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culpa que é introjetado e leva o li- lntegralismo (o fascismo dos militantes, a organização e a

bertado a ser por sua vez o novo brasileiro na década de 30) ideologia.
dominador. No nível social Marcu- Na primeira parte, Hélgio apon-
se mostra como às revoluções se. Por Hélgio Trindade . São Paulo, ta alguns elementos importantes
guiram-se restaurações (p. 92) . Na Difusão Européia do Livro, 1974. da transformação econômica e so-
perspectiva marxista isto é histo- cial que resultam, de alguma for-
ricamente contestado. lsaac Deuts- ma, num movimento diversificado
cher, por exemplo, em A revolução ao nível da ideolOgia. Uma gene-
inacabada, mostra que a Revolução HÉLG!O TRINOAOE . ralização é feita quanto ao cará-
Russa não sofreu restauração e INTEGRALISMO ter nacionalista deste movimento,
que esse fato não tem preceden- (o fasósmo brasileiro na década de 30) · na tentativa de criar um pensa··
tes na História das Revoluções menta nacional autônomo e tam·
(não nega, é claro, certos desvios bém pela incorporação de uma
e quebras na continuidade revolu- análise mais sociológica em subs·
cionária) O processo. revolucio- tituição à corrente filosófica do-
nário russo, segundo ele, não foi minante no século passado. A
revertido depois de 50 anos de problemática liga-se mais à reali-
lutas. A Revolução Chinesa tam- dade brasi leira: exal tação dvica,
bém até agora, se bem que sua apareci mento de Ligas Nacionalis-
experiência seja curta, tem cami- tas, a projeção de autores como
nhado sem reversão. A perspec- Monteiro Lobato e Alberto Torres .
tiva marxista enfatiza mais a con- . Ao estabelecer o vfnculo de Sal-
tradição entre os meios de pro- gado com o modernismo, Hélgio
dução e as relações de pr<?dução, traça um paralelo entre os dois
enquanto a psicanálise coloca tal no sentido de que "ambos se dei-
dinâm ica numa base instintiva xa m impregna r pela polftica."
(biológica ). O marxismo propõe e destacado o significado da
uma saída histórica para a liber- O presente estudo sobre o movi- fundação do Centro Dom Vital e
dade. As transformações sociais menta integra lista ·visà responder da revista A Ordem no processo
são produtos das contradições da duas questões básicas colocadas de divulgação e centralização do
própria sociedade que sofre a pelo autor: "Que condições his- que o autor chama "renovação es-
ação do homem ao mesmo tempo tóricas explicam o itinerário ideo- piritual": uma autocrftica da si-
que o faz . A psicanálise, segundo lógico do nascimento do integra- tuação da Igreja no Brasil que' vai
Marcuse, coloca a libertação em lismo e do seu chefe?" e "Qual resultar numa linha de pensamen-
processos inconscientes, de onde a natureza deste movimento ideo- tos de grande importância na con-
provém a fantasia (retorno do re- lógico que se torna, nos- anos 30, cepção filosófica do integralismo.
primido ) que criaria a utopia. o primeiro movimento de massa Jackson de Figueiredo~ Padre Leo-
Esta assume a dignidade da fiber- no Brasil?" . Para isso; Hélgio nei· Franca e Alceu Amoroso Lima
dade e é validada politicamente. Trindade uti liza-se de um mate- são algumas das figuras centrais
Ora, o marxismo não aceita a uto- rial empírico de dupla natureza: desta linha de pensa mento. Plr-
pia . Marcuse é então levado a con- por um lado, as obras dos princi- nio Salgado considerava Jackson
dicionar o valor da utopia ao seu pais ideólogos do movimento, os de Figueiredo como o inspirador
poder de transformação histórica. documentos e órgãos de divulga- da concepção filosófica integra-
Só assim é que, a nosso ver, sua ção da AIB e, por outro, os depoi~ lista.
proposição adquire valor, uma vez . mentos e entrevistas com antigos Trindade relata a seguir a tra-
124 que interfere na história e na po- participantes da Ação, personali- · jetória polftica do "Chefe Nacio-.-
Htica. O dades não-militantes do perfodo nal", desde suas primeiras ativi-
recorrendo, para a montagem ele dades em São Bento. do Sapucar, .
