Você está na página 1de 47

29

Aviso importante!
Esta matéria é uma propriedade intelectual de
uso exclusivo e particular do aluno da Saber e Fé,
sendo proibida a reprodução total ou parcial deste
conteúdo, exceto em breves citações
com a indicação da fonte.

COPYRIGHT © 2015 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ


29

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
EGUINALDO HÉLIO DE SOUZA
Versão da matéria: 1.0
Nossas matérias são constantemente atualizadas
com melhorias e/ou possíveis correções.
Para verificar se existe uma nova versão para
esta matéria e saber quais foram as alterações
realizadas acesse o link abaixo.

www.saberefe.com/area-do-aluno/versoes
29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Sumário
03 u Introdução

04 u Capítulo 1 q Filosofia e educação


04  Definição de filosofia
05  Definição de educação

09 u Capítulo 2 q Filosofia da educação


10  A natureza e a tarefa da filosofia da educação

12 u Capítulo 3 q Educação formal e informal


12  Educação formal e informal
15  A questão dos objetivos educacionais
15  Educação humanística e educação técnico-profissionalizante

17 u Capítulo 4 q Educação e conceitos semelhantes


17  Educação, doutrinação e conceitos afins

26 u Capítulo 5 q A filosofia da educação e a educação cristã


27  A educação cristã com finalidade de desenvolver as potencialidades do cristão
28  A educação cristã com finalidade de levar o cristão à felicidade
28  A educação cristã também educa para a comunidade
30  A finalidade da educação cristã
31  A lei, a graça e a educação cristã
33  Educação secular versus educação cristã
34  Ferramentas e métodos da educação cristã

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 1


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

37 u Capítulo 6 q Métodos de educação cristã


38  A Escola Dominical
39  A educação cristã no lar
40  A educação cristã influenciando a sociedade

41 u Conclusão

42 u Referências bibliográficas

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 2


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

q Introdução

“D efina seus termos”. Assim se expressava o filósofo francês Voltaire antes


de entrar em um debate. Antes de estudar Filosofia da Educação é
importante que saibamos a respeito do que estamos falando. Isto porque ela ten-
de a confundir-se com outras disciplinas semelhantes e para distinguir precisamos
conhecer bem as diferenças.
É importante também saber que nem sempre é fácil fazer uma definição preci-
sa de algo. Nem sempre a explicação do dicionário resolve tudo. Muitos dicionários
colocam as palavras dentro de um contexto, citando um autor, porque as palavras
têm significados que muitas vezes não esgotam o seu conteúdo. Por exemplo: “O
que significa vida?”. Podemos colocar algumas definições dicionarizadas, como
por exemplo:
S.f. 1. Atividade interna substancial, por meio da qual atua o ser onde ela existe;
estado de atividade imanente dos seres organizados. 2. Duração desse estado;
existência. 3. Tempo decorrido entre o nascimento e a morte. 4. Modo de viver.
5. Existência de além-túmulo. 6. Animação em composições literárias ou artísti-
cas. 7. Animação, entusiasmo. 8. Causa, origem.
Será que todos estes sentidos acima esgotam o significado da palavra “vida”
ou a definem sem deixar margem para outras possibilidades? Com certeza, não. No
caso de definirmos a filosofia da educação e qual seu objeto de estudo, também
estamos prontos a reconhecer as dificuldades existentes em tal tarefa.
É uma tarefa difícil entender a utilidade de tal disciplina e como ela pode e
tem sido aplicada dentro do contexto cristão. Como ela pode ser relacionada
com a educação cristã de um modo geral e como utilizá-la de maneira prática
em nosso dia a dia.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 3


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo
q Filosofia e educação
1
 Definição de filosofia

E ntrando no objeto de nosso estudo, cabe-nos primeiro definir o que é filo-


sofia. Etimologicamente, o sentido desta palavra de origem grega é filos =
amigo ou amor; e sophos = sabedoria. Logo, amigo da sabedoria ou amor à sabe-
doria. A palavra é atribuída ao grego Pitágoras de Samos (580 – 500 a.C.), que ten-
do sido chamado de sábio, respondeu: “Eu não sou um sábio, sou filósofo (amigo
da sabedoria)”.
A ciência se preocupa em “como” as coisas acontecem. A filosofia se preocu-
pa com o “porquê”. Ela busca entrar intrinsecamente na natureza dos objetos, na
sua finalidade e possibilidades. O que é isto, o que é aquilo, porque isto é assim e
não é de outra forma? Poderíamos definir filosofia como a “arte de pensar”. Levar
os assuntos à uma análise exaustiva, extraindo sua razão de ser, seu significado, sua
forma, seu objetivo.
Alguns têm para com a filosofia uma atitude crítica, desdenhosa, como sendo um
saber inútil, vazio. Olham para a ciência técnica e lhe dão pleno valor, mas acham
que a filosofia é algo dispensável. Todavia, isto não é verdade. As ciências são filhas
da sabedoria. Se estas existem, é porque em dado momento alguém pensou o Uni-
verso e procurou entendê-lo. Isto se deu com a política, a educação, a física, a quí-
mica, etc. Filosofar é pensar a respeito, é extrair das coisas o seu sentido pleno.
Existem muitas áreas de conhecimento relacionadas à educação: a pedago-
gia, a didática, a psicologia, etc. Cada uma com seu respectivo campo de atua-
ção. Mas todas elas só puderam existir porque um dia alguém começou a pensar,
ou melhor, a filosofar “o que é educação ?” Analisando mais uma vez, o dicionário
informa que a Filosofia é:
S.f. 1. Estudo geral sobre a natureza de todas as coisas e suas relações entre
si; os valores, o sentido, os fatos e princípios gerais da existência, bem como a
conduta e o destino do homem. 2. Sistema particular de um filósofo. 3. Conjun-
to de doutrinas de uma escola ou época. 4. Sabedoria de quem suporta com
serenidade os acidentes da vida: Suportar com filosofia os infortúnios.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 4


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 Definição de educação

E m nenhuma época da história um porcentual tão grande de habitantes do


planeta teve, como agora, acesso à educação formal. Entretanto, os países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento ainda se debatem com o desafio de er-
radicar o analfabetismo e aumentar a escolaridade média de seus habitantes.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-
cia e a Cultura (Unesco), 113 milhões de crianças estão fora da escola, sendo 97%
nas regiões menos desenvolvidas. Deste total, 42 milhões vivem na África Subsaaria-
na; e 67 milhões são meninas, o que corresponde a 60% do total.
Enquanto isso, os países desenvolvidos enfrentam problemas típicos dos siste-
mas educacionais consolidados: necessidade de melhorar a formação e a remune-
ração dos professores, aperfeiçoar a avaliação do sistema educacional e reformar
os currículos e as metodologias de ensino. Mas o que estamos querendo dizer com
educação? Qual sua finalidade? Quais suas possibilidades?
Podemos utilizar um mero sinônimo e achar que resolvemos a questão. Toda-
via, se quisermos realmente penetrar no âmago das coisas, teremos de achar uma
resposta muito mais ampla e abrangente do que aquela apontada nos dicionários.
Teremos de entrar, através da filosofia, na própria natureza da educação e em
tudo o que ela representa na existência humana.
Vários filósofos deram sua contribuição, no sentido de tentar definir o seu sig-
nificado mais amplo. Entre eles podemos citar o sociólogo francês Emile Durkheim
(1858 – 1917). Ele assim se expressa: “A educação é a ação exercida, pelas gera-
ções adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para
a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de
estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu
conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”.
Paul Fauconnet, outro pensador moderno, apoiando-se na definição de
Durkheim, propõe seu próprio conceito de educação: “Educação é a socialização
da criança.”
Esta forma de encarar a educação vê a possibilidade de tornar o homem um
ser social. O ser humano só é ser humano dentro de um contexto grupal. “O homem
é um animal político”, diria Aristóteles, por causa da necessidade que tem de viver
em grupo. Educar é inserir o homem dentro deste grupo, ou melhor, torná-lo apto
para conviver nos diversos grupos que terá de participar ao longo da sua vida. Al-
guns pensadores chegam a dizer que o indivíduo é uma abstração, não uma rea-
lidade, que sua existência real só se dá dentro do coletivo. Embora muitos possam
não concordar com isto, a conceituação de Durkheim fundamenta-se em reflexões
bastante legítimas:

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 5


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

“O fim da educação, conclui ele, é constituir o ser social em cada um de nós,


substituir o ser individual pelo ser social, ‘superpor ao ser que somos ao nascer, indi-
vidual e associal, um ser inteiramente novo.’

“Na realidade, [o] ser social não nasce com o homem, não se apresenta na
constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum desenvol-
vimento espontâneo. Espontaneamente, o homem não se submeteria à autorida-
de política; não respeitaria a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrifica-
ria. Não há nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos,
necessariamente, servidores de [...] emblemas simbólicos da sociedade, que nos
leve [...] a nos privar em seu proveito ou em sua honra [...] Exclusão feita de va-
gas e incertas tendências sociais atribuídas à hereditariedade, ao entrar na vida
a criança não traz mais do que a sua natureza de indivíduo. A sociedade se
encontra, a cada nova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre
a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais
rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natu-
reza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Basta enunciá-la
dessa forma para que percebamos toda a grandeza que encerra. A educação
não se limita a desenvolver o organismo, no sentido indicado pela natureza, ou
a tornar tangíveis os elementos ainda não revelados, embora haja procura de
oportunidade para isso. Ela cria no homem um ser novo. Esta tarefa de ‘criar
no homem um ser novo’ não é, como se vê, natural, muito menos fácil. Ela não
se faz sem autoridade e coerção. A criança, quando nasce, é um ser egoísta,
individualista, associal. A tarefa de transformá-la em uma pessoa civilizada (no
sentido durkheimiano) é penosa e não se executa sem grande esforço, pois vai
de encontro ao egoísmo natural da criança. A criança não consegue, por si só,
vencer esse egoísmo e tornar-se um ser social. Ela precisa ser coagida a fazê-lo, e
essa coação só pode vir de fora, sendo decorrente do sentimento de dever, que
lhe é inculcado. ‘O sentimento do dever é o estimulante capital do esforço para
a criança, e mesmo para o adulto’. Mas a criança não aprende o dever a não
ser por meio dos adultos, principalmente com a ajuda de seus pais e mestres. É
preciso, portanto, que o mestre seja ‘o dever personificado’. Para isso, é preciso
que tenha autoridade moral, ‘porque, pela autoridade, que nele se encarna, é
que o dever é o dever’”.

Mas Durkheim não foi o primeiro e nem mesmo o único que pensou a educa-
ção. Na verdade, seu trabalho, embora original em muitos aspectos, se apoia-
va nas proposições de pensadores anteriores. Os principais pensadores por ele
analisados foram Immanuel Kant e John Stuart Mill. Estes não fizeram a mesma
relação entre educação e sociedade, mas utilizaram enfoques diferentes para
sua definição.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 6


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Segundo Kant, “o objetivo da educação é desenvolver, em cada indivíduo,


toda a perfeição de que ele seja capaz”. Esta conceituação da educação é seme-
lhante à daqueles que caracterizam a educação como sendo “o desenvolvimento
das potencialidades do indivíduo”. O que se quer dizer com “perfeição” (ou com
“potencialidades”, poderíamos acrescentar) neste contexto? Normalmente, o que
se quer dizer é que o fim da educação “é o desenvolvimento harmônico de todas
as faculdades humanas”, que educar é “levar ao mais alto grau possível todos os
poderes que estão em nós, realizá-los tão completamente quanto possível, sem
que uns prejudiquem os outros”.

