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Neurose Obssessiva Compulsiva Revista17
Neurose Obssessiva Compulsiva Revista17
NEUROSE OBSESSIVA
Desing Gráfico: Cristiane Löff
R454
Semestral
ISSN 1516-9162
CDU: 159.964.2(05)
616.89.072.87(05)
CDU: 616.891.7
ENTREVISTA
A forclusão do pai na neurose ob-
sessiva..........................................63
Alfredo Jerusalinsky
EDITORIAL
8
TEXTOS
A OBSESSÃO E A CLÍNICA
CONTEMPORÂNEA*
RESUMO
ABSTRACT
The text approaches the “biliguism” in women, that often pass from hysteria to
obsession, due to changes in the phallic request. Refers as Freud deals early
with this subject in his work and questions the reasons for the increase in the
obsession expression in women today.
KEYWORDS: obsessional neurosis and women; women and the phallic request
*
Trabalho apresentado em Barcelona, na reunião da Convergência Lacaniana para uma Psica-
nálise Freudiana, em novembro de 1998. O texto sofreu algumas modificações para esta publi-
cação, mas conserva as idéias do original.
**
Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Doutora em Ciências pela
PUC/SP e autora do livroA ficção do si mesmo: interpretação e ato em psicanálise, ed. Compa-
nhia de Freud, 1998.
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TEXTOS
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A OBSESSÃO E A CLÍNICA CONTEMPORÂNEA
seja, alguma coisa se modifica no laço do casal, de tal forma que as posições de dar e
receber se deslocam. No entanto, sabe-se que esse deslocamento não é tão lábil, que
não é suficiente uma frustração para que o sujeito mude de sintoma. Ao contrário, ele
vai suficientemente longe no fracasso do sintoma. Poderíamos pensar, aqui, numa
certa irreversibilidade, numa certa função de trauma que se produz no laço sintomáti-
co. Talvez o filho como dom tenha encontrado, para esse casal, o lugar da impossibi-
lidade e, a partir daí, o fracasso não pode mais ser representado como impotência. É
assim que a impotência do marido não vem mais como repetição e impõe uma espécie
de nova ordem.
Talvez isso que Freud enunciou apareça como um certo prenúncio de algo que
hoje passa a se tornar corriqueiro. A mulher, na escolha da neurose obsessiva, talvez
tematize um segundo tempo de fracasso: o fracasso que se centra no ato sexual como
condição da significação sexuada. Por que isso seria um segundo tempo? Vamos ten-
tar desenvolver um pouco mais.
A modificação do apelo fálico, no nosso contexto, de alguma maneira parece
forçar as mulheres a transitarem, em diferentes graus, pela obsessão. Como se produ-
zem as condições desse trânsito? Retomaremos os argumentos freudianos a respeito
do édipo e tentaremos situar-nos a partir deles. Freud propõe dois caminhos que o
édipo demarcaria: a identificação e a escolha do objeto sexual. Para Freud, esses dois
elementos se dão em campos distintos, o do masculino e do feminino. O modelo
interpretativo edípico parte de um certo suposto: uma distância, uma separação, entre
identificação e escolha de objeto. Ou seja, a identificação se dá num campo, a escolha
de objeto no outro. Se há identificação com o pai, por exemplo, o menino vai escolher
o objeto do lado das mulheres; se com a mãe, a escolha se dará no lado oposto. É certo
que Freud, quando trabalha sobre o narcisismo, mistura um pouco as coisas; elas não
se dão tão harmoniosamente. No entanto, a saída do édipo – o que implica uma certa
resolução interpretativa – pressupõe que esteja estabelecida esta distância entre identi-
ficação e escolha de objeto, como dois campos distintos.
As condições de representação dependem do contexto que, enquanto laço
discursivo, determina lugares. Depois de Freud, muito se tem falado a respeito do
enigma da feminilidade e transposto, quase ipsis litteris, para a posição da mulher no
fantasma masculino, ou bem para a proposta de sexuação, apresentadas por Lacan. Por
vezes, desconsidera-se que a formulação freudiana não indica uma posição natural de
identidade aos sexos e que os giros discursivos afetam as identidades. Pela condição
de fundação da psicanálise, talvez a mulher histérica tenha permanecido como objeto
do desejo dos psicanalistas. Mas a mulher obsessiva nos indica que não há natureza
feminina.
Talvez se faça importante esclarecer por que estou me detendo nessa separação
mencionada antes. Como se sabe, a forma como a demanda contextualiza, na clínica,
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A OBSESSÃO E A CLÍNICA CONTEMPORÂNEA
essas questões não as diferencia de qualquer laço amoroso. Neste, qualquer escolha de
objeto é também uma escolha identificatória. Ou seja, o que se ama no outro é sempre
um traço que representa o eu. Assim, qualquer pergunta sobre o que é ser homem, o
que é ser mulher, incluída num laço amoroso, produz um certo acoplamento de regis-
tros, em que a identificação não se diferencia do objeto da escolha sexual. Diríamos
que ser e ter, nesse sentido, tornam-se equivalentes.
Aqui retomo a questão do duplo fracasso que situei no caso mencionado. Des-
de que, na cultura, os destinos da significação feminina não se decidem mais exclusi-
vamente pelo dom do filho, abre-se uma dupla vertente que muitas vezes opera de
forma dissociada. Aproveitando uma expressão de Pommier (1992), dissociam-se (no
sentido freudiano de clivagem) o pai do sexo e o pai do nome. Na posição reivindicatória
histérica, a espera de receber algo do parceiro conjugava um horizonte de idealidade
na espera do filho. Com o filho esperava-se resolver a conjugação entre sexo e nome
(ter um sexo e ter um nome – ser e ter). Com o fracasso cultural na definição da mulher
como mãe, ou seja, de situar a natureza feminina como mãe, as mulheres precisaram
incumbir-se de produzir tanto o sexo quanto o nome, do lado da atividade antes reser-
vada aos homens. É ali que se situa o segundo tempo do fracasso, disparador da obses-
são: o fracasso na representação da potência de satisfação, reduzindo a atividade sexu-
al a elementos ritualísticos. Hoje, talvez o templo obsessivo tenha encontrado seu lu-
gar originário: o quarto do casal.
Uma jovem mulher me procura com uma queixa, que se tornou totalmente
corriqueira, de se encontrar inibida no início de sua vida profissional. Digamos que o
sinal dos tempos (dificuldades do mercado em acolher um ideal profissional, pela falta
de oportunidades) fortalece o sacrifício obsessivo. Mas o que mais me chamou a aten-
ção nessa jovem foi a expressão que ela usou ao se referir à sua vida sexual com o
marido: “agora a gente trepa bem”. O que é mais curioso é que a palavra trepar me
chocou. Fiquei indagando-me sobre o que me teria chocado numa palavra que passou
a ser tão lugar comum, tanto no consultório quanto socialmente. Talvez pela primeira
vez eu tenha percebido como essa palavra se tornou higiênica, dessexualizada, tendo
sido exatamente isso que me chocou. Essa jovem me pareceu uma típica representante
de uma geração para a qual o ato sexual tornou-se parente próximo de vestir o unifor-
me para ir ao colégio: tudo depende da pulcritude, inclusive a transgressão.
Se a histeria resulta de um fracasso na conjugação dos registros paternos (Pai
do sexo – Pai do nome), a obsessão resulta de um fracasso na separação desses mes-
mos registros. É como dizer que, se para a histeria, o problema provém da união; para
a obsessão, o problema provém da separação. Nesse sentido, tanto a inibição quanto a
compulsão ritual e o acting out passam a prevalecer como resultantes da posição in-
consciente e não mais a mímesis, como no caso da histeria. O acento no ato provoca
expressões extremadas: ou bem a inibição, ou bem a compulsão.
13
TEXTOS
passado, como fracasso da versão ficcional e outro que relança a demanda ao Outro,
constituindo o duplo sentido da obsessão de repetição. Pode-se perceber que a convi-
vência da diferença das gerações está sempre colocando em xeque as versões ficcionais,
quase como se fossem diferenças de línguas. Freud vislumbrou o único ponto em
comum na diferença geracional, ao dizer que o supereu da criança é o de seus avós. O
supereu, então, constitui uma espécie de língua única, que amarra as gerações, que
problematiza as mudanças do endereço discursivo, tanto quanto o reconhecimento da
diferença, que a convivência das gerações instala.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. La disposición a la neurosis obsesiva. Una aportación al problema de la elección de
neurosis (1913). In: _____. Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1972.
KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. A mulher freudiana na passagem para a modernidade.
Rio de Janeiro: Imago, 1998.
LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Seminário XI. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1985.
POMMIER, G. A ordem sexual. Perversão, desejo e gozo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
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A NEUROSE OBSESSIVA
TEXTOS FEMININA HOJE*
Roland Chemama* *
RESUMO
A partir da constatação de um acréscimo no número de mulheres obsessivas
em relação ao de mulheres histéricas, a proposta deste texto é procurar e
aprofundar as razões que a justifiquem. Através da abordagem de um caso de
uma neurótica obsessiva, sempre perpassado por uma reflexão comparativa à
histeria, o autor trabalha temas cruciais à clínica das neuroses: a atualidade de
uma estrutura clínica, a transferência e a estrutura, a compulsão, o fantasma,
o falo, a inveja do pênis numa mulher, a forclusão do falo, o significante fálico e
a condução do tratamento.
PALAVRAS-CHAVE: neurose obsessiva feminina; compulsão; transferência;
falo
ABSTRACT
From the finding of an increase in the number of obsessive women in relation to
hysterical women, the proposal of this text is to search and enhance the reasons
behind it. Through the study of a case of obsessional neurosis in a woman,
always crossed by a comparative consideration with hysteria, the author
approaches crucial themes to the clinic of neuroses: the actuality of a clinical
structure, transference and structure, compulsion, phantom, phallus, penis envy
by a woman, phallus forclusion and the direction of treatment.
KEYWORDS: feminine obsessional neurosis; compulsion; transference; phallus
*
Este texto é uma tradução do trabalho apresentado na conferência em Caxias do Sul, em 12/08/
99, uma dentre as realizadas pelo autor no Rio Grande do Sul, reunidas sob o título Um
questionamento lacaniano na atualidade, e promovidas pela Associação Psicanalítica de Porto
Alegre, UNISINOS e Espaço de Estudos Psicanalíticos (Ijuí).
**
Psicanalista, membro da Association Freudienne Internationale, autor de Dicionário de Psi-
canálise Larousse (POA, Artes Médicas, 1995) e Eléments lacaniens pour une psychanalyse
au quotidien (publicação da A.F.I., Paris, 1994).
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A NEUROSE OBSESSIVA FEMININA HOJE
A ntes de mais nada, é preciso, por certo, falar um pouco sobre a própria idéia de se
interrogar sobre a atualidade de uma estrutura clínica. Será que estruturas como a
fobia, a histeria, a neurose obsessiva e a perversão não conservam sempre os mesmos
traços, a mesma realidade?
Não o creio. E, por exemplo, para mostrá-lo a vocês inicialmente a partir de
uma questão que não é a da neurose obsessiva, parece-me que vocês compreendem
facilmente que a histeria possa não assumir, em todos os tempos e lugares, a mesma
forma e o mesmo sentido. Dizemos freqüentemente que a histérica, que colocamos
com bastante freqüência no feminino, a histérica, pois, interpela o mestre. Ela o inter-
roga sobre seu poder e seu saber, ela sublinha seus limites, em suma, ela procura um
mestre sobre quem reinar. Concebe-se então que isso pressupõe, precisamente, a exis-
tência de mestres que não sejam desacreditados de saída. Ora, em nossos dias, em um
número crescente de países democráticos, a desconfiança legítima que se pode ter
contra a opressão se transforma em crítica de toda posição de exceção, de maestria, de
autoridade. Isso é sem dúvida devido ao peso crescente do discurso da ciência, a ciên-
cia que substitui os discursos que, até aqui, precisamente, constituíam a autoridade,
mas que os substitui ao excluir, pelo menos aparentemente, toda posição de maestria.
No limite, um enunciado científico parece mesmo poder dispensar a dimensão da
enunciação. De qualquer modo, é claro que nessa nova configuração não encontrare-
mos mais na mesma escala uma histeria comparável à que Freud conheceu. Bem, não
falarei de histeria, mas vejam bem que a questão que vou propor está ligada a esta. Se
me interesso mais particularmente pela neurose obsessiva feminina, é porque, há al-
guns anos, acredito ter recebido um pouco menos mulheres histéricas e um pouco
mais mulheres obsessivas. Essa era também a impressão de muitos colegas, quando
das jornadas que tivemos há um ano em Paris, e cada um, à sua maneira, tentou com-
preender o porquê. É esse trabalho que vou procurar prolongar e aprofundar.
Minha segunda observação, antes de me engajar no essencial do assunto, é a de
que hoje evidentemente dispomos de numerosos textos sobre a neurose obsessiva, que
valorizam aspectos diferentes. Há os textos de Freud, sobretudo os centrados em histó-
rias de casos, em particular o “Homem dos Ratos”. Há os “Escritos” e sobretudo os
“Seminários” de Lacan, dado que este se ocupou muitas vezes da neurose obsessiva. E
depois, dentre todas as elaborações ulteriores, é certo que atribuo um valor particular
à que Charles Melman trouxe. Há, pois, coisas o bastante, e o risco, por certo, seria o
de querer reunir tudo, o risco seria o de dar uma apresentação totalizante, impecável
do ponto de vista teórico, mas eu diria tão obsessiva quanto o objeto que ela pretende-
ria descrever. É difícil, de fato, não falar da neurose obsessiva em termos obsessivos.
O obsessivo, como se sabe, tenta articular séries de enunciados que obedeceriam a
regras estritas de inferências. Ele procura, de uma certa forma, evitar toda ruptura
naquilo que diz, e, ao mesmo tempo, toda expressão de sua subjetividade. Pois bem, o
17
TEXTOS
risco seria o de repetir, no nível teórico, uma empresa desse tipo. O risco é o de propor
a vocês um discurso fechado, auto-suficiente, sem falha. Espero que suas observações,
suas reservas, eventualmente suas críticas possam assegurar-me de que não tenha sido
assim.
Por outro lado, para evitar um efeito desse gênero, não pretendo, de fato, res-
peitar totalmente o título que foi anunciado. Em vez de falar da neurose obsessiva
feminina como se falasse de um universal – todas as mulheres neuróticas obsessivas –
irei falar a vocês sobretudo de um caso que segui durante muitos anos. Nunca é sim-
ples, nem que seja por razões de discrição, falar de um caso. Entretanto é certamente
muito importante para nosso trabalho. Então, como falo aqui, longe de Paris, onde
atendi a pessoa de quem vou lhes falar, autorizo-me a falar dela um pouco mais em
detalhe e a tentar articular algo a partir desse caso. Serei levado, certamente, durante
este trajeto, a falar do obsessivo em geral, mas tentarei não perder de vista que falo
disso a partir de um caso singular.
Trata-se de uma mulher com cerca de quarenta anos – chamá-la-ei de Floria –,
que tinha vindo consultar-me depois de ter feito uma primeira análise com uma psica-
nalista, uma mulher psicanalista. Essa primeira análise tinha sido determinada pelo
seguinte fato: um dia em que Floria ia doar sangue, a pessoa a quem ela se dirigiu lhe
disse que ela não devia ter vindo. De fato, segundo seu dossiê, haviam-lhe indicado,
na vez precedente, que não se podia aceitar seu sangue, que ele estava contaminado.
Ela sabia bem que isso não era verdade, que nunca tinham rejeitado seu sangue, e
pôde, aliás, ter a certeza, dirigindo-se a outro lugar, de que não estava em absoluto
contaminada. Isso não impediu que, a partir desse dia, ela não cessasse de duvidar de
si mesma. Não teria havido, mesmo assim, alguma coisa desse tipo? Não poderia ser
que ela mesma tivesse esquecido algo desse gênero? Estaria doente? Ela não podia
afastar esse tipo de idéias.
Parece que seu primeiro tratamento teve, pelo menos, o efeito de acalmá-la.
Não obstante, não estava muito satisfeita com ele. Percebia bem, de fato, que sua
psicanalista se apressava demais em dar-lhe explicações, que esta lhe havia proposto,
de modo rápido e artificial, interpretações que ela teve dificuldade em integrar. Por
exemplo, para explicar por que a história do sangue tinha sido tão obsessiva, a psica-
nalista indicara que se tratava sem dúvida de uma questão edípica, porque é com os
pais que se partilha o mesmo sangue.
De fato, Floria não apresentava um quadro sintomático muito impressionante.
Salvo uma compulsão particular, de que irei falar longamente, pode-se dizer que o
resto era bastante banal.
Floria rapidamente me põe a par de sua neurose infantil: ela se recorda de ter
sido uma criança com muito cuidado em respeitar, além mesmo daquilo que se lhe
pedia, as regras que lhe eram prescritas, em particular as regras religiosas. Por exem-
18
A NEUROSE OBSESSIVA FEMININA HOJE
plo, tinham-lhe proibido beber antes de uma cerimônia religiosa. Ela tinha ampliado
esse interdito. Não apenas não devia beber, mas não devia engolir sua saliva. E, quan-
do ela mesmo assim o fazia, sentia-se impura. Por essa idade, ela acusava suas bonecas
de se sujarem fazendo pipi e as punia. Mais tarde, ela se tornou muito escrupulosa,
sempre ansiosa diante da idéia de ter feito algo que não devia. Por outro lado, ela sofria
daquilo que chamamos de fobia de impulsão. Ela se sentia compelida, quando se depa-
rava com um bebê, a jogá-lo pela janela e temia não poder impedir-se disso. Mas, com
mais freqüência, seus escrúpulos referiam-se a coisas menores da vida quotidiana. Por
exemplo, ela era professora e, quando distribuía doces, devia cuidar para não prejudi-
car ninguém. Em suma, não irei demorar-me em todos esses pormenores.
Seria conveniente, em contrapartida, que nos detivéssemos um pouco mais
longamente sobre seu estilo na transferência. Antes de mais nada, é a partir disso que
podemos colocar da melhor maneira, para cada uma das pessoas que se endereçam a
nós, a questão da estrutura. Sabemos assim que, na histérica, a questão do desejo do
Outro está sempre muito viva. Isso se traduz, no tratamento, por uma atenção constan-
te aos significantes que podem vir do psicanalista. Uma histérica não cessa de interpe-
lar seu psicanalista, de interpretar seus atos e suas palavras, e é nessa forma de diálogo
que se dá o tratamento. Seu modo de se defender do encontro com sua própria falta é
perscrutar a falta no Outro. Por sua vez, o obsessivo tem antes a tendência a anular a
dimensão do Outro. Parece-me que é por isso que ele tenta fazer entrar tudo em sua
lógica, em seu discurso bem organizado. Esse era o caso de Floria. Acrescentemos
que, quando, apesar de tudo, algo um pouco vivo se arriscava a ser dito, ela procurava
anulá-lo, mostrando indiferença em relação a seu psicanalista, em relação ao trata-
mento e a tudo o que se poderia dizer no tratamento.
