Você está na página 1de 100

EBOOK

MANUAL BÁSICO DE

DIREITO MÉDICO
E DA SAÚDE

TRIÊNIO 2022/2024
COMISSÃO DE DIREITO
MÉDICO E DA SAÚDE

Solange da Cunha Pacheco - Milena Motta de Assumpção - Fernanda Melo - Josélia Motta de
Assumpção - Juliana Lessa Béhar - Karla Galindo Kiuchi - Monique Magalhães Moraes - Pedro Porto
Alves - Renata Fernandes - Vanessa da Silveira Viana - Camila Silveira Barcellos - Sergio de Souza Alves
PREFÁCIO

A OAB Niterói traz agora aos advogados e advogadas mais este subsídio
formativo na área de Direito, especificamente do Direito Médico e da Saúde.
Iniciativa dessa Comissão temática, vem em um momento de grandes
mudanças no setor, e os profissionais do Direito precisam sempre estar
atualizados para saberem lidar assertivamente em suas causas.
Com essa publicação, seguimos com os trabalhos de estudo e
aperfeiçoamento da legislação, além de zelar pela advocacia e pelos cidadãos
que buscam seus direitos. Ao defender a Constituição, a ordem jurídica do
Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social, a OAB
Niterói contribui com a consolidação das instituições democráticas e da
cidadania brasileira.
Dou meus parabéns à Comissão de Direito Médico e da Saúde, com a certeza
de que este livro alcançará grande êxito no que se propõe.

Pedro Gomes
Presidente da OAB Niterói
AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos especiais a todos os envolvidos neste trabalho. Em especial à OAB


Niterói, na pessoa de seu Presidente, Dr. Pedro Gomes, por lutar pela capacitação dos
advogados, permitindo que as Comissões desenvolvam com liberdade seus projetos para
trazer aprendizado e atualização aos colegas.
Nosso agradecimento a todos os integrantes desta Comissão; nosso trabalho não seria
possível sem a participação de cada um de vocês. Nosso agradecimento ao Setor de
Comunicação Social da OAB Niterói, pelo trabalho de revisão desta publicação.
Por último, nossos agradecimentos aos colaboradores e patrocinadores que viabilizaram a
materialização deste projeto.

OAB Niterói
Gestão triênio 2022/2024
Presidente - Pedro Gomes
Diretor Geral da ESA - Júnior Rodrigues

Coordenadora Geral das Comissões - Leila Miranda

Presidente:

SOLANGE DA CUNHA PACHECO

Vice-presidente:
MILENA MOTTA DE ASSUMPÇÃO

Membros Delegados:
FERNANDA MELO
JOSÉLIA MOTTA DE ASSUMPÇÃO
JULIANA LESSA BÉHAR
KARLA GALINDO KIUCHI
MONIQUE MAGALHÃES MORAES
PEDRO PORTO ALVES
RENATA FERNANDES
VANESSA DA SILVEIRA VIANA

Médicos Colaboradores:
CAMILA SILVEIRA
SERGIO DE SOUZA ALVES

Revisão:
BERNARDO BASTOS GUIMARÃES

Designer gráfico:
ANA BEATRIZ PEREIRA XAVIER DE SOUZA

1
MEMBROS DA COMISSÃO

Advogada do Escritório Motta e Assumpção Advogados Associados,


Presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB
Niterói, Pós-Graduação em Civil, Processo Civil e Empresárial pela
FESUDEPERJ; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela
Universidade Cândido Mendes, com atualizações na área de Direito
de Família e Sucessões, Delegada da Comissão de Alienação Parental
da OAB Niterói; com Curso de atualização em Violência Doméstica.

Solange da Instagram: @advma.advogados


Cunha Pacheco Site: www.advogadosma.com

Advogada e sócia de Motta e Assumpção Advogados Associados,


Vice-Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB Niterói,
pós-graduada em Direito Processual Civil pela ESA, Direito
Empresarial pela Cândido Mendes e MBA em Direito Civil pela
Fundação Getúlio Vargas.

Instagram: @advma.advogados
Site: www.advogadosma.com
Milena Motta de
Assumpção

Advogada Especialista em Direito Médico pelo Instituto Paulista de


Direito Médico e da Saúde; Especialista em Ordem Jurídica pela
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro – FEMPERJ; Conselheira Titular do Conselho Local do Hospital
Municipal Carlos Tortelly (HMCT) – Niterói, Delegada da Comissão de
Direito Médico e da Saúde da Subseção da OAB Niterói.

Instagram: @fernandamelo.advogada
Site: www.fernandamelo.adv.br
Fernanda Melo E-mail: contato@fernandamelo.adv.br

Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense,


Servidora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, Sócia de Motta e Assumpção Advogados Associados e
Delegada da Comissão de Direito Médico da OAB Niterói.

Instagram: @advma.advogados
Site: www.advogadosma.com
Josélia Motta de
Assumpção

2
MEMBROS DA COMISSÃO

Graduada em Direito e pós-graduada em Direito Processual Civil pela


Universidade Candido Mendes (UCAM), Advogada em Motta e
Assumpção Advogados Associados e Secretária da Comissão de
Direito Médico da OAB Niterói.

Instagram: @advma.advogados
Site: www.advogadosma.com

Juliana Lessa Béhar

Advogada especializada em Direito Médico. Delegada da Comissão


de Direito Médico e da Saúde da OAB Niterói. Graduada pela PUC-
RIO (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Pós-
graduada em Direito Médico pelo CERS (Complexo de Ensino
Renato Saraiva). Pós- graduada em Compliance pela FGV
(Fundação Getúlio Vargas). Pós-graduada pela EMERJ (Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro).

Instagram: karlakiuchiadv
Karla Galindo Kiuchi

Advogada Especialista em Direito Médico. Pós-graduada em


Direito Médico e da Saúde pelo Complexo de Ensino Renato
Saraiva. Formação em Defesa Médica Administrativa no Conselho
Regional de Medicina (CRM) pelo Legale. Pós-graduanda em
Direito Civil e Processo Civil pela Instituição Legale. Possui curso de
prática em Compliance na Saúde pelo Hospital Sírio-Libanês (IEP).
Curso de Direito Médico na Prática pela Instituição CERS. Curso de
Ações em face das operadoras de plano de saúde pela OAB/RJ.
Curso de Litigância Estratégica pela OAB/RJ. Delegada da
Comissão de Direito Médico e da Saúde - OAB Niterói.
Monique Magalhães
Moraes Instagram : @moniquemagalhaes.adv
Site: www.direitomedicorj.com
E-mail: info@direitomedicorj.com

Advogado. Pós-graduando em Direito Público e Privado na Escola da


Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduando em Direito
Médico e Odontológico na Universidade Corporativa da Anadem.
Delegado da Comissão de Direito Médico e da Saúde

E-mail: pedroportoalves1@gmail.com
Instagram: pedroportoalves
Pedro Porto Alves

3
MEMBROS DA COMISSÃO
Advogada Especialista em Direito Médico e da saúde. Especialização
em Direito da Medicina - Centro de Direito Biomédico da
Universidade de Coimbra, Portugal. Especialista pelo Instituto
Paulista de Direito Médico e da Saúde. Pós graduanda em Processo
Civil pela UERJ. Membro da Associação Brasileira de Advogados –
ABA. Delegada da Comissão de Direito Medico e da Saúde da OAB
Niterói. Curso Pratica de Fim de vida – Prof. Luciana Dadalto
Imersão em Direito na Harmonização Orofacial - CEOI –
Florianopolis/SC Curso de Biodireito e Complice em saúde – Bioeticas
Renata na pratica.
Site: Renatafernandes.adv.br
Fernandes
Email: renata@renatafernandes.adv.br
Instagram: @drarenata.fernandes

Advogada formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de


Janeiro - Unirio, com CR 9,12. Sócia na Maione & Viana Advocacia.
Advogada no setor de Home Care da Unimed Leste Fluminense.
Cursando o 6º período de medicina na Unigranrio. Delegada na
Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB Niterói. Pós-
graduada em Estatuto da Criança e do Adolescente pela
Universidade Cândido Mendes. Residente jurídica na PGE, na
Secretaria Estadual de Saúde.
Vanessa da
Silveira Viana

Sergio de Souza Alves


CRM 52416606
End prof Rua Tavares de Macedo 95 S 1107 Icarai Niterói
Email sergiosouzaalves1960@gmail.com
Área de atuação: Cirurgia Plástica

Sergio de
Souza Alves

Dr Camila Silveira Barcellos


CRM 52-72041-0/RJ
Niterói -RJ
Área de atuação: Dermatologista

Camila Silveira
Barcellos

4
APRESENTAÇÃO
O direito à saúde está previsto nos ações judiciais, ou administrativas,
artigos 6º e 196º da Constituição junto aos Conselhos de Classe, como
Federal e o objetivo é que esse direito CRM, CFM e outros.
seja garantido por políticas públicas. Médicos, enfermeiros, advogados,
No Brasil, a relação entre direito e farmacêuticos, psicólogos,
saúde ganhou sua versão atual há odontólogos, administradores de
pouco mais de 25 anos, a partir da clínicas e hospitais estão a cada dia
Constituição de 1988, e sua sendo pressionados pela quantidade
cristalização foi fruto de amplos de normas e regulamentações
debates com grupos de pressão,
relacionadas com o seu exercício
sociedade civil e Estado.
profissional. De um lado, pacientes
A progressiva constitucionalização
estão em busca do seu direito à
que os direitos sociais tiveram na
saúde, à prestação de um serviço
década de 1980, associada aos
com qualidade e ao reparo de algum
desafios de implementação efetiva
dano causado proveniente da prática
por parte do Estado, fez que tais
em procedimento de saúde. Do outro
direitos fossem cada vez mais
submetidos ao crivo das instituições lado, profissionais e instituições de
jurídicas para sua efetivação. O saúde procuram seus direitos na
Direito Médico tem um papel defesa contra uma acusação indevida
importante nesse cenário de e também orientações jurídicas para
proteção jurídica às partes envolvidas atuar de modo preventivo.
nos direitos relacionados à saúde, Em alguns casos, ocorre a
havendo necessidade de uma visão negligência, imperícia ou
mais crítica e profunda do imprudência, e o profissional ou a
profissional especializado nessa área. instituição médica têm respondido
Direito Médico e da Saúde é uma financeiramente por suas ações ou
área em expansão e extremamente omissões, podendo chegar até
importante para atender as mesmo a deixar de trabalhar em sua
demandas judiciais relacionadas à área com a perda do direito ao
saúde. Este trabalho de introdução exercício profissional.
ao Estudo do Direito Médico e da Nos últimos anos, o número de
Saúde tem o escopo de apresentar ao conflitos envolvendo a área da saúde
advogado noções básicas para aumentou e tornou-se frequente
aquele que pretende conhecer os perante os tribunais de Justiça. As
direitos e deveres, vinculados às principais ações judiciais são movidas
questões jurídico-legais, dos contra planos de saúde e hospitais, e
profissionais, instituições de saúde e estão relacionadas com Direito Civil e
pessoas que utilizam dos serviços Direito do Consumidor. A saúde e o
destes, para prevenção ou defesa em direito são campos bastante

5
politizados no Brasil. As instituições embrionária, como: Código de Defesa
jurídicas e sanitárias têm sido do Consumidor e o Exercício da
testemunhas desse processo, que Medicina, Código de Ética Médica e o
influencia decisivamente a Novo Código de Processo Ético-
sociabilidade e o estabelecimento de Profissional, Sistema Único de Saúde,
estratégias de reivindicação de Telemedicina, O Erro Médico e a
direitos pelos atores sociais. Iatrogênia, Publicidade Médica e
Há ações judiciais que buscam o Sigilo Médico, Cirurgia Plástica –
deferimento de pedidos sobre estes e Obrigação de Meio ou de Resultado,
outros assuntos. O resultado é a Relação Médico – Paciente, Home
intensificação do protagonismo do Care, Complance na Area da Saúde,
Judiciário na efetivação da saúde e Violência Obstétrica e Testamento
uma presença cada vez mais
Vital. E, ainda, conhecer bem os
constante desse Poder no cotidiano
documentos médicos mais
da gestão em saúde. Seja em uma
importantes para um bom
pequena comarca ou no plenário do
desempenho da medicina e para
STF, cada vez mais o Judiciário tem
defesa médica em ações judiciais ou
sido chamado a decidir sobre
administrativas.
demandas de saúde, o que o alçou a
ator privilegiado e que deve ser
considerado quando o assunto é
política de saúde.
O Direito Médico precisa ser
valorizado e aplicado como meio
consultivo e preventivo, a fim de
examinar os riscos, condutas e
assessorar juridicamente os
profissionais da saúde e instituições,
com o objetivo de evitar as ações
judiciais.
Estamos em um momento de grande
complexidade e interesse na relação
da saúde, ética médica e direito.
Nesse cenário em que o papel do
profissional especializado em Direito Solange da Cunha Pacheco, Presidente da Comissão
Médico está no centro das atenções, de Direito Médico e da Saude - OAB/Niterói.
o advogado que pretende atuar
Este trabalho tem a finalidade de
nesta área precisa se debruçar de
forma aprofundada em temas como
auxiliá-lo a dar os primeiros passos no
os que vamos abordar de forma Direito Médico e da Saúde.
Boa leitura!

6
SUMÁRIO
01 DOCUMENTOS MÉDICOS (SOLANGE DA CUNHA PACHECO) ....................... 8

02 DA RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE (VANESSA SILVEIRA VIANA) ............... 14

03 O SIGILO MÉDICO PROFISSIONAL (PEDRO PORTO ALVES) ........................... 19

04 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE (KARLA GALINDO KIUCHI) ................................. 25

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O EXERCÍCIO


05 DA MEDICINA (MILENA MOTTA DE ASSUMPÇÃO) .............................................. 28

06 RESPONSABILIDADE MÉDICA (FERNANDA MELO) ........................................... 31

07 COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE (MONIQUE MAGALHÃES MORAES) 37

CIRURGIA PLÁSTICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO


08 OU DE RESULTADO (KARLA GALINDO KIUCHI) .................................................. 41

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA,


09 PRIVADA E SUPLEMENTAR (VANESSA SILVEIRA VIANA) ............................... 45

10 TELEMEDICINA (FERNANDA MELO) .......................................................................... 51

11 O ERRO MÉDICO E A IATROGENIA (PEDRO PORTO ALVES) ........................ 55

12 A PUBLICIDADE EM SAÚDE (RENATA FERNANDES) ......................................... 60

13 DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E O NOVO CÓDIGO PROCESSO ÉTICO


PROFISSIONAL (JULIANA LESSA BEHAR) .................................................................. 66

14 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA (SOLANGE DA CUNHA PACHECO) ......................... 79

15 TESTAMENTO VITAL (RENATA FERNANDES) ....................................................... 84

16 HOME CARE (VANESSA SILVEIRA VIANA) ................................................................. 90

17 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 96

7
CAPÍTULO

01
DOCUMENTOS MÉDICOS

• Código de Ética Médica – Res. (1931/2009) – Capítulo X


• Principais documentos médicos

Os documentos médicos podem ser definidos como informações escritas por


um médico que relatam uma questão médica de interesse jurídico.
São considerados documentos médicos, entre outros: atestado, receita,
receituário, prontuário, relatório, laudo e o termo de consentimento livre e
esclarecido.
Os documentos médicos são sigilosos, devendo ser redigidos pelos
profissionais de forma legível, sempre com sua identificação - nome completo
e número do CRM. É importante ressaltar que o médico se responsabiliza pelo
conteúdo do documento que está assinando, sendo vedada pelo Código de
Ética Médica a assinatura de qualquer documento em branco!

8
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA – RES. (1931/2009) –
CAPÍTULO X – DOCUMENTOS MÉDICOS

É vedado ao médico:

• Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja
tendencioso ou que não corresponda à verdade.
• Art. 81. Atestar como forma de obter vantagens.
• Art. 82. Usar formulários de instituições públicas para prescrever ou atestar fatos verificados na
clínica privada.
• Art. 83. Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado
assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em
caso de necropsia e verificação médico-legal.
• Art. 84. Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando
houver indícios de morte violenta.
• Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo
profissional quando sob sua responsabilidade.
• Art. 86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for
encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.
• Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo
preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica, com data, hora, assinatura e número de
registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
§ 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.
• Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada,
bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem
riscos ao próprio paciente ou a terceiros.
• Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo
paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
§ 1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado
pelo juiz.
§ 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja
observado o sigilo profissional.
• Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu paciente quando de sua requisição
pelos Conselhos Regionais de Medicina.
• Art. 91. Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente
ou por seu representante legal.

Os profissionais de saúde lidam com diversos documentos médicos relacionados aos


pacientes no dia a dia de trabalho. Sendo que esses registros precisam de um cuidado
especial. Afinal, muitos deles devem permanecer armazenados por um determinado
tempo, tanto para fins jurídicos quanto para manter o histórico do paciente.
Logicamente, profissionais de outros segmentos também devem guardar seus
documentos, conforme cada área em questão. Mas, no caso dos médicos, registrar e
armazenar é ainda mais necessário por tratar-se da saúde dos usuários.
Vale lembrar que nos documentos médicos constam alguns dados, como número do
CRM, nome completo do médico, entre outras informações, a fim de tornar o documento
legítimo. Além disso, por conter descrições sobre os problemas de saúde do paciente,
histórico de doenças na família e outros dados, os documentos médicos são sigilosos. Ou
seja, se o profissional repassá-los a terceiros sem autorização pode ser denunciado ao
Conselho Regional de Medicina.

9
PRINCIPAIS DOCUMENTOS MÉDICOS
Os profissionais do ramo de medicina têm autorização para prescrever diversos
documentos médicos. Mas, neste artigo, elencamos os mais importantes na
rotina de trabalho.

1 4
Prontuário Médico
Atestado médico
Essa documentação
É o documento por
meio do qual o médica passou a ser
médico afirma um digital em muitas
fato e, normalmente, instituições de saúde,
indica um período de pela facilidade de
tempo em que o armazenagem dos
paciente deve se manter afastado
dos dados e por agilizar a pesquisa de
de suas atividades habituais, para
informações. No prontuário, os
recuperação. Em razão do princípio
profissionais de medicina registram
do sigilo médico, o diagnóstico da
doença só pode ser informado no todo o histórico do paciente.
atestado, por meio do CID, quando O prontuário, assim como os demais
expressamente autorizado pelo documentos médicos aqui
paciente. Recomenda-se, inclusive, apresentados, é um documento
que essa autorização seja dada por sigiloso, sendo considerado um dos
escrito, no próprio documento. documentos médicos mais

2
importantes, que fica sob a guarda do
Receituário
médico ou da instituição que assiste o
Muito parecido com
o prontuário, o
paciente.
receituário lida com O prontuário é um documento único,
as informações formado por um conjunto de
disponibilizadas nas informações, que são anexadas a cada
receitas. Ou seja, avaliação feita pelo médico do
trata-se do conjunto de dados sobre paciente, em ordem cronológica, com
o que foi repassado aos pacientes data, hora, assinatura e número de
até aquele momento. Este CRM, de forma a constarem, em um
documento, muitas vezes, é só documento, todos os dados
dispensado pelo profissional da clínicos necessários para a boa
saúde, sendo essas informações condução do caso.
acrescentadas no próprio prontuário
Este documento é fundamental para
médico.

3
que haja efetiva comunicação entre
Receita membros de uma equipe
É uma documentação multiprofissional e para a
em que o médico continuidade do tratamento do
repassa ao paciente as paciente.
medicações para o Além disso, um prontuário bem
tratamento. Além elaborado é imprescindível para uma
disso, algumas vezes descreve boa defesa em eventuais demandas
recomendações e cuidados éticas ou judiciais.
necessários.

10
PRINCIPAIS DOCUMENTOS MÉDICOS

5 7
Termo de consentimento
Relatório médico livre e esclarecido
O relatório é um O termo de consentimento
documento emitido tem ganhado cada vez
pelo médico assistente, mais destaque no meio
no qual o profissional médico. Ele está
faz um resumo do relacionado ao dever do
caso, médico de manter o paciente bem. Essa
documentação médica passou a ser
descrevendo todos os fatos ocorridos, digital em muitas instituições de saúde,
sem emitir opinião. pela facilidade de armazenagem dos
É um documento integrante do ato dados e por agilizar a pesquisa de
médico. Normalmente, é elaborado informações. No prontuário, os
quando o paciente está sendo profissionais de medicina registram todo
encaminhado ou transferido para o histórico do paciente, procedimentos
continuação do tratamento em outro médicos aos quais será submetido.
local ou por outro profissional, bem A ideia de formalizar este dever em um
como nos casos de solicitação de alta. documento escrito - e assinado pelo

6
paciente - tem por objetivo atestar que o
Laudo médico médico concedeu todas as informações
O laudo médico é um que devia ao paciente, que este as
documento técnico, de compreendeu e, após, consentiu no
caráter jurídico, tratamento. Trata-se, portanto, de um ato
elaborado por um que abrange duas etapas: o
médico perito, que se esclarecimento do paciente e, em
seguida, seu consentimento.
manifesta acerca de fatos a ele
Por esta razão é importante que o termo
submetidos.
de consentimento seja elaborado em
A partir da análise de um conjunto de
linguagem simples e acessível, e que seja
documentos (exames, atestados,
redigido especificamente para cada caso,
prontuários, etc.), o especialista faz uma
a fim de se evitarem padronizações e
auditoria e chega a uma conclusão que
informações genéricas.
terá efeitos jurídicos, orientando a
Diante das crescentes demandas em
opinião de outras pessoas, como por
face dos profissionais de saúde é
exemplo, de magistrados.
importante que estes comecem a
enxergar os documentos que elaboram
como meio de prova da boa prestação de
seus serviços, e até como meio de defesa,
caso venham a ser questionados em
relação a algum ato médico praticado.
Dada a importância desses documentos
é indispensável o acompanhamento por
um profissional especializado para uma
boa orientação acerca da sua elaboração.