Como podemos perceber, esta forma de ver a educação não está voltada
para o coletivo, mas para o próprio indivíduo. “Desenvolver-se” passa a ser um fim
em si mesmo. É como se faltasse uma complementação nesta forma de ver a edu-
cação. O indivíduo desenvolvido estaria voltado para que propósito? À sociedade,
acrescentaria Durkheim a Kant.

Stuart Mill por sua vez tenta abranger dentro do conceito de educação as duas
finalidades, tanto a individual quanto a social, a particular e a coletiva. Segundo
Mill, o objetivo da educação é “fazer do indivíduo um instrumento de felicidade
para si mesmo e para seus semelhantes”. Para Durkheim, todavia, este conceito é
bastante vago pois o sentido de felicidade é muito relativo.

Independente das concordâncias e discordâncias existentes entre os pensado-


res, podemos construir nossa própria definição, que poderá nos conduzir dentro de
nosso estudo a respeito da filosofia da educação:

 A educação desenvolve as potencialidades humanas

Isto já nos leva a filosofar, a refletir sobre a educação. Se educar desenvolve


o potencial do homem, logo, conclui-se que, o homem não é um ser estático, de-
terminado, completo. Ele pode e precisa ser “trabalhado”, “moldado”, de acordo
com finalidades propostas. Paulo Freire fala do “inacabamento do ser humano”.

De acordo com esta conclusão, podemos inferir também que o ser humano
não é, mas está sendo. Aristóteles fazia distinção entre ato e potência, isto é, aquilo
que uma coisa é (ato) e aquilo que ele pode ser (potência). Educar é transformar
potência em ato, possibilidades, em fatos.

O contrário disto seria olhar o ser humano como um ser acabado e “desmoldá-
vel”, já determinado pelas circunstâncias anteriores, sejam estas sociais, genéticas
ou psicológicas. A partir do momento que tentamos educar, queremos dizer com
isto que podemos apresentar às pessoas um modelo ou vários modelos de compor-
tamento e de essência, para que se busque atingir este modelo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 7


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 O desenvolvimento dessas potencialidades contribui para a felicidade do


ser humano
Mesmo diante das dificuldades em definir felicidade pela grande quantidade
de características que esta pode adquirir, deve-se admitir que independente do
que alguém considere felicidade, a educação ajuda a alcançá-la.
Ao tornar-se melhor pela educação, o homem se torna mais feliz, à medida
que seu ser se ajusta ao mundo ao seu redor e preenche suas necessidades e an-
seios. Quando uma criança aprende a falar, a ler, a expressar-se por meio da arte,
está fazendo conquistas que a tornam mais satisfeita.
Claro que a educação, quando mera transmissão de informação, já vem em-
butida com um conceito de felicidade. Aliás, na maioria das vezes, ao educar, nós
definimos ao educando o que é ser feliz. Na maioria das vezes não se deixa espaço
para que este venha a decidir o que realmente o faz feliz.

 O desenvolvimento e a felicidade só podem ser entendidos dentro de um


contexto de coletividade
Assim como ninguém vive para si mesmo, ninguém é educado para si mesmo.
Todos vivem, em grau menor ou maior, para o outro. Todos são educados por e
para o seu meio, tanto imediato quanto distante. Estamos inseridos em comunida-
des múltiplas que direta ou indiretamente nos educam para si.
Por mais que uma sociedade seja individualista, ela o é apenas parcialmente.
Seus membros fazem parte de um organismo com quem vivem em contínua inter-
dependência e lhes é impossível fugir disto. De alguma forma estarão contribuindo
para o desenvolvimento dos grupos com os quais se relacionam, pois eles o educa-
ram para isto. Toda educação é efetuada pelo meio e para o meio. A sociedade
visa tornar o homem útil para si mesma.
Segundo o dicionário Michaelis, educação é:
S.f. 1. Desenvolvimento das faculdades físicas, morais e intelectuais do ser hu-
mano. 2. Civilidade. 3. Arte de ensinar e adestrar animais. 4. Arte de cultivar
plantas. 5. Nível ou tipo de ensino.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 8


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo
q Filosofia da educação
2
D entre as várias proposições que podemos fazer sobre o que aborda a filo-
sofia da educação, a definição de M.V.C. Jeffreys é bastante interessante:
“Para educarmos os homens de um modo sensato e esclarecido, convém saber no
que queremos que eles se tornem quando os educamos. E para sabê-lo é necessá-
rio indagar para que vivem os homens, ou seja, investigar qual pode ser a finalidade
da vida e o que ele deve ser. Portanto, devemos também inquirir sobre a natureza
do mundo e os limites que este fixa para o que o homem possa saber e fazer. A
natureza humana, a boa vida, e o lugar do homem no esquema das coisas estão
entre os tópicos perenes da filosofia”.
No mesmo sentido, afirma Jeffreys, em A educação: sua natureza e seu propó-
sito: “Se pretendermos viver de maneira inteligente, teremos necessidade de uma
teoria não apenas para este ou aquele empreendimento em particular, ou para
uma determinada espécie de atividade, mas para a existência como um todo. Ca-
recemos, caso nos seja permitido utilizar uma expressão antiquada, de uma filosofia
de vida [...] O que acreditamos em relação à natureza, propósito e métodos de
educação é inseparável do que acreditamos com relação à vida em geral, isto é,
caso haja coerência e integridade em nosso modo de pensar. É, por conseguinte,
impossível propor uma teoria de educação sem declarar, implícita ou explicitamen-
te, nossa filosofia de vida geral e pessoal.”
Se isto é verdade, então a conclusão, tirada por Frans de Hovre, é que “as
grandes batalhas pedagógicas se travam fora do campo da pedagogia propria-
mente dita”.
Enquanto a pedagogia está buscando principalmente o método, a filosofia
da educação determina a razão. Enquanto a filosofia estabelece o alvo, a peda-
gogia descreve o caminho. E é importante lembrar que o caminho será sempre
determinado pelo alvo. Esparta tinha uma educação militar, pois o propósito desta
cidade era formar fortes guerreiros. Acreditavam que o mais importante era vencer
batalhas. Em Atenas, por outro lado, a política dominava o espírito dos cidadãos.
E como a política estava ligada ao discurso, a educação ateniense privilegiava
o pensamento e a palavra. Uma formava soldados e outra oradores, porque suas
filosofias eram distintas.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 9


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 A natureza e a tarefa da filosofia da educação

À luz do que foi dito, em que consiste a filosofia da educação, a partir da


visão da filosofia analítica?

A filosofia da educação não discorre sobre o fenômeno da educação como


tal, mas sim sobre o que se tem dito acerca desse fenômeno. É um pensar sobre
a educação em si. Embora se distinga destas ciências, ela se ocupa com o que
é dito por sociólogos e psicólogos da educação, ou por qualquer pessoa que re-
flita sobre a educação. Não resta a menor dúvida que uma das primeiras e mais
importantes tarefas da filosofia da educação é a análise e clarificação (tornar
mais claro) do conceito “educação”. Fala-se muito em educação. “Educação
é direito de todos”, “educação é investimento”, “a educação é o caminho do
desenvolvimento”, etc. Mas o que realmente será esta educação de que tanto
se fala? Será que todos os que falam sobre a educação usam o termo no mesmo
sentido, com idêntico significado? Dificilmente. É a educação transmissão de co-
nhecimentos? É a educação preparação para a cidadania democrática respon-
sável? É a educação o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo? É a
educação adestramento para o exercício de uma profissão? As várias respostas,
em sua maioria conflitantes, dadas a essas perguntas, são indicativas da adoção
de conceitos de educação diferentes, muitas vezes incompatíveis, por parte dos
que se preocupam em responder a elas. Este fato, por si só, já aponta para a ne-
cessidade de uma reflexão sistemática e profunda sobre o que seja a educação,
isto é, sobre o conceito de educação. É a filosofia que vai penetrar justamente na
natureza do nosso objeto de estudo, para torná-la mais “digerível”, mais compre-
ensível para o estudo das demais ciências afins.

Assim que se começa a fazer isso, porém, percebe-se que a tarefa de clari-
ficação e elucidação do conceito de educação é extremamente complexa e
difícil. Ela envolve não só o esclarecimento das relações existentes ou não entre
educação e conhecimento, educação e democracia, educação e as chama-
das potencialidades do indivíduo, educação e profissionalização, etc. Envolve,
também, o esclarecimento das relações que porventura possam existir entre o
processo educacional e outros processos que, à primeira vista, parecem ser seus
parentes chegados: doutrinação, socialização, aculturação, treinamento, con-
dicionamento, etc. Uma análise que tenha por objetivo o esclarecimento do
sentido dessas noções, dos critérios de sua aplicação, das suas implicações, e
da sua relação entre si e com outros conceitos educacionais é tarefa da filoso-
fia da educação e é condição necessária para a elucidação do conceito de
educação.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 10


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Mas há ainda uma outra família de conceitos que se relaciona estreitamente


com a educação: a dos conceitos de ensino e aprendizagem. Qual a relação exis-
tente entre educação e ensino, entre educação e aprendizagem, e entre ensino e
aprendizagem? Façamos uma lista de possíveis perguntas a serem feitas acerca do
relacionamento dessas noções:

Pode haver educação sem que haja ensino?


Pode haver educação sem que haja aprendizagem?
Pode haver ensino sem que haja educação?
Pode haver aprendizagem sem que haja educação?
Pode haver aprendizagem sem que haja ensino?
Pode haver ensino sem que haja aprendizagem?

Tem sido alvo de muitas críticas a visão da educação que coloca muita ên-
fase no ensino (e, consequentemente, no professor). O importante, afirma-se, não
é o ensino, e sim a aprendizagem. Os mais exagerados chegam quase a afirmar:
“Morte ao ensino! Viva a aprendizagem!” Outros fazem uso de certos slogans meio
obscuros: “Toda aprendizagem é autoaprendizagem”. Incidentalmente, faz-se mui-
to uso, em livros e discursos sobre a educação, de slogans cujo sentido nem sempre
é muito claro. Um outro slogan muito usado, nesse contexto, é o seguinte: “Não há
ensino sem aprendizagem”. Parece claro que, para poder julgar quanto à verdade
ou à falsidade dessas informações, é indispensável que os conceitos de ensino e
aprendizagem tenham sentidos claros e específicos, o que, infelizmente, não acon-
tece com muita frequência. É necessário, portanto, que o sentido desses conceitos
seja esclarecido, e que sua relação com o conceito de educação seja elucidada,
e a filosofia da educação pode ser de grande valia nessa tarefa.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 11


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo 3
q Educação formal, informal e objetivos

 Educação formal e informal

A ntes de prosseguirmos, é importante analisarmos alguns conceitos ligados


à educação, que nos permitirão distingui-la de alguns outros conceitos,
como a doutrinação, por exemplo, que apesar de semelhante, se diferencia por
natureza e finalidade.
O primeiro comentário diz respeito à distinção entre educação formal e edu-
cação informal. Há, pelo menos, duas maneiras de entender essa distinção. De
um lado, pode-se afirmar que educação formal é aquela ministrada em insti-
tuições especialmente criadas e organizadas com o objetivo de educar, a sa-
ber, escolas e universidades, e que educação informal é aquela que se realiza
por meio de outras instituições, cuja finalidade precípua e principal talvez não
seja a de educar, a saber: o lar, a igreja, a empresa, centros comunitários, etc.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 12


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Não resta a menor dúvida de que pessoas educam-se e são educadas sem ja-
mais frequentar uma escola. Neste sentido, a chamada “educação sem escolas”
não só sempre foi possível como sempre ocorreu e ainda ocorre em larga escala,
e o apelo no sentido de que a educação, hoje em dia, se torne mais informal
seria uma convocação de outras instituições (além da escola) a um maior envol-
vimento com o processo educacional, muitas vezes relegado, nos dias atuais, por
razões várias, quase que exclusivamente à escola. Em outras palavras, embora
isto já aconteça de certa forma, a ideia é que comece acontecer de modo mais
intenso, sistemático e comprometido.