Gostaria, por outro lado, de acrescentar uma observação quanto ao estilo de
diversos obsessivos no tratamento. Tornou-se banal se oporem os obsessivos às histé-
ricas, no que concerne à regularidade, o respeito dos horários, etc. Porém, como uma
outra jovem obsessiva me dizia um dia, se ela respeitava a regra é porque, no fundo,
não acreditava em absoluto que a regra pudesse valer para ela própria. Era sem dúvida
assim, no caso de Floria.
Chego, entretanto, àquilo de que Floria mais falou durante seu tratamento. Ela
o chamava de seu fantasma. Era, de fato, uma compulsão a fazer algo, compulsão da
qual se defendia, mas à qual ela cedia com muita freqüência. É preciso aliás reconhe-
cer que a passagem ao ato é mais freqüente na neurose obsessiva do que às vezes se
acredita. Quanto ao termo de fantasma, ele não era, no fundo, tão mal escolhido. Digo
isso não no sentido em que ele fosse feito de um cenário imaginário que proporcionas-
se um certo gozo, mas porque se organizava em formulações que eram bastante próxi-
mas daquilo que chamamos de fantasma fundamental, ou seja, ele permitia isolar a
relação do sujeito com o objeto causa de seu desejo.
19
TEXTOS
se pensar que as zombarias que é preciso suscitar estão de início em relação com esse
tema. Ele está, aliás, bastante presente, a ponto de voltar claramente em certos sonhos.
Tudo isso, entretanto, não basta , por certo, para entender o essencial daquilo
que estava em jogo nas espécies de exibições às quais Floria se via compelida. Vocês
irão ver que esses comportamentos são bastante sobredeterminados, que não é fácil,
em todo caso, dar-lhes um sentido. É uma pena, aqui também, ter de apresentar de
modo necessariamente um tanto ordenado o que veio de maneira bem descosida, no
fio das sessões.
Foi evidentemente a personagem da mulher idosa, da vendedora, que guiou
Floria na direção de sua mãe. Isso nos permitirá situar como tudo isso poderia ser
apresentado em uma perspectiva edipiana, digamos, na perspectiva de Lacan quando
ele formaliza, em seus primeiros seminários, o édipo freudiano.
Floria sabia bem que tinha uma relação difícil com sua mãe. Esta jamais parou
de tentar controlar sua vida, ela lhe pedia para ser perfeita. Um objeto perfeito, dizia
Floria, que não estava longe de notar de que objeto poderia tratar-se.
Ela pôde assegurar-se disso melhor e estabelecer um laço com seu sintoma, por
ocasião de um de seus sonhos. Tratava-se, nesse sonho, de ir uma vez mais provar
roupas em um magazine. Mas, nesse dia, havia algo de particular. Sua mãe estava mais
claramente presente, mais ou menos confundida com a vendedora. E estava em ques-
tão dar-lhe um vale ou haver 1 .
Quando, na França, um cliente tem de devolver uma roupa que comprou, mas
que não lhe convém verdadeiramente, quando se aceita essa restituição mas não se
pode fazer imediatamente a troca do artigo, dá-se a ele o que se chama de vale ou
haver (avoir). É um documento pequeno – um pedaço de papel – que lhe permitirá,
mais tarde, adquirir um outro objeto. Mas haver, o verbo haver, faz equívoco também
com o verbo ver. Posso mostrar algo a alguém, dar-lhe alguma coisa a ver.
Foi então que decidi intervir. Disse a Floria: você dá a ver a sua mãe, o que
incluía dar um haver e dar a ver2 .
Foi a partir de um tratamento de mulher obsessiva, apresentado por Maurice
Bouvet, que Lacan voltou, durante vários anos consecutivos, ao tema da interpretação
da inveja do pênis. Com muita freqüência, mostra, reduzimos uma boa parte do dis-
curso da paciente à inveja de ser um homem, ou ainda de ter um pênis. Ora, fazendo
isso, deixamos a paciente pensar que se trata, para ela, de assumir essa inveja, que a
solução para suas dificuldades se encontra nesse plano. Ora, ocorre que em casos
desse tipo o sujeito, no término do tratamento, não está verdadeiramente mais avança-
1
Em francês, avoir, que pode significar ter ou haver. Nota do tradutor.
2
Em francês, vous donnez avoir à votre mère. Em francês, o jogo de palavras não tem a falha
provocada pela tradução. Nota do tradutor.
21
TEXTOS
do, pois se identifica em uma posição de reivindicação que ele não poderá ultrapassar.
O que se trata, antes, de lhe fazer entender é de que maneira ele pôde ser o falo do
Outro, ser, sobretudo, o falo de sua mãe. Aqui o ter (avoir), ter o falo, corresponde à
mãe. Floria, para que sua mãe o tivesse, teve ao mesmo tempo que sê-lo e dá-lo a ver.
Foi dessa posição que a análise teve de ajudá-la a sair, o que produziu um apazigua-
mento, não apenas relativo às compulsões, mas também em relação às mulheres de seu
trabalho, com quem tinha relações muito complicadas. Notemos que uma só interpre-
tação não foi suficiente. Ela reconstituiu por si mesma, por exemplo, o discurso de sua
mãe, que periodicamente a recriminava por ser mole demais. Vejam que a questão se
tornava bem clara.
Entretanto, além do que aparece ali, há um segundo esclarecimento, que me
parece igualmente necessário e que nos permitirá, sobretudo, refletir mais precisa-
mente sobre a idéia de uma atualidade da neurose obsessiva feminina.
Floria, quando se sentia compelida a se exibir, sentia ao mesmo tempo uma
culpa. Nessas circunstâncias, mas às vezes mesmo fora delas, sofria de uma idéia ob-
sessiva que considerava absurda, a de ser um homem violador. A imprensa havia rela-
tado, por esse anos, algumas histórias de violação de crianças, e ela não podia impedir-
se, dizia, de se situar do lado do criminoso.
É aí que é preciso relatar um evento de sua infância, um desses eventos que
chamamos de traumas. Este, em todo caso, tinha-se passado nas formas que Freud
indicou para o obsessivo. Sabe-se, de fato, que Freud destaca que, quando a criança se
torna obsessiva, é geralmente porque participou com prazer, e de maneira ativa, para a
sedução do adulto. Por certo, Freud irá relativizar em seguida o lugar do próprio trau-
ma no determinismo da neurose. Aqui, em todo caso, um vizinho tinha dado a ver seu
pênis a Floria, e sem dúvida tinha obtido dela algumas carícias. Mas o que ela não
pode esquecer é que voltou lá no dia seguinte. Certamente, na idade adulta, ela conde-
na as ações desse homem. Mas, como disse a vocês, toda essa história a conduz a
experimentar a idéia de que ela se encontra no campo dos violadores. Por exemplo,
quando não fala, é invadida pela idéia de que eu vou supor que ela violou crianças e
que procura dissimulá-lo.
Então, tudo isso faz com que Floria se diga anormal. E é preciso acrescentar
então que ela não está longe de entender énorme mâle3 (enorme macho). Quando ela
se torna gorda, pode experimentar que se transforma em um homem ameaçador, como
a espécie de gigante um tanto bêbado com quem ela sonhava quando criança. Ela não
está mesmo longe de sentir que, quando se fantasia, é todo o seu corpo que se torna um
3
Há um jogo de palavras entre anormal e énorme mâle, que são parônimos em francês. Nota do
tradutor.
22
A NEUROSE OBSESSIVA FEMININA HOJE
enorme falo. “Ela está gorda” (em francês, o órgão sexual masculino é muitas vezes
designado por um termo no feminino, eventualmente até mesmo apenas pelo pronome
ela).
Teríamos voltado então à idéia de uma identificação masculina e até mesmo ao
desejo de ter um pênis? De fato, as coisas são mais complicadas do que isso.
Inicialmente, no nível dos fantasmas, Floria desenvolve igualmente o de ser
violada. É apenas quando consegue desenvolver bastante esse fantasma – ligado a
outros fantasmas de prostituição, de envilecimento – que pode experimentar o prazer
no ato sexual com seu marido. De outro modo, é preciso dizê-lo, o desejo circula
muito mal entre eles.
E depois, por certo, se tomarmos o ventre grande como símbolo fálico, é claro
que as zombarias que se trata de desencadear não têm apenas o sentido de dissimular
um desejo de ter um pênis. Elas têm um valor próprio. Ridicularizam o falo. Ora, esse
ridículo vem afetar, por diversas vezes, os homens que a rodeiam, desde o pai, que
aparentemente interessava pouco para a mãe, até o analista.
Charles Melman chegou a falar recentemente, a propósito da neurose obsessi-
va, não apenas de anulação do falo, mas de forclusão do falo. É uma concepção inte-
ressante, que não é sempre fácil de compreender, tanto mais que o próprio Melman diz
que aquilo que o obsessivo tenta forcluir não deixa de voltar. É como se, diz ele, um
canal de evacuação de águas servidas estivesse entupido e a coisa não cessasse de
refluir. Vejam, então, que isso viria muito bem aqui. No essencial, a prescrição fálica
– digo uma prescrição fálica porque é ela que comanda nossa sexualidade – é anulada,
como se vê, aliás, nas relações distantes que Floria mantém com seu marido. Ela só
pode voltar – essa prescrição – sob uma forma derrisória, em que o objeto fálico tende,
por outro lado, a se confundir com o objeto anal.
Mas é também a partir disso que gostaria, mesmo assim, de dizer algo sobre a
atualidade da neurose obsessiva.
Há um tema que, creio, voltará muitas vezes: é o de uma forclusão contempo-
rânea do falo, de uma forclusão do falo no discurso social.
Não sei o que isso evocará quanto ao que vocês conhecem no Brasil. Mas vocês
pensarão, por exemplo, no que se desenvolveu, inicialmente nos Estados Unidos, em
matéria de luta contra o assédio sexual. Sabe-se que, pouco a pouco, foram condena-
das muitas condutas como sendo de assédio, até o ponto em que, em certos setores da
sociedade, os homens não sabem mais que comportamento adotar. Em outros lugares,
por exemplo na França, sob o pretexto de lutar contra a pedofilia, institui-se um con-
trole minucioso que faz com que muitos educadores fiquem inquietos por saber se um
gesto bastante banal não será interpretado e denunciado como perverso. Mais funda-
mentalmente, a partir do momento em que um homem pronuncia uma fala em que
manifesta um desejo um tanto afirmado ou ainda uma tentativa de afirmar uma autori-
dade, ele é facilmente desvalorizado como machista. Sabe-se, aliás, que em nossas
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TEXTOS
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A NEUROSE OBSESSIVA FEMININA HOJE
parentesco entre essa estrutura e o que se desenvolve hoje do lado das patologias da
oralidade. Com efeito, quando uma mulher centra toda a sua questão sobre a comida
que ela absorve e que rejeita, isso já pressupõe – é uma evidência, mas é preciso
lembrá-lo – que a questão de seu desejo não esteja tomada na relação com o desejo
masculino. Neste sentido, essas patologias que hoje se desenvolvem parecem-me estar
bem mais no fio da neurose obsessiva que no da histeria.
Enfim, gostaria de terminar por uma observação metodológica. Vocês viram
que o que é central na paciente de que lhes falei, esse fantasma ou essa compulsão,
revela-se sobredeterminado. A própria Floria, aliás, podia falar de tudo isso com uma
grande inteligência, mas – como dizer? – com, igualmente, uma maneira muito obses-
siva de racionalizar tudo o que podia descobrir. O sintoma, assim como aliás a própria
palavra, pode certamente ser entendido sempre de modo polissêmico. Mas, enquanto,
na histérica, a dimensão de surpresa é freqüentemente preservada, na neurose obsessi-
va, ela se arrisca sempre a ser reabsorvida. O sujeito reconhece que um mesmo sinto-
ma pode ter sentidos muito diferentes, mas isso é sobretudo para tornar toda idéia
semelhante a uma outra, para manter-se bastante cético em relação a tudo o que pode-
ria ser dito. Em suma, as idéias podem acrescentar-se umas às outras, podem-se mes-
mo fazer sínteses bastante hábeis delas, mas isso bem prova que elas não valem grande
coisa. Devemos pensar nisso na condução do tratamento. Em vez de validar demasia-
do depressa as idéias que surgem, temos, aí mais do que em outros casos, de jogar com
o corte, de parar as sessões sobre alguma coisa que se integra mal ao que o analisante
tenta dizer. É, em todo caso, o que tentei fazer no tratamento de Floria. Evidentemen-
te, é bem difícil dar conta disso, mas me parece que foi isso que permitiu não se fechar
em certas significações, que teriam sido muito redutoras. Espero que vocês tenham
entendido que, além daquilo de que posso dar conta, não está em questão explicar
tudo. É preciso sempre sustentar que o real dos tratamentos de que falamos não é
inteiramente simbolizável. É preciso que reconheçamos bem que nossa teoria não sim-
boliza completamente o real, ao passo que, no fundo, o perigo de todas as nossas
elaborações seria o de nos fazer esquecer disso.
Eis, pois, o que eu queria dizer a vocês esta noite, a partir de um caso que me
ensinou muito, porque, de saída, provocou muitas questões.
25
TEXTOS
CAMILLE CLAUDEL
Uma neurose obsessiva feminina*
Alfredo Jerusalinsky* *
RESUMO
Discute-se o tradicional diagnóstico de psicose atribuído à Camille Claudel,
propondo uma leitura de seu caso como uma neurose obsessiva, o que, na
mulher, acarreta um plus de sofrimento pela discordância entre a estrutura
psíquica e a estrutura da sexuação. O lugar do pai como produtor de um reco-
nhecimento prévio ao cumprimento de qualquer condição por parte da filha
gera nela uma posição de devedora de uma dívida impagável, a qual o pai, de
modo imperativo e cruel, insiste em lhe cobrar. Esta dívida passa, assim, de
simbólica à real. Esse nó central da neurose obsessiva articula-se a uma ne-
gativa – própria dessa época – a aceitar que uma mulher se represente no
discurso social por meio de sua obra.
PALAVRAS-CHAVE: neurose obsessiva; função paterna; discurso social; fe-
minilidade
ABASTRACT
In this article the traditional Camille Claudel’s diagnosis of psychosis is discussed,
proposing a lecture of this case as an obsessional neurosis wich, in women,
results in a suffering plus because of its disagreement between psychic structure
and sexuation structure. The father’s place, as a generator of previous
recognition to the fullfilment of any condition from the daugther, puts her in an
owing position of a debt that is impossible to pay and wich the father, in an
imperative and cruel way, insists to charge. This debt turns from symbolic to
real. This central knot of obsessional neurosis articulates itself to a denial -
peculiar in this time- to accept that a woman represents herself in the social
discourse through her work.
KEYWORDS: Obsessional neurosis; paternal function; social discourse;
feminility
*
Este texto é uma versão, revisada e modificada pelo autor, da transcrição de um vídeo-debate
sobre o filme Camille Claudel, promovido pelo COESP/UFRGS em 21/10/93.
**
Psicanalista, presidente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, membro da Association
Freudiene Internacionale, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/RS e autor de Psicanálise e
desenvolvimento infantil, 2. ed., Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1999.
26
CAMILLE CLAUDEL
1
Na significação precisa da palavra portuguesa: uma volta, uma torção, um apaziguamento da
correnteza ou, também, uma turbulência.
27
TEXTOS
traduzir a sua produção como esta condição especial para inventar uma simbolização
ali onde o discurso social tem fracassado, sucumbido a uma repetição. Esse remanso
se produz porque o discurso social, na sua fluência, encontra um obstáculo contra o
qual não consegue avançar. E de repente2 surge alguém que tem uma capacidade de
escuta, produção e articulação que lhe permite introduzir um significante, como por
exemplo Camille Claudel o faz na escultura, produzir um significante numa posição
tal que permite simbolizar aquilo que fazia ali obstáculo decisivo.
É por isso que a produção artística, quando ocupa esta posição–em que parece
merecer verdadeiramente o nome de arte –, convoca, evidencia-se para todo o mundo
e fica inscrita de modo indelével na história da produção humana. Muita gente se
pergunta: Mas como é possível, por exemplo, colocar uma patente, um mictório, como
o faz Michel Duchamp no início deste século, assinado por ele, no meio do museu de
arte moderna? O que faz com que essa insolência se transforme numa obra fundamen-
tal, numa obra de arte? Isso é possível porque Michel Duchamp não o fez em qualquer
lugar nem em qualquer momento, senão que colocou esta patente precisamente no
remanso do discurso onde o objeto pronto e serviçal (o ready made) ficava atravessa-
do entre o sujeito e o discurso social, impedindo a sua representação a não ser como
mera necessidade. Esta barreira se erguia, assim, como um real incontornável, um real
indiscernível e não simbolizado. E este ato de arrojo e de coragem de se confrontar
com este real cara a cara, que nunca é gratuito para um artista, pois nunca é sem custo
para sua subjetividade, é o que fez com que esse vulgar mictório se constituísse numa
famosa obra de arte.
Daí o horror de Rodin quando ele se encontra com essa produção última de
Camille Claudel. Ele diz: “Não é possível lhe recriminar, ela está produzindo morte”.3
Com efeito, ela estava produzindo em carne viva a desesperança, introduzindo o
2
De repente não é o modo mais culto de referir, em português, a emergência de uma surpresa,
mas – falando em arte – decidimos deixá-lo assim mesmo, como ele apareceu na nossa fala,
porque nela essa forma é sustentada pelo respeito à invenção constante da língua brasileira que,
no Nordeste, praticam esses poetas silvestres que se chamam, precisamente, repentistas.
3
A morte, antecipada na série significante, constitui o ordenador simbólico do gozo da vida. É
dessa posição futura da morte que advém a significação do tempo e o ordenamento dos atos.
