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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
EGUINALDO HÉLIO DE SOUZA
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29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Sumário
03 u Introdução
41 u Conclusão
42 u Referências bibliográficas
q Introdução
Capítulo
q Filosofia e educação
1
Definição de filosofia
Definição de educação
“Na realidade, [o] ser social não nasce com o homem, não se apresenta na
constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum desenvol-
vimento espontâneo. Espontaneamente, o homem não se submeteria à autorida-
de política; não respeitaria a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrifica-
ria. Não há nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos,
necessariamente, servidores de [...] emblemas simbólicos da sociedade, que nos
leve [...] a nos privar em seu proveito ou em sua honra [...] Exclusão feita de va-
gas e incertas tendências sociais atribuídas à hereditariedade, ao entrar na vida
a criança não traz mais do que a sua natureza de indivíduo. A sociedade se
encontra, a cada nova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre
a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais
rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natu-
reza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Basta enunciá-la
dessa forma para que percebamos toda a grandeza que encerra. A educação
não se limita a desenvolver o organismo, no sentido indicado pela natureza, ou
a tornar tangíveis os elementos ainda não revelados, embora haja procura de
oportunidade para isso. Ela cria no homem um ser novo. Esta tarefa de ‘criar
no homem um ser novo’ não é, como se vê, natural, muito menos fácil. Ela não
se faz sem autoridade e coerção. A criança, quando nasce, é um ser egoísta,
individualista, associal. A tarefa de transformá-la em uma pessoa civilizada (no
sentido durkheimiano) é penosa e não se executa sem grande esforço, pois vai
de encontro ao egoísmo natural da criança. A criança não consegue, por si só,
vencer esse egoísmo e tornar-se um ser social. Ela precisa ser coagida a fazê-lo, e
essa coação só pode vir de fora, sendo decorrente do sentimento de dever, que
lhe é inculcado. ‘O sentimento do dever é o estimulante capital do esforço para
a criança, e mesmo para o adulto’. Mas a criança não aprende o dever a não
ser por meio dos adultos, principalmente com a ajuda de seus pais e mestres. É
preciso, portanto, que o mestre seja ‘o dever personificado’. Para isso, é preciso
que tenha autoridade moral, ‘porque, pela autoridade, que nele se encarna, é
que o dever é o dever’”.
Mas Durkheim não foi o primeiro e nem mesmo o único que pensou a educa-
ção. Na verdade, seu trabalho, embora original em muitos aspectos, se apoia-
va nas proposições de pensadores anteriores. Os principais pensadores por ele
analisados foram Immanuel Kant e John Stuart Mill. Estes não fizeram a mesma
relação entre educação e sociedade, mas utilizaram enfoques diferentes para
sua definição.
Como podemos perceber, esta forma de ver a educação não está voltada
para o coletivo, mas para o próprio indivíduo. “Desenvolver-se” passa a ser um fim
em si mesmo. É como se faltasse uma complementação nesta forma de ver a edu-
cação. O indivíduo desenvolvido estaria voltado para que propósito? À sociedade,
acrescentaria Durkheim a Kant.
Stuart Mill por sua vez tenta abranger dentro do conceito de educação as duas
finalidades, tanto a individual quanto a social, a particular e a coletiva. Segundo
Mill, o objetivo da educação é “fazer do indivíduo um instrumento de felicidade
para si mesmo e para seus semelhantes”. Para Durkheim, todavia, este conceito é
bastante vago pois o sentido de felicidade é muito relativo.
De acordo com esta conclusão, podemos inferir também que o ser humano
não é, mas está sendo. Aristóteles fazia distinção entre ato e potência, isto é, aquilo
que uma coisa é (ato) e aquilo que ele pode ser (potência). Educar é transformar
potência em ato, possibilidades, em fatos.
O contrário disto seria olhar o ser humano como um ser acabado e “desmoldá-
vel”, já determinado pelas circunstâncias anteriores, sejam estas sociais, genéticas
ou psicológicas. A partir do momento que tentamos educar, queremos dizer com
isto que podemos apresentar às pessoas um modelo ou vários modelos de compor-
tamento e de essência, para que se busque atingir este modelo.