Acontece, porém, que a educação informal, neste sentido do termo, frequen-


temente é bastante “formal” (em um sentido um pouco diferente do termo), ocor-
rendo de maneira muito semelhante à utilizada nas escolas. Igrejas criam “Escolas
Dominicais”, etc., as empresas e centros comunitários oferecem e ministram “Cur-
sos”, etc., onde há professores, alunos, ensino, salas de aula, em uma réplica fiel
ao que acontece na escola propriamente dita. Nesses casos, a aprendizagem é
promovida principalmente por meio do ensino, o qual, muitas vezes, assume feições
bastante tradicionais. Neste sentido dos termos, portanto, não há muito que distin-
ga educação formal de educação informal, além do fato de que a primeira ocorre
em instituições criadas com a finalidade quase única de educar e a segunda em
instituições que têm outros objetivos além de educar, objetivos esses que se sobre-
põem às suas tarefas educacionais.

Mas não podemos negar que além da educação informal “formalizada” na


igreja ou na empresa, existe de fato uma que não é intencional, nem sistematiza-
da, mas realiza a educação. Cada comunidade tem seus próprios códigos, suas
próprias exigências de associação, e essas exigências “educam” o indivíduo, no
sentido de torná-lo aceito dentro do grupo. De modo lento e imperceptível ocorre
a educação de uma forma que não pode ser ignorada.
Passemos, pois, à segunda maneira de entender a distinção entre educação
formal e educação informal. A educação, embora implique, necessariamente, a
aprendizagem, não implica, com igual necessidade, o ensino. Como o ensino é,
segundo nossa análise, uma atividade “intencional”, a educação que se realiza
através de atividades de ensino também é intencional, seja ela realizada na escola
ou em outras instituições. Acabamos de mencionar o fato de que essas instituições
não-escolares que se ocupam da educação, muitas vezes o fazem de modo a imi-
tar o que acontece na escola. Isto nos sugere uma outra maneira de entender a
distinção em questão.

Educação formal seria aquela que se realiza por meio de atividades de ensino,
e que se caracteriza, portanto, por ser intencional, ou melhor ainda, por ter a inten-
ção de produzir a aprendizagem de conteúdos considerados valiosos.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 13


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Educação informal, de outro lado, seria aquela que se realiza não intencio-
nalmente (ou, pelo menos, sem a intenção de educar), quando, em decorrência
de atividades ou processos desenvolvidos sem a intenção de produzir a apren-
dizagem de algum conteúdo considerado valioso, pessoas vêm a aprender e
compreender certos conteúdos considerados valiosos, às vezes considerados de
altíssimo valor.

Essas atividades e esses processos podem ocorrer fora da escola, em outras ins-
tituições, ou de maneira inteiramente não institucionalizada, como também pode
ocorrer dentro da própria escola. Em decorrência do modo pelo qual uma escola
é organizada e administrada, ou da maneira pela qual professores e funcionários
se comportam em relação uns aos outros e aos alunos, pessoas podem vir a apren-
der e compreender conteúdos considerados de grande valor, sem que houvesse,
a qualquer momento, a intenção de que alguém aprendesse alguma coisa em
consequência disto (o que não quer dizer que a forma de organização e admi-
nistração da escola, ou o comportamento de seus professores e funcionários, seja
não-intencional; frequentemente é intencional, mas a intenção não é a de produzir
a aprendizagem de conteúdos considerados valiosos).

Frequentemente, o exemplo de um professor é mais educacional do que os


conteúdos que ele ensina, pois seus alunos podem aprender mais conteúdos valio-
sos (ou conteúdos mais valiosos) em decorrência da observação de suas atitudes
e de seu comportamento do que em consequência de seu ensino. E embora o
professor possa se comportar de uma ou outra maneira com a intenção de que
seus alunos aprendam algo valioso em função de seu comportamento, o professor,
quase sempre, não tem esta intenção ao se comportar como o faz (o que, nova-
mente, não quer dizer que seu comportamento não é intencional; pode sê-lo, mas
em função de outras intenções).

Pais frequentemente procuram educar seus filhos, e grande parte das vezes ten-
tam fazê-lo por meio do ensino (via de regra verbal). As atitudes, o comportamento
dos pais, porém, podem ensejar a aprendizagem e compreensão de conteúdos
muito valiosos, principalmente na área da moralidade, sem que os pais tenham a
intenção de que seus filhos aprendam alguma coisa em decorrência da maneira
pela qual se comportam. E assim por diante.

Cremos que, com esses exemplos, tenha ficado claro o segundo modo de en-
tender a distinção entre educação formal e educação informal. Podemos resumir
estas colocações dizendo que o meio sempre educa. A educação é levada a
efeito por tudo o que rodeia o indivíduo, levando-o a absorver comportamentos e
conteúdos que acrescentam em seu desenvolvimento. Embora a forma possa va-
riar, havendo intencionalidade ou não, a finalidade é a mesma.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 14


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 A questão dos objetivos educacionais

O segundo comentário que gostaríamos de fazer se relaciona com algumas


das questões que levantamos, acerca das relações que porventura pos-
sam existir entre educação e conhecimento, educação e democracia, educação
e profissionalização, etc. No início da presente seção, quando procuramos caracte-
rizar o conceito de educação, afirmamos que iríamos propor uma conceituação de
educação que fosse “suficientemente ampla”. Com esta expressão quisemos dizer
que uma conceituação de educação, para ser viável, deveria ser suficientemente
ampla para permitir que conceitos de educação mais específicos, que enfatizassem
aspectos diferentes do processo educacional, pudessem encontrar guarida debai-
xo dessa conceituação mais ampla. Vejamos como isso pode acontecer.

 Educação humanística e educação técnico-profissionalizante

A nalisemos, por exemplo, de início, a questão da chamada “educação hu-


manística” versus a chamada “educação técnico-profissionalizante”. Cer-
tamente nesta questão tem havido radicais de ambos os lados. Esta dicotomia
tem frequentemente ganhado amplo terreno para discussão. Em algumas nações
prevalece a educação de cunho técnico e de certo modo, também por isso, estas
acabam adquirindo uma maior hegemonia mundial, ao contrário das nações que
destacam uma educação humanística e nem sempre conquistam papel predomi-
nante. Isto porque para o aspecto capitalista, a técnica se torna vital. Às vezes se
chega a tratar isto como algo inevitável. Mas isto não é verdade. A predominância
do aspecto técnico-profissionalizante sobre o aspecto humanístico é uma questão
de escolha, não de determinismo. Dentre os sete pecados sociais da humanidade,
Mahatma Ghandi, o líder hindu responsável pela independência da Índia, especifi-
cou a “ciência sem humanismo”.
De um lado, há aqueles que enfatizam a conexão entre educação e conheci-
mento, concebendo a noção de conhecimento de modo a incluir nela quase que
tão somente os pontos de vista e temas que, de certa maneira, sobreviveram ao
teste de durabilidade e que, portanto, se mostraram “perenes”. Há uma escola de
teoria educacional chamada “perenialismo”que exclui da noção de conhecimen-
to, e, consequentemente, de sua visão da educação, tudo aquilo que se refere
mais diretamente ao preparo para o exercício de uma profissão técnica. Este pre-
paro é considerado como mero treinamento ou adestramento em certas técnicas
e habilidades e não deveria merecer o honroso privilégio de ser considerado parte
integrante do processo educacional, sendo batizado com vários nomes diferentes,
como “processo de qualificação de mão-de-obra especializada”, “processo de
formação de recursos humanos para as áreas técnicas”, etc.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 15


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Do outro lado, há aqueles, frequentemente não menos radicais, que enfatizam


a conexão entre educação e vida, concebendo a noção de vida de modo a re-
alçar suas ligações com o trabalho, e a deixar de lado suas ligações com o lazer.
Educar, afirmam, é preparar para a vida, para o exercício de uma profissão. Tudo
o mais é “ornamento”, “adorno”, “perfumaria”, menos educação. Dentre os que
assumem esta posição há os que enfatizam o trabalho como forma de autoreali-
zação individual, há os que procuram realçar o papel do trabalho como fator de
desenvolvimento econômico, etc. Concordam, porém, em que o objetivo educa-
cional básico é a preparação do indivíduo para a vida ativa do trabalho. (De certa
maneira, as velhas discussões medievais acerca das vantagens e desvantagens da
“vida contemplativa e da vida ativa” se repetem, com outras roupagens).
Não vamos tentar resolver essa controvérsia. Somente vamos procurar situá-la
dentro de nossa conceituação de educação. Ao conceituar a educação, e ao ex-
plicitar aquela conceituação, observamos que os conteúdos (no sentido visto) que
podem ser parte integrante do processo educacional são conteúdos considerados
valiosos dentro de um dado contexto sócio-cultural. Mencionamos, também, sem
discutir o fato, que se considerarmos o termo “cultura” em um sentido amplo (como
quando citamos a “cultura brasileira”), valores conflitantes podem coexistir dentro
de uma mesma cultura. Imaginemos, agora, para efeito de argumentação, uma
cultura cujos valores sejam bastante coerentes, na qual o trabalho seja uma forma
de realização pessoal, seja como fator básico de desenvolvimento econômico e
tenha valor preponderante. Nesta cultura, a preparação para o trabalho, a forma-
ção profissional, será o elemento predominante no processo educacional. Outros
ingredientes que possam não parecer diretamente profissionalizantes só serão per-
mitidos, dentro do processo educacional, à medida que, mesmo de maneira indire-
ta, venham a contribuir para o bom desempenho profissional.
Estamos aqui, sem dúvida, simplificando as coisas, não fazendo várias distin-
ções básicas e deixando de lado os aspectos complexos que envolvem processos
educacionais concretos (e não imaginários), apenas para esclarecer alguns aspec-
tos da questão e mostrar a abrangência de nossa conceituação de educação. Em
um contexto sócio-econômico como o que acabamos de imaginar, ninguém, mes-
mo que não concorde com a hierarquia de valores predominante naquele contex-
to, pode condenar a educação por ser estritamente profissionalizante: ela estará
se ocupando dos conteúdos considerados valiosos naquele contexto. Se nossos
valores não coincidem com os dessa cultura que imaginamos, devemos criticar e
combater os valores dessa cultura, e não condenar o seu sistema educacional por
incorporá-los. Em uma cultura cujos valores sejam diametricamente opostos aos da
cultura que acabamos de imaginar, o processo educacional terá conteúdos ba-
sicamente diferentes no que diz respeito ao seu teor, mas ainda assim conteúdos
considerados valiosos naquele contexto.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 16


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo 4
q Educação e conceitos semelhantes

 Educação, doutrinação e conceitos afins

H á muita controvérsia, hoje em dia, em relação ao conceito de doutrinação.


Não vamos, aqui, tentar solucionar todas as disputas e divergências, mas
apenas nos situar dentro da controvérsia, propondo e defendendo um conceito de
doutrinação e mostrando como o conceito, aqui caracterizado, se relaciona com
os conceitos de educação, ensino e aprendizagem e com outros conceitos afins.

