carruagem e que pegava seu pequeno carnê,
o qual possuía uma página dividida em duas: de um lado,
os sintomas e do outro, uma parte em branco. Durante o
tempo em que ele ia ver o paciente, estudava seus sinto-
mas e seus remédios e assim revia continuamente a Maté-
ria Médica.
Um belo dia, Nash teve uma angina esquerda muito do-
lorosa, sobretudo na deglutição de líquidos; o calor o piora-
va e, curiosamente, quando engolia, a dor subia até o ouvi-
do. Depois de dois ou três dias, a dor passou para a direita.
Nash tomou Lachesis e a melhora não ocorreu. Já estava no
quinto ou sexto dia quando recebeu a visita do famoso
194 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Posologia do remédio homeopático 195
—>—>—————— do DR. PIERRE SCHMIDT

Dr. Adolf Lippe, que era um bom velho homeopata daquela físicos característicos, mais perfeito será o resultado com
época, um fervoroso homeopata que fez curas espetacula- uma dose única de XM? que deve se deixar agir por cinco
res. Lippe foi, então, examinar sua garganta; fez perguntas, semanas, pelo menos, ou mais, tanto quanto dure a melho-
pegou sua maleta e colocou alguns pequenos glóbulos na ra. Para a conduta a seguir, deve-se verificar os conselhos de
sua língua. Nash perguntou o que era. Lippe disse que o via farmacopolaxia”2 ascendente em “A Ciência e a Arte de Cu-
como doente e que ele não teria que perguntar qual era o rar de Kent”, que indica a duração mínima que deve ser
remédio.”Quando você estiver curado, eu lhe direi!”. Inútil observadaentre as diversas dinamizações, segundo seu grau
dizer que vinte e quatro horas depois ele estava curado e e duração determinada segundo milhares de observações
não havia mais nada na garganta, e tudo estava bem. Então, pacientes e rigorosas.
quando Lippe voltou, ele perguntou: Se o estado do doente é muito adinâmico, deve-se dar a
200º, ou mesmo a 302, repetindo-as a intervalos mais afas-
- Qual o remédio que me deu? tados possíveis.
— Dei Lachesis! A seguir, enquanto o doente melhora depois da primeira
- Como Lachesis?! Nãoé possível, eu tomei e não houve dose, deve-se deixar o remédio agir e, para isto, só se minis-
efeito! tra um único remédio ao doente. Deve-se dar “um único
- Esta é a razão pela qual eu não lhe disse logo. Mas remédio”, sem acréscimos “ao mesmo tempo”, pois se for
você tinha sintomas tão característicos, tão típicos, alterado, algumas horas ou alguns dias depois, não há tem-
que lhe dei uma XMº enquanto você tinha tomado po nem possibilidade de observar qualquer aspecto. As mais
uma 2002. belas curas benéficas para o doente e o médico sempre ocor-
reram quando se deu um único remédio, uma dose única,
Dá-se uma dose e espera-se. Só se repete se a reação observandoos efeitos, o que pode ser perfeitamente realiza-
favorável cessar. Frequentemente, a repetição depende da do. Porém, é preciso ter, se possível, pelo menos três bons
doença; se há manifestações periódicas comodiarréia, aces- sintomas, dos quais um seja etiológico, ou então mental ou,
sos de tosse, convulsões, vômitos e hemorragias deve-se re- em todo caso, três características raras, singulares.
petir o remédio imediatamente após a crise. Se os sintomas Porém, para se dar somente um remédio e uma dose
melhorarem, deve-se parar. Eis a regra absoluta. única, deve-se aprender a bem selecionar os sintomas.
Quando não há crise, deve-se repetir a cada três horas, e Fui questionado pelo Dr. Cheyre sobre minha opinião
parar logo que houver melhora. Da mesma forma se faz para sobre as doses crescentes. Digo que esta é ainda uma outra
as palpitações, para uma angina e uma otite grave. questão. Um certo Dr. Gordon encontrou este procedimento
e foi, sobretudo, a Dra. Tyler que o aplicou. Ao invés de dar
Nos Casos Crônicos Segundo a Força do Doente Aconitum 30 CH e repeti-lo, dava-se Aconitum 30 CH,

Quanto maior é a resistência do doente e quanto mais o


remédio está tipicamente indicado por sintomas psíquicos e 52 Ver nota número 48, pág. 181.
196 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Posologia do remédio homeopático 197
eme dO DR. PIERRE SCHMIDT

200 CH, M, XM, em duas, três ou quatro horas de intervalo. sico-sífilis. Porém, uma das causas relevadas pelos homeo-
Isto pode funcionar quando a sintomatologia não é perfeita, patas sobre a origem dos cânceres reside, sobretudo, nas
em um estado mais crônico. Às vezes, nos traumatismos, supressões mórbidas, nas camuflagens sintomáticas, na in-
dá-se Arnica 200 CH, M e XM,para atingir vários planos. terrupção das erupções por tratamentos externos, na supres-
Porém, quando os sintomas são realmente típicos, indi- são de todos os sintomas por calmantes, ou por estimulan-
co ministrar a XM, em dose única e depois esperar. Assim se tes que interrompem as reações do organismo vivo
consegue melhores resultados. amordaçando, anulando todos os preciosos sinais de alarme
Um outro método consiste em dar 30, 200 e M em um que anunciam que uma doença vai surgir ou está se desen-
mesmo copo. Tentei este método, que me interessou, mas volvendo. Todos os sinais suprimidos embaraçam a tal pon-
não posso dizer que obtive resultados mais brilhantes. Quan- to as manifestações das defesas orgânicas, desequilibrando
do o remédio está bem indicado, a dose única é sempre tanto o maravilhoso mecanismo dos hormônios e do siste-
melhor. É claro que se consegue resultados praticando de ma vago-simpático, que onde existia ordem, há desarmo-
outra maneira, mas é necessário fazer estudos sistemáticos nia, desordem, revolução, perturbando, na sua base e em
para poder comparar os diversos métodos. profundidade, as reações da força vital, impedindo, fregien-
Creio que é melhor prescrever em doses crescentes do temente, todo o retorno normal para a ordem e a harmonia.
que misturar e dar, ao mesmo tempo, várias dinamizações. Quando se suprime eczemas com pomadas, dores de
Porém, de qualquer maneira, este método de doses crescen- cabeça e outras dores com comprimidos, corrimentos com
tes é mais um método de exceção. A dose única satisfaz o diversas irrigações, ulcerações com cauterizações, raios X e
espírito e o doente. outros, chega-se a um estado revolucionário que, quando
não é mais reversível, manifesta-se, então, sob a forma de
Na Sicose e na Sífilis câncer e de afecções incuráveis do sistema nervoso ou cir-
culatório.
A seguir discorro sobre questões relativas à sífilis e à Então, supressões e camuflagens, às quais se acrescen-
sicose. tam as intoxicações medicamentosas, quanto mais progri-
O câncer é uma doença essencialmente tumoral. Como dem mais se tornam sutis e perniciosas, criando doenças
se aprende, é a psora que está na origem de numerosos tu- mentais, diabetes, o câncer, as anomalias congênitas, as
mores. Por outro lado, a sicose é quase específica dos tumo- afecções cardiovasculares e, apesar dos progressos da Medi-
res, desde as verrugas até as formações neoplásicas epiteliais cina, deixam os hospitais repletos, os quais são obrigados a
mais complicadas. Ela invade principalmente o revestimen- ampliar suas instalações.
to ectodérmico e endodérmico. A sífilis possui uma predile- Quando houver a oportunidade, deve-se ler “As Doenças
ção pelo mesoderma. Crônicas”, de Hahnemann, e a “Psora e Pseudo-psora”, de
Os tumores malignos apresentam, na sua origem, sobre- Allen, assim como a tradução da “Filosofia de Kent”. Aí há
tudo uma psoro-sicose. Mas podem ser igualmente consecu- todas as respostas às perguntas e às responsabilidades do
tivos a uma combinação de miasmas: psoro-sífilis ou psoro- ser humano sobre a maneira de se tratar.
IX

DILUIÇÃO E DINAMIZAÇÃO
DOS REMÉDIOS
Diluição e dinamização dos remédios 201

Peceme extraordinário que se diga que uma dinami-


zação 9 CH seja considerada “alta” diluição. Permito-me
criticar esta noção de diluição. Não sei porque na França
não se admite o termo dinamização. De qualquer forma,
deve-se lembrar do parágrafo 269 do Organon, na sexta
edição, que diz:

