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Da tradição da verdade

Nas mais diversas crises e mistérios que fazem cintilar o espectro da existência o ser
humano obrou se derramar, fazer de si extensão de seus conceitos e crenças enquanto
tudo aprendia num mundo de luz difusa, para tentar lidar com os mecanismos ocultos da
natureza e de seus próprios hábitos. É por crer que há verdade que a sede inesgotável se
avoluma nos mergulhos dentro de águas intranquilas, e as delicadas harmonias que a
vida encerra conseguem abarcar profundos abismos cujo silêncio desmesurado fere a
certeza da linguagem.

E pelo desejo de verdade é que há também loucura, o infinito entre as medidas e a


palavra crua. E pelo desejo, decerto, há ainda a angústia de querer, e o entregar-se. Mas
não há cura. Gerações que vêm e vão debruçam-se sobre eternas perguntas, almejam o
germe de uma mesma cultura, onde o diverso de uma confusão se ordene pelo elementar
do fio de um único atributo, e tenha todas as mãos tomando parte numa mesma massa.

É mister da estranheza daquele que se depara com o mundo tentar ancorar-se mesmo no
brilhar de um enigma infinito ou outro posto, seja num campo restrito por suas
intenções ou numa generalidade caótica. Talvez porque existir sempre fez parte de tudo
é que houve coragem de se pensar a verdade frente ao vazio, ao silêncio e à deriva que
perpassam a cadeia dos instantes. Esse conceito fundamental norteia as buscas e
atividades que se dão no pátio das vontades e dos caminhos que se formulam nas leis da
ação, do tempo que passa.

Todos os espaços que sugerem o plano de uma cartografia humana e de sua condição ou
de seus delírios na terra esforçam-se em alcançar os limites daquilo que é fato ou
desatado, ou a traçá-los. E viver, neste sentido, é inesgotável: o labirinto é raiz de quem
pensa, da pesada consciência, e sempre se espraia. As passadas que seguem o caminhar
da incerteza ganham seu sentido por isso, pois que tal como a semente oferece o fruto
ou a flor, e o nascimento acena à morte, o destino é que deriva, fremente, da viagem.

Isadora Tochetto Bove

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