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Arqueologia Pública
Publicação Anual
no 1
2006
UNICAMP
NEE / ARQUEOLOGIA PÚBLICA
Editores
Pedro Paulo Abreu Funari (NEE/UNICAMP)
Erika Marion Robrahn-González (NEE/UNICAMP)
Comissão Editorial
Lourdes Dominguez (Oficina del Historiador, Havana, Cuba)
Andrés Zarankin (UFMG)
Gilson Rambelli (NEE/UNICAMP)
Nanci Vieira Oliveira (UERJ)
Ana Pinon (Universidad Complutense de Madrid, Espanha)
Pedro Paulo Abreu Funari (NEE/UNICAMP)
Erika Marion Robrahn-González (NEE/UNICAMP)
Charles Orser (Illinois State University, EUA)
Conselho Editorial
Gilson Martins (UFMS)
José Luiz de Morais (MAE/USP)
Peter Ucko (Institute of Archaeology, UCL)
Laurent Olivier (Université de Paris)
Sian Jones (University of Manchester)
Martin Hall (Cape Town University, South Africa)
Bernd Fahmel Bayer (Universidad Nacional Autónoma de México)
Projeto gráfico
José Luiz de Magalhães Castro Neto
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
EDITORIAL
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Sumário
Artigos
49 O que é isso? Para que serve? Quem são vocês? O que fazem?
Uma experiência de Arqueologia Pública em Paranã – TO
Leilane P. Lima
Gilberto da Silva Francisco
Resenhas
123 Envisioning the past. Archaeology and the image.
Ana Maria Mansilla Castaño
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006, pgs. 7-18.
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A divulgação do patrimônio arqueológico em Castilla y Leon (Espanha): O desafio dos espaços divulgativos
Ana Maria Mansilla Castaño
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
dos conjuntos discursivos e atingir conclu- possíveis incluir na análise. No momento atu-
sões válidas. al há mais de trinta aulas abertas (Val e
Escribano 2004). São estes os espaços
divulgativos mais novos, ubicadas perto dos
ANALISE sítios arqueológicos, em prédios de arquite-
tura rural ou prédios da comunidade atual-
Segue-se a análise dos discursos dos es- mente fora de uso, sendo seus principais ob-
paços divulgativos, museus, sítios arqueoló- jetivos: 1) complementar, embora não subs-
gicos e aulas arqueológicas. É este o tipo de tituir, os museus, 2) servir de explicação, pre-
discurso que têm uma maior incidência no parar e provocar a visita aos sítios e 3) obter
público ou uma maior visibilidade. O que se rentabilidade social e cultural nos lugares onde
denominou discurso dos lugares é um con- a Administração já tinha investido previamen-
junto amplo e complexo, formado por uma te. As aulas arqueológicas se caracterizam por
amostra que se considerou suficientemente seu pequeno tamanho, o protagonismo dos
representativa. Tanto sob o ponto de vista elementos visuais, auditivos e tácteis e a au-
quantitativo (10 museus, entre os quais estão sência de um acervo próprio, de serviços as-
inclusos aqueles que têm seções de arqueo- sociados de conservação, documentação e
logia e os estritamente arqueológicos, 36 síti- pesquisa de materiais originais.
os arqueológicos e 23 aulas arqueológicas), Optou-se pela limitação do número das
quanto qualtitativo, ao incluir na amostra os variáveis, mesmo que o potencial de análise
exemplos mais significativos das diferentes fosse muito maior, de forma que fosse pos-
províncias. No entanto, levando em conside- sível a comparação entre os diferentes es-
ração o caráter dinâmico da divulgação, no paços. Assim mesmo, isto obrigava a inclu-
momento de fechar a pesquisa abriram-se e, são de algumas variáveis quantitativas. Cada
com efeito, continuam a ser abertos ao públi- espaço introduz algumas nuances, mas as
co novos espaços divulgativos que não foram variáveis analisadas foram oito. (Figura 2).
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apresentadas narrativas que resultem signifi- 3. A Imagem das aulas nao é homogê-
cativas para os diferentes públicos. Isto im- nea, nem sequer nas que formam parte das
plica um discurso que é muito historicista em rotas arqueológicas como a dos Valles de
alguns casos, no seu sentido mais tradicional Zamora, e sua articulação com outros espa-
e distante, muitas datas e dados, governantes ços divulgativos do patrimônio arqueológico
e um mundo masculino de batalhas, detalhe não está muito definida.
arquitetónico, tático e técnico, que se conecta 4. Falta uma adequada avaliação dos
pouco com a experiência quotidiana do visi- elementos expositivos, fundamentalmente
tante, como se aprecia principalmente nas das aportações reais dos elementos mais
aulas da rota das fortificações de fronteira em novedosos frente aos mais tradidionais. Aqui
Salamanca, as quais se afastam das atuais entraria o tão discutido tema da
linhas de pesquisa da arqueologia histórica interatividade.(Ramos 2003).
de autores como Lydon (1999) ou Funari Levando em consideração as caracterís-
(1998, 1999) nos seus diferentes contextos. ticas gerais dos discursos nos diferentes es-
No que diz respeito às expectativas, na paços, aprecia-se que são mais os elemen-
maioria dos casos nos quais o visitante não tos partilhados do que as divergências: (Fi-
tem uma idéia muito precisa do que vai ver, o gura 5).
grau de satisfação é elevado. Pelo contrário, 1. Observa-se uma semelhança estrutu-
se aprecia uma certa decepção quando as ral entre os diferentes espaços.
expectativas são maiores, como acontecia na 2. Existe uma desconexão entre o dis-
aula dedicada a Atapuerca. curso sobre o patrimônio e o papel do pró-
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analise dos discursos divulgativos, não é uma zas quanto as alternativas propostas não
imagem definitiva. Com certeza nos diferen- surgem da singularidade das próprias carac-
tes aspectos críticos aos que se fez referên- terísticas e da história particular de cada um
cia, se atenuarão e irão se corrigindo como dos espaços divulgativos. Trata-se mais do
resultado da própria prática divulgativa. Al- resultado da aplicação de uma metodologia
guns dos casos analisados se renovarão ou de análise que poderia ser extrapolada a
serão completamente substituídos com a in- outros contextos, com rumos bastante dife-
trodução de novidades que não foram rentes. Isto permitiria, assim mesmo, me-
indicadas. lhorar a definição e o ajuste da mesma para
Também não é a imagem de uma situa- superar as carências que se têm apresenta-
ção única, se considera que tanto as fraque- do neste caso concreto.
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A divulgação do patrimônio arqueológico em Castilla y Leon (Espanha): O desafio dos espaços divulgativos
Ana Maria Mansilla Castaño
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século XX, sendo, portanto, material acessí- dos em vários Estados brasileiros (Meggers
vel para pesquisa e divulgação. 1985, Simões 1977).
Durante a primeira metade do século XX, A pesquisa de Meggers e Evans baseava-
a arqueologia da Ilha de Marajó atraiu a aten- se no pressuposto teórico de que havia uma
ção de estrangeiros: antropólogos, jornalis- estreita relação de dependência entre desen-
tas e museólogos americanos e europeus volvimento cultural e ecologia. De acordo com
vieram conferir de perto as notícias sobre a a tipologia construída por Steward com base
civilização marajoara e obter objetos exóti- na etnografia e dados históricos do continen-
cos para seus museus. A literatura produzi- te, o grau máximo de evolução cultural possí-
da neste período (Farabee 1921, Lage 1944, vel no ambiente tropical era o de “tribo”
Lange 1914, Mordini 1936, 1947, Nordenskiöld (Steward 1948b). As tribos da floresta tropi-
1930, Palmatary 1950, Torres 1940) – quase cal, descritas por Lowie na introdução do vo-
toda ela em língua estrangeira - limitou-se a lume 3, bulletin 143 do Handobook of South
confirmar o que já havia sido escrito a res- American Indians foram consideradas como
peito da cultura marajoara e consistiu prin- o protótipo da sociedade tropical. Uma vez
cipalmente na descrição das escavações e que o ambiente tropical limitava o desenvolvi-
da cerâmica. Aumentou o número de sítios mento cultural, restava à arqueologia a tare-
conhecidos e a gama de objetos encontra- fa de mapear e identificar as culturas e pro-
dos nos mesmos. por hipóteses sobre movimentos populacionais
Este afluxo de estrangeiros despertou o destas sociedades semi-sedentárias.
interesse local sobre a riqueza arqueológi- Diversas destas culturas de floresta tro-
ca. Até então, os fazendeiros criadores de pical foram identificadas na Amazônia por
gado ainda não tinham dado importância às Meggers, Evans e seus sucessores. Essas
descobertas e permitiam a entrada em suas culturas eram descritas principalmente em
propriedades assim como as escavações por termos de sua produção cerâmica. A cada
parte de curiosos e estudiosos, fossem elas conjunto de traços cerâmicos distintos foi
feitas por arqueólogos ou não. A partir da dado o nome de “fase arqueológica”. As fa-
metade do século XX, então, estabeleceu-se ses que apresentavam traços semelhantes
de forma informal e esporádica um comér- foram agrupadas dentro de categorias mai-
cio de peças arqueológicas que acabou le- ores chamadas de “tradições arqueológicas”.
vando, ironicamente, tanto à destruição de Uma destas fases, no entanto, chamada
vários dos sítios assim como à projeção in- de “fase Marajoara” (a mesma cultura
ternacional da cerâmica e cultura marajoaras. marajoara que vinha sendo pesquisada des-
Ao final da década de 1940, dois antro- de o século XIX) não se encaixava dentro da
pólogos americanos, Betty Meggers e Clifford descrição de “tribo da floresta tropical”. De-
Evans, identificados com o nascente neo- vido às suas características complexas, as-
evolucionismo de James Steward realizaram semelhava-se mais àquelas chefaturas
uma extensa pesquisa no arquipélago de Circum-Caribenhas também descritas no
Marajó (Ilhas de Marajó, Caviana e Mexiana), Handbook (Steward 1948a). Uma vez que
assim como no então território do Amapá, não havia espaço no modelo para o desen-
identificando diversas “culturas cerâmicas” e volvimento autóctone de complexidade nos
estabelecendo uma cronologia do desenvol- trópicos, sugeriu-se que esta sociedade te-
vimento cultural na foz do rio Amazonas ria vindo das terras altas da América do Sul.
(Meggers & Evans 1957). A escola históri- Ao estabelecer-se no pobre ambiente tropi-
co-cultural ou da ecologia-cultural como fi- cal teria degenerado até o nível de tribo. Essa
cou conhecida, trouxe consigo toda uma “degeneração” era supostamente sustenta-
metologia destinada a mapear o passado da pela evidência empírica da existência de
arqueológico brasileiro, formando ao longo cerâmicas menos complexas nos níveis su-
de 20 anos profissionais com ela identifica- periores dos aterros, assim como por mu-
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As pesquisas realizadas por nós desde mação científica de acordo com suas neces-
1994, inicialmente investigando a iconografia sidades e expectativas. Na medida em que
da cerâmica (Schaan 1996, 1997, 1999) e a cultura descrita pelos cientistas é conside-
depois aspectos da organização social atra- rada como o passado regional, o público apo-
vés de pesquisas de campo em diversos síti- dera-se da reconstituição deste passado
os da Ilha (Schaan 2004, 2005) têm tido uma agregando sua própria interpretação. No
repercussão e aceitação pública maior do que decorrer deste artigo, vamos ver como isso
as anteriores. Isso se deve tanto pela dispo- se dá em situações concretas.
nibilidade de textos em português (em revis-
tas especializadas, livros e na internet, no
site www.marajoara.com), como pelo con- A REINVENÇÃO DA TRADIÇÃO
tato com o público através de palestras, cur-
sos, curadoria de exposições museológicas Na década de 1970, o distrito de
e entrevistas dadas aos meios de comunica- Icoaraci, localizado a 20 km de Belém, ca-
ção. Nossa abordagem (que poderia ser clas- pital do Estado do Pará, abrigava diversas
sificada processual-cognitiva e em certa olarias, que retiravam sua matéria-prima
medida pós-estruturalista) diferiu das pes- junto ao rio Guamá e seus afluentes. A pro-
quisas anteriores em vários aspectos: a) Pro- dução era predominantemente de tijolos e
pôs uma leitura iconográfica estruturalista dos telhas, mas produziam-se também panelas
grafismos na cerâmica, identificando-a como e gamelas de barro. Morador de Icoaraci,
uma linguagem iconográfica com objetivos Raimundo Saraiva Cardoso, então com cer-
mnemônicos; b) Propôs um modelo diferen- ca de 40 anos, esteve nesta época visitan-
te do de Roosevelt para explicar a emergên- do uma exposição de arqueologia no Museu
cia de complexidade social. Enquanto Paraense Emílio Goeldi, em Belém – mal
Roosevelt preconizava o desenvolvimento de sabia ele que aquela visita iria mudar sua
uma agricultura intensiva, oferecemos um vida e de toda uma comunidade - e conta
modelo baseado na intensificação da produ- que ficou fascinado com os vasos, urnas
ção de recursos aquáticos, com modificações funerárias, estatuetas, enfim, a cerâmica
da paisagem como meio para incrementar a arqueológica da Amazônia, que não conhe-
produção de alimentos e possibilitar cresci- cia.1 De imediato associou aquela com a
mento demográfico e especialização; c) Iden- cerâmica que sua mãe fazia de maneira
tificou a existência de várias chefaturas ou artesanal, à moda indígena, quando ele ain-
sociedades regionais ao invés de apenas uma da era criança. Um pensamento cruzou sua
como sugerido por Roosevelt; d) Apresen- mente: se os índios puderam produzir algo
tou uma periodização do desenvolvimento tão exuberante apenas com o barro e as
cultural dentro da fase marajoara; e) Pro- matérias-primas existentes na mata, ele
pôs hipótese sobre a continuidade da cultura também poderia! Começou aí sua história
marajoara durante o período histórico com de mais de 30 anos de pesquisas sobre a
base em pesquisa realizada em sítios con- cerâmica arqueológica marajoara e tapajônica,
temporâneos ao contato. tempo durante o qual leu todos os livros,
Todas estas idéias foram veiculadas em artigos e matérias de revistas que pudesse
artigos científicos e de divulgação de alcan- obter. Mesmo sem o curso primário com-
ce público. Temos percebido, no entanto, pleto, garimpou bibliotecas e entrevistou ar-
que, ao mesmo tempo em que o público re- queólogos, buscando aprender sobre os pro-
conhece a legitimidade da pesquisa e a au-
toridade científica dos pesquisadores, os con-
teúdos são decodificados dentro de uma ló- (1) As informações constantes deste texto foram
gica particular. Ou seja, inconscientemente obtidas em entrevista com Mestre Cardoso em sua
ou não, o público absorve e veicula a infor- casa em Icoaraci em dezembro de 2005.
