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Quarta-feira, Setembro 16, 2006

Ao colegiado do departamento de Artes Visuais


Via Chefia
CC Instituto de Artes

RE: Parecer - Estilo e Normas de Redação para as disciplinas da graduação do VIS.


Profº. Belidson Dias

Caros colegas,

Proponho ao colegiado a:

1. Extensão das Normas da Diplomação para as disciplinas de projeto


interdisciplinar, estágios supervisionado 1 e 2 da Licenciatura Noturna,
estágios supervisionado 1, 2 e 3 da Licenciatura Diurna, atelier 1 e 2 e os
seminários de teoria, crítica e história da arte. Estas normas foram produzidas
pelos professores Elisa de Souza, Marília Panitz e Nélson Maravalhas;
2. Trocar o nome “normas da diplomação do VIS” para Normas de Redação e
Estilo do VIS;
3. Inclusão do item “Estilo de redação” nas Normas de Diplomação.

Objetivos

 Instituir as Normas de Redação e Estilo do VIS. como um exemplo e medida


de moderação das maneiras de ser e fazer da escrita acadêmica no VIS;
 Afirmar a posição do VIS como produtor de conhecimento e não somente um
reprodutor e seguidor acrítico de normas institucionais;
 Articular afinidades entre escrita acadêmica, fazer artístico e produção cultural
existente nas relações horizontais, verticais e transversais entre as disciplinas
descritas no item um (1) acima, nos currículos vigentes do VIS;
 Articular relação de saber entre a formação específica do corpo discente e
diferentes e possíveis estilos de escrita acadêmica em artes visuais;
 Diminuir a distância que atualmente existe entre o texto teórico e o prático;
 Abrandar o impacto do currículo oculto de caráter positivista nos cursos;
 Ampliar as possibilidades de se pensar e fazer pesquisa na graduação.

Justificativa
Historicamente os alunos dos cursos do departamento de Artes Visuais da UnB,
possivelmente também do Instituto de Artes, e de outros departamentos, institutos e
faculdades do artes pelo Brasil, são orientados a seguir normalizações técnicas e estilos
de redação acadêmicas, que na maioria das vezes, não contemplam as especificidades de
seus trabalhos teóricos, teórico/práticos e práticos. A inadequação, distanciamento e
deslocamento entre a escrita acadêmica e a produção artística geram dificuldades e
conflitos entre o corpo discente e docente assim como comprometem o entendimento
dos atributos de seus trabalhos em artes visuais, tanto nos cursos de bacharelado quanto
nos de licenciatura.

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Apesar da existência de um documento normalizador, as Normas de
diplomação – Artes plásticas, VIS, as monografias apresentadas no final do curso, de
um modo geral e de acordo com a minha experiência, não a seguem. As razões podem
ser muitas:

 Professores não conhecem as normas;


 Alunos ignoram a orientação dos professores;
 Alunos são informados em disciplinas anteriores mas não são formados,
não apreendem e nem identificam-se com essa forma de escrita;
 Não há transferência e relação de ensino e aprendizagem;
 Coordenador de curso não orientam os professores;
 Secretaria administrativa não está preparada pra lidar com o assunto;
 Outros.

Nos últimos 15 anos o VIS passou por uma renovação de seu quadro docente e de
seus currículos. Por meio dessas mudanças o departamento conseguiu o feito de
contemplar pedagogicamente e de modo eficaz o fato de estarmos vivendo em um
mundo tecnológico visual complexo onde as imagens transformaram-se no produto mais
essencial para nossa informação e conhecimento. O aspecto da visualidade, que se refere
a como nós olhamos o mundo tem sido particularmente relevante para a construção da
representação do conhecimento neste departamento; e mostra uma necessidade para
uma exploração adicional dos conceitos da comunicação e representação cultural destes
conhecimentos.
O VIS alcança um nível adequado e de excelência nas suas proposições
curriculares, efetivação de ementas, titulação do corpo docente e atualização de
programas. Contudo as suas práticas pedagógicas na graduação indicam a hegemonia do
fazer em relação ao pensar como faz-se o fazer. Para mediar uma relação, como sujeitos
agentes, entre as artes visuais e a academia, o corpo discente necessita destas práticas,
logo o VIS deve contemplar estas discussões. Uma maneira eficaz de atender a essa
demanda por entender modos de conhecimento e formas de comunicar como os
conhecimentos são produzidos na área de artes na academia é inserir estes elementos no
currículo.