Jorge Mitre uma escala de atitudes, a entrevis- seu local de origem, seu vfnculo
tas com estudantes universitários com o PRP, o posterior rompimen-
que vêm compor "o grupo de con- to com este e a gênese de sua
trote jovem". caracterização integralista . A pre-
0 livro divide-se em três gran- ocupação polftica é ressaltada a
des partes. A primeira, examina a partir de sua atividade intelectual
sociedade brasileira na década de como autodidata e jornalista que
_ . . participa de diversos grupos de
20 e a formaçao polfttca de Plfmo jo~ns intelectuais.
Salgado•. ~- segunda . ten!a~ apontar ~ ·. Em . sua , participação no movi-
as condtçoes . do .-apar:ect~tc»<.da ' ·mento. modernista lidera a dissi-
ideolegiâ"' integralista dentro · da dência .do nverdeamarelismo", o
efervescência potrtica dos ànos 30 chamado "Movimento· da Anta•,
e de uma série ele movimentos de e, norteado pela procura de um
tendência antiliberal e, finalmente, nacionalismo "interior", desenvol·
a terceira examina o movimento ve a idéia da formação de uma
em si, através da origem social nova raça baseada num elemento
étnico comum que seria o povo O aparecimento da Ação lnte- recrutamento para os outros ní-
Tupi, único verdadeiramente bra- gralista Brasileira, em 1932, é co- veis é feito · entre a média e pe-
sileiro. locado como um catalizador de quena burguesia: profissionais li-
Na qualidade de preceptor do idéias e movimentos de tendência berais, oficiais das Forças Arma-
filho de Alfredo Egydio de Souza aut.o ritária que vinham se expan- das, pequenos proprietário-s urb-
Aranha, vai, em 1930, à Europa dindo no período. A literatura nos, rurais e os burocratas do se-
e ao Oriente. Souza Aranha mais antiliberal, sob a influência de Al- tor público privado . A participa-
tarde financia o jornal A Razão, berto Torres, Oliveira Vianna e ção de membros das camadas po-
onde Salgado mantém um edito- Azevedo Amaral, o aparecimento pulares se dá ao nível de 1I 4 na
rial diário. Na Europa, Plínio es- de periódicos nos meios universi- base do movimento. Estes dados
tabelece seu primeiro contato com tários, entre os quais se destaca coincidem com a auto~avaliação de
o fascismo e com Mussolini, fi- Hierarchia e a Revista de Estudos origem social dos ex-militantes e
cando vivamente impressionado, Políticos, no Rio de Janeiro e Po- é constatado ~ambém que estes
datando daí cartas a seus compa- lítica, em São Paulo, dos quais grupos se encontram em ascensão
nheiros onde vislumbra a possibi- participam futuros candidatos ao social.
lidade da criação de um movimen- integralismo, são alguns indicado- A faixa etária dos componentes
to no Brasil em moldes similares. res dessa tendência. di! AIB é bastante baixa. Em 1933,
A análise da obra propriamente Entre os movimentos políticos 3/ 4 dos , dirigentes nacionais regio-
literária de Salgado traduz uma autoritários temos a Ação Social nais tinham menos de 30 anos.
crescente polítização de sua temá- Brasileira, liderada por J. Fabri- A maioria dos militantes é cató-
tica, elaborando em seus três ro- no, que propõe a fundação do Par- lica, há alguns protestantes entre
mances sociais uma crítica ao li- tido Nacional Fascista; a Legião os descendentes de alemães e não
beralismo, ao caráter artificial do Cearense do Trabalho, dirigida por há nenhum judeu. Há predomi-
regime republicano, ao desenvolvi- Severino Sombra, que incorpora a nância de membros de origem ru-
mento industrial, à urbanização, Juventude Operária Cristã, consti- ral e a orige.-,1 "iuso-brasileira" é
que, pelo cosmopolitismo, afasta tuindo o movimento de maior pe- mais co~um entre os dirigentes
as pessoas de uma problemática netração entre as camadas popu- ao passo que os elementos de as-
interna . Hélgio analisa os perso- lares; o Partido Nacional Sindica- cendência alemã existem em maior
nagens dos romances de Salgado lista, de Olbiano de Mello, consi- número ao nível ·da base.