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prador sobre os significados dos grafismos pessoas ficam bastante decepcionadas quan-
e a relação com a cultura arqueológica, do informo que as evidências apontam para
grande parte dos artesãos, com raras ex- um desenvolvimento local da cultura
ceções, não se dá ao trabalho de ir às fon- marajoara, o que é plenamente aceito hoje
tes, como fez Mestre Cardoso. Eles sim- pela maioria dos especialistas trabalhando
plesmente inventam. Ao fazer reviver a na Amazônia. No entanto, as hipóteses
cerâmica arqueológica, Mestre Cardoso lançadas pelos evolucionistas do século XIX
acabou inventando uma tradição. e aqueles profissionais ligados à ecologia
cultural da metade do século XX, de que a
sociedade marajoara havia se originado em
AS REPRESENTAÇÕES POPULARES algum local fora da floresta tropical são mais
bem aceitas e continuam sendo reproduzidas
Através de minha convivência com o pú- tanto na mídia quanto em trabalhos univer-
blico e artesãos através de cursos, entrevis- sitários.
tas, conversas, internet e observação da re- 3) O significado das representações na
lação vendedor - cliente em lojas de venda cerâmica. As pessoas têm necessidade de
de artesanato, entre outros, tenho observa- receberam respostas completas e imedia-
do que existe uma grande curiosidade sobre tas sobre o significado das representações
a cultura marajoara, que se manifesta parti- na cerâmica e não questionam a fonte da
cularmente com relação aos seguintes te- informação. É comum que vendedores de
mas: cerâmica contem estórias fantasiosas e cla-
1) A antigüidade da cultura marajoara. ramente produzidas no calor do momento a
O público demonstra um interesse muito clientes ávidos por significados para aque-
grande pelo antigo, particularmente pelo les objetos exóticos. Por exemplo, um tu-
“mais” antigo. Quando são informados que rista americano esteve recentemente em
a maior parte dos artefatos de cerâmica pro- uma loja de artesanato em Soure, na Ilha
duzidos pelas sociedades marajoara tem do Marajó, e comprou uma caneca de cerâ-
apenas mil anos de idade, ficam claramente mica onde havia a representação de um
decepcionados. Recentemente, em um sapo. O turista havia comentado com o ven-
fórum de debates, mencionei em minha pa- dedor que seu irmão iria-se casar. O ven-
lestra que, enquanto a ocupação da ilha de dedor então contou uma lenda sobre a ori-
Marajó remontava há 3.500 anos, a socie- gem daquela vasilha, que teria sido utiliza-
dade marajoara emergiu enquanto tal há da em cerimônias de casamento. Os noivos
1.500 anos atrás. Os dois profissionais que deveriam beber juntos ritualmente da mes-
me seguiram nas apresentações fizeram ma vasilha para demonstrar seu amor e fi-
menção à cultura marajoara afirmando res- delidade. O turista se encantou pela estória
pectivamente que “urnas marajoara tem mi- e levou a vasilha. Depois resolveu procurar
lhões de anos” e “aprendemos hoje que a saber mais sobre aquele ritual amazônico
cultura marajoara tem 3.500 anos”. Esse antigo, pesquisando na internet. Foi quan-
exemplo, vindo de profissionais de nível su- do entrou em contato comigo, relatando o
perior, que têm dificuldade de reproduzir cor- acontecido. Informei então que a tal vasilha
retamente o que acabaram de ouvir e de não era uma réplica de um objeto arqueo-
aceitar a pouca antigüidade da cultura lógico e que a lenda como tal também não
marajoara, é bastante ilustrativo do compor- era conhecida. Apesar de decepcionado, o
tamento do público leigo em geral. turista achou a estória engraçada. No en-
2) A origem da sociedade marajoara. tanto, não sabia agora se contaria a verda-
Uma pergunta que sempre me fazem em de aos noivos ou se manteria a estória do
entrevistas e conversas informais diz respei- vendedor que, segundo ele, era mais inte-
to à origem das populações marajoaras. As ressante.
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Referências Citadas
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tístico Nacional, Ministério da Cultura,5 e da ficos. Esses anos de trabalho, sem dúvida,
A. E. S. Tietê S. A.6 resultaram em uma base científica consis-
De acordo com o TAC, várias ações de- tente para a aplicação museológica e, em
veriam ser tomadas quanto à preservação e decorrência disto, a criação de um museu
comunicação do acervo arqueológico. Em sín- comprometido com a população regional.
tese, promover o salvamento e monitoramento Como conseqüência – e porque não poderia
arqueológico, criar um museu de arqueolo- ser de outra forma – buscamos apoio às bases
gia regional, criar projeto de lei para uma concernentes ao nível de profissionalização
Política Municipal de Preservação do que uma instituição museológica contempo-
Patrimônio Arqueológico. rânea exige.
O Museu de Arqueologia e Etnologia da Independentemente do porte físico do
USP foi, então, convidado para o desen- Museu Água Vermelha – 250 m2 – a equipe
volvimento do salvamento arqueológico7 e de museologia9 buscou o aporte museológico
para a concepção e implantação daquele condizente com a relevância arqueológica e
que passou a ser chamado de Museu Água com a responsabilidade social que o museu
Vermelha. 8 passaria a ter na região.
Após a assinatura do TAC foi realizada As ações museológicas foram estruturadas
mais uma etapa de escavação e a análise a partir da operação do processo curatorial
arqueológica em laboratório. Em paralelo, – (a) aquisição do acervo; (b) pesquisa, con-
deu-se início aos trabalhos museológicos servação, documentação museológica; (c)
para a plena instalação do museu. comunicação (exposição e educação)10 – e
No dia 2 de setembro de 2003 foi inau- compreenderam diversos aspectos e um
gurado o Museu Água Vermelha e a exposi- cronograma: (1) elaboração da estimativa
ção de longa duração Ouroeste: 9 Mil Anos orçamentária – novembro de 2000; (2) rea-
de História. lização e discussão do programa
arquitetônico11 – março de 2001; (3) conclu-
são do projeto museológico-institucional12 –
Apresentação – Da arqueologia à abril de 2001; (4) elaboração dos sub-proje-
museologia tos para reserva técnica e para documenta-
ção museológica e da história institucional –
A pesquisa arqueológica nos sítios Água maio de 2002 a março de 2003; (5) avalia-
Vermelha transcorreu em alguns anos – en- ção técnica do edifício em construção – se-
tre as etapas de escavação, a análise tembro de 2002; (6) instalação da reserva
laboratorial e a redação de relatórios cientí- técnica e implantação do sistema de docu-
mentação – março de 2003; (7) treinamento
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
Marília Xavier Cury
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
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Considerando que esta etapa da pes- tem apenas 52 anos de existência e 818 de
quisa tem interesse central na relação dos emancipação de Guarani D‘Oeste, da qual era
estudantes com a questão indígena, e nos distrito. De acordo com o censo de 2002, o
conhecimentos que eles possuem sobre município possui 6290 habitantes – sendo
arqueologia, organizamos as perguntas do 3159 homens e 3131 mulheres – e 5387 elei-
questionário para averiguação dessas tores (87% da população). Em 2004 ocorre-
questões. No entanto, não fizemos distin- ram 1073 matrículas no ensino fundamental
ção entre etnologia e arqueologia e índio e 419 no ensino médio. O município possui
dos períodos pré-colonial e contemporâ- três escolas de ensino fundamental, duas de
neo, até porque não há a presença indí- ensino médio e duas de educação infantil.
gena na região atualmente ou num pas- Destas apenas uma é particular.
sado próximo. A presença indígena existe Os dados coletados com os estudantes
nos nomes de algumas cidades, na refe- revelaram que apenas 13 (4,4%) nasceram
rência do rio Grande e no imaginário so- em Ouroeste e nenhum em cidades limítrofes
bre a cachoeira dos Índios (destruída para (Fernandópolis, Indiaporã, Guarani D’Oeste
a construção da usina). Essa “mistura” de e Paranapuã). 10,1% deles nasceram na re-
entendimento por parte do público e os gião (aproximadamente 150 km ao redor de
discursos que ela gera são construções, Ouroeste), ou seja, apenas estes dois
enunciações elaboradas e assimiladas. percentuais (na soma, 14,5%) têm vínculos
Não pretendemos levantar e analisar es- com a história regional e com a memória do
ses discursos - adentrar em suas cama- território, e os demais (81,1%) precisam
das e buscar suas raízes e estrutura de construir vínculos territoriais. 24,8% dos es-
funcionamento -, o que seria muito frutí- tudantes vivem há até 5 anos na cidade,
fero para a comunicação da arqueologia, 14,4% vivem entre 6 e 10 e 49,3% vivem 11
mas seria um estudo de profundidade – e anos ou mais.
de extrema necessidade – que a pesquisa Desses 298 estudantes, 144 (48,3%) são
em questão não comportou. do ensino fundamental e 154 (51,7%) do
Por outro lado, não consideramos, na ensino médio.
pesquisa, que a arqueologia seja um campo A idade desses estudantes varia entre 12
vasto que envolve a construção de conheci- e 18 anos. No ensino fundamental temos um
mento por meio de vestígios da cultura ma- grande número de adolescentes entre 13
terial, do passado pré-colonial ou colonial, e (47,9%) e 14 anos (25,7%). No ensino médio
mesmo do presente. Consideramos, sem temos uma concentração maior entre 15
entrar no mérito com os estudantes, a ar- (40,9%) e 16 anos (37%). Os dados de idade
queologia pré-histórica. não surpreendem, principalmente porque são
O questionário contou com questões com estudantes dos períodos da manhã e da tarde.
múltiplas escolhas, com espaços para justi-
ficativas ou esclarecimentos por meio de res-
postas abertas. A relação dos estudantes com
Os dados sofreram uma análise quanti- a arqueologia
tativa e tornaram-se fundamentais para a
concepção da exposição. Diversas questões foram feitas para le-
vantar o nível de conhecimento dos estudan-
tes sobre arqueologia. Uma delas foi se eles
A primeira fala dos receptores já estudaram, e quando, a pré-história bra-
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
sileira. Dos que responderam sim (32,9%), E “Você acha arqueologia importante?”
a maioria aprendeu na escola em várias sé- 64,8% acham que sim, 25,2% não sabem,
ries entre a 4a. do ensino fundamental e o 7,7% acham que tem uma importância rela-
3o. ano do ensino médio, e alguns (1,3%) tiva e 2% não acham a arqueologia impor-
aprenderam pela TV ou com o pai. 6,4% tante. Dos comentários que fizeram, para
deles não se lembram em que séries apren- 27,8 % da amostra de 298 que responderam
deram. 18,1% dos estudantes responderam sim, da justificativa é que: a arqueologia é
que não estudaram, 47,3% não se lembram importante para que possamos descobrir/
e 1,7% não respondeu à questão. Nesta saber como viviam os antepassados (24,8%),
questão usamos o termo pré-história por ser ou para desvendar a nossa evolução e as
o mais familiar nos livros didáticos. origens da humanidade (3%). 7,4% acham
Procuramos, então, levantar o que eles a arqueologia importante porque ela desco-
sabem sobre pré-história por meio de uma bre coisas antigas. Para 13,1% da amostra,
questão direta. Pedimos a eles respostas di- a arqueologia é uma forma de aprender fa-
retas também, deixando-os à vontade para tos novos e diferentes, e para 4,7%, toda
ser sinceros, pois não estavam sendo testa- profissão é importante. Apenas 2% dos
dos. As respostas foram diretas: 52,3% dos respondentes acham a arqueologia impor-
298 estudantes responderam “não sei nada” tante para se saber mais sobre a história da
ou “não me lembro de nada”, sendo que região e do País. Apesar de considerarem a
63,9% dos 144 alunos do ensino médio tive- arqueologia importante, 9,7% dos estudan-
ram esta resposta, bem como 41,6% dos 154 tes não se justificaram. Aqueles que
dos alunos do ensino fundamental. Apenas relativizaram a importância da arqueologia
19,1% relacionaram a pré-história à existên- ou não a consideram importante, não mani-
cia de índios no passado (13,8%), a homens festaram interesse especial, acham-na cha-
que viviam em cavernas (1,3%), ou com um ta ou desconhecem o suficiente para mani-
modo de vida diferente do nosso, precisando festar opinião.
fazer fogo (1%), e que a pré-história foi an- Com relação ao interesse dos estudan-
tes da nossa colonização ou na Grécia (3%). tes com a disciplina arqueologia, 61,4% se
Alguns consideram que sabem pouco consideram interessados, 31,5% não se con-
(13,4%), e outros (2,3%) afirmaram que sa- sideram, 5,7% não sabem e 1,4%, mais ou
bem muito ou tudo. Nos dois casos os menos ou não respondeu.
respondentes não discriminam o “pouco” ou Indagados sobre os motivos do interes-
o “muito” que conhecem. 9,1% deles não res- se pela arqueologia, um terço aproximada-
ponderam. As respostas relacionando pré-his- mente da amostra manifestou ser uma pes-
tória a dinossauros não foram muitas, como soa curiosa por descobertas arqueológicas
se poderia supor: apenas 6,4% da amostra. (5,4%), gostar de ampliar seus conhecimen-
Quanto à questão: “O que é arqueologia tos (16,8%), sobretudo com estudos interes-
para você?”, uma parcela grande da amos- santes e importantes (12,8%). Muitos vêem
tra (34,6%) não sabe e 6% dela não respon- na arqueologia uma possibilidade para sa-
deu. Para os demais, (1) a arqueologia estu- ber sobre povos antigos (17,1%) e sobre os
da civilizações, ou povos antigos, ou seres antepassados (5,7%). 2,7% da amostragem
pré-históricos, ou os índios brasileiros acha a arqueologia legal e quer ser
(23,1%); (2) a arqueologia estuda coisas, arqueólogo(a). 3,7% acham a arqueologia
objetos antigos/do passado, estuda ossos interessante, mas não justificaram por quê.
