Você está na página 1de 301

301

TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO


AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE
COORDENADORA CIENTÍFICA
Lívia Gaigher Bósio Campello

ORGANIZADOR
Gustavo Santiago Torrecilha Cancio

TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO


AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

2016 São Paulo


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO

T278

Temas contemporâneos de direito ambiental e


Nossos Contatos sustentabilidade / organização Gustavo Santiago Torrecilha
São Paulo Cancio; coordenação Lívia Gaigher Bósio Campello.
1. ed. - São Paulo: Clássica Editora, 2016.
Rua José Bonifácio, n. 209, 300 p.
cj. 603, Centro, São Paulo – SP
Referências
CEP: 01.003-001 ISBN 978-85-8433-037-9

1. Direito cultural. 2. Educação ambiental - ecofeminismo


Acesse: www. editoraclassica.com.br - ética. I. Cancio, Gustavo Santiago Torrecilha. II. Campello,
Redes Sociais Lívia Gaigher Bósio.

Facebook: CDD: 341.2


http://www.facebook.com/EditoraClassica
Twittter:
https://twitter.com/EditoraClassica

EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira Luiz Eduardo Gunther
Alexandre Walmott Borges Luisa Moura
Daniel Ferreira Mara Darcanchy
Elizabeth Accioly Massako Shirai
Everton Gonçalves Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Fernando Knoerr Nilson Araújo de Souza
Francisco Cardozo de Oliveira Norma Padilha
Francisval Mendes Paulo Ricardo Opuszka
Ilton Garcia da Costa Roberto Genofre
Ivan Motta Salim Reis
Ivo Dantas Valesca Raizer Borges Moschen
Jonathan Barros Vita Vanessa Caporlingua
José Edmilson Lima Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Juliana Cristina Busnardo de Araujo Vladmir Silveira
Lafayete Pozzoli Wagner Ginotti
Leonardo Rabelo Wagner Menezes
Lívia Gaigher Bósio Campello Willians Franklin Lira dos Santos
Lucimeiry Galvão

Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Produção Editorial: Editora Clássica
Capa: Editora Clássica
Apresentação

Com imensa alegria e satisfação apresentamos a presente obra coletiva,


composta por artigos científicos motivados pelos debates e resumos expandidos
submetidos ao IV Congresso Nacional da Federação dos Pós-Graduandos em
Direito - FEPODI, ocorrido entre 01 e 02 de outubro de 2015, na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, sobre o tema “Ética, Ciência e
Cultura Jurídica”.
Os 18 (dezoito) artigos, abaixo sintetizados, que compõem a presente
obra coletiva, mais do que discutir temas atuais do direito ambiental, refletem
a sensibilidade e disposição dos (as) autores (as) para transformar a cultura
da sociedade contemporânea em favor de um mundo melhor, mais digno e
sustentável.
Dentro dessa análise, no artigo “Da necessidade de respeito à cultura
indígena nas políticas de desenvolvimento econômico: do multiculturalismo
e aspecto cultural do conceito de desenvolvimento econômico sustentável”,
Lorena Silva de Albuquerque discute a necessidade de se observar o elemento
cultural em políticas públicas, defendendo que o conceito de desenvolvimento
sustentável também abrange o aspecto cultural, no qual estão inseridas as
tradições indígenas.
Por seu turno, Paulo Silva Nhemetz e Leonardo Raphael Carvalho de
Matos propõem-se, no artigo “Solidariedade cogente: percepção de direitos às
futuras gerações (o princípio da solidariedade infinda)”, a analisar o princípio
constitucional da solidariedade aplicado àquele que ainda não existe, ou seja,
às futuras gerações, dando origem ao princípio da solidariedade intergeracional
e transgeracional.
Já em “O meio ambiente do trabalho e o adicional de insalubridade
sob uma análise fraterna”, Luana Pereira Lacerda e Lafayette Pozzoli enfocam

4
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

na análise crítica da problemática que envolve o meio ambiente do trabalho


e o enquadramento do adicional de insalubridade e sua agressão à saúde do
empregado.
Carla Judith Cetina Castro apresenta em “O ecofeminismo e as relações
de poder de Foucault” uma visão geral sobre o ecofeminismo, uma corrente
filosófica feminista, que não tem impedido sua adopção como forma de luta na
degradação ambiental, por parte de ecofeministas no redor do mundo.
No artigo intitulado “Procedimento administrativo de liberação dos
OGM’S”, as autoras Elisângela Assayag Neves e Suame da Costa Tavares
incitam o debate sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs),
cuja realização ainda fomenta incertezas na área do Biodireito, quanto à análise
de risco à segurança humana e ao meio ambiente.
Cyro Alexander de Azevedo Martiniano e Ygor Felipe Távora da
Silva introduzem em “A educação ambiental e a função da comunicação
social conforme a ordem constitucional brasileira” a ideia de que o contexto
constitucional da comunicação social exerce um papel importante para a
efetivação da Educação Ambiental.
Trazendo um outro enfoque, o artigo “A competência ambiental
concorrente do manejo do pirarucu no Estado do Amazonas”, de Adriana
Almeida Lima e Rayanny Silva Siqueira Monteiro, discorre sobre a nova
competência concorrente do Estado do Amazonas para legislar sobre o manejo
do Pirarucu, investigando a aplicaçao da lei e eficácia bem como descrição de
um novo modelo que se desenha.
Ao tratarem da “Ameaça à sustentabilidade das unidades de conservação:
o caso da reserva extrativista chico mendes”, Paulo Fernando de Britto Feitoza
e Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro aborda os principais fatores que vêm
ameaçando a sustentabilidade Reserva Extrativista Chico Mendes - RESEX,
localizada no sudeste do Estado do Acre, criada para garantir a exploração auto-
sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis.
O estudo sobre o “Regime sui generis de proteção jurídica transnacional
dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: possibilidade
a partir da região amazônica”, realizado por Ana Carolina Couto Lima de
Carvalho, trata da tutela jurídica dos conhecimentos tradicionais dos povos da
Amazônia e sua imprescindível interrelação com a sustentabilidade ambiental
e a transnacionalidade.
Andrea Cláudia Sales Silva e Cristine Cavalcanti Gomes apresentam
uma análise sobre os “Possíveis impactos do licenciamento ambiental único
estabelecido pela Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011”,
enfocando, dentro da repartição de ações administrativas dos entes federados
e o exercício do licenciamento ambiental, a figura do licenciamento ambiental