como intérpretes das posições de derado o precursor no piano da Entre as " motivações" de ade-
seu autor e onde se notam as pri- elaboração ideológica, também são ao mov imento, Hélgio monta
meiras formulações explicitamente fundador da Milícia Sindicalista uma esca la pe la freqüência rela-
fascistas. Nacional; a Ação Imperial Patrio- tiva de cada motivo, levando em
Na segunda parte do trabalho, novista, marcada pelo catolicismo, consideração a distorção sofrida
Hélgio procura situar, em meio ao orientada por Sebastião Pagano e por respostas dadas em 1970, qua-
clima político vigente nos anos 30, Paim Vieira, autor da afirmação se 40 anos d istanciadas da ação.
os primeiros elementos constitu- de que "sindicalismo sem Deus é O principal motivo alegado é o
tivos da ideologia integra lista. absurdo". anticom un ismo. Em seguida é de-
Ainda, tendo Plínio Salgado em . Finalmente, a 12 de março de monstrada simpatia pelo fascísmo
foco, vê-se o posicionamento deste 1932, realiza-se a Assembléia de europeu, pelo nacionalismo em
frente à Revolução de 1930, ini- fundação da Sociedade de Estudos terceiro lugar, oposição ao sistema
cialmente opondo-se, alegando que Políticos, quando Plínio reat iva a ·político pelo combate ao retorno
o movimento defendia "um fantas- articulação com intelectuais e, em ao sistema liberal em quarto lugar
ma, a liberal-democracia"; em se- maio de 1932, propõe a criação e os outros motivos são secundá-
guida mantém uma ligação tem- de uma nova comissão técnica sob rios,~endo que pouca 'importância
porária com a Legião Revolucio- a denominação de "Ação Integra- se çlá ao anti-semitismo, a despeito 125
nária, ressaltando o mérito da Re- lista Brasileira", que só começa a da influência de Gus tavo Barroso
volução no sentido de haver rom- existir como tal em outubro quan- no interior do movimento.
pido com as antigas aparências do é publicado o Manifesto lnte· A organização da AIB caracteri-
políticas. Em 1931 rompe com a gralista. za-se: por seu modelo pré-estatal,
Legião através de um manifesto, Na última parte do trabalho, marcado por uma estrutura extre-
considerado a base do Manifesto Hélgio Trindade estuda a natureza mamente hierarquizada, burocrá-
lntegralista de 1932. De sua ati- do movimento manipulando os tica e totalitária. A posição do
vidade como jornalista político o dados colhidos através de entre- chefe é central e sua função per-
autor tenta apontar os temas que vistas semidiretivas, principalmen- pétua . Ela define-se num primei-
se mostram recorrentes a partir te o capítulo I, onde se estabelece ro momento como um movimen-
da análise que faz do editorial a composição social do movimen- to cultural e cívico, recusando-se
d'A Razão como, por exemplo, o to. Compara a estrutura social da a ser tomada por um partido pa-
nacionalismo, o antiliberalismo, AIB com a dos fascismos euro- Iítico, o que só vem acontecer em
etc. Trindade depreende que a peus, onde se confirma a hipótese 1934, coincidindo com a passa-
concepção ideológica de Salgado aventada de uma predominância gem de sua fase "revolucionária"
organiza-se a partir de um huma- de elementos de classe média. No para uma outra, onde disputará
nismo espiritualista e, nesse mo- Brasil, a composição dos órgãos o poder pelos canais eleitorais.
mento, uma posição mais simpá- diretivos é dominada pela média Os processos ritualísticos de so-
tica ao fascismo é explicitada. burguesia intelectual urbana. O cialização ideológica são funda-

Resenha bibliográfica
mentais para o estimulo de valo- lista' do que 'vitalista"' (p. 261). ra a disputa do poder; são ele-
res de lealdade, obediência e na A norma geral é que os princíJ)tos mentos que aparecem de forma
incorporação de valores fascistas, universais do fascismo devem ser complementar em sua análise.
exaltação à luta, à virilidade, à adaptados às condições do meio, Da mesma forma, o estudo da
juventude. Os ritos abrangem o que parece concordar com a ideologia integral ista restringe-se,
desde o batismo até o funeral, ambição de Salgado de criar uma num primeiro momento, à traje-
além de um ritual de iniciação, doutrina poHtica original. tória de Salgado e a uma análise
juramentos, etc., amalgamados N.a última parte deste capítulo, das atitudes de antigos militantes.