Capítulo
q Filosofia da educação
2
D entre as várias proposições que podemos fazer sobre o que aborda a filo-
sofia da educação, a definição de M.V.C. Jeffreys é bastante interessante:
“Para educarmos os homens de um modo sensato e esclarecido, convém saber no
que queremos que eles se tornem quando os educamos. E para sabê-lo é necessá-
rio indagar para que vivem os homens, ou seja, investigar qual pode ser a finalidade
da vida e o que ele deve ser. Portanto, devemos também inquirir sobre a natureza
do mundo e os limites que este fixa para o que o homem possa saber e fazer. A
natureza humana, a boa vida, e o lugar do homem no esquema das coisas estão
entre os tópicos perenes da filosofia”.
No mesmo sentido, afirma Jeffreys, em A educação: sua natureza e seu propó-
sito: “Se pretendermos viver de maneira inteligente, teremos necessidade de uma
teoria não apenas para este ou aquele empreendimento em particular, ou para
uma determinada espécie de atividade, mas para a existência como um todo. Ca-
recemos, caso nos seja permitido utilizar uma expressão antiquada, de uma filosofia
de vida [...] O que acreditamos em relação à natureza, propósito e métodos de
educação é inseparável do que acreditamos com relação à vida em geral, isto é,
caso haja coerência e integridade em nosso modo de pensar. É, por conseguinte,
impossível propor uma teoria de educação sem declarar, implícita ou explicitamen-
te, nossa filosofia de vida geral e pessoal.”
Se isto é verdade, então a conclusão, tirada por Frans de Hovre, é que “as
grandes batalhas pedagógicas se travam fora do campo da pedagogia propria-
mente dita”.
Enquanto a pedagogia está buscando principalmente o método, a filosofia
da educação determina a razão. Enquanto a filosofia estabelece o alvo, a peda-
gogia descreve o caminho. E é importante lembrar que o caminho será sempre
determinado pelo alvo. Esparta tinha uma educação militar, pois o propósito desta
cidade era formar fortes guerreiros. Acreditavam que o mais importante era vencer
batalhas. Em Atenas, por outro lado, a política dominava o espírito dos cidadãos.
E como a política estava ligada ao discurso, a educação ateniense privilegiava
o pensamento e a palavra. Uma formava soldados e outra oradores, porque suas
filosofias eram distintas.
Assim que se começa a fazer isso, porém, percebe-se que a tarefa de clari-
ficação e elucidação do conceito de educação é extremamente complexa e
difícil. Ela envolve não só o esclarecimento das relações existentes ou não entre
educação e conhecimento, educação e democracia, educação e as chama-
das potencialidades do indivíduo, educação e profissionalização, etc. Envolve,
também, o esclarecimento das relações que porventura possam existir entre o
processo educacional e outros processos que, à primeira vista, parecem ser seus
parentes chegados: doutrinação, socialização, aculturação, treinamento, con-
dicionamento, etc. Uma análise que tenha por objetivo o esclarecimento do
sentido dessas noções, dos critérios de sua aplicação, das suas implicações, e
da sua relação entre si e com outros conceitos educacionais é tarefa da filoso-
fia da educação e é condição necessária para a elucidação do conceito de
educação.
Tem sido alvo de muitas críticas a visão da educação que coloca muita ên-
fase no ensino (e, consequentemente, no professor). O importante, afirma-se, não
é o ensino, e sim a aprendizagem. Os mais exagerados chegam quase a afirmar:
“Morte ao ensino! Viva a aprendizagem!” Outros fazem uso de certos slogans meio
obscuros: “Toda aprendizagem é autoaprendizagem”. Incidentalmente, faz-se mui-
to uso, em livros e discursos sobre a educação, de slogans cujo sentido nem sempre
é muito claro. Um outro slogan muito usado, nesse contexto, é o seguinte: “Não há
ensino sem aprendizagem”. Parece claro que, para poder julgar quanto à verdade
ou à falsidade dessas informações, é indispensável que os conceitos de ensino e
aprendizagem tenham sentidos claros e específicos, o que, infelizmente, não acon-
tece com muita frequência. É necessário, portanto, que o sentido desses conceitos
seja esclarecido, e que sua relação com o conceito de educação seja elucidada,
e a filosofia da educação pode ser de grande valia nessa tarefa.
Capítulo 3
q Educação formal, informal e objetivos
Não resta a menor dúvida de que pessoas educam-se e são educadas sem ja-
mais frequentar uma escola. Neste sentido, a chamada “educação sem escolas”
não só sempre foi possível como sempre ocorreu e ainda ocorre em larga escala,
e o apelo no sentido de que a educação, hoje em dia, se torne mais informal
seria uma convocação de outras instituições (além da escola) a um maior envol-
vimento com o processo educacional, muitas vezes relegado, nos dias atuais, por
razões várias, quase que exclusivamente à escola. Em outras palavras, embora
isto já aconteça de certa forma, a ideia é que comece acontecer de modo mais
intenso, sistemático e comprometido.