 Primeira observação geral


Quando se conceituou a educação, afirmou-se que os conteúdos que podem
ser objeto de educação são (desde que considerados valiosos) os mais amplos pos-
síveis, não se restringindo, de maneira alguma, esses conteúdos à esfera intelectual
e cognitiva. Quando se fala em doutrinação, porém, parece haver uma grande
limitação no tocante aos conteúdos que podem ser doutrinados. Parece (pelo me-
nos à primeira vista) que apenas crenças, ou pontos de vista, ou convicções, ou
ideologias, ou, talvez, teorias, podem ser doutrinados.
Não parece fazer o menor sentido afirmar que alguém foi doutrinado, a menos
que o conteúdo dessa doutrinação seja alguma coisa do tipo mencionado. Parece
absurdo dizer que alguém foi doutrinado a adotar uma atitude passiva diante da
violência, por exemplo, ou a tomar banho diariamente, ou qualquer coisa desse
tipo. Alguém pode ter sido condicionado a adotar uma atitude passiva diante da
violência, ou a banhar-se diariamente, mas condicionamento e doutrinação não
são a mesma coisa.
Condicionamento está ligado a comportamento, atitudes, hábitos. Doutrina-
ção está ligado a crenças, pontos de vista, etc. Alguém pode, porém, ser doutrina-
do na crença de que se deva tomar uma atitude passiva diante da violência, mas
isto já é outra coisa, está-se lidando, agora, com crenças e não com atitudes. (Não
há, por exemplo, garantias de que quem acredite que se deva tomar uma atitude
passiva diante da violência venha a assumir essa atitude quando confrontado com
a violência: há sempre a possibilidade de que haja incoerência entre o pensamen-
to e o comportamento de uma pessoa. Os gregos já nos alertavam acerca da akra-
sia , ou fraqueza da vontade).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 17


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Parece haver alguma dúvida, portanto, de que os conteúdos que podem ser
doutrinados são sempre conteúdos intelectuais e cognitivos do tipo mencionado
(crenças, etc.), excluindo-se da esfera da doutrinação mesmo conteúdos intelec-
tuais e cognitivos de outros tipos (como, por exemplo, habilidades intelectuais).

 Segunda observação geral

Uma segunda observação geral que se deve fazer acerca do conceito de


doutrinação é a de que, muito embora a educação possa ocorrer sem ensino (o
professor transmite um conhecimento que não é absorvido pelo aluno), e mesmo
de modo não-intencional, a doutrinação é sempre intencional, ocorrendo sempre
em situações de ensino. Observou-se, também, que a educação tem um vínculo
conceitual com a aprendizagem - não faz sentido dizer que houve educação se
não houve nenhuma aprendizagem - e que o ensino tem um vínculo conceitual
com a intenção de produzir a aprendizagem. Desde que a doutrinação tem um
vínculo (conceitual) com o ensino, a doutrinação também tem um vínculo (concei-
tual) com a intenção de produzir a aprendizagem.

Mas por que é que se afirma que a doutrinação só pode ocorrer em situações
de ensino? A resposta a esta pergunta parece óbvia e simples. Ao passo que faz
bastante sentido dizer que alguém se educou, isto é, aprendeu sozinho certos con-
teúdos considerados valiosos de maneira a realmente compreendê-los, não pare-
ce fazer o menor sentido afirmar que alguém doutrinou-se; sempre se afirma que
alguém foi doutrinado.

Isto posto, é preciso abordar a seguinte questão: tendo em vista as conclusões


já alcançadas, de que a educação pode ocorrer, e frequentemente ocorre, atra-
vés do ensino, será que o único aspecto a distinguir a educação da doutrinação é
que esta é um caso específico da primeira? Em outras palavras, será que a doutri-
nação nada mais é do que a educação, quando esta ocorre através do ensino e se
ocupa de conteúdos intelectuais e cognitivos do tipo mencionado (crenças, etc.)?
A resposta a esta questão deve ser, a nosso ver, enfaticamente negativa. Mas se
este é o caso, o que realmente distingue a doutrinação da educação?

Para melhor entender esse conceito relembramos aqui estas passagens:

“Alguém que aceita normas sociais e valores culturais sem examinar e com-
preender sua razão de ser, sem dúvida aprendeu certo conteúdo (possivelmente
até através do ensino), mas o fez sem compreensão: a aprendizagem, neste caso,
foi não-educacional, e se a aprendizagem foi decorrência de um ensino que es-
tava interessado apenas na aceitação das normas e dos valores, e não na sua
compreensão, o ensino também foi não-educacional (tendo sido, possivelmente,
doutrinacional)”.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 18


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

“O ensino e aprendizagem de conteúdos que consistam de enunciados falsos,


ou de enunciados que a melhor evidência disponível indique terem pouca proba-
bilidade de serem verdadeiros (e, consequentemente, grande probabilidade de
serem falsos), ou, talvez, de enunciados acerca dos quais a evidência, favorável ou
contrária, seja inconclusiva, não devem ser parte integrante do processo educacio-
nal, pois quer nos parecer que em nossa cultura não seja considerado valioso um
conteúdo que consista de enunciados falsos, ou contrários à melhor evidência dis-
ponível, ou acerca dos quais a evidência seja inconclusiva. O ensino de conteúdos
deste tipo parece bem mais próximo da doutrinação do que da educação”.
O que nos sugerem estas observações?
A primeira nos sugere que o tipo de aprendizagem associado com a doutrina-
ção, ou que resulta da doutrinação, é o da aprendizagem não acompanhada por
compreensão, da aprendizagem não-significativa, meramente passiva - o indiví-
duo, no caso, meramente aceita, sem examinar e compreender sua razão de ser,
certos conteúdos intelectuais e cognitivos (normas sociais e valores culturais).
O que a segunda nos sugere, é que a intenção de quem doutrina está muito
mais voltada para a aceitação dos conteúdos que ele está ensinando do que para
um exame criterioso dos fundamentos epistemológicos desses conteúdos, exame
este indispensável para sua compreensão. Em outras palavras, quem doutrina está
muito mais interessado em que seus alunos simplesmente aceitem (acreditem em)
certos pontos de vista do que em que eles venham a examinar os fundamentos des-
ses pontos de vista, e, consequentemente, a compreendê-los, no sentido visto.
Nesse ponto, aquilo que a segunda passagem nos sugere se liga com o que
a primeira nos sugeriu, a saber, que a aprendizagem que se associa com a dou-
trinação, diferentemente daquela que se associa com a educação, é a apren-
dizagem não acompanhada por compreensão, e isto em função da intenção
daquele que ensina.
Feitas essas colocações, é possível conceituar, mais precisamente, a doutri-
nação: doutrinação é o processo através do qual uma pessoa ensina a outros,
certos conteúdos intelectuais e cognitivos (crenças, etc.), com a intenção de
que esses conteúdos sejam meramente aprendidos (isto é, aprendidos, mas não
compreendidos), ou seja, com a intenção de que estes conteúdos sejam aceitos
não obstante a evidência, sem um exame criterioso de seus fundamentos episte-
mológicos, de sua razão de ser - em suma, sem a compreensão que é condição
sine qua non da educação.
Baseando-nos nesta conceituação de doutrinação, podemos agora procurar
esclarecer alguns dos aspectos mais controvertidos desse conceito, bem como seu
relacionamento com o conceito de educação.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 19


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Vamos começar com a questão do relacionamento entre educação e doutri-


nação. Desde que, como acabamos de observar, doutrinação relaciona-se ape-
nas com conteúdos intelectuais e cognitivos de certo tipo (crenças, etc.), vamos
comparar educação e doutrinação no que diz respeito a esses conteúdos, deixan-
do fora de nossa análise outros conteúdos (habilidades intelectuais e cognitivas,
atitudes, comportamentos, etc.) de que se ocupa a educação, mas que não são
objetos da doutrinação. Também deixaremos de lado, nessa comparação, a edu-
cação informal (no segundo sentido visto) para nos determos na educação que
se realiza através do ensino, pois, como constatamos, a doutrinação se realiza so-
mente através do ensino.
Tomemos, pois, como ponto de referência, certo conteúdo intelectual e cogni-
tivo: pensemos numa doutrina política, ou numa teoria científica. Vamos supor, para
efeito de argumentação, que este conteúdo seja considerado valioso no contexto
em que se realiza seu ensino. Se este é o caso, o conteúdo em questão pode ser
ensinado de maneira educacional bem como de maneira não-educacional. Se a
intenção de quem ensina é a de que os alunos aprendam e compreendam este con-
teúdo, o ensino estará sendo educacional. Se a intenção é a de que os alunos mera-
mente aprendam (isto é, aceitem, acreditem em) o conteúdo em questão, o ensino
está sendo não-educacional, ou, segundo nossa conceituação, doutrinacional.
O que distingue a educação da doutrinação, portanto, é basicamente a in-
tenção da pessoa que ensina, e é a intenção que se torna o critério básico e fun-
damental que nos permite diferenciar entre um ensino educacional e um ensino
doutrinacional. É verdade que vimos que apenas certos conteúdos podem ser dou-
trinados (conteúdos intelectuais e cognitivos de certo tipo, a saber, crenças, pontos
de vista, etc.). Mas isto não quer dizer que mesmo estes conteúdos não possam
ser ensinados de dois modos diferentes, educacionalmente e doutrinacionalmente.
Além disso, mesmo conteúdos considerados valiosos podem ser doutrinados, como
veremos, sendo, talvez, exatamente quando se trata de conteúdos considerados
como muito valiosos que há o maior risco de doutrinação. Portanto, o conteúdo
não é o critério básico e fundamental que nos permite diferenciar entre educação
e doutrinação. O mesmo conteúdo poderá ser ensinado, de um ou de outro modo,
educacional ou doutrinacionalmente.
Isto quer dizer que não há conteúdos que estejam inevitavelmente fadados
a serem objeto de doutrinação, como sugerem alguns, embora alguns conteúdos
sejam, talvez, mais preferidos por doutrinadores do que outros. Com esta tomada
de posição nos contrapomos àqueles que afirmam que em áreas como religião,
moralidade, e política não há como evitar a doutrinação e que em áreas como
a física e a astronomia, não faz sentido falar-se em doutrinação, pois os que assim
afirmam privilegiam o conteúdo como critério básico e fundamental de diferen-
ciação entre educação e doutrinação. Dada nossa conceituação de educação

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 20


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

e doutrinação, tanto podem a religião, a moralidade e a política serem ensinadas


de maneira educacional, como podem a física e a astronomia serem ensinadas de
modo doutrinacional, como bem mostram algumas pesquisas recentes na área da
história e sociologia da ciência.
Nem é tampouco o método de ensino, como sugerem outros, o critério básico
e fundamental de diferenciação entre doutrinação e educação, embora seja de
esperar que, aquele que ensina com a intenção de que seus alunos aprendam e
compreendam os conteúdos ensinados e aquele que ensina com a intenção de
que seus alunos meramente aceitem os conteúdos ensinados, venham a se valer
de métodos de ensino diferentes.
O primeiro possivelmente utilizará métodos que envolvam a livre discussão de
ideias, a análise séria de alternativas, e, principalmente, um exame crítico e rigoroso
dos fundamentos epistemológicos do conteúdo em questão; na verdade, podería-
mos afirmar que ele se preocupará muito mais em fazer com que seus alunos con-
siderem a evidência e, à luz da evidência, tirem suas próprias conclusões, do que
em fazer com que seus alunos simplesmente aceitem o conteúdo: seu intuito não é
persuadir seus alunos a aceitarem o conteúdo, mas levá-los a compreendê-lo, e, em
função dessa compreensão, aceitá-lo ou rejeitá-lo.
O segundo, mesmo que se refira à evidência, aos fundamentos epistemológi-
cos do conteúdo em pauta, subordinará a análise da evidência à sua intenção de
fazer com que os alunos aceitem o conteúdo; é de se esperar, portanto, que esta
evidência, se não inteiramente suprimida, seja distorcida, que evidência contrária
não seja apresentada, ou, sendo apresentada, não seja analisada com justiça e
isenção de ânimos e preconceitos.
Também não é em função das consequências do ensino que podemos dizer,
se o ensino foi educacional ou doutrinacional, como sugerem ainda outros, embora
neste caso também seja de esperar que as consequências do ensino educacional
e do ensino doutrinacional sejam diferentes. Em condições normais, é de se esperar
que o ensino educacional resulte em aprendizagem acompanhada de compreen-
são, e que o ensino doutrinacional resulte na mera aceitação (sem compreensão)
dos conteúdos ensinados.
É de se esperar, consequentemente, que, em decorrência de um ensino edu-
cacional, o aluno venha a ter uma mente mais aberta e flexível, que se preocupe
com a análise e o exame da evidência, condicionando sua aceitação ou não dos
conteúdos ensinados a este exame da evidência, como é de se esperar, também,
que em decorrência de um ensino doutrinacional, o aluno venha a ter uma mente
mais fechada, uma atitude mais dogmática e menos crítica, um apego mais emo-
cional do que evidencial às suas convicções, pois lhe foi ensinado preocupar-se
mais com certas crenças, ou doutrinas, ou teorias, do que com a análise crítica,
isenta de preconceitos, da evidência.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 21


