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* Professor Titular do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do PPGFIL-UFS. E-mail:
marceloprimo_sp@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7406-5371.
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1 Segundo Luiz B.L. Orlandi, “No caso deste pequeno livro, essa atração por linhas virtuais traduz-se como
concentrada atenção a certos singularizadores nocionais. Graças a estes, descortina-se uma breve tessitura de con-
ceitos, esse lugar de intersecção (mas não de fusão) das duas vertentes: a obra de Châtelet e a de Deleuze. Então,
é como se tivéssemos neste livro o esboço conceitual de uma virtualidade comum a esses dois pensadores con-
temporâneos. É essa comum virtualidade (mas estendendo-se esse comum como transmutividade, como complexa
diferenciação) que cada uma dessas obras vai erigindo enquanto tração distintamente sua própria maneira de pen-
sar, seu modo singular de revirar-se nela. Sendo assim, caberia lembrar alguns poucos conceitos que, variando em
cada um desses modos de pensar, tornam possível pelo menos entrever seu plano de coexistência” (p. 1).
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POR UM ATEÍSMO TRANQUILO: O RACIONALISMO DE FRANÇOIS CHÂTELET NO PÉRICLÈS ET
VERDI DE GILLES DELEUZE
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quando o objeto sonoro torna-se vel fazer uma história dos siste-
musical. Deleuze aqui aponta mas de dominação na qual sempre
para o todo bastante diverso dos se exerce a atividade dos mestres,
processos de racionalização que “mas esta não seria nada sem o
constituem o devir ou a atividade apetite dos que, em nome dos gol-
humana, a Práxis ou as práxis, pes que recebem, aspiram a dá-
pois “não sabemos se existe a esse los” (Id. Ibid.). Nesse sentido,
respeito uma unidade humana, exercido ou suportado, o poder
do ponto de vista histórico ou do é tanto uma atividade existencial
ponto de vista genérico” (Id. Ibid.). social humana como é, concomi-
tantemente, a passividade de sua
existência natural. Dessa simul-
taneidade da potência e seu re-
3 - As Definições de Potência e
verso, Châtelet extrai exemplos
Ato
como o da união entre a terra e
Caso existisse uma matéria es- a guerra sob a pena de Claude Si-
pecificamente humana, uma po- mon e o marxismo que jamais cin-
tência pura distinta do ato capaz diu a existência ativa do homem
de atrair o fascínio dos homens, histórico da existência passiva de
ela não seria liberdade neles sem um ser natural que é o seu du-
mostrar-se antes como o seu con- plo. Recorrendo a uma citação do
trário, ou “captação” nos termos livro de Châtelet Questions, Objec-
de Châtelet, isto é, seria um ato tions, Deleuze indica que a razão
obtuso da potência, oposto ao ato e o seu oposto (a irracionalidade)
capaz de realizá-la (DELEUZE, é um tema filosófico sempre re-
1988, p. 11). Seria um reverso, corrente, que pretende uma ciên-
uma privação ou uma alienação cia crítica da passividade efetiva,
da razão, como se aí existisse uma solo da humanidade. O homem
relação não-humana, mas interior morre não pelo simples fato de ser
ou imanente à própria relação hu- mortal, mas porque não come o
mana, tornando a liberdade uma suficiente, porque é privado das
capacidade para o homem vencer necessidades mínimas e reduzido
o homem ou de ser vencido. Aqui, à animalidade. Nisso o materia-
a potência é o pathos, ou seja, a lismo histórico tem a sua parcela
passividade, mas esta sendo, an- de contribuição, pois refresca a
tes de qualquer coisa, a potência memória dos homens com esses
de receber os golpes e de desferi- fatos e estabelece os fundamentos
los, como uma estranha resistên- do que seria o método de análise
cia. Deleuze afirma que é possí- dos mecanismos que governam
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3 Para François Zourabichvili, esse seria o problema do hegelianismo apontado por Deleuze: “Eis por que o he-
gelianismo não é um erro, mas um fenômeno ao mesmo tempo pior e mais interessante: o desenvolvimento de uma
ilusão necessária, transcendental. Era inevitável que Hegel viesse a atribuir ao negativo o papel de motor no pen-
samento, mas permanecendo no nível da representação. Sem dúvida, o negativo é a melhor maneira de representar
o movimento; mas de representá-lo, justamente, e não fazê-lo” (2016, p. 86, grifo nosso).
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4 Em Foucault, Deleuze afirma algo que poderia ser aplicado à insuficiência de definir a Razão por sua eterni-
dade e universalidade: “É evidente que toda forma é precária, pois depende das suas relações de forças e mutações”
(2005, p. 139).
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Referências
CHABBERT, Marie. “On Becoming-Secular: Gilles Deleuze and the Death of God” , in: Working Papers
in the Humanities. Cambridge: MHRA, 2018, vol. 13, p. 50-59.
DELEUZE, Gilles. Périclès et Verdi: la philosophie de François Châtelet. Paris: Les Éditions de Minuit,
1988. ____. Conversações. Trad. de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992.
____. O que é a filosofia? Trad. de Bento Prado Júnior e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Ed. 34, 1992.
____. Foucault. Trad. de Cláudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 2005.
ORLANDI, Luiz Benedicto Lacerda. “Combater na imanência” , in: http://www.pucsp.br/nucleodesub-
jetividade/Textos/orlandi/combater_na_imanencia.pdfacessado em 28/02/2017.
ZOURABICHVILI, François. Deleuze: uma filosofia do acontecimento. Trad. de Luiz B. L. Orlandi. São
Paulo: Ed. 34, 2016.
Recebido: 20/11/2019
Aprovado: 07/01/2020
Publicado: 26/01/2020
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