“Não esperemos o tempo todo chamar as dinamizações


homeopáticas simplesmente de diluições, como se tra-
tasse de uma coisa diminuída, enfraquecida, pois é
exatamente o contrário. Na realidade, elas constituem
um verdadeiro desabrochar energético da matéria, uma
eclosão e uma revelação de forças medicamentosas es-
pecíficas latentes e ocultas na sua essência íntima, de-
senvolvidas por trituração e sucussões. O excipiente
não medicamentoso utilizado, desprovido de qualquer
ação terapêutica, exerce, entretanto, um papel indis-
pensável, embora acessório.
Uma simples diluição como, por exemplo, a obtida pela
dissolução de 5 cg de sal de cozinha torna-se, progre-
dindo-se na atenuação, cada vez menos concentrada e
quase se aproxima da água comum. Chega um mo-
mento em que o cloreto de sódio não é mais detectável.
Tal diluição se torna cada vez mais inativa e nunca se
202 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Diluição e dinamização dos remédios 203
o do DR. PIERRE SCHMIDT

tornará, assim, um medicamento homeopático. Ao con- entretanto, foi uma baixa dinamização. São casos raros, mas
trário, este mesmo sal, dinamizado de uma maneira podem acontecer. O Dr. Austin mencionou que durante toda
judiciosa, secundum artemº3, pode se tornar um remé- a sua prática, ele teve apenas uma única vez a oportunidade
dio notável e adquirir um grau de potência terapêutica de verificar isto em um caso de Phytolacca absolutamente
surpreendente.” típico: à 200º não obteve resultados, o mesmo acontecendo
paraa Me a XM; porém, ao invés de mudar de remédio,
Eis o que Hahnemann nos diz. De fato, uma simples di- como ele estava certo de sua escolha, ele deu Phytolacca à
luição não pode se tornar um verdadeiro remédio homeopá- “3a e, imediatamente, o doente curou-se. É como a história
tico. É claro que certos homeopatas se perguntaram se tal de Nash que tinha uma angina e tratou a si próprio com
diluição poderia agir. O grande Skinner, de Londres, tentou. Lachesis, sem outro resultado a não ser uma piora. Seu pes-
Colocou um pouco da 1º trituração de enxofre em um gran- coço estava inchado e ele não conseguia mais engolir; cha-
de recipiente e, em seguida, verteu água lentamente em seu mou o Dr. Lippe, que era um excelente médico. Lippe veio e
interior, misturando muito lentamente, fazendo, assim, as colocou um remédio sob sua língua e, em algumas horas,
32 e as 6º diluições de Sulphur e assim mesmo deram resul- Nash sentiu sua garganta aliviar; já vinha arrastando a doen-
tados. Porém, estes resultados não eram nada parecidos com ça por duas semanas e quando o Dr. Lippe o medicou, Nash
os obtidos com as dinamizações através da trituração ou perguntou qual era o remédio que ele estava dando. “Meu
por sucussão. O que dá valor à Homeopatia é a dinamização caro”, respondeu-lhe Lippe, “só direi o nomedo remédio se
dos remédios. Os alopatas não compreendem que quanto você se curar. Não há nenhum interesse em conhecer o
mais se dilui e se dinamiza, mais se desenvolvem as forças nome de um remédio que não lhe fez nada!”. Quando Nash
medicamentosas latentes. Se for colocado um pedaço de ficou curado, ele então lhe disse: “Antes eu o considerei
carvão na água, não se obterá um Carbo vegetabilis ativo. como um doente, agora o considero como um médico. Eu
Porém, se ao mesmo tempo, for dinamizado ao ser tritura- lhe dei Lachesis”. “Oh, mas não é possível!”, diz Nash. “To-
do, será criada realmente uma nova força, e se as indicações mei várias vezes à 302, à 200º e à Mº e não houve efeito! O
são similares, pode-se obter resultados surpreendentese fre- que você me deu?”. “Dei Lachesis XM: você é um médico,
quentemente muito rápidos. alguém culto, e é necessário lhe dar altas dinamizações!”.
A dinamização é um problema delicado. Se não forem Tive também o mesmo caso com um dos filhos do Dr.
obtidos resultados com uma certa dinamização, pode-se co- Amathieu, que sofria de angina; ele recebeu Lycopodium,
meçar a mudá-la, se o médico estiver seguro do remédio. sem resultados. Ministrei uma dinamização mais alta e o
Em certa ocasião, foi dado Phosphorusao filho recém-nasci- resultado foi muito rápido. Há, então, uma questão de dina-
do do Dr. Barbier em alta dinamização, mas não se obteve mização ótima. Quanto mais precisa for a indicação dos sin-
resultados, mesmo estando muito bem indicado; o que agiu, tomas, melhores os resultados com as altas dinamizações.

53 Em latim no original: segundo a arte (N.T.).


eme

A MATÉRIA MÉDICA
A matéria médica 207

M eu mestre, o Dr. Austin, de Nova Iorque, me encora-


jou quando viu que eu me perguntava como era possível
para um ser humano aprender e gravar aquelas enormes
Matérias Médicas! “Não se desespere”, dizia-me, “não mais
que o astrônomo que não fica desencorajado porque existe
tantos milhares de estrelas no céu para observar. Deve-se
pegar cada remédio em particular e estudá-lo profundamen-
te e de estrela em estrela, de brilho em brilho,chega-se aos
poucos a conhecer a família dos remédios e eles se tornam
nossos amigos. Não desanime, volte seu telescópio sobre
uma estrela de cada vez!”. À noite, antes de dormir, deve-se
pegar o Clarke, o Kent, o pequeno Nash, e ler sobre um
remédio simplesmente e então acaba-se, progressivamente,
por conhecer a Matéria Médica. Este estudo é longo, difícil,
mas devolve o que lhe damos.
Sim, todos estes remédios superficialmente se asseme-
lham, porém da mesma maneira que todos os seres huma-
nos se parecem: para alguém que não compreende nada,
todos tem dois olhos, um nariz, uma boca e orelhas, como
duas folhas se parecem para aquele que não conhece nada.
Entretanto, os remédios sempre apresentam diferenças. É
esta noção de qualidade, esta noção de disparidade, que é
especial na Homeopatia. É como um artista que sabe dis-
tinguir duas cores muito próximas; para as pessoas, dois
brancos são iguais, dois vermelhos parecem idênticos, mas
208 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados A matéria médica 209
— do DR. PIERRE SCHMIDT

para um artista nunca serão as mesmas cores. Toda vida é siste em procurar e alcançar a causa fundamental. E os mé-
feita de nuances. E é a percepção destas desigualdades que dicospodem fazê-lo.
faz a felicidade, seja na música, na literatura ou em qual- Nunca será o bastante recomendar que se estude a Ma-
quer campo, como a nuance de duas notas que se asseme- téria Médica e, em particular, os policrestos. Se for consa-
lham. A Homeopatia é uma Medicina de qualidade, uma grado um, dois ou mesmo três meses ao estudo de Sulphur,
Medicina de nuances. E, da mesma forma que um Paderski nunca mais é preciso revê-lo ou estudá-lo. Meu professor de
não toca os acordes de qualquer maneira, mas com nuan- histologia dizia: “Quando vocês fizerem alguma coisa, fa-
ces, deve-se estudar as nuances e verificar que os remé- çam profundamente e nunca mais terão a necessidade de
dios não se assemelham, assim como os seres humanos voltar a fazê-la.” Dispensando o tempo necessário a cada
também não. remédio, e quando se houver feito isto com os principais,
Umaquestão importante é a mencionada pelo Dr. Pahud, quando tiverem sido estudados profundamente em Clarke,
certa vez, na casa do Dr. Casez: como é que os médicos que Kent ou Hahnemann, sente-se um imenso prazer porque
praticam a Homeopatia, que pretendem ensiná-la, que são começa-se a compreender o que é um remédio. É por esta
discípulos de Hahnemann, podem mesmo ousar pensar em razão que recomendo ler um pouco a cada noite, fazer algu-
utilizar uma outra terapêutica que não a Homeopatia, já que mas anotações próprias, pois assim, como diz o Dr. Bourgat,
esta lhes surgiu como a Verdade. Não é um acaso, não é não é com os outros que se deve contar, e sim consigo mes-
apenas traição, mas a prostituição. mo, com a transpiração própria. Somente isto que dará sa-
Lembro-me sempre de umapaciente que dizia: “Escute, tisfação e devolverá aquilo que se deu.
doutor, eu não acredito. Mas se o senhor puder me dar algu-
ma coisa, isto me deixará, de qualquer maneira, satisfeita.
Começo sempre a ter minhas dores de cabeça com distúr-
bios visuais que me incomodam muito. Em seguida, vem a
dor de cabeça e não há mais nada para fazer! A aspirina,
nem nenhum outro remédio, me acalma”. Alguns pequenos
glóbulos de Iris 200 bastaram e convenceram esta paciente,
que então medisse: “Tenho sempre meu Iris e quando sinto
minha dor de cabeça, tomo alguns glóbulos e tudo desapa-
rece como por encanto”. No entanto, as dores de cabeça da
paciente voltavam a cada duas ou três semanas. Não foi
uma cura, e sim um paliativo. Foi a obra de um pequeno
trabalhador. O interessante é fazer desaparecer as dores de
cabeça definitivamente. Estes pequenos remédios são muito
bonitinhos, podem ser úteis, não são perigosos. Porém, o
papel do homeopata é muito mais elevado queisto: ele con-
N HIGIENE E CAUSAS
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OCASIONAIS

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Higiene e causas ocasionais 213

A. causas ocasionais são muito numerosas. Todos os


naturalistas, e Paul Carton em particular, chamam a atenção
sobre o regime alimentar. Há pessoas que comem de uma
maneira incrível: basta corrigir seus regimes e já se curará,
desta forma, numerosas doenças.
Lembro-me de um doente que curei de uma asma com
broncorréia crônica que existia há 40 anos. Ele expectorava
de manhã o volume de um grande copo de vinho cheio de
escarros asquerosos. Em algumas semanas, sua asma se dis-
sipou e ele não escarrou mais. Mas eis que ele voltou um dia
muito chateado porque tinha cáibras na barriga da perna
direita, que o perturbavam a noite toda. Perguntei como ele
se deitava, a posição, etc; perguntei-lhe se ele comia uvas
(pois, nesta época, a uva era regada com sulfato de cobre, o
que pode, por si só, provocar cãibras). Pedi que colocasse
uma grande chave sob sua cama ou um recipiente com água
(velhos métodos do interior, frequentemente eficazes), po-
rém sem resultado: ele continuava a ter cãibras. Isto sempre
ocorria cada vez que ia a Genebra ver sua amante! Bem, foi
ele que acabou fazendo seu diagnóstico e curando-se a si
próprio. Um dia, ele não teve as cãibras e encontrou a ra-
zão. Ele possuía o hábito, todas as noites, ao se deitar, de
beber um uísque antes de dormir. Uma noite, porém, no
hotel, não havia mais uísque. Resultado: não teve cáibras. E
foi simples. Desde este dia, nunca mais bebeu uísque ao se
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do DR. PIERRE SCHMIDT