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

É de se esperar que o aluno doutrinado acabe por assumir a seguinte atitude:


“É nisto que acredito: vamos ver agora se encontro alguma evidência para funda-
mentar minhas crenças”. Com esta atitude, é possível que suas razões para aceitar
suas crenças não passem de racionalizações.
Não podemos nos esquecer, porém, de que tanto o ensino realizado de manei-
ra educacional, quanto o realizado de maneira doutrinacional, podem ser mal su-
cedidos, em cujo caso, consequências que deles poderiam advir não seriam aque-
las que, normalmente, se esperariam.
Podemos concluir, pois, que, no campo das intenções, a educação é um pro-
cesso que tem por objetivo a abertura de mentes, a ampliação de horizontes, o
incentivo à livre opção dos alunos, após análise e exame crítico da evidência, dos
fundamentos epistemológicos, enquanto a doutrinação é um processo que tem
por objetivo a transmissão e mera aceitação de crenças, etc., o fechamento de
mentes, a redução de horizontes, a limitação de opções (frequentemente a uma
só), o “desprivilegiamento” da evidência em favor da crença, a persuasão e não o
incentivo ao livre exame.
Aquele que ensina de maneira educacional coloca-se na posição de quem,
humildemente, está em incessante busca da verdade, através do estudo e do exa-
me da evidência. O que ensina de maneira doutrinacional coloca-se na posição
do orgulhoso possuidor da verdade. Desde que, na busca da verdade, não se pode
negligenciar nenhum aspecto da evidência que possa ser relevante, a educação
é tolerante, pois mesmo as críticas e a evidência negativa - diríamos mesmo, prin-
cipalmente estas - podem contribuir para que nos aproximemos da verdade. Na
medida, porém, em que a verdade já é considerada uma possessão, não há mais
porque buscá-la, porque tolerar pontos de vista alternativos e conflitantes, pois ao
serem diferentes da suposta “verdade” só podem ser errôneos ou falsos, e quem os
propõe só pode ser ignorante ou mal intencionado. Daí a conexão, já mostrada por
muitos, entre a crença na posse da verdade e a intolerância, mesmo a repressão,
de pontos de vista divergentes, que ocorre quando há doutrinação.
Poderíamos mesmo dizer, fazendo paralelo a uma importante corrente de fi-
losofia de ciência e de filosofia política, que a educação se preocupa muito mais
em dar ao indivíduo condições de não ser facilmente persuadido, de evitar o erro,
a falsidade, e, assim, aproximar-se, cada vez mais, da verdade, enquanto a dou-
trinação se preocupa muito mais com a persuasão, com a transmissão de crenças
que se supõem verdadeiras (ou, mesmo, em alguns casos piores de doutrinação,
crenças em que o próprio doutrinador não acredita, mas que, por algum motivo,
deseja incutir em seus alunos).
Isto posto, podemos fazer algumas observações específicas em relação aos
aspectos mais controversos do problema da doutrinação.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 22


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Em primeiro lugar, o que acabamos de ler nos permite afirmar que é inteira-
mente possível que haja doutrinação mesmo de conteúdos verdadeiros.
Em segundo lugar, temos de admitir que possa haver doutrinação mesmo
quando os conteúdos são considerados valiosos e todos aprovam o que está acon-
tecendo. Na verdade, é em situações assim que a doutrinação se torna mais fácil
e mais provável, pois ninguém questiona o valor e a veracidade daquilo que está
sendo ensinado. É muito mais fácil doutrinar alguém na ideologia capitalista nos
Estados Unidos do que em um país radicalmente socialista, onde argumentos con-
tra a ideologia capitalista provavelmente serão muito mais abundantes e comuns;
e vice-versa.
Em terceiro lugar, devemos concluir que não há doutrinação não-intencional.
A questão, porém, é mais complexa aqui. Desde que a intenção de alguém (que
não nós mesmos) só pode ser determinada pela análise de suas ações em um dado
contexto, é possível atribuir a alguém a intenção de doutrinar mesmo que a pessoa
não admita esta intenção. Também no caso de alguém que não tem conheci-
mento de evidência contrária àquilo que está ensinando, a situação é complexa.
Podemos atribuir-lhe a intenção de doutrinar, se ele tem condições de obter aces-
so a esta evidência e não se preocupa em fazê-lo. Teríamos maiores reservas em
atribuir-lhe esta intenção se não houvesse maneiras viáveis de ele obter acesso a
esta evidência. Isto significa que professores de conteúdos intelectuais e cognitivos
do tipo visto (crenças, etc.) correm grande risco de doutrinarem (em vez de educa-
rem) se não estiverem constantemente atualizados acerca dos desenvolvimentos
nas áreas que ensinam.
Como vimos atrás, o professor que ensina conteúdos falsos como sendo ver-
dadeiros, ou conteúdos que a melhor evidência disponível indique terem pouca
probabilidade de serem verdadeiros como sendo, de fato, verdadeiro, etc., es-
tará, muito provavelmente, doutrinando, a menos que esteja em condições tais
que o acesso a esta evidência lhe seja totalmente impossível. Não importa que
ele acredite que os conteúdos que ensina sejam verdadeiros. Esta é uma questão
subjetiva. A questão importante é a do relacionamento entre o conteúdo e a evi-
dência, entre os conteúdos e os seus fundamentos epistemológicos - questão esta
que, apesar das controvérsias atuais na área da epistemologia e da filosofia da
ciência, nos parece ser objetiva.
Em quarto lugar, devemos abordar, ainda que brevemente, a complicada
questão que se coloca em relação a crianças em tenra idade, que ainda não
atingiram a chamada “idade da razão”. Será que, no que diz respeito a estas
crianças, só nos resta a alternativa de doutrinação, visto não serem elas capazes,
segundo se crê, de compreensão, no sentido visto, de exame de evidência, de
opção livre e consciente?

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 23


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Em relação a este problema devemos distinguir (pelo menos) dois aspectos. O


primeiro é que exigir que crianças pequenas se comportem de determinada manei-
ra, ou que adotem determinadas atitudes, não é, segundo nossa caracterização,
doutriná-las, porque os conteúdos aqui não são conteúdos intelectuais e cognitivos
do tipo passível de doutrinação (crenças, etc.), mas comportamentos e atitudes. A
doutrinação poderá ocorrer no momento em que se procura fazer com que as crian-
ças aceitem certas justificativas para o comportamento e as atitudes que lhes estão
sendo exigidos. O segundo aspecto é que mesmo àquelas crianças que ainda não
atingiram a maturidade mental e intelectual necessária para compreender a razão
de ser de certos comportamentos e atitudes que lhes são exigidos, podem ser ofere-
cidas as razões dessas exigências, as alternativas, etc., de maneira bastante aberta
e flexível. Haverá doutrinação se a intenção for a de que as crianças aceitem estas
justificativas (ou qualquer outro conteúdo sujeito à doutrinação) passivamente, sem
discussão, a despeito de qualquer outro tipo de consideração, ou argumentação, ou
evidência.
Em quinto lugar, a possibilidade de doutrinação faz com que aqueles que se
preocupam com a educação, de seus filhos ou de seus alunos, se confrontem com
um sério dilema, semelhante ao grande desafio. Este dilema, embora possa apa-
recer em qualquer área, aparece mais frequentemente naquelas áreas em que a
evidência parece ser mais inconcludente, mas, em que, por ironia do destino, se en-
contram algumas das questões mais básicas e importantes com que o ser humano
tem de se defrontar: a moralidade, a política, e a religião.
Por um lado, acreditamos (por exemplo) ser necessário apresentar aos nossos filhos
e alunos o ponto de vista moral, o lado moral das coisas, para que sejam, seres morais.
Do outro lado, acreditamos que temos de evitar a doutrinação, se queremos
realmente educar nossos filhos e alunos, isto é, se queremos que sejam indivíduos
livres para pensar e escolher, liberdade esta que é pré-condição para que eles
venham a ser seres morais.
É diante deste dilema que os educadores terão de procurar as melhores ma-
neiras de prosseguir, sabendo, de antemão, que a tarefa é dificílima e que muitos,
antes deles, optaram, ou por não procurar oferecer nenhum ensino nessas áreas, ou,
então, pela doutrinação como única alternativa viável. É em confronto com este di-
lema que muitos têm optado pela alternativa da chamada “educação negativa”,
que não é nem educação, nem negativa, devendo, talvez, ser descrita como “não
educação neutra”, por paradoxal que esta expressão também pareça: afirmam que
o ensino da moralidade, da política, e da religião não deve ser ministrado até que
a criança atinja maturidade suficiente para analisar a evidência e tirar suas próprias
conclusões. Outros têm se desesperado e concluído que a única alternativa, apesar
dos pesares, é doutrinar – estes são os doutrinadores contra sua própria vontade.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 24


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Tanto os defensores da “educação negativa” como os que, contra a vontade,


optam pela doutrinação, não veem uma terceira alternativa, não veem uma so-
lução realmente educacional para o problema. Embora não afirmemos que esta
solução seja fácil de alcançar, cremos que desenvolvimentos recentes, principal-
mente no campo da educação moral, têm nos indicado o caminho a seguir na
direção de uma educação moral viável e digna do nome. Mas ainda há muito por
fazer nesta área.
Em sexto e último lugar, gostaríamos de observar que, de tudo o que foi dito
acerca da doutrinação, fica claro porque a doutrinação é indesejável e moral-
mente censurável.
Quem doutrina não respeita a liberdade de pensamento e de escolha de seus
alunos, procurando incutir crenças em suas mentes e não lhes dando condições de
analisar e examinar a evidência, decidindo, então, por si próprios; quem doutrina
desrespeita os cânones de racionalidade e objetividade, tratando questões aber-
tas como se fossem fechadas, questões incertas como se fossem certas, enunciados
falsos ou não demonstrados como verdadeiros como se fossem verdades acima de
qualquer suspeita.
É verdade que esta tomada de posição contra a doutrinação já implica, ao
mesmo tempo, um comprometimento com certos valores e ideais básicos, como o
da liberdade de pensamento e de escolha dos alunos (e de qualquer pessoa), o da
racionalidade, etc. É importante que isto seja reconhecido para que não se incorra
no erro de pensar que a adoção desses valores e ideais não precise ser defensável,
e, mais que isto, defendida, por meio da argumentação.
Argumentos contra a adoção desses valores e ideais precisam ser cuidadosa-
mente analisados para que, ao propor a tese da indesejabilidade e falta de apoio
moral da doutrinação, não o façamos de modo a imitar os doutrinadores, isto é, tra-
tando como fechada uma questão que é realmente aberta. Cremos não ser esta
a ocasião de fazer esta defesa dos valores e ideais da liberdade de pensamento
e escolha, nem da racionalidade. Mas isto não significa que estes valores e ideais
não precisem ser defendidos.
Com estas observações concluímos esta seção sobre doutrinação. Cremos que
a análise desse conceito, além de valiosa em si mesma, nos ajuda a compreender
melhor, por contraste, o que seja a educação. Uma análise mais completa deve-
ria incluir um exame das semelhanças e diferenças existentes entre doutrinação,
treinamento, condicionamento, lavagem cerebral, etc. Há importantes diferenças,
bem como semelhanças, entre estes conceitos. Isto, porém, precisará ficar para um
outro trabalho.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 25