11
Documentos
Tanto para o paciente como para o
médico e o dentista é fundamental, necessários em
em um processo judicial de Direito
Médico, utilizar provas documentais
um processo de
como: Direito Médico
·Contrato Particular - se houver
Prontuário Médico - Físico ou Digital
·Termo de Consentimento Informado
- TCI
·Exames e/ou Laudos
·Relatórios
·Atestados
·Fotos
·E-mails e troca de mensagens
via celular ou qualquer rede social
·Notas Fiscais e Recibos
Existem casos específicos em que os
documentos serão suplementares
aos elencados acima, como uma
avaliação de outro profissional,
documentos de novas cirurgias e
internações, por exemplo.
É de fundamental importância a
orientação de um advogado
especialista em Direito Médico para o
paciente que pretende interpor uma
demanda judicial, para que não se
torne uma aventura jurídica, sob o
risco de condenação por litigância de
má-fé ou também ao pagamento de
custas judiciais e honorários de
sucumbência.
Por outra, o profissional da saúde ou
instituição que apresentar uma
defesa inconsistente, além de correr
o risco de sofrer uma condenação
poderá responder um processo ético-
profissional frente ao Conselho
Regional de Medicina (CRM) ou
Conselho Regional de Odontologia
(CRO).

12
CAPÍTULO

02
A RELAÇÃO
MÉDICO – PACIENTE

• Quatro modelos de relação médico - paciente


• Padrões comuns de comportamento dos médicos

A relação médico paciente sofreu inúmeras transformações ao longo do


tempo. Até o século XIX, início do século XX, eram comuns os famosos médicos
de família que iam na casa dos seus pacientes, conheciam a família toda, fazia
os partos, conheciam suas comorbidades e acompanhavam as famílias do
nascimento ao óbito. E o médico era considerado uma pessoa da família.

14
A RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE

Todavia, com o evoluir da medicina, a fazer sempre o que é justo ao


relação médico – paciente passou a paciente; autonomia, pois a decisão
ser um ato mais mecânico e sobre o tratamento é do paciente,
mercantilizado. A preocupação não após o devido esclarecimento;
era mais acompanhar a família, mas respeito à alteridade, que é respeitar
sim atender o número máximo de a diferença no outro; e sigilo, o
pacientes no menor tempo possível, respeito do segredo sobre as
pois quanto mais pacientes fossem informações do paciente.
atendidos, maior seria a Conhecer e adotar tais princípios
remuneração do médico. bioéticos são requisitos
Consultas rápidas: o médico nem fundamentais para estabelecer uma
olhava para o paciente, não realizava sólida relação médico – paciente.
exame físico nem anamnese; só
pedia exames. Lógico que isso não
seria benéfico para o paciente, uma
vez que para chegar a um
diagnóstico preciso é imperiosa a
necessidade de realizar um bom
exame físico e uma boa anamnese.
O resultado eram diagnósticos
errados, pacientes insatisfeitos.
Visando amenizar essa alarmante
situação, as faculdades de medicina
passaram a ensinar não somente a
técnica, mas também o eixo das
humanidades, pois não dava para ser
um bom médico só com técnica, e
sim se devia unir a técnica com as
habilidades interpessoais que o
profissional precisa ter para construir
uma boa relação com o paciente,
pautada sempre na humanidade e
no respeito.
A relação médico – paciente é
pautada nos seguintes princípios
bioéticos: beneficência, que é a
busca por fazer sempre o bem para o
paciente; não maleficência, não fazer
nada de mal ao paciente; justiça,

15
ROBERT VEATCH DEFINIU
QUATRO MODELOS DE RELAÇÃO
MÉDICO – PACIENTE BEM ATUAIS

Modelo paternalista:
O médico toma as decisões em
nome da beneficência, sem
valorizar os valores, a cultura e a
opinião do paciente, que está
submisso. É uma relação
autoritária, a autonomia do
paciente é desvalorizada.

Modelo tecnicista:
O médico informa e executa os procedimentos necessários, mas
deixa a decisão inteiramente sob a responsabilidade do paciente. O
médico é acomodado, não se compromete com a decisão.

Modelo colegial:
Médico adota uma posição de “colega” do paciente, não levando em
conta a inevitável assimetria existente.

Modelo contratualista:
As habilidades/conhecimentos do médico são valorizadas,
preservando-se sua autoridade, mas deseja e valoriza a participação
ativa do paciente, que vai resultar em uma efetiva troca de
informações e um comprometimento de ambos.

As qualidades humanas na relação com o paciente são: integridade,


que é a disposição para agir de maneira correta, independente da
classe social do paciente, seja ele pobre ou rico, jovem ou idoso,
inteligente ou não; respeito, que é a capacidade de aceitar a condição
humana do paciente, sabendo que ele se torna mais frágil e mais
sensível pela própria doença; e compaixão, a capacidade e interesse
em compreender o sofrimento do paciente, fazendo de tudo que
estiver ao seu alcance para aliviá-lo.

16
PADRÕES COMUNS DE
COMPORTAMENTO DOS MÉDICOS

Padrão inseguro: Padrão especialista:


Conhecimentos insuficientes, Médico que se dedica a uma
exame clínico malfeito e dúvidas especialidade, mas não tem visão
na maneira de conduzir o caso, adequada do conjunto da
inevitavelmente, serão percebidas medicina, não consegue ver o
pelo paciente. paciente como um todo.

Padrão paternalista:
Adota atitudes protetoras. Trata o
Padrão rotulador:
paciente como uma criança
indefesa. Tem sempre um pronto
diagnóstico rotulado que agrada o
paciente.
Padrão agressivo:
A agressividade pode ser um
sintoma da síndrome de Burnout Padrão otimista:
ou ter sua origem em problemas
pessoais. Não vê dificuldade em nada, tudo
lhe parece simples e sem
Padrão frustrado: gravidade, não sabe reconhecer os
casos de prognóstico ruim.
Quase sempre pessimista, torna-se
agressivo com os pacientes. Frieza
na relação médico – paciente.

Padrão pessimista: Médico sem vocação:

Vê maior gravidade nas doenças do Desenvolve mecanismos


que mostra a realidade. Mostra inconscientes ou propositais que
desânimo e desesperança antes de inibem o paciente, impedindo um
conhecer o diagnóstico, e deixa de relacionamento adequado.
tomar decisões diagnósticas porque Padrão autoritário: Sempre impõe
não acredita na possibilidade de suas decisões ao paciente.
bons resultados.

17
A RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE

Como já dissemos, a relação médico – com boa aptidão técnica para realizar
paciente sofreu inúmeras mudanças no procedimentos, mas isso não os tornava
decorrer do tempo. Não apenas a figura bons médicos, pois, apesar de técnicos,
do médico de família, na área clínica, não eram humanos com seus
estava deteriorada, mas também na pacientes. Por isso, as faculdades estão
área cirúrgica, onde médicos cirurgiões investindo no ensino não só das
mandavam descer o fígado, o baço, o matérias técnicas, como a semiologia e
intestino, não se referindo ao paciente a clínica médica, mas também no eixo
pelo seu nome, mas sim pelo órgão que das humanidades, como a psicologia
precisava ser operado, tratando o médica, na qual os alunos estudam de
paciente como se fosse uma “coisa” sem fato a relação médico – paciente,
importância. aprendendo a serem mais humanos;
Há a imperiosa necessidade do médicos que não olham apenas a
estabelecimento da confiança na doença, mas sim o paciente, não só
relação com o paciente. Por exemplo, com olhar clínico, mas com olhar
uma gestante que sonha em ter parto humanizado, tentando se colocar no
normal, humanizado, ficar na hidro, não lugar dele, entendendo seus anseios,
receber analgesia, faz todo o plano de suas angústias, despindo-se de
parto e o médico passa o pré-natal qualquer preconceito, visando sempre
inteiro dizendo que o parto dela será prestar um bom atendimento, fazendo
lindo, mas na hora H comunica que a com que seu paciente se sinta seguro e
mulher não tem dilatação e, por isso, confortável até para fazer confissões e,
precisará fazer cesariana. Isso, muitas então, diagnosticar doenças das quais
vezes,, porque não quer perder tempo as pessoas, muitas vezes, têm
esperando a gestante ter a dilatação preconceitos, como as IST (Infecções
completa de 10 cm para que o bebê Sexualmente Transmissíveis).
possa nascer, frustrando totalmente o Podemos concluir que um bom médico
sonho dessa mulher, de parir de forma é aquele que não trata apenas a
natural seu filho. Ou o médico alega que doença, mas sim o doente com todas as
circular de cordão é indicativo de suas peculiaridades e anseios; aquele
cesárea, para que a gestante fique com que se coloca no lugar do paciente, que
receio de perder seu bebê e faça uma o trata como gostaria de ser tratado,
cirurgia desnecessária. que estabelece uma relação de
Tais atitudes ferem de morte a relação confiança com o outro; que se despe de
médico – paciente baseada na todos os preconceitos e tem como
confiança, e a gestante, por única meta de vida cuidar, visando
acreditar fielmente no seu médico, sempre o bem-estar do seu paciente,
acaba acatando a opinião dele, uma vez que saúde não é ausência de
renunciando ao sonho de parir doença, mas o completo bem-estar
naturalmente por causa de uma físico e mental. Um médico
mentira. humanizado coloca sempre o paciente
Caso ainda pior quando o médico em primeiro lugar e não mede esforços,
pratica violência obstétrica, como será não só para chegar a um bom
abordado em capítulo próprio. diagnóstico como também para que
As faculdades de medicina ensinavam seu paciente esteja bem fisicamente e
os médicos a serem médicos técnicos, emocionalmente.

18
CAPÍTULO

03
O SIGILO MÉDICO
PROFISSIONAL

• Garantias éticas e legais da confidencialidade na atividade médica


No presente trabalho iremos tratar os pontos mais importantes sobre o


sigilo profissional, que se encontra inserido nos valores éticos, além de
contar com determinações legais que devem ser seguidas pelos
profissionais da saúde, haja vista que tratam de dever inerente ao
desempenho da profissão médica, e eventual infração a estes pode
acarretar responsabilização nas searas ética, penal e civil.

19
O SIGILO MÉDICO PROFISSIONAL

A atuação do médico, não poucas vezes, o coloca em contato com pacientes


que têm doenças ou condições médicas delicadas, sendo-lhe transmitidas
informações sensíveis e particulares. Esses pacientes, em grande parte das
vezes, não desejam que terceiros tomem conhecimento de seu quadro de
saúde, existindo dever do médico, na qualidade de confidente necessário, em
zelar para que as informações que lhe foram passadas permaneçam longe da
curiosidade alheia.

Em razão disso, o segredo médico irá abarcar tanto as informações e


confidências trazidas pelo paciente ao profissional da área médica quanto
aquelas não informadas, porém descobertas durante sua atuação. Ou seja,
tudo que chega ao conhecimento do profissional da área médica no exercício
de sua função será considerado segredo profissional.
Para que possamos entender melhor a dinâmica existente entre médico,
paciente e segredo profissional, faz-se necessário tecer comentários sobre o
surgimento desse dever, que inicialmente limitava-se somente à seara ética.

A primeira referência ao sigilo médico aparece no Juramento de Hipócrates,


que contém, em sua essência, os preceitos considerados fundamentais para
a ética médica, e afirma que o sigilo deve ser mantido por um médico
virtuoso por meio de uma postura de discrição para proteger os segredos dos
doentes. Conforme previsto no próprio bojo do Juramento de Hipócrates,
uma das obrigações morais mais importantes era justamente o zelo pelas
informações obtidas no exercício da medicina, como bem é visto no trecho a
seguir, que, por mais antigo que seja, ainda guarda relação com um dever
extremamente atual: “Sobre aquilo que ver ou ouvir respeitante à vida dos
doentes, no exercício da minha profissão ou fora dela, e não me convenha
que seja divulgado, guardarei silêncio como um segredo religioso”.

Com o passar do tempo, o conceito de sigilo e sua aplicação evoluíram para


refletir as mudanças sociais e históricas e, a partir dos séculos XVIII e XIX,
passou a ser encarado como um dever legal dos profissionais médicos,
assumindo um caráter deontológico e legal.
Logo, além de uma imposição ética e moral relacionada ao exercício da
profissão, com o passar do tempo o segredo profissional passou cada vez
mais a ganhar força no ordenamento jurídico, ganhando o status de direito.

20
A IMPORTÂNCIA DO SIGILO MÉDICO

Para que possamos prosseguir na confidências dos pacientes, estes


caminhada sobre o sigilo médico é poderiam não revelar os dados
fundamental entendermos qual a necessários para um efetivo
importância da existência desse tratamento.
dever que há muito tempo se Assim, como forma de garantir a
mantém como prática essencial no efetivação desse direito, os médicos
exercício da medicina. devem observar as normas
O médico exerce papel de extrema dispostas no Código de Ética
responsabilidade na sua profissão, o Médica e as demais leis que
de cuidar dos pacientes, bem como, disponham sobre o assunto. Logo, é
conjuntamente, o de resguardar de suma importância conhecermos
seus segredos. Esta afirmação é os dispositivos legais e
baseada nos seguintes argumentos: deontológicos que estabelecem e
que a privacidade é um direito garantem o segredo profissional, os
pessoal e de propriedade; a quais passaremos a expor.
privacidade tem valor instrumental
na relação médico – paciente,
fortalecendo a confiança mútua; e a
privacidade no respeito à autonomia
do paciente.
A relação médico – paciente é
fundamentalmente baseada na
confiança que um deposita no outro.
É por meio dessa confidencialidade
que o paciente espera do médico
compromisso de guardar aquilo que
lhe foi informado e, em
contrapartida, o médico espera o
compromisso do paciente de revelar
toda e qualquer informação
essencial para o exercício de sua
função.
Justamente por isso, o sigilo se
apresenta como um instrumento
para a obtenção e o fortalecimento
dessa confiança, caso contrário não
seria possível o pleno exercício da
medicina, pois se não existisse dever
que garantisse a proteção das

21
GARANTIAS ÉTICAS E LEGAIS DA
CONFIDENCIALIDADE NA ATIVIDADE MÉDICA

A confidencialidade das informações médicas é estabelecida tacitamente,


como um acordo informal entre um profissional de saúde e um paciente,
decorrente do pressuposto que as informações discutidas durante a consulta
ou entrevista não podem, posteriormente, ser divulgadas sem a autorização
expressa do paciente. Esse compromisso é respaldado por diretrizes de ética
médica baseadas em princípios morais e autonomia, bem como por leis, no
intuito de garantir o direito à privacidade do paciente.
Atualmente, o sigilo médico se encontra disciplinado de maneira esparsa na
Constituição Federal, no Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal,
além de nos mais conhecidos pareceres do Conselho Federal de Medicina e no
Código de Ética Médica. No presente trabalho não temos o intuito de esgotar a
discussão sobre as fontes legislativas e dos Conselhos, mas tão somente expor
os principais e mais relevantes pontos.
A primeira e maior referência de todas encontra-se justamente na
Constituição, que de maneira abrangente dispôs, no inciso X do Art. 5º::
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.
Na esfera processual, no Código de Processo Civil, em seu Art. 388, subsiste
regra no tocante a situações em que a parte não é obrigada a depor em juízo.
Mais especificamente no inciso II do mencionado artigo é possível ver que tal
regra se aplica em razão da profissão desempenhada, ou seja, o médico, em
respeito ao seu dever de sigilo, pode deixar de depor em juízo, devendo,
entretanto comparecer para manifestar seu impedimento legal. Vejamos:
Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos:
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;
Seguindo para o Código Penal, este traz a figura do crime de violação de
segredo profissional, previsto em seu Art. 154. Este tipo penal prevê punição
onde a quebra do sigilo profissional possa resultar em dano ao cliente, vejamos:
Art. 154. Revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir
dano a outrem:
Pena – detenção de 3 (três) meses a um ano ou multa.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
O paciente tem o direito à inviolabilidade da sua intimidade; justamente por
isso, sua violação constitui crime contra a liberdade individual. Porém, é
importante ressaltar que existem situações específicas passíveis de quebra do
sigilo, mediante a configuração da justa causa, em que se deixa de configurar o
crime.

22
GARANTIAS ÉTICAS E LEGAIS DA
CONFIDENCIALIDADE NA ATIVIDADE MÉDICA

Assim, podemos resumir, com uma frase, a proibição prevista no inciso


supramencionado, que é: O médico não é delator de seu próprio paciente.
Segue abaixo a transcrição do mencionado artigo:
Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:
II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina
ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de
representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento
criminal:
Adentrando na seara ética-profissional, o Código de Ética Médica traz, em seu
capítulo IX, vedações estabelecidas ao profissional. Em que pese a existência de
diversos artigos, podemos destacar como de extrema importância este:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de
sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito,
do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição:
a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha
falecido;
b) quando de seu depoimento como testemunha (nessa hipótese, o médico
comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento);
c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar
segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Vejamos que existem situações em que é possibilitada a quebra do sigilo por
parte do profissional, justamente por não se tratar de um direito absoluto.
Nesses casos específicos não há de se falar em punição. Logo, a violação do
segredo médico deve ser enfrentada como uma situação de exceção, nunca
como a regra.
De acordo com o supramencionado artigo, existem três situações que
excetuariam a proibição. A primeira delas, a justa causa, que a primeiro
momento mostra-se de interpretação aberta e abrangente, porém, abarca-se
em situações de interesse moral ou social que justifiquem o seu não
cumprimento. Surge aqui uma situação não abarcada por lei, onde um
imperativo categórico da consciência moral deve levar o profissional a sopesar
a situação apresentada caso a caso.
Pode-se fazer uso em situações como de estado de necessidade, ou seja, casos
para salvar de perigo atual direito alheio cujo sacrifício não era razoável exigir.
Desta forma, em situação em que paciente portador de doença sexualmente
transmissível se recusa a informar sobre a existência de sua doença a seu
parceiro(a), há o dever moral do médico de vulnerar uma obrigação
profissional anteriormente estabelecida em razão de um bem maior.

23
GARANTIAS ÉTICAS E LEGAIS DA
CONFIDENCIALIDADE NA ATIVIDADE MÉDICA

No tocante aos casos de dever legal,


são aqueles em que a legislação, de
maneira expressa, traz situações em
que o médico deva realizar a quebra
do sigilo. Podemos citar, a título de
exemplo, quando o Estatuto da
Criança e do Adolescente
determina, em seu Art. 13, que "os
casos de suspeita ou confirmação de
maus-tratos contra criança e
adolescente serão obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar".
Outra hipótese pode ser vista no Art.
269 do Código Penal, que dispõe:
"deixar o médico de denunciar à
autoridade pública doença cuja
notificação é compulsória".
Por fim, como última hipótese, o
consentimento do paciente, por escrito,
afasta a ilicitude. Importante observar
que mesmo que o fato seja notório não dos princípios basilares da relação
pode o médico expô-lo a nenhum médico – paciente, permitindo que
terceiro sem tal consentimento. Ou este consiga expor seus problemas
seja, é possível observar que a quebra sem receio de que serão
do sigilo médico se faz justificada em compartilhados.
situações extremamente específicas e Deste modo, a violação do sigilo
necessárias. médico precisa ser avaliada de
Diante de todo o exposto, podemos forma cautelosa, mediante uma
concluir que o sigilo médico é uma justificativa plausível, sopesando os
garantia que visa salvaguardar a valores envolvidos e a real
intimidade do paciente, constituindo necessidade, sobretudo em razão da
um dever amplamente protegido proteção legal das informações que
pela legislação. O profissional deve podem ser compartilhadas, para que
estar ciente de que, em razão de sua seja mitigado o risco jurídico e do
atividade, torna-se depositário da exercício da medicina, reduzindo-se
confiança do paciente, de cujo a probabilidade de penalidades nas
segredo não é titular, mas mero esferas administrativas, cíveis e
possuidor. criminais. E, sobretudo, para que seja
Além disso, o sigilo é extremamente garantida a relação de confiança
relevante, posto que configura um firmada entre médico e paciente.

24
CAPÍTULO

04
JUDICIALIZAÇÃO
DA SAÚDE

• Implementação de questões de políticas públicas.


Por judicialização da saúde entende-se que o direito à saúde tem a sua


efetivação assegurada pelo Poder Judiciário, em razão da ineficiência do
Estado em realizar o seu dever constitucional na implementação de
questões de políticas públicas.
Muito embora haja discussão acerca da afronta ou não da violação ao
princípio constitucional da separação dos poderes, comprometendo a
harmonização entre eles, fato é que a judicialização da saúde já é algo
consumado.

25
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

Dados recentes do CNJ demonstram Tamanho foi o crescimento das


o crescimento das ações na área da demandas, que o CNJ começou a
saúde no Brasil. Entre 2008 e 2017 realizar jornadas de saúde, que
houve um aumento de 130% nas resultaram em importantes
demandas de saúde no Judiciário, enunciados sobre o tema, tais como:
em primeira instância. Dentre estas “Enunciado nº 02 – Concedidas
demandas, pode-se dizer que se medidas judiciais de prestação
sobressaem questões que envolvem continuativa, em tutela provisória ou
tratamentos, exames, internações e definitiva, é necessária a renovação
fornecimento de medicamentos no
periódica do relatório e prescrição
âmbito do Sistema Único de Saúde
médicos a serem apresentados
(SUS) e também as concernentes aos
preferencialmente ao executor da
planos de saúde.
medida, no prazo legal ou naquele
De acordo com a Constituição
fixado pelo julgador como razoável,
Federal: “Art. 196. A saúde é direito de
considerada a natureza da
todos e dever do Estado, garantido
enfermidade, de acordo com a
mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do legislação sanitária, sob pena de
risco de doença e de outros agravos e perda de eficácia da medida.
ao acesso universal e igualitário às (Redação dada pela III Jornada de
ações e serviços para sua promoção, Direito da Saúde – 18/03/2019)
proteção e recuperação.” Enunciado nº 03 – Nas ações
O direito à saúde foi regulado pela Lei envolvendo pretensões concessivas
8080/90, que definiu, em seu artigo de serviços assistenciais de saúde, o
7º, os princípios norteadores do SUS. interesse de agir somente se qualifica
Dentre estes, encontra-se o princípio mediante comprovação da prévia
da universalização do direito à saúde, negativa ou indisponibilidade da
segundo o qual todo cidadão, prestação no âmbito do Sistema
independentemente da sua classe Único de Saúde – SUS e na Saúde
social, tem direito ao acesso aos Suplementar. (Redação dada pela III
serviços de saúde públicos e privados Jornada de Direito da Saúde –
conveniados, em todos os níveis do 18/03/2019) Enunciado nº 19 – As
sistema. iniciais das demandas de acesso à
Pode-se dizer que a crescente
saúde devem ser instruídas com
judicialização da saúde se deve ao
relatório médico circunstanciado
fato de este direito – apesar de
para subsidiar uma análise técnica
assegurado pela Constituição Federal
nas decisões judiciais.
a todos os cidadãos – não ser
(Redação dada pela III Jornada de
plenamente efetivado por parte do
Direito da Saúde – 18/03/2019)”
Estado.