5
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

único, caracterizada como um instrumento capaz de evitar sobreposição de


atuações entes os componentes da Federação.
Por sua vez, Mayara Ferrari Longuini e Rafael Junqueira Buralli,
no artigo “Participação social em decisões políticas ambientais: dimensões
e efetividade”, buscam analisar as dimensões jurídicas e efetividade da
participação da sociedade em decisões políticas que envolvam questões
ambientais dentro do contexto do Estado Democrático de Direito.
Em “A Constituição Federal e a proteção ao direito socioambiental: o
caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribuinal Federal”,
Bárbara Dias Cabral e Juliana Soares Viga aduzem, em síntese, que o Supremo
Tribunal Federal, ao analisar o caso da demarcação da Reserva Indígena
Raposa Serra do Sol, embasou uma nova ideia jurídica denominada Direito
Socioambiental.
Marcelo Pires Soares e Elisa Oliveira da Silva Bentes apresentam em
“O plantio de organismos geneticamente modificados no entorno de unidades
de conservação” uma análise da validade do Decreto 5.950/2006, que autoriza
o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) no entorno de
unidades de conservação, tendo como ponto de partida a função das zonas
de amortecimento, as incertezas quanto ao plantio de OGMs e a aplicação do
Princípio da Precaução.
No artigo “O princípio do poluidor-pagador e a responsabilidade civil
do estado por omissão no dever de fiscalização e proteção ambiental”, Laís
Batista Guerra e Juliana de Carvalho Fontes tratam da responsabilidade civil
do Estado por omissão no dever de proteção e fiscalização ambiental, à luz
da aplicação do princípio do poluidor-pagador e das normas constitucionais e
legais vigentes.
Em “Importância da educação ambiental para efetivação da sociedade
sustentável”, a autora Tereza Cristina Mota dos Santos Pinto traz a relevância
do papel da educação ambiental para a mudança na forma de se posicionar do
ser humano, de modo a permitir a efetivação do desenvolvimento sustentável
preceituado constitucionalmente no artigo 225.
Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior e Guilherme Gustavo Vasques
Mota, ao discorrem sobre “Os igarapés da cidade de manaus: degradação e
remédios legais”, esclarecem que a cidade de Manaus possui fartos braços
d´água conhecidos como “igarapés”, os quais atualmente encontram-se em
estado de grande degradação, sem qualquer uso para a população exceto o
lançamento de dejetos residenciais, comerciais e industriais.
Já os autores Narcisa Batista Lunguinho Silva e Leonardo Raphael
Carvalho de Matos apresentam uma visão sobre a “Responsabilidade social
no direito ambiental internacional e os refugiados ambientais”, levantando as

6
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

consequências advindas da problemática da degradação ambiental cada vez


mais crescente e indicando o surgimento de uma nova categoria de refugiados:
os refugiados ambientais, também conhecidos como (refugiados climáticos).
Por fim, em “Educação ambiental: as ações pedagógicas da Secretaria
Municipal de Educação de Manaus/AM”, Bárbara Dias Cabral e Erivaldo
Cavalcanti Silva Filho apresentam um estudo sobre as ações que corroboram
a educação ambiental na Secretaria Municipal de Educação de Manaus/AM
(SEMED).
Feita essa breve introdução aos artigos que constituem a presente obra
coletiva, acreditamos que, pela dinâmica do livro, haja uma excelente fluidez na
compreensão e exame dos estudos aqui apresentados. Boa leitura!

Lívia Gaigher Bósio Campello


Coordenadora Científica

Gustavo Santiago Torrecilha Cancio


Organizador

7
Sumário

DA NECESSIDADE DE RESPEITO À CULTURA INDÍGENA NAS POLÍTICAS


DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: DO MULTICULTURALISMO E
ASPECTO CULTURAL DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
SUSTENTÁVEL
Lorena Silva de Albuquerque ......................................................................... 10
SOLIDARIEDADE COGENTE: PERCEPÇÃO DE DIREITOS ÀS FUTURAS
GERAÇÕES (O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INFINDA)
Paulo Silva Nhemetz e Leonardo Raphael Carvalho de Matos ........................... 22
O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
SOB UMA ANÁLISE FRATERNA
Luana Pereira Lacerda e Lafayette Pozzoli .................................................... 39
O ecofeminismo e as relações de poder de Foucault
Carla Judith Cetina Castro .......................................................................... 57
Procedimento Administrativo de liberação dos OGM’s
Elisângela Assayag Neves e Suame da Costa Tavares ........................................ 75
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
CONFORME A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
Cyro Alexander de Azevedo Martiniano e Ygor Felipe Távora da Silva ............... 87
A COMPETÊNCIA AMBIENTAL CONCORRENTE DO MANEJO DO PIRA-
RUCU NO ESTADO DO AMAZONAS
Adriana Almeida Lima e Rayanny Silva Siqueira Monteiro ............................... 105
AMEAÇA À SUSTENTABILIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:
O CASO DA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES
Paulo Fernando de Britto Feitoza e Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro .......... 116

8
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REGIME SUI GENERIS DE PROTEÇÃO JURÍDICA TRANSNACIONAL DOS


CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE:
POSSIBILIDADE A PARTIR DA REGIÃO AMAZÔNICA
Ana Carolina Couto Lima de Carvalho .......................................................... 133
POSSÍVEIS IMPACTOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO ESTABE-
LECIDO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011
Andrea Cláudia Sales Silva e Cristine Cavalcanti Gomes ................................. 153
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM DECISÕES POLÍTICAS AMBIENTAIS: DIMENSÕES
E EFETIVIDADE
Mayara Ferrari Longuini e Rafael Junqueira Buralli ...................................... 171
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO AO DIREITO SOCIOAMBIENTAL:
O CASO DA RESERVA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL NO SUPREMO
TRIBUINAL FEDERAL
Bárbara Dias Cabral e Juliana Soares Viga ..................................................... 188
O PLANTIO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NO ENTOR-
NO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Marcelo Pires Soares e Elisa Oliveira da Silva Bentes ..................................... 199
O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO POR OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO
AMBIENTAL
Laís Batista Guerra e Juliana de Carvalho Fontes ........................................... 223
IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA EFETIVAÇÃO DA
SOCIEDADE SUSTENTÁVEL
Tereza Cristina Mota dos Santos Pinto .......................................................... 243
OS IGARAPÉS DA CIDADE DE MANAUS: DEGRADAÇÃO E REMÉDIOS LEGAIS
Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior e Guilherme Gustavo Vasques Mota .. 261
RESPONSABILIDADE SOCIAL NO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS
Narcisa Batista Lunguinho Silva e Leonardo Raphael Carvalho de Matos ........ 274
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS/AM
Bárbara Dias Cabral e Erivaldo Cavalcanti Silva Filho .................................. 291

9
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

DA NECESSIDADE DE RESPEITO À CULTURA INDÍGENA NAS POLÍTICAS DE


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: DO MULTICULTURALISMO E ASPECTO
CULTURAL DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO SUSTENTÁVEL

THE NECESSITY OF RESPECT THE CULTURE OF INDIGENOUS PEOPLES


IN POLICY OF ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT: THE
MULTICULTURALISM E CULTURAL ASPECT IN CONCEPT OF
SUSTAINABLE DEVELOPMENT

Lorena Silva de Albuquerque


Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade
do Estado do Amazonas. Procuradora do Estado do Amazonas.

Resumo: Na implementação de programas de crescimento econômico é


possível que haja choques com diferentes formas de viver. Considerando que
o Brasil adotou o multiculturalismo como diretriz constitucional e assumiu
compromissos internacionais de respeito aos costumes e tradições indígenas,
é necessário observar o elemento cultural em políticas públicas. Outro
reforço a tal obrigatoriedade foi o fato de o Brasil ter adotado o chamado
desenvolvimento econômico sustentável. Defende-se que o conceito de
desenvolvimento sustentável também abrange o aspecto cultural, no qual
inseridas as tradições indígenas. Assim, a partir de pesquisas em doutrina
pátria, análise do ordenamento jurídico brasileiro e documentos internacionais,
será demonstrado que o Brasil não pode se descuidar do aspecto cultural em
seu desenvolvimento econômico.
Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável. Cultura. Índios.