Educação formal seria aquela que se realiza por meio de atividades de ensino,
e que se caracteriza, portanto, por ser intencional, ou melhor ainda, por ter a inten-
ção de produzir a aprendizagem de conteúdos considerados valiosos.
Educação informal, de outro lado, seria aquela que se realiza não intencio-
nalmente (ou, pelo menos, sem a intenção de educar), quando, em decorrência
de atividades ou processos desenvolvidos sem a intenção de produzir a apren-
dizagem de algum conteúdo considerado valioso, pessoas vêm a aprender e
compreender certos conteúdos considerados valiosos, às vezes considerados de
altíssimo valor.
Essas atividades e esses processos podem ocorrer fora da escola, em outras ins-
tituições, ou de maneira inteiramente não institucionalizada, como também pode
ocorrer dentro da própria escola. Em decorrência do modo pelo qual uma escola
é organizada e administrada, ou da maneira pela qual professores e funcionários
se comportam em relação uns aos outros e aos alunos, pessoas podem vir a apren-
der e compreender conteúdos considerados de grande valor, sem que houvesse,
a qualquer momento, a intenção de que alguém aprendesse alguma coisa em
consequência disto (o que não quer dizer que a forma de organização e admi-
nistração da escola, ou o comportamento de seus professores e funcionários, seja
não-intencional; frequentemente é intencional, mas a intenção não é a de produzir
a aprendizagem de conteúdos considerados valiosos).
Pais frequentemente procuram educar seus filhos, e grande parte das vezes ten-
tam fazê-lo por meio do ensino (via de regra verbal). As atitudes, o comportamento
dos pais, porém, podem ensejar a aprendizagem e compreensão de conteúdos
muito valiosos, principalmente na área da moralidade, sem que os pais tenham a
intenção de que seus filhos aprendam alguma coisa em decorrência da maneira
pela qual se comportam. E assim por diante.
Cremos que, com esses exemplos, tenha ficado claro o segundo modo de en-
tender a distinção entre educação formal e educação informal. Podemos resumir
estas colocações dizendo que o meio sempre educa. A educação é levada a
efeito por tudo o que rodeia o indivíduo, levando-o a absorver comportamentos e
conteúdos que acrescentam em seu desenvolvimento. Embora a forma possa va-
riar, havendo intencionalidade ou não, a finalidade é a mesma.
Capítulo 4
q Educação e conceitos semelhantes
Parece haver alguma dúvida, portanto, de que os conteúdos que podem ser
doutrinados são sempre conteúdos intelectuais e cognitivos do tipo mencionado
(crenças, etc.), excluindo-se da esfera da doutrinação mesmo conteúdos intelec-
tuais e cognitivos de outros tipos (como, por exemplo, habilidades intelectuais).
Mas por que é que se afirma que a doutrinação só pode ocorrer em situações
de ensino? A resposta a esta pergunta parece óbvia e simples. Ao passo que faz
bastante sentido dizer que alguém se educou, isto é, aprendeu sozinho certos con-
teúdos considerados valiosos de maneira a realmente compreendê-los, não pare-
ce fazer o menor sentido afirmar que alguém doutrinou-se; sempre se afirma que
alguém foi doutrinado.
“Alguém que aceita normas sociais e valores culturais sem examinar e com-
preender sua razão de ser, sem dúvida aprendeu certo conteúdo (possivelmente
até através do ensino), mas o fez sem compreensão: a aprendizagem, neste caso,
foi não-educacional, e se a aprendizagem foi decorrência de um ensino que es-
tava interessado apenas na aceitação das normas e dos valores, e não na sua
compreensão, o ensino também foi não-educacional (tendo sido, possivelmente,
doutrinacional)”.
Em primeiro lugar, o que acabamos de ler nos permite afirmar que é inteira-
mente possível que haja doutrinação mesmo de conteúdos verdadeiros.