26
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

O limite orçamentário talvez seja a Muito embora o direito à saúde seja


maior barreira à efetivação do direito um direito social assegurado pela
à saúde pelo Estado. Como os Constituição Federal a todos os
recursos são finitos e muitas veze cidadãos, fato é que há uma real
insuficientes, há uma limitação do limitação material que impede a
valor que será destinado a uma efetivação deste direito.
determinada área para um certo Assim, resta evidente que a melhor
período de tempo. solução para o problema deve ser
Assim, quando uma decisão judicial, encontrada pelo Poder Executivo e
seja ou não por meio de tutela
pelo Poder Legislativo. Todavia,
antecipada, assegura o direito de um
enquanto o Estado não consegue
determinado cidadão, ela também
assegurar o direito ao cidadão, o
impede que os recursos sejam
Poder Judiciário não pode se abster
alocados de maneira a melhor
de resolver as demandas que lhe são
atender à coletividade.
apresentadas, afinal, o princípio do
Surge então o conflito entre o direito
acesso à Justiça também é um
individual e o direito da coletividade.
Os princípios do mínimo existencial e direito fundamental assegurado pela
da vedação ao retrocesso Constituição Federal, em seu artigo
fundamentam as demandas 5º, XXXV, segundo o qual “a lei não
individuais, uma vez que o direito à excluirá da apreciação do Poder
saúde está no grupo de direitos Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
mínimos necessários à vida digna,
que devem ser assegurados pelo
Estado de maneira prioritária na
alocação de recursos vinculando
inclusive o legislador
infraconstitucional.
O Estado, por sua vez, utiliza o
princípio da reserva do possível como
defesa para a não efetivação do
direito à saúde, considerando a
existência de uma limitação material
para tanto.
Desta forma, pode-se concluir que a
efetivação do direito à saúde no
Brasil não é matéria simplória.

27
CAPÍTULO

05
CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR E O EXERCÍCIO
DA MEDICINA

• Código de Defesa do Consumidor (CDC)


A Constituição Federal elevou à condição de garantia constitucional a


defesa do consumidor. Foi expresso seu artigo 5º, inciso XXXII, ao afirmar:
O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Esta foi a
primeira manifestação importante do legislador no sentido de reconhecer
a vulnerabilidade do cidadão comum nas relações de consumo.

28
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O EXERCÍCIO DA MEDICINA

O Código de Defesa do Consumidor pública ou privada, nacional ou


(CDC) veio como regulatório, estrangeira, bem como os entes
principalmente, para proteção despersonalizados, que
daquele que, como destinatário desenvolvem atividades de
final, objeto de estudos de produção, montagem, criação,
marketing e tendências, sem construção, transformação,
qualquer participação direta e com importação, exportação, distribuição
limitada autonomia de vontade, se ou comercialização de produtos ou
tornava vítima de contratos de prestação de serviços"; Bem se
adesão, monopólios e cláusulas percebe a abrangência, ainda que
abusivas nas mais variadas formas. genérica, da definição apresentada,
As regras introduzidas pelo CDC, que busca englobar qualquer
pela sua natureza, são normas de pessoa, física ou jurídica, que possa
ordem pública e de interesse social, ser capaz de exercer atividade
e por isso abrangem a sociedade econômica, ainda que seja esta
como um todo, coletividade de atípica ou eventual. No caso
pessoas indeterminadas nas suas específico, concentramos nossas
relações, afetando todos os atenções na prestação de serviços.
membros da sociedade; estão
destinadas à defesa da pessoa que
adquire ou utiliza produto ou
serviço, consubstanciado numa
relação de consumo.
O questionamento que se levanta é
se o exercício da medicina tal qual
hoje o conhecemos, ou seja, a
relação médico – paciente, pode ser
caracterizado como relação de
consumo e, assim, estar sujeito à
aplicação das regras contidas no
CDC.
O artigo 2º do mencionado diploma
legal define o consumidor como
"toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário
final".
O fornecedor, por sua vez, é definido
no artigo 3º do CDC como sendo
"toda pessoa física ou jurídica,

29
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O EXERCÍCIO DA MEDICINA

Assim considerados e devidamente


transplantados os conceitos para o
caso em questão, temos que o
paciente – ou usuário de serviços
médicos – é o consumidor, para o
qual se presta um serviço (o ato
médico de forma geral; uma
consulta, uma intervenção ou
qualquer outro tipo de
procedimento), e o fornecedor é
aquele profissional que desenvolve
sua atividade, de forma
remunerada, nos moldes do já
mencionado artigo 3º.
Na linguagem do CDC, o paciente é
o consumidor para quem se presta
um serviço; o médico, o fornecedor
que desenvolve atividades de
prestação de serviços médicos; e o
ato médico, uma atividade exercida
mediante remuneração a pessoas
físicas ou jurídicas sem vínculo responsabilidade mediante a
empregatício. comprovação de culpa, conforme
Importante ressaltar que quando o estabelece o § 4º do mesmo artigo.
CDC se refere a “serviço”, Para que se entenda o motivo que
depreende-se que se trata de conduziu o legislador pátrio a
qualquer atividade fornecida ou estabelecer tal diferenciação,
oferecida ao mercado consumidor. importante distinguir as “obrigações
Os serviços médicos não deixam de de meio” das “obrigações de
ser uma atividade fornecida ao resultado”. Algumas profissões
mercado, assim como os de um liberais são consideradas como “de
pedreiro, carpinteiro, dentista, meio”, a exemplo da profissão
advogado, médico veterinário, médica. Outras, por sua vez, são
incluindo, de forma um pouco classificadas “de resultado”, como a
diversa, as pessoas jurídicas que profissão de engenheiro. Imperioso,
prestam serviços, como as clínicas e portanto, estabelecer se a obrigação
os escritórios. é de meio ou de resultado, para que
Contudo, quanto aos profissionais se caracterize perfeitamente a
liberais, o referido diploma responsabilidade do profissional
prescreveu a averiguação de liberal.

30
CAPÍTULO

06
RESPONSABILIDADE
MÉDICA

• Responsabilidade administrativa do médico


• Responsabilidade penal do médico
• Responsabilidade civil do médico

O presente artigo não tem a pretensão de esgotar, sob nenhum aspecto,


o tema nele abordado. Falaremos brevemente sobre a responsabilidade
administrativa, penal e civil na prática da medicina.

31
RESPONSABILIDADE
ADMINISTRATIVA DO MÉDICO

Na esfera administrativa/ético apesar de, em processos judiciais, a


profissional, a responsabilidade do relação médica – paciente seguir esse
médico é regulada pelo Código de critério.
Ética Médica (CEM) e é através dele O médico que sofrer representação no
que o profissional encontra um norte Conselho Regional poderá responder a
na prática da medicina, e que, quando processo ético-disciplinar caso a
não observado, poderá resultar em conclusão da sindicância seja positiva
infrações administrativas ou éticas. para a infração. Sindicância é um
Da Resolução do Conselho Federal de
procedimento instaurado antes da fase
Medicina (CFM) n° 2.217, de 27 de
processual administrativa, para verificação
setembro de 2018, modificada pelas
preliminar dos fatos ocorridos na
Resoluções CFM nº 2.222/2018 e
denúncia ou representação. Importante
2.226/2019, surgiu o atual Código de
destacar que a sindicância poderá ser
Ética Médica. Assim como em outras
instaurada de ofício pelo Conselho
profissões regulamentadas em lei,
este trata de deveres e direitos dos Regional.
médicos, princípios das boas práticas O processo ético-disciplinar deve seguir o
da medicina e vários outros temas previsto no Código de Processo Ético-
importantes na esfera do exercício da Profissional, que se traduz no conjunto de
profissão, a serem (obrigatoriamente) normas processuais que regulamentam
observados por eles. as sindicâncias, os processos ético-
No Judiciário, já é pacífico o profissionais e o rito dos julgamentos nos
entendimento da aplicação do Código Conselhos Federal e Regionais de
de Defesa do Consumidor na relação Medicina. Sua análise é sempre feita sob a
médico – paciente, mas o Conselho ótica do Código de Ética Médica. Foi
Federal de Medicina incluiu no Código aprovado pelo Plenário do Conselho
de Ética Médica, mais precisamente Federal de Medicina por meio da
no Capitulo I (Princípios Resolução CFM nº 2.306/2022, publicada
Fundamentais), como uma forma de no Diário Oficial da União em 25 de março
protesto, que a natureza
de 2022.
personalíssima da atuação
As penas disciplinares vão de simples
profissional do médico não caracteriza
advertência confidencial em aviso
relação de consumo, em posição
reservado, podendo chegar à cassação do
diametralmente oposta ao Judiciário.
exercício profissional, a depender do caso.
Evidencia-se aqui a independência
Para concluir, a responsabilidade
entre a esfera judicial e a
administrativa. Dentro dos Conselhos, administrativa trata de questões
ou seja, na esfera institucional funcionais/éticas do médico, que deverá
administrativa, jamais essa relação vai sempre seguir o Código de Ética no intuito
ser observada do ponto de vista que o de se esquivar da responsabilização
paciente é consumidor de serviços, administrativa e preservar as boas práticas.

32
RESPONSABILIDADE
PENAL DO MÉDICO
Todo cidadão está obrigado à observância das leis e, caso incorra em ilícito,
deverá responder por isto. No caso do ilícito penal, as consequências são
pessoais, no sentido de ter que suportar penas de restrição de direitos ou
mesmo de liberdade.
Para Guilherme de Souza Nucci (2013, p.117), crime, no conceito analítico, é
fato típico, antijurídico e culpável. Não importando a corrente (causalista,
finalista ou funcionalista), o delito tem três elementos indispensáveis à sua
configuração, dando margem à condenação. Sem qualquer um deles, o juiz é
obrigado a absolver.
Quando o paciente é vítima de um ilícito penal causado pelo médico ou este
profissional viola normas que regulamentam a profissão, responderá na
esfera criminal pelo ilícito.
Aqui devemos verificar a conduta culposa do agente (médico), observando se
a imprudência, negligência ou imperícia estão presentes no caso concreto
em análise.
Imprudência médica será sempre caracterizada por uma ação, terá sempre o
caráter comissivo. Uma conduta intempestiva, insensata, precipitada, na
visão de Genival Veloso de França.
Negligência médica sempre será caracterizada pela falta de ação. Aqui, o
médico deixa de observar os deveres profissionais diante de determinado
caso concreto. Algumas formas de negligência médica são o abandono de
doente, a omissão/retardo de tratamento, caligrafia do médico, entre outras.
Imperícia médica é caracterizada quando o médico executa de forma
errônea um ato por falta de conhecimentos técnicos da profissão. Existe
divergência doutrinária a respeito da imperícia. Para uma parte da doutrina,
o médico nunca poderá ser considerado imperito, uma vez que a graduação
em medicina o habilita à realização de todo ato médico. Noutro giro, parte da
doutrina entende que um ortopedista poderia ser considerado imperito caso
realizasse uma cirurgia ginecológica de salpingectomia bilateral (retirada de
trompas), se dela resultasse um dano à paciente.
Não fica de fora a conduta médica dolosa a ser verificada caso a caso e com
base na melhor doutrina de conceituação desse instituto, devendo ser
ressaltado que as condutas dolosas são raras.
Em todas as hipóteses, o nexo de causalidade entre a ação/omissão médicas
deve ser observado.

33
RESPONSABILIDADE
CIVIL DO MÉDICO

Na conceituação de Maria Helena


Diniz, responsabilidade civil é a
aplicação de medidas que obriguem
uma pessoa a reparar dano moral
ou patrimonial causado a terceiros,
em razão de ato por ela mesmo
praticado, por pessoa por quem ela
responde, por alguma coisa a ela
pertencente ou de simples
imposição legal.
Apesar de o Conselho Federal de
Medicina ter indicado no Código de
Ética Medica que a natureza
personalíssima da atuação
profissional do médico não
caracteriza relação de consumo
(esfera administrativa), como dito
acima, a jurisprudência e a doutrina
majoritárias classificam essa relação
como contratual, mais
precisamente inserida nas normas
que regulam as relações de
consumo, sendo certo que a
aplicação do Código de Defesa do
Consumidor é implacavelmente
feita nos litígios envolvendo
médicos e pacientes.
Críticas à parte, médicos são vistos
como prestadores de serviços e
pacientes como consumidores
desses serviços, logo, dessa relação
pode resultar um processo com
pedido de indenização de ordem
pecuniária.

34
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

Entretanto, vale ressaltar que autor do dano implicar, por sua


médicos são, em regra, profissionais natureza, risco para os direitos de
que devem garantir o meio e não o outrem.
resultado, pois a eles não cabe o Art. 14. O fornecedor de serviços
dever de cura e sim de cuidados de responde, independentemente da
acordo com o progresso da existência de culpa, pela reparação
medicina. Existem exceções dos danos causados aos
relacionadas à cirurgia plástica consumidores por defeitos relativos à
estética, mas não esmiuçaremos o prestação dos serviços, bem como
tópico da exceção. por informações insuficientes ou
O médico também poderá inadequadas sobre sua fruição e
responder extracontratualmente riscos. (...)
quando o paciente vai até o hospital § 4º A responsabilidade pessoal dos
à procura de assistência e é atendido profissionais liberais será apurada
pelo profissional disponível. mediante a verificação de culpa.
No caso de responsabilidade civil do Novamente nos deparamos com a
médico, aplica-se a teoria subjetiva prova da culpa do médico, ou seja,
na qual o autor da ação deverá fazer negligência, imprudência ou
a prova da culpa. Na construção da imperícia. A prova da culpa deverá
responsabilidade civil deste ser feita pelo autor da ação,
profissional utiliza-se a teoria do destacando-se que o prontuário
diálogo das fontes, combinando os médico é o documento mais valioso
artigos 186 e 927 do CC/2002 com o nesse tipo de litígio, pertencendo seu
artigo 14, §4º do CDC, os quais peço conteúdo ao paciente, mas sendo de
licença para transcrever. Senão guarda obrigatória de instituições
vejamos: médicas ou do próprio médico,
Art. 186. Aquele que por ação ou podendo ser requerida cópia a
omissão voluntária, negligência ou qualquer tempo.
imprudência, violar direito e causar Não obstante, o Código de Defesa do
dano a outrem, ainda que Consumidor prevê a possibilidade
exclusivamente moral, comete ato de inversão do ônus da prova, o que é
ilícito. bastante adotado pelo Judiciário em
Art. 927. A obrigação de reparar o demandas dessa natureza, e o prazo
dano, quando há o ato ilícito, sendo prescricional previsto pelo CDC é de
que o parágrafo único ainda traz a cinco anos.
possibilidade de responsabilidade Por último, e não menos importante,
direta, ou seja, independentemente vale lembrar que as excludentes de
de culpa nos casos especificados em ilicitudes podem ser utilizadas a favor
lei, ou quando a atividade do médico. Por isso, o caso deve ser
normalmente desenvolvida pelo analisado minuciosamente.

35
CONCLUSÃO

As modalidades de responsabilidades envolvendo médicos


não são exceções. Todo profissional de saúde, ou de
qualquer outra área, deve observar as normas
regulamentadoras de suas profissões e das relações
jurídicas estabelecidas a partir de seu exercício.
Como dito inicialmente, este artigo traz uma breve noção
de responsabilidade civil, penal e administrativa do
médico, sendo certo que muitas nuances não foram
abordadas, pois o aprofundamento desses temas
desvirtuaria o propósito aqui traçado.

36
CAPÍTULO

07
COMPLIANCE NA
ÁREA DA SAÚDE

• Conceito e função do Compliance


• Os princípios de um programa de Compliance

A palavra Compliance vem da língua inglesa e tem origem no verbo


"to comply" que, com tradução para o português, significa "cumprir".

37
COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE

O Compliance é um tema que conforme as regras ou diretrizes


atualmente começou a ter mais internas e externas de cada
destaque e vem mostrando cada negócio. Basicamente, é cumprir
vez mais a sua importância na área legalmente as políticas e controles
da saúde. Os resultados acordados.
provenientes de sua prática, são Quais são as justificativas para
surpreendentes. implementar um Progama de
Seu conceito dentro da perspectiva Compliance em sua clínica,
da Saúde, se diz respeito ao hospital ou instituição?
cumprimento de regras e O sistema de Compliance é ideal
determinações referentes ao para combater a má conduta
segmento de cada instituição,
organizacional, desde que todos os
clínica médica ou hospital, seguindo
funcionários, sem exceção
suas políticas internas.
participem, como técnicos em
No entanto, a alta no tema de hoje,
enfermagem, enfermeiros,
se deu e se solidificou com os
médicos, operacional e até a alta
escândalos revelados pela operação
gestão. Portanto, não basta
Lava Jato, bem como a Lei
Anticorrupção Brasileira, de número apenas colocar os planos no papel,
8.420, de 2015 e Lei 12.846, de 2013, é preciso estabelecer rotinas e criar
apelidada de Lei da Empresa Limpa. condições para que os
Esta lei não é a única, muito menos colaboradores, em todos os níveis,
a primeira, relembremos a criação compreendam a importância das
da lei anticorrupção americana medidas e pratiquem as diretrizes
FCPA (Foreign Corrupt Parctices continuamente.
Act), em 1977, criada como resposta Só assim é possível garantir a
do governo americano a escândalos efetividade do programa de
envolvendo empresas do país em compliance.
casos de corrupção de agentes
·Sustentabilidade
públicos estrangeiros.
Já aqui, no Brasil, esse tema se É uma forma de que a instituição
solidificou principalmente com os atue sempre de forma ética,
bancos e empresas multinacionais cumprindo as normas internas,
americanas, que trouxeram a leis, além de proporcionar um
cultura de Compliance para as suas melhor clima de trabalho, passar
subsidiárias em nosso país. uma melhor imagem e reputação
A função do Compliance nada mais para a sociedade.
é do que a Governança Corporativa, Pensando ainda pela parte
inserida dentro da esfera de financeira, auxilia em evitar perdas
Gerenciamento de Riscos, ou seja, financeiras por fraudes, desvios de
estar sempre de acordo e agir
recursos, multas e condenações.

38
COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE

·Governança Corporativa com multa de 0,1% a 20% do


faturamento bruto;
O Código das Melhores Práticas de
·Publicação da decisão em meios de
Governança Corporativa, 5ª edição, comunicação de grande circulação;
do IBGC (Instituto Brasileiro de ·Responsabilização judicial: perdimentos
Governaça Corporativa) reconhece de bens, suspensão ou interdição de
como responsabilidade dos agentes atividades, dissolução compulsória da
de governança: "assegurar que toda pessoa jurídica, proibição de contratar
a organização esteja em com o poder público de 1 a 5 anos e
conformidade com os seus reparação integral do dano causado;
princípios e valores, refletidos em ·Inclusão no CNEP ( Cadastro Nacional
políticas, procedimentos e normas de Empresas Punidas);
internos, e com as leis e os
Os princípios de um programa de
dispositivos regulatórios a que esteja
Compliance são 3: Prevenção,
submetido. A efetividade desse
Detecção e Resposta
processo constitui o sistema de Os pilares do Compliance são:
conformidade (compliance) da 1- Implementação de políticas escritas
organização". de conformidade, procedimentos e
padrões de conduta;
·Responsabilidade Civil 2- Definição de um compliance officer
e um comitê de compliance, que serão
A Legislação Brasileira prevê o dever
responsáveis pelo monitoramento;
de indenizar pelos danos causados.
3- Orientação e condução
Ter um Programa de Compliance
treinamentos e educação eficazes
garante a melhor gestão dos riscos
sobre as políticas de conformidade,
institucionais e consequente
procedimentos e padrões de conduta;
diminuem a chance de ocorrerem
4- Desenvolvimento de linhas de
eventuais danos. comunicação eficazes para permitir
·Perda de Reputação e Dano à Imagem mecanismos de denúncia anônima; 5-
Destruição da marca e/ou perda de Realização de monitoramento interno
reputação da empresa e de seus e auditorias periódicas;
profissionais. 6- Reforço dos padrões de conduta
·Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) para os funcionários através de
Estabelece as seguintes consequências: diretrizes disciplinares bem
·Responsabilidade da pessoa jurídica; divulgadas;
·Responsabilidade dos dirigentes na 7- Atenção e resposta imediata à
medida de sua culpabilidade; detecção de ofensas e
·Responsabilização administrativa desenvolvimento de planos de ação
corretiva.