(Talvez aqui caiba inventar um novo termo para denominar essa posição da morte enquanto
significante antecipatório de um limite que impõe uma significação e um corte ao gozar. Não
estaríamos ali falando do amorte ?) Jacques Lacan destaca essa função da morte no seu texto “A
Terceira” (Roma, 1974), onde faz notar que há uma superposição entre seu registro e o do
simbólico, já que do que se goza é da vida. Eis ali que podemos encontrar a razão da recorrência
incessante do neurótico obssessivo à fantasmática da morte, tentando encontrar nela algum
modo de re-fazer o pai, sob a face e uma ordem extrema e inapelável. (Veja-se no “Correio da
APPOA”, nº 73, um condensado da conferência: “Neurosse Obssessiva hoje: re-fazer o pai a
cada instante”, pronunciada pelo autor em 28/08/99, na UNISINOS, São Leopoldo, RS)
28
CAMILLE CLAUDEL
4
Permitam-me esta pequena escansão para denotar que essa marca no entalhe é um significante
que encontra sua verdadeira extensão na cultura toda.
29
TEXTOS
todos nós. Em circunstâncias muito particulares, muito singulares, porque ela padecia
da normalidade neurótica que caracteriza todos nós sob uma forma particularmente
delicada quando se trata de uma mulher: a neurose obsessiva.
A neurose obsessiva numa mulher é bastante mais devastadora do que num
homem. Não há simetria possível com o quadro de histeria num homem. Digo, por-
que, rapidamente fazendo equação das proporções, poder-se-ia pensar que a histeria
enquadra melhor a feminilidade, e a neurose obsessiva enquadra melhor a masculini-
dade. Pelo menos há textos que vão nesta direção...5 Não é por acaso que, em termos
de desenvolvimento, a neurose obsessiva tem sido analisada mais do lado dos ho-
mens, e a histeria, mais do lado das mulheres e que, quando se fala da histeria, fala-se
no feminino e, quando se fala da neurose obsessiva, fala-se no masculino. Poder-se-ia
pensar rapidamente que, se eu digo que a neurose obsessiva, quando se trata de uma
mulher, é mais devastadora, haveria uma certa simetria: como a histeria não enquadra
também os homens, não encaixa também os homens, também seria devastadora para
os homens. E não é assim. Nesta questão das proporções, a psicopatologia é comple-
tamente injusta com as mulheres.
Por que afirmo que Camille Claudel padeceu de uma neurose obsessiva? Por-
que a questão fundamental que se agita na vida de Camille Claudel é a questão do
reconhecimento, e, através dele, re-fazer um pai para ela. Reconhecimento é a palavra
que, por outro lado, repete-se incessantemente ao longo de todo o filme, palavra repe-
tida por ela mesma. Poderíamos dizer que ela insiste que não se trata do amor nem do
sucesso nem do brilho. Trata-se do reconhecimento. Um reconhecimento que ela de-
manda sem concessões: qualquer coisa que a leve a suspeitar de uma oferta qualquer
de brilho ou de sucesso que não implique claramente um reconhecimento é rejeitada
por ela. Ela resiste ferozmente a qualquer expressão que indique um mínimo de dúvi-
da, uma dúvida ainda que mínima acerca de que o reconhecimento não esteja ali em
jogo de um modo fundamental.
Sua demanda gira fundamentalmente ao redor dessa questão. O que é curioso,
porque, tomando a sua história desde o ponto de vista de seu pai, poder-se-ia dizer que
reconhecimento não lhe falta. Tanto que ela parece ser a filha na qual seu pai faz as
maiores apostas. Tanto que seu pai lhe expressa seu reconhecimento desmerecendo o
reconhecimento em direção a Paul, seu irmão. Disso é que se queixa Paul: que ela, a
Camille, é que tem todo o reconhecimento do pai e que ele não recebe mais do que
desprezo.
Mas está aqui colocada a questão fundamental da neurose obsessiva. A neuro-
se obsessiva não consiste na ausência ou na carência do reconhecimento. Na neurose
obsessiva o sujeito tem um reconhecimento, mas, para sustentá-lo, ele tem que pagar
5
Charles Melman e Jean Jacques Rassial são autores que partilham dessa concepção.
30
CAMILLE CLAUDEL
um preço extraordinariamente alto e nunca está seguro de poder sustentar esse reco-
nhecimento passo a passo na sua vida. O drama do sujeito consiste precisamente em
que ele tem o reconhecimento, mas se encontra em risco permanente de perdê-lo. Esse
reconhecimento foi dado antecipadamente, como uma espécie de adiantamento em
dinheiro, e é por isso que ela o recebe tão dubiamente, tão resistentemente, com tanta
dificuldade, porque ele lhe foi dado como por conta de futuro rendimento. Quer dizer,
um grande aparente amor, um grande reconhecimento do pai, que não é precisamente
do signo do amor. Poder-se-ia dizer que não é um amor desinteressado do pai, é um
amor que tem um preço, o preço que ela terá que pagar com seu sucesso. Para merecer
e continuar a merecer o reconhecimento paterno – o único que ela tem, já que sua a
mãe a odeia precisamente por ser a candidata do pai –, ela terá que ter sucesso. Levar
o nome do pai a um lugar de exceção, a um lugar de brilho social, que é o que o pai
almeja. O pai a reconhece para fazê-la a representante de seu desejo. Para Camille
Claudel, a questão do reconhecimento a obter é o que coloca em jogo o fantasma
fundamental de sua subjetivação (obviamente, a posição do Nome-do-Pai). Se ela não
obtiver o reconhecimento posterior, o que é fundante da sua subjetividade – o reco-
nhecimento anterior, primordial – ficará em questão. Isto é o que define uma neurose
obsessiva, e introduz um ponto de forclusão – a posteriori – na série de representações
do sujeito em questão. Por quê? Qual é o valor simbólico desta questão do reconheci-
mento?
Evidentemente sabe-se que a questão do reconhecimento é uma questão de
imagem, de espelho; é uma questão imaginária, não é simbólica em si. Ela pode adqui-
rir um valor simbólico. O reconhecimento, por exemplo, para um histérico não tem a
mesma importância simbólica que tem para um neurótico obsessivo, de modo ne-
nhum, não tem o mesmo peso simbólico. Por que, então, o reconhecimento se torna
um pivô na articulação da neurose obsessiva?
No filme, Camille Claudel fala de estranhamento, de sentir-se estranha em di-
ferentes momentos e no momento crucial em que ela se reencontra com Rodin já de-
pois da separação. Nesse encontro tão trágico em que se produz a separação definitiva,
ela diz que se sente estranha. O mesmo acontece na cena final em que ela vai buscar
um resto de reconhecimento no pai, e na qual ele lhe afirma que, como ela fracassou,
não merece o reconhecimento que ele lhe dava, que ele se equivocou, que era Paul que
o merecia e não ela. Assim como no momento em que ela vai embora e pede ao último
espelho com o qual ela conta na vida para lhe devolver alguma imagem em que possa
reconhecer-se, e a mãe gira e lhe devolve um olhar de transparência, ou seja, um não-
registro de sua presença.
Aqui se começa a ver, parece-me, por que a questão do reconhecimento na
neurose obsessiva adquire este peso. Precisamente porque o traço unário – que é
fundante do sujeito, traço que marca a possibilidade de que o sujeito recolha alguma
imagem de si que venha a se repetir ao longo de sua história, na qual ele possa reco-
31
TEXTOS
nhecer-se e que fará, desde o ponto de vista significante, o estilo de sua produção e de
seu engate no discurso social – está dado em hipoteca na neurose obsessiva. Isso quer
dizer que ele está outorgado, este significante filiatório, que é o traço unário, que
depois se transforma em significante de reconhecimento, mas que primordialmente é
um traço filiatório – entra na estirpe desse sujeito, à qual ele é filiado de um modo
condicional. Quer dizer, ele terá que pagar a dívida que está contraindo no momento
em que lhe é doado este significante. Secundariamente, o reconhecimento, que se
deriva deste traço unário, aparece como reconhecimento inicial que, diferido, terá que
ser reencontrado em cada momento da vida. É por isso que o fatigante e prolixo traba-
lho do obssessivo – tanto nos seus devaneios como nos seus rituais – sempre aparece
como uma tentativa de recuperar a ordem de alguma coisa que se desorganizou. Dito
de outro modo, refazer essa posição do inconsciente onde a função do pai continue
viável.
É a repetição desse traço unário, ou seja, a repetição desse significante, que é
fundante na vida de Camille Claudel, não é o reconhecimento. O significante fundante
na vida de Camille Claudel é a produção de uma obra de exceção, é o Nome-do-Pai. O
Nome-do-Pai marca o significante que a obriga a produzir uma obra de exceção. Isto
é o que a subjetiva, em definitivo, é o que subjetiva todo neurótico obsessivo. Todo
neurótico obsessivo está condenado a ser um gênio, por sinal, fracassado. Não há
nenhuma possibilidade de vir a satisfazer o ideal parental. É por isso que, para uma
mulher, a neurose obsessiva se transforma em algo extremamente devastador. Diga-
mos que são poucas as análises de mulheres neuróticas obsessivas que têm bom futu-
ro, que chegam a recompor a posição desta mulher numa certa condição produtiva.
Geralmente as mulheres neuróticas obsessivas constituem um personagem triste na
família: personagem da louca da família, o personagem que é abandonado, fracassado,
porque não tem em quem nem em que se reconhecer, refugia-se num ritual, numa
repetição ou no auto-abandono. Entende-se bem por que a neurose obsessiva é devas-
tadora numa mulher, quando se pensa que a filiação, ou seja, a instalação de um
significante que subjetiva, é da ordem da significação fálica. É da ordem deste sujeito
ter alguma versão do que o dotaria para o gozo na vida. Quer dizer que, para uma
mulher, a restituição de sua condição fálica atravessaria, na neurose obsessiva, pela
via da realização do ideal parental de uma obra de exceção; ela mesma se constituir na
exceção fálica. E como a obra de exceção está fadada ao fracasso, somente poucas
mulheres são capazes de se sustentar, desde a neurose obsessiva, frente a esta catástro-
fe fálica, já que não bastaria para essa mulher obter o falo no outro, como bem diz o pai
a Camille Claudel: “és tu quem tem que ter nome e trabalhar para ti e não trabalhar
para ele”. No momento em que Camille Claudel ensaia uma solução histérica, que
seria a possibilidade de gozar da realização fálica de Rodin, o pai lhe lembra: “tu não
és histérica, tu és neurótica obsessiva”.
Uma pergunta talvez interessante de considerar é o que finalmente leva Camille
32
CAMILLE CLAUDEL
Claudel à internação? Eu diria que ela não se resigna a ser a louca da família. É isto
que a leva à internação. Não se resigna a não realizar o destino para o qual o pai a
marcou. E ela por isto diz: “não preciso de ninguém, não quero ninguém, a realização
tem que ser minha”. Sabemos que a solução histérica não é esta, ao contrário, é fazer
com todo mundo: “vamos, grande festa!”. A solução histérica é estar muito acompa-
nhada, não é a da solidão. Por isso, o sonho dela, último, nas suas cartas, é trancar a
porta da sua casa – não oferecendo suas esculturas a ninguém, senão ao grande Outro,
ali completamente abstrato. Bem, este é o preço que paga um neurótico obsessivo. E
eu me indagaria com bastante cuidado quantas mulheres internadas como psicóticas
em alguns hospitais psiquiátricos, são, em verdade, neuróticas obsessivas internadas
como loucas.
Gostaria de fazer ainda alguns comentários sobre a fronteira entre a neurose
obsessiva na mulher e a psicose.
Em primeiro lugar, a diferença é que o Nome-do-Pai faz função. E que função!
O pai faz função simbólica em Camille. Toda a produção dela é extremamente simbó-
lica. Ela tem uma interpretação significante para toda a sua produção. Seu estilo está
regido pelo simbólico. Ela sabe discursivamente dar conta de sua produção. Não há
nenhum delírio na sua produção. Todo seu delírio é no desafio àqueles que não a
reconhecem. Ou seja, seu desafio é pela quebra do imaginário. Mas é um delírio acer-
ca do qual cabe perguntar-se em que momento ele é um delírio de ficção e em que
momento é um verdadeiro delírio. Esta impressão nos fica incessantemente. Em que
momento ela produz um delírio ficcional que está a serviço de sustentar a sua luta pela
condição de exceção na sua obra? Quando ela aparece pintada como uma punk
extemporânea na última exposição que lhe ofereceu a chance de se reerguer. Chance
de todo modo negada pela crítica que se ergueu, mais uma vez, como conservadora
dos padrões estéticos tradicionais.6
Sabemos que o delírio é completamente compatível com as neuroses 7 . E se
apresenta justamente no momento em que o sujeito se vê acuado a ter que sustentar
6
É interessante esse deslocamento da função de reconhecimento do pai para a estética. Um pai
para o qual a questão moral da relação sexual ficava relativizada à realização da exceção fálica,
o terreno da estética – mais neutro para a questão moral – oferecia a Camille a chance de uma
recuperação ética pela via de encontrar um traço estético que fosse capaz de representar o nome
do pai como exceção no discurso social. Dito de outro modo, aqui se desdobra mais uma vez o
drama – já vivido por Hamlet – de um fantasma do pai que não reconhece nem aceita sua
castração.SeHamletélançadoaumconforntoincessantecomamorte–To be or not to be –,
Camille Claudel é lançada à obssessão de fabricar esse traço estético que a salve da morte
subjetiva, ou seja, a loucura. Nenhum dos dois conseguiu escapar.
7
Lembremos a posição da Sigmund Freud a este respeito em “O sonho e o delírio na Gradiva de
W. Jensen” (in Obras Completas, 1912).
33
TEXTOS
34
CAMILLE CLAUDEL
pação histérica de refazer o falo, nem de refazer a condição fálica do pai: o pai não tem
queda fálica, o pai tem o máximo de reconhecimento por parte de Camille, não é um
pai fraco nem é um pai falho. Mas é um pai que, na sua posição, na sua função, impli-
ca, para o sujeito neurótico obsessivo, que ele tem que pagar uma dívida. Não importa
se a dívida é do pai ou se é a que o sujeito contraiu com o pai. Eis ali, em todo caso, que
localizamos a falha paterna: não há solução de continuidade, no fantasma paterno,
entre o filho e o pai, o filho tem que saldar a dívida do pai, ou seja, transforma-se em
seu representante. O pai de Camille a coloca a pagar uma dívida impagável: encontrar
o traço que sustente o pai como exceção à castração. Isto é o que parece definir Camille
do lado da neurose obsessiva. Embora ela tente algumas soluções histéricas em alguns
momentos, o que, por outro lado, é o que pode tentar uma mulher neurótica obsessiva.
O que faz a neurótica obsessiva? Ela tem que fazer uma obra de exceção, não
tem que atrair com seu corpo, pintando-o, sublinhando seus buracos com batom para
mostrar que este buraco é o melhor lugar para o falo do outro. A mulher neurótica
obsessiva não está nessa posição. Mas, de repente, ela descobre essa técnica que ela
não compreende muito bem – não compreende o que fazem essas mulheres sublinhan-
do buracos, mas que têm certo sucesso na vida – e começa a copiar, do lado externo:
pinta-se e se veste um pouco melhor, numa tentativa de achar uma solução histérica
que, por outro lado, é-lhe totalmente alheia e incompreensível, e que, por isso, assume
nela uma dimensão ridícula.
Seguindo ainda na direção de salientar a diferença entre a histeria e a neurose
obsessiva na mulher, encontramos o tema da maternidade. Na neurose, a sexuação se
realiza do lado correspondente: há uma sexuação feminina ou uma sexuação masculi-
na, independente de se tratar de histeria, neurose obsessiva, fobia, histeria de angústia
ou de qualquer forma das neuroses. Isso não anula a questão da sexuação. De modo
que a sexuação do lado feminino, seja sob uma forma neurótica obsessiva, histérica ou
fóbica, apresenta a questão da maternidade para a mulher, pelo menos desde um ponto
de vista fundamental, equivalentemente. Trata-se de uma restituição fálica através de
uma produção real, a qual depois, paralelamente, adquire um valor simbólico. Mas se
trata de uma restituição. Porque é de algo que falta no simbólico, restituí-lo por meio
de uma produção real. Poderíamos dizer que, desde o ponto de vista da mãe histérica,
a preocupação fundamental com respeito a esta produção real, que é um filho, é acerca
do valor fálico que esse filho tem. Esta é a preocupação central da histérica. Mas, para
a neurótica obsessiva, a preocupação central não é a do valor fálico que esse filho tem,
senão quanto de reconhecimento ela pode obter através desse filho. E, sobretudo, em
que medida ela pode fazer desse filho um pai. Reconhecimento não é, então, necessa-
riamente da ordem do fálico. Quer dizer que esse filho pode servir de instrumento para
obter algo que permita à neurótica obsessiva investir-se, ela, falicamente, e não fazer
do filho o falo. É por isso que, quando se trata de uma mulher neurótica obsessiva, a
35
TEXTOS
preocupação central muitas vezes não está em manter seu filho ordenado, asseado,
brilhante, lustrado – como faria pensar desde o ângulo da sintomatologia de uma neu-
rótica obsessiva –, mas quem fica radiante é ela e não o filho. Ela é que fica radiante.
Porque este encargo que ela recebeu de fazer uma produção de exceção requer pelo
menos uma demonstração de potência. Uma demonstração de potência quer dizer uma
demonstração de produção real.
Bem, no que se refere ao filho de Camille Claudel com Rodin, não parece, em
nenhuma das versões sobre a vida dela, que a sua tragédia tenha sido perder o filho.
Mas sim perder Rodin. Isto está em consonância com o que acabo de dizer. Ela não
estava preocupada com o valor fálico do filho. Estava preocupada com o reconheci-
mento que adviria através da aceitação de Rodin de ter um filho com ela. Isso é uma
posição neurótica obsessiva. Não é histérica e não é louca. Não é psicótica. Absoluta-
mente.
36
TEXTOS
A NEUROSE OBSESSIVA
Lúcia Alves Mees *
RESUMO
ABSTRACT
The present text revisits some fundamental topics about obsessive neurosis,
mostly those related to anality, the relation with the Other’s request and the
treatment of this neurosis.
Therefore gathers Freud’s and Lacan’s theories about the subject, dialoguing
with them and making comments about some difficulties of this neurosis analysis.
KEYWORDS: obsessive neurosis; anality; the Other’s request; Freud; Lacan
*
Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Mestre em Psicologia So-
cial e da Personalidade, PUC/RS. Autora do livro Abuso sexual intrafamiliar: o trauma infantil
e as fantasias femininas (no prelo).