deitar e nunca mais teve caibras! Não era, então, necessário te, mas assim mesmo curiosa. É a história de uma jovem
dar a ele remédios complicados pois bastava eliminar a cau- mulher que veio me consultar porque depois de oito anos
sa. Sublata causa tollistur effectus!S* de casamento não conseguia engravidar. Não obstante, ela
Tive também um paciente que tinha sempre laringite e tinha sido examinada e a consideraram normal. Seu mari-
faringite ao menor frio, à menor umidade. Ao interrogá-lo, do, que foi investigado sob todas as formas, também foi
tive a impressão de que ele se resfriava pelos pés. Pedi que considerado normal. Apesar de tudo, não tinham filhos.
colocasse um tecido protetor no local e desde então ele não Deve-se lembrar que além do homem com sua ciência, ain-
teve mais laringite nem faringite. Questão de higiene! da existem outras coisas. Como sempre, fiz um exame ge-
Deve-se pensar, então, em mil coisas. Deve-se, também, ral. Encontrei seus dois ouvidos completamente entupidos
corrigir o regime alimentar dos doentes. Deve-se conside- por cerúmen duro como madeira. Impossível retirá-lo. Dei
rar, logo no início, o açúcar, o chocolate, o sal, a carne de então uma mistura de glicerina com uma solução de carbo-
porco. Há pessoas que salgam mesmo antes de experimen- nato de sódio a 8%, 4 gotas em cada ouvido pela manhã e
tar a comida. Há que se interrogar os pacientes, saber o à noite. Oito dias depois, pude fazer uma boa lavagem e
que fazem, como comem e regularizar seu regime. Alguns retirei duas enormes rolhas amolecidas. Bem, um mês de-
doentes não darão ouvidos aos médicos, mas se os médi- pois ela estava grávida! Evidentemente, isto não quer di-
cos os perderem, não perderão grande coisa! Os médicos zer que com lavagens de ouvidos pode-se curar todas as
devem esforçar-se pelos seus doentes, mas se, em troca, mulheres estéreis. Trata-se, aí, de um simples reflexo. De-
eles não quiserem fazer nenhum esforço, paciência. Caso pois disto, tive inúmeras pessoas que vieram me consultar
se perca um cliente desta maneira, encontra-se dez ou- a fim de engravidar. Infelizmente, isto não funciona assim
tros, pois um médico consciencioso mantém sempre sua tão facilmente.
clientela. Às vezes, pode se ver uma evolução de uma série de
Nos artigos 4 e 5 do Organon, Hahnemann diz que tam- sintomas estranhos em doentes que sofreram um acidente:
bém se deve saber retirar os corpos estranhos encontrados. febre, dores, insônias, etc, simplesmente porque a faixa ou
Se um doente está com o olho vermelho e irritado, deve-se o gesso que foi colocada estava um pouco apertado. E a
examinar seu olho. Por vezes, não se encontra nenhum cor- primeira coisa que um médico deve fazer, antes de tudo, é
po estranho, mas pode-se ver um cílio que cresce para O afrouxar estas faixas. Existe ainda aí uma causa ocasional
interior e assim retira-se. Evidentemente, é necessário usar possível e o médico deve saber verificar tudo. Fiquei muito
uma boa lupa para não retirar os cílios que não estão inco- impressionado nos Estados Unidos com a maneira pela qual
modando! eles confeccionam o gesso; eles incluem duas espécies de
Da mesma forma, peço que se examinem os ouvidos dos fio de ferro de cada lado, de maneira que ao final, quando o
doentes. Isto me lembra uma história, ocorrida fortuitamen- gesso ainda está fresco, puxa-se estes fios de ferro e tem-se,
assim, um molde em duas partes, da perna por exemplo,
que mantém-se com uma faixa apertada em volta. Isto pro-
54 Em latim no original (N.T). duz um gesso perfeitamente bem ajustado e, graças a este
216 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Higiene e causas ocasionais 217
e do DR. PIERRE SCHMIDT

procedimento, pode-se, de vez em quando levantar, “a tam- respeitoà língua, deve-se saber que existe um pequeno apa-
pa” e olhar o que se passa por baixo, corrigir as asperezas relho que nãocura mas que ajuda muito, que é o “raspador
dolorosas, observar o estado da pele, etc. de língua”. Uma vez que se o adquire, emprega-se de manhã
Há também pessoas que possuem mau hálito. É repug- ao escovar os dentes e não se consegue mais ficar sem ele!
nante. E se for pedido para que se coloque a língua para Encontra-se em farmácias.
fora, pode-se ver uma língua horrivelmente suja, saburrosa, Nas causas ocasionais, é claro, não se deve esquecer do
marrom, amarela ou esbranquiçada. É claro que se pode sedentarismo. Não se anda o suficiente. Passa-se de um car-
começar por dar remédios. Há, no Repertório, várias pági- - ro a uma poltrona e da poltrona à cama, sem se movimentar
nas com as cores da língua e numerosas modalidades para suficientemente. Um homem dá 850 passos por dia, no má-
as línguas saburrosas. Para o odor da boca, há ainda uma ximo, e uma mulher, 5.000. E para estar em boa saúde, deve-
página de sintomas variados, segundo os diversos odores. se fazer pelo menos 2.500. Deve-se pedir aos doentes para
Mas a primeira coisa a se fazer é examinar corretamente a andarem o suficiente, fazerem exercícios. Aconselhá-los a
pessoa. Isto me faz pensar naqueles doentes que se quei- terem aulas de cultura física, senão correm o risco de não
xam de uma sensação de farpa no ânus. É preciso, talvez, fazerem nada!
olhar inicialmente no local se não há uma. Conheci um Muitos doentes devem também aprender a estender-se e
doente que estava nesta situação e que tinha se consultado repousar. Há pessoas que são como máquinas e que funcio-
com vários médicos homeopatas que lhe davam sempre nam sem parar. Não têm um minuto para “respirar”. Depois
Nitric acidum, aparentemente bem indicado, mas que não dos 40 ou 50 anos, todos podem e devem fazer 20 minutos
resolvia O caso, pois havia que se retirar a farpa! de sesta depois do almoço. Este pequeno repouso é muito
útil. Na música, não há apenas colcheias triplas ou quádru-
Quando um paciente possui hálito fétido, deve-se exami- plas, há também pausas e suspiros. Deve-se suspirar de vez
nar, antes de tudo, os dentes, para ver se ele não tem dentes em quando e deixar os doentes suspirarem!
cariados, uma piorréia ou uma gengivite infectada, para que Deve-se pensar, também, que tudo que se puder fazer
se o encaminhe, antes, ao dentista! Algumas pessoas possu- para que os doentes transpirem será bem vindo. Recomen-
em, nas amígdalas, atrás delas e em suas criptas, uma mas- do sempre igualmente a famosa ducha escocesa, mas geral-
sa repugnante, um caseum formado por secreções e alimen- mente ela é muito mal feita. Alguns gostam da ducha quen-
tos que se alojaram lá dentro e ficaram putrefeitos. Não se te e, frequentemente, as pessoas se resfriam depois. Eis
deve dar remédios para isto. Há pequenos aparelhos muito então como a ducha escocesa deve ser tomada. Começa-se
práticos que aspiram e lavam ao mesmo tempo as amígda- por uma ducha quente, tão quente quanto seja prazerosa, O
las. Às vezes, se é levado a pedir para retirar as amígdalas tempo que se quiser. Depois, passa-se para o frio, mas diri-
infectadas cronicamente. Deve-se fazer o paciente gargare- ge-se inicialmente o jato para os pés, pois se suporta sempre
jar com restos de chá quefoi cozido e ao qual se acrescenta um pouco de água fria nos pés, sobretudo, quando se está
o suco de meio limão. Isto é um maravilhoso detergente com muito calor. Em seguida, coloca-se as mãos sob a du-
pelo tanino do chá e a vitamina C do limão. No que diz cha fria. Isto também é bem tolerado. Depois um pouco de
218 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
Higiene e causas ocasionais 21
> do DR. PIERRE SCHMIDT