com cerimônias de origem cató- Hélgio pretende medir o grau de A organização dos elementos dou-
lica. identificação dos integralistas com trinários básicos da ideologia ofi-
O capítulo 111 é dedicado à ideo- o fascismo e o grau de radicalis- cial integralista é muito interes-
logia, onde os fundamentos dou- mo ideológico dos militantes da sante, porém corre o risco de res-
trinários do integralismo são reti- AIB. A relação é estabelecida em tringir-se a uma descrição, onde
rados dos escritos de Salgado. O termos dos principais temas, v~­ as contradições entre este discurso
manifesto de outubro apóia-se em lores e préconceitos associados à e a atuação histórica da AIB não
dois postulados centrais: humanis- ideologia fascista, onde o naciona- são estabelecidas . o
mo espiritualista e a harmonia da lismo aparece como elemento prin-
vida em sociedade. cipal, identificando-se um senti- Regina Weinfield Reiss
O autor analisa o conteúdo dos mento generalizado de solidarie-
dois primeiros documentos ideoló- dade face aos modelos fascistas
gicos oficiais do integralismo: o europeus.
Manifesto de 1932, redigido por O grau de homogeneidade ideo-
Plínio e o Abecedário de · 1933, lógica é bastante alto, sendo que
redigido por Miguel Reale, e cons- os militantes de base tendem a
tata "uma defasagem entre o grau ser mais radicais que os dirigen-
de elaboração da teoria do Estado tes . A comparação das atitudes
e o papel que lhe é atribuído na dos militantes da AIB com as dos
sociedade integralista . ( ... ) No grupos de controle vem confirmar
Manifesto, redigido por Salgado, o a hipótese de que os integralistas
Estado integralista ocupa um lu- são mais radicais.
gar secundário e sua caracteriza- O livro contém ainda anexos
ção é bastante vaga, enquanto que com dados sobre o movimento, os
no Abecedário, cujo relator é Rea- questionários, as escalas de atitu-
le, a concepção de Estado é o nú- des ideológicas e uma cronologia.
cleo central do discurso ideológico A pesquisa empreendida pelo
e · seu conteúdo mais jurídico e autor é de grande valia para o es-
preciso" (p. 226). tudo do movimento, parecendo
Enquanto no Estado fascista a por vezes perder-se em meio ao
moral está subordinada ao Es~ado, volume de dados levantados, mas
no Estado integralista o Estado se também revelando um tratamento
submete ao imperativo moral. cuidadoso e científico dos mes-
Os principais inimigos dos inte- mos.
gralistas são o liberalismo, o so- Na introdução, Hélgio reconhe-
cialismo, o capitalismo internacio- ce que seu trabalho responde às
nal, não no sentido de uma nega- questões colocadas inicialmente
126 ção deste, mas no sentido de um mas que dimensões significativas
ataque ao capitalismo financeiro para a análise do movimento nã?
internacional, instrumen-to de so- foram abordadas, como, por exem-
ciedades secretas vinculadas ao ju- plo, seu vínculo com o movimento
daísmo e à maçonaria. católico, com as Forças Armadas,
Quando tenta perceber se há com a imigração européia no sul
um reconhecimento explícito de do país e uma análise comparativa
uma influência fascista européia, com outros movimentos de inspi-
Hélgio conclui que "o integralismo ração fasdsta européia na Amé-
aceita do fascismo o conteúdo 're- rica Latina, objetos prováveis de
volucionário, o nacionalismo, a trabalhos futuros.
orientação superior do Estado', a A análise do autor, parece-nos,
base '>indicai-corporativa, o prin- prende-se muito ao exame interno
cípio da solidariedade social, mas do movimento, onde as relações
impõe-lhe uma restrição: não deve deste com a realidade brasileira
desrespeitar os direitos fundamen- no período aparecem ao nível de
tais da pessoa humana. A origi- tendências gerais e não da sua
nalidade reivindicada pelo integra- atuação específica, seja na sua re-
lismo é de ser, enquanto movi- lação com o poder constituído,
mento e doutrina, mais 'espiritua- seja nas alianças estabelecidas pa-

Revista de Administração de Empresas

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