37
TEXTOS
desejo do Outro ao que o Outro lhe pede, evitando assim se perguntar sobre o que ele,
o sujeito, deseja. Para isso está sempre pedindo explicações, ou que lhe ordenem ou
pedindo que lhe peçam, sem equivocidades, algo a fazer.
Se é merda o que o Outro demanda, é como merda que o obsessivo se apresen-
ta, fechando os buracos do Outro, por onde poderia exalar o desejo. Há o fechamento
do sexual próprio dos castrados, com a conseqüente enfatização do agressivo enquan-
to dominação. O par atividade-passividade –que se relaciona aos opostos sadismo-
masoquismo (ou mais propriamente: assujeitar/ser assujeitado) – toma relevo, em de-
trimento dos pares fálico-castrado, masculino-feminino.
A inda sobre a regressão, Freud (1926) a explica enquantodesfusão da pulsão,
ou seja, um desligamento dos componentes eróticos que, com o início da fase fálica,
juntaram-se às catexias destrutivas que pertenciam ao período sádico. Diferentemente
da tendência à integração pulsional da fase fálica, no período anterior (anal-sádico),
predomina a desconexão, a dissociação entre as distintas pulsões parciais, com a sepa-
ração entre os componentes eróticos e os destrutivos.
Relativo a isso, Lacan (1992) dirá que, nessas circunstâncias, o sexual só terá
como voltar à cena de forma violenta: através da violência sádica. Pois aquilo que no
estágio anal constitui-se como estrutura sádica ou sado-masoquista, dá-se a partir de
um ponto de eclipse máxima do sexual, isto é, de pura oblatividade anal. Nesse mo-
mento, o Outro toma pleno domínio da relação anal e ganha expressão no sofrimento
da espera, da ameaça suspensa de um ataque potencial do Outro, que caracteriza a
teoria sádica da sexualidade. A cena do “Homem dos ratos” (Freud, 1918) à espera de
seu pai, de calças baixadas, é um bom exemplo disso.
Para Freud (1926), devido às poderosas formações reativas do eu, a luta contra
a sexualidade será levada adiante sob o estandarte de princípios éticos, de piedade e
asseio. Assim sendo, o eu acaba bastante restringido, procurando satisfação principal-
mente por intermédio dos sintomas. Estes, na neurose obsessiva, assinalam um triunfo
na combinação da satisfação e proibição, por exemplo, nos sintomas de penitência ou
restrições de natureza autopunitiva, conjugando satisfação de pulsões masoquistas,
que são reforçadas pela regressão.
Devido à regressão, o superego é severo, e a angústia se deve à hostilidade do
mesmo. O eu teme o superego pelo castigo de castração que ele carrega. Pois, da
mesma forma que o pai se tornou despersonalizado sob a forma do superego, o medo
da castração se transformou em angústia social ou moral indefinida (Idem). O superego
é aqui o próprio Outro, internalizado pela constituição fantasmática, com o qual o eu
se relaciona como se esse demandasse a castração, como se a castração não fosse um
efeito ineludível da estrutura e sim contingente, em razão da vontade do Outro.
Para Lacan, o temor, do qual a angústia é sinal, é também o da castração, mas
especificamente no que esta se relaciona com o desejo do Outro: “a função angustiante
39
TEXTOS
do desejo do Outro está ligada ao fato de que não se sabe qual objeto a se é para este
desejo (...) Aqui se cumpre a plenitude específica pela qual o desejo humano é função
do desejo do Outro”. (Lacan, [s.d.]b, p. 105)
Como já mencionei antes, é sobre o desejo do Outro que o obsessivo nada quer
saber, não querendo saber, por conseguinte, qual objeto anima o seu desejo. Objeto
este que não são as fezes, pois estas só estão aí para que a pergunta se interrompa e ele
possa esquecer-se de si mesmo. No plano da demanda, é o Outro quem tem prevalência
e, no do desejo, há uma inversão: é o sujeito que se coloca em lugar prevalente. Neste
ponto se localiza o centro da problemática obsessiva: o desejo exclui o Outro, portan-
to, o desejo só pode colocar-se no lugar do Outro, o que funda a impossibilidade tão
cara ao obsessivo. Ele tentará a associação impossível entre a manutenção do Outro –
mas sem querer sucumbir de todo – e o seu desejar, sem pagar o preço do esmaecimento
do Outro, ou mesmo reverenciar o Outro sem ter de entregar-se todo a ele. Para tanto,
lançará mão do que Freud (1926) chamou de técnicas do desfazer o que foi feito o u
tornar não acontecido e a de isolamento.
As duas primeiras técnicas – diferentemente da simples anulação, que visa em
um segundo tempo anular o primeiro – objetivam apagar o acontecido, chegando ao
extremo de um contra-ato. Esse desfazer, descrito por Freud, pode ser tomado em
sentido literal, isto é, de desfazer um significante uma vez que foi inscrito. O isola-
mento não difere muito disso, na medida em que retirar o afeto relativo à experiência,
bem como suas conexões associativas, nada mais anseia do que retirar a experiência
da cadeia significante.
Sabe-se, desde Freud, que não há outro cumprimento do desejo senão através
dos atos, portanto, que sejam esses mesmos atos os alvos da neurose obsessiva, enten-
de-se por quê. A postergação dos atos comum entre os obsessivos é mais um dos
sintomas relativos ao ato. Sobre este, Lacan (1990) diz que, quando o obsessivo fez
algo que tem significado para sua neurose, ele interpola um intervalo durante o qual
mais nada deve perceber nem fazer.
Dito isso, não é dificil lembrar os movimentos de avanço e retrocesso das aná-
lises com neuróticos obsessivos. Transferencialmente, com facilidade, o analista é to-
mado no lugar do Outro a ser construído como totalidade demandante, o que levou
Lacan (1999) a repensar o reconhecimento do desejo do analisante como direcionador
da cura. Com os obsessivos, esse reconhecimento entra na malha de sua neurose, de
modo a transformar o reconhecido desejo em demanda a ser seguida. A interpretação
pas-de sens é, ao mesmo tempo, de especial relevância na cura dos obsessivos, visto
que a busca do sentido advindo do Outro já perfaz boa parte de sua neurose. Ser a
merda – preciosa ou rejeitada – para seu analista, muitas vezes dá a roupagem à trans-
ferência amorosa e resistente. Também particularmente resistente à associação livre, é
freqüente vir à análise com sessões preparadas e já interpretadas. Entretanto, sendo
40
A NEUROSE OBSESSIVA
neurótico, a falha, o novo, irrompe em seu discurso pré-fabricado, dando lugar à escu-
ta de sua enunciação. Hábil em recompor seu projeto neurótico, muitas vezes uma
nova teoria é formulada para incorporar à neurose a fatia de sujeito do inconsciente
que tolera. Afora isso, sua agressividade inconfessa e travestida de abnegação irrompe
na transferência de tanto em tanto, afinal seu amor incondicional ao Outro é o revés de
seu ódio por este que impede (e do qual depende) sua pretensão neurótica. Pois, do
mesmo modo que fica de quatro para o Outro, ele violentamente busca golpear este
Outro de sua condição desejante. Nisso exercita seu sadismo, tentando inflingir a grande
violência de banir o sujeito (desejante).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. A disposição à neurose obsessiva - uma contribuição ao problema da escolha da
neurose (1913). In: _____. Edição standart brasileira das obras completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_____. As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal (1917). In: Edição standart
brasileira das obras completas de Sigmund Freud. 1. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_____. História de uma neurose infantil (1918 [1914]). In: Edição standart brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. 1. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_____. Inibições, sintomas e ansiedade (1926 [1925]). In: Edição standart brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. 1. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LACAN, J. A relação de objeto e as estruturas freudianas. Seminário IV. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1990.
_____. As formações do inconsciente. Seminário V. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999.
_____. A transferência. Seminário VIII. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
_____. O desejo e sua interpretação. [mimeo.] [s.d.]a.
_____. La angustia. [mimeo.] [s.d.]b.
41
A ORALIDADE
TEXTOS DA NEUROSE OBSESSIVA*
Christiane Lacôte* *
RESUMO
Na neurose obsessiva, podem-se observar padrões de comportamento que
obedecem a modos específicos da pulsão de morte, que se manifestam em
sintomas como as arrumações, limpezas e lavagens de mãos, e podendo
determinar, inclusive, a relação com o alimento. Os automatismos de repeti-
ção, constituindo um falso buraco, encobrem a borda de um “buraco-negro”,
que aspira indiscriminadamente os significantes, o discurso, o alimento, e até
mesmo o próprio sujeito, precipitando tudo em uma infinita boca/abismo, onde
o phallus não vem fazer limite ao gozo. Assim, o sujeito se ausenta/exime. Um
“eu” invocado sem sujeito da enunciação, como puro objeto de chamado, de
obrigações, de injúrias.
PALAVRAS-CHAVE: neurose obsessiva; pulsão de morte; automatismo de
repetição; oralidade
ABSTRACT
In obsessional neurosis it is possible to observe behavior patterns, wich obey
specific ways of death instinct that appear in symptoms such as arrangements,
cleanliness, hand washing, and they can even determinate the relationship
with food. The repetition automatisms constitute a false hole, conceal the edge
of a “black hole” wich aspire witouth descrimination significants, discourse,
food, and even the subject, precipitating all in a infinite mouth/abyss, where the
phallus does not make a limit to enjoyment. So, the subject lacks/exempts
himself. An “ego” invoked without enunciation subject, as a pure object of call,
obligations and insults.
KEYWORDS: Obsessional neurosis; death instinct; repetition automatisms;
orality
*
Texto originalmente editado em francês, sob o título “L’Oralité dans la nevrose obsessionnell”,
no Le trimestre psychanalytique; Disparité clinique de l’oralité, Paris, Publicação daAssociation
Freudienne Internationale, 3/4: 257-269, 1997.
**
Psicanalista, membro da Association Freudienne Internationale e autora do livro L’Inconscient.
Paris: Flammarion, 1998.
42
A ORALIDADE NA NEUROSE OBSESSIVA
1
Embalar aqui no sentido de acelerar. (N.T.)
2
No original petits gestes , que optamos pelo usual maniazinhas (ações repetitivas concernentes
ao comportamento obsessivo), ressaltando porém, a total diferença com sintomas maníacos.
(N.T.)
43
TEXTOS
44
A ORALIDADE NA NEUROSE OBSESSIVA
escutá-lo como as preliminares das preliminares remoídas por todo obsessivo. Mas
parece mais operatório, no lugar de sublinhar somente o aspecto de inibição, notar que
isso aspira e esvazia a escuta, que isso constitui uma aproximação interminável e uma
rede intrincada em torno de um indizível não-transcendente – aí está o ponto de singu-
laridade. Enfim, um buraco a engolir o outro.
Assimilação, digestão, transformação: todos estes termos recorrentes marcam
a preocupação contínua com a manutenção do corpo, de sua alimentação, de seu sono
para um despertar disposto ou, em todo caso, da manutenção de uma fadiga ininterrupta
que fabrica uma satisfação existencial, à maneira de certas drogas. Trata-se de estar
bem alimentado, de usar ou economizar suas forças; não se trata de ser alimentado à
força, mas bem nutrido, como se diz também de uma conferência ou de uma obra que
é bem nutrida: nutrida neste caso do que se chama de referências.
O ogro de nossos contos seria um obsessivo? A devoração não estaria em pri-
meiro plano nesta neurose?
De fato, ele me olha, da soleira da porta, revirando seus beiços: é verdade que
se tem o hábito de exorcizar isto, nomeando de sorriso. Seus olhos gozam de mim. O
resto do corpo é autômato, o que alguns, por incerteza, chamam de sério. O corpo
rígido é um saco de pele vazio entre boca e ânus que, às vezes, a dificuldade de uma
constipação vem reunir em sua natureza de tubo; o sexo balança com uma indepen-
dência cuja exterioridade permite tanto sua anulação mental quanto o excesso de sua
lubricidade. O circuito principal está entre boca e ânus: nem pensar em defecar fora de
sua casa. Ali embaixo, as razões de higiene invocadas parecem puros pretextos: é
preciso um receptáculo familiar, um lugar fechado que seja como o duplo tranqüili-
zante que se adaptará exatamente ao esfíncter, como uma outra boca que lhe beijará o
cu.
Tomemos ainda o caso de um menino que não come se, na embalagem, houver
uma imagem humana. Teria medo de ser canibal, de ser ou um ogro, ou comido pelo
ogro? Arrazoando já conforme uma dupla de oposições que fecham o circuito: que é
que vem fazer, não limite, mas parada sintomática em um contorno que vai tornar
derrisória a deliciosa manutenção do aleitamento? Observa-se nesta história um des-
mame difícil em função do seio inesgotável da mãe, por acordo tácito entre as duas
partes. Horror: a caixa de Banania não mostra apenas o exótico estrangeiro, mas ela
pode estar vazia!3
O inesgotável é polimorfo: assim a retórica dos longos discursos que se perdem
sem maldade em digressões. Quanto a este homem do sorriso carniceiro, ele tem sem-
pre um seio dentro da boca, em todo caso à mão, que ele coloca furtivamente no lugar,
3
Refere-se ao chocolate em pó Banania, que mostra um africano na embalagem.(N.T.)
45
TEXTOS
em suas arrumações de armários, após tirar uma casquinha na tevê XXX, e a excitação
de um pequeno prazer sempre que possível, furtivamente. Esse seio pode estar muito
bem representado pelos numerosos cartões de crédito que não quita jamais, e com os
quais ele é tão generoso quanto avaro. Todas as precauções são tomadas para evitar o
pânico de que ele possa traí-lo, ou seja, secar.
Pode-se até avaliar melhor a fascinação pela cena primitiva, substituída pela
insistência da televisão, no que a obscenidade oferece de ilimitado, de inesgotável
abundância, o contínuo indefinido, que é o modo comum sob o qual se apresenta o
visual quando não se compreende nem se distingue daí o sentido sexual: o modelo do
enigma, que faz arregalar os olhos, e no qual o phallus não faz mais limite.
A própria escritura é temida como ameaçadora, nem que seja por ser fluxo
contínuo logorréico, pois ela constitui o pensamento por saltos freqüentemente
imprevisíveis. O jogo da letra, em seu aspecto poético ao menos – e não na sua captura
pelo epitáfio, pelo registro ou, o que é a mesma coisa, o comentário – é pouco sedutor
para os amantes de parágrafos contendores. A inibição da escritura é, como indica
Lacan, o horror da página branca, onde poderia surgir a imagem de algum excremento
lustroso? Parece-me bastante operatório levar em conta, sobretudo, este horror da
surpresa, dessa surpresa litoral ligada a toda estrutura, a toda inscrição da letra. De
fato, o obsessivo já tinha rarefeito as surpresas dos jogos de significantes; poucas
homofonias, mas muitos duplos sentidos, onde a piscada de olho cúmplice indica ao
contrário que não se está nem surpreso nem enganado. De qualquer forma, como
jogar com os significantes, quando já se tem o seio dentro da boca?
Mas, alguém pode dizer, o que fazer com todos os rituais freqüentes da analidade
na neurose obsessiva? Pode parecer que a analidade seja acoplada à boca: “eu sonhei
com um cocô dentro da boca”, conta-me alguém. Disfarce do seio, ou dimensão da
injúria infantil (seu cocô! )? Retornaremos a isso depois. É ele que sempre, em seu
armário, esconde, enfim, este seio escandaloso que sua mãe impudica exibe um pouco
demais. “Minha mãe se porta mal e não tem nem consciência disso!” – que dizer da
vergonha do menino, ignorante mas desajeitado com uma excitação imperiosa, diante
de sua mãe grávida, que ousa sair tranqüilamente pela rua, despreocupada com aquilo
que se mostra, com o que se pode ver, com o que podem pensar aqueles que todo
obsessivo nomeia invariavelmente os outros ou ainda as pessoas! Uma neurose pe-
queno-burguesa, então?
Mas chega um tempo em que aquilo que é impossível de ser represado se em-
bala, e que o automatismo de repetição se desencadeia com raiva, em todos os senti-
dos. E é isso que o obsessivo teme mais: que a deriva se acelere, sem limites. A repe-
tição compulsiva das maniazinhas faz parte disso, portanto, como testemunha mesmo
da insistência desta lama de fundo. É talvez aqui que o sufixo inho encontre sua
pertinência, cuja propriedade pretendíamos indicar: ele se ocupa de seus afazerezinhos,
46
A ORALIDADE NA NEUROSE OBSESSIVA
olhar irônico vindo de um céu adulto sobre os joguinhos liliputianos. Mas há, sem
dúvida, uma outra interpretação possível do diminutivo de todos esses gestos ressenti-
dos como absurdos e persecutórios: uma maneira de barrar cada gesto, de cortar as
seqüências, de limitar a cada ocorrência, o cego impulso do automatismo de repetição.
4
Neologismo que faz a junção de jalousie (ciúme) e jouissance (gozo). (N.T.)
47
TEXTOS
em suspenso, de uma metáfora que não se acompanha de uma afirmação, mas que
continua invocante. Isso é típico da poesia barroca e de uma certa poesia mística marcada
pelo oxymoron, esta forma de retórica que liga os opostos. Este suspense da metáfora,
invocante, imperativo, repetitivo, como nas litanias ou nas preces, fazem do obsessivo
o devoto obscuro da enunciação, a eminência parda da enunciação.
Sobre este ponto, poderíamos reler as observações tão delicadas de Ferenczi
sobre a gagueira; ele interpreta o que se desorganizaria na borda de seus lábios, como
a dificuldade que o paciente teria de pronunciar ofensas ou palavras obscenas. “Seu
cocô!” – nos limites de um sonho de uma paciente que sonha com um cocô na boca.
Talvez, escutar assim também, estas ofensas do homem dos ratos criança, “seu mesa!”,
“sua cadeira!” etc., e não somente segundo a imagem de um alimento fecal ou de
orifícios invertidos. Eu retomaria o exemplo do menino obsessivo que gaguejava e
que dizia: “Eu-eu-eu (moi, moi, moi), ‘tou com fome! Eu-eu-eu (moi…), ainda ‘tou
com fome!” Notaram que o termo eu (moi) é ele mesmo um termo chamado? O con-
ceito tão adulado de eu (moi) seria algo mais que uma invocação, ao contrário do eu
(je)? 5 O eu (moi) não será invocado em simetria com o tu (toi) invocado nas ofensas
infantis?6 Muitos pacientes dizem “minha irmã, ela…”, “meu pai, ele…” Isso não é
somente uma construção gramatical popular, mas talvez alguma coisa que tenta asso-
ciar a invocação e a afirmação, mas contigüidade não permite absolutamente passa-
gem.