Em segundo lugar, temos de admitir que possa haver doutrinação mesmo
quando os conteúdos são considerados valiosos e todos aprovam o que está acon-
tecendo. Na verdade, é em situações assim que a doutrinação se torna mais fácil
e mais provável, pois ninguém questiona o valor e a veracidade daquilo que está
sendo ensinado. É muito mais fácil doutrinar alguém na ideologia capitalista nos
Estados Unidos do que em um país radicalmente socialista, onde argumentos con-
tra a ideologia capitalista provavelmente serão muito mais abundantes e comuns;
e vice-versa.
Em terceiro lugar, devemos concluir que não há doutrinação não-intencional.
A questão, porém, é mais complexa aqui. Desde que a intenção de alguém (que
não nós mesmos) só pode ser determinada pela análise de suas ações em um dado
contexto, é possível atribuir a alguém a intenção de doutrinar mesmo que a pessoa
não admita esta intenção. Também no caso de alguém que não tem conheci-
mento de evidência contrária àquilo que está ensinando, a situação é complexa.
Podemos atribuir-lhe a intenção de doutrinar, se ele tem condições de obter aces-
so a esta evidência e não se preocupa em fazê-lo. Teríamos maiores reservas em
atribuir-lhe esta intenção se não houvesse maneiras viáveis de ele obter acesso a
esta evidência. Isto significa que professores de conteúdos intelectuais e cognitivos
do tipo visto (crenças, etc.) correm grande risco de doutrinarem (em vez de educa-
rem) se não estiverem constantemente atualizados acerca dos desenvolvimentos
nas áreas que ensinam.
Como vimos atrás, o professor que ensina conteúdos falsos como sendo ver-
dadeiros, ou conteúdos que a melhor evidência disponível indique terem pouca
probabilidade de serem verdadeiros como sendo, de fato, verdadeiro, etc., es-
tará, muito provavelmente, doutrinando, a menos que esteja em condições tais
que o acesso a esta evidência lhe seja totalmente impossível. Não importa que
ele acredite que os conteúdos que ensina sejam verdadeiros. Esta é uma questão
subjetiva. A questão importante é a do relacionamento entre o conteúdo e a evi-
dência, entre os conteúdos e os seus fundamentos epistemológicos - questão esta
que, apesar das controvérsias atuais na área da epistemologia e da filosofia da
ciência, nos parece ser objetiva.
Em quarto lugar, devemos abordar, ainda que brevemente, a complicada
questão que se coloca em relação a crianças em tenra idade, que ainda não
atingiram a chamada “idade da razão”. Será que, no que diz respeito a estas
crianças, só nos resta a alternativa de doutrinação, visto não serem elas capazes,
segundo se crê, de compreensão, no sentido visto, de exame de evidência, de
opção livre e consciente?
Capítulo 5
q A filosofia da educação e a educação cristã
A natureza divina (1Pe 1.4) recebida no novo nascimento não é uma natu-
reza estanque, imóvel, estática. Possui uma determinada potência, uma
capacidade de ir além de seu estado atual. Embora tudo o que se refere à vida
e à piedade cristã já nos tenha sido conferido (2Pe 1.3), em inúmeras passagens e
de maneiras diferentes é apontada à necessidade e a possibilidade do cristão de
desenvolver sua salvação. Entre as expressões e figuras utilizadas pelo Novo Testa-
mento, temos:
O cristão é um bebê que precisa crescer: “Desejai afetuosamente, como
meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por
ele vades crescendo” (1Pe 2.2).
O cristão é o galho de uma videira que precisa dar fruto: “Eu sou a videira ver-
dadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda vara em mim, que não dá fruto, a tira;
e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos,
pela palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e eu em vós; como a vara
de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós,
se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e
eu nele, este dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.1-5).
O cristão vai de glória em glória se transformando na imagem do próprio
Jesus: “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho
a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma ima-
gem, como pelo Espírito do Senhor”. (2Co 3.18).
O cristão precisa amadurecer, ainda que tenha seu tempo de menino:
“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discor-
ria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas
de menino” (1Co 13.11).
Todas estas coisas são indicativas da natureza dinâmica de um filho de Deus. Há
todo um processo envolvido no fato de ser um cristão. O que estaremos analisando
é como isto é feito e qual o papel da educação cristã dentro desse processo.
“F ilho meu, não se apartem estas coisas dos teus olhos: guarda a verdadeira
sabedoria e o bom siso; porque serão vida para a tua alma, e adorno ao
teu pescoço. Então andarás confiante pelo teu caminho, e o teu pé não tropeçará.
Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu sono será suave ao te deitares.