(19,4%); (3) a arqueologia estuda ossos de Os motivos pelo desinteresse ou pouco
animais, como os dinossauros ou fósseis interesse pela arqueologia, diríamos, está
(9,1%); (4) a arqueologia faz descobrimen- relacionado à desinformação. Podemos su-
tos em vários países e é um trabalho bonito, por que eles (31,5% da amostra) não têm
uma coisa incrível (7,8%). interesse porque não conhecem ou não sa-
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
Marília Xavier Cury
bem do que se trata (12,4%), não têm von- Quanto aos comentários daqueles que
tade (6,4%), não gostam de procurar ossos acham que é relativamente avançada, 8,7%
ou coisas antigas (1%), não gostam de terra da amostra não comentou, 4,7% relacionou-
(0,3%), não sabem o porquê do desinteres- a com a situação econômica do Brasil, e/ou
se (3%), ou não responderam (8,1%). Aque- à falta de recursos ou apoio governamental,
les que têm um interesse relativo (0,6%) 3,7% acha que há desinteresse interno e que
relacionam o não-interesse à falta de opor- as maiores descobertas são em outros paí-
tunidade ou à forma sem atratividade como ses, 1,7% acha que a arqueologia no Brasil
a arqueologia é apresentada. está avançando da mesma forma que em
Como já mencionamos, em 1997 houve outros países.
a descoberta do sítio-cemitério, e entre 1997 Daqueles que responderam que a arque-
e 1998, e depois em 2002 foram realizadas ologia brasileira não é tão avançada quanto
escavações arqueológicas. Isso teve alguma outras, 5,4% da amostra não justificou a sua
repercussão na cidade, pois a presença das opinião. Vários estudantes procuraram jus-
equipes de arqueologia foi notada e comen- tificativas externas ao Brasil: a tecnologia
tada. Além disso, a descoberta do cemitério externa é mais avançada (5,4%), a maioria
indígena foi amplamente noticiada e os ar- das descobertas é de fora (1,7%), os outros
queólogos fizeram um trabalho de extensão têm mais condições financeiras (0,7%), os
universitária com a escola estadual entre arqueólogos internacionais são mais compe-
1997 e 1998.19 Com base nisso, procuramos tentes (0,7%). 5,4% procuraram justificati-
averiguar se os estudantes correlacionavam vas internas: a arqueologia no Brasil está se
esses fatos a uma descoberta arqueológica. iniciando agora (1,7%), mal se houve falar
A pergunta feita foi: “Recentemente você nela e poucos a conhecem (1,7%), falta in-
soube de alguma descoberta arqueológica?” teresse em geral (1,3%), e incentivo do go-
74,5% da amostra respondeu não, 22,8% verno (0,7%).
respondeu sim, e 2,7% não respondeu. Dos Dos que responderam sim, 3,4% não
que responderam sim, apenas 12,4%, con- justificaram, 2,3% acham que aqui já ocor-
siderando a amostra total, relacionaram os reram descobertas e ainda há muito materi-
ossos dos índios e a machadinha achados na al a ser encontrado, 1,7% equipara o desen-
represa (Usina Água Vermelha) com uma volvimento da arqueologia no Brasil a outras
descoberta arqueológica. 4,7% se lembra- profissões, 1,4% entende que a arqueologia
ram de descobertas em caverna no Ceará é uma coisa só no mundo e que o Brasil tem
ou de outras no Oriente Médio, e 2,7% se capacidade de descobrir.
lembraram de descobertas paleontológicas 56% da amostra não teria interesse em
de dinossauros. 1% não se lembra e 2,7% fazer algum tipo de pergunta a um arqueó-
não responderam. logo, 19,5% gostaria de fazer alguma per-
Dando continuidade ao levantamento do gunta, mas não soube elabora-la no momen-
que sabiam sobre a disciplina, perguntamos to do preenchimento do questionário. As per-
se para eles a arqueologia brasileira era tão guntas que gostariam de fazer foram
avançada quanto em outros lugares. 54,3% categorizadas. A primeira categoria versa
da amostra não soube responder, 18,8% sobre a arqueologia e tivemos 8,6% de dúvi-
acha que é relativamente avançada com re- das. As perguntas eram sobre: O que a ar-
lação a outras localidades, 18,1% acha que queologia estuda? Como e quando surgiu a
não, e 8,7% acha que sim. arqueologia? Há quanto tempo há arqueolo-
gia no Brasil? Como se descobre alguma coi-
sa? Como se sabe a idade de alguma coisa?
(19) Tendo ocorrido há 5 ou 6 anos, os estudantes da
Como se descobre como eram os seres a
pesquisa não foram, muito provavelmente, especta- partir dos restos mortais? Na segunda cate-
dores desse trabalho de extensão arqueológica. goria temos perguntas mais relacionadas à
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
profissão ou ao desempenho do arqueó- objetos deixados por eles e que foram so-
logo (4,6%) como: Por que você se inte- terrados”, 90,6% consideraram a afirmativa
ressa por arqueologia? Como eu poderia verdadeira, 4,7% a consideraram falsa, e
me tornar um arqueólogo? Posso partici- 4,7% não responderaram;
par de uma escavação com você? O que - para a afirmação de que “os arqueólo-
você mais gosta de pesquisar? É difícil gos são grandes aventureiros”, 77,9% acha-
exercer essa profissão? Numa terceira ram que sim, 15,4% acharam que não, e
categoria temos curiosidades (4,1%) 6,7% não responderam.
como: Qual a sua descoberta mais inte- - para 44% da amostra, “um dos arque-
ressante? Qual foi o objeto mais antigo ólogos mais conhecidos é Indiana Jones”,
que você descobriu? Você já achou algum para 42,3% ele não é um dos mais conheci-
osso estranho de alguma coisa desconhe- dos, e 13,8% não responderam.
cida? Perguntaria sobre o peixe na caver- Por outro lado, muitas pessoas levadas
na, se existiu múmia no Brasil e quando e pela falta de conhecimento sobre o passado
quantas ossadas já descobriu, qual foi a pré-colonial do Brasil compararam o nosso
surpresa quando soube do cemitério [junto passado ao de outros locais depreciando o
à Usina Água Vermelha]. Na quarta cate- índio brasileiro. Assim, declararam que:
goria as questões são sobre as culturas - “No Brasil não viveram civilizações im-
descobertas pela arqueologia (2,3%): Há portantes como maia, asteca e inca”, para
quantos anos os índios vivem no Brasil? 56,4% essas idéias eram falsas; para 36,6%,
Gostaria de saber mais sobre os povos de eram verdadeiras, e 7% não responderam.
antigamente? Quais foram os primeiros Todas essas questões de “verdade ou
povos que habitaram a região? Como era mentira”, “acredito ou não acredito”, “con-
a vida dos índios? A quinta categoria agru- cordo ou não concordo”, nos dão uma pri-
pa questões sobre dinossauros e sobre meira informação que mereceria ser
fósseis (3,4%): Já foram encontrados ou- aprofundada. Ao indagar sobre esses pon-
tras espécies sem ser de dinossauros? Já tos, apenas tiramos uma primeira camada
achou algum dinossauro? Você assiste ao de muitas outras que constituem o modelo
“Mundo do dinossauro”? Na região teve algu- que o brasileiro tem sobre o passado pré-
ma espécie de dinossauro? Como descobri- colonial, e em certa medida, sobre o próprio
ram os ossos de dinossauros? Qual foi o pri- brasileiro.
meiro fóssil descoberto? Uma pessoa queria
saber qual seria o nome do museu.
De outras experiências de atendimento A relação dos estudantes com o
a público escolar, sabemos que é (ou era) índio brasileiro
comum os estudantes relacionarem o pro-
fissional arqueólogo ao personagem fictício do Essa abordagem - o índio brasileiro - é
cinema Indiana Jones. Também correlacionam muito ampla e complexa e não tivemos a in-
a arqueologia à busca de tesouros, contri- tenção nesta pesquisa de conhecê-la a fun-
buição negativa do cinema à ciência e à le- do, ou de esgotá-la. Interessou-nos, no en-
gislação e preservação patrimoniais. Assim, tanto, sentir um pouco do que os estudantes
elaboramos algumas perguntas para constatação pensam e sabem para levantar pontos de
disso. Indagados se eram verdadeiras ou aproximação e/ou de distanciamento, consi-
falsas as afirmações de que: derando que a história da região cruza com
- “Os arqueólogos procuram tesouros de as ocupações indígenas pré-coloniais.
outros povos” 59,7% a consideraram falsa, Como já afirmado anteriormente, não
33,9% verdadeira, e 6,4% não responderam; levamos em consideração a distinção entre
- “Os arqueólogos procuram conhecer o arqueologia e etnologia porque o público tam-
modo de vida de povos antigos por meio de bém não a faz.
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
Marília Xavier Cury
Para começar, foi feita a afirmação: “An- Quando indagados sobre: “O que você
tes da chegada de Pedro Álvares Cabral em sabe sobre os índios que moraram na região
1500, o Brasil já era todo ocupado por índi- de Ouroeste?” 80,9% responderam que não
os”, e pedimos aos adolescentes que disses- sabem ou não se lembram de nada. Quanto
sem se para eles era verdadeira ou falsa. aos demais da amostra, 8,4% disseram que
Para 51,7% a afirmação é verdadeira, para a região foi habitada por índios há muitos
32,2% é relativa, e para 12,4% é falsa. anos; para 2,3% eles moravam na cachoei-
Solicitei que comentassem a resposta. ra dos Índios; na opinião de 1,7%, eram ín-
Dos que consideram a afirmativa verdadei- dios comuns que caçavam e pescavam, eram
ra, 31,9% não comentaram e os outros trabalhadores; e no entender de 0,3%, os
(19,8%) consideram que os índios eram os índios moravam em cabanas ou em (0,3%)
primeiros habitantes e donos do Brasil, que casas simples de pau-a-pique e palha, em
havia muitos deles, que travavam guerras grandes aldeias; para 0,3%, dominavam o
entre si e foram assassinados ou foram su- fogo; para 0,3%, faziam sepultamentos. Eram
mindo após o descobrimento. Os estudantes os tupi-guaranis (0,7%). Alguns estudantes
têm provas disso: o cemitério junto à usina conhecem evidências de índios na região,
é uma evidência; a história e os professores como os ossos achados recentemente
comprovam também. (3,4%), o avô que falava que eles escreviam
Dos que acham que é uma verdade rela- em pedras (0,3), e porque algumas cidades
tiva, 17,8% não comentaram e 14,4% acham têm nomes indígenas (1,3%). Um aluno acha
que só uma parte do Brasil era ocupada ou que eles foram embora quando explodiram
quase todo e não tudo, só no litoral, as ma- a cachoeira dos Índios, um outro viu um ín-
tas e florestas. dio e ele parecia ser bom e um terceiro acha
Dos que acharam a afirmativa falsa, 6% que o fato da região ter sido habitada por
não comentaram e 6,4% acham que é falsa índios é bom, para a história da cidade.
porque só uma parte era ocupada e não ha- Perguntamos, então, o que eles gostari-
via só índios aqui. am de saber sobre os índios que moraram
Outra afirmativa, agora para eles dize- na região. 4,3% não sabiam o que pergun-
rem se acreditam ou não: “Viviam no Brasil tar ou não responderam; 9,1% não gostari-
mais de 5 milhões de índios na época do am de saber nada; 1,3% quer saber só o
descobrimento.” Da amostra, 37,9 % acredi- necessário; 39,6% querem saber tudo, o
tam, 44% dizem que acreditam mais ou máximo possível; 34,9% dos estudantes que-
menos, 13,1% não acreditam e 5% não res- rem saber sobre o modo de vida, hábitos e
ponderam. Vejamos o que eles comentaram. sobre a cultura em geral; 6,4% sobre comi-
Para aqueles de respostas afirmativas, da e obtenção de alimentos; 3,4% querem
21% não comentaram a sua concordância, e saber sobre a origem dos índios, como e por
para os outros 16,9%, havia muitos índios onde vieram para a região; 3%, a época em
em todo o extenso território, eles se repro- que chegaram; 1%, como era a região na
duziam e as gerações aumentavam, os li- época; 2,3%, onde viviam; 2%, qual era o
vros falam sobre isso. nome da tribo; 2%, como era a convivência
Para aqueles que concordam com ressal- entre eles; 1,7%, qual era a religião deles e
vas, 32,9% não comentaram. Os comentári- se acreditavam em vários deuses ou em um
os que temos (11,1%) são que não sabem o só; 1,3%, como se vestiam e se se vestiam;
número exato e pode ser isso, mas deve ser 1%, como eram as casas; 1%, quantos índi-
um pouco menos, pois o território é grande. os eram; 0,7%, porque enterravam os mor-
Daqueles que não concordam, 10,4% não tos naquele lugar; 0,3%, se eram alegres;
comentaram e os demais 2,7% acham o nú- 0,3%, se viviam bem; 0,3%, como faziam
mero muito grande e nunca ouviram falar na remédios; 0,3%, como se pintavam; 0,3%,
quantidade. como eram as armas de guerra; 0,7%, por
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que eles foram embora; 0,7% gostaria de verdade nisto, pois são os usos que o público
vê-los, e 0,3% gostaria de saber se há a faz dos museus que lhes dão forma social.
possibilidade de os índios se juntarem a eles; Neste sentido, e a partir da pesquisa
0,3% gostaria de ver peças dos índios no conceitual realizada com os estudantes, uma
museu. equipe interdisciplinar20 conceituou a expo-
Apoiados em um comentário corriqueiro sição de longa duração do Museu Água Ver-
de que “o índio brasileiro é preguiçoso”, soli- melha, Ouroeste: 9 Mil Anos de História.
citamos aos estudantes que dissessem se Coube a essa equipe a construção do méto-
essa idéia era falsa ou verdadeira, mesmo do e estratégias de trabalho e, sobretudo, a
nos arriscando a reforçar uma idéia negati- estruturação da linguagem expositiva.
va sobre o índio. Bem, 83,9% acharam que Quanto à linguagem, inicialmente busca-
a afirmação é falsa; 12,1%, verdadeira, e mos a interação entre “saberes” – arqueoló-
4% não responderam. gico, museológico e do público. A preocupa-
Gostaríamos também de verificar o co- ção foi criar uma exposição inteligível, com
nhecimento dos estudantes quanto à diver- fundamentação arqueológica e sustentação
sidade cultural entre os índios brasileiros. museológico-comunicacional. Sendo assim, os
Pedimos para comentarem se falsa ou ver- conteúdos inerentes a estes saberes, dialo-
dadeira a afirmativa de que “os índios eram gando entre si de forma interdiscursiva, pro-
todos iguais”. Para 71,1% da amostra, era piciaram a construção de um mapa cognitivo,
falsa; para 25,2%, era verdadeira, e 3,7% conforme tabela 1. Para que fique clara a nossa
deles não responderam. opção, a lógica da exposição respeitou os cam-
A última questão que queremos comen- pos envolvidos, tendo como referencial o pú-
tar é: “O que você sabe sobre o cemitério blico interprete, o que não significa que a ar-
encontrado perto da represa?” Quase dois queologia – a área a ser comunicada – não
terços dos alunos (63,8%) responderam que tenha sido respeitada e valorizada, da mes-
não sabem nada ou não se lembram. As res- ma forma que os arqueólogos21
postas não elucidam muita coisa. 20,8% dis-
seram que era um cemitério de índios; 7%
sabem onde fica e já foram lá; 3% sabem
(20) Ficha técnica da exposição Ouroeste - 9 Mil Anos de
que junto aos ossos foram achados objetos
História: Projeto Museológico e Coordenação: Marília
e uma machadinha, 2,7% sabem quem são Xavier Cury. Projeto Expográfico: Marília Xavier Cury,
os pescadores que encontraram o cemité- Mauro de Vasconcelos Coelho, Ana Carla Alonso, Aureli
rio; 1,7% sabe que eles acharam muitos os- Alves de Alcântara, Joana Montero Ortiz. Coordenação
sos e fósseis de índios; para 0,7%, o fato Científica: Erika Robrahn-González, Paulo A. D. De Blasis.
ocorreu após a “caída” de uma árvore; para Consultoria Científica: Levy S. Figuti , Sabine Eggers.
Apoio Administrativo: Emília Paula Vieira. Programação
1%, o local está fechado para estudo; para Visual: Cristiane Y. Sato, Raquel M. Yoshizawa, Mariana
0,7%, encontra-se com um portão com ca- A. Iwanaga. Adereçagem: Gil Verx. Cerâmica: Shoichi
deado; para 1,7% o local é sagrado, Yamada. Fotografia: Erika Robrahn-González, José
patrimônio da humanidade e, assim, resol- Roberto Pellini, Wagner Souza e Silva. Ilustração: Chico
veram fazer um museu para guardar o que Bela. Maquetes: Kenji Maquetes. Apoio Técnico: Cintia
Bendazolli Simões, Daria Elânia Fernandes Barreto, José
foi achado. Paulo Jacob, Fernando Victor Aguiar Ribeiro, Juliana de
Souza Batista. Agradecimento: Adelino Francisco do Nas-
cimento, Osterno Machado, Danilo Chagas Assunção,
A exposição e a ação educativa Daniela Magri Amaral, Gerson Levy da Silva Mendes,
Ouroeste: 9 Mil Anos de História Manoel Mateus Bueno Gonzalez, Paulo Zanettini, Silvana
Viana Cruz de Macedo. Projeto Executivo, Produção e
Montagem: Cinestand Serralheria e Cia.