O que faz o obsessivo em seu discurso sempre invocante? Ele constrói um
abismo semelhante a uma boca aspirante, pela natureza do vazio que é invocado pela
forma mesma de sua frase. A invocação constrói um buraco imaginário. Neste buraco,
a eminência parda se esconde e tenta desaparecer. E, desta célebre anulação de si
mesmo, habitual ao obsessivo, não se poderia dizer que ele se aspira si mesmo, que ele
se come a si mesmo? Que ele se precipite a si mesmo neste abismo tecido por uma
palavra sem cessar invocante, e, por este único fato, jamais afirmativa?
Isso faz com que se tenha sempre que pedir a um obsessivo que se decida, ou
seja, que afirme alguma coisa. Desde que não se tenha alterado a estrutura invocante
de seu discurso, tudo bem! Nem escutado para que ela serve: para fabricar este falso
buraco no qual ele precipita/devora 7 seu sacrifício devotado – sua ausência mimetizada
de sujeito da enunciação. Eu não estou aqui – eu devoro. E, por que não, então, o
5
Em francês o termo moi refere-se ao eu invocado, enquanto que o je é usado como sujeito
gramatical. Coloco entre parênteses o termo em francês, já que não há as duas formas em portu-
guês. (N.T.)
6
As injúrias infantis “ Toi table! Toi crotte!” etc, traduzimos pela forma em português “Sua
mesa! Seu cocô” etc. (N.T.)
7
No original engouffre (do verbo engouffrer), tem tanto o sentido de engolir, devorar, como o
de precipitar, atirar (no abismo). (N.T.)
48
A ORALIDADE NA NEUROSE OBSESSIVA
Como alguma coisa pode escrever-se quando o modo do chamado insiste nes-
se ponto? Ao menos quando não se quer retomar o modo proferatório heideggeriano?
49
TEXTOS
8
Refere-se aqui às intervenções na jornada de estudos da Association Freudienne, “Disparidade
Clínica da Oralidade”, ocorrida em maio de 1997. (N.T.)
9
Refere-se à intervenção de Pierre Arel nas jornadas já citadas. (N.T.)
50
A ORALIDADE NA NEUROSE OBSESSIVA
cava a questão das disputas conjugais – bordeadas por injúrias? Ou bordas de palavras
que, conduzidas muitas vezes pelos mesmos significantes, testemunham, quando a
questão de sua verdade e não somente de seu direito é posta, de uma inscrição diferen-
te ao direito do phallus. Inscrição diferente, que pode escrever-se como Lacan, S (A),
a escritura de um significante impronunciável – e não inominável – que é, sem dúvida,
o ponto único entre letra e significante, porque não se pode senão escrevê-lo.
Assim, então, na neurose obsessiva, o automatismo de repetição, pelo infinito
do chamado, constituiu um falso buraco, aspirando todo o discurso e o sujeito com
este qualquer alimento (– “Afinal, por que não?”), já que este falso buraco modela a
boca e todo o circuito pulsional. O sujeito se ausenta porque ele se precipita a si mes-
mo em uma boca-abismo bordeada somente pelos ecos de suas invocações.
Mas, então, este eu (moi), invocado sem eu (je), e gaguejado repetitivamente -
qual operação, qual inscrição de letra pode, do infinito Gozo, a cujo chamado ele foi
convocado, fazê-lo submeter-se à modesta divisão do eu (je)?
51
A RACIONALIDADE
TEXTOS COMO SINTOMA*
Charles Melman* *
RESUMO
Indicando como a posição obsessiva ganha expressão na cultura, através do
racionalismo e da religião como tentativas de um domínio absoluto do real pelo
simbólico e, também, em conseqüência, tentativa inútil, da forclusão da instân-
cia fálica que instala a dimensão do real, o autor aborda a relação do obsessi-
vo com a verdade do ponto de vista da lógica formal. E, percorrendo os modos
como diferentes teorias vão falar do obsessivo, lança o desafio de que se pos-
sa tomá-lo por um viés que não seja o da nossa própria escolha neurótica,
obsessiva ou histérica, escolha pela qual o estudo da neurose obsessiva vê-se
lançado num impasse.
PALAVRAS-CHAVE: neurose-obsessiva; racionalismo; simbolização; verda-
de; forclusão
ABSTRACT
Indicating how the obsessive position gains expression in the culture, through
rationality and religion as attempts to an absolute dominion of the real by the
symbolic and, also, thus, an attempt, useless, to a forclusion of the phallic
instance that instates the dimension of real, the author accesses the obsessive’s
relation with the truth from the standpoint of the formal logic. Thus, following
the ways different theories view the obsessional, sets the challenge that one
may approach the obsessional in a bias that is not the one of our own neurotic
choice, obsessive or hysterical, choice by which the study of the obsessional
neurosis is placed na issue.
KEYWORDS: obsessional neurosis; symbolization; truth; forclusion
*
Transcrição da fala de encerramento da Jornada “Atualidade da neurose obsessiva”, de 07 de
julho de 1998, no Hospital Sainte-Anne, Paris, publicada on-line na home-page da Associação
Freudiana Internacional. Revisão e adaptação de Analice Palombini.
**
Psicanalista, membro da Associação Freudiana Internacional (Paris). Autor de, entre outros,
Novos estudos sobre o inconsciente e Estrutura lacaniana das psicoses, ambos publicados, no
Brasil, pela editora Artes Médicas.
52
A RACIONALIDADE COMO SINTOMA
53
TEXTOS
A questão, dado que lhes apresento as coisas de início assim, talvez nos ajude a
compreender o problema da escolha da neurose. Pois, de fato, há uma escolha inicial a
fazer:
– ou a escolha histérica, ou seja, a afirmação de que há uma ferida no campo do
Outro, introduzida pela sexualidade, e, portanto, protesto histérico contra o que
eu chamava acima de defecção;
– ou a outra possibilidade, que é a de se engajar em um processo que consiste
em tentar controlar ou arrumar aquilo que concerne a essa sexualidade, a fim
de restaurar o que seria da ordem da integridade do Outro.
Há, efetivamente, de início, uma espécie de escolha possível entre a posição
histérica e a posição obsessiva, uma e outra estando articuladas em torno da mesma
impossibilidade e da tentativa de responder a essa impossibilidade com os meios ar-
caicos e primitivos, os meios normativos de que dispomos.
Freud insiste no fato de que haveria, para a menina, uma falha de gozo quando
ela advém ao sexo e, para o menino, um excesso de gozo. O que me permito entender
como evocação disso: a relação com a castração gostaria de que esse pequeno pedaço
que está ali presente no menino não estivesse, que esse pequeno pedaço se apresente
nele de saída como sendo da ordem do excesso, do que não seria necessário; e a corre-
ção narcísica (eu a entendo como correção) que ele vem trazer a essa possessão é uma
espécie de defesa contra o fato de que, na realidade, ele deve renunciar a ela. É o que
Lacan irá figurar, na representação da imagem no espelho, ao marcar o pontilhado em
torno da região sexual, ou seja, em torno daquilo que deve ser abandonado na relação
com o grande F, na relação com o falo, o fato de que isso não deveria estar aí. E Lacan
insiste muito, igualmente, no que seria o embaraço do menino a partir do momento em
que o que está ali se põe a querer falar sozinho, ou seja, a se manifestar: isso é susce-
tível de lhe provocar alguma angústia, um pouco de dificuldade.
Essas são, então, as duas grandes modalidades culturais para responder àquilo
que parece ser nossa recusa mental, isto é, recusa da admissão, no mental, de que
haveria uma falha no grande Outro, de que haveria uma falha no mundo que habita-
mos – pouco importam as boas ou más razões para isso! – e as duas grandes respostas
de que dispomos para remediá-la são, pois, igualmente, em tempos bastante próximos,
o racionalismo e a religião, um e outro constituindo tentativas de simbolizar o real, isto
é, de dar conta do real pelo simbólico, de assegurar, sobre esse real, um domínio per-
feito pelo simbólico. O que vai, ao mesmo tempo, lançar o religioso na desorganiza-
ção:
– pela interrogação que ele se fará, de saber se, com isso, não provocará a perda
de Deus. Porque, de algum modo, ele o desloca do real – que é seu lugar, sua
casa, seu domicílio e que lhe dá sua qualidade – para o campo do simbólico,
daquilo que seria, pois, suposto não apenas dominável, mas suscetível de ser
54
A RACIONALIDADE COMO SINTOMA
55
TEXTOS
reflui, seria preciso antes dizê-lo assim, o que evidentemente provoca uma séria desor-
dem.
Teríamos disso um testemunho clínico? De que modo isso retorna?
Pois bem, sabemos que o obsessivo é, justamente pelas razões que acabo de
citar, muito antipático em relação ao significante-mestre! O obsessivo, por definição,
é aquele para quem é insuportável que um enunciado ou uma enunciação queiram se
colocar imediatamente; é algo que o eriça, que o revolta. E ele terá, pois, a tendência a
querer homogeneizar os significantes.
Porém isso lhe retorna da seguinte forma: o significante-mestre, que ele teria
assim decapitado (se ouso exprimir-me assim, para não me servir de outros termos
claramente evocados), esse significante-mestre lhe retorna sob a forma de imperativo,
sob a forma de injunção.
Ressalto o estatuto bem particular da injunção: não é uma percepção comum,
não é a percepção ordinária daquilo que se destaca sobre o fundo cinza e uniforme do
mundo de nossas percepções; ela não possui em absoluto essa qualidade. Não tem a
qualidade alucinatória, mas uma espécie de relevo, de vigor, de clareza, que, no mun-
do de nossas percepções, é totalmente particular, que não é individualizado como tal,
mas que vocês encontrarão em um sonho de Freud, que ele relata em um breve artigo,
“Sobre a recordação encobridora”. Ele descreve sua presença em uma pradaria, com
duas mulheres idosas que estão no alto dessa pradaria, e há no sonho a percepção de
flores, que em francês se traduzem por pissenlits, mas, em alemão, são dentes-de-leão.
É muito bem frisado por ele que há, na percepção, uma espécie de relevo, uma inten-
sidade toda particular desses dentes-de-leão na pradaria. É um sonho muito bonito sob
diversos aspectos.
A injunção, pois, que vem ao obsessivo, merece em todo caso ser isolada como
individualizando uma qualidade perceptiva bem particular, em que, em seu duplo ca-
ráter injuntivo, ao mesmo tempo positivo e negativo, podemos reconhecer, de maneira
despojada, se ouso assim me expressar, o que é a qualidade própria de todo significante:
ao mesmo tempo de afirmar, de se colocar em sua afirmação – “isso sou eu” – e ao
mesmo tempo se negar – “isso sou eu, esta afirmação só vale a partir do momento em
que eu não sou”. A propriedade de cada significante é de se impor por essa dupla
valência, ao mesmo tempo de afirmação e de negação, e nós a vemos de algum modo
a céu aberto, vendo-a separada, desestruturada no caso da neurose obsessiva, graças a
isso: por meio dessa forclusão da instância fálica e da tomada, pelo simbólico, do real,
não há mais nada a que se possa dar crédito e que possa ser garantia da verdade. Não
há mais! E a dúvida própria do obsessivo é evidentemente uma conseqüência de seu
processo .
Ele matou igualmente a relação possível com a verdade, essa verdade da qual
ele precisamente tem horror, essa verdade que o zero vem simbolizar muito bem, e ele
56
A RACIONALIDADE COMO SINTOMA
vai, pois, buscá-la na cadeia simbólica, em um nível, por certo, antecedente. Ele está
sempre em busca do antecedente que tem ele próprio um antecedente e que ele próprio
tem, etc., lançando-se a essa atividade esgotante, sem jamais estar certo de seu resulta-
do e tendo claramente o sentimento de que cometeu algum assassinato, que é igual-
mente o que se poderia chamar de assassinato do pai, mas o assassinato do pai como
aquilo que a simbolização, enquanto perfeita, viria consumar. Pois o pai morto só
toma sua autoridade ao se manter no real, manter-se nessa posição de alteridade e
nessa posição de irredutibilidade da relação: “debalde implorei, supliquei em vão, mas
ele não estava em absoluto obrigado a me ouvir”. Mas a operação própria da religião
sendo de assegurar, de supor que a filiação vem resolver essa alteridade essencial,
poder-se-ia dizer ao mesmo tempo que a filiação, a afirmação da filiação, é nada me-
nos do que o que vem de algum modo matar esse pai – mas esse pai como pai morto.
Dito de outra forma, fazê-lo sair da tumba, fazer dele um fantasma, fazer dele um
espectro, como pudemos ver.
Marcel evocou há pouco a questão do ato no obsessivo: há, nas injunções que
ele recebe, é isso que é admirável, há essa injunção primordial própria do significante,
feita ao sujeito, que é uma dupla injunção:
– por um lado, de ir até o fim, isto é, efetivamente não respeitar o que é da
ordem do real.
– mas esse até o fim pode-se entender igualmente como implicando o respeito
da castração. Esse ir até o fim gira muito facilmente em torno do fato de ter de
renunciar (é bem isso o Édipo mesmo!) ao que há de mais caro, e é nisso que
uma equivalência absolutamente absurda se impõe a seus olhos: a de ter que
matá-lo. Dito de outra maneira, tudo aquilo que se põe na conta da analidade. A
analidade é central, mas fazer remontar a agressividade ao que seria a expres-
são de uma economia anal, é andar um tanto depressa! Essa agressividade do
obsessivo está ligada a um efeito dessas próprias injunções, que são de ir até o
fim. É preciso ir até o termo – subentendido o fato de que, com sua neurose,
apesar de tudo, ele falhou em seu afazer, e não irei retomar aqui o porquê disso.
É, pois, banal, em nossa clínica, encontrar o seguinte: quando vocês têm um ser
que lhes é particularmente caro – que é o mais querido de todos os queridos! –, formu-
la-se bizarramente em seu espírito – que bizarrice! –, a idéia de que o melhor seria
talvez que ele viesse a desaparecer e que seria esse desaparecimento o que, antes de
mais nada, viria fundá-lo definitivamente nesse investimento e os ligaria a ele de uma
maneira irredutível.
Quantas mães conhecem esse tipo de tormento em relação a seu filho! Elas
ficam eminentemente chocadas e surpresas de poderem ter a idéia de jogá-lo pela
janela e podem vir consultar, dizendo “como poderia estar certa de que não o faria?”.
O que poderia fazer obstáculo? O que o impediria, à medida que, se a cadeia dos
57
TEXTOS
significantes faz assim círculo – eu digo bem cadeia metonímica, pois a tomada, pelo
simbólico, do real, vem contrariar o jogo da metáfora, e a cadeia, então,organiza-se
como sendo metonímica –, “como, então, estar certa de que não vou ser cativa daquilo
que emerge ali como impulsão?”.
Pois bem! Não quero me estender demais sobre isso! Seria preciso retomar um
pouco o que foi lembrado por Darmon e igualmente por Élie Doumit, isto é, o caráter
fascinante que pode ter para nós a lógica formal, bivalente em sua aurora. O que quer
dizer, do ponto de vista da lógica formal, a verdade? É extremamente simples! A
verdade é que os patos não têm três patas; que quando é de dia, está claro; que os
cavalos são quadrúpedes, que o homem é um bípede. Essas são verdades, é assim que
é! E se vocês disserem outra coisa nesse domínio, é falsa! A verdade consiste em uma
adaequatio do intelecto e da coisa. É colocada de saída como sendo assim. E que os
cisnes são brancos, é falso? Mas o que importa! A partir do momento em que se viram
cisnes brancos, todos os cisnes são brancos, e se vocês disserem que eles são verdes,
parabéns a vocês! Vocês estão errados.
Então, a lógica formal serve-se da verdade e da falsidade a partir dessa relação
natural com os objetos, para mostrar que se pode ter um manejo que põe o peso da
verdade não mais sobre a asserção, mas sobre um puro jogo de escritas. Com a neurose
obsessiva, está-se constantemente na relação da fala e da escrita, pois o próprio do
obsessivo é falar como um escrito – ou então ele não fala. Dito de outra maneira, ele
não funda a verdade de sua proposição sobre o que seria uma enunciação, mas sobre o
que seria a correção de seus enunciados: se ele encadeia enunciados corretamente,
vocês não encontram nada para criticá-lo! Isso fecha a boca de todos. É algo que
começa de maneira admiravelmente astuciosa, por esse tipo de jogo de lógica formal:
p q =
V V V
V F F
F V V
F F V
em que falta, entretanto, uma primeira asserção, que é de que p => p. Se vocês dizem
p, isso implica que existe p. Essa seria a primeira asserção, ou seja, que o significante
se implicaria a si mesmo. Destaco isso para vocês, porque estamos sem cessar nas
histórias de antecedentes e de conseqüentes, a propósito da neurose obsessiva, o que é
um dos grandes problemas.
Façam-se a pergunta, se o pai se implica por si mesmo? Será que lhe basta dizer
“Eu sou pai” e eis que está colocado que p => p? Em absoluto! Porque, para poder
colocar-se como pai, é-lhe necessário um conseqüente, é preciso um filho seu.Ocorre
58
A RACIONALIDADE COMO SINTOMA
que, no caso, isso se chama de q, mas é assim mesmo! De outro modo, se ele não
existe, não há pai!
Faço a vocês essa observação, que é evidentemente uma bobagem, para lhes
fazer valer isso: o significante não pode implicar-se por si mesmo, contrariamente ao
da injunção do obsessivo, pois tendo a pensar que esse fenômeno da injunção, muito
particular ao obsessivo, está ligado ao que se passa quando o significante só assume
seu poder, só toma a sua autoridade de si mesmo, e não é de nenhuma forma freado por
nada e muito menos pela relação com um outro significante.
Então, o que vocês vêem nesse caso? Vejam que, se nesse jogo que proponho a
vocês, em que o conseqüente, o sucessor, vem inscrever-se como ligado ao anteceden-
te, a única maneira, para o sucessor, de invalidar o pai se acha inscrita na segunda
fórmula:
p q =
V V V
V F F
F V V
F F V
59
TEXTOS
60
A RACIONALIDADE COMO SINTOMA
61
TEXTOS
ela se devota, assim como o menino, a tentar fazer com que o grande Outro seja cons-
tituído por uma totalidade. O que a leva, ao mesmo tempo, a se desprender de uma
posição feminina que, como alteridade, é insuportável, pois, no caso de ser alteridade,
ela viria a arruinar essa completude do Outro. Compreende-se perfeitamente, a partir
desse primeiro movimento, como uma mulher pode efetivamente tornar-se obsessiva
e também como um homem pode tornar-se histérico, é claro! Mas é bem provável que
seja em torno dessas duas respostas possíveis que se dá a escolha da neurose.