água fria sobre a parte alta dos joelhos e, enfim, um pouco cinco manobras ditas clássicas que a Dra. Tyler me ensinou
no rosto, na nuca e nas costas. Sente-se muito bem depois e que ela fazia sistematicamente em todos os doentes que
disto. O sangue volta ao cérebro, sente-se liberado e a men- ela tratava. É um método quetalvez não seja muito clássico
te fica totalmente clara. Para terminar, uma onda sobre o mas que me ajudou muito em minha prática.
peito... isto basta. Depois disto, se escova vigorosamente, Quando se encaminha um paciente a um especialista,
com uma escova de banho, os braços, o peito e as costas, as aconselho que pelo menos uma ou duas vezes por mês
nádegas, as plantas dos pés. Isto excita um pouco a pele, acompanhe-se o paciente. Inicialmente, o especialista, na
fazendo o sangue voltar à periferia e retirando o excesso presença de um colega, se esforçará muito mais e, por outro
que poderá ter chegado ao cérebro. Depois, veste-se uma lado, aprende-se sempre alguma coisa, alguns “jeitinhos”
saída de banho e não se enxuga, exceto a face e o pescoço. que não se encontra em nenhum lugar.
Permanece-se assim, sentado, sem se enxugar. Sente-se, en- Entre os exames que se deve pedir há a pesquisa de in-
tão, uma deliciosa sensação de calor e pode-se fazer um fecções chamadas “focais”. É claro, pensa-se primeiro nos
pouco de meditação sobre o que agrade. Este pequeno mo- dentes e é por isto que se deve não apenas examinar os
mento de reflexão, no início da manhã, não atrapalha nin- dentes mas, às vezes, também fazer, se não tiver sido feito
guém. Isto durará cinco minutos e neste momento enxuga- há muito tempo, uma radiografia. Lembro-me de uma pa-
se um pouco as dobras articulares, axilas, regiões inguinais ciente que, dos 32 dentes, tinha 22 com as raízes repletas de
e, o que é curioso, fica-se quase seco e não se sente frio. Eis pus. Ela não sentia nenhuma dor, não tinha mau hálito, ne-
como se deve tomar uma ducha escocesa. É o “how to do nhum sintoma local, mas sofria muito de reumatismo, tinha
it”55 que faz tudo! insônias, e, em resumo, não sabia o que ela não tinha, pois
Há, é claro, uma outra causa ocasional que deve ser co- era um verdadeiro museu de sintomas. Foi, infelizmente
nhecida e na qual deve-se pensar: os deslocamentos verte-
necessário, extrair-lhes todos os dentes, mas depois deste
brais. Deve-se examinar a coluna dos pacientes e fazer as
dia, todos os mal-estares desapareceram e sua saúde voltou
reposições necessárias, pois querer curar com remédios algo
a ser excelente. Deve-se pensar nisto e não esperar uma dor
que depende de um deslocamento vertebral é ilusório! En-
ou um sinal de alarme local que não exista forçosamente em
tretanto, no consultório do Sr. Soulié de Morant, vi com
todos. Deve-se fazer, então, radiografar os dentes, pois as
meus próprios olhos um doente em quem ele aplicou uma
infecções locais podem provocar reumatismos, olhos ver-
agulha na região de uma vértebra deslocada. Ouvi um clique
melhos, alopécia, várias erupções, ou seja, todo um cortejo
e via vértebra voltar automaticamente ao seu lugar. Isto me
de manifestações patológicas que podem ser evitadas ou que
pareceu extraordinário. Mas nem todos se chamam Soulié
desaparecem através de uma simples medida de higiene.
Morant e não é dado a todos conhecer a acupuntura, assim,
Ocupa-se, assim, do programa de vida de pacientes, de
tão profundamente. Da minha parte aprendi na Inglaterra as
suas ocupações. Olha-se o que eles fazem desde a manhã
até a noite. Fica-se surpreso com os erros grosseiros que eles
cometem e que podem ser corrigidos. Evidentemente, anti-
55 Em inglês no original (N.T).
gamente o médico era, ao mesmo tempo, um educador, um
220 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Higiene e causas ocasionais 221
meme do DR. PIERRE SCHMIDT

médico e um padre. Agora, os padres não querem saber dos se deite à meia-noite sem mesmo ter feito uma sesta à tarde.
médicos, ou do educador, o médico não se interessa por “Aconselha-se, então, os doentes a se deitarem antes da meia-
nenhum dos dois e o educador zomba dos outros dois. noite e eles já ficarão melhor antes mesmo de tomar uma
O médico deve, como dizia Carton, ser um redentor. Ele única pílula. Deve-se pensar, então, no sono.
deve cuidar, ao mesmo tempo, de educar seus doentes, ex- Também deve-se considerar o lazer e a distração. Há os
plicar-lhes os erros que cometem,seja psicológica, seja psi- que exageram em um certo sentido, mas outros, em com-
quicamente. Deve-se elevar seu moral, frequentemente fa- pensação, não sabem relaxar, não sabem o queéter férias, e
zer-lhes mudar de atitude em relação aos que o rodeiam, na não têm jamais um minuto de repouso. É preciso impor-
família ou no trabalho e lhes ensinar a ter confiança em si. lhes, e, para isto, existem duas maneiras: ou dizer-lhes para
Além disto, os doentes gostam que se explique os exames tirar férias, o que eles não farão, ou então mandá-los passar
que se faz e é por isto que é bom ter aparelhos que possam uma temporada nas águas de Ragaz, em Vichy ou em qual-
demonstrar, de uma maneira objetiva, uma diferença no seu quer outro lugar. Eles serão, então, obrigados, durante três
estado, de uma consulta a outra: o peso, a tensão, a auscul- semanas, a ter uma vida regular, um regime e uma pequena
ta, a medida do fígado, etc. disciplina, que lhes fará muito bem. E os médicos serão,
Existe um sinal muito importante nos olhos. Às vezes, assim, muito úteis a eles.
pode se ver, no bordo da íris, como uma unhada segmentar,
como um fragmento de anel disposto em segmento. É o anel
taquifágico e pode-se predizer com certeza quando o doente
come rápido demais ou quando certas donas-de-casa não se
sentam muito para comer. Deve-se aprender a mastigar os
alimentos e a comer tranquilamente. Esta é a razão pela
qual comprei palitos chineses para poder comer mais deva-
gar. Assim, quando se come ervilhas ou arroz, não se pode
fazer muito rápido. Garanto que estes anéis taquifágicos me
ajudaram bastante a regularizar um pouco a refeição destes
doentes e assim melhorar sua saúde.
Deve-se também cuidar da higiene do sono. Há pessoas
que têm, realmente, um sono curto demais e também muito
mal distribuído. Diz-se sempre que as horas antes da meia-
noite são muito superiores às de depois. Por quê? Os chine-
ses explicam pelo Yin e o Yang e dizem que o Yang começa
à meia-noite e vai até meio-dia. Temos sempre para o Yang
um bom período de repouso possível, mas para o Yin, que
vai do meio-dia à meia noite, ele nunca fica satisfeito, caso
all

HOMEOPATIA DE URGÊNCIA
Homeopatia de urgência 225

Quem pode informar sobre a conduta em um caso de


urgência - se a Homeopatia, a Alopatia ou uma outra patia
- que deve ser utilizada, de maneira a não merecer o anáte-
ma de “assassino passivo”, que deixa “sofrer os doentes ou
esgotar-se um coração deficiente”?
Quem pode responder a uma pergunta que toca o valor
fundamental da Homeopatia? Quem pode indicar se este méto-
do não é placebo para os pequenos casos nervosos, que permi-
tem a espera e autorizam pesquisas repertoriais e a seleção de
sintomas? Quem pode responder, pergunto, se não é aquele
mesmo que a fundou e cujo nome é imortal e mereceria consi-
deração - se não for mais - que se oferece a Paracelso, seu
precursor, festejado, no entanto, pelos alopatas mais notórios?
Há que se examinar as relações atuais da Homeopatia com
os casos de urgência - e mesmo os de extrema urgência.
Quando se diz “urgência”, diz-se: “estado agudo e mes-
mo superagudo”. Isto permite eliminar imediatamente, e sem
discussão possível, tudo o que é crônico, com evolução len-
ta e que responde à definição das doenças crônicas fornecida
por Hahnemann. Conseguentemente, tudo o que toca, neste
sentido, à psora, à sífilis, e até à sicose, não está relacionado
com o estudo das afecções urgentes, a não ser que se trate
do que já se desenvolveu várias vezes: a exacerbação de
uma doença crônica.
Misturar a psora e o que Hahnemanndisse das doenças
crônicas com as doenças de urgência é não compreender a
226 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
Homeopatia de urgência 227
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

própria classificação das doenças e das indicações terapêu- - co agir, não admitindo nem horas, às vezes nem mes-
ticas que Hahnemannfez. mo minutos de prazo, nas doenças surgidas repentina-
Por outro lado, a Homeopatia, tal como a concebia o mente nos homens anteriormente saudáveis, como as
grande mestre Hahnemann, não é uma especialidade da asfixias, a fulguração, a sufocação, o congelamento, a
Medicina, nem mesmo uma “vertente” - mas o elemento submersão, etc., que é permitido e conveniente come-
principal, o mais racional, o mais biológico e o mais ideal da çar, pelo menos, por reanimara irritabilidade e a sen-
terapêutica. É, verdadeiramente a arte de curar, como diz sibilidade com o auxílio de paliativos, tais como as le-
Hahnemann, sem ambigiidade, no 854 da sexta edição do ves comoções elétricas, enemas com café forte, odores
Organon: “A Homeopatia pura é também, certamente, a úni- excitantes, ação progressiva do calor, etc.
ca verdadeira maneira de curar, a via mais direta possível à
arte do homem, assim como é certo que entre dois pontos “Logo que a vida física foi reanimada, o papel dos ór-
dados somente uma linha reta é possível.” A Homeopatia é, gãos que a mantêm retoma seu curso regular, porque
então, a Medicina, a Alopatia tendo somente o direito de se não havia, neste caso, doença*, mas apenas suspen-
exprimir nas indicações acessórias, paliativas, bem defini-
são ou opressão da força vital, que aliás se enconirava
das por Hahnemann no seu imortal Organon. Deve-se reler ela mesma saudável.
o 822 e, sobretudo, o 54, e depois o 870 na sexta edição,
onde certas passagens foram modificadas e tornadas ainda “Agui se coloca, ainda, diversos antídotos nos casos de
mais imperativas, a respeito da definição e do valor da enverenamentos súbitos:
Alopatia. Estas considerações ainda são tão verdadeiras
atualmente quanto no passado e não envelheceram. e os álcalis contra os ácidos minerais;
Mas consultemos o parágrafo onde Hahnemann fala dos e o fígado de enxofre contra os venenos metálicos;
casos de urgência, que ele chama de extremamente urgen- e o café, a cânfora (e a ipecacuanha) contra os enve-
tes: ele pensou em tudo. Se nos esforçássemos mais na con- nenamentos pelo ópio, etc.”
sulta do Organon, encontraríamos nele frequentemente a
resposta satisfatória a muitas questões - e repito as palavras Tem-se, mesmo, o direito de dizer que a Alopatia, com
do médico do rei da Inglaterra: “As obras de Hahnemann suas pesquisas diagnósticas, seus exames de laboratório,
não somente não são desatualizadas como estão 500 anos
adiantadas em relação à nossa época”. “Nunca será o bas-
tante”, dizia Kent, “meditar e retirar as verdades que elas 56 “A nova seita eclética (a dos insuficientistas) apóia-se, mas em vão, nesta ob-
contêm.” Eis em extenso o 867: servação, para admitir sempre as exceções à regra, nas doenças, e poderapli-
car paliativos alopáticos; diríamos que ela só age assim para se poupar do
“É somente nos casos extremamente urgentes, onde o esforço de pesquisar o remédio homeopático que convém exatamente a cada
caso mórbido ou, mais ainda, do esforço de se tornar médico homeopata, ao
perigo que a vida corre e a iminência da morte não
mesmo tempo de dar ares de sê-lo; porém, seus fatos respondem aos seus
deixariam o tempo para um medicamento homeopáti-
princípios e eles se reduzem a quase nada.” (Nota do Autor).
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Homeopatia de urgência 229
228 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
mem do DR. PIERRE SCHMIDT