A exposição e a ação educativa são ma- (21) Quanto à metodologia adotada e à participação
nifestações da política de um museu e, para dos arqueólogos e demais membros da equipe, vide
o público, é o que define a instituição. Há uma Cury 2005.
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Tabela 1
Mapa Cognitivo da exposição e ação educativa
Discurso Discurso Discurso
Arqueológico Expositivo Educativo
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Tabela 2
Objetivos
Exposição Ação educativa
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
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ciação por uma vista superior (por meio de pais e irmãos) pouco sabem sobre arqueolo-
um mezanino). De fato, são, ao menos, gia. Para não apresentar os resultados arque-
duas exposições com múltiplas possibilida- ológicos sem que os mesmos fossem funda-
des de recortes. mentados, apresentamos as armações de
A definição dos dois eixos ocorreu para a referência – a pesquisa em arqueologia –
argumentação e persuasão de que o conhe- como armações interpretativas. A própria
cimento arqueológico construído em Ouroeste exposição é um conjunto de armações
teve bases científicas, isto porque, como vi- interpretativas, fruto das intenções dos seus
mos, os estudantes (e provavelmente seus idealizadores, com as quais o público interage.
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de detalhes. À primeira vista ela é sintética, reformulá-las. Mas o essencial é que esses
com poucos tópicos conceituais, sem acúmulo resultados nos fazem entender que nos fa-
de objetos, textos, etiquetas. Em um segun- zemos sujeitos com outros sujeitos.
do momento os detalhes aparecem, e o que
era sintético torna-se detalhado.
Após a inauguração do museu, os mes- Considerações finais
mos estudantes que participaram da avalia-
ção conceitual foram convidados para visitar A pesquisa conceitual desenvolvida no con-
a exposição e, em seguida, para avaliá-la. texto do Museu Água Vermelha foi aqui apre-
Nesta etapa de pesquisa de recepção os da- sentada visando à ampliação da consciência
dos foram coletados por observação, técni- dos profissionais do campo museológico quanto
cas de discussão em grupo e por meio de à importância das pesquisas empíricas com o
registros escritos. Os resultados são signifi- público. O estudo em questão trouxe à luz as-
cativos para nós profissionais de museus, pectos que precisariam ser aprofundados por
seja para os museólogos, seja para os ar- meio de pesquisas mais amplas e com plane-
queólogos, pois nos permitem rever todo o jamento interdisciplinar para que os interes-
processo a partir de um ângulo diferente: o ses – arqueológicos e museológicos – sejam
público. Certamente que este ponto privile- contemplados a contento para a definição de
giado elucida algo mais sobre a nossa práxis, políticas de ação. Apesar disto, os resultados
pois nos faz avaliar as nossas posições e obtidos foram relevantes para a concepção da
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Para saber o que o público pensa sobre arqueologia...
Marília Xavier Cury
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Abstract: The study presented herein was carried out in 2003 and 2005
at the Água Vermelha Museum of Regional Archeology in Ouroeste, a
municipality located in the State of São Paulo, Brazil. The study was the
foundation for a doctoral dissertatin entitled Museological Communication
– A Theoretic and Methodological View of Reception defended at the School
of Communication and Arts of the University of São Paulo.23
In this paper we will present certain research findings for discussion. These
are partial findings presented in a succinct manner.
The research was theoretically and methodologically based on the areas
of museology, communication, and reception. Museology focused mainly
expology, expography, and education.
Bibliografia
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006, pgs. 49-62.
Leilane P. Lima**
Gilberto da Silva Francisco***
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do: riquezas naturais, símbolos nacionais, são idealizada do arqueólogo (Indiana Jones,
feriados (a memória de alguns eventos his- Tomb Raider etc.), bem como do objeto ar-
tóricos selecionados), e a própria idéia de queológico (algo como uma relíquia, valioso
harmonia interestadual (clara idealização: é só materialmente e por suas características his-
lembrarmos que pouco antes de 1940, a pre- tóricas). Tratar de Arqueologia fora de alguns
sença do pernambucano João Alberto como centros especializados geralmente parte de
interventor de São Paulo (1930-1931), nome- uma situação de amplo desconhecimento do
ado por Getúlio Vargas, causou imenso des- público leigo, entretanto, há um certo inte-
conforto na elite paulista, havendo inclusive resse. Por ocasião da comemoração dos 500
um surto preconceituoso contra nordestinos). anos do Brasil, a grande exposição no
Apesar de ser uma música datada (por Ibirapuera (Mostra do Redescobrimento. Bra-
exemplo, o IBGE [Instituto Brasileiro de Geo- sil+500) apresentava, no conjunto das inúme-
grafia e Estatística] procura não empreen- ras peças, a famosa carta de Pero Vaz de
der um censo tão autoritário), algumas das Caminha, e a procura por tal documento era
referências peculiares desse “samba especialmente grande. O acesso ao seu con-
exaltação” poderiam vir à mente de qualquer teúdo é simples (qualquer busca na Internet,
um, quando perguntado “- o que o define por exemplo, satisfaria tal necessidade);1 mas
como brasileiro?”. Assim, quais são as coi- era imperativo para muitos ver com os pró-
sas que consideramos realmente importan- prios olhos, mesmo que a grafia de tal carta
tes, aquelas que caracterizam parte do que não fosse legível para a maioria (ver figura
somos, e nossa inserção em certo grupo? É 1), sendo necessário competência para leitu-
certo que essas referências são inúmeras, e ra paleográfica, o que a maioria dos visitan-
que a constituição desse grupo de coisas “que tes não possuía. O que mais interessava era
consideramos nossas” não tem uma consti- ver a carta em si, a carta-objeto; e, para sa-
tuição natural; ou seja, existem processos nar o problema de conteúdo, a organização
(por vezes de longa duração, retomando ter- da exposição criou uma cabine com recitação
mos braudelianos (Braudel, 1986), ou então da carta feita pelo ator Paulo Autran. Esse
de recentíssima criação, “tradições inventa- pequeno exemplo indica a importância do feti-
das”, conforme Eric Hobsbawn, 1997) cons- che que pode incidir sobre o objeto material.
tituídos a partir de interesses múltiplos (de- Os materiais arqueológicos apresentam
terminados anseios de grupos sociais, uma certa eloqüência, que contribui grande-
autoconsciência grupal, extensão do projeto mente para um interesse inicial. Ou seja,
de um grupo a outro, através de práticas de parece, ao olho leigo, que o objeto material
dominação etc.). Ainda, essa sensibilidade é auto-explicativo; assim, se os problemas
quase “natural” das pessoas frente a um sím- de interpretação no seio da Arqueologia são
bolo, ação etc. com que se identifica, forja- complexos e variados, a dimensão física do
se, geralmente, num processo longo de edu- objeto convida o leigo, e esse interesse pode
cação, que está também ligado à ação esco- tornar-se uma posterior reflexão mais
lar (ensino público ou privado), mas não so- aprofundada (as múltiplas ações relaciona-
mente a ele: a educação é um processo bas-
tante amplo, sendo agregado em situações
familiares, acesso às informações através de (1) Em uma rápida busca na Internet, no site
mídias diversas, dentre outros. Nesse qua- www.google.com.br (em fevereiro de 2006), a en-
dro, qual o papel da Arqueologia? trada “Carta” e “Caminha” proporcionou a indicação
É importante saber, de início, que a idéia de 342.000 páginas disponíveis na Web, 321.000 em
que se tem sobre a Arqueologia, no senso português e 198.000 páginas brasileiras. Levando-
se em conta que nem todas apresentam o texto par-
comum, caminha entre um desconhecimento cial ou integralmente, o número, mesmo com isso, é
quase absoluto da disciplina (do que trata a bastante expressivo. Quanto à busca de imagens
Arqueologia? Nunca ouvi falar!...) e uma vi- visuais, no mesmo site, disponibilizavam-se 175 páginas
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O que é isso? Para que serve? Quem são vocês? O que fazem? Uma experiência de Arqueologia Pública em Paranã – TO
Leilane P. Lima / Gilberto da Silva Francisco
Fig. 1. Detalhe da Carta de Pero Vaz de Cami- (2) As publicações sobre o tema Arqueologia Pública e
relacionadas utilizam o termo patrimônio com conotações
nha, 1500. Torre do Tombo, Portugal.
variadas, o que deve ser brevemente esclarecido. Há,
então, a utilização de termos como “patrimônio público”,
“patrimônio cultural” e “patrimônio arqueológico”, ou mes-
das à Arqueologia Pública são essenciais nes- mo o termo patrimônio isolado. Os complementos público
se sentido, pois podem contribuir para um e cultural, por vezes guardam certa equivalência, mas o
abandono da fetichização...). primeiro é mais abrangente; ou seja, o patrimônio públi-
Como visto, contra um desconhecimen- co não se restringe ao patrimônio cultural, é mais amplo.
to grande sobre a Arqueologia (a disciplina O mais específico deles é o termo “patrimônio arqueológi-
co”, que se insere nos outros. Assim, o patrimônio arque-
e a prática), há uma atenção preliminar do ológico é também patrimônio cultural e público.
público leigo, interesse de que o arqueólo- (3) Destacam-se, nesse sentido: 1) A Lei nº 3.924, de
go voltado às práticas públicas deve lançar 26/07/1961, que proíbe a destruição ou mutilação para
mão. Porém, esse é apenas um primeiro qualquer fim, da totalidade ou parte das jazidas arqueo-
passo, e não se deve converter esse inte- lógicas, o que é considerado crime contra o patrimônio
nacional; 2) A Constituição Federal de 1988 (artigo 225,
resse em toda idéia de Arqueologia Públi-
parágrafo IV), que considera os sítios arqueológicos como
ca; já que muitas vezes esse cenário estru- patrimônio cultural brasileiro, garantindo sua guarda e
tura-se em torno de uma Arqueologia fan- proteção, de acordo com o que estabelce o artigo 216;
tástica, o que destoa freqüentemente das 3) A Portaria SPHAN/MinC 07, de 01/12/1988,que
propostas e materiais apresentados: quan- normatiza e legaliza as ações de intervenção junto ao
do as expectativas residem em materiais de patrimônio arqueológico nacional; 4) Portaria IPHAN/MinC
nº 230, de 17/12/2002, que define o escopo dos estu-
metais preciosos, monumentais, e se apre- dos arqueológicos a serem desenvolvidos nas diferentes
sentam apenas poucos fragmentos de ce- fases de licenceamento ambiental (Fonte: Material ofe-
râmica, ou líticos pouco trabalhados. recido por Documento Antropologia e Arqueologia).
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logia Pública, segundo Ascherson (1999, Apud Essa correspondência entre a idéia de
Funari, Oliveira & Tamanini, 2005: 106), patrimônio (seleção) e conservação (perma-
nência) é presente inclusive na acepção de
é compreendida (...) como todos os
dicionário: segundo o Dicionário Houaiss da
aspectos públicos da Arqueologia, inclu-
língua portuguesa, patrimônio define-se, tam-
indo tópicos como políticas arqueológicas,
bém, como
educação, política, religião, etnicidade,
envolvimento público em Arqueologia. bem ou conjunto de bens naturais
ou culturais de importância reconheci-
A Arqueologia Pública tende, geralmen-
da num determinado lugar, região, país
te, a estabelecer diálogos com áreas pa-
ou mesmo para a humanidade, que
ralelas como a Museologia, de onde sur-
passa(m) por um processo de tomba-
gem questões estritamente ligadas ao
mento para que seja(m) protegido(s) e
patrimônio e conscientização do leigo. Po-
preservado(s).
demos definir patrimônio como o conjunto
dos bens identificados pelo homem, a par- O ato de identificar e selecionar o que é
tir de suas relações com outros homens e relevante para a memória de uma comuni-
com o meio ambiente e a própria interpre- dade local, de um estado ou de um país gera
tação que ele faz dessas relações (Bruno, problemas. Por exemplo, a instituição mu-
2002: 89, Apud Bessegato, 2004: 33). Além seu, enquanto lugar de preservação e ges-
disso, conforme Oosterbeek (2005: 97), o tão de vários desses bens culturais, muitas
conceito de patrimônio cultural nos reme- vezes está exposto ao jogo de interesses
te ao de propriedade, algo a que atribuí- políticos. Assim,
mos um valor e estabelecemos uma rela-
Devemos considerar a existência de
ção de apropriação.
uma intenção inicial que se traduz em
Os bens culturais, num sentido amplo,
“razão para preservar”, a qual muitas
são os testemunhos da cultura humana e do
vezes se configura na criação de um es-
meio no qual construímos nossa identidade
paço-museu. (...) Quando o Museu é ide-
individual e (ou) coletiva através da memó-
alizado de acordo com interesses ideo-
ria. Caldeira (2006: s. p.) revela que desde
lógicos pela classe que ocupa o poder e
os tempos mais remotos existe a preocupa-
nele procura manter-se, a instituição fa-
ção em preservar os bens culturais. Especi-
talmente funcionará como símbolo de for-
almente no período pós 2ª Guerra Mundial,
ça. (Almeida, 2005: 91)
vários setores das sociedades ocidentais pas-
saram a enfatizar a importância dos bens E é nesse contexto que a Arqueologia
culturais e a sua proteção tornou-se um di- Pública pode exercer um papel importante
reito e um dever de todos (Idem). Assim, nos processos de resgate da memória, re-
várias associações foram criadas visando dis- conhecimento e valorização do patrimônio,
cutir políticas de defesa e conservação pre- pois a cultura material, ou seja, o que pode-
ventiva de bens culturais. Elas promoveram rá tornar-se patrimônio arqueológico de uma
a criação regulamentar de diversas estraté- determinada comunidade, pode ser tomada
gias de restauro, conservação e proteção do como elemento de memória que permite a
patrimônio cultural.4 contribuição na construção de uma identida-
de local/regional. Nas palavras de Bruno
(1996, Apud Almeida 2005: 67), “os indica-
dores/vestígios das sociedades que
(4) Destacam-se, dessa forma, esforços como a Carta correspondem ao interesse de estudo da Cul-
de Atenas (1931), Carta de Veneza (1964) e Carta
Italiana (1987), que visavam um debate e organização
tura Material são, também, elementos da
internacional de um corpus regulamentar para a área herança patrimonial, tratados e comunica-
de conservação e restauro (ver Caldeira, op. cit.). dos pela Museologia”.
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São Valério
da Natividade
Peixe
AHE
Peixe Angical
Retiro
Paranã
São Salvador
do Tocantins
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Fig. 5. “Tivemos nosso dia de arqueólogos!” (Lamyara Macedo – 6ª A, Escola Virgílio de Melo
Franco). A experiência da escavação: uma das atividades mais apreciadas pelos alunos.