39
CONCLUSÃO

O Compliance na saúde é fundamental em diversos aspectos,


como exemplo, na compra de insumos, relação com
fornecedores, controle de estoque, farmácia hospitalar,
comportamento dos funcionários no hospital, sob égide de
prestar um bom serviço e no gerenciamento de riscos ao
hospital.
Um hospital por exemplo que se envolve em um escândalo de
compra de materiais, perde sua reputação para com a
sociedade, algo que poderia ser completamente descartado
com um bom trabalho de Compliance.
O Compliance na saúde, é de extrema importância para a
criação de um comitê regulador, que desenvolva estratégias
para assegurar as empresas, instituições e até sua relação com
os pacientes.
Além de que, investir na capacitação de seus colaboradores é
um dos caminhos para o sucesso, criando sempre iniciativas, a
fim de desenvolver uma cultura mais inovadora e
consequentemente também contratar fornecedores que
estejam alinhados aos seus valores.
Os valores de uma instituição, hospital ou clínica diz muito
sobre a sua reputação, ou seja, enxergamos o controle de suas
atividades alinhados ao pensamento institucional.
O Compliance é a chave do sucesso, um castelo nunca poderá
desmoronar de uma vez, caso cada tijolo que esteja dando
problema, for reparado.

40
CAPÍTULO

08
CIRURGIA PLÁSTICA:
OBRIGAÇÃO DE MEIO
OU DE RESULTADO

• Erro médico e as modalidades de culpa


• A melhor forma de se evitar a insatisfação do paciente

Pode-se dizer que, em regra, as cirurgias são consideradas


obrigações de meio, uma vez que o resultado de um ato cirúrgico é
imprevisível, pois as reações do corpo humano envolvem variáveis
alheias ao conhecimento do profissional médico e até mesmo do
próprio paciente.

41
CIRURGIA PLÁSTICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO

Muitas vezes, ainda que o apenas estética. Busca-se também


profissional utilize a melhor técnica reconstruir o órgão ou a estrutura
e faça tudo corretamente, o em que houve dano.
resultado não é aquele esperado. Já nas cirurgias estéticas, a
Entende-se que não é possível jurisprudência dominante considera
responsabilizar o profissional nestes haver obrigação de resultado, o que
casos, pois não houve culpa da sua é muito discutido doutrinariamente.
parte. Para a corrente que classifica a
Assim, configura-se o erro médico, cirurgia estética como obrigação de
ou seja, ato ilícito praticado no resultado, o médico responde pelo
exercício da sua função, quando há resultado prometido caso este não
culpa do médico, conforme seja alcançado. O fato de o paciente
definição do Código de Ética buscar a cirurgia estando
Médica. As modalidades de culpa completamente sadio, visando
são a imprudência, negligência e apenas alguma melhora estética, faz
imperícia. A imprudência (conduta com que esta corrente entenda que
comissiva positiva) ocorre quando é o médico tem obrigação de
realizado um ato sem a observância apresentar a melhora pretendida.
do dever de cautela na adoção de Todavia, para a corrente contrária,
determinados procedimentos. A definir a cirurgia estética como
negligência (conduta negativa) obrigação de resultado é
pode ser definida como a falta de considerado injusto. Ainda que seja
procedimentos adequados, uma cirurgia embelezadora e que se
demonstrando desleixo, desatenção espere um determinado resultado,
por parte do médico. Já a imperícia pode acontecer de o médico utilizar
(conduta positiva) é quando o a melhor técnica, se cercar de todos
médico age sem a falta de
conhecimento técnico especializado
para aquele ato.
Em relação à cirurgia plástica, muito
se discute se a obrigação é de meio
ou de resultado. Mas, antes de se
adentrar nesse mérito, é preciso
fazer uma ressalva quanto aos tipos
de cirurgias plásticas existentes:
reparadoras/reconstrutoras e
estéticas.
Quanto às cirurgias plásticas
reparadoras/reconstrutoras, não há
dúvida de que são obrigações de
meio. Isso porque a função não é

42
CIRURGIA PLÁSTICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO

os cuidados necessários e, mesmo Independentemente da corrente


assim, o resultado ser diverso do adotada, é importante que o médico
pretendido. Isso porque o corpo de tenha consciência da necessidade da
cada ser humano responde de prévia e adequada informação ao
maneira individual a uma paciente.
intervenção cirúrgica e a
responsabilidade, para esta corrente, Como bem pontua Eduardo Dantas:
não pode ser imputada ao médico. “O verdadeiro problema, causador de
É preciso ressaltar que a tantas celeumas e pendências
responsabilidade do médico será jurídicas, é a falta de adequada e
sempre subjetiva, seja na cirurgia prévia informação ao paciente. Por
plástica reparadora ou na estética. vezes, a oferta do serviço não traz
A definição da obrigação como de uma apresentação clara dos riscos
meio ou de resultado será de envolvidos, inclusive os riscos
extrema importância na definição do anestésicos do procedimento, sendo
ônus da prova. Na cirurgia plástica sugeridos resultados que não podem
reparadora, a vítima precisa ser garantidos.
demonstrar o dano e que este Cabe ao cirurgião plástico prestar ao
decorreu de culpa do médico. Já na paciente informação clara, completa,
cirurgia plástica estética, a vítima precisa e inteligível, de modo que o
precisa demonstrar apenas o dano, mesmo, conhecendo os riscos
pois a culpa já é presumida. Neste advindos de suas decisões e do
caso, caberá ao médico provar que o tratamento perseguido, assuma as
resultado da cirurgia foi diverso do responsabilidades de seu
pretendido por situações externas. consentimento informado, e se
comprometa em seguir as instruções
Segundo Sérgio Cavalieri Filho: para o período pós-operatório.
“Em conclusão, no caso de insucesso Assim, em caso de resultados
na cirurgia estética, por se tratar de indesejados, necessitará o cirurgião
obrigação de resultado, haverá plástico comprovar que se
presunção de culpa do médico que a desincumbiu de seu prévio dever de
realizou, cabendo-lhe elidir essa informação, e que não agiu com dolo,
presunção mediante prova da negligência, imprudência ou
ocorrência de fator imponderável imperícia, não se lhe podendo
capaz de afetar o seu dever de atribuir culpa por evento danoso
superveniente.”
indenizar.”

(Cavalieri Filho, Sergio. Programa de (Dantas, Eduardo. Direito Médico, 4


responsabilidade civil, 7. ed. São ed. Salvador: Juspodium, 2019, p.179)
Paulo: Atlas, 2008, p.370)

43
CONCLUSÃO

Desta forma, conclui-se que a melhor forma de se evitar a


insatisfação do paciente quando o resultado não foi aquele
que ele desejava – excluindo-se aqui a questão do erro
médico – é a informação clara, precisa e em linguagem
fácil prestada pelo médico, antes da realização do
procedimento.
Apenas o paciente devidamente informado de todos os
riscos será capaz de tomar a melhor decisão e lidar com
um eventual resultado diferente daquele que havia
desejado.

44
CAPÍTULO

09
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE:
SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA
E SUPLEMENTAR

• Sistema Único de Saúde (SUS)


• Níveis de atenção à saúde
• Os planos de saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado com o advento da


Constituição Federal de 1988. O artigo 196 dispõe que o direito à
saúde é um direito fundamental: é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.

45
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA E SUPLEMENTAR

O SUS veio como algo totalmente


inovador, visando garantir amplo
acesso à saúde da população menos
favorecida. A Lei 8080/90
estabelece, em seu artigo 7º, os
princípios e diretrizes do SUS, que
tem como princípios basilares:
equidade, universalidade e
integralidade.

Equidade: Não é o mesmo que


isonomia, tratar todos de maneira
igualitária, mas sim atentar para as
necessidades específicas de cada
caso concreto. Oferecer cuidado
atentando para cada necessidade,
dar mais cuidado para quem precisa
de mais cuidado, e não oferecer
cuidado para todos da mesma
maneira, como prega a igualdade.

Universalidade: Todo cidadão tem


direito de acesso ao sistema de
saúde público; perante o SUS, todos
são iguais e serão atendidos de
acordo com sua necessidade. Amplo
acesso de todos ao Sistema Único
de Saúde, visando ao bem-estar
físico e psíquico de toda a
coletividade.

Integralidade: O Estado se
compromete a disponibilizar todo e
qualquer tipo de atenção à saúde,
desde o básico ao mais complexo,
desde a vacina ao transplante.

46
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA E SUPLEMENTAR

São diretrizes do Sistema Único de Regionalização: Constituição de


Saúde: descentralização, sistemas regionais com participação
participação da comunidade, dos três entes federados (União,
população adscrita, regionalização, Estados e Municípios), almejando
hierarquização, cuidado centrado na garantir a integralidade da atenção.
pessoa, resolutividade,
longitudinalidade, ordenação da Hierarquização: O sistema é de
rede e coordenação de cuidado. pirâmide, dividida em três níveis:
Atenção Primária, Atenção
Descentralização: Estados, Secundária e Atenção Terciária de
Municípios e União têm poder e Saúde.
responsabilidade de forma
igualitária. Por isso a Cuidado centrado na pessoa: É feito
responsabilidade pela prestação da atendimento de acordo com as
saúde é solidária dos entes necessidades e individualidades das
federativos, respondendo nos limites pessoas, olhando para o ser humano
do seu poder orçamentário. Não é como um todo e não apenas na sua
lógico que a União, que possui queixa.
amplo poder econômico, responda
da mesma forma que um pequeno Resolutividade: Cerca de 90% dos
município com pequeno poder problemas de saúde são resolvidos
econômico. na atenção primária de saúde.
Resolutividade sobre resolver o que
Participação da comunidade: puder ser resolvido, e o que não
Permite que a população, através de puder ser resolvido na atenção básica
seus representantes participem, deve ser encaminhado para uma
definam, acompanhem e fiscalizem unidade que possa fazê-lo.
as políticas públicas de saúde.
Longitudinalidade: Continuidade do
População adscrita: Pessoas cuidado com aquele paciente ao
cadastradas naquela área, onde é longo do tempo.
feito o vínculo entre a população e a
unidade básica de saúde. A equipe Ordenação da rede: A porta de entrada
multidisciplinar realiza as do SUS são as Unidades Básicas de
conhecidas VDs (Visitas Saúde (UBS). É função delas organizar
Domiciliares) com base no os pacientes que serão atendidos e
cadastramento local. Cada agente para onde serão encaminhados, atuar
da saúde fica responsável por um no processo de referenciamento e
determinado território. contrarreferenciamento.

47
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA E SUPLEMENTAR

Coordenação de cuidado: Elaborar, Nível de atenção de média


acompanhar e organizar a rede é complexidade, ou Secundária:
tarefa da atenção primária, que é a serviços ambulatoriais com
porta de entrada do paciente. A especialidades clínicas e cirúrgicas.
partir disso se sabe o que é Serviço de apoio diagnóstico e
necessário para implementar terapêutico. Serviços de atendimento
atenções de média e alta de urgência e emergência, e
complexidades. hospitais gerais. São procedimentos
A Organização Mundial da Saúde de média complexidade –
(OMS) define três diferentes níveis procedimentos especializados
de atenção à saúde: primário, realizados por profissionais médicos e
secundário e terciário. outros profissionais de nível superior
A Atenção Primária, ou atenção e nível médio, cirurgias ambulatoriais
básica, é a porta de entrada para os especializadas, procedimentos
níveis de maior complexidade. traumato-ortopédicos, ações
Coordena ações de promoção e especializadas em odontologia,
prevenção à saúde. É o atendimento patologia clínica, anatomopatologia e
inicial; seu objetivo é orientar sobre a citopatologia, radiodiagnóstico,
prevenção de doenças, solucionar os exames ultrassonográficos, próteses
possíveis casos de agravos à saúde e e órteses. A média complexidade é
direcionar os mais graves para níveis formada por unidades ambulatoriais
de atendimento superiores em e hospitalares especializadas.
complexidade. Nível de atenção de alta
Compõem a atenção primária: UBS complexidade: procedimentos que
(Unidades Básicas de Saúde), envolvem alta tecnologia, alto custo,
Unidades Básicas de Saúde Fluviais, almejando propiciar à população
Unidades Odontológicas Móveis acesso aos serviços mais qualificados,
(UOM) e as Academias de Saúde. integrando-os aos demais níveis de
Funciona como um filtro, atenção à saúde (atenção básica e de
organizando dos mais simples aos média complexidade). São
mais complexos, observando procedimentos de alta complexidade:
critérios de risco, vulnerabilidade, assistência ao paciente portador de
humanidade e eticidade, com que doença renal crônica, por meio de
todas as demandas da saúde ou procedimento de diálise; assistência
sofrimento merecem ser acolhidos. ao paciente oncológico; cirurgia
A atenção básica é formada pelo cardiovascular; cirurgia vascular;
programa Agentes Comunitários de procedimentos endovasculares e
Saúde, pela Estratégia de Saúde da extracardíacos, e assistência em
Família, pelas Unidades Básicas e otologia, cirurgia de implante coclear,
pelos ambulatórios.

48
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA E SUPLEMENTAR

cirurgia das vias aéreas superiores e completo bem-estar físico e psíquico.


da região cervical; assistência aos Por isso, cada UBS conta com
pacientes portadores de psicólogo, que faz reuniões semanais
queimaduras, de obesidade (cirurgia ou quinzenais nos grupos de apoios
bariátrica); cirurgia reprodutiva, psicológicos à comunidade. Também
genética clínica, terapia nutricional, conta com grupo antitabagismo,
distrofia muscular progressiva, grupo de planejamento familiar e
fibrose cística e reprodução assistida. conscientização sobre utilização de
E ainda procedimentos de métodos contraceptivos, dentista e,
quimioterapia, radioterapia e algumas UBS, ainda têm medicina
hemoterapia, incluindo as redes de integrativa com auriculoterapia e
alta complexidade de referência acupuntura. As UBS acompanham as
nacional em várias especialidades famílias desde o nascimento,
médicas, como cardiologia, realizando pré-natais nas gestantes;
neurologia, oncologia, nefrologia, ao nascer, os bebês são atendidos na
oftalmologia, entre outras. puericultura; ao se tornarem
Segundo o regime e natureza, os adolescentes participam das
hospitais são classificados em: reuniões sobre planejamento familiar
Regime público: hospitais federais e métodos contraceptivos; cuidam
pertencentes ao governo federal, dos pacientes com diabetes melitus,
hospitais estaduais e hospitais medindo a glicemia capilar; e cuidam
municipais. também dos pacientes hipertensos,
Regime privado: hospitais privados, auferindo a pressão arterial e os
hospitais filantrópicos (isentos de medicando, caso haja necessidade.
tributos e contribuições federais),
hospitais de sindicatos e hospitais
universitários.
Ao contrário do que muitos pensam,
o SUS não serve exclusivamente
para imunizar a população com
vacinas, mas sua função de
promoção à saúde e prevenção às
doenças vai muito além.
Cada UBS, além de aplicar as
vacinas, cuidando da imunização da
população, também se preocupa
muito com a saúde mental, uma vez
que a saúde não é simplesmente a
ausência de doenças, mas sim o

49
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: SAÚDE PÚBLICA, PRIVADA E SUPLEMENTAR

O trabalho de promoção à saúde e de uma perícia médica no processo de


prevenção às doenças vai muito além da solicitação do serviço por um perito
UBS, uma vez que os agentes de saúde imparcial, escolhido pelo juiz, que deverá
ficam responsáveis por determinado fornecer um laudo médico relatando se o
território e realizam as VDs para verificar segurado terá ou não necessidade de Home
as condições dos pacientes, levando Care, primando pelo fiel cumprimento do
artigo 196 da Constituição Federal. Caso
enfermeiras para realizarem curativos e,
fique comprovado, através da realização de
nos casos mais graves, até mesmo
perícia médica, que o paciente necessite de
médicos para que a pessoa não fique
Home Care, os planos de saúde são
desemparada e tenha melhora do quadro
obrigados a fornecer.
clínico. Assim, agentes de saúde, com
Os planos de saúde surgiram antes da
uma equipe multidisciplinar composta
criação da ANS. O plano de saúde mais
também por médicos e enfermeiros, vão antigo é o Cassi, dos funcionários do Banco
de casa em casa visando sempre ao bem- do Brasil, criado em 1944. São definidos
estar do paciente, prezando pela como saúde suplementar, porque pagar por
promoção da saúde e prevenção ou um seguro privado é uma opção, já que
combate às doenças. A saúde no Brasil todos os brasileiros já contribuem para o
possui a esfera pública, que é o SUS, e a sistema público de saúde por meio dos
esfera privada, composta pelos planos de impostos e têm direito de utilizá-los.
saúde. A Lei 9656/1988 regulamentou os Toda vez que um usuário de plano de saúde
planos de saúde e, posteriormente, houve usa um serviço do SUS, o plano de saúde
a criação da Agência Nacional de Saúde tem que ressarcir o governo, o que é um
(ANS), responsável por definir as regras completo abuso, pois fere de morte a
que esses planos precisam seguir. Por universalidade, que é um princípio basilar do
isso, nos processos de Home Care, em que SUS. Logo, se o acesso ao SUS é universal, tal
reembolso dos planos de saúde ao SUS
os planos de saúde simplesmente
deveria ser considerado inconstitucional,
alegavam que o procedimento não
uma vez que vai contra o artigo 196 da
constava no rol da ANS, logo, não seria
Constituição Federal, que trata do direito à
fornecido, a defesa caiu por terra, uma vez
saúde e do seu acesso ser universal. Insta
que o Código de Defesa do Consumidor é
salientar que o SUS recebe recursos
norma protetiva para que o consumidor
advindos de impostos, portanto, não faz
– que é parte hipossuficiente – sentido que um plano de saúde tenha que
lute com paridade de armas frente ao fazer o reembolso, uma vez que os recursos
grande poder econômico das operadoras do plano de saúde são limitados frente ao
de saúde. SUS, que possui recursos advindos de
Atualmente, a melhor defesa no processo impostos.
de Home Care é demonstrar, através de O SUS tem importância ímpar na
relatórios médicos e prontuários, o real concretização do acesso à saúde universal,
estado clínico do paciente, mostrar devendo ser sempre defendido, e os planos
cabalmente que ele precisa desse de saúde são uma forma de saúde
atendimento caseiro. E, para que não suplementar. Tanto um quanto outro são
reste nenhuma sombra de dúvida, se faz chaves-mestras na concretização do direito
imperiosa a necessidade da realização à saúde, uma vez que se completam.

50
CAPÍTULO

10
TELEMEDICINA

• Evolução dos meios utilizados para suporte e interação a distância


• Evolução regulatória

O presente artigo não tem a pretensão de esgotar, sob nenhum


aspecto, o tema nele abordado. Falaremos brevemente sobre
telemedicina e sua evolução regulatória Brasil.

51
TELEMEDICINA

Nas palavras de Alexandre Guerra, Quando pensamos em localidades


em artigo publicado no livro remotas que não contam com
“Responsabilidade Civil e Medicina”, médicos, por exemplo, ela se torna
“a telemedicina é o emprego de uma ferramenta de enorme
tecnologias contemporâneas de importância na assistência primária,
informação e telecomunicações com podendo ser utilizada como meio de
o objetivo de prestar, com maior prevenção, diagnóstico e tratamento
eficiência possível, os cuidados de doenças.
médicos em favor de pacientes e de
outros profissionais de saúde que se
encontram a distância”.
A partir desse conceito, podemos
perceber que a medicina a distância
com ajuda de tecnologias é
resultado natural da evolução de
cada época, aproximando
profissionais da saúde de seus
pacientes, aproximando profissionais
de saúde de outros, sempre que a
distância física se impuser. Telefone,
fax, e-mail, videoconferência,
teleconsulta, telediagnóstico, são
algumas modalidades de evolução
de meios utilizados para suporte e
interação a distância, beneficiando
pacientes, viabilizando interações
entre profissionais. E, quanto mais o
tempo avança, mais sofisticadas são
as tecnologias disponíveis para
favorecer os personagens dessas
relações.
Não estamos falando em
substituição de consulta presencial
ou de sua pouca importância, mas a
telemedicina é uma modalidade
alternativa de suporte à saúde
quando a distância ou as
circunstâncias de cada caso não
permitirem a presença física das
partes envolvidas.

52
EVOLUÇÃO REGULATÓRIA
A Declaração de Tel Aviv é um Abaixo transcritos, temos os artigos
documento internacional, da Resolução CFM 1643/2002:
reconhecido pelo Brasil, que dispõe Art. 1º Definir a Telemedicina como
sobre Responsabilidades e Normas o exercício da Medicina através da
Éticas na Utilização da utilização de metodologias
Telemedicina. Resultou da 51ª interativas de comunicação
Assembleia Geral da Associação audiovisual e de dados, com o
Médica Mundial, realizada no ano objetivo de assistência, educação e
de 1999. Dessa declaração nasceu pesquisa em Saúde.
definição da telemedicina, seus Art. 2º Os serviços prestados
princípios, as responsabilidades do através da Telemedicina deverão
médico e do paciente, e normas ter a infraestrutura tecnológica
éticas que devem ser apropriada, pertinentes e obedecer
minimamente seguidas para sua às normas técnicas do CFM
utilização. pertinentes à guarda, manuseio,
No Brasil, a Resolução CFM 1.643/02 transmissão de dados,
(20 anos atrás), utilizou a confidencialidade, privacidade e
Declaração de Tel Aviv para garantia do sigilo profissional.
orientação do que seria a Art. 3º Em caso de emergência, ou
telemedicina, mas a resolução foi quando solicitado pelo médico
genérica e omitiu a forma de responsável, o médico que emitir o
atendimento, modalidades, laudo a distância poderá prestar o
critérios de coleta, armazenamento devido suporte diagnóstico e
e desenvolvimento do sistema ou terapêutico.
plataforma. Art. 4º A responsabilidade
Em 2018, a Resolução CFM nº 2.227 profissional do atendimento cabe
revogou a Resolução CFM 1.643/02, ao médico assistente do paciente.
definindo e disciplinando a Os demais envolvidos responderão
telemedicina como forma de solidariamente na proporção em
prestação de serviços médicos que contribuírem por eventual
mediados por tecnologias. Mas dano ao mesmo.
essa resolução, apesar de mais Art. 5º As pessoas jurídicas que
abrangente, mais específica e prestarem serviços de
detalhada, foi revogada em 22 de Telemedicina deverão inscrever-se
fevereiro de 2019, cedendo-se a no Cadastro de Pessoa Jurídica do
manifestações de médicos e Conselho Regional de Medicina do
entidades representativas da estado onde estão situadas, com a
classe, os quais alegaram que respectiva responsabilidade
elaboração dessa resolução de técnica de um médico
2018 se deu à revelia de suas regularmente inscrito no Conselho
opiniões e sugestões.

