Você está na página 1de 7

Curso: Doutorado em Direito

Disciplina: SISTEMAS DE JUSTIÇA


Docente: Prof. Dr. Diógenes V. Hassan Ribeiro
Doutoranda: Angélica Corrêa
Ano/Semestre: 2020/2

FICHA DE MÉMORIA DE LEITURA DO QUARTO SEMINÁRIO

Doutorando responsável pela apresentação: Rodrigo de Medeiros da Silva.


Texto: Os direitos indígenas como direitos culturais fundamentais (capítulo IV)
do livro Direito, cultura e direito.
Autor: Lucas Fucci Amato

O objetivo dessa ficha de memória de leitura é descrever uma síntese


do capítulo IV “Os direitos indígenas como direitos culturais fundamentais”, do
Livro intitulado Direito, Cultura e direitos, de autoria de Lucas Fucci Amato.
O autor disserta em sua obra sobre um conflito antigo que os Estados
enfrentam com a questão da diversidade cultural, de cunho étnico, linguístico e
religioso. Logo, essa disputa primitiva se pauta em inúmeros modelos, tendo
como âmbito a maioria da manutenção ou consolidação de uma base nacional
para a institucionalização política, o que resulta evitar que as minorias realizem
sua autodeterminação ao nível de superar a si próprias na organização de um
Estado independente, o que pode ser denominado como separatismo (AMATO,
2018, p. 130).
Neste sentido, Amato (2018, p. 130-131) discorrer sobre os
procedimentos eleitorais, que igualmente podem favorecer a inclusão ou
exclusão de minorias da representação política, podendo, inclusive, prever
compensações de participação a título de “discriminação positiva” ou de
“democracia associativa” (em coordenação com a “regra da maioria”). Sendo
assim, no sistema jurídico estatal, há importante diferença quando se
reconhecem as questões coletivas das minorias como judicializáveis e as
minorias como coletividades legitimadas jurisdicionalmente.
Neste contexto, o objetivo do neste capítulo é tratar especificamente
sobre as possibilidades abertas diante do reconhecimento dos direitos
indígenas como direitos fundamentais. Sendo essas de argumentação jurídica
e luta política para o aprofundamento e a concretização desses direitos. Não
obstante o foco na questão indígena, o raciocínio desenvolvido pode ser
aplicado mutatis
mutandis a outras comunidades cultural e historicamente delimitadas, como as
comunidades quilombolas no Brasil, com relação às quais a Constituição de
1988 (ADCT, art. 68) reconhece a propriedade definitiva das terras aos
“remanescentes das comunidades dos quilombos” (BRASIL, 1988). (AMATO,
2018, p. 131).
O principal ponto abordado por Amato (2018, p. 131/132) tem como
objetivo os marcos do direito internacional dos direitos indígenas, bem como a
experiência constitucional recente dos países sul-americanos. Através de uma
breve menção histórica à política indigenista brasileira o autor abre caminho à
evidenciação do caráter inovador da Constituição de 1988 nesta seara. Ou
seja, a Constituição, como se defende enfim, abre caminho a uma série de
desafios e possibilidades no que tange a questões como pluralismo jurídico,
isonomia e políticas públicas. Tais possibilidades são analisadas especialmente
no marco da teoria constitucional desenvolvida por Marcelo Neves, a partir da
teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.
Seguindo, o próximo subtítulo refere-se as raízes dos (não) direitos
indígenas na colonização da América Ibérica, sendo para fins de análise
arrisca-se atestar que as petições dos índios se inscreviam em duas ordens de
significado quanto às justificativas apresentadas para uso das terras, cujo
usufruto mantinha um caráter individual ou coletivo.
Dessa forma, conforme se extai do texto a maior parte das solicitações
indígenas, começaram a ocorrer nas primeiras duas décadas dedo século
XVIII, isto é, durante o processo efetivo de ocupação do território e no auge dos
conflitos abertos contra variados grupos nativos.
Com relação ao Brasil, o autor descreve que a exploração do índio, foi
regularizada a partir do sistema dos governadores gerais. Melhor dizendo,
embora preservada, nos requerimentos dos governadores-gerais, a “liberdade”
dos indígenas e o controle de sua conversão pelos jesuítas, a Lei dos Índios,
de 1570, instituiu na prática um sistema de escravidão controlado dos nativos
(AMATO, 2018, p. 134).
Amato, no capítulo IV (2018, p.135) aborda sobre à Ditadura, relatando
a ocidentalização dos povos e terras “descobertos” que acompanhou-se dos
efeitos comuns que, repetidamente, as diversas políticas e ciclos de
modernização impuseram aos povos autóctones – inclusive após as
independências nacionais e mesmo em experiências recentes (como o período
ditatorial do “milagre econômico” no Brasil): não apenas a dizimação física e a
desagregação social e cultural mas, sobretudo, a sua subintegração como mão
de obra explorada na agricultura latifundiária fundada pelos colonizadores ou,
futuramente, sua migração para os centros urbanos e proletarização.
Ainda, sobre o Direito internacional e direito constitucional comparado
(América do Sul), o pesquisador disserta sobre que os direitos indígenas são
consagrados no plano internacional basicamente por quatro instrumentos
normativos, de diferentes graus de vinculatoriedade. Sendo que o primeiro
deles, vinculante e promulgado no Brasil mediante o Decreto nº 5.051, de 19
de abril de 2004, é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
- OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra em 1989
(AMATO, 2018, p. 135).
Essa associação dos eixos da Convenção, observa-se que o artigo 8º,
que prevê: a consideração dos costumes e do direito consuetudinário dos
povos indígenas e tribais quando da aplicação da legislação nacional; a
titularidade, pelos membros desses povos, dos direitos reconhecidos aos
demais cidadãos do país; o direito dos povos de conservar seus costumes e
instituições, criando-se procedimentos para a solução de eventuais conflitos
entre as ordens jurídicas desses povos, de um lado, e o padrão constitucional
de direitos fundamentais e o direito internacional dos direitos humanos, de
outro (OIT, 1989) (AMATO, 2018, p. 135-136).
Conforme o passar do tempo, um segundo documento internacional
relevante na matéria, embora com caráter de soft law, é a Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), que em seu princípio 22
prevê:
Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras
comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e
no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas
práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar
adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer
condições para sua efetiva participação no atingimento do
desenvolvimento sustentável. (ONU, 1992).