ABNT
O Estilo e a Norma de escrita acadêmica são questões que afligem os discentes e
docentes em artes e portanto precisam ser discutidas e pesquisadas. Apesar de adjacentes,
são diferentes proposições. No Brasil, as normas da Associação Brasileira de Normas e
Técnicas (ABNT) são as condutoras da normalização de publicações técnico-científico.
Contudo, a ABNT não contempla diretamente os diversos e possíveis estilos de redação
de cada instituição, ela ocupa-se das apresentações gráficas e de suas estruturas materiais
das construções das publicações. Cada instituição de ensino, brasileira ou não, que adotar
a ABNT, pode e precisa ajustá-la a seus interesses e especificidades (As últimas revisões
da ABNT são as da NBR 6021 a 6032).
Se no Brasil a ABNT é praticamente a única norma de escrita acadêmica aceita e
utilizada pelas Instituições de Ensino Superiores, internacionalmente, nos países de
maior produção técnico/cientifico/artístico, já existem aproximadamente mais de três mil
estilos de redação acadêmica em acordo com tipos e áreas de conhecimentos de
periódicos e instituições educacionais. No Brasil já se aceita, em algumas IES, o APA –
American Pshychology Asssociation para textos de educação, psicologia e arte/educação.
Importante ressaltar também que já existe tecnologia disponível e acessível que formata
todas as referências internas e externas dos textos dentro destes estilos, inclusive a

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ABNT (e.g. EndNote, RIS ). Ou seja, atualmente para seguir a maior parte das normas
da ABNT basta usar um aplicativo computacional.
A ABNT define as normas de redação, contudo o estilo de redação das publicações
técnico-científico-artístico dos pesquisadores, professores e alunos das artes na academia
ainda seguem acriticamente um modelo positivista.
Positivismo entendido e apresentado aqui como uma teoria do conhecimento que
afirma que a pesquisa científica “séria” não precisa procurar causas últimas que derivem
de alguma fonte externa, mas restringe-se ao estudo de relações existentes entre fatos
que são diretamente acessíveis pela observação. Desse modo, o positivismo admite como
fonte única de conhecimento e critério de verdade, a experiência e os fatos observáveis
e assim desconsidera a interpretação, justificação transcendente ou imanente da
experiência. Muitos pesquisadores, instituições de ensino e pesquisa opõem-se ao
positivismo e procuram demonstrar que o fato de que o domínio social e cultural, dentro
do qual a investigação científica e artística ocorre, representa um fator fundamental na
construção do conhecimento portanto os métodos adaptados das ciências não podem ser
tomados como o único critério para a produção e formas de circulação do conhecimento.

ABR e ABER
Nos últimos 15 anos, na academia norte americana e européia, muitos
pesquisadores vêm tentando compreender, valorar e conceber a produção em arte como
uma modalidade de pesquisa acadêmica. Isto gerou metodologias de pesquisa atualmente
reconhecidas e cada vez mais bem aceitas na academia como arts-based forms of
research, ABR, e arts-based educational research, ABER; ambas sem tradução literal
para o português. O argumento chave para estas metodologias é que elas, ao enfatizar a
produção cultural da cultura visual, rompem, complicam, problematizam e incomodam as
metodologias normalizadas e hegemônicas que são aquelas que estabelecem, formatam,
conduz concebe e projeta o conceito de pesquisa acadêmica em artes, educação e
arte/educação. A ABR e ABER espera deslocar intencionalmente modos estabelecidos
de se fazer pesquisa e conhecimento em artes, ao aceitar e ressaltar a incerteza,
imaginação, ilusão, introspecção, visualização e dinamismo.
Engajar-se em pesquisas utilizando ABR e ABER é um ato criativo em si e per si.
O convite ao leitor, nessas metodologias, é diferente do apelo da pesquisa tradicional,
pois está baseada no conceito de que o sentido não é encontrado, mas construído e que o
ato da interpretação construtiva é um evento criativo. Obviamente, estas novas formas
de expressão acadêmica surgiram da inadequação dos discursos acadêmicos correntes em
alcançar as especificidades na pesquisa em artes. Por meio de formas criativas, elas
estabeleceram oportunidades de ver, experimentar o ordinário, aprender a
compreender as novas e diferentes maneiras de se fazer pesquisa em artes e deram
especial atenção a forma da sua circulação e publicação. Os pesquisadores, envolvidos em
desconstruir a escrita acadêmica dominante, desafiam a voz do observador acadêmico
como possuidor de todo o conhecimento, exploram modos criativos de representação
que reflitam a riqueza e a complexidade das amostras e dados de pesquisa e desse modo
promovem múltiplos níveis de envolvimento, que são simultaneamente cognitivo e
emocionais. Portanto, no contexto de ABER e ABR é mais importante o conceito de
“vivificação” de Patti Lather, do que o da provação e replicação positivistas.
Estas metodologias de pesquisas em arte, que contemplam formas alternativas da
representação visual, criam espaços dentro e em torno dos dados de pesquisa a partir das
quais coisas novas podem continuamente irromper.