co do doente, que faz sua crise ou sua manifestação super-


microscópicos, bacteriológicos, radiológicos, etc, necessita
aguda; enfim, se é o caso em que não se pode, em alguns
de tempo para sua aplicação - e que não há o direito de
minutos, ou alguns segundos, observar e separar os sinto-
“deixar o doente sofrer e esgotar seu coração...”
mas, classificando-os rapidamente por ordem hierárquica.
Porém, agir é fazer alguma coisa e para fazer alguma
Tem-se o costume de se descrever sob o nome de “Medi-
coisa, deve-se saber onde e como agir. O que se diria de um
cina-e de Cirurgia de urgência” os sintomas crônicos com
atirador que, sendo atacado, atiraria para qualquer lugar,
aparecimento súbito ou de piora brutal, que necessitam de
“para fazer alguma coisa”? É mirando, e depois atirando,
uma terapêutica ativa e imediata.
que se pega sua presa. Para mirar, necessita-se, de qualquer
Pode-se estar na presença de lesões traumáticas em um
forma, um pouco dereflexão. Se for feito depressa demais,
acidente que produziu queda, contusões e ferimentos que
comete-se erros que podem ser graves e culpáveis.
podem provocar distúrbios internos hemorrágicos, perfura-
Um grupo se afoba diante de um homem,estendido no
ções, infecções agudas, com fenômenos de choque mais ou
chão, que se sufoca, apresenta o rosto vultuoso e parece ter
uma síncope cardíaca. Ele está inconsciente. Os médicos irão menos manifestos. Ou então, trata-se de agentes físicos de-
auscultá-lo lá, no meio da rua. Os médicos estão apressa- terminantes: queimaduras, congelamentos, eletrocução, in-
solação, asfixia, imersão, ou de mordeduras de animais.
dos, sua vida está em perigo.
Os que possuem estojo de urgência alopática fazem uma Pode-se estar na presença de lesões patológicas que de-
injeção de cânfora, de cafeína, de coramina? Pergunto: o sencadeiam a chamada urgente do médico, como as diver-
pulso estando fino, pode-se sempre fazer uma ou duasinje- sas hemorragias, as síncopes, as convulsões, coma, delírio,
ções, e depois de feitas as injeções, o doente continuar sem- intoxicações, hipertermia grave, os choques médicos e as
várias intoxicações.
pre no mesmo estado? Conto esta passagem que eu vivi. O
doente foi levado, então, ao hospital, sempre inconsciente, Entre as diversas lesões, há as que são comuns a todas
e foi colocado no isolamento; lá, o que se fez? O interno as regiões do organismo e algumas que necessitam de um
veio e, tranquilamente, sem pressa, auscultou, percutiu,
exame geral antes de se poderatribuir sua verdadeira causa.
pesquisou os reflexos, ou seja, fez um exame completo, e Outras, ao contrário, são caracterizadas por uma síndrome
regional que chama a atenção imediatamente: O médico terá
depois interrogou aquele que o trouxe - e ficou sabendo que
que decidir se é uma afecção médica ou cirúrgica, de uma
não foi um ataque ou uma síncope cardíaca, mas que se
doença ou um acidente.
tratou apenas de umacrise epiléptica na formatetânica, que
Do ponto de vista terapêutico, sem querer aventar todos
passa, geralmente, sem nenhum medicamento. Todo este
os casos de urgência, que cada médico deve julgar através
exame demorou 15 minutos. Foi ele impedido de sofrer ou
da sua prática pessoal, os casos em que se é incomodado
ter sua crise, pergunto?
Convém examinar o que se chama caso de urgência e de quando se trata realmente de urgência, de dia ou, sobretu-
do, à noite, sempre são devidos:
extrema urgência e ver se a individualização não é realmen-
- às dores agudíssimas,
te “mais possível”, e se ao lado dos sintomas comuns não
- às hemorragias ou evacuações súbitas,
há nada que seja realmente particular, singular, característi-
230 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Homeopatia de urgência 231
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

— às síncopes, “A família tinha sido avisada que o doente era terminal.


- aos fenômenos convulsivos. Eu não poderia dizer, neste caso, que era inadmissível, ape-
nas por espírito de doutrina, deixar-se esgotar não apenas
Neste caso, a Homeopatia tem alguma coisa para ofere- um coração, mas um doente?
cer que responda, rapidamente, sim ou não? De fato, uma dose de Nux vomica 200, dada depois de
Bem, esta é uma questão que já foi levantada e desen- um interrogatório e de um exame consciencioso do doente,
volvida no congresso de Londres, a respeito das doenças propiciou-lhe uma noite melhor, fez seu pulso subir a 47 e,
abdominais agudas. A decisão de aplicar a Homeopatia de- “depois de três meses, este doente estava em pé, saindo e
penderá, inicialmente, dos conhecimentos médicos gerais e andando.
homeopáticos, da arte de observar do médico e, em segui- Depois de 20 anos de prática de Homeopatia, observei
da, da sua coragem. Esta coragem se mede pela sua confian- apenas um único caso cardíaco onde, não podendo encon-
ça, baseada na sua experiência, tanto quanto nos conheci- trar o remédio imediatamente -— tratava-se de uma crise de
mentos dos recursos empregados. assistolia em um urêmico grave - tive que recorrer a um
Não poderei fazer melhor que apresentar alguns casos colega alopata. Os outros casos responderam perfeitamente
agudos dos quais me recordo. Veremos se existe uma pos- aos sintomas de urgência chamativos.
sibilidade de intervenção imediata diante destas síndromes Outro caso foi uma psitacose?” com forma broncopneu-
de alarmee se a individualização se torna um “mito” nes- mônica grave, tratada durante 16 dias por quatro alopatas,
tas circunstâncias, e se, enfim, a hierarquização não é mais entre os quais dois professores; foram dados ao paciente
possível. mais de 12 remédios diferentes, em poções e injeções, e mais
Inicialmente, lembro de dois casos meus publicados so- 55 cataplasmas, além de quatro transfusões sanguíneas!
bre os agonizantes. Era meia-noite e o doente estava completamente deli-
O primeiro, um hipossistólico bradicárdico, um caso de rante e confuso, quando me chamaram. Um exame comple-
Stokes Adams, que possuía um pulso de apenas 14. Ele esta- to e um interrogatório detalhado, que me tomaram cerca de
va estendido em seu leito, coberto com um lençol sobre o uma hora, permitiram-me estabelecer uma anamnese com-
rosto, para não sentir a menor corrente de ar. Ele não su- pleta e, apesar da extrema gravidade do caso, voltei para
portava o menor ruído e nenhum odor, tanto estava hiper- casa e trabalhei ainda o caso no repertório durante cerca de
sensível a tudo: uma hora. Três horas se passaram antes da minha prescri-
e Vertigem com estado de confusão, ção, mas o que tinham feito os outros até o momento? Dar
e maxilar contraído, os remédios com toda a precipitação, toda pressa, “para fa-
e oprimido, ansioso. zer alguma coisa”, e apenas chegar a uma piora progressiva
da doença que se tratava, enquanto que o doente descia
Tratado por um professor, ele lhe deu toda a gama de
cardiotônicos que poderia sonhar o melhor e o mais zeloso
57 Infecção causada pelo C.psittaci e transmitida por via respiratória por várias
dos alopatas. espécies de aves, incluindo os psitacídeos (papagaios, periquitos). (N.T).
Homeopatia de urgência 233
232 A ARTEDE INTERROGARe outros textos selecionados
e do DR. PIERRE SCHMIDT