53
EVOLUÇÃO REGULATÓRIA

e a apresentação da relação dos comunicavam pelo telefone sobre um


médicos que componentes de seus paciente. Atualmente, tramita na
quadros funcionais. Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
Parágrafo único. No caso de o prestador 1998/2020, sobre a telemedicina.
for pessoa física, o mesmo deverá ser Discussões sobre como seria a primeira
médico e devidamente inscrito no consulta é um dos pontos que dividem
Conselho Regional de Medicina. os parlamentares integrantes da
Art. 6º O Conselho Regional de Comissão de Seguridade Social e
Medicina deverá estabelecer constante Família, mas a tendência é de que o
vigilância e avaliação das técnicas de texto permita o primeiro atendimento a
Telemedicina no que concerne à distância. O novo relatório também não
qualidade da atenção, relação médico- deve exigir que os médicos tenham
paciente e preservação do sigilo registro no Conselho Regional de
profissional. Art. 7º Esta resolução entra Medicina (CRM) em todos os estados;
em vigor a partir da data de sua basta a inscrição do profissional em seu
publicação. estado de origem.
Durante o período pandêmico, as Sobre o poder regulamentar do
formas mais utilizadas de modalidades Conselho Federal de Medicina (CFM), a
de telemedicina foram a teleorientação, intenção é manter as atribuições e
que permitia que médicos realizassem prerrogativas garantidas por lei na
a distância a orientação e o modalidade do atendimento presencial.
encaminhamento de pacientes em Apesar de não se ter uma regulação
isolamento; o telemonitoramento, que específica sobre a telemedicina e de o
possibilitava que, sob supervisão ou PL 1998/2020 já tramitar há dois anos na
orientação médicas, fossem Câmara dos Deputados, a Associação
monitorados a distância parâmetros de Paulista de Medicina realizou uma
saúde e/ou doença, e a pesquisa com 2.258 médicos, a qual
teleinterconsulta, que permitia a troca revelou que 90% deles acreditavam na
de informações e opiniões tecnologia como recurso para reduzir as
exclusivamente entre médicos, para filas do SUS, e 70% entendiam que, com
auxílio diagnóstico ou terapêutico. a telemedicina, o atendimento médico
Para o Superior Tribunal de Justiça, já poderia ser ampliado para além do
faz tempo que a telemedicina é vista consultório.
como legal. Segundo a Corte, a A telemedicina é elemento promissor e
telemedicina é “o exercício da medicina de grande auxilio num país de extensão
a distância, cujas intervenções, geográfica como o Brasil, e uma
diagnósticos decisões de tratamento e legislação específica delineando os
recomendações estão baseados novos aspectos da relação médico –
em dados, documentos e outra paciente a distância, com delimitação
informação transmitida através de de normas éticas e responsabilidade
sistemas de comunicação”. Essa foi a parte a parte, trará benefícios
conclusão da Sexta Turma do STJ, ao imensuráveis para a saúde, além de
analisar o HC nº 82.742/MG no ano de segurança jurídica na relação das
2009, sobre a licitude da conduta de pessoas envolvidas.
médicos de uma mesma equipe que se

54
CAPÍTULO

11
O ERRO MÉDICO E A
IATROGENIA

A judicialização da saúde tem se tornado um fenômeno jurídico-


social com crescimento cada vez maior no Brasil. Inúmeras são as
ações propostas por pacientes e familiares, que visam
responsabilizar o profissional da saúde, com eventual reparação de
danos por algum resultado não desejado.

55
O ERRO MÉDICO E A IATROGENIA

Justamente pela relevância desse Em primeiro lugar, antes de conceituar


tema, faz-se necessário, no presente o erro médico é necessário estabelecer
trabalho, analisar as características do os requisitos para a sua caracterização.
erro médico, confrontando-o com a Para que este ocorra é imprescindível
iatrogenia, diante da diferença que exista um ato comissivo ou
existente entre os dois termos, para omissivo por parte do profissional, que
que ao final se possa averiguar a venha a acarretar dano ao paciente,
possibilidade de haver ou não dentre os quais deve haver também
responsabilidade civil do médico. um nexo de causa e efeito, chamado
de nexo causal. Além disso, deve existir
A responsabilidade médica apresenta
uma das três modalidades da culpa,
características próprias, embora se
ensejadoras da falha em questão:
oriente pelos ditames da
negligência, imprudência ou imperícia.
responsabilidade civil geral, pois lida
diretamente com a vida e saúde dos
seres humanos, direitos fundamentais
garantidos constitucionalmente.
Os médicos, como profissionais que
lidam com bens jurídicos de extrema
importância (vida e saúde), têm o
dever de empregar em sua atuação o
cuidado, a diligência, o zelo, com a
aplicação das melhores técnicas e
conhecimentos possíveis, visando ao
restabelecimento da saúde do
enfermo.
Porém, devemos levar em
consideração que a medicina não é
uma ciência exata, sendo dependente
de fatores extrínsecos a atuação do
profissional, posto que cada paciente
poderá apresentar uma reação distinta
aos meios empreendidos, seja de
natureza cirúrgica ou medicamentosa.
Justamente pelo médico trabalhar
com o corpo humano e sua
imprevisibilidade, é de suma
importância verificar as situações em
que o dano é causado por reações
inesperadas e as situações em que é
causado por falha no exercício da
profissão.

56
O ERRO MÉDICO
Na esfera da culpa, podemos dizer casos de profissionais que realizem
que a negligência é um ato omissivo atos típicos de uma área de
ou omissão danosa, é a falta de especialização, a falta de capacitação
cuidado por parte do profissional em profissional acaba por lhe trazer uma
não realizar as diligências, as presunção de culpa.
condutas necessárias e esperadas, Dito isso, o erro médico pode ser
atuando com desídia. Podemos citar, entendido como mau resultado ou
a título de exemplo, situação em que resultado adverso, decorrente da
o profissional realiza cirurgia em ação ou omissão do médico, por
membros trocados, não se inobservância de conduta técnica.
atentando a um fato que poderia ser Vale dizer que não se inserem na
facilmente constatado caso existisse responsabilização por erro médico as
melhor diligência. limitações impostas pela própria
No tocante à imprudência, esta natureza da doença, assim como as
existe como um ato comissivo de lesões produzidas deliberadamente
falta de cautela, onde o profissional pelo médico para tratar um mal
ultrapassa os limites, sem se maior. As falhas desencadeadas pela
preocupar com as consequências limitação técnica da profissão ou por
dos seus atos, ou seja, o médico tem equipamentos médicos também não
conhecimento sobre o risco da merecem ser abarcadas pelo dever
atitude tomada, mas mesmo assim de indenizar.
ignora os deveres de cuidado. Assim, nem sempre que, pela
Como última forma de atuação de um profissional médico,
culpabilidade, a imperícia pode ser ocasionar-se dano ao paciente, este
compreendida como a falta de deverá ser considerado erro médico,
domínio, de competência ou de haja vista a possibilidade de
habilidade no exercício da medicina. existência de erros escusáveis.
Quanto a essa modalidade, é É justamente nesse ponto que surge
importante pontuar que, por força a figura da iatrogenia, que não se
de lei, todo médico é apto a realizar confunde com erro médico e, como
qualquer procedimento profissional será visto mais adiante, caracteriza-se
a partir do registro no Conselho de como escusável, não levando à
Medicina, porém, só poderá se dizer responsabilização. Tem-se aqui uma
especialista com a obtenção de forma de excludente da
Registro de Qualificação de responsabilidade do profissional, o
Especialista (RQE). Desta forma, em que será esmiuçado.

57
A IATROGENIA
Conforme foi abordado anteriormente, As lesões ou sequelas previsíveis e
o médico, no exercício de sua atividade esperadas são aquelas que, antes
profissional, lida com bens jurídicos mesmo da realização da intervenção,
tutelados pelo direito que são de já se tem previsão de sua ocorrência.
extrema relevância. Justamente por Na sua atuação, o médico deve
isso lhe é exigida uma atuação sopesar os danos possíveis ao
pautada na melhor técnica possível, a paciente, informando-o das
fim de evitar danos ao seu paciente. possibilidades e riscos, bem como
Porém, existem situações que, em deve adotar a melhor técnica a ser
que pese o melhor agir por parte do utilizada, ainda que cause sequelas.
profissional, ainda assim danos Podemos citar, a título de exemplo, o
poderão sobrevir. Cabe aqui a caso de um procedimento de
análise caso a caso, para identificar mastectomia com necessidade de
as situações de possível retirada total do seio para tratamento
responsabilização e as situações em de câncer. Já quanto às lesões
que o dano se dá de maneira previsíveis e inesperadas, são aquelas
independente da observância das que no momento da realização do
técnicas mais apropriadas. procedimento não há indícios de sua
Nesse ponto surge a iatrogenia, que ocorrência ou de que sequelas
não se confunde com o erro médico, sobrevirão. Como exemplo, um
este gerador de responsabilidade paciente que possua alergia a um
civil, haja vista ser considerada um medicamento determinado, mas
erro escusável. desconheça essa condição, tornando,
Daí podemos entender que as lesões portanto, totalmente imprevisível o
iatrogênicas são aquelas previsíveis, conhecimento também por parte dos
esperadas ou inesperadas, oriundas profissionais. Logo, por mais que
de um procedimento médico, que são fosse previsível a alergia do paciente
incapazes de levar à responsabilização ao medicamento ministrado, em
civil, ao passo que as lesões oriundas razão da não informação por parte
do erro médico decorrem também do deste não se espera lesão
atuar médico, porém, estão inseridas Desta forma, existem intervenções
no campo do ilícito, posto que cujos danos são previstos, esperados,
decorrentes de atitudes culposas de e até mesmo planejados, posto que a
negligência, imprudência ou lesão causada se mostra como
imperícia. Diante da possibilidade de condição necessária para o alcance
previsibilidade ou não, podemos de um bem maior, ou seja, a única
realizar a divisão das lesões forma de se atingir um resultado
iatrogênicas em dois grupos, que mais favorável ao paciente.
veremos a seguir. .

58
A IATROGENIA

Nesses casos, teremos que a lesão Considerações finais


causada será lícita, posto que Caminhando para o final do assunto
necessária para se chegar ao resultado exposto, pudemos estabelecer uma
esperado. distinção entre o erro médico
Assim, o resultado produzido não deve propriamente dito, oriundo da atuação
ser considerado como uma atitude do profissional que age em
indevida, mas sim como exercício desrespeito ao dever de cuidado
regular do direito de atuação do esperado, causando dano ao seu
médico, que empregou as técnicas, paciente mediante uma atuação
conhecimento e métodos indicados ao eivada de culpa (negligência,
caso. imprudência e imperícia); e a
Lembremos que aqui deve entrar o iatrogenia, condição excludente de
consentimento e autorização do responsabilização, em razão de
paciente, que deve ser instruído sobre atuação em observância da melhor
as possibilidades, para que possa técnica indicada, com devida
utilizar de sua autonomia. informação ao paciente, posto que as
Por fim, podemos apontar que as lesões lícitas foram necessárias para
atitudes do paciente também podem atingir um resultado mais favorável ao
levar a lesões iatrogênicas. Esta paciente. Logo, na atuação médica
ocorrerá em razão de condutas em existem casos em que, mesmo com
desrespeito à orientação médica ou de todo o cuidado e tecnologia disponível,
omissão de informações essenciais ao quando o profissional segue fielmente
seu tratamento. Nesse caso também o protocolo indicado para o caso
não poderá o médico ser específico, nada será suficiente para
responsabilizado pelas intercorrências evitar a superveniência de uma
sofridas pelo paciente, em razão da sequela ou lesão. Situações como essa
ausência de culpa. não devem levar à responsabilização
do profissional da saúde, posto que
inexistirá nexo de causalidade entre as
conduta e o dano sofrido pelo
paciente. Concluímos, assim, que a
figura da iatrogenia surge como um
contraponto à ideia de que sempre
haverá responsabilização por uma
lesão sofrida pelo paciente, justamente
pela medicina ser uma ciência não
exata, que lida com seres humanos
detentores de características e
singularidades próprias.

59
CAPÍTULO

12
A PUBLICIDADE
EM SAÚDE

• A publicidade médica
• A publicidade odontológica

A publicidade na área da saúde sempre foi essencial para os


programas que tinham por objetivo levar à população informações
importantes sobre os cuidados individuais. Esse deve ser o espírito
da propaganda em saúde: levar informação à população.

60
A PUBLICIDADE EM SAÚDE

Contudo, ao longo dos anos, os Na defesa do consumidor, o Código


médicos/dentistas descobriram que a proibiu a propaganda enganosa e
propaganda em saúde pode ser um abusiva. Assim, ao se comportar de
grande atrativo para suas clínicas e maneira irregular na propaganda, o
consultórios e, principalmente após o profissional fica sujeito, além da
advento das chamadas redes sociais, responsabilidade perante o seu
ficou quase impossível conter o Conselho Profissional, também às
avanço da publicidade médica e sanções do CDC, processo criminal,
odontológica. condenação em multas
Todavia, há que se ponderar que administrativas e, até mesmo, danos
estamos diante de uma informação morais. Isto porque, a depender da
que deve ser compartilhada sempre forma com que o profissional se coloca
com muita cautela, sob pena, por em sua propaganda, atrai a
vezes, de trazer mais estragos do que compromisso de resultado, que,
solução. quando considerado insatisfatório, gera
A preocupação com o controle sobre o direito à indenização, além de induzir
tais informações não é de hoje. Em o consumidor a, eventualmente,
1932, o Decreto 20.931 trouxe algumas colocar em risco sua saúde.
diretrizes sobre os “anúncios
médicos”, seguido pelo Decreto-Lei
4.113/42, este último com regras
bastante claras sobre a publicidade,
tanto para médicos quanto para
cirurgiões- dentistas. A partir de 1957,
com a criação dos Conselhos de
Medicina (Lei 3.267/57), e de 1964, com
a dos Conselhos de Odontologia (Lei
4.324), o componente ético-
profissional passou a integrar a vida
de tais profissionais, com regramentos
próprios, sempre em defesa da
sociedade.
O profissional de saúde, segundo a
jurisprudência atual, é regido pelo
Código de Defesa do Consumidor
(STJ. Resp 731.078). Ao contratar um
serviço de saúde, portanto, sob a
proteção do CDC, o paciente assume
uma posição muito mais confortável,
por assim dizer, principalmente no
que se refere à propaganda.

61
A PUBLICIDADE MÉDICA
Na área médica, a publicidade É insuscetível de controle judicial de
pode ser definida como anúncios legalidade a violação de preceito ético
ou qualquer outro tipo de instituído pelo órgão profissional
comunicação através de meios ou legalmente competente. São
veículos de mídia que visam atingir notoriamente sabidos os malefícios e
o consumidor final, sendo dissabores causados com a
configurada como uma divulgação divulgação de imagens de pessoas
do exercício da medicina. Dessa pelas redes sociais, além de configurar
forma, temos na Resolução CFM captação de clientela. O médico está
1974/11 um manual sobre a sujeito à disciplina deontológica
publicidade médica. estabelecida pelo órgão profissional.
Neste artigo, iremos apresentar Pouco importa que o eventual abuso
algumas das principais regras de seja reprimido pela lei civil ou pelo
publicidade médica, explicando as Código de Defesa do Consumidor
obrigações e proibições segundo decorrente de relações contratuais do
as normas do Conselho Federal de médico com o seu paciente”.
Medicina. Igualmente, as selfies em situações de
Um dos assuntos mais atuais a trabalho e atendimento são proibidas
respeito é o chamado "antes e pelas regras de publicidade médica,
depois". A Resolução CFM 1974/11 uma vez que o CFM entende que o
preceitua em seu art. 3º – É vedado ato quebra o anonimato e a
ao médico: g) Expor a figura de seu privacidade inerentes às práticas
paciente como forma de divulgar médicas.
técnica, método ou resultado de O Conselho Federal de Medicina
tratamento, ainda que com autoriza as instituições de saúde a
autorização expressa do mesmo, divulgarem os equipamentos.
ressalvado o disposto no art. 10 Contudo, utilizar a promoção de
desta resolução. aparelhagem e tecnologia como
Nesse sentido, cabe colacionar o forma de demonstrar maior
entendimento do TRF 1ª Região, capacidade técnica ou garantia do
em julgado sobre publicidade sucesso do tratamento não é
médica: “A vedação prevista no art. permitido.
3º, alínea “g” da Resolução É comum que os médicos queiram
1.974/2011 não exige lei específica comprovar sua expertise e
porque não se trata de “condições profissionalismo por meio da
ou qualificação para o exercício de publicidade. Mas no momento de
profissão” (Constituição, art. 5º/XII e realizar as divulgações é preciso se
22/XVI). Ao contrário disso, visa atentar à comunicação que será
preservar a ética profissional do utilizada.
exercício da medicina.

62
A PUBLICIDADE MÉDICA

Isso porque expressões do tipo “o O descumprimento das regras de


melhor”, “o mais completo”, publicidade determinadas pelo CFM
“resultado garantido”, “o único pode resultar em processos éticos e
capacitado” e afins são levar à condenação por violação do
expressamente proibidas. Código de Ética, podendo variar de
A área médica pode e deve advertências à cassação, conforme
compartilhar informações relevantes previsto na Lei 3.268/57.
e úteis para os pacientes. No entanto,
todo o conteúdo divulgado deve
conter embasamento científico
comprovado. A divulgação de
informações não comprovadas, como
novos tratamentos, descobertas, e de
qualquer outro cunho que não sejam
comprovadas e reconhecidas
cientificamente, é expressamente
proibida.
A Resolução CFM 1.974/2011 impõe
algumas normas obrigatórias para os
informes e peças divulgadas, que
devem conter:
•Nome do médico, profissional liberal,
ou diretor técnico, no caso de
instituições;
•Área de atuação registrada no
Conselho Regional de Medicina
(CRM);
•Número de Registro de Qualificação
de Especialista (RQE), se for o caso.
Em seu art. 4º, a Resolução CFM
1.974/2011 destaca ainda que, em
dúvida quanto à eticidade de sua
publicidade, o médico deverá
consultar a Comissão de Divulgação
de Assuntos Médicos (Codame) do
Conselho Regional de Medicina,
visando enquadrar o anúncio aos
dispositivos legais e éticos.

63
A PUBLICIDADE ODONTOLÓGICA
A propaganda odontológica é agora é possível fazer essa
indispensável para fazer a apresentação de resultados finais,
divulgação dos serviços oferecidos desde que com autorização prévia
pelas clínicas e consultórios. No do paciente ou do seu representante
entanto, existem algumas regras legal, através de Termo de
que precisam ser seguidas para Consentimento Livre e Esclarecido
não se ferir o Código de Ética (TCLE).
Odontológica. De toda forma, continua sendo
Aprovado pelo Conselho Federal de infração apresentar vídeos desses
Odontologia (CFO), por meio da procedimentos mostrando o
Resolução CFO-118/2012, o Código “durante”, senão com o objetivo de
traz em seu capítulo 14 as regras de fazer publicações científicas. Logo, a
anúncio, propaganda e filmagem com celular ou outros
publicidade. Assim, regulariza o dispositivos deve se limitar à criação
modo como deve ser feita a de materiais de conscientização ou
comunicação e a divulgação em de apresentação da clínica.
odontologia. Insta observar que em todas as
Neste artigo, iremos apresentar publicações deve constar o nome do
algumas das principais regras de profissional, bem como o número da
publicidade odontológica, sua inscrição, sendo vedada a
explicando as obrigações e divulgação de casos clínicos de
proibições segundo as normas do autoria de terceiros.
CFO. Diferentemente de como acontece
O Código de Ética Odontológica para empresas e profissionais de
permite a divulgação das outros segmentos, o marketing para
diferentes técnicas utilizadas pelo dentistas não pode fazer a
profissional para fazer os divulgação de preços dos
procedimentos e tratamentos tratamentos oferecidos. Também
odontológicos. Vale dar atenção a não deve falar a respeito de
uma pequena alteração das regras promoções, ofertas ou qualquer
sobre a apresentação de casos outro desconto do gênero. O motivo
“antes e depois”. é que o Código prevê como infração
A Resolução CFO-196/2019 a comercialização da odontologia.
modificou o que estava disposto no Também caracteriza-se como
artigo 44 da Resolução 118/2012, infração a realização de sorteios ou a
que apontava como infração ética oferta de prêmios, seja por meio de
a veiculação de imagens no concursos, seja pela aquisição de
momento do diagnóstico e após a algum bem ou realização de
finalização do tratamento, o tratamentos, procedimentos e outros
famoso “antes e depois”. Com isso, serviços prestados pelo especialista.