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ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
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para continuar havendo uma ligação tangí- gia não só utiliza uma série de tecnologias
vel com o passado, elemento crítico de toda nas pesquisas, onde se incluem as datações
vida social. Assim sendo, independente de radiocarbônicas, sensoriamento remoto, aná-
como o passado é estruturado, compreendê- lises químicas, entre outros (McManamon
lo e proteger seus símbolos constitui parte 2000:13), assuntos que despertam grande
integrante da experiência coletiva humana – interesse do público em geral, e do estudan-
e da classe arqueológica em particular (Smith til em particular – como por intermédio de
& Ehrenhard 2002:121). seus estudos é possível conhecer o desen-
Mas rapidamente os arqueólogos perce- volvimento tecnológico desde a pré-história
beram que necessitavam reconhecer não até os dias atuais e outros aspectos do de-
somente sua responsabilidade sobre os ves- senvolvimento humano, como a agricultura
tígios arqueológicos, mas igualmente sobre e a metalurgia.
as pessoas cuja herança histórica e cultural Fatores como os acima mencionados le-
se relacionava a estes vestígios (Little vam muitas pessoas a considerar a Arqueo-
2002:10). Um dos benefícios públicos da Ar- logia importante, estando, na maior parte das
queologia está justamente em contribuir para vezes, interessadas em aprender sobre ela.
o fortalecimento dos vínculos existentes en- Acreditam que seu estudo traz ferramentas
tre a comunidade e seu passado, ampliando importantes também para entender o mun-
o interesse da sociedade sobre o patrimônio do moderno, ressaltando seu valor educativo,
e criando, assim, a sustentação necessária artístico, estético e até espiritual. A Arqueo-
às medidas de preservação. logia pode, assim, desenvolver elos entre
Nessa empreitada devemos explorar o presente e passado, fortalecendo-os mutua-
grande interesse e fascínio que a Arqueolo- mente e trazendo ensinamentos sobre a ex-
gia desperta nas pessoas, por conta de seu periência humana como um todo (Little
perfil de descobertas e da busca pelo passa- 2002:16).
do. De fato, a Arqueologia parece constituir Se expandirmos nossa visão para reco-
a segunda profissão de mais da metade da nhecer os sucessos e insucessos das socie-
população. Freqüentemente nos deparamos dades ao longo dos tempos, nossa tolerân-
com frases como “se eu não fosse engenhei- cia social deverá ser expandida. Hoje os
ro (ou médico, ou professor, ou qualquer estudantes necessitam compreender a his-
outra profissão), seria arqueólogo”. tória do mundo e de pessoas de diferentes
A relação que a Arqueologia estabelece culturas e contextos que desenvolveram idéi-
com as diferentes áreas de conhecimento - as, instituições e formas de vida diferentes
uma vez que é uma ciência verdadeiramen- da sua. Nesse sentido, o conhecimento de
te interdisciplinar, fruto da somatória de cada diferentes formas de vida, experiências e
disciplina científica e humanista – é mais um perspectivas da humanidade no passado po-
dos fatores que faz com que muitas pessoas dem contribuir em criar cidadãos mais paci-
se sintam próximas a ela. Isto se aplica, por entes e respeitosos, especialmente com gru-
exemplo, ao caso da estabilidade e mudan- pos excluídos ou minorias étnicas, em nossa
ça ambiental: através do conhecimento da sociedade crescentemente pluralista (Shiva
sucessão de experiências humanas ocorri- 2003; National Center for History in the
das sobre um ecossistema, é possível refle- Schools 1996:1, citado por Little 2002:12).
tir sobre alternativas de gestão e manejo, Hoje temos necessidade de sermos com-
trazendo uma visão mais global e tangível petentes num mundo multicultural, e a Ar-
ao tema (Little 2002: 9; De Vries 2003). queologia pode proporcionar ferramentas
Podemos citar ainda como fator de apro- que auxiliem a viver nesta sociedade
ximação entre a Arqueologia e o público em crescentemente complexa, ensinando as pes-
geral o crescente interesse e uso de soas sobre outras culturas e tempos, forne-
tecnologia no mundo moderno. A Arqueolo- cendo-lhes ferramentas para melhor com-
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Erika Marion Robrahn-González
Nas últimas décadas muitos estudos têm queologia abrem-se preciosas oportunidades
se dedicado, por exemplo, a definir de forma de ocupar espaços ainda vazios, voltados a
mais clara e precisa a natureza e resultado uma abordagem mais abrangente e pluralista
das mudanças geradas pelo processo de co- de nossa herança cultural.
lonização, especialmente em sociedades da E é dentro desta abordagem e conceituação
América e da África (Atkinson 1989; Campbell que o texto que se segue visa demonstrar
1988; Lamphear 1988; Handler 1968; Huffman uma experiência de trabalho desenvolvido em
1982, 1986; Schmidt 1990; Stahl 1994; Arqueologia Pública em uma area da região
Upham 1987; Whitehead 1990, entre outros). sul do estado de São Paulo, abrangendo os
Os benefícios públicos que a Arqueolo- campos da educação, divulgação, valoriza-
gia poderá trazer, junto a comunidades indí- ção cultural e preservação, com o objetivo
genas ou a comunidades de qualquer natu- de expandir as reflexões aqui apresentadas.
reza, porém, dependem fortemente da soli-
dez e credibilidade científica das pesquisas.
Sem isso, o interesse da comunidade será O Programa Arqueológico Mina Limeira
diminuído e sua atenção deverá recair, fatal-
mente, ao aspecto exótico e fantasioso da O Projeto de Ampliação da Mina Limei-
disciplina (Lipe 2000:20 in Little). ra, de responsabilidade da empresa Compa-
O desafio do arqueólogo está, entre ou- nhia de Cimento Ribeirão Grande (CCRG),
tros, em estabelecer um significado científi- vem sendo desenvolvido desde 2002 englo-
co e histórico às “coisas do passado”, ou seja, bando as diferentes fases de licenciamento
aos objetos retirados das escavações, que ambiental da obra. Abrange terras dos mu-
devem ser utilizados como ponte entre a ex- nicípios de Capão Bonito e Ribeirão Grande,
periência do público e um mundo passado localizados na região sudeste do estado de
reconstruído a partir de inúmeras outras evi- São Paulo.
dências (onde se incluem a história oral, os A área integra o que se define como “re-
mitos e os conhecimentos tradicionais). Nes- gião do alto Paranapanema”, mais precisa-
sa tarefa o arqueólogo necessita, mais do mente em seu limite meridional, próximo à
que nunca, de uma equipe interdisciplinar que crista dos divisores de águas com a bacia do
possa transitar em todos os campos de co- rio Ribeira de Iguape. A área-foco da pes-
nhecimento e esferas sociais de atuação. quisa é banhada por pequenos córregos que
Cabe a ele não apenas fornecer os dados de deságuam no rio das Almas que, por sua
pesquisa que possui, necessários à evolução vez, é um dos formadores do rio Paranapanema,
do trabalho, mas principalmente fornecer seu em seu alto curso (Figura 1).
olhar sobre o passado, para que profissio- O vale do alto Paranapanema oferece
nais nas áreas de antropologia, sociologia, interessantes questões científicas à Arqueo-
história, educação, publicidade, marketing, logia. Em primeiro lugar, corresponde a uma
turismo e tantas outras, possam trabalhar zona de transição ambiental entre a região
de forma séria e criativa. florestada da serra da Paranapiacaba (fisi-
A tudo isto podemos denominar “Ciência camente integrada à porção do médio/alto
Aplicada”, correspondendo ao amplo leque vale da bacia do Ribeira de Iguape), e o pla-
de contribuições que a Arqueologia pode ofe- nalto paulista. Esta condição geográfica te-
recer no fortalecimento e valorização das ria, ao menos em parte, influenciado no as-
comunidades atuais. sentamento dos grupos indígenas pré-colo-
No Brasil este momento apresenta uma niais que ali se desenvolveram, fazendo com
cor especial. Isto se dá especialmente por que aparentem características específicas, e
conta da conjuntura social e política que atra- distintas de suas áreas de origem, o planalto
vessa, na qualidade de país em desenvolvi- central brasileiro (De Blasis 1996, Robrahn-
mento rumo à era da globalização. À Ar- González & De Blasis 1998).
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Figura 1 – Região sudeste do Estado de São Paulo, com a Serra do Paranapiacaba definindo os
limites entre o vale do Paranapanema (a noroeste) e o vale do rio Ribeira de Iguape (ao sul).
Localização regional da área do empreendimento, no vale do rio Almas, um dos formadores do
Paranapanema.
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
(ADA), e que foram objeto de estudos sis- te ( Figura 2 ). Dos 50 sítios, 34 são do
temáticos intensivos. Todavia, visando ob- tipo lítico (ou 68%), 4 cerâmicos (ou 8%),
ter um contexto científico de referência aos 9 sítios ligados ao período histórico (ou
vestígios identificados no interior da ADA, 18%) e 2 sítios multicomponenciais (ou
os trabalhos de campo e os levantamentos seja, sítios que apresentam vestígios re-
documentais se estenderam pelo que se lacionados a mais de uma ocupação hu-
definiu como área de influência indireta do mana – 4%) (vide Tabela 1 ).
empreendimento (AII), aqui considerado O presente artigo não objetiva detalhar
como abrangendo todo o vale do rio das aspectos referentes a estes sítios arqueoló-
Almas e os municípios afetados. Por outro gicos, às suas indústrias e às filiações ar-
lado, muitas das discussões científicas apre- queológicas regionais, uma vez que estes
sentadas pelo texto exigiram a abrangência assuntos estão sendo tratados e serão apre-
de um espaço geográfico maior, podendo sentados na dissertação de Mestrado de Ger-
alcançar todo o planalto meridional brasi- son Levi da Silva Mendes (MAE-USP). A utili-
leiro no que se refere a questões como mi- zação dos dados da pesquisa para trabalhos
grações, territórios de ocupação, contatos acadêmicos constitui, aliás, outra iniciativa
extra-culturais, entre outros. incentivada pelo Programa, proporcionando
Os trabalhos de campo tiveram início o detalhamento de análises científicas sobre
através de prospecções na ADA, buscando os temas tratados e resultando em contri-
reconhecer o patrimônio arqueológico en- buições científicas adicionais e de maior de-
volvido. De início foram realizados levanta- talhe em focos específicos.
mentos extensivos, consistindo em uma pri- Desta forma apresenta-se, abaixo, uma
meira abordagem de reconhecimento da síntese dos principais horizontes de ocupa-
área e de seus vestígios (procedimento es- ção humana identificados pelas pesquisas.
pecialmente empregado durante os estudos Estes horizontes partem do contexto mais
de diagnóstico da área). Em seguida deu- antigo (paleo-índio), até alcançar a ocupa-
se início às prospecções sistemáticas (tipo ção atual de Ribeirão Grande, buscando in-
varredura), implicando na observação dos corporar seus diversos passados, por assim
terrenos tanto em superfície como em pro- dizer: o passado pré-colonial, formado por
fundidade. diferentes grupos indígenas que se desen-
Durante estas prospecções sistemáticas volveram na região há pelo menos 5.500 anos
as equipes percorreram cada uma das áreas atrás, e o passado histórico, que embora na
que compõem a ADA caminhando em alinha- memória da atual comunidade que ali vive
mentos paralelos distantes entre si de 20 em recue apenas até a época da mineração (a
20 metros, com realização de poços-teste a partir do século XVII), incorpora traços
cada 20 m percorridos. Os poços-teste apre- marcantes de tradição indígena em diversas
sentaram dimensões de 0,4m de diâmetro e práticas do cotidiano.
1,0m de profundidade (podendo variar a pro- Neste contexto, o objetivo maior do pre-
fundidade de acordo com a espessura de solo sente artigo é incorporar a comunidade atu-
presente, podendo alcançar até 2,5m). al na história regional, através das diferen-
Este tática de cobertura por alinha- tes nuances materiais e materiais que cons-
mentos paralelos com distribuição de po- tituem a continuidade e herança deste pas-
ços-testes de forma regular permitiu ob- sado milenar. Assim, na apresentação dos
ter dados necessários ao estudo dos pa- chamados “horizontes de ocupação huma-
drões de distribuição dos sítios arqueo- na”, será dada maior ênfase e detalhamento
lógicos na paisagem. A pesquisa foi res- em seus aspectos uma vez que, conforme já
ponsável pela identificação de 50 sítios mencionado acima, os contextos de ocupa-
arqueológicos, dos quais 17 foram, pos- ção pré-colonial estarão sendo apresentados
teriormente, escavados sistematicamen- em trabalho acadêmico.
71
Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Le6
Le5
Cr1
Le1 Cr2
Le11 Cr4
Cr3
Le7
Cr5
Le11
Le9 Le8
Le10 An3
An2
Fabrica
CCRG
Ca1
Sv2 Li2
Li3
Li1
Ca3
Sv1 Sv3
Ca4
Br6 Br9
Br12 Br8
Br5 Br18 Br3
Br22
Br4 Br17
Br2
Br11 Br16
Br14 Br1
Br3 Br15
Br23 Br10 Br19
Br13 Br20
Br21
Br7
Sítios cerâmicos
Sítios históricos
Sítios líticos
Sítios multicomponenciais
Tabela 1
Sítios arqueológicos identificados pelo programa
Nome do sítio Tipo Área Coordenada UTM
72
Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
Tabela 1 (cont.)
Sítios arqueológicos identificados pelo programa
Nome do sítio Tipo Área Coordenada UTM
73
Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Horizonte 2: vestígios líticos do sítio Barro Branco 21, (Foto: Gérson Levi Méndes).
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
riabilidade isocréstica (como apontado por vale para vale, cada qual, atualmente, com
Schmidt Dias 2003 para as indústrias microclimas e ocorrências de espécies
Umbu do extremo nordeste do Rio Grande endêmicas próprias, apontando para um
do Sul, que indica uma continuidade da mosaico vegetacional complexo e alterna-
organização social tecnológica irreal entre do, como indicam as manchas de cerrado
os conjuntos artefatuais). Contudo, as em áreas próximas, a presença de
mudanças são percebidas quando estuda- araucárias em fundo de vale onde o lençol
das num contexto regional amplo de siste- freático está mais alto e a recente forma-
ma de povoamento e percebidas articu- ção da floresta tropical úmida, a Mata Atlân-
ladamente em vales e microbacias tica. Para este horizonte tem-se a data de
hidrográficas (Moraes 2000), pois apon- 5.030 +- 50 BP (calibradas em 5.920 a
tam para as diversas respostas que um 5.660 BP, Laboratório Beta Analytic Inc,
mesmo sistema de eventos e povoamento amostra 207853).
utilizou-se para responder às necessida-
des econômicas e sociais locais, criando- • Horizonte caçador-coletor recente, ca-
se um diálogo permanente com seu terri- racterizado pela presença de pontas pro-
tório móvel (Politis & Cárdenas 2000). De- jéteis e lascas de acabamento, predo-
lineiam-se, assim, as escolhas de implan- minantemente de quartzo e calcário
tação dos assentamentos para paisagens silicificado (Foto). A maior parte dos sí-
com fisionomias geomorfoclimáticas diver- tios arqueológicos desse projeto está
sas e que tendem a se particularizar de associada a esse horizonte. Em todos os
Horizonte 3: Vestígios do Barro Branco 14, camada 1, (Foto: Gérson Levi Méndes).