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo 5
q A filosofia da educação e a educação cristã

“P or isso, rejeitando toda a imundícia e superfluidade de malícia, rece-


bei com mansidão a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as
vossas almas.” (Tg 1.21).
Agora que conhecemos um pouco a respeito da filosofia da educação, ca-
be-nos aplicá-la à vida cristã. É muito perigoso, por um lado, tentar aplicar rigida-
mente um esquema filosófico sobre o estudo da teologia. Nem sempre o resultado
deste “casamento” foi uma escolha feliz. Isto porque muitos incorreram no risco de
“dogmatizar sistemas filosóficos” rígidos, fazendo com que tudo se ajustasse a ele.
Immanuel Kant foi muito feliz ao dizer que não se pode ensinar filosofia a alguém, só
se pode ensiná-lo a filosofar.
Isto quer dizer que aplicar a filosofia da educação à educação cristã não se
trata de transportar noções e teorias idealizadas por pensadores seculares para
dentro do âmbito cristão. Esquecer-se de que a natureza do cristianismo é ímpar, e
fazer isto, significa querer ajustar a pessoa ao traje, ao invés do contrário. Buscamos
vestir uma roupa menor em um usuário maior e para resolver o problema, cortamos
os braços e as pernas da pessoa, ao invés de adaptar a roupa. Sem essa conside-
ração, não podemos continuar.
Mas se entendemos que o cristianismo tem uma forma toda sua de ver o ho-
mem e a vida, e a filosofia nada mais é do que pensar a respeito da educação dos
cristãos, então é possível agir de forma a tornar a filosofia da educação uma ferra-
menta de grande valia dentro da educação cristã. Começamos a nos aprofundar
no significado da educação dentro de um contexto cristão, que embora tenha
pontos semelhantes ao da educação comum, tem também pontos diferentes.
Mesmo considerando a natureza ímpar do cristianismo, uma boa parte do que
“pensamos” sobre a educação secular, pode e deve ser pensado a respeito da
educação cristã. Processos, métodos e razões de aprendizado existem em ambas.
Embora possa haver diferenças em termos de potencialidades, em conceitos de
felicidade e na comunidade na qual cristãos e não cristãos estão inseridos, trata-se
apenas de questões qualitativas. Os pontos comuns são tantos quanto os distintos.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 26


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Neste capítulo, estaremos nos concentrando principalmente nos pontos distin-


tos, embora ocasionalmente estaremos fazendo referências àquilo que já pudemos
verificar com respeito à filosofia da educação dentro da área secular.
Se aplicarmos as mesmas considerações, vamos encontrar na educação cris-
tã os mesmos alvos que encontramos na secular. Fazendo um paralelo entre as
duas, temos:

 A educação cristã com finalidade de desenvolver as potencia-


lidades do cristão

A natureza divina (1Pe 1.4) recebida no novo nascimento não é uma natu-
reza estanque, imóvel, estática. Possui uma determinada potência, uma
capacidade de ir além de seu estado atual. Embora tudo o que se refere à vida
e à piedade cristã já nos tenha sido conferido (2Pe 1.3), em inúmeras passagens e
de maneiras diferentes é apontada à necessidade e a possibilidade do cristão de
desenvolver sua salvação. Entre as expressões e figuras utilizadas pelo Novo Testa-
mento, temos:
O cristão é um bebê que precisa crescer: “Desejai afetuosamente, como
meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por
ele vades crescendo” (1Pe 2.2).
O cristão é o galho de uma videira que precisa dar fruto: “Eu sou a videira ver-
dadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda vara em mim, que não dá fruto, a tira;
e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos,
pela palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e eu em vós; como a vara
de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós,
se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e
eu nele, este dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.1-5).
O cristão vai de glória em glória se transformando na imagem do próprio
Jesus: “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho
a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma ima-
gem, como pelo Espírito do Senhor”. (2Co 3.18).
O cristão precisa amadurecer, ainda que tenha seu tempo de menino:
“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discor-
ria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas
de menino” (1Co 13.11).
Todas estas coisas são indicativas da natureza dinâmica de um filho de Deus. Há
todo um processo envolvido no fato de ser um cristão. O que estaremos analisando
é como isto é feito e qual o papel da educação cristã dentro desse processo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 27


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Na educação secular, as potencialidades estão ligadas principalmente às ap-


tidões físicas, morais, sociais, intelectuais e artísticas. Embora na educação cristã
alguns desses elementos estejam presentes de maneira diferente, acrescenta-se a
dimensão espiritual, como o centro da vida cristã.

 A educação cristã com finalidade de levar o cristão à felicidade

“F ilho meu, não se apartem estas coisas dos teus olhos: guarda a verdadeira
sabedoria e o bom siso; porque serão vida para a tua alma, e adorno ao
teu pescoço. Então andarás confiante pelo teu caminho, e o teu pé não tropeçará.
Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu sono será suave ao te deitares.
Não temas o pavor repentino, nem a investida dos perversos quando vier. Porque o Se-
nhor será a tua esperança; guardará os teus pés de serem capturados” (Pv 3.21-26).
Dentro do âmbito do cristianismo, a felicidade adquire essências que podem
ser totalmente diferentes daquelas existentes na esfera secular da vida. Aliás, em
seu presente estado, o cristão tem em si a natureza carnal e a espiritual, e vive den-
tro de um contexto cristão, e secularizado da vida ao mesmo tempo. Para que o
cristão possa estar feliz sem comprometer seu testemunho e vivência como filho de
Deus, torna-se necessário uma análise bíblica dos limites entre um e outro.
Embora nem todo grupo evangélico reconheça isto, todos têm uma filosofia de
educação cristã. Todos têm um conceito do que é e faz um cristão feliz. Para resol-
ver esta dicotomia entre carne e espírito, igreja e mundo, as variadas denomina-
ções e grupos cristãos assumem posturas diferentes, pois nem sempre as diferenças
entre ascetismo, mundanismo e vida cristã equilibrada são fáceis de determinar.
As variações vão desde uma vida isenta de qualquer prazer neste mundo para
garantir a felicidade no outro, até uma plena felicidade imaculada, desfrutando o
melhor de ambos os mundos. Mas, no geral, os cristãos são educados no sentido de
viver uma vida espiritual plena, abstendo-se de tudo aquilo que não se harmoniza
com os princípios cristãos. Nem sempre isto significa uma situação feliz na presente
vida, optando-se, quando necessário, garantir primeiramente a felicidade eterna e
a glória de Deus.

 A educação cristã também educa para a comunidade

S eja essa comunidade a comunidade imediata que é a Igreja, seja a media-


ta, isto é, o mundo onde vivemos. Mesmo que cada dia mais igrejas enfo-
quem o bem estar social de seus membros, tomando para si a responsabilidade de
educá-los para a vida como um todo, a preocupação do cristão como membro
integrante da eclesia é predominante.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 28


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Em maior ou menor grau, a educação cristã é “eclesiocentrica”, ou seja, famí-


lia, estudo, trabalho, etc, são instituições que giram em torno da instituição princi-
pal, que é a igreja. Isto não significa de forma alguma uma exclusividade, no senti-
do das demais coisas não terem qualquer importância, mas, no sentido de que é a
vida dentro da igreja local que vai regular o andamento da vida no lado exterior.
A comunidade da fé, mesmo que não ganhe preponderância sobre a família
imediata, como esposa, esposo, pais, filhos, ganha muitas vezes com relação aos
parentescos mais distantes. A atitude de Jesus frente aos seus irmãos, narrada em
Mateus 12 muitas vezes é a atitude tomada pelos cristãos no dia a dia, senão em
teoria, ao menos em prática. Mas não podemos esquecer que, ao mesmo tempo
em que se educa para si mesma, é a igreja quem fornece os padrões cristãos para
vivência dentro das outras comunidades, como trabalho, família, estado, etc, pois,
são as próprias Escrituras que demonstram preocupação com estes aspectos práti-
cos da vida dos cristãos (Ef 6.5-7; Rm 13.1-7).
Logo, não podemos deixar de reconhecer que o cristianismo, mesmo centran-
do-se na comunidade da fé, termina por transcendê-la, uma vez que para alguém
ser considerado um bom membro da igreja, deve também ser bom cidadão, bom
pai, boa mãe, bom filho, bom empregado, etc. Assim, tendo por base a vida ecle-
siástica, todas as demais esferas da vida passam a ser orientadas à partir dessa
comunidade, avançando para as demais. A educação cristã ministrada dentro da
igreja, na verdade vai muito além desta, afetando o homem como um todo em
suas relações sociais.
Para o desenvolvimento de nosso estudo, cabe-nos fazer as seguintes perguntas:

Pode-se educar alguém para ser um cristão?


É necessário educar alguém dentro dos princípios cristãos?
Assumir um conjunto de ensinos cristãos equivale a andar pelos caminhos da lei?
Se a educação cristã é possível e necessária, o que a distingue da educação normal?
Como pode ser levada a efeito esta educação?
Existe valor em uma educação cristã que não seja dirigida a cristãos?

Claro que ao filosofar sobre estas questões da educação cristã, não estaremos
de forma alguma esgotando as possibilidades de investigação. Existem muitas pro-
posições que podem ser desenvolvidas a partir destas, fornecendo ainda maior de-
lineamento do tema. Estas, todavia, são suficientes para termos uma noção de sua
importância e nos ajudará a traçar algumas metas dentro deste conhecimento.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 29


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 A finalidade da educação cristã

P ode-se educar alguém para ser um cristão? É necessário educar alguém


dentro dos princípios cristãos?
Alguns textos bíblicos parecem tornar aquilo que chamamos de educação cris-
tã um erro, ou pelo menos uma inutilidade. Dentre outras passagens, poderíamos
citar as seguintes:
“Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome,
esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”
(Jo 14.26).
“E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes necessidade
de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas, e
é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele permanecereis”
(1Jo 2.27).
Estas passagens parecem mostrar que ao tornar-se um salvo o comportamen-
to cristão é consequência automática. Sem necessidade de qualquer tipo de “edu-
cação”, a pessoa passaria a proceder de forma cristã.
Mas este é apenas um dos lados da questão. Inúmeras outras passagens tam-
bém indicam algo diferente. Vemos que Deus colocou na igreja mestres, que cha-
ma pessoas aptas ao ensino, que fala em ser discípulo, em aprender. E estas passa-
gens nas Escrituras são tão ou mais numerosas do que as referidas anteriormente:
“E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber:
Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado
com Herodes o tetrarca, e Saulo” (At 13.1).
“E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar pro-
fetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, gover-
nos, variedades de línguas” (1Co 12.28) .
“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4.11).
“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para re-
darguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja per-
feito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra” (2Tm 3.16,17).
Como podemos notar, o aprendizado faz parte do viver cristão. Mesmo que
potencialmente ele tenha o Espírito Santo guiando sua vida e capacitando-o a
ser um cristão, exteriormente Deus unge pessoas para estarem “tirando para fora”
este conhecimento, tornando-o claro e compreensível. É um trabalho duplo de
edificação dupla.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 30


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Sempre que penso em educação lembro-me da explicação de Michelangelo


acerca da escultura. Ele dizia que a escultura já existia em um bloco de mármore.
Ele simplesmente tirava os excessos. Da mesma forma, o potencial de um cristão,
sua natureza como filho de Deus, já se encontra dentro dele. Tudo o que diz respei-
to à vida e à piedade, já lhe foi dado (2Pe 1.3).