Não temas o pavor repentino, nem a investida dos perversos quando vier. Porque o Se-
nhor será a tua esperança; guardará os teus pés de serem capturados” (Pv 3.21-26).
Dentro do âmbito do cristianismo, a felicidade adquire essências que podem
ser totalmente diferentes daquelas existentes na esfera secular da vida. Aliás, em
seu presente estado, o cristão tem em si a natureza carnal e a espiritual, e vive den-
tro de um contexto cristão, e secularizado da vida ao mesmo tempo. Para que o
cristão possa estar feliz sem comprometer seu testemunho e vivência como filho de
Deus, torna-se necessário uma análise bíblica dos limites entre um e outro.
Embora nem todo grupo evangélico reconheça isto, todos têm uma filosofia de
educação cristã. Todos têm um conceito do que é e faz um cristão feliz. Para resol-
ver esta dicotomia entre carne e espírito, igreja e mundo, as variadas denomina-
ções e grupos cristãos assumem posturas diferentes, pois nem sempre as diferenças
entre ascetismo, mundanismo e vida cristã equilibrada são fáceis de determinar.
As variações vão desde uma vida isenta de qualquer prazer neste mundo para
garantir a felicidade no outro, até uma plena felicidade imaculada, desfrutando o
melhor de ambos os mundos. Mas, no geral, os cristãos são educados no sentido de
viver uma vida espiritual plena, abstendo-se de tudo aquilo que não se harmoniza
com os princípios cristãos. Nem sempre isto significa uma situação feliz na presente
vida, optando-se, quando necessário, garantir primeiramente a felicidade eterna e
a glória de Deus.
Claro que ao filosofar sobre estas questões da educação cristã, não estaremos
de forma alguma esgotando as possibilidades de investigação. Existem muitas pro-
posições que podem ser desenvolvidas a partir destas, fornecendo ainda maior de-
lineamento do tema. Estas, todavia, são suficientes para termos uma noção de sua
importância e nos ajudará a traçar algumas metas dentro deste conhecimento.
O trabalho do educador cristão, não importa em que nível ou faixa etária ele
esteja trabalhando ou que ferramentas esteja usando, apenas extrai, tira para fora,
ou torna claro o caminho que deve ser seguido pelo servo de Deus. Ele não faz da
pessoa o que ela não pode ser. Ele apenas lhe indica o caminho que deve ser se-
guido, para tornar-se o que ele já é. Daí a exortação “Torna-te o que tu és”.
Logo, a educação cristã não tornará alguém cristão, caso ele já não seja um.
Pois o que Paulo ensinou a respeito dos judeus, vale ainda mais para os que se
dizem cristãos: “Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a
que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a
que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens,
mas de Deus.” (Rm 2.28,29). Como um bebê que precisa ser desenvolvido, uma
pedra bruta que precisa ser esculpida e lapidada, uma planta que precisa ser adu-
bada, regada, podada e cuidada, assim é o crente renascido. Ao ser educado
pelos princípios bíblicos, ele se tornará em ato, o que já é em potência, para usar a
linguagem filosófica de Aristóteles.
ideia que muitos passaram a fazer da graça era um antinomismo, isto é, não havia
mais parâmetros para o que era certo ou errado (anti = contra; nomos = lei), como
podemos ver em Romanos 6.1. Era difícil entender como aquilo que fora de tal for-
ma exaltado no judaísmo, tornava-se agora dispensável no cristianismo.
Mas o valor que era retirado da lei e dos mandamentos, não era o valor em si. Era
o seu poder de salvar e aperfeiçoar os ouvintes que fora rejeitado, pois a lei não era
de forma alguma capaz disto “(pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou), e desta sorte
é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus” (Hb 7.19). Se a lei
dizia “Não cobiçarás”, claro que isto estava certo e continua sendo certo. Os cristãos
não devem ser cobiçosos. O problema é que ao impor essa ordem, a lei não forne-
cia qualquer poder para o ouvinte, de obedecer. Na verdade, ela causava nele o
efeito contrário, isto é, motivado pela natureza caída e rebelde, ele tendia a fazer
justamente o que lhe era proibido: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo
nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria
a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando
ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência; porquanto sem
a lei estava morto o pecado. E eu, nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o manda-
mento, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que era para vida, achei eu
que me era para morte. Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me
enganou, e por ele me matou. E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e
bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para
que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo man-
damento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm 7.7-12).