P essoal ou Impessoal?
Quem nós somos muda o objeto de que nós escrevemos e como escrevemos.
Colocado de forma direta, se a academia deve mudar, se o VIS quer transformar-se, se
nossa visões de realidade devem ser mais inclusivas, então precisamos ter uma
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perspectiva mais ampla dos que são as vozes de autoridade na escrita acadêmica. A partir
do nosso local específico de fala, das artes visuais e do VIS, é crucial desafiar o paradigma
tradicional do texto acadêmico do uso coercitivo da voz passiva, impessoal e a voz do
investigador “neutro”.
Hoje em dia, é superabundante os manuais para normalizações de textos
científicos em língua portuguesa que encontram-se disponíveis em forma de livros,
folhetos, apostilas e na internet. Eles afirmam veementemente, e muitas das vezes
impetuosamente, que:

A. um texto acadêmico deve ser: objetivo, preciso, imparcial, claro,


coerente, e impessoal .
B. os verbos devem ser utilizados na terceira pessoa do singular, evitando-se usar na
terceira pessoa do plural e nunca n a primeira pessoa do singular .
C. o texto deverá ser escrito no impessoal ou a primeira pessoa do plural, mas
jamais alternadamente , ou seja, uma vez escolhida a forma de
apresentação do texto, a mesma deverá ser utilizada até o final.
D. na redação dita impessoal, evita-se o uso de tempos verbais no modo direto. Todo
uso verbal é realizado de forma passiva. Nunca há a demonstração direta de
uma pessoa verbal: Exemplo: Pesquisou-se..., concluiu-se..., análises do
assunto mostraram...,
E. que é inaceitável o uso da primeira pessoa do singular porque ela poderia
significar um excesso de informalidade e pessoalidade. Ela denotaria uma
conversa informal do autor com o leitor que, obviam ent e, não existe.
De uma forma geral, esta maneira de escrever n ão é apropriada, salvo em
casos excepcionais que não representam o trabalho acadêmico em sentido
estrito, mas uma apresentação do mesmo feita pelo autor ou por outro
apresentador.
F. Em trabalhos de monografia e dissertação, costuma-se adotar o tratamento
impessoal, utilizando-se de formas infinitivas. Em vez de “eu ou nós”, usa-se
a partícula “se”. Como exemplo, substituir o uso de “Nós acreditamos” pelo o
de “Acredita-se”. Contudo O uso do verbo conjugado na primeira pessoa
é r ecomendável em t rabalhos de t es e d e doutoramen to, ou em
comunicação científica, cuja autoria já obteve reconhecida autonomia
acadêmica.

Portanto, a sugestão geral é que seja utilizada a forma impessoal, porque é a mais usual
nos congressos científicos e publicações científicas. Outros justificam que instituições de
ensino superior brasileiras exigem que candidatos a cursos de pós-graduação escrevam na
forma impessoal ao apresentar seus projetos de pesquisa. Contudo a maioria destes
manuais não contemplam as especificidades das diferentes disciplinas do conhecimento,
especialmente das Humanas.