rapidamente a ladeira e era conduzido ao fim. Para que ser- dos métodos alopáticos, mas do seu perigo pela camufla-
ve fazer prescrições baseadas em sistemas ideológicos que gem dos sintomas e bloqueio das funções essenciais que
se revelam inoperantes? eles provocam nos órgãos superintoxicados.
Hyosciamus 1000 salvou este doente e este caso de ur- Se queremos falar de intervenção imediata, é preciso que
gência pôde ser visto com a mente descansada e tratado esta seja eficaz e não piore mais ainda o caso. É o que me
segundo as leis e os princípios do método homeopático puro. faz pensar no trabalho do Dr. Petrie Hoyle, sobre os homeo-
Estes dois casos ilustram somente o fato de que, mesmo patas acusados de serem “assassinos passivos”. Ele replica
diante de casos graves, onde se é chamado de urgência, - que os alopatas são “assassinos ativos”.
pode-se salvar os doentes aparentemente perdidos, porque Nas crises de taquirritmia, como na epilepsia, ou uma
dedica-se o tempo necessário para estudar, com sangue frio bela crise de enxaqueca, o que a Alopatia oferece?
e calma, os sintomas dos moribundos. Eis casos de urgência, onde o socorro deveria ser ime-
Lembro-me de um caso de prosopalgia dupla*8, operado diato. Quais são os meios que existem para impedir o sofri-
de um lado em um doente tratado por um alopata, acometi- mento do doente? Se é admissível que se deixe o coração se
do por esclerose em placa e a quem se fazia injeções de esgotar enquanto os cardiotônicos não fazem nada - nem
morfina, depois de terem sido tentados todos os outros cal- mesmo a digitalina, enaltecida nas últimas publicações des-
mantes possíveis, injeções repetidas nos dois últimos dias a te país como a panacéia da taquicardia. Não falo das
cada 20 minutos, depois mesmo a cada 5 minutos, para taquicardias que cedem pela simples, compressão
eliminá-la, e que não se conseguiu nem mesmo aliviá-la por carotidiana ou ocular, nem das cefaléias que cedem a uma
um instante. Que não venham, então, me dizer, que a aspirina, para recair na primeira oportunidade.
Alopatia pode acalmar todos os sofrimentos! À noite, quantas vezes fui chamado pelo telefone por
Ele apresentava uma uremia, síncopes frequentes e ti- uma criança que berrava por causa de uma otite. Algumas
nha sido transportado ao hospital. Foram dadas injeções de perguntas feitas à mãe para permitir uma individualização -
cardiotônicos, e depois diversos calmantes que conduziram e que duraram, no máximo, dois a três minutos — conduzi-
ao bloqueio dos rins e convulsões subentrantes que piora- ram à determinação doremédio:
ram a tal ponto que foi necessário levar o doente com duas Se a criança acordar bruscamente com gritos e agitação,
enfermeiras em um veículo para atravessar a fronteira para o rosto vermelho, a pele quente e seca, deve-se dar Aconitum
que ele pudesse morrer na França, pois era francês. 200, em 1 ou 2 doses, e a criança se acalmará em 5 a 10
Não me farão esquecer tais casos - e tantos outros — minutos, no máximo.
onde pude me convencer não apenas do fracasso estupendo Se, além disto, ela apresentar as pupilas dilatadas, a ca-
beça quente e os pés frios e uma transpiração quente, deve-
se dar, então, Belladonna.
Se umaorelha está vermelha e a outra não, ou uma quen-
58 Não encontramos tradução moderna para este sintoma. Porém, sem prejuízo
para a compreensão, pode-se considerar como um fenômeno álgico não so-
mente pela terminação da palavra — algia — como pelo texto em que o autor
te e a outra fria, e se a criança está de mal-humor, deve-se
refere o emprego da morfina (N.T). dar Chamomilla.
234 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Homeopatia de urgência 235
eee do DR. PIERRE SCHMIDT

Se a criança está choramingando e a dor se irradiar ao alguns minutos após a tomada do remédio, como já obser-
rosto, e ao ouvido esquerdo, deve-se seguir os bons conse- vei muitas vezes, pois, muito frequentemente, foi por telefo-
lhos de Jahr e administrar, então, Pulsatilla. ne que tratei destes casos.
Se a dor for no ouvido direito e a criança transpirar gri- As dores provocadas por queimaduras correspondem,
tando, frequentemente deve-se ministrar Mercurius. segundo o grau, ao estado das queimaduras e dos sintomas
Mas não vou dar uma aula de terapêutica otálgica. Nun- provocados em Urtica urens, Arsenicum album, Cantharis,
ca fui obrigado, em 20 anos, deslocar-me à noite para tais Causticum, Kreosotum e, em alguns minutos, os doentes se
casos. Todos eles responderam 100% à Homeopatia, e nun- -sentiram aliviados - seja dando somente o remédio coloca-
ca tive necessidade de recorrer à paracentese, nem conheci do sob a língua, seja combinando este tratamento com uma
casos que não foram aliviados em 10 minutos. cobertura úmida, embebida com um destes remédios em
As hemorragias, por exemplo, sejam elas uma hematê- baixa diluição.
mese, uma hematúria, uma melena ou uma hemoptise, me- As insolações respondem muito rapidamente à Bella-
lhoraram alguns minutos depois da administração dos re- donna, Gelsemium, Glonoinum e Natrum carb., segundo os
médios. Vi uma hemoptise parar em 2 minutos com sintomas.
Acalypha 200, uma hematúria cessar em alguns minutos Com Phosphorus, consegui recuperar um eletrocutado.
com Cantharis, uma outra com Hepar recidivar parcialmen- Com Lachesis, um asfixiado.
te e desaparecer definitivamente. No colapso, deve-se dizer que se trata deuma urgência,
Não esquecerei da úlcera duodenal que provocou 18 ata- desde o momento em que se chama o médico por causa de
ques de melena - a hemoglobina chegou a 22% - e hemor- um doente desmaiado, até quando o médico chega e vê que
ragias que pararam com apenas uma dose de Arsenicum 200. quase sempre a crise passou - como em muitos casos de
Sempre, em todos estes casos, a individualização foi ob- urgência. Aconitum, Opium, Moschus, Camphora, Veratrum,
servada segundo a cor, a consistência, a abundância do san- Amonium carb. e Hydrocyanicum. acidum, administrados
gue e as modalidades. segundo as modalidades do doente, seja pela boca seja em
Um bebê de três dias apresentava uma melena devida a olfação, fazem com que ele se recupere. Já me ocorreu utili-
uma colite sifilítica ulcerosa e, em algumas horas, ela foi zar aplicações quentes, flagelações frias e pequenos enemas
definitivamente controlada graças a Ipeca 200, e em seguida de café.
a China 200. Mesmo na hérnia estrangulada, antes do transporte para
Nas epistaxes, quando o sangue sai em fluxos, bem ver- a operação, Nux vomica fará muito mais que a morfina -
melho, ou se está coagulado e bem preto, ou se ocorre ao que é considerada, atualmente, como perigosa para as afec-
assoar o nariz ou ao tossir, durante uma cefaléia, regras, um ções abdominais - pois o doente passa a não apresentar
ataque de púrpura, uma difteria ou umafebre tifóide -serão mais defesa e a peritonite aumenta - o que pude observar
indicações para, respectivamente, dar-se : Belladonna, Secale, pessoalmente em vários casos.
Arnica, Drosera, Aconitum, Sepia, Phosphorus, Crotalus - Nas cólicas hepáticas, nunca prescrevi morfina. Se a in-
horridus ou Lachesis, e vê-se a parada da hemorragia em dicação for clara, Belladonna, Colocynthis, Dioscorea,
236 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados Homeopatia de urgência 2317
do DR. PIERRE SCHMIDT

Natrum sulph., Chelidonium ou Mercurius acalmam em 5 a esquecer que se pode também fazer o paliativo com a Ho-
20 minutos. Frequentemente, faço uma espondiloterapia que meopatia - como Hahnemann e Kent expuseram.
alivia em alguns minutos e nunca deixa o doente no estado Nos vômitos incoercíveis, Apomorphinum ou Ipeca, se a
em que a morfina deixa: com constipação, oligúria e suores, língua estiver limpa, ou Cocculus, se são acompanhados por
língua pastosa e náuseas. vertigens, etc, funcionam maravilhosamente. Em geral, são
Nos cálculos renais, Atropinum, Pareira e Berberis, asso- administrados à 302 ou à 2002, 1 dose após cada vômito, e
ciados ou não com a espondiloterapia, agem imediatamente não é raro vê-los cessar após 3 ou 4 doses.
e espaçam ascrises, permitindo, em seguida,tratar o doente Na eclâmpsia, Cuprum ou Belladonna deram resultados
pela pesquisa do seu remédio constitucional. rápidos para colegas americanos. Pessoalmente, não tenho
Para as diversas peritonites e apendicites, peço para ler esta experiência.
meu trabalho de Londres, onde demonstro que na apendici- É preciso lembrar aqui da malária de um jovem árabe,
te aguda, superaguda, mesmo com perfuração tipo tiro de do qual possuo um belo busto em minha sala de espera e
pistola, a Homeopatia age e propicia excelentes resultados — cujo caso foi publicado em detalhes no livro do congresso
e pode salvar o doente - enquanto que um transporte pode de Genebra. Este doente foi tratado por professores em
ser fatal e a operação generalizar a peritonite e favorecer o Berlim e se mostrou “quino-resistente”: apenas o 606em
óbito porque o paciente foi operado tarde demais. injeções tinham diminuído o tempo dos acessos, não os su-
Em todos estes casos abdominais agudos, a Homeopatia primindo de forma nenhuma. Observei o doente durante um
pode agir imediatamente, ou muito rapidamente, para acal- dia inteiro para acompanhar toda a evolução da sua crise e
mar a dor. Porém, é verdade, existem momentos trágicos estudei seu caso no dia seguinte. Assisti, em seguida, duas
onde o médico se encontra diante de graves dilemas. Neste crises que foram modificadas por Nux vomica XM e depois
caso, ainda é a experiência, a confiança e a coragem que curei-o definitivamente dos seus hematozoários após uma
decidem o caminho a ser seguido. Quantas apendicites ope- única dose de Natrum muriaticum XM, cura esta que se
radas não eram apendicites! Porém, não há tempo de entrar mantém há quinze anos!
na discussão do “abdômen agudo”, examinado em detalhes Existe, além disto, um volume sobre a Homeopatia de
no congresso de Londres. urgência, de Sieffert, editado em 1890, assim como artigos
Opium ou Rhus podem ser dados na oclusão intestinal, publicados na literatura, entre outros, por Stearns, nos Esta-
antes da operação. Este remédio lembra o belo caso citado dos Unidos e Weir, na Inglaterra. A literatura é farta de ca-
por Carleton no seu livro “A Homeopatia na Medicina e na sos urgentes tratados com sucesso pela Homeopatia e, às
Cirurgia”. vezes, com a rapidez de um raio!
No edema agudo de pulmão, Antimonium crudum,
Antimonium tart., Amonium carb., Arsenicum ou Phospho-
rus são os remédios mais frequentemente indicados nestes
59 Assim citado no original. Não podemos saber do que se trata, evidentemente.
estados graves, e sua ação, com frequência rápida, permite, Provavelmente, são preparações clássicas de farmácias hospitalares que acaba-
em seguida, procurar o remédio curador, pois não se deve ram recebendo um número e, desta forma, ficaram conhecidas (N.T.).
Homeopatia de urgência 239
238 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