64
A PUBLICIDADE ODONTOLÓGICA

É importante ressaltar que toda outras práticas que caracterizem


especialidade que for divulgada na uma concorrência desleal.
propaganda odontológica precisa ser O descumprimento das regras de
devidamente reconhecida pelo publicidade odontológica
Conselho Federal de Odontologia. O determinadas pelo CFO pode resultar
mesmo se dá para qualquer terapia em processos éticos e levar à
ou técnica, bem como equipamentos condenação por violação do Código
e instalações que não tenham sido de Ética, podendo variar de
advertências à cassação, conforme
devidamente validados por órgãos
previsto na Lei nº 4.324, de 14 de abril
competentes. Ou seja, sem
de 1964.
comprovação científica uma
Fontes: Resolução CFM 1.974/2011,
especialidade não pode ser
Resolução CFO-196/2019 e Resolução
anunciada nem praticada.
CFO-118/2012.
Constitui também infração ética a
divulgação de qualquer tipo de crítica
aos demais especialistas ou às
técnicas utilizadas por eles. Ao
mesmo tempo, o profissional não
pode induzir os pacientes a acreditar
que exista exclusividade na oferta de
uma técnica, procedimento,
equipamento ou qualquer outro
recurso.
O Código de Ética Odontológica
destaca, ainda, que os veículos de
comunicação em massa não podem
ser utilizados como forma de emitir
diagnósticos, prescrever tratamentos
ou realizar consultas. Sua utilização é
reservada para fazer esclarecimentos,
bem como promover a educação
coletiva com referência a assuntos
odontológicos. É vetado pelo CFO
fazer a divulgação dos serviços e
tratamentos utilizando-se sites de
compras coletivas, usar o termo
“popular” para aliciar pacientes,
realizar anúncios em estandes e sites
promocionais, fazer mala direta e

65
CAPÍTULO

13
DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
ÉTICO-PROFISSIONAL

• Do sigilo profissional
• Do uso de blogs e páginas pessoais

Vamos ante esse trabalho discutir sobre o Código de Ética Médica


(Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada
pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019), bem como sobre o
Novo Processo Ético-Profissional, dispondo sobre seus artigos mais
pertinentes e, por fim, aliando-se a conclusão no que diz respeito ao
direito do médico.

66
DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E O NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL

Assim sendo, primeiramente, importa Entretanto, salienta-se, essa


ressaltar que ética profissional é autonomia também serve para os
formada por princípios da conduta médicos, visto que têm o direito de
humana que define as diretrizes para emitir sua opinião sobre o que o
o exercício de uma profissão. paciente lhe propõe, podendo, então,
Nesse prisma, entende-se que toda rejeitar solicitações que sejam
profissão é controlada pelo Estado, contrárias ante sua consciência e ao
sendo exigido que todos atuem seu conhecimento.
submetidos a algum controle moral, Nesse diapasão, ressalta-se, inclusive, o
normalmente baseado num código de médico deve se resguardar de danos
ética, como no caso presente, o profissionais com os atos médicos
Código de Ética Médica. sendo autorizados pelos pacientes.
Para tanto, insta salientar que diante Tal questão fica expressa mediante a
de tal código existem os Princípios da leitura do capítulo 1 do Código de Ética
Ética Médica, os quais deverão ser Médica (Resolução CFM n° 2.217, de 27
minuciosamente respeitados por tal de setembro de 2018, modificada pelas
profissão. São eles: Não Maleficência, Resoluções CFM nº 2.222/2018 e
Autonomia, Beneficência, Equidade e 2.226/2019). Vejamos: VII - O médico
Sigilo Médico. exercerá sua profissão com
Em suma, quanto ao princípio: autonomia, não sendo obrigado a
Da Não Maleficência: Fica prestar serviços que contrariem os
estabelecido que o médico deverá ditames de sua consciência ou a quem
qualificar-se para o atendimento, bem não deseje, excetuadas as situações de
como habilitar-se para a comunicação. ausência de outro médico, em caso de
Seja assim, justificar ante a não urgência ou emergência, ou quando
aplicação de conduta diagnóstica, sua recusa possa trazer danos à saúde
comunicar sobre o que está do paciente.
acontecendo e reivindicar
infraestrutura adequada, bem como
tomar decisões que resultem menor
dano ao seu paciente.
Da Autonomia: Deflagra-se que esse é
o direito que o paciente tem de emitir
sua opinião, rejeitar ou aceitar o que o
médico lhe propõe, podendo,
inclusive, agir de forma livre, voluntária
e esclarecida.

67
DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E O NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL

Da Beneficência: Consta como tudo


aquilo que o profissional venha a fazer,
necessariamente, em benefício da
pessoa que está sendo atendida, o
paciente, preservando-se as condições
dignas de trabalho e remuneração
adequada.
Resta imperioso, portanto, buscar
sempre os melhores resultados
possíveis ante cada pessoa que venha
a passar pelo consultório ou qualquer
estabelecimento que preste serviços
médicos, resguardando-se, assim, que
o compromisso do médico é com o
ser humano e com a sociedade, onde
são utilizados conhecimentos para
buscar alternativas favoráveis para
qualquer indivíduo.
Da Equidade:
Tal condição resta indispensável para
o exercício da medicina. Esse princípio
prega que todos os atendimentos
precisam beneficiar a todos os
pacientes da mesma maneira, sem
que haja nenhuma distinção de cor,
credo ou seja, quaisquer condições
que os diferenciem das demais
pessoas.
Sendo assim, “nenhum ato
discriminatório pode ser levado em
consideração, bem como nenhum
tipo de interesse, seja ele de caráter
religioso, político ou que venha a
interferir nas escolhas de tratamento
e conduta dos pacientes. Caso
contrário, há uma quebra da conduta
ética por parte do médico.”

68
DO SIGILO PROFISSIONAL

Depreende-se já ser de b) Quando de seu depoimento como


conhecimento geral que os médicos testemunha. Nesta hipótese, o médico
têm a obrigação ética de manter comparecerá perante a autoridade e
sigilo sobre os seus pacientes. declarará seu impedimento;
Entretanto, em decorrência de c) na investigação de suspeita de
decisão judicial pretérita, crime, o médico estará impedido de
atualmente têm-se que os médicos revelar segredo que possa expor o
e estabelecimentos de saúde paciente a processo penal.
deverão atender às determinações Art. 75 - Fazer referência a casos
judiciais e, assim, encaminhar clínicos identificáveis, exibir pacientes
prontuários, fichas médicas, ou seus retratos em anúncios
relatórios e quaisquer documentos profissionais ou na divulgação de
equivalentes diretamente à assuntos médicos, em meios de
autoridade judicial, sempre que comunicação em geral, mesmo com
requisitados, não cabendo mais a autorização
alegação de suposta hipótese de do paciente”
quebra indevida de sigilo In casu, denota-se ainda que, que é
profissional decorrente do não vedado ao médico revelar segredo da
encaminhamento imediato a relação médico – paciente que possa
médico perito designado por expor este último a processo penal em
magistrado. investigação de suspeita de crime,
O Código de Ética Médica trata bem como fazer referência a casos
sobre o tema como um todo em identificáveis ou exibir pacientes e
seus artigos 73 a 79. Nesse prisma, seus retratos mesmo com a
destacam-se as inovações trazidas autorização do paciente.
nos artigos 73 e 75, in verbis:
“É vedado ao médico: Art. 73 -
Revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do
exercício de sua profissão, salvo por
motivo justo, dever legal ou
consentimento, por escrito, do
paciente.
Permanece essa proibição:
a) Mesmo que o fato seja de
conhecimento público ou o paciente
tenha falecido.

69
DO SIGILO PROFISSIONAL

Ressalta-se que a questão do sigilo


também aparece nas disposições
gerais do referido Código: “O médico
guardará sigilo a respeito das
informações de que detém
conhecimento no desempenho de
suas funções, com exceção dos casos
previstos em lei”.
Outro ponto que merece destaque
ante ao Código de Ética Médica do
Brasil é que todos os médicos devem
conhecer o que diz respeito ao uso de
blogs e páginas pessoais.
Conforme as resoluções do Código de
Ética Médica e do Conselho Federal de
Medicina, não poderão utilizar fotos
dos seus pacientes em nenhum
material de divulgação, nem mesmo
se eles conseguirem o consentimento
e a autorização formal dessas
pessoas.² Vejamos:
“É vedado ao médico:
Art. 75 - Fazer referência a casos
clínicos identificáveis, exibir pacientes
ou seus retratos em anúncios
profissionais ou na divulgação de
assuntos médicos, em meios de
comunicação em geral, mesmo com
autorização do paciente”
Veja, isso possui como finalidade evitar
constrangimentos e o marketing,
como por exemplo os famosos “antes
e depois”, que já foi muito comum em
outras épocas. Esse tipo de utilização
só é autorizada nos casos de
apresentação de trabalhos científicos
ou para eventos que sejam exclusivos
da área médica, sem caráter de
propaganda.

70
DO USO DE BLOGS E
PÁGINAS PESSOAIS

A utilização da internet já faz parte assunto médico de forma


da rotina da grande maioria das sensacionalista, promocional ou de
pessoas e nenhum profissional que conteúdo inverídico.
busca sucesso pode ignorar esse Art. 113. Divulgar, fora do meio científico,
fato. processo de tratamento ou descoberta
Observa-se que na área da saúde cujo valor ainda não esteja
tal questão não é diferente e, expressamente reconhecido
diferentemente do que muita cientificamente por órgão competente.
gente pode pensar, o Conselho Art. 114. Anunciar títulos científicos que
Federal de Medicina não não possa comprovar e especialidade
considera que toda publicidade ou área de atuação para a qual não
médica é ilegal.² esteja qualificado e registrado no
O Código de Ética Médica e o CRM Conselho
estimulam esse tipo de divulgação Regional de Medicina.
quando esta possui o condão de Art. 115. Participar de anúncios de
divulgar informações, disseminar empresas comerciais, qualquer que
conhecimentos científicos ou tirar seja sua natureza, valendo-se de sua
dúvidas da população. Dessa feita, é profissão.
permitido investir em blogs e sites Art. 116. Apresentar como originais
que ajudam a ganhar renome e, quaisquer ideias, descobertas ou
quem sabe, a se tornar referência ilustrações que na realidade não o
no universo digital.² sejam.
Nesse prisma, cabe colacionar o Art. 117. Deixar de incluir, em anúncios
que dispõe ante tal assunto, profissionais de qualquer ordem, seu
publicidade, o Código de Ética nome, seu número no Conselho
Médica, conforme dispõe o capítulo Regional de Medicina, com o estado da
VIII. É vedado ao médico: Federação no qual foi inscrito e
Art. 111. Permitir que sua Registro de Qualificação de Especialista
participação na divulgação de (RQE) quando anunciar a
assuntos médicos, em qualquer especialidade. Parágrafo único.
meio de comunicação de massa, Nos anúncios de estabelecimentos de
deixe de ter caráter exclusivamente saúde devem constar o nome e o
de esclarecimento e educação da número de registro, no Conselho
sociedade. Regional de Medicina, do diretor
Art. 112. Divulgar informação sobre técnico”

71
DO USO DE BLOGS E PÁGINAS PESSOAIS

Perante tal Código, cabe ainda oferecer condições adequadas para o


destacar o capítulo II, onde constam exercício profissional ou não o
expressos os direitos dos médicos. Seja remunerar digna e justamente,
assim, é direito do médico: ressalvadas as situações de urgência e
I - Exercer a medicina sem ser emergência, devendo comunicar
discriminado por questões de religião, imediatamente sua decisão ao
etnia, cor, sexo, orientação sexual, Conselho Regional de Medicina.
nacionalidade, idade, condição social, VI - Internar e assistir seus pacientes
opinião política, deficiência ou de em hospitais privados e públicos com
qualquer outra natureza. caráter filantrópico ou não, ainda que
II - Indicar o procedimento adequado não faça parte do seu corpo clínico,
ao paciente, observadas as práticas respeitadas as normas técnicas
cientificamente reconhecidas e aprovadas pelo Conselho Regional de
respeitada a legislação vigente. Medicina da pertinente jurisdição.
III - Apontar falhas em normas, VII - Requerer desagravo público ao
contratos e práticas internas das Conselho Regional de Medicina
instituições em que trabalhe quando quando atingido no exercício de sua
as julgar indignas do exercício da profissão.
profissão ou prejudiciais a si mesmo, VIII - Decidir, em qualquer
ao paciente ou a terceiros, devendo circunstância, levando em
comunicá-las ao Conselho Regional de consideração sua experiência e
Medicina de sua jurisdição e à capacidade profissional, o tempo a ser
Comissão de Ética da instituição, dedicado ao paciente sem permitir
quando houver. que o acúmulo de encargos ou de
IV - Recusar-se a exercer sua profissão consultas venha prejudicar seu
em instituição pública ou privada onde trabalho.
as condições de trabalho não sejam IX - Recusar-se a realizar atos médicos
dignas ou possam prejudicar a própria que, embora permitidos por lei, sejam
saúde ou a do paciente, bem como a contrários aos ditames de sua
dos demais profissionais. Nesse caso, consciência.
comunicará com justificativa e maior X - Estabelecer seus honorários de
brevidade sua decisão ao diretor forma justa e digna.
técnico, ao Conselho Regional de XI - É direito do médico com
Medicina de sua jurisdição e à deficiência ou com doença, nos limites
Comissão de Ética da instituição, de suas capacidades e da segurança
quando houver. dos pacientes, exercer a profissão sem
V - Suspender suas atividades, ser discriminado. Já os capítulos III, IV
individualmente ou coletivamente, e V versam quanto à responsabilidade
quando a instituição pública ou profissional, direitos humanos, relação
privada para a qual trabalhe não com pacientes e familiares,
respectivamente.

72
DO USO DE BLOGS E PÁGINAS PESSOAIS

Seja assim, ante ao capítulo III, imprudência ou imperícia que


ressalta-se: “É vedado ao médico: possam causar a morte do paciente,
Art. 1º Causar dano ao paciente, por agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou
ação ou omissão, caracterizável como inabilitá-lo para o trabalho, nos termos
imperícia, imprudência ou negligência. dos arts. 14 do CDC e do art. 951 do
Parágrafo único. A responsabilidade Código Civil - Responde o hospital
médica é sempre pessoal e não pode pelo ato culposo praticado por
ser presumida. profissional de sua equipe médica,
Art. 2º Delegar a outros profissionais mesmo que sem vínculo empregatício
atos ou atribuições exclusivas da com a instituição. A circunstância de
profissão médica. os serviços médicos terem sido
Art. 3º Deixar de assumir prestados gratuitamente, ou
responsabilidade sobre procedimento remunerados pelo SUS, não isenta o
médico que indicou ou do qual profissional e a instituição da
participou, mesmo quando vários responsabilidade civil por erro médico.
médicos tenham assistido o paciente” (Resp 774.963/RJ, Rel. Ministra Maria
Nesse diapasão, cabe colacionar a Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado
seguinte jurisprudência: em 06/12/2012, DJe 07/03/2013). (TJ-MG
“EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - - AC: 10702063337209002 Uberlândia,
ERRO MÉDICO - RESPONSABILIDADE Relator: Luiz Artur Hilário, Data de
CIVIL SUBJETIVA - REALIZAÇÃO DE Julgamento: 10/02/2021, Câmaras
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO SEM Cíveis / 9ª Câmara Cível, Data de
A PRÉVIA REALIZAÇÃO DOS EXAMES publicação: 24/02/2021)”
NECESSÁRIOS - RETIRADA
DESNECESSÁRIA DO ÚTERO E
OVÁRIOS - PERFURAÇÃO DA BEXIGA -
CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO
HOSPITAL - NÃO CONHECIMENTO
DAS PRELIMINARES DE
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA
JUSTIÇA ESTADUAL E ILEGITIMIDADE
PASSIVA POR PRECLUSÃO - Nos
termos da Súmula 254 do STJ, "a
decisão do Juízo Federal que exclui da
relação processual ente federal não
pode ser reexaminada no Juízo
Estadual" - É subjetiva a
responsabilidade civil decorrente de
erro médico, em casos de negligência,

73
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
ÉTICO-PROFISSIONAL
Dessa feita, aduz o artigo 951 do CC: representante legal após esclarecê-lo
“Art. 951. O disposto nos art. 948, 949 e sobre o procedimento a ser realizado,
950 aplica-se ainda no caso de salvo em caso de risco iminente de
indenização devida por aquele que, morte.”
no exercício de atividade profissional, Ainda, a título de esclarecimento,
por negligência, imprudência ou cabe ressaltar, capítulos VI, VII, VIII
imperícia, causar a morte do paciente, tratam sobre vedações ao médico
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou ante a transplante de órgãos e
inabilitá-lo para o trabalho.” tecidos, relações entre médicos e
Nesse prisma, denota-se notória remuneração profissional,
correlação do Código de Ética Médica respectivamente.
com o artigo 951 CC, eis que mediante Nos capítulos seguintes aduz-se
a junção de tais, salientando-se sobre sigilo profissional, já
inclusive a responsabilidade civil anteriormente tratado, documentos
subjetiva do médico, resta claro o médicos, auditoria e perícia médica,
direito à indenização quando, por ensino e pesquisa médica,
negligência, imprudência ou publicidade médica, também
imperícia, causar a morte do paciente, anteriormente tratado e, por fim,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou disposições gerais.
inabilitá-lo para o trabalho, Outrossim, quanto ao Novo Processo
denotando-se, ainda, a importância Ético-Profissional, serão também
do Direito Médico para com a nossa dispostas nesse trabalho as suas
sociedade. principais considerações. Vejamos:
Outrossim, veja-se, se entende-se por Primeiramente, insta salientar que o
Direito Médico o ramo jurídico que Conselho Federal de Medicina
abrange leis e regulamentos próprios, apresenta o Novo Código de Processo
bem como de outras áreas do Direito, com diversas e imperiosas
com objetivo de orientar a relação atualizações.
entre a medicina e a ciência jurídica, in Isso se deu, principalmente, devido à
casu, inclusive, como se pode notar, pandemia pela qual atravessamos,
utilizando-se ainda do Código de Ética sendo então possível a realização de
Médica a título de fundamentação, inúmeros atos processuais de
conforme resta claro mediante maneira eletrônica.
jurisprudências pertinentes anexadas Com isso, no discorrer do referente
ao fim desse manual. texto foram dispostas várias
Ainda, no capítulo IV, destaca-se: enfatizações ante a possibilidade de
“É vedado ao médico: uso de recursos tecnológicos, senão,
Art. 22. Deixar de obter vejamos conforme artigos
consentimento do paciente ou de seu pertinentes abaixo colacionados:

74
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL

Quanto ao artigo 19: Havendo concordância, será por ele


Art. 19. O relatório conclusivo da assinado e em seguida inserido nos
sindicância, devidamente autos. Destaca-se ainda o art. 25:
fundamentado, será levado à Art. 25. São cláusulas obrigatórias do
apreciação da Câmara de sindicância, TAC - termo de ajuste de conduta-,
em sessão que poderá ser realizada dentre outras:
em ambiente eletrônico, por meio de I − objeto: descreve o(s) fato(s)
videoconferência ou outro recurso imputado(s) ao médico;
tecnológico de transmissão de sons e II − cláusula de comportamento:
imagens de forma síncrona, com uma impõe ao médico portar-se de acordo
ou mais das seguintes proposições: (...) com o determinado no TAC; III −
§ 5º A sessão plenária poderá ser cláusula de suspensão da sindicância:
realizada em ambiente eletrônico, por fixa o prazo de suspensão da
meio de videoconferência ou outro sindicância, não superior a 180 (cento
recurso tecnológico de transmissão de e oitenta) dias, com atenção aos
sons e imagens de forma síncrona. prazos prescricionais estabelecidos no
Ao artigo 22: CPEP;
Art. 22. A conciliação entre as partes IV − cláusula de fiscalização: define
somente será admitida nos casos em como será feita a fiscalização do TAC e
que não envolvam lesão corporal de como deverá o médico
natureza grave (art. 129, §§ 1º a 3º do compromissário demonstrar o
Código Penal), violação à dignidade cumprimento das metas e obrigações
sexual ou óbito de paciente, assumidas;
relacionados à conduta médica objeto § 1º A audiência para firmar TAC
da apuração, e dependerá de proposta poderá ser realizada em ambiente
fundamentada do sindicante ou de eletrônico, por meio de
outro membro da Câmara, com videoconferência ou outro recurso
aprovação da Câmara de sindicância. tecnológico de transmissão de sons e
§ 1º A audiência de conciliação poderá imagens de forma síncrona.
ser realizada em ambiente eletrônico, § 2º Na audiência realizada por
por meio de videoconferência ou outro videoconferência as cláusulas do TAC
recurso tecnológico de transmissão de poderão ser reduzidas a termo e lidas
sons e imagens de forma síncrona. pelo conselheiro presidente do ato.
§ 2º Na audiência realizada por Havendo a concordância do
videoconferência as oitivas das partes compromissário será assinado pelo
serão reduzidas a termo e lidas pelo Presidente do ato e em seguida
conselheiro presidente do ato. inserido nos autos.

75
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL

Outro importante ponto a ser contados a partir da juntada aos autos


destacado no aduzido Código são os do comprovante da efetivação da
atos processuais, tal como a citação ou do comparecimento
informação ao investigado de que espontâneo do denunciado
existe um procedimento instaurado certificado nos autos.
quanto ao mesmo, assim como o § 2º Ao denunciado ou a seu defensor
chamamento do processo que ocorre será garantido o direito de vistas dos
mediante a citação. autos na Secretaria do CRM, bem
Dessa feita, ante a virtualização como a extração de cópias, físicas ou
anteriormente tratada, ficou disposto digitais.
que “a citação se dará § 3º A defesa prévia deve vir aos autos
preferencialmente por aplicativos de acompanhada de procuração,
mensagens ou correspondência quando subscrita por advogado, que
eletrônica, desde que sejam adotados conterá obrigatoriamente seu
meios de confirmar a autenticidade do telefone fixo e/ou móvel, bem como
número telefônico ou do endereço os seus endereços eletrônico e não
eletrônico, bem como a identidade do eletrônico para fins de futuras
destinatário do ato processual, com os intimações.
dados da ficha cadastral do CFM ou da Art. 45. Nas intimações do
denúncia apresentada, nos termos dos denunciado, do denunciante, da
§§ 1.º a 4.º do art. 41”. testemunha da instrução e demais
Quanto à defesa prévia instada nos pessoas que devam tomar
artigos 43 à 47 do Código Processual conhecimento de qualquer ato, será
Ético-Profissional, cabe salientar os observado, no que for aplicável, o
seguintes artigos abaixo colacionados: disposto no art. 41, incisos e
Art. 43. Na defesa prévia, o denunciado parágrafos e art. 42 e incisos deste
poderá arguir preliminares processuais CPEP.
e alegar tudo o que interesse à sua § 1º As notificações e intimações serão
defesa, oferecer documentos e feitas às testemunhas da instrução, às
justificações, especificar as provas partes ou aos seus advogados.
pretendidas e indicar até 3 (três) § 2º A intimação do defensor dativo,
testemunhas, que deverão ser do advogado do denunciado ou do
qualificadas com nome, profissão, denunciante, poderá ser feita para o
telefone, endereços eletrônico e endereço eletrônico indicado na
residencial completos. forma do art. 43,
§ 1º O prazo para apresentação da § 3º ou por qualquer outro meio
defesa prévia será de 30 (trinta) dias, idôneo.