Abstract: In the implement of economic growth plan is possible shocks


with diferentes ways of life. Whereas Brazil has adopted multiculturalism as
a constitutional guideline and made international commitments to respect the
customs and indigenous traditions, is necessary to respect cultural element in
public politics. Another demonstrative of this obligation is the fact that Brazil
adopted the concept of sustainable development. The concept of sustainable
development also covers the cultural aspect, in which indigenous traditions are
inserted.Thus, from research in doctrine, as well as analysis of Brazilian law
and international documents, it will be demonstrated that Brazil can not neglect
the cultural elemente in economic development.
Keywords: Sustainable Development. Culture. Indigenous people.

10
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

INTRODUÇÃO

O Brasil busca constantemente o crescimento econômico. Para


tanto, faz investimentos em usinas hidrelétricas, expande rodovias, realiza
transposição de rios, o que em geral contribui para baratear custos e facilitar
escoamento de produção.
Ao mesmo tempo em que busca se agigantar economicamente, possui
uma realidade da qual não pode se afastar: é um país formado por diversos
povos, um verdadeiro mosaico de várias formas de viver.
Disso resulta que medidas consideradas essenciais para o desenvolvimento
econômico por vezes agridem a cultura de determinados povos.
Justifica-se a pesquisa em decorrência da atual política de crescimento
econômico brasileiro e do fato de que muitas obras em andamento, em especial
a construção de usinas hidrelétricas, motivam diversas manifestações de
indignação de povos indígenas, que alegam afronta a seus direitos.
O objetivo do presente trabalho será demonstrar que o aspecto cultural
deve estar atrelado ao desenvolvimento. Além da necessidade de proteção à
cultura indígena, o Brasil adotou o modelo do desenvolvimento econômico
sustentável, no qual se integra tal proteção.
Para tanto, será realizada pesquisa na doutrina pátria, Constituição
Federal e legislação infraconstitucional, além de documentos internacionais.
A primeira etapa da pesquisa consistirá em abordar a proteção da
cultura. Posteriormente será demonstrada a proteção constitucional dos direitos
indígenas. Em seguida, será apresentado o conceito de desenvolvimento
sustentável, para, ao final, ser realizada conclusão sobre o tema.

1. DA PROTEÇÃO À CULTURA

O Brasil foi destino de vários povos. Aqui já residiam os índios. Após


vieram os portugueses, africanos, italianos, espanhóis e diversos outros. Como
resultado, há uma mistura de povos, com diversas formas de viver e pensar.
A diversidade da população brasileira é fato notório. O contraste entre
as diversas regiões demonstra a relevância e existência de variadas formas de
identidade cultural.
Fisicamente, já há indício de diversidade cultural. Em cidades como
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a presença indígena é marcante. Já no
Nordeste, em várias cidades da Bahia a presença negra anos é inegável.
O aspecto cultural, no entanto, ultrapassa os caracteres físicos e alcança
os costumes e crenças de cada grupo. Afinal, como não imaginar demonstrativo
de cultura o infanticídio em aldeias indígenas ou a farra do boi em Santa Catarina?

11
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Como ignorar que num mesmo país há os que seguem Deus, alguns que temem
os espíritos da floresta e outros que referenciam os Orixás do Candomblé?
Tais exemplos, alguns mais questionáveis que outros, demonstram as
diversas formas de pensar.
Além das crenças, integra a cultura os diversos meios pelos quais os
grupos empregam suas forças e obtém alimentação.
Considerando o tema do presente artigo, cabe enfatizar a diferenciada
forma de vida dos indígenas.
Nela, há grande ligação com a natureza. Das águas, das florestas
e da terra saem diretamente os alimentos para saciar fome e também as
necessidades espirituais. Os rios são fontes de peixe, mas também símbolos
sagrados. A necessidade de caça implica a reserva uma ampla área de terra para
a sobrevivência indígena, o que também é reformado pela agricultura e coleta
das quais o povo tira alimentos básicos.
Assim, ao se falar em cultura indígena, fala-se em todos os seus
costumes, hábitos, crenças e símbolos que fazem o índio se reconhecer
como ser na terra.
Fácil concluir que o direito de proteção à cultura não consiste na
simples fixação de um dia de proteção ao índio. A a reserva de 19 de abril
para comemoração do dia do índio não contribui diretamente com a proteção
de sua cultura. Os trabalhos realizados em escolas não mata a fome ou eleva a
autoestima desta minoria.
Protege-se a cultura quando se possibilita que os povos perpetuem sua
forma de viver. Possibilita-se a perpetuação da forma de viver quando protegidos
os meios que permitem tal continuidade. Quando se permite o acesso à agua para
a permanência de busca de alimentos. Quando mantidas as terras para a prática de
atividades de subsistência e reprodução de modos de vida, por exemplo.
Sabe-se que a relação entre a natureza e a cultura é direta e interdependente.
A respeito do tema, transcreve-se lição de DERAMI (2001 p.72):

Toda formação cultural é inseparável da natureza,


com base na qual se desenvolve. Natureza conforma
e é conformada pela cultura. De onde se conclui que
tantas naturezas teremos quão diversificadas foram as
culturas e, naturalmente, pelo raciocínio inverso, as
culturas terão matizes diversos posto eu imersas em
naturezas diferentes

Nos povos indígenas tal relação é bem acentuada. A proteção à cultura,


assim, perpassa pela proteção à natureza que permite a perpetuação dos símbolos
culturais, o que está diretamente ligado ao respeito e seu território.

12
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Há de se observar, ademais, que o conjunto de práticas e valores


integrantes da cultura de um povo está diretamente ligado à identidade do povo
e autoafirmação do indivíduo perante a sociedade.
O direito à cultura, por conseguinte, constitui em verdadeiro direito
fundamental, possuindo ligação direta com o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e o direito à busca da felicidade.
Uma triste realidade é comprobatória do quão grave é a deterioração
cultural para fins de se alcançar tal direito à felicidade.
Atualmente, as maiores taxas de suicídio entre os jovens ocorre
justamente entre os indígenas. O ranking é liderados por cidades com forte
presença indígena, como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e cidades de
Amambai, Dourados e Paranhos do Mato Grosso do Sul.
Os choques culturais a que estão submetidos os indígenas em tais
cidades por certo contribui para a fatalidade.
Tamanha a importância da cultura, a mesma recebeu proteção
constitucional.
O capítulo III, Seção II da CF/88 disciplinou o tema Cultura.
Nos termos do art.215, caput, da Constituição Federal, o Estado
garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
O §1° do citado artigo determina que o Estado protegerá as manifestações
das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos
participantes do processo civilizatório nacional.
O patrimônio cultural, como conjunto de bens de valor cultural, também
foi disciplinado.
Foi constitucionalmente conceituado, no art.216, caput, como bens de
natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações
científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações
e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
A respeito do tema, vale a menção aos ensinamentos de FEITOZA
(2012, p.43):

“Para que melhor se explique, considere-se que


somente pode ser considerado bem cultural aquele
que simbolizar uma evocação, representação

13
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ou lembrança, sendo conclusivo que, tirante a


materialidade da coisa erigida à condição de bem
cultural, outra existe por uma vertente, que não é
palpável nem material, mas imaterial ou mesmo
psicológico, que emana de cada ser e converge para
promover especial importância para determinado
bem, alando-o à condição de cultural. A importância
maior do bem está aí, na maioria das vezes, não na
coisa em si, mas na lembrança que ocasiona

A proteção da cultura, no entanto, ultrapassada a previsão da Seção II,


na qual inclusa a proteção da cultura de forma genérica e do patrimônio cultural.
Tal proteção também tem como fonte a previsão do art. 1°, III, de que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.
Não se pode olvidar, ademais, que constitui, ainda, objetivo fundamental
da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação,
conforme art. 3°, IV, da Carta Magna.
Ainda em termos de Constituição federal, determina o art.5° da CF/88
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade da
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias, além de ser livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
A proteção à cultura, então, como direito fundamental que é, possui
ampla proteção constitucional.