75
Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
seus sítios as pontas projéteis apresen- 20cm de solo que sugere a existência de
tam sinais de reavivamento intenso de um período de abandono da região, seja
matérias-primas como o sílex, apontando porque os grupos caçadores-coletores
para a provável escassez ou esgotamento entraram em contato com populações
dessa matéria-prima. Os sítios estão dis- agricultoras e, assim, mantiveram rela-
tribuídos por toda a área entre o bairro ções com os mesmos de tal forma que se
rural do Assentamento, quase nos divisores sedentarizaram no planalto ou no vale do
de água entre as bacias do Paranapanema Ribeira de Iguape, seja porque deveriam
e do Ribeira de Iguape, e se estende até estar em confronto com esses grupos agri-
as proximidades dos bairros Lagoa de cultores que já habitavam o vale do Ri-
Cima, Cristal, Pêssego e Capoeira Alta, bem beira de Iguape e o planalto paulista nas
como nas imediações de Ribeirão Grande, cercanias de Capão Bonito e Alto dos
podendo constar no planalto de Capão Rodrigues em Ribeirão Grande, e que se
Bonito. Formam um território nucleiforme restringiam cada vez mais para um recuo
caçador-coletor diferente daquele encon- de seu território nuclear. Os sítios mais
trado no vale do Ribeira de Iguape. Estão recentes dos grupos caçadores-coletores
situados entre 15 a 40cm de profundida- devem corresponder àqueles mais próxi-
de, de acordo com as diversas condições mos aos divisores d’água da Serra dos
geomorfológicas locais. Foi denominado Agudos e entre os Parques Carlos Botelho
“horizonte 3”. Para este horizonte tem-se e Intervales. De qualquer forma, entre es-
a data de 1.010 +- 50 BP (calibradas em ses dois períodos estamos tratando do fi-
950 a 750 BP, Laboratório Beta Analytic Inc, nal da presença de caçadores-coletores
amostra 207852). nesta região em data posterior àquela
detectada pelo projeto Gasbol (De Blasis
• Horizonte de grupos ceramistas
2000), ou seja, uma possibilidade muito
cultivadores, caracterizado pela presen-
grande da presença de sítios mais recen-
ça de sítios arqueológicos implantados nas
tes de 800 anos AP. De fato, para este
porções mais abertas dos vales, concen-
horizonte tem-se a data de 150 +- 40 BP
trando-se, sobretudo, entre os bairros
(calibradas em 280 a 0 BP, ou ainda, de
rurais Barreiro Cabral e Pereira em dire-
1670 a 1950 A.D., Laboratório Beta
ção aos terrenos suaves próximos à atual
Analytic Inc, amostra 207850).
cidade de Ribeirão Grande e nos bairros
Alto Rodrigues e Mata-a-Dentro, Nunes e • Horizonte histórico, correspondente ao
Ferreiras, em direção ao limite com o ciclo da mineração do ouro de aluvião
município de Capão Bonito, a oeste. A que deslocou habitantes dos arraiais dos
presença destes grupos nos vales do Bar- médio e alto curso dos afluentes do Ri-
ro Branco e Ouro Fino é mais tardia e beira de Iguape em direção às nascen-
ocorre após o abandono dos sítios pelos tes e à bacia do alto Paranapanema.
antigos habitantes caçadores-coletores, Ocorreu a partir da segunda metade do
como indicam os estudos de todos os per- século XVII e se prolongou até o terceiro
fis estratigráficos de sítios escavados. Foi quartel do século XIX. Foi denominado
denominado “horizonte 4”. Os vestígios “horizonte 5”. No que se refere aos re-
cerâmicos encontrados no vale do Barro gistros arqueológicos, os sítios Cristal 3,
Branco, de longe o mais conservado e com 5 e Anacletos 3 e 4 apontam para uma
condições ideais para escavação, apre- provável relação entre a antiga popula-
sentam um intervalo de 10 a 20cm com o ção ceramista indígena e estes primei-
horizonte caçador-coletor. Assim, antes de ros colonos que aí se estabeleceram por
haver uma continuidade entre esses ho- volta do século XVII (uma pederneira de
rizontes 3 e 4, há um silencio de 15 a produção local foi encontrada associada
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
(1) Capítulo de relatório originalmente redigido por (2) Estrutura histórica relacionada à exploração
Cintia Bendazzoli. aurífera em cursos fluviais.
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
objetivo último, o resgate cultural, a valori- mais antigos (as “vestígios de bugre”), com-
zação das identidades e a preservação de pletam o ciclo de experiências humanas de-
seus marcos ancestrais. senvolvidas em um mesmo espaço geográfico
As pesquisas revelam elementos de con- compartilhado, resultando na atual paisagem
tinuidade da cultura indígena (técnicas de cultural do Barro Branco. Buscando fornecer
trançado na produção de cestos, áreas de uma visão da abordagem do presente Progra-
captação de argila e espécies vegetais, téc- ma, selecionou-se um item de pesquisa para
nicas construtivas, técnica de preparo do cada tipo de patrimônio: técnicas contrutivas
campo para o roçado) que encontram ana- para o patrimônio material, e histórias do bair-
logias em modelos indígenas antigos e atu- ro Barro Branco, contadas pela própria comu-
ais de apropriação do espaço, assim como nidade, no que se refere ao patrimônio
elementos de ruptura e de conformidade com imaterial, conforme texto que se segue.
os costumes coloniais (festas religiosas, brin-
cadeiras entre as crianças, etc.). Técnicas construtivas
Este conjunto de fatores acabou por defi-
nir a própria missão do Programa Arqueoló- Fazem parte do patrimônio histórico cul-
gico Mina Limeira: reconstituir o passado atra- tural da comunidade do Barro Branco as uni-
vés de sua articulação com o presente, per- dades típicas de moradia e os padrões de
mitindo contribuir para a educação, coesão construção das mesmas. Não são poucas as
da comunidade, lazer e desenvolvimento eco- edificações existentes que ainda seguem os
nômico regional, de acordo com o moderno modos e padrões utilizados há muitos anos.
conceito de sustentabilidade social. As casas de barro, ou de pau-a-pique, ainda
E isto ocorreu de diferentes maneiras: são maioria no bairro. Entretanto, já é pos-
no reconhecimento e inclusão de suas for- sível encontrar alguns outros tipos de cons-
mas de viver no que se define como truções em alvenaria ou madeira.
“patrimônio arquitetônico” da região; na in- As residências são simples, com poucos e
clusão de seus depoimentos e opiniões so- pequenos cômodos, a rede elétrica não é pre-
bre o que considerar patrimônio, o que pre- sente em boa parte das residências. Sem exce-
servar, o que é significativo; e na busca de ção pode-se afirmar que quando há a constru-
vestígios do elemento africano em uma ati- ção de banheiros, estes são feitos fora da casa,
vidade tradicionalmente relacionada ao co- e não foi encontrado em nenhuma delas a pre-
lonizador branco europeu: a mineração. sença de chuveiros, pois os banhos são feitos
Assim, não se buscou registrar apenas nos rios, córregos ou açudes. Algumas ainda
os vestígios físicos da história regional co- apresentam uma separação entre os cômodos
memorados e consagrados pela história ofi- de estar e a cozinha com forno à lenha. Nas
cial, mas trazer a representação dos cida- maiores e mais tradicionais propriedades são
dãos comuns na formação e transformação erguidos paióis para o armazenamento da pro-
desta história. Desta maneira, buscou-se dução e/ou de bens e utensílios para a prática
mapear os bens tangíveis e intangíveis, ma- agrícola. É praticamente comum em todas as
teriais e imateriais, que constituíssem elos moradias a construção de galinheiros, que em
de ligação da comunidade com o passado, geral se assemelham a poleiros erguidos a apro-
reconhecidos enquanto partes de sua heran- ximadamente 1 metro do solo onde grandes
ça histórica e cultural. cestos são colocados de forma tombada, com a
O texto que se segue traz alguns exem- abertura voltada para frente, de modo que as
plos deste trabalho, onde a comunidade de- aves possam entrar e sair.
senvolveu papel central no “resgate” de seus Em algumas propriedades, mas em me-
elementos identitários, de seus registros his- nor número, é presente também a constru-
tóricos e tradicionais que, somados àqueles tão ção de currais para porcos, denominados
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Esquema de círculos representativos dos “arraiais familiares”. As posições das casas estão de acordo com
a localização geográfica encontrada durante as pesquisas em campo. Entretanto, se fosse criado uma
figura representando a posição das mesmas unidades familiares considerando a dependência destas
unidades em relação aos centros gravitacionais, teríamos outras dimensões e localizações. As áreas de
“influências” referem-se as áreas de usos comum e individuais que formam os “arraiais familiares”
lonas, tapetes, restos de madeira e cons- vendo pouquíssimos celeiros e banheiros com
truções. Pertencem exclusivamente a pro- paredes de barro. As casas podem ser divi-
prietários que não moram no bairro. Os didas em dois modelos: as de um ou dois
banheiros entram neste grupo por se apre- cômodos e as de três ou mais cômodos. Esta
sentarem em vários tipos diferentes de pro- divisão se dá porque as de um ou dois cô-
priedade em propriedade. modos são ocupadas por pessoas que mo-
ram sozinhas, sejam elas viúvas, solteiras
O texto que se segue traz detalhes refe-
ou separadas. No caso das moradias de um
rentes às edificações de barro e de madeira,
único cômodo, quarto e cozinha estão no
constituindo as mais tradicionais da região. mesmo espaço; nas de dois cômodos há a
As costruções de barro são quase total- divisão entre o espaço de cozinha e o de
mente restritas apenas às residências, ha- dormir. Nas famílias constituídas há pelo
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
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menos três cômodos, o quarto dos pais, o que, quando seco, esse material de
quarto dos filhos e uma sala/cozinha, vari- granulometria grosseira fica como poros, an-
ando de caso para caso. tes ocupados pela água, maiores que os de
Em geral os cômodos são pequenos, com barro marrom, dando espaços para as dila-
um espaço para deslocamento restrito e pou- tações e contrações resultantes de variações
cos móveis. As paredes de divisão chegam a termais com maior facilidade, não ocorren-
uma altura média 1,90m , no máximo 2m e do, assim, fissuras nas paredes.
nunca alcançam o forro ou telhado. Não há O barro marrom, por ter uma granulometria
portas internas e cortinas são utilizadas como mais fina, principalmente de argilas, não apre-
forma de separação dos cômodos. As portas senta estes espaços porosos internos, sendo
de entrada não possuem trincos e são fecha- mais compactos e desta forma não permitindo
das por fora com o uso de correntes e cade- os movimentos de dilatação e contração, e que
ados e, por dentro, com tramelas. São casas quando exposto aos fatores climáticos criam
pouco iluminadas em virtude das pequenas rachaduras com maior facilidade.
janelas que recebem, sempre de formato Foi diagnosticado que anteriormente
quadrado com no máximo 50 centímetros de eram feitas vasilhas cerâmicas com o barro
lado, sendo que, em alguns casos, os quartos branco, entretanto não se pode afirmar o
não têm janelas. Os telhados podem ser de motivo da escolha desse material para a con-
telhas de amianto, zinco ou de cerâmica. Foi fecção das mesmas, o que se sabe é que
encontrada apenas uma casa com cobertura esta já foi uma prática comum e que há tem-
de palha. Há indícios de que esta técnica ti- pos está em desuso.
nha maior freqüência antigamente. De forma geral, a construção de uma
O piso é de terra batida, sem nenhuma casa de barro branco típica se dá da seguin-
cobertura. A cozinha pode ou não ser junto te forma: escolhido o local a ser construída
à casa. Algumas casas têm cozinhas com a casa, aplaina-se o terreno de acordo com
fogões à lenha no interior, outras com fo- as dimensões desejadas. Nas fundações,
gões a gás. As cozinhas externas são sem- onde são erguidas as paredes, troncos de
pre as de fogões à lenha. Ali, sobre os fo- madeira, chamados de cernes, são cortados
gões à lenha são colocadas carnes para de- em forma retangular cúbica e colocados na
fumarem, conservando assim o alimento. base, praticamente enterrados entre 20 a 25
Nestes casos também, podemos atribuir a centímetros no solo com apenas a face su-
baixa luminosidade ou o escurecimento das perior exposta. Estes são os esteios, que
casas devido à ação da fumaça dos fogões, podem ser feitos com trocos de nataleiros,
que pretejam telhados e paredes. canelas, guatambus ou, se forem encontra-
As casas de barro são também feitas em das, outras madeiras grossas e que resis-
dois tipos, as de barro branco para reboco e tam ao tempo tanto quanto as citadas. São
as sem barro branco para reboco. O uso do os “cernes direitos”, assim chamados por
barro branco, na verdade uma composição possuírem um tronco comprido, reto, grosso
de solo de granulometria grosseira mais pró- e resistente ao tempo.
xima do silte e de cor esbranquiçada pre- Junto aos esteios, nas quinas e extremida-
sente na área, serve apenas para o reboco des de paredes, são fixadas no solo de forma
das casas, interna e externamente (Fotos). perpendicular às colunas ou travas de cerne di-
Pode-se atribuir que estas são casas típicas reito. As travas ou colunas também são gros-
da comunidade, não encontradas até o mo- sas, podendo ser cortados de forma retangular
mento em outros lugares. O tal barro bran- ou colocados como troncos brutos, sem trata-
co, por sua granulometria mais grosseira, não mento. O diâmetro destas peças varia de 30 a
se desfaz com facilidade ao longo do tempo 50 centímetros e podem ser de árvores como a
através das intempéries climáticas como chu- cajarana, o sassafrás, o guatambu, nataleiro
va, sol ou vento. Atribui-se a isso o fato de ou canela. A altura das colunas ou travas varia
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Técnicas construtivas:
A casa de barro branco: este famoso barro, que dá nome ao bairro, é uma argila fina
captada localmente nas barrancas, próxima de grotas e córregos. O barro é aplicado na
estrutura quadriculada de madeiras e preenchem-nas dando formas às casas, assim como
aos fornos tradicionais do alto Paranapanema.
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Cozinha
Cozinha com Quarto
com fogão Quarto fogão
à lenha à lenha Cozinha
Sala
Sala
Quarto Quarto Quarto Quarto Quarto Quarto
1 2 3
Croquis sem escala, apenas para referência de casas de barro branco habitadas por unidades
familiares. Respectivamente das famílias do senhor Braz Batista Mendes (1), da senhora Maria
Francisca do Nascimento (2) e do senhor Antônio Mendes de Oliveira (3).
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Quarto e cozinha
Bar
Balcão
Quarto
Cobertura
Quarto conjugada ao bar
Cozinha
e para uso dos
com
cozinha frequentadores fogão
à lenha
1 2 3
Croquis sem escala, apenas para referência de moradias de bar-
ro habitadas por um único morador e que não têm reboco de
barro branco. Respectivamente da senhora Tereza Clarinda Vaz
(1), Antônio Jacinto Vaz (2) e Waldomiro José dos Santos (3).
madeira, é entre quinze a vinte dias, desde Poucas são as casas feitas exclusivamente de
que não ocorra nenhum imprevisto climático madeira. Os paióis de madeira são feitos da
ou humano que atrapalhe a obra. Ainda hoje mesma forma que as casas de barro e com o
as casas de barro são levantadas com auxí- mesmo material, distinguindo-se pelo fato de
lio do “puxirão”, termo utilizado para desig- que os paióis não têm janelas, divisões inter-
nar as atividades realizadas em mutirões de nas ou paredes barro. No caso dos paióis as
moradores. Durante o “puxirão” para a cons- paredes são todas vazadas, faltando exata-
trução das casas, homens e mulheres reali- mente o barro para revestir as mesmas.
zam os mesmo trabalhos, sendo que as cri- Os abrigos de monjolos geralmente se
anças ficam apenas nas etapas de transpor- assemelham aos paióis ( Figuras 3 e 4, fo-
te e de amassar o barro com os pés. tos ). Considerando todas as construções,
Em média, uma casa de barro é habita- trata-se de obras mais modestas que não
da por aproximadamente 20 anos, mesmo visam a moradia, e sim para o uso conjuga-
com todos os reparos e manutenções feitas do à atividade na lavoura.
durante esse período. Passado esse tempo, O senhor Jaime Olívio de Macedo, propri-
as casas já apresentam diversos problemas etário que vai esporadicamente ao bairro do
e costumam serem abandonadas para a cons- Barro Branco, possui dois exemplos de casa. A
trução de novas. As casas de barro mais an- residência oficial é feita com diferentes mate-
tigas são as da senhora Maria Francisca do riais, e uma segunda moradia, não habitada,
Nascimento, com aproximadamente vinte construída somente com tábuas e pedaços de
anos e a do senhor Braz Batista Mendes, com troncos de nataleiros, guatambus e canela.
dezoito anos, sendo que as colunas e estei- O senhor Maximiliano Wilson Godói, que
os são de datas mais antigas pois eram per- veio para o bairro nos últimos dez anos, pos-
tencentes à casa de seu pai. sui a única casa de madeira habitada e que
Já as edificações feitas unicamente de junto à mesma possui um bar. No caso do
madeira são em maior parte paióis, currais, senhor Maximiliano sua propriedade possui um
abrigos para monjolos e alguns banheiros. açude e também uma construção de madeira
84
Figura 3 - Implantação do sítio Barro Branco 1 (croqui esquemático sem escala).