Não posso deixar de comentar o caso em que, chamado recebeu, então, Rhus XM e ficou curado em menos de uma
de urgência no inverno, em Pinchat, fui em um carro que semana!
arrancava com o auxílio de uma manivela. Na minha chega- A Homeopatia age com uma rapidez incrível em certos
da, uma senhora abriu a porta usando um avental branco, casos — sem mencionar, aqui, todas as dores de dente inter-
ar afobado, e me pediu para segui-la rapidamente ao pri- rompidas em alguns segundos - com os medicamentos. A
meiro andar. Eu ouvia gritos: “água, água!”. Vi um homem odontalgia é a pedra angular que permite provar a um
de 45 anos, com o rosto vermelho e congestionado, que apre- alopata com dor a atividade ultra-rápida dos medicamentos
sentava convulsões clônicas nos membros superiores e que homeopáticos!
berrava: “água, água!”. No tempo em que me virei, abri o Um dia, em Boston, eu jantava com o Dr. Woodburry e
estojo de Homeopatia de urgência e dei alguns glóbulos do sua mulher quando ela subitamente começou sentir dores
remédio indicado, sob a língua da boca aberta, e depois me atrozes no seu primeiro molar direito inferior, no momento
voltei para recolocar o tubo no estojo, que foi um breve tem- em que bebia um gole de águafria. Ela segurava a bochecha
po de 6 segundos no máximo, os braços do paciente caíram e gemia: a dor era importante. O que fazer? Belladonna,
inertes, seguidos de um intenso suspiro. Chamomilla e Mercurius foram propostos, mas verifiquei no
O doente, com os olhos esbugalhados, virou-se para mim repertório e em dois minutos exatamente vimos que Kali
no momento em que lhe disse: “Bem, o que diz dos remé- carb., Phosphorus e Staphisagria possuíam estas caracterís-
dios homeopáticos?”. Esperei então: “Ah! é o senhor, dou- ticas, mas apenas Staphisagria possuía todas no grau máxi-
tor! Bem, o senhor tem uma fé enorme!*. mo. Staphisagria acalmou a senhóra em 15 segundos e a
Hesitei um segundo entre Stramonium ou Hyosciamus, refeição terminou na alegria e na glorificação da ação prodi-
ou Belladonna, mas o doente não estava descoberto - soube giosa dos remédios homeopáticos.
que ele estava com 40º C de febre - e por esta razão elimi- Não esqueço a impressão que o Dr. Barlee, na Inglaterra,
nei Hyosciamus e não encontrei a violência suficiente para causou-me por ocasião da minha primeira viagem ao exte-
Stramonium, mas: rior, quando chamado para atender uma urgência de uma
criança que tinha crupe. Ele me disse: “Pego meu estojo de
e a cabeça para trás, urgência que comporta 100 remédios, todos na 2002 dina-
e os olhos fixos, mização.” Quando vou atender casos de difteria, levo, as-
e a cabeça rolando sobre o travesseiro, sim como em todos os casos de urgência, o mesmo estojo de
240 remédios que me são muito úteis, e afirmo com a maior
Fizeram-me decidir a dar Belladonna 200, em uma dose das energias:
única. “Que baseando-se nos ensinamentos de Hahnemann
Durante quatro dias foi impossível estabelecer o diag- pode-se, no caso de urgência e de extrema urgência, dar
nóstico: seria reumatismo cerebral ou meningite? remédios homeopáticos, encontrando o remédio mais apro-
Uma consulta com um colega permitiu, apenas no quin- priado entre aqueles que são típicos das afecções considera-
to dia, encontrar um foco de broncopneumonia. O doente das, graças a uma individualização feita rapidamente, atra-
240 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

vés de umasimples chamada direta ao centro de Wernicke*º


- a matéria cinzenta - caso esta tenha sido embebida por
conhecimentos homeopáticos apropriados de Matéria Médi-
ca, Filosofia e Repertório”.
Nos casos de urgência e de extrema urgência, pode-se
dizer que a Homeopatia tem possibilidades mais extensas XI |
que a Alopatia, sem apresentar perigos. Ela pode agir mais
rapidamente, sem sedar os doentes e nem acrescentar uma
intoxicação a uma doença já existente.
Se existem casos onde houve ou se ainda houver neces-
|
sidade de se recorrer à Alopatia, esta é a prova da insufi-
|
ciência dos conhecimentos homeopáticos, pois estou con-
victo de que um médico mais experimentado encontraria O PEQUENA REVISÃO
remédio que não se conhece. Além disto, o que no início da
prática não se podia fazer, agora consegue-se realizar. E de- MEDICAMENTOSA PRÁTICA
pois, a leitura da abundante literatura homeopática mostra
quase todos os dias a experiência de outros homeopatas que
conseguiram curas brilhantes e rápidas.
Todos os nossos casos de urgência devem se tornar, para
cada homeopata consciencioso, a ocasião para provar não
apenas que ele pode dispensar as drogas alopáticas, mas
que o remédio homeopático pode ser encontrado rapidamen-
te e também produzir efeitos imediatos, pois é dever dos
médicos homeopatas aperfeiçoarem-se cada vez mais nesta
inegável terapia, pela auto-repetição sem fim do preceito de
Hahnemann:

“Quando se trata da arte sagrada de curar, deixar de


aprender é um crime.”

rm
tin-
60 Figura de linguagem citando a área cerebral de Wernicke responsável pela
guagem (N.T).
Pequena revisão medicamentosa prática 243

APIS MELLIFICA

A abelha é um remédio maravilhoso para os edemas.


Lembro-me de uma empregada que estava preparando uma
salada quando, de repente, uma abelha chegou e a picou
próximo ao seio. Ela teve um inchaço pavoroso, começou a
gritar na cozinha e a se sufocar. Sua patroa, que possuía
uma pequena farmácia homeopática, telefonou-me logo,
completamente afobada. Aconselhei imediatamente Apis,
que ela deu à 2002 dinamização. Meia hora depois, tudo
ficou tão bem que quando cheguei, não havia mais nada.
Não havia mais angústia, dores ou inchaço. Apenas uma
vermelhidão indicava o início do drama. “Logo que tomei
estes pequenos grãos brancos, senti-me imediatamente livre
da dor! É único, é maravilhoso!”
Minha mulher, um dia, ao comer uma uva, engoliu um
marimbondo que a picou na garganta. Ele teve um edema
de glote e peço para acreditar que quando assiste-se a uma
encantadora manifestação como esta, lembra-se para a vida
toda! É o drama da sufocação! Como ela não conseguia
assoprar nem engolir, rapidamente eu coloquei no canto da
sua boca alguns glóbulos de Apis mellifica 200 e, nos segun-
dos seguintes, a expressão trágica da face completamente
congestionada mudou instantaneamente e, pouco a pouco,
Peguena revisão medicamentosa prática 245
244 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecionados
do DR. PIERRE SCHMIDT

do urinar em pé, com as pernas separadas e inclinando-se


em meia hora, tudo voltou ao normal. Ouve-se constante-
para frente!
mente: “A Homeopatia age lentamente!” Bem, este é um
aviso aos interessados!
CINNABARIS

CAULOPHYLLUM THALICTROIDES É um remédio que gosto muito pois age rapidamente e


bem, segundo suas indicações. Cada remédio tem seu
Este é um remédio da dismenorréia, com ação freguen- charme, cada um tem suas características. São como perso-
temente notável. Dores, sobretudo uterinas, piores antes das nagens que se encontra na vida. Cinnabaris é encantador.
regras, mas também durante, paroxísticas, como as do par- Ele é indicado para quem tem dores em torno dos olhos e é
to, com pressão para baixo, com regras pálidas, insuficien- o remédio da glande, de tudo o que acontece com a glande:
tes, irregulares, atrasadas, raramente profusas. “erupção, inchaço, inflamação, etc.
Também para congestão de sangue na cabeça, agravada
depois de comer. E para a sífilis.
CAUSTICUM

CLEMATIS ERECTA
É um remédio precioso para as mulheres que deram à
luz e não conseguem urinar; o mesmo também é indicado
para o bebê, para fazê-lo urinar. Eis um remédio maravilhoso para as dores e inflamações
testiculares e do cordão espermático direito: adenopatia inguinal,
pingos involuntários de urina após a micção. Conjuntivite.
CHAMOMILLA MATRICARIA
COLCHICUM AUTOMNALE
Remédio que os pediatras devem sempre pensar para Os
casos das crianças temperamentais, que se acalmam logo Corresponde,isto é sabido, aquelas pessoas que não con-
que suas mães as pegam nos braços e que assim que são seguem nem mesmo ver a comida, cheirá-la ou pensar nela
recolocadas no berço, eis que urram novamente. Uma pe- sem ter náuseas. E se, além disto, há distensão abdominal,
quena dose de Chamomilla 200 e tudo volta ao normal. Colchicum funcionará melhor ainda.