2. DO MULTICULTURALISMO E PROTEÇÃO AOS DIREITOS INDÍGENAS

A diversidade cultural existente no Brasil é realidade. Na verdade,


considerando a globalização, é realidade comum a quase todos os países.
Disto surgem seguintes indagações: Como proceder diante de tal
diversidade? Aceitar as diferenças, com todos os conflitos que poderia surgir ou
padronizar comportamentos, exterminando o “diferente”?
Com a evolução dos direitos e proteção de direitos fundamentais
caminha-se para um respeito às diferenças.
Este reconhecimento das diversidades e valorização do outro, com a
exclusão de idéia de homogeneidade é que dá corpo ao multiculturalismo.

14
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O conceito de multiculturalismo designava, originalmente, a coexistência


de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio
de “sociedades modernas’. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo
de descrever as diferenças culturais em um contexto transnacional e global.
(BOAVENTURA, 2003, p.26).
O conceito aponta, simultaneamente, para uma descrição e um projeto.
Conforme, novamente, lição de BOAVENTURA (2003, p.28) :

Enquanto descrição é possível falar de:


1. A existência de uma multiplicidade de culturas no
mundo;
2. A co-existência de culturas diversas no espaço de
um mesmo Estado-nação;
3. A existência de cultuas que se influenciam tanto
dentro como além do Estado-nação.

O multiculturalismo pode ser visto também como uma forma de atuar,


intervir e transformar a dinâmica social.
As sociedades estão permeadas de grupos minoritários que exigem
reconhecimento de suas diferenças culturais.
Esta forma ativa do multiculturalismo impõe ao Estado brasileiro a
necessidade de intervir de forma a preservar e fomentar a diversidade.
O Brasil também é multicultural e pluriétnico porque protege e estimula
o convívio harmônico das várias formas de viver, dos diversos costumes e
crenças. Não objetiva uma padronização, que todos usem os mesmos trajes,
possuam os mesmos deuses, tenham a mesma relação com a natureza,
submetam-se à mesma organização ou alimentem-se da mesma forma.
No desenvolvimento das Políticas Públicas e na implementação de obras
para incremento econômico tais valores devem ser preservados, considerando a
já exposta proteção constitucional à cultura.
Em relação aos povos indígenas, há proteção ainda mais específica que
as genéricas previstas na Constituição.
A nova ordem constitucional destinou-os capítulo específico (capítulo
VII), no qual, em seu art. 231, caput, determinou que são reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Há de se observar, em consonância com BARRETO (2011, p.100), que
antes da Constituição Federal de 1988, os direitos indígenas eram basicamente
restritos aos direitos de posse sobre a terra. Após, houve uma mudança
de paradigma, com ampliação de seus direitos e reconhecimento de suas
organizações, costume, tradições.

15
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O avanço no reconhecimento da diversidade cultural indígena não


ocorreu somente em termos de Constituição.
O Estado Brasileiro assumiu compromissos internacionais de respeito
aos direitos indígenas.
Está submetido a documentos mais genéricos de proteção a direitos
humanos como a Declaração Universal dos Direitos e Convenção Internacional
sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Além disso, assinou convenções específicas sobre direitos indígenas,
dentre as quais a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho
sobre os Povos Indígenas e Tribais, que alterou a perspectiva integracionista
presente na Convenção n. 107 sobre populações indígenas e outras populações
tribais e semitribais em países independentes.
A mudança de paradigma na segunda convenção é expressa em suas
considerações iniciais, ao citar, como fundamento, que as mudanças sobrevindas
na situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo fazem
com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a
fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas anteriores.
É fácil observar, então, o objetivo de se distanciar da visão integracionista
da cultura indígena ao padrão geral de comportamento, de forma a se alcançar
o fortalecimento da cultura indígena e preservar sua identidade.
Assim, ao assinar a Convenção 169 da OIT, o Estado Brasileiro
assumiu um compromisso internacional de direitos humanos no sentido
de respeitar a cultura indígena e tomá-la em consideração em politicas de
desenvolvimento do país.
Ainda a nível de documentos internacionais, é interessante frisar a
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que,
desde de seus considerando, frisa a necessidade de respeito às diferenças.
É de conhecimento geral que atualmente os compromissos internacionais
de direitos humanos possuem proteção constitucional.
Os tratados de tal natureza integram o que se chama de “bloco de
constitucionalidade”, com base no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, que
determina que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Há de se observar que existem doutrinadores que inclusive defendem
o status constitucionais de tais normas independentemente do procedimento
de aprovação previsto no §3º do supracitado artigo constitucional, conforme
se extrai abaixo:

A Constituição de 1988 recepciona os direitos


enunciados em tratados internacionais de que o

16
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Brasil é parte, conferindo-lhe natureza de norma


constitucional. Isto é, os direitos constantes nos
tratados internacionais integram e complementam o
catálogo de direitos constitucionalmente previstos,
o que justifica estender a esses direitos o regime
constitucional conferido aos demais direitos e
garantias fundamentais. (PIOVESAN, 2009, p.58)

A despeito do compromisso internacional, no entanto, nem sempre


dado o devido valor aos costumes indígenas.
A título de exemplificação, cita-se que a construção das diversas
hidrelétricas no Rio Telles é fonte de forte objeção pelos povos indígenas
Munduruku, Kayabi, Apiaká e Rikabatsa.
Segundo manifesto apresentado1, as usinas de Sinop, Colíder, Teles
Pires e São Manoel estão mudando radicalmente o rio Teles Pires e afetando o
modo de vida tradicional de tais povos, tanto no aspecto físico como cultural.
Segundo alegam, com tais construções seriam afetadas áreas sagradas, como a
Cascada das Sete Quedas.
Ora, os símbolos culturais das áreas para os indígenas não devem
ser levados em consideração? Os mesmos não integram, como já exposto, o
conceito de cultura? Esta não está protegida constitucionalmente? Trata-se
de indagações essenciais cuja resposta decorre na disciplina constitucional e
internacional da matéria.

3. DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O ASPECTO CULTURAL

Na intenção de impulsionar o desenvolvimento econômico, o Estado


pode irregularmente descuidar das proteções constitucionais ao direito à cultura.
Ocorre que esta se trata de mais uma afronta à Constituição, vez que nos
termos do art. 170, caput, da Constituição Federal, a ordem econômica tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Como visto, a proteção à cultura indígena guarda relação direta coma
dignidade humana.
Além disso, hoje o desenvolvimento econômico deve ser analisado à
luz do conceito de desenvolvimento sustentável.
O conceito de desenvolvimento sustentável não perpassa somente pelo
aspecto ecológico. Trata-se de um conceito que engloba diversas facetas de um
todo que seria um meio ambiente adequado para vivência.