1 - Estrada vicinal que conduz ao córrego Embramado, abandonada; 2 - Camada húmica com vestígios líticos e
cerâmicos; 3 - Camada argilo-arenosa bruno-escura, arqueológica; 4 - Embasamento c/ cascalhos de quartzo e filito
associados; 5 -Vale com concentração de camada húmica mais extensa e fértil; 6 - Afloramentos de quartzo
leitoso, utilizados no “site catchment”; 7 - Covas de bananeira expandem a camada húmica; 8 - Segunda elevação
com presença de vestígios; 9 - Córrego do Embramado; 10 - Casa do Sr. Firmino; 11 - Estrada em direção à
Freguesia Velha; 12 - Fogueira arqueológica; 13 - Plantação de feijão; 14 - Plantação de abóbora; 15 - Bananeiras;
16 - Pinheiros; 17 - Localização da ocorrência de cerâmica Kaingang no sítio em superfície; v - Algumas das
unidades escavadas no sítio; C1 - Corte 1, sítio cortado p/ construção de casa; F1 - Área de maior freqüência de
vestígios líticos lascados de quartzo leitoso; F2 - Área de maior freqüência de vestígios líticos lascados de sílex.
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para seus filhos, muito semelhante a uma rem a construção de fogões à lenha no inte-
palafita, sem paredes, próximo ao açude. rior da casa, devido ao riso de incêndio.
Estas casas de madeira possuem facha- As Tabelas 2 e 3, abaixo, mostram as
das uniformes, com portas e janelas do mes- edificação cadastrados no bairro do Barro
mo material. Suas divisões internas seguem Branco (unidades, tipos, sub-tipos e carac-
os mesmos padrões existentes em outros ti- terísticas marcantes), trazendo o conheci-
pos de construções habitacionais do bairro. mento construtivo e os padrões de ocupação
O emprego delas é restrito por não permiti- das comunidades atuais ali residentes.
86
Tabela 2
Unidades construtivas no bairro do Barro Branco
UNIDADE TIPO SUBTIPO CARACTERÍSTICA MARCANTE
Marrom Casas com maior incidência de rachaduras nas paredes internas e externas.
Casas exclusivamente presentes no Bairro do Barro Branco. O uso desse tipo de barro
Branco
no reboco impede as rachaduras nas paredes por influências climáticas
Barro
Em geral habitam estas casas indivíduos que vivem sozinhos, sejam solteiros, sepa-
1 ou 2 cômodos
rados ou viúvos.
3 ou mais cômodos Habitados por unidades familiares constituídas por pais e filhos ainda jovens.
Casa Seguem os padrões de divisões internas e semelhantes aos das casas de barro, diferen-
Alvenaria
ciam por não possuírem cozinhas com fogões à lenha no seu interior.
São poucas as casas de madeira no bairro em virtude dos riscos de incêndios que
Madeira
podem ocorrer com o uso de fogões à lenha.
Em geral são de novos proprietários de terra que não habitam a comunidade. São
Materiais diversos construídas com os mais diversos materiais (lonas, tapetes, madeiras, restos de
construção e outros).
Madeira O tipo mais comum, seu método de construção é semelhante ao das casas de barro.
Paiol Foi identificado apenas um paiol com revestimento de barro nas paredes. Seu uso
Barro
não é comum no bairro.
Curral Madeira São denominados de “mangueiras”. Nem todas as propriedades possuem currais.
Barro São os tipos mais comuns construídos no bairro.
Madeira Construídos próximos às casas de madeira e em algumas casas de barro.
Banheiro
Possuem revestimento das paredes de lona, papelões, tapetes ou esteiras de
Materiais diversos
taquara, ou então de qualquer outra material que não seja barro, madeira ou tijolo.
Madeira Abrigo para alimentação de animais ou de monjolo.
Outros Alvenaria Igreja de Santo Antônio, ainda inacabada.
Outros Açudes
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OBS: Com relação às casas de barro, sua classificação se dá em dois subtipos, envolvendo o tipo de barro utilizado e o número de cômodos existentes.
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Tabela 3
Proprietários e construções no bairro do Barro Branco
Ano de contrução Características
Proprietário [estimado] e/ou
(confirmado) observações
Adão Clarindo Vaz [posterior a 1995] Casa de alvenaria, tida como a primeira a
obter rede elétrica e antena parabólica.
Alsendino Louzada Melo [ sem data certa pois o Casa feita com restos de materiais cons-
proprietário não reside trutivos, que não objetivava residência fixa.
no local, provavelmente
erguida após 1992]
Braz Batista Mendes (1986) (2003) São duas residências, a casa de barro
branco, mais antiga, e a casa de alve-
naria, mais recente.
Braz Franco da Silva [sem data certa pois o Casa de barro marrom, supõe-se que
proprietário não reside tida como abandonada.
no local]
Caetano Mendes de Oliveira (1997) Foi a primeira casa de alvenaria feita por
alguém da família de Caetano Mendes de
Oliveira, está situada onde hoje se sabe
da existência de um sítio arqueológico.
Celina Mendes de Oliveira Cruz (1998) Casa de alvenaria
Eduardo Clarindo Vaz —— Segundo o relatório sócio-econômico
há a existência de tal residência, po-
rém ela não foi encontrada.
Eliseu Ursulino de Moura sem data certa pois o Casa de barro marrom
proprietário não reside
no local]
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
Tabela 3 (cont.)
Proprietários e construções no bairro do Barro Branco
Ano de contrução Características
Proprietário [estimado] e/ou
(confirmado) observações
Jaime Olívio de Macedo [sem data certa pois o Casas de madeira ou de restos de ma-
proprietário não reside térias construtivos.
no local, provavelmente
erguida após 1992]
Maria dos Santos Ferreira —— Não foi possível obter nenhuma infor-
mação a respeito.
Maria Francisca do Nascimento [1990] É uma das casas de barro mais anti-
gas do bairro, porém as datas diver-
gem sobre a construção, e as infor-
mações são mais próximas do ano de
1990.
Maximiliano Wilson de Godói [sem data certa, Casa de madeira que também funcio-
provavelmente erguida na como estabelecimento comercial.
após 1995]
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Tabela 3 (cont.)
Proprietários e construções no bairro do Barro Branco
Ano de contrução Características
Proprietário [estimado] e/ou
(confirmado) observações
Miguel Vaz de Andrade [1992] Casa de barro marrom, uma das primei-
ras a ser erguida pelos novos morado-
res do bairro.
Vírgilio Marcos da Cruz [sem data certa pois o Casa de barro marrom.
proprietário não reside
no local]
Waldomiro José dos Santos (2000) É a única de barro marrom que ainda
utiliza cobertura de palhas sobre a casa,
uma das paredes caiu durante as for-
tes chuvas que ocorreram no início de
janeiro de 2004
OBS: A tabela acima foi elaborada com dados obtidos nas pesquisas de campo, na consulta
do relatório sócio-econômico e dos mapas elaborados e fornecidos pela Companhia de Cimen-
to Ribeirão Grande. Das 44 famílias registradas pelos relatórios sócio-econômicos, 9 deles não
possuem casas, das 35 restantes, 24 delas foram identificadas de forma preliminar durante as
etapas de campo, sendo que destas, 18 tiveram uma abordagem mais aprofundada. Há um
total de 11 unidades familiares que pelos relatórios sócio-econômicos possuem residências,
entretanto, as informações obtidas em campo, confrontadas com os dados dos relatórios,
são insuficientes para afirmar a existência ou não das residências, exceto por dois únicos
casos identificados através dos mapas.
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira.
Erika Marion Robrahn-González
É latente a percepção de que os indiví- casal, eles ganharam a terra como doação
duos que possuem propriedades no bairro dos proprietários da fazenda e passaram a
e não o habitam tendem a construir resi- viver de subsistência. Plantavam para co-
dências que fogem aos padrões culturais mer e o que sobrava era vendido nas co-
locais. As casas feitas com restos de obras munidades vizinhas. Possuíam também cri-
e materiais diversos sinalizam mais para ação de galinhas, porcos e algum gado para
uma ocupação descompromissada com o abastecer a casa de leite e eventualmente
local e seus hábitos culturais do que unica- de carne. Os filhos desse casal nasceram
mente um fator de pobreza. São casas que em parte no Sumidouro e em parte no Bar-
não representam o patrimônio local e que ro Branco, sendo ao todo cinco: Celestino,
descaracterizam o bairro. Maria, Lourdes, Ana e Ervelina, e é parte
deles e de seus descendentes que hoje nos
História de Barro Branco contam a sua história.
Dos cinco filhos de Antonio e Pedra
A comunidade do Barro Branco é com- Paulina duas filhas estão vivas e cada uma
posta por cinco núcleos de uma mesma raiz é a matriz de um núcleo de organização fa-
familiar, havendo, no entanto, dois núcleos miliar, ou seja, em torno delas criou-se uma
principais, cujos membros tem uma rela- relação estreita de laços de parentesco, for-
ção de parentesco muito próxima e convi- mando dois núcleos principais dentro do Bar-
vem numa mesma área, com pouca dis- ro Branco. Aquela comunidade se organi-
tância entre uma residência e outra. Mas zou em família, porém não há um núcleo
como teve inicio esse arraial? Soubemos só, como talvez tenha havido quando o pa-
que os primeiros a se instalarem naquela triarca ou a matriarca da família estavam
região foram os pais das duas senhoras vivos. Hoje em dia a comunidade se divide
mais velhas da comunidade. Não foi preci- tênuamente entre dois núcleos familiares,
sada a data, mas provavelmente por volta um deles centralizado na figura de Dona
da década de 1930 havia uma fazenda exa- Maria e outro na de Dona Lourdes. Para fa-
tamente naquelas terras que empregava cilitar a compreensão da teia de relações
mão de obra para trabalhar nas lavouras. que abrange esta comunidade, trataremos
Os moradores mais antigos costumam se de um núcleo de cada vez, mas deve ser
referir à fazenda de “um japonês” que era ressaltado que essa separação é exclusiva-
o proprietário. Foi então que vieram Anto- mente metodológica e não um reflexo da
nio Rodrigo do Nascimento, nascido em realidade dessas pessoas.
Bairro Maciel, e Pedra Paulina do Nascimen-
to, nascida em Ouro Fino. 3 Núcleo Dona Lourdes
Eles se casaram e os filhos começaram
a nascer. Moravam em Sumidouro e ape- A Dona Lourdes é uma senhora de 63
nas trabalhavam na fazenda nessa época, anos de idade casada com Seu Caetano e
segundo informação de uma das filhas ain- mãe de sete filhos Antonio, Senhorinha, Ro-
da viva. Com o tempo, a fazenda foi que, Luis, Ana, Celina e Dirceu. Como alguns
desativada e o casal foi convidado a tomar dos filhos e seus descendentes não moram
conta das terras tendo permissão para plan- mais em Barro Branco, concentramos o tra-
tar e morar na propriedade. Segundo infor- balho no perfil feminino e infantil dos mora-
mação de Dna Lourdes, uma das filhas do dores que ainda residem lá.
Dos filhos de Dona Lourdes, Senhori-
nha, Roque e Luis se mudaram e hoje vi-
(3) Informação oral obtida através de entrevista com vem com as famílias em outros bairros
Dna Lourdes e Dona Maria. próximos. Dirceu morreu com um ano de
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
idade de tosse comprida. Portanto, o tra- soube dizer ao certo que doença tem, mas
balho se concentrou nas famílias de Anto- “sofre dos pulmões” e já foi desenganada
nio, Ana e Celina. Mas primeiramente tra- pelos médicos, que receitam apenas re-
taremos da figura ao redor da qual todas médio para dor. Frente à perspectiva de
as demais pessoas vivem, que é a Dona morte dona Lourdes se mostra conforma-
Lourdes. da e justifica que é a vontade de Deus.
Dona Lourdes acha que nasceu no Su- Mesmo assim não larga o cigarro de pa-
midouro, não sabe ao certo ( Foto ). Des- lha que fuma desde menina, pois apren-
de pequena, por volta dos 10 anos de ida- deu com o pai fumando um pouquinho com
de, começou a ajudar o pai na lavoura, ele todos os dias.
assim como todos os outros irmãos, e Dona Lourdes é o centro deste núcleo
quando tinha 13 anos mudou-se com a familiar e é chamada de Madrinha por to-
família para o Barro Branco. Aos 15 anos dos os netos, noras e genros. Todos se diri-
se casou e teve seis filhos, hoje tem 24 gem pela manhã à casa dela e, unindo as
netos e 4 bisnetos. Mesmo depois de ca- palmas das mãos em frente ao peito, pe-
sada Dona Lourdes continuou a trabalhar dem a benção. Ela mora em uma casa de
na roça, e possuía criação de animais. Hoje alvenaria construída recentemente como
em dia ela não trabalha mais, se diz do- substituta da antiga casa de pau a pique,
ente e sem condições, por isso o neto da qual só restou a antiga cozinha e o fo-
Roque mora com ela e cuida de criação gão à lenha. Ela se diz religiosa e as pare-
de galinhas e suínos, além de ajudar o avô, des da sua sala são cobertas de imagem de
Seu Caetano, na lavoura. A nora de Dona santos com São Jorge, Cosme e Damião e
Lourdes, Zilda, é quem lava a roupa e faz Nossa Senhora do Bom Parto, que dividem
o serviço de casa mais pesado. Ela não o espaço em meio a brinquedos ganhos nas
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Arqueologia e sociedade no município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública
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festas e quermesses da região.4 Diz que reza proibido. Ao ser indagado o porque da proi-
todos os dias em um pequenino altar no bição, Dona Lourdes afirma que começaram
canto da sala e que quando tem missa ela a dizer que não podia ser feito sem licença,
vai, em média uma vez por mês. e que ela não tinha formação para realizar
Dona Lourdes foi durante muitos anos a aquilo. Então ela deixou de ser parteira,
parteira da comunidade e responsável pela mesmo tendo realizado vários partos, todos
maior parte dos nascimentos dos parentes. bem suscedidos. Hoje em dia, todas as mães
Dizem que ela e a irmã Ervelina aprenderam do Barro Branco vão para a cidade e têm os
sozinhas o ofício, e que Dona Lourdes fez seus filhos no hospital de Ribeirão Grande.