Não cobiçar, continua sendo necessário, mas deve ser feito não porque a lei o
diz, mas porque assim exige a nova natureza do crente. Da mesma forma, não cobi-
çar se torna possível, não porque existe um mandamento exterior, mas porque o in-
terior foi transformado e a tendência da nova natureza é obedecer a Deus em tudo.
Não somos antinomistas. Temos lei. A lei de Cristo (1Co 9.21). A morte de Cristo na cruz
não é um substituto para a obediência a Deus, mas a forma como o caminho para a
obediência foi aberto: “Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava en-
ferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado,
pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse
em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.3,4).
Logo, educar alguém dentro dos princípios éticos do cristianismo, não equivale
de forma alguma a substituir uma lei por outra. Não é uma troca da lei mosaica
pela lei cristã. É antes um reconhecimento de que o potencial para a obediência
está agora à disposição do crente e ensinar a que este potencial se destina é ne-
cessário e construtivo.
A pedagogia cristã não pode ir de encontro ao que as Escrituras ensinam, nem
algo que eu, naturalmente, como cristão, sinto-me inclinado a fazer. Ambas as coi-
sas devem estar em harmonia com o conteúdo ensinado.
Um exemplo desta distinção pode ser tomado dos menonitas, grupo oriundo
do movimento anabatista do século 16. Os menonitas rejeitavam quase todo o
contato com o mundo externo à sua comunidade. Muitos não aceitavam a técnica
trazida pelo capitalismo e por isso seus filhos eram educados por eles mesmos. Sua
educação não estava em nada relacionada à tecnologia moderna, mas estava
voltada à sua sociedade agrícola. Primavam por ensiná-los a viver em comunida-
de, destacando os valores humanos e espirituais.
Além destas distinções de finalidades e valores, a educação cristã, principal-
mente quando realizada dentro do contexto eclesiástico, prevê que os educandos
já passaram pela experiência cristã, sem a qual, não só os conceitos se tornam obs-
curos, como a validade deles também.
Quando educamos alguém para ser um engenheiro, estamos supondo que
toda a formação técnica a ele dirigida vá transformá-lo neste tipo de profissional.
Mesmo que não venha a sê-lo efetivamente, o é potencialmente. Foi educado para
isto. Pode até ser que suas tendências naturais venham a predominar, levando-o
a optar por outra carreira. Mas tem conhecimento e formação para aquilo que foi
educado. O mesmo pode ser dito sobre alguém educado em qualquer ramo. Não
há uma exigência prévia em termos qualitativos.
O educador cristão, todavia, precisa contar que está ensinando a cristãos. Sabe
que o conteúdo de seu ensino só terá algum efeito se direcionado a pessoas que
preenchem requisitos específicos. Este requisito é ter nascido de novo e se tornado
um filho de Deus, do contrário, seu ensino será inútil, mas não atingirá seu alvo. Não
pode transformar um não cristão em cristão, apenas porque este absorveu determi-
nado conteúdo. Não atingirá o potencial e a finalidade plena de sua tarefa.
Muitas vezes esta poderosa ferramenta tem sido ignorada. As pessoas só con-
seguem enxergar o elemento estético dentro da música cristã. Ela transmite beleza
ao culto. Não a utilizam como instrumento para o ensino. Na maioria das vezes,
quando isto acontece, é de forma involuntária, automática. Mas como na prega-
ção, porque envolve a emoção, ela tem um poder maior do que as ferramentas
didáticas tradicionais, para fixar doutrinas e valores.
Também por isso é importante o educador cristão observar o conteúdo das
letras dos hinos. Quando dizemos para atentar para as letras, não significa tentar
encontrar nelas algum elemento doutrinário distorcido. Mas é importante saber se
o que ela está “ensinando” são valores verdadeiramente cristãos e úteis para a
igreja. O que ensinamos ao povo está de acordo com o que cantamos durante o
culto? Ou existem coisas que poderíamos estar ensinando através deste tão pode-
roso instrumento e que não estamos fazendo?
O conteúdo doutrinário, bem como o conteúdo ético e mesmo a visão de um
determinado grupo eclesiástico, se encontra geralmente diluído em seus hinários.
Até mesmo os ritmos adotados exprimem muito do comportamento do grupo. Por
todas estas coisas, a música deve ser olhada como forte instrumento educativo,
mais do que como ornamento da liturgia.