76
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL

Quanto ao tema “revelia”, destaca-se: Art. ao contraditório pelo acusado.


48. Considera-se revel o médico Quanto à audiência de instrução, artigos
denunciado que, regularmente citado, pertinentes ao presente:
deixar de apresentar defesa prévia no Art. 58. No dia e na hora designados, o
prazo legal, nem constituir defensor. instrutor declarará aberta a audiência de
Parágrafo único. instrução e convidará as partes e, se
Caso o denunciado ou seu defensor houver, os respectivos advogados, bem
manifeste nos autos que não deseja fazer como outras pessoas que dela devam
sua defesa prévia, não será considerado participar. Art. 59. A audiência será
revel. iniciada após a identificação e
Art. 49. Ao médico denunciado declarado qualificação de todas as partes, com a
revel será nomeado um defensor dativo presença do instrutor, dos colaboradores
para apresentação de defesa prévia no de apoio do CRM e dos patronos das
prazo do art. 43, § 1º e a prática dos demais partes, quando houver.
atos processuais que visem a sua defesa, Sobre “depoimentos do denunciante e
incluindo eventual recurso. § 1º No CRM e denunciado”, destaca-se:
no CFM, o defensor dativo será um Art. 69. O denunciante será qualificado e
advogado, que receberá a devida perguntado sobre as circunstâncias em
remuneração pelo desempenho de sua que ocorreram os fatos, quem seja ou
função, cujo valor deverá ser fixado presuma ser o responsável, as provas
mediante edição de resolução própria ou testemunhais e documentais que possa
realização de convênio com instituições indicar, tomando- se por termo as suas
públicas ou privadas. declarações.
Ademais, importa ainda destacar o Parágrafo único. Se houver mais de um
disposto no parágrafo único do art. 53 do denunciante, apenas o representante
referido Código: previsto no parágrafo único do art. 44
Art. 53. O relator formará sua convicção deste CPEP será ouvido, sendo facultada
pela livre apreciação das provas a presença do seu advogado.
produzidas nos autos do PEP – Art. 70. O denunciado será devidamente
Processo Ético-Profissional. qualificado e, depois de cientificado do
Parágrafo único. Os elementos relatório conclusivo da sindicância, será
informativos documentais anexados à informado pelo instrutor, antes de iniciar
Sindicância integrarão o PEP para fins o depoimento, de seu direito de
probatórios. permanecer calado e de não responder
Nesse prisma, ressalta-se ainda que tudo o perguntas que lhe forem formuladas.
que fora produzido durante a § 4º Caso o denunciado não tenha
sindicância somente poderá fazer parte advogado constituído, poderá participar
do conteúdo probatório se for dada a do depoimento dos outros denunciados,
oportunidade ao acusado de se inclusive formular perguntas.
manifestar ante tais provas no processo Nesse sentido, em suma, conforme os
administrativo, podendo assim defender- artigos acima tratados, denota-se ser a
se ante a sindicância, inclusive de modo a presença de um advogado questão
desconstituí-la, tendo-se em vista o direito facultativa.

77
CONCLUSÃO

Diante da leitura do presente trabalho discutiu-se sobre os


principais pontos ante o Código de Ética Médica e o Novo
Processo Ético-Profissional, bem como fez-se um sucinto
esclarecimento no que diz respeito ao Direito Médico.
Primeiramente, destacou-se, dentre outras questões
pertinentes ao Código Processual Ético Médico, que é
facultada a presença de um advogado ante a questão
processual administrativo perante ao CFM.
Ainda assim, insta salientar, que, de uma forma geral, resta
notório o fato de que as demandas judiciais envolvendo
questões médicas vêm aumentando com o passar dos anos.
Isso se deve, provavelmente, principalmente ao fato do
surgimento do ramo do Direito Médico ante à legislação
brasileira e à gama de profissionais que vêm especializando-
se nessa.
Insta salientar que o Direito Médico veio, juntamente,
atrelado e utilizando-se de outros ramos, tais como Direito
Civil, Código do Consumidor e Direito Constitucional, de certa
forma a fiscalizar relações constantes no que diz respeito ao
Direito Médico e, assim, a proteger com afinco os
jurisdicionados que sofrem algum tipo de lesão, tendo em
vista os seus direitos nas mencionadas áreas. E, ressalte-se,
áreas atreladas ao Direito Médico, tratando dessas demandas
num todo, de forma a não deixar nenhum jurisdicionado
desamparado na esfera judicial.
Dito isto, importa ainda ressaltar a nítida correlação entre o
Direito Médico e o Código de Ética Médica. Isto porque, como
anteriormente tratado, aliado ainda a outras legislações
pertinentes, resta crucial nortear as ações que envolvem o
Direito Médico, sendo inclusive utilizado como
fundamentação imperiosa no que diz respeito a essas
demandas.

78
CAPÍTULO

14
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

• Violência obstétrica e marcos legais


• Plano de Parto previne violência obstétrica

A realidade brasileira é caracterizada por um atendimento com


abuso de intervenções cirúrgicas, muitas vezes humilhantes, em
que falta informação às mulheres e até a negação do direito ao
acompanhante, o que é considerado um desrespeito aos direitos
reprodutivos e sexuais das mulheres, além de uma violação dos
direitos humanos.

79
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Apesar de ser um direito garantido em os cuidados com foco na mulher para


lei (Lei do Acompanhante – nº realização e estimulação do parto
11.108/2005), a mulher não é esclarecida normal e a interação com a parturiente
quanto à possibilidade de escolher seu recebem pouca atenção. A atenção
acompanhante durante o trabalho de destinada à mulher na gestação e no
parto até o pós-parto imediato, por parto é um desafio, tanto no que diz
vezes havendo restrições quanto ao respeito à qualidade da assistência
gênero, impossibilitando a escolha do oferecida quanto em relação aos
marido, ou ainda, é negada a princípios filosóficos desse cuidado,
companhia. ainda centrado em um modelo
O parto é entendido como um evento hospitalocêntrico, medicalizante e
natural e o nascimento por via vaginal é tecnocrático.
considerado o melhor modelo quando Esse modelo de assistência tem como
levado em conta os desfechos da saúde resultado a permanência de elevadas
materna e do bebê, sendo a taxas de mortalidade materna e
intervenção mínima considerada o morbidade perinatal, além de colocar o
paradigma a ser seguido na assistência. Brasil como país com as maiores taxas
Situações que possam levar a de cesárea no mundo. Além disso, as
complicações de saúde para a mãe ou a intervenções obstétricas durante o
criança são exceções a essa regra, e trabalho de parto e o parto são
nesse momento. deve ser avaliada a consideradas excessivas, conforme os
indicação de intervenções compatíveis resultados das últimas pesquisas.
com a segurança e os melhores Além das intervenções obstétricas
desfechos de saúde. desnecessárias, muitas mulheres
No Brasil, procedimentos como a relatam vivências de parto dolorosas,
episiotomia, corte que envolve vários com ofensas, humilhação e expressão
tecidos importantes do aparelho de preconceitos arraigados em relação
reprodutor feminino responsáveis pela à saúde e à sexualidade feminina. Essa
contenção urinária e fecal, são realidade é cotidiana e cruel, e revela
realizados sem o consentimento da uma grave violação dos direitos
paciente, que não é informada dos humanos e direitos das mulheres.
riscos nem da necessidade ou efeitos Nesse sentido, reforça-se a importância
adversos. do atual movimento pela humanização
Essas práticas médicas apresentam do parto e do nascimento, que busca
uma incongruência com os preceitos reafirmar o lugar de protagonista da
que propõe a Medicina Baseada em mulher nessa cena, empoderando-a
Evidências. A maioria das escolas de quanto ao conhecimento em relação
medicina trabalha com o modelo ao seu corpo, à gestação, às mudanças
intervencionista, valorizando a esperadas e possíveis, além de tudo
tecnologia, os exames sofisticados e os que envolverá o processo do
procedimentos cirúrgicos, enquanto nascimento.

80
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
E MARCOS LEGAIS
Ao longo da história, as mulheres Porém, apesar da disseminação
vêm sendo vítimas de diversas dessas experiências, a OMS aponta
formas de violência. Segundo a que atualmente não há consenso
Organização Mundial da Saúde internacional sobre como esses
(OMS), violência é a imposição de problemas podem ser
um grau significativo de dor e cientificamente definidos e medidos.
sofrimento evitáveis. Não se encontra uma definição única
Nesse sentido, destaca-se a para a violência obstétrica.
violência obstétrica como um tipo Alguns definem a violência contra
específico de violência contra a mulheres nas instituições de saúde e
mulher. discutem em maior detalhe sobre
O descaso e o desrespeito com as quatro tipos de violência: negligência
gestantes na assistência ao parto, (omissão do atendimento), violência
tanto no setor público quanto no psicológica (tratamento hostil,
setor privado de saúde, têm sido ameaças, gritos e humilhação
cada vez mais divulgados pela intencional), violência física (negar o
imprensa e pelas redes sociais por alívio da dor quando há indicação
meio de relatos de pacientes que técnica) e violência sexual (assédio
se sentiram violentadas. Da mesma sexual e estupro). Alguns definem a
forma, esses dados têm sido violência obstétrica como violência
analisados pela Ouvidoria do psicológica, caracterizada por ironias,
Ministério da Saúde, a qual ameaça e coerção; outros, como
computou que 12,7% das queixas violência física, por meio da
versavam sobre o tratamento manipulação e exposição
desrespeitoso, incluindo relatos de desnecessária do corpo da mulher,
terem sido mal atendidas, não dificultando e tornando desagradável
serem ouvidas ou atendidas em o momento do parto. Incluem
suas necessidades e terem sofrido condutas como mentir para a
agressões verbais e físicas. paciente quanto a sua condição de
Segundo a OMS, gestantes do saúde, para induzir cesariana eletiva,
mundo todo sofrem abusos, ou de não informar a paciente sobre
desrespeito, negligência e maus- a sua situação de saúde e
tratos durante o parto nas procedimentos que são necessários.
instituições de saúde. Essas Além disso, a violência obstétrica
práticas podem ter consequências compreende o uso excessivo de
adversas para a mãe e para o bebê, medicamentos e intervenções no
principalmente por se tratar de um parto, assim como a realização de
momento de grande práticas consideradas desagradáveis
vulnerabilidade para a mulher. e muitas vezes dolorosas, não

81
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E MARCOS LEGAIS

baseadas em evidências científicas. de saúde e se caracteriza por


Alguns exemplos são a raspagem dos negligência e maus-tratos dos
pelos pubianos, episiotomia de rotina, profissionais com os usuários,
realização de enema, indução do incluindo a violação dos direitos
trabalho de parto e a proibição do reprodutivos, a peregrinação por
direito ao acompanhante escolhido diversos serviços até receber
pela mulher. atendimento e aceleração do parto
Dessa forma, a violência obstétrica é para liberar leitos, entre outro. Por
considerada uma violação dos direitos isso, a frase “Na hora de fazer gostou,
das gestantes em processo de parto, então agora aguenta”, dita por alguns
que inclui perda da autonomia e médicos e equipe, se converte em
decisão sobre seus corpos. Nesse parte do discurso institucional,
sentido, significa a apropriação dos relacionando à dor com o preço que
processos reprodutivos das mulheres elas devem pagar pelo prazer que
pelos profissionais da saúde, através tiveram no ato sexual, levando a uma
de uma atenção mecanizada, banalização dos atos desrespeitosos e
tecnicista, impessoal e massificada do à invisibilidade da violência.
parto. A violência obstétrica também se
O conceito que as grávidas têm relaciona com a escolha das
construído socialmente sobre o que mulheres pela cesárea. A mulher
significa um bom parto é relacionado perde autonomia nas decisões sobre
com um processo breve e ter um seu parto e submete-se a orientações
bebê sadio. Isso poderia contribuir que não compreende totalmente, o
para que elas não percebam que que faz que profissionais esqueçam
estão sendo violentadas e aceitem que é a mulher quem está com dor e
algumas intervenções consideradas que vai parir.
de rotina para poderem conhecer seu
bebê rapidamente. Além disso, a
alegria e a realização de estar com
seu bebê e a sensação de tudo ter
ocorrido bem, sem maiores
intercorrências, diluem a percepção
da violência sofrida.
A violência obstétrica está atrelada à
violência de gênero e outras violações
de direitos cometidas nas instituições
de saúde contra suas usuárias.
Nesse sentido, faz parte da violência
institucional exercida pelos serviços

82
PLANO DE PARTO PREVINE
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A violência obstétrica é aquela Não se menosprezam a necessidade
praticada por qualquer pessoa e a importância da ciência e de um
dentro do campo da assistência, que bom profissional da saúde para esse
vai da gravidez até o pós-parto. evento tão grandioso na vida de
Pode ser pelo médico, enfermeiro, qualquer mulher.
fisioterapeuta, por qualquer O que se questiona são as
profissional que pratique dano a intervenções desnecessárias ou sem
essas mulheres. Realizar o seu consentimento, violando sua
procedimentos sem informar, sem autonomia, já que a mulher é a
pedir autorização. Realizar toques protagonista na hora do parto, e não
sucessivos por várias pessoas. Deixar o médico.
a mulher de dieta zero, fazer
lavagem intestinal e impedir o
acompanhante de livre escolha.
Tudo isso é violência obstétrica.
Uma forma de prevenir a violência
obstétrica é fazer o Plano de Parto,
que é um documento em que a
mulher diz o que quer e o que não
quer durante o parto. Este deve ser
respeitado, salvo em caso de risco
de vida da mãe e/ou do bebê. O
Plano de Parto deve ser entregue na
hora da internação, para ser
anexado ao prontuário, e outra cópia
fica com a mulher.

Cuidado para não generalizar e


achar que tudo é violência
obstétrica!

Situações que possam levar a


complicações de saúde para a mãe
ou a criança são exceções a essa
regra e, nesse momento, deve ser
avaliada a indicação de intervenções
compatíveis com a segurança e os
melhores desfechos de saúde.

83
CAPÍTULO

15
TESTAMENTO VITAL

Organizar-se sobre o fim da vida não


é um costume da nossa sociedade.
Pensar sobre a própria morte, então, é algo muito difícil de fazer. Contudo, a
pandemia da Covid-19 trouxe grandes reflexões e preocupações sobre a
temática de fim de vida.
Essa preocupação é materializada na feitura de um testamento vital,
documento no qual a pessoa manifesta seus desejos acerca dos cuidados,
tratamentos e procedimentos aos quais deseja ou não se submeter caso
esteja com uma doença ameaçadora da vida.
O direito à vida garantida no art. 5º, caput, deve ser combinado com o
princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é,
vida com dignidade ou razoável qualidade.
Em relação ao seu titular, o direito à vida não é absoluto. Noutras palavras,
não existe a obrigação constitucional de viver, haja vista que, por exemplo, o
Código Penal não criminaliza a tentativa de suicídio.
Ninguém pode ser processado criminalmente por tentar suicídio. Nessa
ordem de idéias, a Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida,
razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a
cirurgia ou tratamento.
Tal manifestação de vontade, que vem sendo chamada de Testamento Vital,
figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, na qual
consta que “Não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em
detrimento à qualidade de vida do ser humano”, e prevê, então, a
possibilidade de a pessoa se manifestar a respeito, mediante três requisitos:

84
TESTAMENTO VITAL

1 – A decisão do paciente deve ser feita É importante salientar que o Conselho


antecipadamente, isto é, antes da fase Federal de Medicina regulamentou na
crítica; Resolução 1995/2012 a manifestação
2 – O paciente deve estar plenamente de vontade do paciente para
consciente; situações de fim de vida, mas nomeou
3 – Deve constar que a sua essa manifestação de diretivas
manifestação de vontade deve antecipadas de vontade remontando
prevalecer sobre a vontade dos à lei federal norte-americana
parentes e dos médicos que o intitulada “Patient Self Determination
assistem. Act”, que em 1990 positivou as
Ademais, no âmbito diretivas antecipadas de vontade,
infraconstitucional, especificamente o gênero do qual são espécies o
Código Civil, dispõe o art. 15: Testamento Vital e a procuração para
“Ninguém pode ser constrangido a cuidados de saúde. Em verdade,
submeter-se, com risco de vida, a seguindo o exemplo português, o
tratamento médico ou a intervenção
CFM fez uma verdadeira metonímia
cirúrgica”.
com o nome dos institutos.
Em linhas gerais, o artigo 1º da
Juridicamente falando, o Testamento
Resolução nº 1995/2012 define
Vital pode ser classificado como um
diretivas antecipadas de vontade
negócio jurídico unilateral de
“como um conjunto de desejos, prévia
natureza existencial, sob condição
e expressamente manifestados pelo
paciente, sobre cuidados e suspensiva, vez que sua eficácia ficará
tratamentos que quer, ou não, receber suspensa até que ocorram os
no momento em que estiver seguintes
incapacitado de expressar, livre e fatos, somados:
autonomamente, sua vontade”. (i) estado clínico fora de possibilidades
Adiante, a par de facultar ao paciente terapêuticas de cura; (ii) perda de
designar um representante para discernimento do paciente.
externar tais diretivas, prescreve, em Assim, para que seja possível aplicar o
seu artigo 2º, § 2º, que estas Testamento Vital a um paciente será
“prevalecerão sobre qualquer outro necessário que os profissionais de
parecer não médico, inclusive sobre os saúde verifiquem, in concreto¸ que as
desejos dos familiares”. Por fim, condicionantes tenham sido
relevante citar que a normativa atingidas.
determina, no artigo 2º, § 4º, que “o Pode-se, então, afirmar que para fazer
médico registrará, no prontuário, as um Testamento Vital a pessoa precisa
diretivas antecipadas de vontade que estar ciente e consciente da sua
lhes forem diretamente comunicadas
condição de mortal e, especialmente
pelo paciente”.

85
TESTAMENTO VITAL

no contexto da Covid-19, estar ciente e pela qual tudo deve ser feito, mesmo
consciente de que poderá ficar em que o tratamento seja inútil e cause
estado tão grave que não seja mais sofrimento atroz ao paciente terminal.
possível falar-se em reversão da doença. Quer dizer, na realidade, não objetiva
Assim o Testamento Vital será a voz do prolongar a vida, mas o processo de
paciente quando, diante de um estado morte, e por isso também é chamada
de saúde grave, ele não puder mais de “morte lenta”, motivo pelo qual
falar. admite-se que o médico suspenda
É importante mencionar alguns procedimentos e tratamentos,
institutos do Biodireito: garantindo apenas os cuidados
(a) eutanásia, também chamada “boa necessários para aliviar as dores, na
morte”, “morte apropriada”, suicídio perspectiva de uma assistência
assistido, crime caritativo, morte integral, respeitada a vontade do
piedosa, assim entendida aquela em paciente ou de seu representante
que o paciente, sabendo que a doença legal.
é incurável ou ostenta situação que o
levará a não ter condições mínimas de Vale à pena colacionar, na íntegra, a
uma vida digna, solicita ao médico ou a decisão proferida nos autos da Ação
terceiro que o mate, com o objetivo de
Civil Pública n°1039-86.2013.4.01.3500,
evitar os sofrimentos e dores físicas e
proposta pelo Ministério Público em
psicológicas que lhe trarão com o
face do Conselho Federal de Medicina,
desenvolvimento da moléstia; o que,
tendo como discussão a aplicabilidade
embora todas as discussões a favor e
da Resolução n° 1995/2012, que dispõe
contra, a legislação brasileira não
sobre as diretivas antecipadas de
permite;
(b) ortotanásia, que vem a ser a morte vontades dos pacientes.
no seu devido tempo, sem prolongar o
sofrimento, morte sem prolongar a Processo n° 103986.2013.4.01.3500/
vida por meios artificiais, ou além do Classe: 7100 Ação Civil Pública
que seria o processo natural, o que Requerente: Ministério Público
vem sendo entendido como possível Federal
pela legislação brasileira; quer dizer, o Requeridos: Conselho Federal de
médico não é obrigado a submeter o Medicina
paciente à distanásia para tentar salvar Decisão – Cuidam os autos de ação
a vida; civil pública proposta pelo Ministério
(c) distanásia, também chamada Público Federal em face do Conselho
“obstinação terapêutica” Federal de Medicina, visando à
(L’archementthérapeutique) e suspensão da aplicação da Resolução
“futilidade médica” (medical futility), n° 1995/2012.