Por fim, Amato (2018, p. 136) esclarece que a consagração dos direitos
indígenas no âmbito internacional chega com a Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Assembleia Geral da
ONU em 2007. Essa Declaração, conjugada às bases constitucionais
nacionais, é marco normativo que redefine as argumentações e as lutas pela
concretização dos direitos indígenas, na transversalidade das arenas políticas
internacionais e nacionais.
Além disso, apresenta outras abordagens sobre o constitucionalismo
sul-americano que tem desenvolvido notáveis inovações na matéria. Contudo,
é preciso discernir a situação dos países com grandes contingentes indígenas
daqueles em que estes representam minoria não apenas qualitativamente
(politicamente), mas também quantitativa/demograficamente. Abordando sobre
o contexto do Peru, Venezuela, Chile, Colômbia e Argentina (AMATO, 2018, p.
136-140).
Com referência ao Direito e política indigenista no Brasil, o autor
(AMATO, 2018, p.141-146) traz uma breve rememoração, com base nos
estudos do pesquisador Villas Bôas Filho, tratando em síntese, sobre à
violência do período colonial, que manifesta no extermínio físico dos grupos
indígenas, quer simbolizada na aculturação sob a proteção católica, seguiu-se
o projeto de construção nacional do Império, quando José Bonifácio de
Andrada e Silva propunha a “civilização dos índios bravos”, o banimento da
“ignorância” e “barbárie de costumes” pela imposição da língua portuguesa e
dos hábitos civilizados.
Todavia, a Constituição brasileira de 1988, entretanto, como balanço
negador da experiência autoritária direcionado à programação da democracia
que se inaugurava, recuperou a incontornável experiência do Xingu – a
organização de relações pacíficas intertribais, de um lado e, de outro, o
reconhecimento dos povos indígenas como experiência cultural valorosa e
agente político com autor respeito e respeitável pela “modernidade” e pela
“oficialidade” nacional. O projeto humano, cultural e ambiental do Parque
Indígena do Xingu estabeleceu-se como paradigma para “outras grandes áreas
de proteção etnoambiental no Brasil e em toda a América do Sul” (HEMMING,
2006, p. 147). Gomes (2006, p. 160) realça a influência do Parque na redação
do artigo 231 da Constituição de 1988 e apresenta como “extensões
conceituais” do Xingu (AMATO, 2018, p.142).
Neste contexto através da Constituição Federal de 1988, correram
inovações. Vajamos:
a) a superação da tutela, reconhecendo a capacidade civil dos índios;
b) abandono do pressuposto integracionista, em favor do
reconhecimento do direito à diferença sociocultural dos povos
indígenas, na linha do multiculturalismo contemporâneo;
c) reconhecimento da autonomia societária dos povos indígenas,
garantindo para isso o direito ao território, à cultura, à educação, à
saúde, ao desenvolvimento econômico, de acordo com os seus
projetos coletivos presentes e futuros;
d) reconhecimento do direito à cidadania híbrida: étnica, nacional e
global. (BANIWA, 2012, P. 206-207) (AMATO, 2018, p.145).