1
 http://amazonia.org.br/2015/05/munduruku-kayabi-apiak%C3%A1-e-rikabatsa-selam-
alian%C3%A7a-contra-usinas-no-mato-grosso/

17
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Um marco da conceituação de desenvolvimento sustentável foi o


Relatório de Brundtland, chamado de “Nosso futuro comum”, elaborado pela
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
Em tal documento internacional, o desenvolvimento sustentável é
conceituado como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes,
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias
necessidades”.
Em 1992, foi realizada a Conferência de Meio Ambiente e
Desenvolvimento da ONU, chamada Rio 92, que reafirmou e popularizou
o conceito de desenvolvimento sustentável tendo por objetivo vincular
desenvolvimento e ambiente, conciliando equidade social, prudência ecológica
e eficiência econômica (SAISSE, 2014, p.105).
Em atenção ao tema do artigo, observa-se que o art. 22 da Declaração
do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável previu que os
Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e
interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar
efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável.
Em 2012, foi realizada nova Conferência no Rio de Janeiro, a Rio + 20,
da qual resultou o documento “O futuro que queremos”.
Em tal documento, os Chefes de Estado comprometem-se a obter
uma maior integração entre os três pilares de desenvolvimento sustentável – o
econômico, o social e o ambiental.
Sobre tema, relevante ainda são as seguintes previsões:

16. Nós reconhecemos a diversidade do mundo e


reconhecemos que todas as culturas e civilizações
contribuem para o enriquecimento da humanidade
e a proteção do sistema de suporte à vida da Terra.
Enfatizamos a importância de cultura para o
desenvolvimento sustentável. Pedimos uma abordagem
holística para o desenvolvimento sustentável que guiará
a humanidade para viver em harmonia com a Natureza.

21. Nós reconhecemos a importância da Declaração


das Nações Unidas sobre os Direitos de Povos
Indígenas na implementação global, regional e
nacional de estratégias desenvolvimento sustentável.
Também reconhecemos a necessidade de refletir as
perspectivas de crianças e jovens de questões que
estamos abordando exercerá um profundo impacto
sobre os jovens de hoje e sobre as gerações vindouras.

18
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

É necessário observar que o debate a respeito do desenvolvimento


levou, como citado, à tradicional identificação de três elementos essenciais e
interdependentes, quais sejam, o econômico, o social e o ambiental.
A terminologia, no entanto, acabou por estar sempre sujeita a crítica
e interpretações, vez que busca um desenvolvimento capaz de compatibilizar
crescimento econômico, conservação e manutenção da natureza e justiça social,
o que pareceria improvável numa economia de mercado (IRVING, 2014, p.20).
O fato, no entanto, é que não se poderia conceber um planeta
desenvolvido se nele há pobreza, desigualdades sociais, ou esgotamento de
recursos naturais. A própria pobreza e falta de educação acarreta danos ao meio
ambiente.
Da mesma forma, a conservação das diversidades de cultura igualmente
é relevante ao desenvolvimento, vez que preserva conhecimentos e conduz ao
bem-estar.
Neste aspecto, o art.6° da Convenção sobre a proteção e promoção
da diversidade das expressões culturais determina que a diversidade cultural
constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades e a proteção,
promoção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o
desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras.
Assim, ao se vincular a tais documentos, o Brasil adotou um modelo de
desenvolvimento sustentável no qual se preserva o meio ambiente para futuras
gerações e se respeita a identidade, cultura e interesse de povos indígenas.

CONCLUSÃO

A cultura consiste num conjuntos de costumes, crenças, símbolos,


organização social, modos de vida em geral que tornam determinados grupos
dotados de singularidade ao meio de tantos outros que o circundam.
O Brasil, por sua história, é de grande riqueza de cultural, existindo
regiões com prevalência de costumes indígenas, outras com influência africana
e, mais ao sul, influência européia.
Os chamados grupos minoritários, no qual se enquadram os índios,
reclamam uma proteção maior por parte do Estado Brasileiro.
No desenvolvimento de suas políticas públicas, por vezes o Estado
Brasileiro se depara com manifestos de minorias, como os indígenas. A
diferenciação cultural dos mesmos não raramente se choca com interesse
econômico-político do país, o que deve ser solucionado a partir do regime
jurídico adotado pelo Estado Brasileiro.
O Brasil é um país multicultural, tanto pela realidade fática de diversidade
entre seus integrantes, quanto pela diretriz constitucional de preservação de tais
singularidades.

19
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A Constituição Federal determinou expressamente a proteção da cultura,


do patrimônio cultural, nas quais inclusas as diversas manifestações e crenças.
O Estado brasileiro está obrigado constitucional e internacionalmente ao
respeito às instituições. A Constituição Federal, em seu art. 231 da Constituição
Federal e compromissos assumidos em documentos internacionais, em especial
a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho, fixam a
obrigação de tal proteção.
A construção de hidrelétricas, por afetarem diretamente o meio
ambiente e os meios de vida dos que dependem das áreas por ela afetadas, são
questionadas pelos indígenas.
Além da própria subsistência física, por vezes ocorre um desastre cultural,
como no exemplo citado de destruição de lugares considerados sagrados.
Ora, a partir do momento em que o Brasil adotou o multiculturalismo e
comprometeu-se a proteger tradições indígenas, nas quais inclusas crenças que
envolvem as águas sagradas, não pode se esquivar de tal proteção.
Além disso, a busca pelo desenvolvimento engloba por si só a proteção
à diversidade cultural.
Na medida em que o Brasil aderiu a um conceito de desenvolvimento
sustentável, na qual insertos os aspectos econômicos, ecológicos e sociais, a busca
pelo crescimento econômico deve estar atrelada à satisfação de necessidades
culturais, nas quais se incluem o exercício de costumes e tradições indígenas.
Pelo exposto, conclui-se o pela obrigação de o Brasil, no planejamento
de desenvolvimento econômico, observar a cultura indígena.

20
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

BARRETO, Helder Girão. Direitos indígenas: vetores constitucionais.


Curitiba: Juruá, 2011.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. São Paulo: Max


Limonad, 2001.

FEITOZA, Paulo Fernando de Britto. Patrimônio cultural – proteção e


responsabilidade objetiva. Manaus: Editora Valer, 2012.

IRVING, MARTA DE AZEVEDO. Sustentabilidade e o futuro que não


queremos: polissemias, controvérsias e a construção de sociedades sustentáveis.
Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v.9, n.26. p.11-36, 2014.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional


Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo: Annablume


Editora, 2008.

SALSSE, Maryane Vieira. Sustentabilidade e Justiça social. Sinais Sociais,


Rio de Janeiro, v.9, n.26. p. 97-121, 2014.

SANTOS, Boaventra de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do


cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang, FERNSTERSEIFER, Thiago. Princípios do Direito


Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo. 10 ed.
Editora Malheiros. 2013.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos POVOS


INDÍGENAS para o Direito. Curitiba: Juruá, 2012.

VILLARES, Luiz Fernando Villares. Direito e povos indígenas. Curitiba:


Juruá, 2009.

21
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Solidariedade Cogente: percepção de direitos às futuras gerações


(o princípio da solidariedade infinda)

Imposed Solidarity: constitutional perception of rights to future generations


(the principle of endless solidarity)

Paulo Silva Nhemetz


Graduando em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE;
Aluno do Programa Escola da Ciência 2014/2015 pelo Mestrado em Direito
da Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Pesquisador do Programa
de Educação Tutorial PET/MEC dos cursos de Administração e Direito
(PETADi) da Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Membro
da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP.