Capítulo
q Métodos de educação cristã
6
A o longo da história da Igreja, diferentes métodos têm sido utilizados para
educar o povo dentro dos princípios cristãos. Basta lembrar que no Brasil,
José de Anchieta se utilizou do teatro com crianças para passar aos índios os princí-
pios elementares do cristianismo. Isto demonstra a versatilidade dos métodos.
Jesus utilizou abundantemente a parábola, isto é, histórias do dia a dia que ilus-
travam profundas verdades espirituais. Ele assentava-se no meio do povo e passava
a expor de forma simples as verdades concernentes ao reino de Deus. Nem sempre
era compreendido, mas seus propósitos didáticos foram com certeza alcançados.
Os apóstolos, além dos ensinos gerais, se utilizaram das cartas, isto é, as epísto-
las cristãs. Estas, não só corrigiam desvios de comportamento presentes nas comu-
nidades para as quais foram enviadas, como serviam para um objetivo mais amplo,
que era explicar a doutrina cristã para seus destinatários. Romanos, por exemplo,
não era apenas uma saudação do apóstolo Paulo para uma igreja que ele não
conhecia pessoalmente, mas é um verdadeiro tratado, ou talvez o mais profundo
tratado sobe a doutrina cristã. Hebreus não era apenas uma exortação aos cris-
tãos-judaicos para que não negassem sua fé, mas uma eloquente explicação sobre
a relação entre antiga e nova aliança.
A Escola Dominical
Embora tenha começado a trabalhar em 1780, foi somente em 1783, após três
anos de oração, observações e experimentos, que Robert Raikes resolveu divulgar
os resultados de sua obra pioneira.
No dia 3 de novembro de 1783, Raikes publica, em seu jornal, o que Deus ope-
rara e continuava a operar na vida daqueles meninos, em Gloucester. Eis porque a
data foi escolhida como o dia da fundação da Escola Dominical.
Mal sabia Raikes, que estava lançando os fundamentos de uma obra espiri-
tual que atravessaria os séculos e abarcaria o globo, chegando até nós, a ponto
de haver hoje dezenas de milhões de alunos e professores, sendo a maior e mais
poderosa agência de ensino da Palavra de Deus de que a igreja dispõe. Tornou-
se a Escola Dominical tão importante, que já não podemos conceber uma igreja
sem ela.
Mesmo que nem sempre seja feito de forma regular e sistemática, os pais são
os educadores cristãos naturais de seus filhos. Aliás, podemos dizer que esta é a
educação principal, pois envolve toda a vivência. Não estão presentes apenas
elementos didáticos, mas afetivos e práticos.
O contato contínuo com a criança permite aos pais uma constante exortação
e instrução, explicando o que a Palavra de Deus ensina assim que a necessidade se
apresenta. Este tipo de educação formal dificilmente vai envolver conceitos teoló-
gicos, mas nem por isso é menos importante, pois por outro lado envolve questões
práticas do cristianismo.
E xiste valor em uma educação cristã que não seja dirigida a cristãos?
“Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre
um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no ve-
lador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está
nos céus” (Mt 5.14-16).
Diante de tudo o que vimos até agora, cabe-nos ainda um último questiona-
mento. Se é impossível tornar alguém cristão por meio da educação e se esta só é
devidamente absorvida quando acompanhada pela experiência cristã, há algum
valor em espalhar a ética e os conceitos cristãos no meio da sociedade secular?
A educação religiosa de cunho cristão, ou os serviços de capelania nas institui-
ções militares, podem ser considerados inúteis, uma vez que estão dirigidos em sua
maior parte à pessoas não-cristãs? De forma alguma. Isto faz parte da influência
benéfica do cristianismo sobre o mundo, de sua ação como sal, que impede sua
deterioração; ela funciona como uma espécie de cimento, amenizando as forças
desagregadoras da sociedade.
Além do que, a educação cristã, fora da esfera eclesiástica, cria um ambiente
propício a uma conversão genuína ao Evangelho. A conversão nem sempre é um
acontecimento repentino e imediato. Muitas vezes é um processo mais ou menos
longo. Os diversos contatos com a mensagem cristã, possíveis através da educação
cristã na escola, no exército ou em escolas bíblicas, possibilitam este processo.
q Conclusão
q Referências bibliográficas
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando –
Introdução à filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1995.
DURANT, Will. A história da filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Editora Cortez, 1981.
________________. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
________________. Pedagogia da economia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Dicionário Eletrônico Michaelis