Então, para ficar no imaginário de Freud, a psicanálise deveria permitir-nos
responder de outra maneira que não por uma opção neurótica, obsessiva ou histérica?
Cabe também a nós responder.
Poderemos aceitar aquilo que Lacan formaliza em última análise com seu nó
borromeu, mostrando que a falta no Outro não deve nada à intervenção edípica? Por-
que os três círculos, cada um deles estando igualmente furado, sustentam-se em sua
pura materialidade, em nenhuma intervenção acidental ou cultural. Temos também
nesse andamento de Lacan a idéia de considerar eventualmente outras respostas que
não as neuróticas para os impasses em que somos tomados e aos quais respondemos
de modo igualmente astucioso – isto é, por nossas neuroses.
62
ENTREVISTA
A FORCLUSÃO DO PAI
NA NEUROSE OBSESSIVA
*
Psicanalista, presidente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, membro da Association
Freudienne Internationale, mestre em Psicologia Clínica pela PUC/RS e autor de Psicanálise e
desenvolvimento infantil. 2.ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.
63
ENTREVISTA
forcluído seria a morte do pai? É a forclusão que estaria na base de um tipo de raciocí-
nio logicamente encadeado, mas muito semelhante a um delírio tal qual aparece em
alguns casos de neurose obsessiva?
1
Trata-se de um cartaz publicitário da UNISINOS, no qual se lê: “A vida tem que valer a pena”.
64
A FORCLUSÃO DO PAI
Esse recorte é o que constitui a ordem do ex-xistente para nós, como efeito do
qual nos constituímos como existentes. E esse ex-xistente adquiriu tal nível de natura-
lidade que renunciamos a nos perguntar acerca de sua origem, ou seja, que, na série
significante, isto faz ponto zero, ou seja, forclusão.
Dito de outro modo, eu preciso de alguém que me diga quem sou, porque nasço
sem saber. E depois de me ser dito quem sou, tenho de averiguar: “Bom, com isso que
eu sou, o que eu tenho que fazer?”. Tomando, então, S1 e S2, nome-do-pai e saber
respectivamente, para passar de um a outro, tenho de circunscrever um pedaço de meu
corpo para poder me sustentar e agarrar o que, desde ali, fala. Então, tenho três ele-
mentos: S1, a (recorte do corpo) e S2. Mas ainda tem outro elemento – a quem endere-
çar, dedicar, reclamar e solicitar o reconhecimento da verdade disto que acabo de
produzir e acerca de que estou atuando em conseqüência com a origem que me foi
marcada –, uma testemunha: o Outro. Aí, tenho quatro.
Se chego a me perguntar sobre a origem de todas as coisas, tropeço com a
Urverwerfung, porque ali nada me responde. Então, tenho que convocar um pai que
me responda no real, como Hamlet ou Fausto. Um pai que me resolva isto: que as
coisas têm fim, quando eu sei que, ao mesmo tempo, elas não têm fim. Sei que o
destino pára, que a vida tem fim, mas que o universo não. Em outras palavras, eu sei
que a série significante que me diz respeito, em algum lugar, pára, porque eu não
estarei mais representado nela. Daqui a cem anos, quem vai lembrar que existimos? É
um ponto acerca do qual eu não tenho resposta. Convoco um pai e tenho que inventar
um pai no real – Deus – que me responda. Como todo mundo sabe, Deus é um delírio,
que, por ser coletivo, não é menos delirante. Então ali tem um ponto de forclusão.
No “Seminário III”, Lacan diz: “O delírio não se constitui por referentes pura-
mente internos, senão que há o que se chama de o delírio das relações externas.” Isto é
textual. Ele o toma de Wernicke, que discute com Kraepelin, porque este dizia que o
delírio se constitui somente por razões internas, e é isso que o transforma em inamovível.
Wernicke responde-lhe que não é isso, senão a certeza que o sujeito precisa encontrar,
no mundo, de alguma versão que lhe permita continuar vivo. É este viés de Wernicke
que Lacan toma e diz que, quando se constitui um delírio, este se produz não somente
em função do interno, senão das relações externas. Nestas relações externas, o sujeito
se encontra com aquilo que o discurso social não lhe responde em toda a extensão de
sua demanda. Aí ele tropeça no que o discurso não lhe responde, e não pode sequer
fazer um delírio de relação. Então, ele tem que constituir um real que lhe responda.
Não é como um real, que seria o caso do delírio neurótico da religião, como se estives-
se falando com Deus, mas que Deus, ali fala, e, se não fala, o sujeito morre, entra na
morte, na desintegração.
Portanto, haveria uma Urverwerfung – esta é uma palavra que me foi sugerida
por Ivan Corrêa para aplicar nesse conceito. Eu não sabia como denominar isto sobre
65
ENTREVISTA
o qual eu falava, e ele me ofereceu, generosamente, este termo, que eu adotei. E é neste
ponto que se encontra o homem dos lobos, confrontado com essa Urverwerfung, onde
não é suficiente S1, a, S2 e Outro como campo de produção simbólica. Ele tem que
constituir um simbólico aderido ao real: o quinto lobo. Este quinto elemento é o que
retorna sempre na vida dele como uma impossibilidade de safar-se da obsessão desse
sonho que se repete uma e outra vez. Trata-se de um esforço de esclarecimento
Em todo caso, no texto de Freud sobre a Gradiva, esse quinto elemento apare-
ce nas condições da transformação do sonho em delírio, isto é, do desejo em delírio.
Freud diz textualmente: “Trata-se de que o fantasma da Gradiva se torne real para
Hanold”. Há um momento no qual essa personagem se torna real, caminhando pelas
ruas de Pompéia. Ele a vê, e ela lhe fala – quem fala é a vizinha dele que aparece
investida imaginariamente como se fosse o fantasma da Gradiva. No momento em que
a vizinha lhe fala é que o desejo se transforma em delírio, porque adquire um estatuto
real. Norbert Hanold – o arqueologista austríaco, personagem central da novela de
Jensen – é um exemplo de neurótico obsessivo, alguém que convoca o pai no real,
embora o faça através do fantasma da Gradiva. O que Hanold vai buscar nas ruínas de
Pompéia são os restos que transformam em verdadeiras suas teses sobre a Gradiva,
uma mulher que supostamente morrera na erupção do Vesúvio em Pompéia. Não ha-
via nada que o conduzisse a isso, a não ser seu desejo, uma vez que o baixo relevo da
figura da Gradiva não é romano, mas grego. Portanto, a que serviu de modelo não
poderia ter sido uma habitante de Pompéia. Além disso, há uma defasagem de duzen-
tos e cinqüenta anos entre a modelo do baixo relevo da Gradiva e a personagem de
Jensen em Pompéia.
O que obsessiviza Norberto Hanold é aquilo que retorna, desde a morte, à posi-
ção da mulher desejável. Ele sabe que ela está morta, pois no momento em que a
procura, na obra de Jensen, em 1870, já se passaram 800 anos da erupção do Vesúvio
em Pompéia (a erupção foi no ano de 79 d.C.). O que ele vai buscar em Pompéia? Vai
buscar a sua amada, que morrera há 800 anos, e que ele sabe que está morta. Mas ele
responde como se não estivesse, igualzinho ao pai de Hamlet. Essa posição de ambi-
güidade da morta que lhe responde é o que causa sua obsessivação.
Dito de outra maneira, então, qual é a extensão do pai? Nós sabemos que o
problema do neurótico obsessivo é que o pai tem uma extensão indefinida: ele pode
ser, desde a menor até a maior enormidade.
Com isso eu brincava, há alguns dias, dizendo que o pai pode estar num palito
de dentes. Não sei se alguns que estão aqui escutaram a minha piada... Contei que eu
tive um sonho – é uma ficção evidentemente, mas como toda ficção, não me
descompromete. Inventei um sonho para exemplificar, e daí me colocaram a armadi-
lha de ser responsável por esta ficção. Cada um é responsável por seu inconsciente.
Vai fazer o quê, não tem outra possibilidade. Então, o sonho que contei é que a minha
66
A FORCLUSÃO DO PAI
gorda mãe está palitando os dentes na frente de um conjunto de ossinhos, depois de ter
me devorado. E eu grito: “Pai! Pai!”, para ver se ele vem me defender desta devoração
que já estava consumada. E ele, o palito, grita: “Estou aqui! Estou aqui!”. Disse que,
ao sonhar isto, me transformei em brasileiro, justamente pela antropofagia. Pois como
vocês sabem, no Brasil, isso é praticado de um modo higiênico, por isso, o palito.
Logo, para um neurótico obsessivo, o pai pode estar no palito, tanto quanto
pode estar em Deus. O problema é que a extensão do pai não está definida. E é ali que
aparece, por não ter essa definição, por ter esse mundo tão enorme e essa prolixidade,
esse não saber quando parar, esse falar demais, por exemplo, que faz sintoma. Mas
aonde está o ponto para ficar tranqüilo acerca de que o pai finalmente está aí? Tem que
ficar refazendo-o palavra após palavra, instante após instante, e, quando o neurótico
obsessivo pára, fica angustiado por tudo que não disse. Vou parar por aqui.
67
ENTREVISTA
pai, que não se termina de fazer nunca. Afinal, qual é a obra terminada do barroco? O
barroco sempre, ou quase sempre, é inconcluso. Trata-se de uma escritura, porque aí
nasce o santo oco, que não tem nada. Digamos que é uma figura morta, mas que é uma
escritura. Então, esta relação do barroco com a escritura, com refazer o pai e com a
morte, como uma espécie de ultrapassar essa barreira geração após geração, refazendo
o nome-do-pai, parece-me que aí temos um bom exemplo do que é a obsessividade
O problema clínico é que, para o neurótico obsessivo individualmente consi-
derado, esse refazer o pai é minuto após minuto, instante após instante, palavra após
palavra, o que constitui um sintoma torturante. E a configuração de idéias obsessivas,
repetitivas, totalmente fechadas e configuradas, é uma tentativa de dar uma versão
definitiva a isso que não pára, como demanda do Outro, de constituir-lhe uma posição
paterna, que é a demanda do pai de Hamlet.
A frase do conselheiro de Hamlet, que, ao ouvido, lhe diz: “Há mais coisas na
Dinamarca do que nos é permitido saber”, não pode ser mais obsessiva. Não há coisa
pior para um obsessivo do que alguém lhe dizer, ao ouvido, semelhante coisa. A partir
de então, Hamlet não pode mais parar de averiguar o que ele tem para saber.
Às vezes, é um trabalho de joalheiro, aquele ao qual o neurótico obsessivo é
convocado para refazer o nome-do-pai a cada instante. Não se trata de refazer a condi-
ção fálica do pai, pois esta ele já detém.
Coisa diferente se passa na histeria. Nesta, o problema é refazer a condição
fálica do pai; ao passo que, na neurose obsessiva, isso significa refazer o pai, com o
qual o sujeito está identificado. Tanto quanto o pai, ele também está em perigo.
Esse trabalho de joalheiro pode ser cumprido numa obra pictórica ou no campo
da língua, como Joyce ou Edgar Alan Poe. No campo da religião também, transfor-
mando-se num teólogo ou num leitor da “Torá”. Vocês sabem que é necessário ser um
neurótico obsessivo para se dedicar a ser um leitor da “Torá”. É impossível suportar
essa posição não sendo um neurótico obsessivo. Um sujeito histérico não suportaria
jamais essa posição.
A neurose obsessiva não é uma uniformidade de destino. Ela pode se cumprir
na religião. Os artistas nordestinos que se dedicam ao entalhe geram uma técnica para
produzir certo tipo de santo e, a partir daí, eles produzem a mesma meia dúzia de
santos a vida toda. Sabemos que isso guarda uma relação muito forte com a produção
em série, há uma certa consonância com a proposição de Rockfeller. Mas eu acho que
os artistas nordestinos não sabem nada de Rockfeller, mas eles sabem de neurose ob-
sessiva tanto quanto Rockfeller, que também o era. Acaba de sair uma biografia de
Rockfeller, que demonstra ter sido ele um neurótico obsessivo de carteirinha, um
moralista acirrado. A partir da morte de sua mulher, começou a festa, levando uma
vida muito leviana. Se, depois de tudo o que ele fizera e de tudo o que ele cumpriu,
mesmo assim sua mulher morre, isso significa que, de qualquer forma, se morre, por
68
A FORCLUSÃO DO PAI
mais reza que tiver, por mais barroco que fizer, por mais teoria que produzir, por mais
escritura que se esmerar em entalhar. De repente, vem a morte e acaba com tudo.
Então, vamos festear, que tanta moral! É a formação reativa no neurótico obsessivo.
Por isso, o neurótico obsessivo, às vezes, tem esses rompantes perversos.
69
ENTREVISTA
a tecnologia como forma de viver, isto é, estandartizada. Precisa entrar numa ordem de
discurso no qual disputa pela eficácia, numa homogeneização do discurso. Assim, ela
passa a se vestir de forma unissex ou com ternos de executiva, perdendo, na verdade,
toda a graça feminina, pois rompe a singularidade de uma produção como mulher,
enquanto autoprodução narcísica.
Na medida que ela se torna, então, feitora ou refazedora do pai e o encarna em
cada movimento, encarna-o nessa não solução de continuidade entre o pai e o sujeito,
que se articula na neurose obsessiva. Essa continuidade dá-se como não saber quem
está vivo e quem está morto, qual é uma geração e qual é a outra. Deste modo, o que
acontece é que o sujeito sempre vive por conta do Outro, e não pode se desvencilhar
dessa dívida, bem como, não havendo modo de pagá-la, paga com o corpo. Por isso é
que ele nunca a alcança, e tem que estar refazendo o pai, como eu colocava na piada
“Pai! Pai!”, alguém que venha me salvar dessa devoração, algo que venha fazer um
corte no corpo.
A única defesa que tem o neurótico obsessivo é fazer recusa do corpo, ou seja,
deixar o corpo fora. Então, e de repente, o neurótico obsessivo passa a se comportar
como se não tivesse corpo, como uma pura essência intelectual. Ora, não há nada pior,
para uma mulher, do que fazer a recusa de seu corpo. É algo terrível, porque é o ponto
em que ela é capaz de sustentar o desejo do Outro
Então, o homem o que faz? Executiva não, Lolita sim. E retornam as Lolitas,
que, como vocês sabem, hoje em dia, são muito populares entre os homens, muito
mais do que as intelectuais. Para que me serve uma intelectual em casa? Para me fazer
presente que eu tenho que reconstruir o pai o tempo todo? Não, vou trazer uma Lolita.
O problema que temos, os intelectuais, é que as Lolitas, ao lado dos intelectuais, se
transformam em intelectuais. Ou então, nos enganamos, acreditando ser uma Lolita o
que, na verdade, era uma intelectual.
Isso coloca uma conjugação complicada nos acasalamentos atuais, nos quais
um dos principais problemas é que a mulher pensa. Todos dizem isso. Até nossas avós
são capazes de perceber: “Na nossa época, nós éramos muito mais caladinhas, quantas
coisas tínhamos que agüentar!”, “Vocês agora que são livres”, dizem as avós. Sim,
livres para ficarem sozinhas. Vejam só, que solução! Efetivamente, se a histeria deixa
a mulher nervosa, a neurose obsessiva a esmaga. E que solução ela vai encontrar para
isso? Não é fácil. Trata-se de um problema clínico que temos hoje em dia. Nos nossos
consultórios, isso aparece cotidianamente através da queixa feminina que fala da soli-
dão. Outra queixa é a da mulher que diz terem, os homens, medo dela. Isso pode lhe
dar grande satisfação fálico-imaginária, mas não resolve seu problema.
70
RECORDAR, A NEUROSE OBSESSIVA OU
REPETIR, O MELHOR DOS MUNDOS
ELABORAR
Mario Fleig *
Conceição Beltrão **
*
Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e da Association Freudienne
Internationale, doutor em Filosofia, organizador dos livros Psicanálise e sintoma social (1993)
e Psicanálise e sintoma social -livro 2 (1998), ambos da Ed. Unisinos, São Leopoldo.
**
Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e da Association Freudienne
Internationale.
71
RECORDAR, REPETIR, ELABORAR
trauma dentro de um romance vivido pelo paciente, no caso de Ernst Lanzer, o “Ho-
mem dos ratos”, seu romance passa a ser trabalhado por Freud como uma ficção das
origens e se encena desde sua pré-história. Nesse contexto, esses elementos permitirão
chegar à cena fantasmática, representada pelo suplício com os ratos, descortinando-se
aí a mudança da clínica da observação, sustentada no olhar, ainda possível nos estudos
sobre a histeria, para o início da clínica calcada no trabalho sobre os pensamentos.
Ocorre igualmente a passagem da clínica do sintoma para a clínica do fantasma, que se
expressa até mesmo no título dos trabalhos freudianos que enunciam o fantasma: “Ho-
mem dos ratos”, “Homem dos lobos”, “Bate-se numa criança”, “A jovem homossexu-
al”, etc.
Mesmo admitindo que não seja mais fácil de compreender do que a histeria,
Freud constata que a linguagem da neurose obsessiva é “apenas um dialeto da lingua-
gem histérica, mas um dialeto no qual deveríamos conseguir penetrar com mais facili-
dade, de vez que é mais aparentado às expressões de nosso pensamento consciente do
que o histérico”. (1909d, p.160) Ele delimita, na neurose obsessiva, a separação entre
a função intelectual e o processo afetivo, que, enquanto angústia, é o indicador da
verdade do sujeito.
Dos muitos lugares onde isso é apresentado, no estudo da denegação, Freud
traz os seguintes elementos clínicos: “Agora o senhor vai pensar que quero dizer algo
insultante, mas realmente não tenho essa intenção.” (1925h, p. 295) ou “O senhor
pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Não é a minha mãe.” (Idem, p. 295).
Nesses dois exemplos conjugam-se o primeiro tempo da afirmação (Bejahung) de
algo e sua denegação (Verneinung), expediente através do qual o conteúdo recalcado
pode apresentar-se à consciência. Contudo, quando é perguntado ao paciente: “O que
o senhor consideraria a coisa mais inverossímil (Allerunwahrscheinlichste) nessa situ-
ação? O que acha que estava mais afastado de sua mente nessa ocasião?” (Idem, p.