Leonardo Raphael Carvalho de Matos


Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Especialista
em Direito Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo
- FADISP; Secretário Executivo da Federação Nacional de
Pós-graduandos em Direito - FEPODI (biênio 2015-2017). Membro da
Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA; Colaborador no do Programa
Escola da Ciência 2014/2015 pelo Mestrado em Direito da Universidade Nove
de Julho - UNINOVE; Professor da Graduação em Direito da
Universidade Nove de Julho – UNINOVE.

Resumo: este estudo se propõe a analisar do princípio constitucional da


solidariedade aplicado àquele que ainda não existe, ou seja, às futuras gerações,
dando origem ao princípio da solidariedade intergeracional e transgeracional; as
indagações norteiam-se pelo instituto dos direitos humanos principalmente em
seus aspectos de direitos fundamentais, entra no campo do direito consuetudinário
e em conceitos referenciais de alguns pensadores; a metodologia utilizada para
este estudo, é dedutiva por meio de pesquisa exploratória, qualitativa e teórica.
Traça ao final, um contorno contemporâneo de solidariedade intergeracional
e transgeracional, suas possibilidades e consequências diante de uma
necessidade emergente de sustentabilidade global, incitando a indigência de
uma solidariedade infinda.
Palavras-Chave: solidariedade futura, direitos humanos, sustentabilidade.

Abstract: the objective of this study is to analyze the constitutional principle


of solidarity applied to the future generations; the inquiries are guided by
the human rights institution, primarily in their issues of fundamental rights,

22
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

penetrate in the customary law field and reference concepts from some authors.
The methodology used to this study is deductive by an exploratory research,
both qualitative and theoretical. At the end, this study delineate a contemporary
design on intergenerational and transgenerational solidarity, its possibilities
and consequences due emerging needs for global sustainability, prompting
indigence to an endless solidarity.
Keywords: future solidarity, human rights, sustainability.

INTRODUÇÃO

Ao acordar para a problemática da efetiva existência do “princípio da


solidariedade” em seu caráter intergeracional e transgeracional identificar-se-á
a emergente necessidade da cultura sustentável como projeção garantista de
direitos às futuras gerações, capazes de gerar condições mínimas aos próximos
300 anos ou mais.
Transformações significativas ao longo dos últimos séculos influenciaram
o modo de pensar o viver e o conviver com o restante do planeta; perceber-se-á
que alguns direitos de 3ª geração são desprovidos de real eficácia, sinalizando
necessidade de mudanças; deste modo, caberá ao Estado de forma positivada,
contribuir para a busca de novo paradigma sustentável em conjunto com os diversos
stakeholders: os indivíduos, a sociedade, as empresas, as organizações sociais.
Descrever aspectos contemporâneos de solidariedade intergeracional
e transgeracional tem relevância neste estudo para prognosticar possibilidades
e consequências relativas aos escassos recursos e a perenidade sustentável;
incitando a indigência de uma solidariedade infinda.
Neste estudo tratar-se-á, de forma geral, descrever como a
solidariedade, enquanto dispositivo social constitucional, garantirá direitos
fundamentais e recursos naturais às gerações futuras; e de maneira específica,
(i) entender a solidariedade contemporânea; (ii) identificar a penetrabilidade do
instituto; (iii) analisar dispositivos internacionais e constitucionais nas questões
garantistas às futuras gerações.
Metodologicamente é um estudo dedutivo por meio de pesquisa
exploratória, qualitativa e teórica: revisão bibliográfica, observações e
apreciações de políticas públicas e de organizações sociais, dos veículos
de notícias e do embasamento normativo positivado; estabelecimento de
recortes; organização das informações analisadas e discutidas de forma
descritiva e dissertativa..
Estruturado em três partes, primeiramente abordar-se-á algumas
características e entendimentos sobre solidariedade na preocupação de trazer
um recorte do contexto contemporâneo a ser trabalhado neste estudo.

23
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Por sua vez, no segundo momento, o tema posicionar-se-á no espaço


tempo do ordenamento jurídico nos limites constitucional e internacional do
dispositivo solidariedade, incitando o princípio constitucional e o seu grau de
sua penetrabilidade no ordenamento.
Em derradeiro, concatenar-se-á uma discussão entre os pontos
convergentes dos direitos humanos em seus aspectos de direitos fundamentais
aos da solidariedade intergeracional e transgeracional, ponderados por
questionamentos e exemplificações atuais.
Deste modo, ter-se-á relevância, examinar as possibilidades e
consequências diante dos recursos existentes no planeta, descrever os aspectos
contemporâneos sobre solidariedade que tenham como efeitos questões
intergeracionais e transgeracionais, incitando posteriormente a reflexão de
existência de algum tipo de solidariedade mais profunda e cogente, muito além
dos pensares familiares em bisnetos e tataranetos e, que perfaz, a indigência de
uma solidariedade infinda2.

1. SOLIDARIEDADE

Solidariedade3 ou solidarité4, forma contrária do vocábulo egoísmo,


é palavra derivada de termo latino obligatio in solidum, que seja, a obrigação
na íntegra, no todo, que do direito romano compreende-se como uma obrigação
comunitária ou social onde existe a indicação das responsabilidades que cada
cidadão deverá ter em relação aos círculos aos quais pertence.
Ainda da etimologia, Roberto Patrus (2003) em referência ao verbo
solidare (consolidar, fazer sólido), conceitua que: “Exercer a solidariedade implica
fazer-se parte de algo maior, com vistas a solidificar, consolidar, tornar algo sólido”.
Léon Duguit (2006, p. 23) conceitua que o ideal de solidariedade foi
construído partindo do pressuposto que, vivendo em sociedade, os homens precisam
ser solidários entre si, seja em razão de necessidades comuns ou pela necessidade de
trocar experiências em decorrência de possuírem diferentes aptidões.

2
  Tipo de solidariedade com característica infinita, ou seja, que sempre se deverá economizar ao
máximo, utilizar menos ou o mínimo de recursos para que outros possam também utilizá-los. Esta
questão vai por vezes na contramão de outros direitos e garantias conquistados. (Nota do autor).
3
  Dicionário Houaiss: [...] Compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e
cada uma delas a todas; Sentimento de simpatia ou piedade pelos que sofrem; Manifestação
desse sentimento, com o intuito de confortar ou ajudar; Cooperação ou assistência moral que se
manifesta ou testemunha a alguém em certas circunstâncias; [...]
4
  Origem francesa, “responsabilidade mútua”, cunhada em 1765, de SOLIDAIRE, “inteiro,
completo, interdependente”, de SOLIDE, do Latim SOLIDUS, “firme, inteiro, sólido”. Fonte:
site Origem da palavra, acessada em 09/07/2015: http://origemdapalavra.com.br/site/pergunta/
solidariedade/