O trabalho do educador cristão, não importa em que nível ou faixa etária ele
esteja trabalhando ou que ferramentas esteja usando, apenas extrai, tira para fora,
ou torna claro o caminho que deve ser seguido pelo servo de Deus. Ele não faz da
pessoa o que ela não pode ser. Ele apenas lhe indica o caminho que deve ser se-
guido, para tornar-se o que ele já é. Daí a exortação “Torna-te o que tu és”.

Logo, a educação cristã não tornará alguém cristão, caso ele já não seja um.
Pois o que Paulo ensinou a respeito dos judeus, vale ainda mais para os que se
dizem cristãos: “Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a
que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a
que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens,
mas de Deus.” (Rm 2.28,29). Como um bebê que precisa ser desenvolvido, uma
pedra bruta que precisa ser esculpida e lapidada, uma planta que precisa ser adu-
bada, regada, podada e cuidada, assim é o crente renascido. Ao ser educado
pelos princípios bíblicos, ele se tornará em ato, o que já é em potência, para usar a
linguagem filosófica de Aristóteles.

Isto se torna necessário, visto as condições decadentes em meio as quais se


desenvolve a nova natureza de um renascido. Ele é o que descreve o livro de Can-
tares: “Um lírio entre os espinhos” (Ct 2.2). A natureza remida se encontra em um ser
que também possui uma natureza não salva e vive em meio a um mundo decaden-
te jazendo no maligno. As influências externas e internas são opostas ao conteúdo
da nova vida. Tanto em termos de percepção, como de entendimento e de dispo-
sição para praticar o que é certo. Nisto se faz necessário uma educação cristã para
o entendimento do que é um cristão e de como ele deve viver neste século. É um
auxílio indispensável para o crescimento da igreja e seus membros.

 A lei, a graça e a educação cristã

A ssumir um conjunto de ensinos cristãos equivaleria a andar pelos caminhos


da lei?

Um dos grandes debates do período apostólico foi a aparente contradição entre


lei e graça. A lei parecia ter perdido a sua razão de ser, uma vez que não era mais o pa-
drão determinante de salvação e de referência para uma vida justa diante de Deus. A

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 31


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

ideia que muitos passaram a fazer da graça era um antinomismo, isto é, não havia
mais parâmetros para o que era certo ou errado (anti = contra; nomos = lei), como
podemos ver em Romanos 6.1. Era difícil entender como aquilo que fora de tal for-
ma exaltado no judaísmo, tornava-se agora dispensável no cristianismo.
Mas o valor que era retirado da lei e dos mandamentos, não era o valor em si. Era
o seu poder de salvar e aperfeiçoar os ouvintes que fora rejeitado, pois a lei não era
de forma alguma capaz disto “(pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou), e desta sorte
é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus” (Hb 7.19). Se a lei
dizia “Não cobiçarás”, claro que isto estava certo e continua sendo certo. Os cristãos
não devem ser cobiçosos. O problema é que ao impor essa ordem, a lei não forne-
cia qualquer poder para o ouvinte, de obedecer. Na verdade, ela causava nele o
efeito contrário, isto é, motivado pela natureza caída e rebelde, ele tendia a fazer
justamente o que lhe era proibido: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo
nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria
a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando
ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência; porquanto sem
a lei estava morto o pecado. E eu, nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o manda-
mento, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que era para vida, achei eu
que me era para morte. Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me
enganou, e por ele me matou. E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e
bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para
que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo man-
damento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm 7.7-12).
Não cobiçar, continua sendo necessário, mas deve ser feito não porque a lei o
diz, mas porque assim exige a nova natureza do crente. Da mesma forma, não cobi-
çar se torna possível, não porque existe um mandamento exterior, mas porque o in-
terior foi transformado e a tendência da nova natureza é obedecer a Deus em tudo.
Não somos antinomistas. Temos lei. A lei de Cristo (1Co 9.21). A morte de Cristo na cruz
não é um substituto para a obediência a Deus, mas a forma como o caminho para a
obediência foi aberto: “Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava en-
ferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado,
pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse
em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.3,4).
Logo, educar alguém dentro dos princípios éticos do cristianismo, não equivale
de forma alguma a substituir uma lei por outra. Não é uma troca da lei mosaica
pela lei cristã. É antes um reconhecimento de que o potencial para a obediência
está agora à disposição do crente e ensinar a que este potencial se destina é ne-
cessário e construtivo.
A pedagogia cristã não pode ir de encontro ao que as Escrituras ensinam, nem
algo que eu, naturalmente, como cristão, sinto-me inclinado a fazer. Ambas as coi-
sas devem estar em harmonia com o conteúdo ensinado.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 32


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 Educação secular versus educação cristã

S e a educação cristã é possível e necessária, o que a distingue da educação


normal?
Dentre as distinções apontadas nós temos:

A diferença das potencialidades latentes


A diferença dos conceitos de felicidade envolvidos
A diferença da comunidade na qual o educando está sendo inserido

Sendo assim, já de princípio temos uma distinção relacionada à finalidade da


educação cristã e da educação secular. Suas esferas de vivência são muito dife-
rentes, porque os valores de cada uma são diferentes. Embora possa haver intera-
ção, uma vez que a igreja está inserida dentro de outras comunidades, as diferen-
ças permanecem. O que é importante dentro de uma, pode ser menos importante,
ou mesmo não ter nenhuma importância dentro da outra. A hierarquia de valores é
completamente diferente.

Tomemos como exemplo os países que são opositores ao cristianismo. Os cris-


tãos vivem sob pressão, sofrendo restrições profissionais, desprezo social, agressão
física e algumas vezes até mesmo morte. Na educação secular, o indivíduo é ensi-
nado a buscar realização profissional e financeira a qualquer custo. Na educação
cristã, o indivíduo até pode ser incentivado a buscar estas coisas, mas deve priorizar
sua posição de cristão, estando disposto a perder tudo isto e até mesmo sua pró-
pria vida se for necessário.

Em uma sociedade secularizada como a nossa, colocar valores espirituais e


eternos acima dos econômicos e terrenos é visto como algo estranho, anormal.
A ética cristã, em muitos dos seus aspectos, choca-se com a ética geral. Paulo
escreveu aos Romanos: “E não sede conformados com este mundo, mas sede
transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). E também
escreveu aos filipenses: “Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas;
para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de
uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no
mundo” (Fl 2.14,15). Em todos os tempos, o “normal” da sociedade nunca foi o
“normal da igreja”, mesmo que os conceitos éticos da igreja possam ter mudado
ao longo dos anos.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 33


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Um exemplo desta distinção pode ser tomado dos menonitas, grupo oriundo
do movimento anabatista do século 16. Os menonitas rejeitavam quase todo o
contato com o mundo externo à sua comunidade. Muitos não aceitavam a técnica
trazida pelo capitalismo e por isso seus filhos eram educados por eles mesmos. Sua
educação não estava em nada relacionada à tecnologia moderna, mas estava
voltada à sua sociedade agrícola. Primavam por ensiná-los a viver em comunida-
de, destacando os valores humanos e espirituais.
Além destas distinções de finalidades e valores, a educação cristã, principal-
mente quando realizada dentro do contexto eclesiástico, prevê que os educandos
já passaram pela experiência cristã, sem a qual, não só os conceitos se tornam obs-
curos, como a validade deles também.
Quando educamos alguém para ser um engenheiro, estamos supondo que
toda a formação técnica a ele dirigida vá transformá-lo neste tipo de profissional.
Mesmo que não venha a sê-lo efetivamente, o é potencialmente. Foi educado para
isto. Pode até ser que suas tendências naturais venham a predominar, levando-o
a optar por outra carreira. Mas tem conhecimento e formação para aquilo que foi
educado. O mesmo pode ser dito sobre alguém educado em qualquer ramo. Não
há uma exigência prévia em termos qualitativos.
O educador cristão, todavia, precisa contar que está ensinando a cristãos. Sabe
que o conteúdo de seu ensino só terá algum efeito se direcionado a pessoas que
preenchem requisitos específicos. Este requisito é ter nascido de novo e se tornado
um filho de Deus, do contrário, seu ensino será inútil, mas não atingirá seu alvo. Não
pode transformar um não cristão em cristão, apenas porque este absorveu determi-
nado conteúdo. Não atingirá o potencial e a finalidade plena de sua tarefa.

 Ferramentas e métodos da educação cristã

C omo pode ser levada a efeito esta educação?


A educação cristã, assim como a não cristã, também se faz de modo formal e
informal. A primeira caracterizada por ser sistemática e voluntária e a segunda por
ser o contrário, isto é, assistemática e involuntária.
Quando a igreja desenvolve: escolas dominicais, acampamentos, seminários,
institutos e faculdades teológicas, ela está educando formalmente, com método e
propósito. Mas, de uma maneira formal, a comunidade cristã está continuamente
educando, através da atitude e conselho dos pais, das pregações, dos cânticos,
etc. Na verdade, toda comunidade é educadora, queira isto ou não, tenha co-
nhecimentos disto ou não. Por isso, a igreja e o ambiente cristão como um todo
realizam educação informal.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 34


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A educação cristã vai, em certos aspectos, distinguir-se da educação secular,


também por causa das ferramentas utilizadas em seu trabalho, ou ferramentas, que
embora não sejam exclusivas suas, ela o usa com maior intensidade.

 As Escrituras cristãs como ferramenta capital


O Cânon do Novo Testamento é a ferramenta inicial e principal para a educa-
ção cristã. Isto por dois motivos: pela sua inspiração divina, que lhe confere autori-
dade e inerrância, e por seu valor documental. Como valor documental, queremos
dizer que o conteúdo dos livros é fiel em expor os ensinos e as obras tanto do Senhor
Jesus Cristo quanto de seus apóstolos.
Tornam-se estes livros a base para todo o desenvolvimento da educação cristã,
quer ética, quer doutrinária, quer como conteúdo de fé. Ele (o cânon neotesta-
mentario) reúne em si a sabedoria e a inspiração divina, e ao mesmo tempo a fi-
delidade aos fatos, o que lhe confere grande valor objetivo. As Escrituras do Antigo
Testamento, embora sendo o período de preparação para a Era Cristã, possuem
o mesmo grau de inspiração e objetividade e, devidamente entendida, fornecem
também elementos para a educação cristã.

 A pregação como ferramenta de educação cristã


Embora a pregação não seja necessariamente uma ferramenta formal de edu-
cação cristã, é talvez um dos elementos mais influentes dentro do contexto evan-
gélico. Semana a semana as pessoas se expõem a um grande número de mensa-
gens, tanto de seu pastor imediato quanto de outros.
O conteúdo destas mensagens vai, em grande parte, determinar a formação
intelectual e psicológica dos ouvintes. A pregação, além dos recursos didáticos tra-
dicionais, possui o elemento emotivo despertado pela retórica de algum tipo. Por
isso acaba adquirindo uma influência até maior do que o mero ensino. Claro que
ele está inserido em uma estrutura muito maior que também educa, isto é, o culto,
mas a pregação funciona como o clímax do culto, o momento que todos estão
esperando desde o início.