CHIMAPHILA UMBELLATA COLOCYNTHIS CUCUMIS

Remédio urogenital e, sobretudo, da próstata. Quando É o remédio sobre o qual há umahistória que aconteceu
se tem a sensação de ter uma bola no períneo, só conseguin- com meu mestre, o Dr. Austin, em um ano em queestava de
246 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Pequena revisão medicamentosa prática 247
e do DR. PIERRE SCHMIDT

férias. Soube-se que ele era médico. O diretor do hotel veio CUPRUM ACETICUM
um dia dizendo-lhe: “Por favor, senhor, escute. Tenho hos-
pedado no hotel um grande industrial que está doente. Hoje Eu talvez já tenha dito: nos meses de setembro ou outu-
é feriado e não consigo encontrar um clínico nem cirurgião. bro vê-se, fregiientemente, pessoas acometidas por cãibras,
Ele tem uma dor abdominal e temo que seja uma apendici- particularmente neste momento do ano.A razão é que, neste
te. O senhor pode vê-lo?”. Meu mestre respondeu: “Eviden- momento, come-se uva que foi regada com sulfato de cobre.
temente, estou de férias, mas irei vê-lo”. Ele foi, palpou o E o sulfato de cobre é um remédio que provoca facilmente
doente, examinou-o e, finalmente, diagnosticou uma apen- -cáibras nas panturrilhas, que são admiravelmente aliviadas
dicite aguda. Além disto, ele tinha febre. O doente estava por Cuprum aceticum, Cuprum metallicum ou Cuprum
muito inquieto, levantava as pernas, segurava a barriga e, sulphuricum na 200º dinamização. Deve-se recomendar a
visivelmente, sofria muito. O Dr. Austin disse-lhe: “Escute, estes doentes para que nunca espreguicem na cama, mas le-
senhor, há duas possibilidades no seu caso. Ou espera-se a vantem os joelhos até o peito quando sentem vontade de es-
chegada de um cirurgião ou trato-o imediatamente com Ho- preguiçar e, assim, eles evitarão as cãibras tão dolorosas.
meopatia”. “Não tenho a menor idéia do que é a Homeopa-
tia”, responde o doente. “É um método que pode curar ca- DULCAMARA
sos semelhantes ao seu. Entretanto, caso seja operado, isto
vai lhe custar 1000 dólares. Aceito tratá-lo homeopaticamen- É, como Natrum sulphuricum e outros, um remédio típi-
te, mas se eu curá-lo, cobrarei também 1000 dólares!”. “Ah, co da piora pela umidade.
para mim tanto faz se o senhor conseguir me curar sem
operação”. E o Dr. Austin lhe deu, então, Colocynthis 200,
GELSEMIUM SEMPERVIRENS
repetido de 2 em 2 horas, pois ele tinha trazido seu estojo de
medicamentos. No dia seguinte, o doente estava bem me- Remédio do medo e dos transtornos causados pelas más
lhor, três dias depois ele andava pela praia e estava muito notícias.
bem! Honestamente, ele pagou o que havia prometido! Eis
aqui a Homeopatia “cirúrgica”!
Talvez não se possa garantir as recaídas, mas os cirurgi- HELONIA DIOICA
ões também não, se pensarem na inflamação deste pequeno
Indicado para a doente que sente seu útero e tem a cons-
meso-apendicular. Vi dois casos de doentes que, depois de
ciência dele, como se fosse uma pêra no baixo-ventre.
sua operação, voltaram a ter crises por causa das aderências
provocadas por este pequeno meso inflamado.
Cada remédio tem seu pequeno campo de ação. Crotalus HYDRASTIS CANADENSIS
horridus faz pensar em coisas graves na área sanguínea.
Croton tiglium evoca o intestino e histórias de diarréia. Ele tem, curiosamente, uma excelente ação nos seios da
Cubeba lembra o sistema urinário. face, na rinofaringe e na parte inferior sobre o reto.
A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados
Pequena revisão medicamentosa prática É 249
248
mn do DR. PIERRE SCHMIDT

KALI SULPHURICUM uma ação ainda mais extraordinária, que muito enriqueceu
a Matéria Médica. Pessoas com características de Natrum
O sulfato de potássio encontra-se nos terrenos onde cres- muriaticum detestam ser consoladas e acrescentam sal na
ce a Pulsatilla. E quando houver um doente que apresenta sua comida mesmo antes de experimentar!
todos os sintomas de Pulsatilla, mas que tem sede, dá-se
Kali sulphuricum.
ORIGANUM

LAC CANINUM É o remédio para o onanismo das moças.


Leite de cadela. Minha mulher pegou o leite de uma ca-
dela e fez uma trituração. É um remédio que funciona em PETROLEUM
99% dos casos para cortar o leite das mulheres que querem
desmamar. Duas doses de Lac caninum XM com 48 horas de Tem uma ação sobrea dacriocistite. Eu mostrei um caso.
intervalo bastam. Há também fissuras profundas nos dedos e nas mãos, com
uma pele muito seca e dura. Um eczema queratósico com
fissuras que até sangram, nas mãos e pontas dos dedos. Ele
MANGANUM ACETICUM
provoca, em geral, e cura, é claro, transpirações nas axilas
Quando se vê Manganum, pensa-se logo no ouvido. É com cheiro ruim.
raro os doentes que tenham necessidade de Manganum e
que não tiveram ou não tenham alguma coisa no ouvido.
PHYTOLACCA DECANDRA

MEDORRHINUM E um remédio notável para a garganta, os seios e a coxa:


três localizações esquisitas.
Pus gonocócico dinamizado. Pude obter, quando estive
em Sevilha, pus de um oficial espanhol que tinha “feito a
festa” e consegui uma preparação de Medorrhinum formi- PLATINA
dável. Ele age admiravelmente segundo a sintomatologia tí-
pica deste precioso nosódio. É raro que os reumatismos não É o remédio do orgulho, das pessoas altaneiras, que
tenham necessidade como remédio reativo.' olham de cima. É também o remédio das hemorragias, das
metrorragias muito escuras, pretas.
Vejo sempre uma senhora com cerca de 45 anos, que
NATRUM MURIATICUM
tem um grande chapéu, um vison magnífico, e sempre que
O vulgar sal de cozinha, que possui uma ação sobre o chega ao meu consultório, ao passar pela porta, balança seu
intestino quando se usa muito mas que, dinamizado, tem casaco de pele contra os batentes que quase é preciso que a
250 A ARTE DE INTERROGAR e outros textos selecionados Pequena revisão medicamentosa prática 251
>> do DR. PIERRE SCHMIDT

porta se alargue em sua passagem. Eu possuo uma bela pol- que esta gente faz e pode-se, assim, aprender muitas coisas.
trona diante da minha mesa. Ela começou a consulta pegan- Vi manipuladores que me maravilharam pela maneira com
do-a e afastando-a, como que para marcar a distância entre que endireitavam um pé ou uma perna. Os médicos, sempre
a “grande doente” e o “pequeno médico”, que se encontra podem adquirir alguns conhecimentos ao observá-los, pois
do outro lado. estas pessoas têm todos os tipos de dons e de savoir-faireil
Então, com ares grandilogientes, ela me descreve seus que infelizmente os médicos ignoram e que certamente não
sintomas. são ensinados nos cursos de Medicina. Este charlatão cura-
É muito curioso. Eu lhe dei Platina, que correspondia a va todos os tipos de doenças dos olhos com uma preparação
tudo o que ela tinha, sobretudo aos seus sintomas uterinos. incrível e um tratamento que eu não compreendia. Fui, en-
No seu retorno, ela não mais afastou a poltrona. Depois, na tão, com um paciente que havia comentado dele. Ele se cha-
próxima vez, ela aproximou a poltrona. Esta história pára por mava senhor Vert. Eu o via molhar suas mãos em uma pe-
aí felizmente! Em resumo , Platina é um remédio que dimi- quena garrafa e massagear em torno dos olhos. Ora, como
nui os sentimentos de orgulho e altivez. Como os remédios temos a sorte de ter cinco sentidos, meu senso do odor des-
não são experimentados em camundongos brancos ou em pertou pois o conteúdo da garrafa éra apenas um bom
rãs, os experimentadores podem dizer como se sentem. A kirsch*2. Ou seja, era Pruno cerasus. O homem massageava
Medicina comum nas suas experimentações perde toda a Ti- em torno dos olhos com o kirsch e melhorava muitos doen-
queza sintomatológica moral ou mental dos medicamentos. tes. Sabe-se, em Homeopatia, que todos os Prunus têm uma
ação especial sobre os olhos.
'-E para o bem dos doentes que sofrem dos olhos, aconse-
PLUMBUM METALLICUM
lho sempre massagens com um pouco de kirsch e muitos
têm suas dores diminuídas e desaparecidas.
É um remédio extraordinário para as paralisias infantis
e, sobretudo, para as constipações rebeldes, principalmente
se houver a sorte de ter um doente que diz: “Sinto meu RHUS TOXICODENDRON
umbigo puxado para trás como se existisse um barbante no
meu ventre.” Um médico comum irá zombar deste sintoma; Aquele que foi uma vez envenenado com Rhus não corre
porém; como em Homeopatia há a oportunidade de ver este o risco de esquecê-lo. Não se conhece isto na França, mas
sintoma nas experimentações de Plumbum, dá-se Plumbum nos Estados Unidos o Rhus cresce em pequenos arbustos
e eis que a constipação melhora logo. nos campos e, caso seja tocado, corre-se o risco de ter erup-
ções, às vezes terrivelmente tenazes, dolorosas e muito
pruriginosas.
PRUNUS SPINOSA

Este é um belo remédio para os olhos. Havia, em Gene- 61 Know-how (N.T.).


bra, um charlatão que era muito procurado. Gosto de ver o 62 Aguardente de cereja (N.T.).
nados
252 A ARTE DE INTERROGARe outros textos selecio
do DR. PIERRE SCHMIDT

que,
vi minha cunhada, que era muito sensível ao Rhus
anto so-
um belo dia, estava simplesmente no campo enqu
de Rhus,
prava um vento muito forte por cima dos arbustos
ras dis-
bem em sua direção. Ela voltou para casa com cocei
rou muitos me-
seminadas e uma intensa erupção que demo
ses para curar!

STAPHYSAGRIA

in-
É o grande remédio da vida moderna, o remédio da
es que so-
dignação. Emprego-o todos os dias para os doent
Staphysa-
freram mortificações, vexações ou contradições.
ização
gria realmente ajuda muito. Uma dose à 100002 dinam
tico,
basta, na maioria das vezes. É um remédio psicossomá
por excelência.

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