24
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Nesta concepção pressupõem que o indivíduo solidário, no campo


das virtudes, é alguém “x” que fez algo de bom a um alguém “y”, sendo este
bem, algo de que “y” necessite, ou então, que “x” queira lhe oferecer. Também,
pode indicar que “x” fez este algo de bem sem saber ou se importar quem será
o seu beneficiado, tendo assim uma atitude solidária favor de um desconhecido.
Porém, este entender solidário deve ir mais além, pois, o dispositivo social
solidariedade tem atributos mais profundos, não devendo, equivocadamente,
ser comparado ao dispositivo social caridade.
Portanto, em linhas gerais, enquanto a caridade se propõe a sanar ou
amenizar determinada situação sem o envolvimento de saber os porquês ou
entender os resultados alcançados, por sua vez, a solidariedade procura sanar
ou amenizar de forma comprometida, constante e eficaz, ou seja, procurando
investigar os porquês, e/ou se preocupar com os resultados alcançados, e/ou dar
continuidade na conduta solidária até a extinção desta necessidade, ou então,
que se perda o interesse pela causa, de seu comprometimento inicial.
A existência de um comprometimento maior em relação ao simples
ato de se dispor de algo, de valores, de esforço físico ou de tempo para sanar
ou amenizar determinada situação é o que faz da solidariedade uma ferramenta
importante para a sustentabilidade do viver e do conviver com o planeta.
Deste modo, solidariedade é um estágio posterior, superior, ao
da caridade, é algo que nasce da vontade natural do indivíduo ou de sua
percepção de carência de algo tangível para outrem, sendo este outrem um
indivíduo ou uma coletividade.
Afirma-se que a solidariedade é uma das características mais
importantes para a evolução humana e que nos distinguiu dos outros animais.
Sobre este pensamento, Otávio B. R. da Costa (2009), acompanha o entendimento
de Edgar Morin ao descrever o fato em sua obra “O Método III”:

[...] a solidariedade se encontra na raiz do processo


de hominização. Os ancestrais hominídeos ao
saírem em busca do alimento, não o consumiam
individualmente, mas o traziam ao grupo para reparti-
lo solidariamente. Foi à solidariedade que permitiu o
salto da animalidade à humanidade [...] (MORIN, o
método lll p. 32 apud COSTA, 2009, p. 153).

Vera Herweg Westphal (2008, p. 44) faz a percepção que a solidariedade


é uma categoria dos tempos modernos e, na sua concepção atual, surgiu no início

25
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do século 19, como resposta às realidades decorrentes da sociedade industrial


e mais adiante, sobre os diversos conceitos existentes sobre o tema constrói o
seguinte entendimento:

[...] nas mais diversas exposições teóricas, podem ser


identificados dois aspectos comuns: a) um substrato
descritivo da solidariedade, constituindo-se na idéia
da relação de reciprocidade entre os membros de um
grupo e b) um outro substrato, uma base normativa
da solidariedade, presente no cotidiano da política, da
filosofia moral e em parte também na sociologia [...]
(WESTPHAL, 2008, p. 44).

A ideia de dois grandes sentidos de solidariedade apontados por


WESTPHAL (2008) nos mostra no contexto contemporâneo um importante
norte para a questão cerne deste estudo, ou seja, como será possível garantir
por intermédio da solidariedade direitos fundamentais e recursos naturais às
gerações futuras.
Vera Herweg Westphal (2008) sugere que um dos aspectos mais comuns
seria a relação de reciprocidade de indivíduos de grupos afins, percebendo-se
desta forma características inerentes aos valores humanos, morais, éticos ou por
simples condicionamentos dos grupos onde os indivíduos estão inseridos, como
exemplo ilustrativo, podemos citar o metrô de São Paulo em seu horário de pico,
em determinado eixo onde o transporte é oferecido, as pessoas se acotovelam
e demonstram um certo grau de hostilidade frente aos indivíduos próximos
durante o trajeto; por sua vez, quando este mesmo público faz a transferência
para outro eixo do sistema, estes mesmos indivíduos se comportam de maneira
diferente, fazem filas, entram ordeiramente na composição, se tornam gentis e
solidários com os demais passageiros.
WESTPHAL (2008) apresenta como segundo aspecto uma abordagem
normativa solidária, composta de outros agentes presentes de nosso cotidiano,
neste ponto presume-se enquadrar questões como a obrigação solidária no
Código Civil, que perfaz forma cogente de solidariedade, o posicionamento
sociológico sobre solidariedade de Émile Durkheim.
Outro exemplo, o documento assinado por senadores de 6 países
com intuito solidário de garantir direitos sociais, dentre os 157 senadores
que assinaram o documento estavam: Brasil (32), Chile (12), Colômbia (57),
Costa Rica (25), Estados Unidos (18) e Peru (13); em síntese o documento
demandava eleições livres, transparentes e democráticas na Venezuela ao
presidente Nicolás Maduro, ou seja, uma tentada no âmbito da solidariedade
transnacional ao povo Venezuelano.

26
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Tendo como base as diferenças dos indivíduos, quer sejam culturais,


raciais, religiosas, políticas, sociológicas, etc., surge uma dúvida: o que
nos assemelha e o que nos torna diferentes? Para responder a esta questão
indispensável para a compreensão do escopo de pesquisa se faz necessário
refletir sobre a percepção do sociólogo Zygmunt Bauman5:

[...] O aspecto em que somos semelhantes é


decididamente mais significativo que o que nos
separa; significativo bastante para superar o impacto
das diferenças quando se trata de tomar posição. E não
que “eles” sejam diferentes de nós em tudo; mas eles
diferem em aspecto que é mais importante que todos
os outros, importante o bastante para impedir uma
posição comum e tornar improvável a solidariedade
genuína, independente das semelhanças que existam.
[...] (BAUMAN, 2001, p. 220).

Na percepção de BAUMAN (2001) as diferenças são pontos chaves


para o entendimento desta questão, pois quando é percebido estes fatores
de diferença eles acabam se tornando mais importantes que as relações de
semelhanças, gerando conflito e estranhamento, sendo este um ponto importante
dentro do entendimento que se espera ter por solidariedade, pois nas diferenças
não é possível se trabalhar ou se promover a solidariedade como dispositivo
social. Portanto, não caberá tratar o tema com aspectos virtuosos, mas sim pela
forma positivada.
Por fim, solidariedade é algo complexo de se perceber quando é
arrazoada pelo segundo aspecto, que seja, pela legiferação de normas, existindo
portanto forma distinta daquela comumente entendida como valores inerentes
aos indivíduos ou grupos sociais.

1.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA E ORGÂNICA

Émile Durkheim6 em seus estudos sobre a divisão do trabalho social


propõe para entender a sociedade complexa a sua divisão a partir do trabalho,
sugerindo a lei superior das sociedades humanas e a condição do progresso.
Estes estudos vislumbram uma solidariedade nascente do indivíduo e
outra que nasce da coletividade e a forma como elas interagem e se relacionam
5
  Bauman utiliza o termo “nós” para as pessoas que são iguais a nós e “eles” as pessoas diferentes de nós.
6
  Sociólogo francês (1858-1917), responsável por tornar a sociologia uma ciência social e disciplina
acadêmica; suas obras: Da divisão do trabalho social, 1893; Regras do método sociológico, 1895;
O suicídio, 1897; Sociedade e trabalho, 1907; As formas elementares de vida religiosa, 1912.