 A música como ferramenta de educação cristã


“Deixe-me escrever os hinos de uma nação, e não me importa quem fará suas
leis”, disse um estadista. Ele conhecia o poder de influência da música. O sábio
chinês Confúcio, de quem derivou o sistema filosófico conhecido como confucio-
nismo, fez da música uma forte aliada de sua doutrina.
Os historiadores da Igreja são unânimes em reconhecer que o defensor mais in-
fluente da doutrina da Trindade, não foi Atanásio, seu principal apologista, mas sim
o bispo Ambrósio, de Milão, que através dos hinos que compôs, conseguiu ensiná-la
e torná-la compreensível para o povo comum.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 35


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Muitas vezes esta poderosa ferramenta tem sido ignorada. As pessoas só con-
seguem enxergar o elemento estético dentro da música cristã. Ela transmite beleza
ao culto. Não a utilizam como instrumento para o ensino. Na maioria das vezes,
quando isto acontece, é de forma involuntária, automática. Mas como na prega-
ção, porque envolve a emoção, ela tem um poder maior do que as ferramentas
didáticas tradicionais, para fixar doutrinas e valores.
Também por isso é importante o educador cristão observar o conteúdo das
letras dos hinos. Quando dizemos para atentar para as letras, não significa tentar
encontrar nelas algum elemento doutrinário distorcido. Mas é importante saber se
o que ela está “ensinando” são valores verdadeiramente cristãos e úteis para a
igreja. O que ensinamos ao povo está de acordo com o que cantamos durante o
culto? Ou existem coisas que poderíamos estar ensinando através deste tão pode-
roso instrumento e que não estamos fazendo?
O conteúdo doutrinário, bem como o conteúdo ético e mesmo a visão de um
determinado grupo eclesiástico, se encontra geralmente diluído em seus hinários.
Até mesmo os ritmos adotados exprimem muito do comportamento do grupo. Por
todas estas coisas, a música deve ser olhada como forte instrumento educativo,
mais do que como ornamento da liturgia.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 36


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Capítulo
q Métodos de educação cristã
6
A o longo da história da Igreja, diferentes métodos têm sido utilizados para
educar o povo dentro dos princípios cristãos. Basta lembrar que no Brasil,
José de Anchieta se utilizou do teatro com crianças para passar aos índios os princí-
pios elementares do cristianismo. Isto demonstra a versatilidade dos métodos.
Jesus utilizou abundantemente a parábola, isto é, histórias do dia a dia que ilus-
travam profundas verdades espirituais. Ele assentava-se no meio do povo e passava
a expor de forma simples as verdades concernentes ao reino de Deus. Nem sempre
era compreendido, mas seus propósitos didáticos foram com certeza alcançados.
Os apóstolos, além dos ensinos gerais, se utilizaram das cartas, isto é, as epísto-
las cristãs. Estas, não só corrigiam desvios de comportamento presentes nas comu-
nidades para as quais foram enviadas, como serviam para um objetivo mais amplo,
que era explicar a doutrina cristã para seus destinatários. Romanos, por exemplo,
não era apenas uma saudação do apóstolo Paulo para uma igreja que ele não
conhecia pessoalmente, mas é um verdadeiro tratado, ou talvez o mais profundo
tratado sobe a doutrina cristã. Hebreus não era apenas uma exortação aos cris-
tãos-judaicos para que não negassem sua fé, mas uma eloquente explicação sobre
a relação entre antiga e nova aliança.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 37


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Estes procedimentos talvez pareçam por demais assistemáticos para o mundo


metódico de hoje, mas eram eficazes para seu contexto. Hoje utilizamos alguns mé-
todos diferenciados, que apesar de diferentes, visam o mesmo alvo – educar toda
uma geração cristã e torná-la, o máximo possível, praticante da fé que professa.
Vejamos alguns métodos interessantes:

 A Escola Dominical

D esde o princípio da história da Igreja, sempre existiu a chamada “instrução


dos catecúmenos”, isto é, os candidatos ao batismo. Desde o início se viu
a necessidade de passar aos novos convertidos o conteúdo elementar da doutrina
cristã, principalmente porque aqueles que se voltavam para o cristianismo vinham
de um ambiente profundamente pagão e precisavam entender a fé que agora
haveriam de professar.
Este tem sido um dos métodos de educação cristã mais comuns. A Escola Do-
minical teve inicio no século 18 na Inglaterra e se espalhou por todas as igrejas,
generalizando o hábito de utilizar, geralmente, os domingos de manhã para ensinar
“leigos” acerca das Escrituras.
A princípio, ela foi um método de evangelismo, pois buscava reunir pessoas
fora da igreja para conhecerem os princípios da Palavra de Deus. Mas com o
passar do tempo, passou a ser instrumento para abordar todos os aspectos do
conteúdo cristão.
Geralmente, isto é feito com literatura específica, abordando lições periódicas
que vão abrangendo passo a passo diversos assuntos relacionados às Escrituras e à
vida cristã. Os alunos são separados por faixas etárias diferentes ou por tempo de
conversão ou mesmo por níveis de aprendizado.
A Escola Dominical do nosso tempo nasceu da visão de um homem que, com-
padecido com as crianças de sua cidade, quis dar-lhes um novo e promissor hori-
zonte. Como ficar insensível ante a situação daqueles meninos e meninas que, sem
rumo, perambulavam pelas ruas de Gloucester? Nesta cidade, localizada no sul da
Inglaterra, a delinquência infantil era um problema que parecia sem solução.
Aqueles menores roubavam, viciavam e eram viciados; achavam-se sempre
envolvidos nos piores delitos.
É nesse momento tão difícil que o jornalista episcopal Robert Raikes entra em
ação. Tinha então 44 anos quando saiu pelas ruas a convidar os pequenos trans-
gressores a que se reunissem todos os domingos para aprender a Palavra de Deus.
Juntamente com o ensino religioso, ministrava-lhes, Raikes, várias matérias secula-
res: matemática, história e a língua materna - o inglês.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 38


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Não demorou muito e a escola de Raikes já era bem popular. Entretanto, a


oposição não tardou a chegar. Muitos eram os que o acusavam de estar “que-
brando” o domingo. Onde já se viu comprometer o dia do Senhor com esses mo-
leques? Será que o Sr. Raikes não sabe que o domingo existe para ser consagrado
a Deus?

Embora tenha começado a trabalhar em 1780, foi somente em 1783, após três
anos de oração, observações e experimentos, que Robert Raikes resolveu divulgar
os resultados de sua obra pioneira.

No dia 3 de novembro de 1783, Raikes publica, em seu jornal, o que Deus ope-
rara e continuava a operar na vida daqueles meninos, em Gloucester. Eis porque a
data foi escolhida como o dia da fundação da Escola Dominical.

Mal sabia Raikes, que estava lançando os fundamentos de uma obra espiri-
tual que atravessaria os séculos e abarcaria o globo, chegando até nós, a ponto
de haver hoje dezenas de milhões de alunos e professores, sendo a maior e mais
poderosa agência de ensino da Palavra de Deus de que a igreja dispõe. Tornou-
se a Escola Dominical tão importante, que já não podemos conceber uma igreja
sem ela.

 A educação cristã no lar

“E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensina-


rás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e deitando-te e levantando-te” (Dt 6.6,7).

Mesmo que nem sempre seja feito de forma regular e sistemática, os pais são
os educadores cristãos naturais de seus filhos. Aliás, podemos dizer que esta é a
educação principal, pois envolve toda a vivência. Não estão presentes apenas
elementos didáticos, mas afetivos e práticos.

Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a educação dentro dos princípios


da Palavra de Deus é colocada sob a responsabilidade dos pais e não de alguma
outra instituição, fosse ela judaica ou cristã. Estas devem ser apenas complemento
daquela já recebida em casa.

O contato contínuo com a criança permite aos pais uma constante exortação
e instrução, explicando o que a Palavra de Deus ensina assim que a necessidade se
apresenta. Este tipo de educação formal dificilmente vai envolver conceitos teoló-
gicos, mas nem por isso é menos importante, pois por outro lado envolve questões
práticas do cristianismo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 39


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 A educação cristã influenciando a sociedade

E xiste valor em uma educação cristã que não seja dirigida a cristãos?
“Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre
um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no ve-
lador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está
nos céus” (Mt 5.14-16).
Diante de tudo o que vimos até agora, cabe-nos ainda um último questiona-
mento. Se é impossível tornar alguém cristão por meio da educação e se esta só é
devidamente absorvida quando acompanhada pela experiência cristã, há algum
valor em espalhar a ética e os conceitos cristãos no meio da sociedade secular?
A educação religiosa de cunho cristão, ou os serviços de capelania nas institui-
ções militares, podem ser considerados inúteis, uma vez que estão dirigidos em sua
maior parte à pessoas não-cristãs? De forma alguma. Isto faz parte da influência
benéfica do cristianismo sobre o mundo, de sua ação como sal, que impede sua
deterioração; ela funciona como uma espécie de cimento, amenizando as forças
desagregadoras da sociedade.
Além do que, a educação cristã, fora da esfera eclesiástica, cria um ambiente
propício a uma conversão genuína ao Evangelho. A conversão nem sempre é um
acontecimento repentino e imediato. Muitas vezes é um processo mais ou menos
longo. Os diversos contatos com a mensagem cristã, possíveis através da educação
cristã na escola, no exército ou em escolas bíblicas, possibilitam este processo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 40


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

q Conclusão

“O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu


rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas
sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também
eu me esquecerei de teus filhos” (Os 4.6).
Infelizmente, temos de admitir que certos aspectos do cristianismo têm sido
destacados em detrimento de outros. Embora tenhamos consciência de que a ex-
periência cristã é a finalidade da educação cristã, sem esta última, a experiência
pode vir a se tornar algo indefinido e vago, tirando as bases necessárias para o
desenvolvimento do cristianismo.
O elemento milagroso do cristianismo é tão importante quanto o fato didáti-
co. Conhecer e viver a mensagem cristã são duas faces da mesma moeda. Teoria
e práxis são necessárias. Se não, corremos o risco de estar caminhando para um
evangelho subjetivo, onde a verdade passa a se basear na frágil jangada da expe-
riência humana.
Mais e mais vemos o cristianismo tornar-se de tal forma pragmático, a ponto de
considerar qualquer tipo de instrução como algo senão inútil ao menos dispensável.
Assumem uma postura demasiadamente “pneumática”, aceitando como suficien-
te apenas a habitação do Espírito Santo, como suficiente para o desenvolvimento
da vida cristã. Desprezam a capacitação divina para o ministério do ensino, bem
como a necessidade de apreensão das verdades cristãs pela mente. “A reflexão
crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual
a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (Pedagogia da economia,
Paulo Freire, Paz e Terra, p.21).
Cabe à Igreja ser a grande educadora da humanidade, não só daqueles que
estão em seu seio, mas também do próprio mundo. Se não for ela o instrumento para
ensinar ao mundo os princípios tanto de ética com de realidade cristã, quem será?

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 41


29 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

q Referências bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando –
Introdução à filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1995.

CHAVES, Eduardo O C. Um esboço de filosofia analítica da educação. e-book.


DICK, Cornelius J. Uma introdução à história menonita. Campinas: Editora Cristã
Unida, 1992.

DURANT, Will. A história da filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Editora Cortez, 1981.
________________. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
________________. Pedagogia da economia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Dicionário Eletrônico Michaelis

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 42


www.saberefe.com
Acesse agora!

Você também pode gostar