295), produz-se um terceiro tempo, decisivo para a separação entre a função intelectu-
al e o processo afetivo. Se o paciente diz o que seria o mais inacreditável, certamente
fará a admissão correta, mas isso não significa que houve superação e aceitação do
recalcado. Bem pelo contrário, ocorre a operação de produção do verossímil, enquan-
to aquilo que é semelhante à verdade e que parece verdadeiro, mas que impede o dizer
(palavra plena) do paciente e lhe abre a via da fala vazia, como ocorre nas expressões:
“como se”, “parece que”, “é provável que”, “se ...”.
Freud nota que “uma bela contrapartida desse experimento se produz no neuró-
tico obsessivo” (Idem, p. 295), pois, ao ser suspensa a denegação, aquilo que é afirma-
do resulta apresentar-se perfeitamente verossímil, ao passo que a verdade permanece
recalcada.
Para dar continuidade à explicitação da formação do verossímil, no processo
de denegação, o enunciado (in)verossímil representa o momento de negação da
72
A NEUROSE OBSESSIVA OU...
formas sintáticas indiretas e estereotipadas. Este trabalho “desemboca numa luta sem
sucesso e interminável” (Freud, 1915d, p. 181), na medida em que se trata do mecanis-
mo da anulação do impossível que não cessa de não se inscrever enquanto sexo e
morte.
A retórica da operação de verossimilhança apaga então a verdade desse discur-
so por meio de uma justificação sistemática que naturaliza e generaliza a palavra. O
singular e o particular são dissolvidos na ausência de contornos próprios, característi-
cos da opinião pública ou da maioria, e na qual o desejo (verdade) é reduzido a uma
norma moral. A obrigação moral define o que deve ser comum, apropriado, plausível
e respeitoso. O texto particular, nesse tipo de discurso, fica submetido ao texto genéri-
co, de modo que, quando o sujeito fala, atribui aos outros aquilo que diz, alegando ser
um pensamento ou posição generalizada, cuja sustentação se dá de forma indiferenciada,
mas que enuncia o que ele admite e que é o provável. O provável, neste caso, é o que
pode ser provado, a partir do silogismo que subsume o particular no universal abstrato.
A construção desse universal sem exceção preserva a suposta integralidade do sujeito.
Esta armadura que se dá através de uma constante crispação dos orifícios do corpo e
dos pensamentos, expressa uma das múltiplas formas do tabu de contato, reiterando a
disjunção entre representação e afeto, entre representação-coisa e representação-pala-
vra, que evoca igualmente a dicotomia entre amor e desejo ou entre amor e ódio. Deste
modo, é na invenção desse universal que se funda a possibilidade do surgimento da
neurose obsessiva.
Para pegar o fio dessa história, podemos considerar que o ato fundante de Freud,
enquanto homem comprometido com a ciência e sua racionalidade, tenha sido atingir
o âmago do mecanismo dessa forma de universalidade. Ainda que a caracterização da
patologia e do tratamento da neurose obsessiva tenha tido seu marco inaugural com
Freud, contudo sua pré-história coincide com a história do surgimento e desdobra-
mento da noção do universal. Se tomamos a histeria como parâmetro, esta já se encon-
tra descrita por médicos egípcios há dois mil anos a. C., ao passo que os traços do
discurso obsessivo não aparecem antes do surgimento da religião judaico-cristã, parti-
cularmente nos comentários de textos sagrados, que têm por objetivo depurar os atos e
pensamentos de tudo aquilo que pudesse não estar de acordo com a vontade divina.
A idéia do universalismo já se encontra presente, por exemplo, nos teoremas de
Arquimedes, no elogio do amor no “Cântico dos Cânticos” e no nihilismo do
“Eclesiastes”, assim como na tragédia de Sófocles e, a partir de Alexandre Magno,
com o helenismo e a construção do império, tendo início a difusão da coisa grega
universalizada.
Logo, tanto na tradição greco-romana como na judaico-cristã, ocorrem formu-
lações do universalismo. Vamos nos deter numa dessas formulações encontrada no
pensamento racional do estoicismo, que se constitui como padrão para o ideal de for-
74
A NEUROSE OBSESSIVA OU...
75
RECORDAR, REPETIR, ELABORAR
dade que vai sempre unida à virtude, assim como o sofrimento ao vício. Outra fórmula
é a de viver conforme a razão, que regula toda conduta prática e estabelece no indiví-
duo uma ordem rigorosa. Portanto, a vida virtuosa consiste em ajustar a conduta à
ordem universal de toda a natureza, regida pela razão universal. Indiferentes são vida
e morte, prazer e dor, saúde e doença, pobreza e riqueza.
A ética estóica está fundada na eudemonia, que, ao contrário da vinculação ao
prazer, significa o exercício constante da virtude e se sustenta na auto-suficiência,
permitindo ao homem a não dependência dos bens externos, base do otimismo estói-
co. Quanto ao otimismo, Zeus é a razão universal que tudo governa e dirige, portanto,
reina a harmonia perfeita. Tudo é belo, harmonioso, perfeito e ordenado, estando tudo
admiravelmente disposto conforme a finalidade predeterminada pela Providência Di-
vina.1 O primeiro imperativo ético é viver conforme a natureza, ou seja, conforme a
razão, na medida em que o natural é racional. A felicidade, então, está radicada na
aceitação do destino, no combate contra as forças da paixão, que produzem a
intranqüilidade. Dentro do princípio da imperturbabilidade, a resignação ao destino é
também uma resignação à justiça, pois o mundo, enquanto racional, é justo. O mal
consiste naquilo que é contrário à vontade, como, por exemplo, a paixão. Todo mal
está na desmedida e aí também se localizam os vícios, como aquilo que destrói e
perturba o equilíbrio. Portanto, o estoicismo representa um vigoroso esforço de salva-
ção total, numa aprendizagem da atitude frente à morte e no sustentar-se e resistir às
perturbações da vida. O elemento estóico presente em muitos personagens romanos
prova o quanto o estoicismo, de filosofia, transforma-se numa concepção de vida e
atitude frente a esta, tomada como uma religião do cotidiano. Contudo não tem a
mesma penetração e influência do cristianismo, ainda que este absorva traços do
estoicismo presente na figura dos mártires, cristãos romanos, cruzados e missionários
na modernidade. Possivelmente a persistência desse traço no Ocidente indica, através
de personagens da literatura, uma das formas que o homem ocidental adota frente ao
extremo da crise, ou seja, a imperturbabilidade e a crispação dos orifícios.
Roma, herdeira dos traços estóicos, estabelece a universalidade através da uni-
ficação da língua (o latim), da unificação administrativa (instaurando a democracia), e
do projeto do império. Nessa relação imperador/deus também é fundada a Igreja Cató-
lica Apostólica Romana, com base na estrutura militar romana e em suas leis suntuárias.
O estoicismo ressurge justamente na época imperial romana, na qual, a partir
de Augusto, cria-se a figura do imperador, que encarna e unifica Pai e Deus. Partindo
1
Uma das primeiras e magistrais críticas à doença da normalidade racional é encontrada em
Voltaire (1989), no seu conto Cândido ou o otimismo, que pode ser considerado o precursor da
dissecação do mecanismo da verossimilhança, através da ironia ao otimismo e à universalidade
sem exceção.
76
A NEUROSE OBSESSIVA OU...
de um discurso de elevado senso moral e alta carga educativa, essa escola filosófica
fala do homem como imagem de Deus e para quem filosofar significaria seguir Zeus.
Os estóicos concebiam a filosofia com amplitude enciclopédica e utilizavam materiais
de todas as filosofias anteriores sem ter um caráter eclético, mas de síntese.
Nesse período, também com Sêneca irrompe um forte sentimento religioso, o
parentesco comum entre todos os homens com Deus, a fraternidade universal, a neces-
sidade do perdão, amor ao próximo e amor aos que nos fazem mal. Para ele, Deus é a
providência e a razão imanente que plasma a matéria, constituindo a natureza. Deus é
a totalidade dos fenômenos e das razões destes. Deus e o mundo coincidem.
Retomando a noção de sábio, esse ideal estóico perdurará como modelo no
cristianismo ao longo de sua história de martírios e entrega do corpo a Deus e ressur-
girá com toda sua pujança na restauração da filosofia greco-romana na modernidade.
Os estóicos Sêneca e Cícero cruzam o pensamento da Europa desde o século XVI até
o século XVIII, influenciando o racionalismo clássico europeu e servindo de modelo à
normalidade subjetiva contemporânea.
O ideal do sábio estóico serviu de modelo de normalidade do homem ocidental,
ficando a desmedida jogada na histeria, onde o pas-de-deux se compunha do médico e
da louca, numa dicotomia entre a razão e a paixão. Podemos ler em Grimal (1988),
sobre as origens do amor em Roma, no âmbito do amor no casamento, na política e no
império. Através do estudo da mítica do amor e deste no cotidiano, observa-se que é
em Roma que a figura da mulher aparece numa fundação. Se no mundo grego, a mu-
lher aparece apenas como um elemento mítico, ao exemplo de Diotima no “Banquete”
de Platão, é em Roma que o amor feminino, desmedido e da paixão, surge no mito
fundante das Sabinas. As histórias de paixão servem como advertência aos Romanos
de que somente os homens sabem ser fiéis à pátria. O coração faz com que as mulheres
se deixem muito facilmente seduzir. Portanto, uma mulher que escolhe livremente seu
amor e se aconselha na paixão, pode trair dessa forma a tradição e provocar catástro-
fes.
Nos personagens míticos, o amor humano é sacrificado ao dever, como no mito
de Enéas, que salva o filho e o pai, abandonando a esposa. Pois salvar o próprio pai e
o filho é um dever divino, ao passo que a mulher diz respeito apenas a um amor
humano. Se ele a preferisse aos de sua raça, seria culpado por ter rompido a ordem do
mundo. Mas nenhuma censura lhe é feita pelo poeta em função de sua escolha. Num
segundo tempo, Enéas é colocado frente ao mesmo impasse e novamente abandona a
mulher para seguir a Providência Divina, tratando de realizar seus desígnios. Mas,
nesse tempo do mito, a mulher abandonada (Dido) também submete sua ternura à
vontade e se auto-condena a morrer em função da queda de seu orgulho.
O desejo é tido como anárquico e destruidor, enquanto o amor bem sucedido é
fecundo, caso se integre, espontaneamente, à ordem do mundo. Logo, a paixão aí
77
RECORDAR, REPETIR, ELABORAR
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHEMAMA, R. e VANDERMERSCH, B. Dictionnaire de la psychanalyse. Paris: Larousse,
1998.
FLEIG, Mario. O princípio de identidade e as identificações. Estudos Leopoldenses - série
Educação, São Leopoldo, 1:65-79, 1997.
FRAILE, Guillermo. Historia de la filosofia. Grecia y Roma. 2. ed. Madrid: BAC, 1965. v. 1.
FREUD, Sigmund. Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909d). In: Obras completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1979. v. 10. p. 157-317.
______. O recalcamento (1915d). In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1979. v. 14. p.
163-82.
______. A denegação (1925h). In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1979. v. 19. p.
291-300.
______. Originalnotizen zu einem Fall von Zwangsneurose [Rattenmann] (1955a). In:
Gesammelte Werke, Nachtragsband. Frankfurt am Main: S. Fischer, 1987.
GRIMAL, Pierre. L’amour à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 1988.
VOLTAIRE. Candide ou l’optimisme. Paris: Pocket, 1989.
78
VARIAÇÕES
BLEFE!
Maria Rita Kehl*
seja excessivo, a fim de mascarar o ódio que ela sente por tentar ficar o tempo todo,
para o outro, do lado da castração. Do lado da que nada sabe, da bobinha que (finge
que) acredita que o homem amado detenha o falo e o saber. Da que depende de que o
outro lhe diga, etc. A histérica blefa que ama. Ela vai cair fora na primeira oportunida-
de ou na primeira decepção – quando vier a perceber que o homem não tem nada a lhe
esclarecer sobre quem ela é, já que só pode devolver-lhe (caso esteja apaixonado) o
efeito de sua própria mentira.
Isto não significa que o blefe, na histeria, consista no que se faz para mascarar
a falta – embora histeria e neurose obsessiva sejam simplesmente duas modalidades de
o sujeito defender-se da castração. O malabarismo da histérica é bem mais sutil e
consegue que a falta seja parte integrante do blefe – o que é bem interessante, e nos
obriga a repensar a castração independente das evidências, anatômicas ou existenci-
ais, da falta: pois como é que a histérica consegue, oferecendo-se ao outro como pura
falta, defender-se da castração? Para se entender esta manobra é necessário articular a
castração ao desejo (óbvio), por conseguinte, ao desejo do outro, que no amor e na
transferência pode encarnar o Outro e, finalmente, o saber – saber do Outro a respeito
do ser. Se o Outro lhe garante um lugar do lado do ser, a defesa histérica contra a
castração funcionou. Ainda que isto lhe custe... ser toda castrada!
Só que o assunto desta Revista é a neurose obsessiva. Aqui se trata não exata-
mente da queixa a respeito de um blefe por parte do analisando, mas da denúncia de
um blefe no Outro (mesmo que a denúncia se volte contra o próprio sujeito). Vamos
ver se chego a entender alguma coisa a este respeito.
Há três anos, num congresso em São Paulo sobre Psicopatologia Fundamental,
fui convidada pelo organizador, prof. Manoel Berlinck, a falar sobre neurose obsessi-
va. Confesso que me senti um tanto constrangida por ter sido encarregada deste tema
e comecei falando para a platéia sobre este sentimento. A histeria tem seu esplendor, a
psicose sua aura trágica, a perversão seu fascínio – mas a neurose obsessiva é sempre
um pouco ridícula. O obsessivo é o careta entre os neuróticos, e sempre relatamos
seus sintomas com um certo sorriso de ironia.
Seus sintomas são picuinhas. Seu sofrimento consiste em ter que se haver com
mandatos e injunções simultâneas, contraditórias e absurdas, referentes a pequenos
detalhes da ordem cotidiana pelas quais um histérico, por exemplo, passaria batido. O
obsessivo é o síndico, o legalista, o bedel. O que tenta barrar qualquer excesso no gozo
do seu semelhante, que possa lembrar-lhe tudo quanto ele mesmo não se permite.
Ainda quando seu sintoma se manifeste na forma da delinqüência por sentimento de
culpa, é para afirmar a lei, para fazê-la funcionar ao pé da letra que ele transgride e se
faz castigar.
Pobres obsessivos, que se levam a sério demais e, sobretudo, que levam o Ou-
tro a sério. Se o paranóico se vê constantemente ameaçado de ser arrebatado pelo gozo
do Outro e responde à convocação colocando-se no centro de uma cena grandiosa – o
80
BLEFE!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DÖR, Joel. Estruturas e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus, 1993.
82
VARIAÇÕES
DA VERDADE DO SINTOMA
À VERDADE DO SUJEITO:
Uma leitura sobre a dieta do TOC
*
Psicanalista. Pesquisador da Rede Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.
Coordenador do Mestrado em Psicologia e Subjetividade da UNIFOR e Diretor do Logos Espa-
ço Psicanálise (Fortaleza-Ce).
83
VARIAÇÕES
tendo em vista a ajuda que ele concede às decisões a serem tomadas entre a normalida-
de e a patologia. Em seguida aportam que o Transtorno Mental só tem sentido quando
há uma manifestação de uma disfunção comportamental. Um outro aspecto importan-
te apresentado no “DSM-IV”, diz respeito à definição de Transtorno Mental – os trans-
tornos mentais não classificam pessoas, mas os transtornos que essas pessoas apresen-
tam.
Bem, o “DSM-IV” em si oferece um campo enorme de pesquisas, que poderi-
am ser pensadas e desenvolvidas, tomando-se em consideração somente suas defini-
ções e os conceitos da nomenclatura utilizada e confrontando-os com outros campos
do saber sobre o psiquismo, entre eles, a psicanálise. É o que se deveria esperar de um
Manual classificatório de sintomas dos transtornos desenvolvidos pelas pessoas. Digo
isso porque, quando nos aprofundamos na compreensão da caracterização do Trans-
torno obsessivo-compulsivo, começamos a adentrar no campo da diferenciação entre
a vocação da psiquiatria de trabalhar sobre a vertente da verdade do sintoma e a da
psicanálise, por exemplo, de trabalhar a verdade do sujeito.
Pelo lado da verdade do sintoma, podemos partir do fato de que os transtornos
que o “DSM-IV” elucida se dirigem, como vimos acima, a uma classificação dos trans-
tornos que as pessoas apresentam. No caso do obsessivo-compulsivo, o diagnóstico
leva em consideração os seguintes critérios: do lado das obsessões, caso se apresentem
pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes; pensamentos, impulsos
que trazem preocupações excessivas; tentativas de supressão ou desconsideração des-
ses pensamentos ou preocupações excessivas. Do lado das compulsões, se emergem
os comportamentos repetitivos e atos mentais que previnem o indivíduo de um encon-
tro com situações insuportáveis (cf. DSM-IV, p. 403).
Vendo por esse ângulo, não creio que a psicanálise tenha muita objeção a fazer
sobre essa classificação sintomatológica do transtorno obsessivo-compulsivo. Isto
porque os sintomas descritos são manifestos e não há como negá-los. A questão vai
pesar em outro lugar, isto é, na forma de tratar esses sintomas. Se a questão é enfocada
pelo âmbito do sintoma que pode ser arrancado, extirpado, em suma, curado mediante
a verdade que ele apresenta na sua manifestação, então começamos a entrar no objeti-
vo de nossa intervenção quando anunciamos, no título deste trabalho, um caminho que
vai da verdade do sintoma até uma outra espécie de verdade: a do sujeito.
Com isso entramos no terreno extremamente profícuo da psicanálise que, lançada
no mundo científico há mais de cem anos, ainda encontra, muitas vezes, uma acentu-
ada ignorância nas formas de tratamento do paciente neurótico e, em particular, do
obsessivo. O tratamento que a Medicina promulga, descortina uma relação que, no
momento, interessa-me de forma peculiar, quando pensamos no papel que o médico
ocupa no ato da prescrição de uma dieta ao paciente.
Lacan (1966), num texto chamado “Psicanálise e medicina”, destaca o papel
84
DA VERDADE DO SINTOMA À...
85
VARIAÇÕES
86
DA VERDADE DO SINTOMA À...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DSM-IV – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Dayse Batista; 4.ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
LACAN, Jacques. El mito individual del neurótico. (1953) In: _____. Intervenciones y textos.
Buenos Aires: Manantial, 1993.