Diante das afirmações acima fico com uma séries de dúvidas que gostaria de
dividir com os meus colegas:

1. Como um texto em/de/sobre/com um projeto em artes, ou objeto de arte, pode


e tem de ser inconfundível, preciso, imparcial, neutro, claro, lógico, coerente, e
impessoal? Isso é possível? Se plausível, ele é desejável no VIS?
2. Se o trabalho foi realizado por um artista, ou um grupo de artistas, como então
pode-se escrever sem referência a um sujeito em particular? Como o sujeito da
prática artística é deslocado do seu objeto em nome da neutralidade científica?
Existe esta coisa chamada neutralidade artística? Qual o comprometimento
pedagógico do VIS com essa possível neutralidade?
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3. Por que as imagens apenas aparecem nas monografias como ilustrações? Por que
elas não são o texto?
4. Por que uma vez escolhida a forma de apresentação do texto, o tratamento
impessoal ou primeira pessoa do plural, a mesma deverá ser utilizada até o final?
Não há uma necessidade no texto científico/artístico de posicionamento de
localização dos sujeitos de modos diferenciados?
5. Muitos trabalhos de artes fundamentam-se no abuso de informalidade e
pessoalidade. Então a escrita acadêmica não pode privilegiar em sua forma a
essência destes trabalhos?
Muitas são as ambigüidades e dúvidas, entretanto as instituições de ensino precisam
tomar decisões e optar por caminhos, políticas e linhas de pensamento sobre este
assunto.
Segundos os manuais de normalizações disponíveis no mercado, o uso da primeira
pessoa do singular é “admitido” para os cursos de doutoramento, porque os autores já
adquiriram autonomia acadêmica para tal uso. Mas quem as escreveu e com qual
intenção?
As práticas do ensino de arte no ensino superior estão comprometidas
inteiramente com o objeto ou o artefato material denominado arte, mas raramente
desenvolvem estratégias, métodos ou modelos interpretativos que reflitam, explorem e
valorizem o sujeito como um elemento fundamental para a compreensão do contexto e
posicionamento da visão do espectador. Do mesmo modo os registros textuais destas
práticas, por meio de textos acadêmicos positivistas, dissimulam, mascaram e negam a
situação do sujeito. Logo, é importante olhar para dentro das nossas influências e práticas
pedagógicas para descobrir a possibilidade de materializar junto ao VIS uma interação
complexa que permita focalizar em uma prática educacional que paradoxalmente
promova e critique os modos normalizadores do escrever sobre o saber e conhecer.
A forma de redação positivista confere à identidade aspectos de normalidade,
singularidade e estabilidade. Se desafiarmos estas convenções das representação e do
envolvimento com texto, será possível desordenar formas influentes dos paradigmas
estabelecidos. Pesquisas utilizando ABR e ABER desafiam convenções da academia,
exploram a compreensão da experiência humana e das artes e usam um vocabulário
novo, que aceita a escrita em todos os tempos verbais, desde que sejam justificados
metodologicamente. Este pode ser um campo a ser explorado.

Par ecer
Recomendo:
1. Trocar o nome de Normas da Diplomação do VIS para Normas de Redação e
Estilo do VIS. Justifica-se esta mudança caso o colegiado decida ampliar a área de
abrangência curricular das normas que estão atualmente restrita a Diplomação às
disciplinas de projeto interdisciplinar, estágios supervisionado 1 e 2 da
Licenciatura Noturna, estágios supervisionado 1, 2 e 3 da Licenciatura Diurna,
atelier 1 e 2 e os seminários de teoria, crítica e história da arte.

2. Efetivação das Normas de Redação e Estilo do VIS que têm como base as normas
da ABNT. Recomendo que a ênfase pedagógica do departamento ao inserir este
agente “normalizador” não seja em conduzir e ajustar os corpos docente/discente
a camisa de força da ABNT. Ao contrário, espero que professores e alunos
contemplem as linhas mestres da ABNT, ou de qualquer outro estilo desejado ou
necessário para publicações, e as normas estabelecidas do VIS, mas voltem-se
igualmente para pensar e produzir um conhecimento de produção de textos
científicos/artísticos que envolvam e articulem relações entre os textos escritos,
verbais e imagens que sejam específicos as suas práticas.

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3. Inclusão do item “estilo de redação” no documento Normas de Redação e Estilo
do VIS. Recomendo que os alunos da graduação escrevam monografias em
diferentes estilos de escrita acadêmica.
Estilo: Os verbos podem ser utilizados em qualquer tempo verbal
desde que justificados na metodologia.

4. Enfatizar no currículo a presença dos elementos


Metodologia/Métodos/Estratégias/Procedimentos nas partes constituintes dos
trabalhos escritos como monografia, ensaios, projeto de pesquisa, entre outros.

Profº Belidson Dias

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