Neste sentindo, o autor afirma que é interessante analisar o que tal


arcabouço implica em termos das possibilidades constitucionais de ganhos na
luta política e na concretização jurídica dos direitos indígenas. O
reconhecimento dos direitos pelo texto constitucional brasileiro, pelos textos
constitucionais de outros Estados sul-americanos e pelo direito internacional
geral eleva a potencialidade de participação dos sujeitos indígenas e de
visibilização de suas demandas na esfera pública do Estado democrático de
direito, assim como reorienta as relações entre ordens jurídicas (nacionais,
internacional e autóctones) (AMATO, 2018, p. 145-146).
Nesse sentido, o pesquisador traz a teoria constitucional de Marcelo
Neves, lastreada na teoria dos sistemas de Luhmann, permite vislumbrar
potencialidades desse novo marco institucional.
A sociedade moderna é concebida por Luhmann (2007) na escala
mundial e diferenciada primariamente em termos funcionais, isto é, estilhaçada
em sistemas concorrentes e auto reproduzidos: o direito, a política, a
economia, a educação, a arte (AMATO, 2018, p.145-146).
Amato (2018, p. 146) também destaca que, tal cenário pressupõe a
quebra de uma moral abrangente compartilhada e a auto fundação do direito
em termos do próprio direito, ou melhor, em termos constitucionais. Nesse
contexto, Luhmann (2002) analisa a emergência dos direitos fundamentais na
modernidade ocidental e vislumbra tais direitos como instituições voltadas à
manutenção da diferenciação funcional – como é o caso das liberdades
públicas, que evitam o cerceamento, pelo Estado, da religião, da arte, da
economia e de outras esferas de comunicação; já os “direitos sociais,
econômicos e culturais” atuam como pressuposto dessa diferenciação, isto é,
como ferramentas a instrumentalizar juridicamente exigências de inclusão
(NEVES, 2007, p. 74-78; 2008, p. 175-185).
Finalmente em suas considerações finais sobre o capítulo IV do seu
Livro Direito, cultura e direito, Lucas Fucci Amato (2018, p. 152), em síntese,
conclui que O reconhecimento da dignidade, da personalidade e dos direitos
humanos e fundamentais indígenas é uma ferramenta inicial para a construção
de uma nova institucionalidade que leve à realização de demandas e
concretização de direitos indígenas. Tal reconhecimento, como diagnostica
Villares (2013, p. 424), apenas pode ser materializado por meio de
procedimentos que incorporem as comunidades indígenas efetivamente, em
condições capazes de abrir canais ao diálogo e equalizar, em termos de
respeito às decisões e posições, o lado indígena e o não indígena de cada
conflito jurídico concreto.

Você também pode gostar