_____. Psicoanálisis y medicina. (1966) In: Intervenciones y textos. Buenos Aires: Manantial,
1993.
87
VARIAÇÕES
O DESTINO:
a voz Outra da incerteza*
*
Publicado originalmente no livro CHIRON, Eliane (Org). L’incertain dans l’art. Paris,
Publications de la Sorbonne - CERAP, 1998.
**
Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, membro da Association Freudienne
Internationale, Doutorado em Psicanálise e Psicopatologia (Universidade de Paris VII) e
organizador do livro Psicanálise e Colonização - leituras do sintoma social no Brasil (Editora
Artes e Ofícios, 1999).
88
O DESTINO
1
Referência de Freud a Schiller. (FREUD, 1920)
89
VARIAÇÕES
desse alívio diante do destino é devido ao fato de que podemos produzir com a figura
do destino um sentido possível aos acontecimentos causados pela compulsão à repeti-
ção. O destino teria então por função atribuir um sentido à incerteza.
Se pensamos o destino como uma força desconhecida que nos governa, a ques-
tão que se impõe é a do estatuto desta obrigação. O destino não seria o modo mítico e
poético de indicar uma ordem de comando? Podemos pensar aqui no lugar da necessi-
dade e do acaso. Sabemos que Freud não opõe de forma radical o acaso à necessidade.
Se fosse o caso de uma simples oposição , como poderíamos compreender este destino
acidental mencionado por ele numa carta enviada a Else Voigtländer? 2 Aparentemen-
te estamos diante de um paradoxo, pois a palavra destino sempre esteve muito próxi-
ma da idéia de necessidade. Que sentido poderíamos atribuir ao termo “acidental”
empregado por Freud? Teria ele o sentido de contingência?
Jean Gillibert (1970) nos diz: “Repetir, é realizar um destino”. Encontramo-
nos aqui diante de uma estrutura temporal complexa, pois se trata justamente de um
devir realizado pelo passado. Esta figura do devir adquire neste contexto um estatuto
de necessidade, e é por isso que se apresenta ao sujeito como imperativo. É justamente
contra esse imperativo que o sujeito tenta escapar. Todas as narrativas produzidas pela
literatura sobre o fatídico encontro do homem com o diabo, sobretudo as belas passa-
gens de “Fausto” de Goethe, nada mais são que uma forma poética de mostrar a rela-
ção do homem com esta instância do imperativo.
O TRATADO DO DESTINO
2
“Em psicanálise, pensamos que não temos que dar conta de uma predisposição, mas de um
número infinito destas e que se desenvolvem e se fixam segundos os destinos acidentais”. Freud,
Carta à Else Voigtländer de 1/10/1911 (Freud, 1966)
3
Alexandre de Afrodísias, século II e princípios do século III. O Tratado do destino foi escrito
entre os anos 198 e 209. Este filósofo é um dos grandes comentadores de Aristóteles e foi
mesmo nomeado como o “segundo Aristóteles”.
90
O DESTINO
4
280 AC. Filósofo grego, estóico. Conhecemos sua obra principalmente por Cicero e Sêneca.
De uma certa forma podemos dizer que esta problemática do destino adquiriu uma importância
maior com os estóicos. O livro de Alexandre de Afrodísias, por exemplo, é uma tentativa de
refutar os argumentos dos estóicos sobre o destino.
5
Eis o que nos diz Alexandre de Afrodísias: “(...) há outros para os quais, por vezes, todos os
acontecimentos possuem o ar de se produzirem segundo o destino, sobretudo se a sorte lhes é
contrária, mas, ao obterem êxito em seus projetos, eles sustentam que são eles mesmos os arte-
sões de seu sucesso. Isto tudo como se aquilo que acontece normalmente não aconteceria se eles
mesmos não tivessem agido num sentido ao invés de um outro, como se fossem livres igualmen-
te de não agir desta maneira.” (Alexandre de Afrodísias, 1984)
91
VARIAÇÕES
ados por Epicteto, ta eph hemin (o que depende de nós) e ta ouk eph hemin (o que não
depende de nós) podem fornecer-nos algumas idéias. (Thom, 1983) Vemos justamen-
te que a lógica mesma desta figura do destino deve ser atribuída ao que não depende
do eu. Em seu “Tratado do Destino”, Alexandre de Afrodísias distingue claramente
aquilo que no conceito de destino depende ou não do sujeito. Podemos dizer que a
definição de destino é fundada sobre esta idéia de alguma coisa que é independente do
sujeito. Eis a definição de destino que nos dá o “Dicionário de Lalande”: “Potência
através do qual certos acontecimentos serão fixados antecipadamente aconteça o que
for, e apesar do que os seres dotados de inteligência e vontade possam fazer para evitá-
lo”.(Lalande, 1976) Se tomarmos a palavra latim Fatum, sua tradução literal seria:
coisa dita, destino irrevogável, aquilo que está escrito. Como sabemos, esta palavra
deu nascimento a fatalismo e fatalidade. Ora, em filosofia, a palavra fatalismo é sinô-
nima de determinismo, em particular, segundo Lalande, quando se trata de doutrinas
que só admitem um mundo possível, como no caso de Espinosa. No sentido corrente,
a palavra fatalidade designa um acaso infeliz ou uma seqüência de coincidências
inexplicáveis que parecem manifestar uma finalidade superior e desconhecida, princi-
palmente quando diz respeito a infelicidades. Esta oscilação de sentido no emprego
dessa palavra nos mostra mais uma vez que a questão do destino concerne mais aos
fatos que trazem sofrimento e infelicidade.
Roberto Harari (1988) desenvolve a idéia freudiana de neurose de caráter re-
portando-a diretamente à compulsão à repetição. O que Freud entende por neurose de
caráter? “O caráter dos humanos é seu demônio, segundo Heráclito, é sua natureza”
(Alexandre de Afrodísias, 1984). É no termo caráter também que encontraremos uma
articulação com o destino, na medida em que certos estilos de ser determinam certos
destinos. “É assim, por exemplo, que para aquele que ama o perigo é que é audacioso
por natureza, a morte também é muito seguidamente violenta; é, por conseqüência, o
destino desta natureza.” (Alexandre de Afrodísias, 1984)
Se a idéia de destino implica uma certa idéia de causalidade, como podemos
identificar tanto nos textos de Aristóteles quanto no comentário de Alexandre de
Afrodísias, podemos dizer que ela se opõe à idéia de acaso. A idéia de acaso em
Aristóteles concerne aos “acontecimentos, os quais estamos convencidos serem sem
causa.” (Id., ib.) É preciso salientar aqui que se trata de alguma coisa sem causa e não
causa desconhecida. Dito de outra forma, desconhecer as causas não nos autoriza a
falar de acaso.
Se retomarmos a discussão sobre o problema de saber se a compulsão à repeti-
ção poderia ser da ordem do necessário, teríamos um obstáculo a resolver. Como lem-
bramos, há sempre nessa questão da repetição uma imposição, alguma coisa que obri-
ga a repetir, genötig é o termo que Freud utiliza. Ora, podemos chamar de necessário,
no sentido estrito da palavra, aquilo que é imposto por obrigação? É evidente que
92
O DESTINO
nossa reflexão deveria inclinar-se sobre a palavra genötig tentando retirar dali todas as
conseqüências. Se a definição clássica de necessário se refere a alguma coisa que não
pode não se produzir, como pensar uma imposição, uma obrigação em sua produção?
Será que não poderíamos referir-nos à compulsão à repetição como um ato de
necessidade a posteriori, ou seja, do qual deduzimos a necessidade num après-coup?
Penso nisto lembrando do enunciado de Alexandre de Afrodísias que nos diz: “Se há
fundações, não é necessário que a casa seja construída, no entanto se a casa existe, é
necessário que haja fundações”.(Id., ib.)
A incerteza vem interrogar as fundações de nossa lógica de sentido, de nossa
necessidade de repetir. É por isto que, mesmo que esta incerteza nos traga angústia
diante do desconhecido e do imprevisível, ela nos traz , ao mesmo tempo, uma espe-
rança de poder criar/recriar algumas de nossas fundações subjetivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE DE AFRODÍSIAS.Traité du destin. Paris: Société d’Edition les Belles Lettres,
1984.
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer (1920). In: _____.Obras Completas. Madrid:
Biblioteca Nueva, 1981, v. 3.
______. Correspondance 1873-1939. Paris:Gallimard, 1966.
GILLIBERT, Jean. La naissance de la répétition. Revue Française de Psychanalyse, Paris, T.
XXXIV, nº 3, 1970.
HARARI, Roberto. La repeticion del fracaso. Buenos Aires: Nueva Vision, 1988.
LALANDE, André. Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie. Paris: PUF, 1976.
THOM, René. Paraboles et Catastrophes. Paris: Flammarion, 1983.
93
VARIAÇÕES
SUSPENSE
Ricardo Goldenberg *
*
Psicanalista, membro correspondente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Mestre em
Filosofia pela USP/SP.
1
Em «O homem que sabia demais», vale lembrar, Hitchcock nos mostra alguém que se supõe
possuir um excesso de informações secretas, mas que, na verdade, encontra-se nas trevas quanto
ao que supostamente estaria sabendo.
2
Quem já esteve na Disney ou na Universal e fez a experiência de brinquedos de realidade
virtual ou tridimensionais experimenta medo ou angústia ao cair, jamais suspense.
94
SUSPENSE
anjos caídos, desafiando a cada dia, pela nossa postura ereta, o fado adâmico3. Encon-
tramos o tema da queda desde nossos pais primordiais, que caem do éden quando
sabem, até o coiote da turma do Pernalonga, que não cai enquanto ninguém lhe faz
notar que está caminhando no ar; passando pelo Sr. Valdemar de Poe, que só apodrece
depois de o hipnotizador permitir-lhe esquecer que já estava morto havia um tempo4.
Podemos tentar uma primeira aproximação ao suspense, definindo-o como o
estado provocado pela demora de uma informação que se aguarda, essencial para re-
solver o impasse subjetivo provocado por esta lacuna. O problema é menos a natureza
do que acontecerá do que estar ou não a par do que irá acontecer. Conheço alguém que
se antecipa em adivinhar a chave do enigma antes que o filme a entregue, estragando
o prazer do suspense para si e para os vizinhos. Suspense seria, deste ponto de vista,
uma categoria relativa ao saber, melhor, à ignorância.
Quando o tricampeão se espatifou dentro de seu carro; quando o touro espetou
o toureiro; enfim, quando o peso-pesado invicto apagou no quinto round, percebemos
que nos prendia ao espetáculo, sempre repetido, menos a expectativa de ver o piloto
subir mais uma vez no pódio (o matador cortar a orelha da besta; o juiz levantar o
braço direito do campeão de sempre) do que a renovada possibilidade do inconcebí-
vel. Depois de um acidente radical (denominado fatalidade, como se estivesse escrito,
como se em algum lugar fosse sabido desde sempre), os comentários oscilam entre um
“não é possível” e um “estava demorando muito”. Sem ir tão longe, sempre que se
confirmava uma das pequenas grandes desgraças que ocorrem às crianças que brin-
cam — vidraça quebrada, braço trincado, roupa rasgada —, o pai, uma vez informado,
anunciava ora que “só podia dar nisso”, ora que “já sabia que isso aconteceria”. Nestes
últimos casos5, o suspense fica do lado de quem supostamente “já sabia”, de quem
esperava.
3
E não é bem na Lei de Newton que penso, mas na Lei do Pai, que nos separa do corpo materno
e nos permite esquecer que fomos objetos caídos antes de nos tornarmos sujeitos. O título com
que foi distribuído o filme «Vertigo», de Hitchcok, em nosso país é uma verdadeira leitura do
mesmo, quase uma interpretação no sentido psicanalítico do termo. Enquanto a vertigem do
título original indica o sintoma, «O corpo que cai», da versão brasileira, indica a fantasia incons-
ciente que provoca dito sintoma. Em outro lugar, fiz uma análise mais apurada desta passagem
(“O Ameaçado” in Sobre a Sexualidade Masculina, Salvador: Ágalma, 1996).
4
E a queda comparece nos seguintes Hitchcocks: «Saboteur» e o vilão pendurado da mão da
estátua da Liberdade; «Vertigo»; «North by Northwest» e a perseguição pelo topo do Mount
Rushmore; «Suspicion» e o marido que empurra-segura a esposa quando o carro passa perto do
precipício. Para não mencionar as inúmeras cenas em que o suspense se organiza em relação a
uma escada ou uma janela.
5
Cumpre lembrar que caso, etimologicamente, quer dizer o que cai.
95
VARIAÇÕES
6
Por isso, o cinema de Antonioni nos parece às vezes tão difícil e cansativo, porque exige um
público que suporte o progressivo esvaziamento de uma trama prometida no início, sem perder
o desejo de continuar assistindo. Um público cujo interesse deve passar do enredo para o pró-
prio filme como um objeto digno de ser apreciado enquanto tal, um objeto cinematográfico. A
promessa de fatos, comprovamos, depois de assistir metade do filme, não passava de um pretex-
to para a experiência cinematográfica que ele nos propõe.
7
Bastaria que eu me identificasse com o assassino para que o thriller perdesse a graça. Por isso,
um recurso utilizado é deixar o matador mais ou menos invisível até o fim. Como identificar-se
com uma sombra?
96
SUSPENSE
realizado nos trabalha por dias a fio. Patricia Highsmith não assusta, como Hitchcock,
inquieta. Sua narrativa opera, como disse Graham Greene, antes com nossa apreensão
que com nosso medo. Se definimos a angústia como medo do medo, então, estamos
perante uma escritura da angústia.
97
VARIAÇÕES
8
Lacan teria dito que fizemos a experiência do desejo como desejo do Outro.
98
SUSPENSE
na qual um Bronson cada vez mais grisalho elimina, junto com os inimigos, a culpa do
espectador e qualquer responsabilidade por este desejo de morte, que não por nada
aparece no título com que foi comercializado no Brasil como«Desejo de matar», de-
cidindo a anfibologia pelo viés mais confortável para a audiência poder desfrutar, sem
remorso,desuaagressividade.A óbviaestratégiadestetipodefilmes(asérie«Rambo»
seria mais um exemplo) consiste no maniqueísmo com que o mal é mostrado para não
despertar qualquer ambivalência no espectador, para quem o inferno será sempre os
outros.
Ninguém faz esta operação melhor que Patricia Highsmith (1990), para quem o
inferno decididamente não são os outros. “Estou interessada no efeito da culpa sobre
meus heróis”, declara. E qualquer livro seu parece desenvolver-se a partir da tese de
que não é preciso nenhum motivo para se cometer um crime. Ao menos, não no senti-
do em que o entenderiam Hammett e, depois dele, Chandler, para quem a chave está
nos móbeis que devem ser desvelados por um Spade ou um M arlowe. A escritora
desloca o acento do crime para suas conseqüências sobre o criminoso ou, de modo
geral, do ato sobre o agente. Está interessada, acima de tudo, na subjetivação de um
ato terrível que mal dissimula sua gratuidade.
Um escritor, depois de quebrar a cabeça de um ladrão árabe com sua máquina
de escrever, faz de conta que nada aconteceu; um policial espanca até à morte um
velho que seqüestrou um cachorro; um marido irritado afoga sua esposa porque ela
flertara com um convidado; um artista age tão culpado depois do suicídio da mulher,
que os parentes o tratam como um assassino: estamos perante uma escritura que arru-
ína as razões que o bom senso do leitor vai conjecturando durante a leitura para tornar
o crime racional. O que aconteceu, aconteceu por nada. O mais incômodo nos seus
relatos não é a falta de álibi, mas que o culpado não se importe em procurar-se um.
É sobretudo por salientar o injustificado da ruptura das barreiras morais contra
a crueldade ou o assassínio, que seu tratamento da impunidade — provavelmente sua
questão central — resulta tão agudo. Seu trabalho apresenta-se muitas vezes como
uma cuidadosa desarticulação de crime e castigo. E não é necessário que reconheça,
como faz, sua dívida com Dostoievski para notarmos que o leitmotiv que se deixa
ouvir nessa escrita é o tema da culpa. O lugar dessa culpabilidade na literatura de
ambos é, sem embargo, muito diverso.
Em “O resgate de um cão”, a propriedade moebiana9 do discurso transporta o
9
Refiro-me à propriedade topológica de uma superfície em que a frente e o verso estão em
continuidade.
99
VARIAÇÕES
leitor para o lugar mais abjeto da estória. Alguém rapta o cachorro de estimação de
uma família e o mata, não obstante ter recebido o resgate exigido. Um policial em sua
primeira missão deseja fazer bonito e fica obcecado com a captura do raptor, a quem
finalmente encurrala e espanca até à morte. Nada há para festejar, contudo, porque a
escritora já nos mostrou a vida do ponto de vista do raptor, que não passa de um pobre
coitado, talvez um pouco paranóico: fica claro, em todo caso, que trocar sua vida pela
do cão não apenas não é justiça como, antes, parece uma monstruosidade. A reversão
de lugares entre inocentes e culpados é tão completa que nos afastamos do “herói”
(ainda uma vez, entre aspas) com a mesma repugnância com que toda a sociedade em
torno dele o faz. O mocinho foi segregado, nada mais queremos com ele.
O romance se serve da trama para criar um conflito entre nossos princípios
morais e o assassino que existe em nós. O suspense deve-se à tensão provocada por
este conflito. O leitor que não abandonar o romance terá tempo para amadurecer o que
fará com esta outra satisfação com que a autora o surpreendeu e que nem imaginava
poder experimentar: o gozo do assassino.
A apreensão, o desassossego que denominamos suspense — comparável ao
estado hipnótico10 — é induzido por uma operação simbólica sobre nossa identifica-
ção imaginária. O que está suspenso, durante o tempo em que dura este estado, é o
esteio identificatório do Eu. Caso lhe fosse perguntado, nesse momento, por que se
encontra nesse estado, diria estar na expectativa do que acontecerá com o outro, sendo
este outro a futura vítima, no caso de Hitchcok, e seu carrasco, no caso de Highsmith.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HIGHSMITH, Patrícia. Suspense. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
TRUFFAUT, François. Le cinéma selon Hitchcock, Laffont, 1966.
ZIZEK, Slavoj. Looking Awry. New York: Knopf, 1993.
10
Freud define a hipnose como uma incorporação temporária da vontade do hipnotizador, que
irá ao lugar do Ideal do Eu. A Truffaut, Hitchcock confessa que, com «Psicose», ele não fez
direçãodeatores,masdepúblico.Tocandoesteúltimocomo se fosse um órgão.
100