86
TESTAMENTO VITAL

f) não foi previsto o direito de a família


Alega o Autor, em síntese, que: a) o influenciar na formação da vontade e
inquérito civil público n° fiscalizar o seu cumprimento, o que vai
1.18.000.001881/2012-38 constatou que a de encontro ao art. 226, caput, da
Resolução n° 1995/2012 do CFM, ao Constituição Federal; g) o prontuário
regulamentar a atuação dos médico é instrumento inidôneo para o
profissionais frente a pacientes registro das diretivas antecipadas da
terminais, incidiu em vontadeno prontuário
inconstitucionalidade e ilegalidade; médico, pois o seu caráter sigiloso
b) a pretexto de preencher o vazio impede o controle da atuação
normativo deixado pela Resolução ri° domédico. Pede antecipação da tutela
1.805/2006, que autorizou os pacientes para que: a)seja reconhecida a
inconstitucionalidade incidenter
a optarem pela ortotanásia, a
tantum do art. 16 da Lei n° 7.347/1985,
Resolução n° 1995/2012, ao invés de
atribuindo à tutela jurisdicional
facultar ao paciente a designação de
eficácia ergaomnes nos limites
um representante legal, instituiu as
territoriais desse órgão judiciário; b)
“diretivas antecipadas de vontade”, a
seja declarada incidentalmente a
serem externadas pelos próprios
inconstitucionalidade e legalidade da
pacientes e que deverão prevalecer Resoluçãon° 1995/2012 do CFM; c) seja
sobre quaisquer pareceres não suspensa a aplicação da Resolução em
médicos e desejos dos familiares; c) a todo o território nacional, com ampla
Resolução n° 1995/2012 extrapolou os publicidade; d) seja o Réu proibido de
poderes conferidos pela Lei n° 3.268/57, expedir ato normativo que extrapole
pois regulamentou tema que possui os limites de seu poder regulamentar,
repercussões familiares, sociais e nos notadamente em relação às “diretivas
direitos de personalidade; d) somente a antecipadas de vontade dos
União, por meio do Congresso pacientes”. Juntado documentos às
Nacional, poderia dispor sobre as fls.18/38. Intimado, o Réu se manifesta
diretivas antecipadas de vontade dos às fls. 42/66, suscitando preliminar de
pacientes, nos termos do art. 22, incisos ilegitimidade ativa do Ministério
I, XVI e XXIII, da Constituição Federal; e) Público. No mérito, alega que: a) o
a resolução omitiu-se em pontos Ministério da Saúde, por meio da
essenciais, tais como a exigência de Portaria n° 1820/2009, manifestou-
capacidade civil do paciente, limite seno sentido de que, no âmbito do
Sistema Único de Saude — SUS, os
temporal de validade das diretivas e
pacientes devem ter os seus valores,
formas de revogação, o que viola a
cultura e direitos respeitados, em
segurança jurídica;
especial, direito ao sigilo,
confidencialidade,consentimento livre,

87
TESTAMENTO VITAL

voluntário e esclarecido e livre consultada; i) a Resolução não criou


escolha de quem será o responsável forma especial, pois os pacientes
pela tomada de decisões na hipótese podem expressar a vontade por
de sua incapacidade; b) não há que qualquer meio que tenha idoneidade
se falar em ilegalidade e e validade jurídica, tendo apenas
inconstitucionalidade, pois a União, indicado que o médico registrará as
diretivas de vontade no prontuário; j)
por meio da Lei n°3.268/57 outorgou
vários países já adotam o instituto em
aos Conselhos de Medicina
seus Códigos de Ética Médica. É o
competência para tratar do exercício
relatório. Decido.
técnico e moral da Medicina; c) a
O Superior Tribunal de Justiça tem
Resolução não pretende introduzir no
decidido que o Ministério Público tem
ordenamento jurídico a possibilidade
legitimidade para propor ação civil
de ortotanásia, mas apenas informar pública na defesa de direitos
ao médico que a conduta ética da individuais homogêneos quando
profissão exige o respeito aos desejos houver relevância social na proteção
e vontades previamente expressados do bem jurídico, a exemplo do direito à
pelo paciente quanto aos vida e saúde (Resp1283206/PR, Rel.
tratamentos que deseja ou não se Ministro Mauro Campbell Marques,
submeter; d) as diretrizes julgado em 11/12/2012, DJe 17/12/2012).
antecipadas objetivam o respeito à Rejeito, pois, a argüição preliminar.
autonomia do paciente e têm Os efeitos das decisões proferidas em
fundamento na dignidade humana; ação civil pública são restritos aos
e) o art. 5º, inciso III, da Constituição limites territoriais do órgão prolator,
Federal eart. 15 do Código Civil nos termos do art. 16 da Lei n° 7.347/85
estabelecem relevância à autonomia (Embargos de Divergência no EResp
do paciente diante dashipóteses de n°411.529, Rel.
tratamentos; f) a capacidade de Ministro Fernando Gonçalves,
manifestação de vontade está Segunda Seção, julgado em
10/03/2010, DJe 24/03/2010).
prevista nos arts. lº a 5º, do Código
Prosseguindo, cumpre delimitar a
Civil, não havendo a necessidade de
presente decisão tão somente quanto
ser normatizada pela Resolução; g) o
aos aspectos do fumos boni juris e do
ato de vontade não caduca pelo
periculum in mora, tendo por base os
decurso do tempo e o pacienteé livre
elementos até o momento trazidos
para não mais se valer das diretivas,
aos autos.
bem como para revogá-las, desde Dispõe o art. 2º da Lei n° 3.268/57 que
que aplicado o princípio da simetria os Conselhos Federais e Regionais de
das formas; h) na ausência de diretriz Medicina são os órgãos supervisores
antecipada dopaciente, a família será da ética profissional, incumbindo-lhes

88
TESTAMENTO VITAL

zelar pelo perfeito desempenho ético a sua vontade quanto aos cuidados e
da Medicina e pelo prestígio e bom tratamentos médicos que deseja
conceito da profissão. Eis o inteiro receber ou não na hipótese de se
teor: encontrar em estado terminal e
Art. 2º O Conselho Federal e os irremediável.
Conselhos Regionais de Medicina são Igualmente, em exame
os órgãos supervisores da ética inicial,entendo que a Resolução é
profissional em toda a República e ao constitucional e se coaduna com o
mesmo tempo, julgadores e princípio da dignidade da pessoa
disciplinadores da classe médica, humana, uma vez que assegura ao
cabendo-lhes zelar e trabalhar por paciente em estado terminal o
todos os meios ao seu alcance, pelo recebimento de cuidados paliativos,
perfeito desempenho ético da sem o submeter, contra sua vontade,
a tratamentos que prolonguem o seu
medicina e pelo prestigio e bom
sofrimento e não mais tragam
conceito da profissão e dos que a
qualquer benefício.
exerçam legalmente.
No mais, a manifestação de vontade
Autorizado pelo citado dispositivo
do paciente é livre, em consonância
legal, o Conselho Federal de Medicina
com o disposto no art.107 do Código
editou a ResoluçãoCFMn°1.995/2012
Civil, que somente exige forma
dispondo sobre as diretivas especial quando a lei expressamente
antecipadas de vontades dos estabelecer. É de se observar que a
pacientes, tendo em vista que ”por Resolução apenas determina ao
um lado, o tema diretivas médico o registro no prontuário da
antecipadas de vontade situa-se no manifestação de vontade que lhe for
âmbito de autonomia do paciente e, diretamente comunicada pelo
por outro, que este conceito não foi paciente, não tendo determinado a
inserido no Código de Ética Médica forma de comunicação.
brasileiro recentemente aprovado” Da mesma forma, para a validade das
(fls. 27 e verso). diretivas antecipadas de vontade do
Assim, em análise sumária, entendo paciente devem ser observados os
que o Conselho Federal de Medicina requisitos previstos no art. 104 do
não extrapolou os poderes Código Civil, não sendo necessário
normativos outorgados pela Lei n° que a Resolução reitere a previsão
3.268/57, tendo a Resolução CFM n° legal.
1995/2012 apenas regulamentado a Sendo assim, ausente plausibilidade
nas alegações contidas na petição
conduta médica ética perante a
inicial, indefiro a liminar”.
situação fática de o paciente externar

Fonte
1. DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 5ª ed. Indaiatuba: São Paulo, 2020.
2. AGRAVO DE INSTRUMENTO PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Nº 70065995078 (Nº CNJ: 0284885- 31.2015.8.21.7000).

89
CAPÍTULO

16
HOME CARE

O direito à saúde é um princípio basilar insculpido no art 196 da


Constituição Federal. Por isso, a defesa dos processos de Home Care
dos Planos de Saúde que unicamente se defendiam alegando que o
procedimento de Home Care não constava no rol da ANS (Agência
Nacional de Saúde), logo, não seria fornecido, caiu por terra, uma vez
que o Código de Defesa do Consumidor é norma protetiva para que
o consumidor que é parte hipossuficiente, lute com paridade de
armas, frente ao grande poder econômico das grandes operadoras
de saúde.

90
HOME CARE

Atualmente, a melhor defesa no plano de saúde que deixa de fornecer


processo de Home Care é demonstrar Home Care a um paciente que está
através de relatórios médicos e no ambiente domiciliar, está
prontuários o real estado clínico do colocando a vida do paciente em
paciente, demonstrando cabalmente risco, uma vez que as pessoas que
que o quadro clínico daquele paciente apresentam esse risco de morte
não necessita de Home Care e para iminente, necessariamente, estão em
que não reste nenhuma sombra de ambiente hospitalar, sendo este o
dúvida, se faz imperiosa a necessidade
único complexo com infraestrutura
da realização de uma perícia médica
propícia a reverter algum dano
no processo de solicitação do Home
clínico de ordem aguda ou crônica.
Care por um perito imparcial,
Mister salientar, que atualmente o
escolhido pelo juiz, que deverá
serviço de Home Care é usado
fornecer um laudo médico relatando
erroneamente como um serviço de
se o paciente terá ou não necessidade
de Home Care. cuidador, além de ser
O termo Home Care é conceituado responsabilizado financeiramente
como a substituição da internação pelo custeamento dos
hospitalar. Sendo assim, o processo medicamentos orais, equipamentos
legal da solicitação do Home Care faz- básicos e itens de higiene e conforto,
se por meio de solicitação do médico uma vez, que se o paciente não
assistente em ambiente hospitalar. apresenta pontuação condizente
Não sendo razoável alegar que para prestação do serviço a
qualquer pessoa que se encontra no operadora estará sendo penalizada a
gozo do seu lar apresente risco de custear mensalmente tais insumos.
morte iminente, sendo assim, um A assistência domiciliar é dividida em
beneficiário que se encontra em seu três modalidades de serviços, a saber:
domicílio, vai ao seu médico de 1. Visita Domiciliar: que é o
confiança e a família solicita Home atendimento realizado por um
Care e o médico emite laudo nesse profissional ou equipe para avaliar e
sentido, contudo não houve negativa estabelecer um plano assistencial de
do Home Care por parte do plano,
saúde;
uma vez que processo correto e legal
2. Atendimento Domiciliar: que é a
da liberação da infraestrutura de
atividade assistencial formada por
Home Care é Hospital x Home Care e
procedimentos técnicos mais
não Casa x Home Care.
orientações que varia de
Forçoso é salientar que quem
periodicidade de acordo com a
realmente necessita do Home Care
não está no conforto do seu lar, mas complexidade do cuidado a ser
sim no ambiente nosocomial realizado.
(hospital), sendo ilógico alegar que um De acordo com a Portaria nº 73, de 10

91
HOME CARE

de maio de 2001, do Ministério da Internação Domiciliar:


Saúde, assistência domiciliar é aquele - Tratamento é centrado na atuação
prestado à pessoa idosa com algum da família, uma vez que ela é
nível de dependência, com vistas à incluída no processo de promoção à
promoção da autonomia, Saúde.
permanência no próprio domicílio, - Visa manter a capacidade funcional
reforçando os vínculos familiares e da do paciente;
vizinhança, e; - O tratamento é multidisciplinar.
3. Internação Domiciliar: que
Sugerem-se como critérios de
representa um conjunto de atividades
priorização no Serviço de Internação
assistenciais especializadas
Domiciliar os itens clínicos que
sistemáticas, exercido por profissionais
compreendem:
de saúde com oferta de recursos
- Pessoas portadoras de doenças
humanos, equipamentos, materiais e
crônico-degenerativas agudizados
medicamentos. Vale ressaltar que em
qualquer modalidade de assistência clinicamente estáveis;
domiciliar o paciente deve receber - Pessoas que necessitam de
suporte de um serviço vinte e quatro cuidados paliativos; e
horas para determinadas situações de - Pessoas com incapacidade
urgência e emergência. funcional provisória ou permanente,
Resumidamente, os modelos atuais de com internações prolongadas ou
Assistência à Saúde têm as seguintes reinternações, que demandam
características: atenção constante.
Hospitalar: Objetivos da Internação Domiciliar:
- Tratamento é centrado na decisão - Fornecer apoio domiciliar global ao
médica; paciente portador de doença crônica
- O tratamento visa à cura de uma – degenerativa, prevenindo ao
determinada patologia; máximo as internações e encurtando
- Tratamento é predominantemente o período de permanência hospitalar
com medicamentos; nas intercorrências;
- Família é excluída do processo de - Reduzir os riscos de infecções
promoção à saúde.
hospitalares;
Atendimento Domiciliar:
- Envolver o acompanhante ou
- Pessoas que necessitem curativos
familiar no processo de suporte ao
especiais, sem necessidade de
paciente crônico;
internação;
- Devolver ao paciente a
- Pessoas que necessitem terapia EV
oportunidade do convívio familiar;
(Endo Venosa), IM (Intra
Muscular) de curta duração; A Internação Domiciliar demanda
- Fisioterapias somente em casos uma logística de atenção que envolve
elegíveis. múltiplas atividades profissionais,

92
HOME CARE

além de controles especiais com Tabela NEAD : Em 2003, um grupo de


materiais, medicamentos e profissionais envolvidos com a prestação
equipamentos, cabe ressaltar que o de serviços domiciliares em saúde
cuidado prestado em domicílio não deve fundou o NEAD – Núcleo Nacional das
ser uma atividade movida a improvisações Empresas de Serviços de Atenção
e informalidades. Ao contrário, a Domiciliar. Foi criada a tabela de
complexidade deste processo e das novas avaliação para planejamento de atenção
tecnologias que estão sendo transferidas domiciliar, que sofreu atualização em
para o domicílio deve ser tratada de forma
2017 e hoje é utilizada como referência
criteriosa, sistematizada, com meios de
por quase todas as empresas de atenção
controles bem definidos e com especial
domiciliar e operadoras de planos de
foco na segurança desta operação.
saúde. O NEAD defende que a utilização
Mas como saber quando o paciente
desta tabela aumenta muito o nível de
pontua para ser enquadrado como
assertividade na escolha da modalidade
paciente elegível ou não ao Home Care?
Escore de Katz e NEAD são algumas das de assistência domiciliar
escalas utilizadas na avaliação da Cumpre explicitar, ainda, que o serviço
elegibilidade ou não do paciente ao Home de Home Care é destinado à pacientes
Care. com indicação clínica, como por
ESCORE DE KATZ - O Index de exemplo: pacientes traqueostomizados,
Independência nas Atividades de Vida tetraplégicos dependentes de ventilação
Diária (AVDs) – Index of ADL - mecânica, em cuidados paliativos,
desenvolvido por Sidney Katz é um alimentação parenteral, administração
instrumento de avaliação funcional muito de antibiótico venoso mais de 3 vezes ao
utilizado na literatura gerontológica tanto dia, ou alguma doença
em nível nacional quanto internacional, é neurodegenerativa que afete o sistema
a escala utilizada para avaliar a respiratório e caso o paciente não possua
independência nas atividades de vida nenhum desses agravantesque tornem
diária (AVD) indispensáveis o atendimento do técnico
de enfermagem pelo período de 24
horas, não fará jus ao atendimento de
Home Care com técnico de
enfermagem, mas tão somente de
cuidador.
Assim, é indispensável diferenciar os
serviços de Home Care dos profissionais
denominados cuidadores. A função de
um cuidador é zelar pelos cuidados do
paciente no cotidiano, tais como trocar
fralda, dar banho, auxiliar na
alimentação, trocar a roupa, além de
higiene básica, como fazer a barba,
cortar cabelos e unhas, e ainda fazer
companhia no dia a dia.

93
HOME CARE

Verifica-se, no entanto, que o cuidador Nos casos de a operadora fornecer a


não demanda conhecimentos técnicos, o internação domiciliar em substituição à
que pode ser realizado por qualquer internação deverá obedecer às
pessoa, inclusive os próprios familiares, exigências previstas pela ANVISA e as
enquanto o Home Care, exige um alíneas “c”, “d” e “e” do art. 12 da Lei
conjunto de profissionais especializados 9.565/98. De acordo também com o art,
com formação na área de saúde, que 13, parágrafo único da RN 211 da ANS, nos
estejam capacitados a prestar serviços da casos em que a assistência domiciliar não
mesma forma à pacientes internados no se dê em substituição à internação
hospital. hospitalar, esta deverá obedecer à
Apesar da nítida diferença entre o previsão contratual ou negociação entre
conceito da figura do cuidador e da as partes. Contudo, há que se avaliar a
internação domiciliar (Home Care),
real necessidade do beneficiário na
observa-se o aumento significativo de
assistência domiciliar, como preconiza o
demandas judiciais em que os familiares
entendimento do STJ. O home care não
recorrem ao sistema judiciário para que o
pode ser simplesmente uma exigência
plano de saúde ofereça o serviço de
da família, que por mera comodidade
técnico de enfermagem pois não estão
dispostos aos cuidados básicos com os deseja substituir os serviços de um
doentes dentro de casa. cuidador de pessoas doentes. Pelo
A Federação Nacional de Saúde contrário, esse serviço deve ser prescrito
Suplementar – FenaSaúde – entende que pelo médico responsável pelo paciente,
“o aumento das demandas por esse tipo evitando fundamentos genéricos,
de serviço, em diversos casos, reflete um devendo descrever relatório completo,
problema social em que o plano de saúde adequando o tratamento com a condição
passa a ser utilizado por muitas famílias clínica do paciente, especificando os
como um serviço de cuidador, sem uma profissionais de saúde, os equipamentos
indicação clínica bem orientada. Isto necessários, medicamentos, por fim
acarreta acréscimos de custos demonstrando a necessidade e eficiência
imponderáveis ao sistema. “Os serviços do atendimento domiciliar.
prestados por cuidadores não estão Mister explicitar o fato evidente e cada
cobertos pelos planos de saúde mesmo vez mais constante no Brasil, que a
que a internação em ambiente familiar expectativa de vida aumentou, e com
seja coberta”.
isso, os filhos ou responsáveis estão
Vale ressaltar que o setor de saúde
transferindo o papel de cuidador dos
suplementar é fiscalizado pela autarquia
seus doentes para as operadoras de
federal denominada Agência Nacional de
saúde.
Saúde Suplementar (ANS), vinculada ao
O objetivo não é dificultar a
Ministério da Saúde e não somente
fiscaliza como também define as diretrizes disponibilização do serviço de home care
de caráter obrigatório para as seguradoras para os pacientes que necessitam, mas
e operadoras de planos de saúde, com ordenar algo que está sendo conduzido
objetivo de promover a defesa do de maneira errônea, inclusive
interesse público. prejudicando demais beneficiários.

94
HOME CARE

As iniciativas de aproximação e fonoaudiólogo por exemplo. E mesmo


cooperação do judiciário com as que seja dada uma sentença
entidades de saúde, a utilização de condenando o plano a fornecer o
instrumentos baseados na coleta de Home Care, a clínica do paciente é algo
dados e nas evidências científicas, mutável, ou seja o estado de saúde do
certamente contribuirão para uma paciente pode evoluir ou involui, logo, o
melhor tomada de decisão referente um paciente que outrora necessitava do
problema de alta complexidade que Home Care, pode não necessitar mais,
envolva os cuidados com a vida de uma sendo necessária a realização de outra
pessoa. perícia médica para que reste
Erroneamente, as pessoas pensam que novamente comprovada a necessidade
os Planos de Saúde são os “grandes da manutenção do Home Care, ou que
vilões” que não fornecem Home Care
o quadro clínico do paciente progrediu
aos pacientes que dizem necessitar,
de uma tal forma, que não será mais
todavia há casos de pacientes que
necessário o fornecimento do Home
caminham na orla da praia e mesmo
Care.
assim o médico por ser conhecido da
família, solicita técnico de enfermagem
24 horas, ou ainda, famílias que
solicitam mais fraldas, medicamentos
ou insumos que o paciente realmente
necessita e vende tais itens, levando
vantagem indevida em cima do plano
de saúde.Quando um paciente que
solicita um técnico de enfermagem sem
precisar e o plano é compelido a
fornecer, está deixando de fornecer para
um paciente que realmente necessita,
gerando um grande desequilíbrio.
Assim, se constata que há imperiosa
necessidade da realização da perícia
médica em todos os processos de Home
Care, para que fique comprovado o real
quadro clínico do paciente e se de fato o
paciente necessita do serviço de Home
Care com técnico de enfermagem ou
somente de atendimentos pontuais
realizados por uma equipe
multidisciplinar, exemplo do paciente
que não necessita do técnico de
enfermagem mas necessita do
acompanhamento por fisioterapeuta e

95
CONCLUSÃO

O Direito Médico é uma proposta de reflexão e discussão no sentido de


ajustar as ciências médico-biológicas às ciências jurídicas. Esta introdução
ao estudo trata do exercício da profissão médica diante das obrigações e
dos deveres com o ser humano e o conjunto de população, bem como dos
múltiplos aspectos jurídicos a que esse profissional deve estar atento para
desempenhar seu indispensável mister.
Surge assim o Direito Médico e da Saúde para regulamentar essa prestação
do serviço, as atividades dos profissionais e a garantia de direitos dos
pacientes, como forma de manter toda a saúde caminhando de forma
harmônica e organizada.
Estamos sob a égide de uma Constituição que orienta o Estado no sentido
da dignidade da pessoa humana, tendo
como normas a promoção do bem
comum, a garantia da integridade física
e moral do cidadão e a proteção
incondicional do direito à vida.
Por conta disso existe uma considerável demanda de situações novas a
exigir do Direito respostas e soluções nesses intrincados assuntos
relacionados à saúde.
Este trabalho será insuprível ao profissional que pretende atuar no Direito
Médico, sendo tão somente os primeiros passos, uma vez que se trata de
uma área do conhecimento viva e dinâmica, com demanda de situações em
evolução constante, pois a evolução social segue um ritmo acelerado e,
atualmente, são muitos os problemas comuns à Medicina e ao Direito.
Por fim, compreender todos os aspectos legais e buscar capacitação
contínua para atuar em demandas que envolva Direito Médico faz toda a
diferença na atuação do advogado enquanto instrumento de mudança
social e de justiça.

96
MANUAL BÁSICO DE

DIREITO MÉDICO
E DA SAÚDE
COMISSÃO DE DIREITO
MÉDICO E DA SAÚDE

PATROCINADORES

Você também pode gostar