seus próprios partos, sozinha e sem ajuda. Dona Lourdes mostra os trabalhos ma-
A irmã Ervelina já faleceu e Dona Lourdes nuais que aprendeu a fazer com a mãe e
encerrou as suas atividades há treze anos que representam uma das poucas ativida-
atrás, quando fez o último parto do nasci- des que ela ainda realiza. São bordados,
mento de sua neta Jimerilda. Ela afirma que colchas de retalhos e forros de estofados que
só o fez porque não deu tempo da mãe che- ela coloca nas poltronas e cadeiras da sala
gar ao hospital, porque naquela época já era (Foto). Os bordados são simples e ela os
faz com o aviamento que tiver em casa, fa-
zendo bordas e desenhos em retalhos de
panos que se transformam em toalhinhas de
(4) Os brinquedos ganhos nas quermesses podem sala e cozinha. As colchas de retalhos são
ser encontrados em várias casas do Barro Branco,
pendurados nas paredes como se fora um enfeite ou
feitas com partes de roupas que se estraga-
um objeto de ostentação. Mesmo as crianças man- ram ou que não se usam mais, costurados
têm os brinquedos dentro das caixas, porque, se- os retalhos um a um na mão até formarem
gundo Josieli “a gente tem dó de usar”. uma colcha. Já os estofados são feitos com
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Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
muitos pequenos retalhinhos de panos colo- Os cestos são usados para transportar
ridos que são costurados um a um numa as frutas e legumes da lavoura, para arma-
base de pano maior, ou entrelaçados na base zenar alimentos em casa, para guardar coi-
formando um trançado no avesso de modo a sas pessoais, para abrigo das galinhas no
ficarem presos à base sem que se precise galinheiro. Vai produzir muitos mais quando
usar linha para costurá-lo. Aparentemente se mudar para a nova casa que está em fase
esse é o único tipo de atividade artesanal de construção.
que ela produz, enquanto que o marido, Seu Dona Lourdes é uma das maiores conhe-
Caetano, faz pilões entalhados na madeira e cedoras das plantas da região e das ervas,
cestaria em taquara. Ele e um sobrinho, Adão, raízes e outras plantas que podem ser utili-
são os únicos homens que produzem cestaria zadas como medicamento. Ela foi responsá-
no Barro Branco. Essa atividade local é mas- vel pelo ditado de parte da lista de plantas
culina e, ao que parece, eles foram os úni- medicinais, suas funções e modo de preparo
cos que aprenderam com Seu Jacinto, fale- que consta em anexo. Ela diz que aprendeu
cido esposo de Dona Maria e cunhado de Seu sobre as ervas com a mãe e passou os
Caetano. Nenhum outro homem ou jovem da ensinamentos para as filhas e netas, mas
comunidade sabe como fazer os balaios. ressalta que alguns homens também são
Tendo a taquara em mãos, seu Caetano conhecedores das plantas. Ao que parece
manufatura um cesto em 25 minutos e per- esse conhecimento é mais difundido dentro
mitiu filmar e fotografar todas as etapas de de um universo feminino, no entanto este
seu trabalho (Foto). saber é de certa forma mais geral, depen-
dendo da inclinação e interesse de cada um
no conhecimento desta prática medicinal.
Em entrevista, Dona Lourdes conta que
antigamente não havia médico na região, en-
tão eles costumavam levar os doentes na
curandeira, e usavam os remédios caseiros.
Ela própria diz que já foi muito na curandeira
quando era nova, mas não se lembra quais
os procedimentos médicos e nem que tipo de
problema a levou a procurar essa ajuda. Ela
conta que antigamente, quando alguém da
comunidade morria, era levado na rede pelo
antigo peabirú (trilha) para um cemitério. Dona
Lourdes conta que hoje em dia os mortos são
enterrados no cemitério da cidade.
Antigamente os velórios aconteciam nas
casas e muita gente ia e passava a noite
inteira velando o morto até que amanhe-
cesse. Os parentes ofereciam almoço e janta
para todos. Quando ia se comprar o tecido
para fazer a roupa para vestir o defunto, já
se comprava pano para vestir o resto da
família que estaria em luto. Caso a morte
fosse de pai ou mãe, o luto deveria durar
um ano, caso fosse marido ou esposa, seis
meses, e se não fosse um membro da fa-
mília a falecer não era obrigado vestir pre-
to. Dona Lourdes conta que se lembra que
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os pais sempre visitavam os mortos, leva- Dona Maria nasceu em Ouro Fino, mo-
vam flor e cantavam orações. Hoje em dia rou no Sumidouro e viveu quase a vida toda
no Dia das Almas,5 todos levam flor para os no Barro Branco. Nunca foi para a escola
mortos, mas estes estão enterrados em porque não tinha nenhuma no bairro, “a úni-
Ribeirão Grande. ca escola que tinha era a roça” afirma ela,
que ajudava diariamente o pai na lavoura.
Núcleo Dona Maria Não lembra quantos anos tinha quando co-
meçou a trabalhar, mas sabe que o pai leva-
O núcleo de Dona Maria é composto por va todos os filhos bem pequenos, pois ele
ela, seus filhos e netos. Ela tem 65 anos, é era muito pobre e trabalhava com os filhos
irmã de Dona Lourdes e mora no arraial em carpindo o terreno dos outros. A mãe ficava
casa de pau a pique com a filha solteira cha- em casa cuidando das coisas e dos irmãos
mada Pedra. Dona Maria é cega dos dois menores. Dona Maria ajudava o pai a plan-
olhos e não sabe o que resultou nesta ce- tar milho, feijão, arroz, tudo para comer em
gueira ( Foto). Ela explica dizendo que a casa e o que sobrava era vendido na cidade,
menininha dos olhos está tampada. Quando e diz que foi do mesmo modo que os filhos
indagada a respeito dessa menininha ela diz dela se criaram. No entanto, os filhos mais
que um dia sentiu muita dor num olho e de- novos de Dona Maria puderam estudar um
pois no outro, e que depois da dor a menini- pouquinho no Mobral.
nha dos olhos dela ficou tampada e que ago- Dona Maria não se lembra com que
ra ela está com problema. idade casou, mas sabe que era nova. O
marido, Seu Jacinto, era de Ouro Fino e
eles se conheceram quando ela ainda mo-
(5) Dia de Finados rava com a família no Sumidouro. Os fi-
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pessoa idosa e cega, recebeu muito bem a truções de balos de mineração que arrima-
equipe e, lúcida, assim como a irmã dona vam as barrancas de rios e córregos com
Lourdes, rememorou muitos fatos e aconte- muros de pedras sotopostas sem argamas-
cimentos de seu passado e da história de sa, assim como no leito dos mesmos,
Barro Branco. agilizavam a vazão da água, aumentando a
velocidade de captação de ouro nas bateias.
Estas estruturas de pedra, semelhantes a
Arqueologia Pública e turismo: muros edificados que canalizam considerá-
os encanados de Ribeirão Grande veis extensões dos rios e córregos da região,
correspondem aos “encanados”.
Os sítios arqueológicos / históricos co- O ouro do Ribeira e do alto Paranapanema
nhecidos localmente como “encanados” foi sendo substituído pelo ouro das Minas
correspondem a estruturas construtivas as- Gerais, Goiás e Mato Grosso, fazendo com a
sociadas ao ciclo da mineração que se de- atividade mineradora na área ficasse por
senvolveu, na região do alto Paranapanema conta de alguns sertanistas, como Francisco
e vale do Ribeira de Iguape, entre os séculos Xavier da Rocha que, transferindo-se com
XVI e XVIII. Atribuídos em parte aos jesuítas todos seus escravos das Minas Gerais para o
espanhóis que chegaram ao vale do Paranapanema, fundou em 1728 a Fregue-
Paranapanema utilizando-se de itinerários in- sia de Santo Antonio das Minas e, mais tar-
dígenas, em parte aos bandeirantes em cons- de, o arraial da Rocinha, hoje cidade de Apiaí.
tante incursão nas áreas de aldeamento já Com a decadência do ciclo do ouro no
estabelecidas, os “encanados” serviam na vale do Ribeira e do alto Paranapanema, o
lavra do ouro de aluvião, livre das taxações tropeirismo tornou-se predominante e cons-
metropolitanas até 1702, quando o Regimento tituiu-se como novo ciclo econômico e social
das Minas estabelecia lei que obrigava a co- nesta área, que se passagem das rotas dos
municação da descoberta e da exploração tropeiros para as Minas Gerais e para ra-
da lavra às autoridades portuguesas. mais para o interior paulista. Neste período
Partindo de vários pontos do litoral os encanados já não são mais construídos e
paulista, exploradores portugueses busca- a mineração se torna menos sistemática.
vam ouro subindo o curso do Ribeira. Data Permanece então apenas a exploração das
de 1576 expedição de Garcia Rodrigues Paes barrancas dos rios de maior porte, como o
que fundou o Garimpo Santo Antônio nas Almas, que apresenta poços globulares de
proximidades da atual Iporanga, estabele- onde se retirou ouro acumulado em seus
cendo um dos núcleos que serviriam de base sedimentos aluviais. Testemunho desta ati-
para a partida de explorações do alto curso vidade são os sítios encanados Barro Branco
do Ribeira e, posteriormente, do alto V e Barro Branco VI, identificados e cadas-
Paranapanema. Acredita-se, no entanto, que trados pela presente pesquisa,.
embora inexistam documentos escritos so- No município de Ribeirão Grande, situado
bre a exploração do ouro de aluvião do alto junto ao divisor de águas das bacias do Ribei-
Ribeira e do Paranapanema antes da primei- ra de Iguape e do Paranapanema, tais cons-
ra metade do século XVI, ela já tivesse ocor- truções são encontradas em bom estado de
rido antes em pequenas incursões e que te- conservação e indicam um rico legado histó-
nham se consolidado na segunda metade do rico nacional. Prospecções realizadas dentro
século XVI, quando as populações autócto- do escopo do presente Programa Arqueológi-
nes já haviam se integrado aos aldeamentos co Mina Limeira resultaram no cadastro de 5
ou eram transformados em mão-de-obra novos sítios “encanados”, contando-se ainda
escrava dos bandeirantes. com outros 2 anteriormente conhecidos. A
Neste cenário em processo de conquista Tabela 4, abaixo, traz o nome, coordenadas
e de expansão territorial colonial, as cons- e fonte de pesquisa destes sítios:
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Tabela 4
Sítios encanados de Ribeirão Grande
Nome do Sítio Coordenadas Fonte
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Tabela 5
Avaliação turistia preliminar – Sítios “Encanados”
Sítio Pontos fortes Pontos de atenção
Barro Branco VII Estrutura de baixa visibilidade, fácil Atualmente assoreadoPequenas
acesso, seguro. Poderia ser integra- dimensõesPropriedade particular
do à visita da Capela do Ouro Fino e
da Caverna do Cherol.
Significado histórico-cultural: médio
Barro Branco XIII Estrutura composta de grandes di- Difícil acessoTurismo pode prejudi-
mensões no rio das Almas, boa vi- car mata ciliar e qualidade da água,
sibilidade, em excelente estado de além das próprias estruturas de
preservação. mineraçãoBem público
Conjunto paisagístico preservado
com presença de queda d’água for-
mando tanque e mata ciliar. Pode-
ria ser integrado em trilhas que se-
guem o rio das Almas curso aci-
ma, com pontos bons em miran-
tes próximos e/ou roteiros mistos
no Ouro Fino.
Significado histórico-cultural: alto
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comunidade de Barro Branco possa ter a empresa desenvolve; devo a eles, em gran-
contribuido neste caminho. de parte, a oportunidade de desenvolver os
O trabalho de cadastramento de sítios estudos e contribuições que o presente arti-
históricos do tipo “encanados” na área se go busca trazer. Agradeço às instituições que
insere, portanto, dentro de uma iniciativa de apoiaram as pesquisas, a saber, o Núcleo de
valorização e preservação patrimonial, cons- Estudos Estratégicos/ Arqueologia Pública da
tituindo uma segunda alternativa de aplica- UNICAMP e a Fundação Cultural de Jacarey,
ção da Arqueologia Pública no Programa Ar- no centro das quais ocorreu grande parte das
queológico que vem sendo desenvolvido. discussões conceituais trazidas por este ar-
tigo. Agradeço igualmente aos inúmeros ar-
queólogos, historiadores, geógrafos e cien-
Agradecimentos tistas sociais que, comigo, partilharam des-
tas pesquisas, onde destaco os amigos Dr.
Venho inicialmente agradecer a comuni- Paulo De Blasis, Dr. Andrés Zarankin e Ms.
dade de Barro Branco pela sua paciência, Wagner Gomes Bornal. Agradeço especial-
generosidade e compromisso com a presen- mente o enorme empenho e compromisso
te pesquisa. Sem eles nosso esforço seria de Gerson Levi da Silva Mendes em todas as
em vão. Agradeço ainda à Companhia de etapas da pesquisa, bem como de Cintia
Cimento Ribeirão Grande (CCRG) e, em es- Bendazolli pelo belíssimo trabalho junto ao
pecial, a Luiz Carlos Busato, Antonio Mauro universo feminino e infantil da comunidade
Mendonça Barbosa e Paulo Ricardo Silva de Barro Branco. A todos eles e aqueles que,
Gobbo, incansáveis estimuladores e defen- por falta de espaço, não pude citar, meus
sores dos programas socio-ambientais que sinceros agradecimentos.
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Resenhas
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Resenhas - Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Sam Smiles y Stephanie Moser (eds.): Envisioning the past. Archaeology and the image.
Blackwell Publishing. Malden. Oxford y Carthon. 246 páginas.
ISBN. 1-4051-1150-X
Este livro, co-editado por uma das pio- tidades, as diferentes fontes do repertório
neiras dos estudos das imagens na arqueo- iconográfico arqueológico, o destaque das
logia, oferece uma interessante coletânea de imagens na arqueologia contemporânea tan-
trabalhos sobre a análise do discurso visual to no trabalho de campo quanto na divulga-
em arqueologia. Envisioning the Past foi tam- ção popular ou formal, sem esquecer as
bém a primeira Conferência Internacional nuances que a introdução das novas
sobre o tema na Southampton University tecnologias implica. No entanto, visando uma
(2000). Não foram publicadas as atas daque- melhor aproximação a este tipo de estudos,
la conferência, o que atualiza e valoriza ain- a ordenação temática dos diferentes capítu-
da mais a temática com esta nova publica- los teria sido uma opção adequada. Assim
ção. A articulação do livro em doze breves mesmo, a própria brevidade dificulta o pas-
capítulos permite ter uma boa panorâmica so entre a proposta teórica e a amostra ana-
dos principais objetos de estudo neste novo lisada. Mesmo sendo as imagens o fio con-
campo de pesquisa arqueológica. Analisa-se dutor do livro, os diferentes capítulos suge-
o papel das imagens na construção do co- rem outras interessantes linhas de pesquisa
nhecimento arqueológico: as imagens sobre no âmbito da antropologia do patrimônio, da
as origens da humanidade, o papel do ima- divulgação arqueológica e da construção da
ginário pré-histórico na construção das iden- comunidade e a cultura arqueológica.
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Resenhas - Revista Arqueologia Pública, São Paulo, nº 1, 2006.
Ian J. Mcniven e Lynette Russell (2005): Appropiated pasts. Indigenous peoples and the
colonial culture of Archaeology. Walnut Creek. Altamira Press. 317 Páginas. 8 Ilustrações.
ISBN 0-7591-0906-9
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