27
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

com os indivíduos e com a coletividade dará existência a outras duas espécies


de solidariedade a mecânica e a orgânica.
A solidariedade mecânica, aquela percebida nas relações de
semelhança entre os indivíduos em sua forma mais primitiva e generalista, a
exemplo da família, dos costumes, da religião, das tradições, ou então, onde
existir relacionamentos sociais formadores de algum tipo de vínculo que
interfira na conduta humana.
O exemplo corriqueiro de solidariedade mecânica é compará-lo a
uma máquina, um relógio, algo que possua engrenagens onde, cada indivíduo
corresponde a uma destas engrenagens funcionando perfeitamente, trabalhando
sincronizados, sempre da mesma maneira, assim, quando uma desta engrenagens
falha ou se quebra, esta será substituída e tudo voltará a ser como sempre foi.
Por sua vez, a solidariedade orgânica, é baseada nas diferenciações
que existem entre os indivíduos, principalmente na divisão social do trabalho,
ou seja, são gerados vínculos hierárquicos e destes, uma existência de
interdependência, o reconhecimento da importância de todos na cadeia social.
Um dos exemplos mais comuns é um organismo vivo, um corpo
humano7, onde cada indivíduo, dentro da questão do trabalho, ocupará a
função de um órgão ou membro deste corpo funcionando cada qual para a sua
finalidade, porém, mesmo que cada uma destas partes falhe ou execute novas
funções (dentro dos seus limites) o todo continuará funcionando e se adaptando.
Deste modo, para existência de harmonia na complexidade social,
haverá a predominância da solidariedade orgânica, garantidora da coesão
social, que por sua vez não estará determinada por valores sociais, religiosos,
costumes ou tradições, ela estará baseada no ordenamento jurídico, ou seja, nas
normas e regras que estabelecem a maneira como se deverá agir, os direitos e
seus deveres enquanto indivíduos de uma coletividade. A conduta humana.
Nota-se que ao refletir sobre a existência de um pensamento solidário
intergeracional em Durkheim (1977), na solidariedade mecânica, percebe-se
que questões valorativas provenientes da religião, costumes ou valores sociais
podem talvez não garantir um pensamento altruísta massificado, talvez elevando
o resultado pretendido a uma esfera de saberes duvidosos, questionáveis e frágeis.
Contudo, de forma orgânica, ou seja, por meio da solidariedade
positivada nas normas, ser possível garantir recursos às futuras gerações,
a exemplo da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente e da Lei nº 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,

7
  Alguns sociólogos utilizaram os conceitos das ciências biológicas, para compreender as
sociedades complexas, entre estes podemos destacar Humberto Maturana, Francisco Varela,
Niklas Luhmann, Émile Durkhaim, Edgar Morin, entre outros.

28
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ou seja, determinar a necessidade de ser solidário e punir aqueles que não tem
postura solidária de preservação.
Deste modo, é possível entender porque a expressão: futuras
gerações, é referida em tratados e declarações internacionais e na própria
Constituição Federal, logo, a sua positivação é preceito fundamental para que o
fator solidariedade seja pensado mais além do que as garantias de sobrevivência
dos filhos, netos e bisnetos.

2. OS LIMITES CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL DA SOLIDARIEDADE

O princípio da solidariedade é uma positivação do direito natural e


costumeiro, que na Constituição Federal de 1988 é expresso por meio do artigo 3º,
constituindo objetivo fundamental da República, conforme Paulo Sergio Rosso
(2008) “o princípio encontra-se tacitamente presente em toda a Constituição8,
servindo não apenas como mecanismo de interpretação ou reafirmação de outros
princípios, mas também como fundamento da própria ordem constitucional”.
Ives Grandra da Silva Martins (2005) em suas considerações sobre a
ineficácia do governo no que tange a solidariedade, indica o abrandamento de parte
desta tarefa pelas ONGs, onde o cidadão interage de forma solidária, realizando mais
trabalho social que o governo. Seguindo a mesma linha de raciocínio da solidariedade
orgânica, este é positivado quando na contrapartida o Governo oferta incentivos
tributários para o indivíduo ou organização social que pratica a solidariedade, assim:

Como benefício, vocês terão a imunidade tributária.


Vocês trabalharão para a sociedade, preencherão
o vácuo do Estado, fortalecendo a democracia e
ajudando a criar uma sociedade livre, justa e solidária.
Por essa razão, vocês são imunes de tributos.
(MARTINS, 2005).

2.1 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL E TRANSGERACIONAL E A


SUSTENTABILIDADE

A questão garantista de direitos às futuras gerações prevista no artigo


2259 da Constituição Federal de 1988 demanda solitária de cunho ambiental e
sustentável, é o mecanismo pelo qual é tutelado um mínimo de recursos naturais
ao indivíduo que ainda não existe. Nesta visão constitucional, deverá existir, em
tempo futuro, um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável para

8
  Exemplificação: artigos 40, 194, 195, 196, 203, 227, e 230 (ROSSO, 2008)
9
  Todos têm direito ao meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (grifo nosso)

29
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

garantir a sobrevivência dos que virão, uma percepção solidária axiológica em


relação a dignidade humana daqueles que ainda não existem.
Nesta mesma corrente de pensamento Andreas Joachim Krell,
(CANOTILHO, MENDES, et al., 2013), faz comentários ao Art. 225 da
Constituição Brasileira, alertando o constituinte e o legislador do cuidado que
devem ter com o tema:

A consagração de um direito fundamental ao meio


ambiente na Constituição do País significa uma
importante decisão axiológica em favor de um bem
imaterial, [...] Tornam-se imprescindíveis também
profundas alterações no uso dos instrumentos
normativos e administrativos bem como nas próprias
atitudes de compreensão dos conflitos envolvidos, a
partir da perspectiva de solidariedade (benefício e
responsabilidades comuns).10

A visão de sustentabilidade e preservação do ecossistema terrestre,


já era preocupação mundial desde a Declaração de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente Humano11, na década de 70, onde destaca-se os princípios 1, 2 e 5,
que estabelecem uma série de preocupações inerentes ao meio ambiente, por
parte dos países membros da ONU - Organização das Nações Unidas:

Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental


à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições
de vida adequadas, em um meio ambiente de
qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna,
gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação
de proteger e melhorar o meio ambiente, para as
gerações presentes e futuras. [...] Princípio 2 - Os
recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água,
o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas
representativas dos ecossistemas naturais, devem
ser preservados em benefício das gerações atuais

10
  O autor faz referência ao termo - benefício e responsabilidades comuns – de autoria de Patryck
de Araújo Ayala no artigo: O novo paradigma constitucional e a jurisprudência ambiental no
brasil. In. CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, São
Paulo, Saraiva, 2007, p. 363-402.
11
  Declaração publicada pela Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente
humano, realizada em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972.

30
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou


administração adequada. Princípio 5 - Os recursos
não renováveis da Terra devem ser utilizados de
forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro
e a assegurar que toda a humanidade participe dos
benefícios de tal uso. (grifo nosso).

No sentido contrário deste pensamento verifica-se o desenvolvimento


tecnológico e o consumo desenfreado da população mundial, principalmente
dos países mais ricos e desenvolvidos atestando a impotência das observações
estipuladas no Tratado de Estocolmo.
Independente da forma como cada nação se organiza e estabelece
suas estratégias, nota-se que o sistema econômico capitalista, em sua corrida
para o desenvolvimento, não procurou no passado concatenar suas ações com
elementos como a sustentabilidade e por consequência a solidariedade.
Ademais, organizações ambientalistas e de preservação como o
Greenpeace12 e a WWF13 e tornaram públicas questões importantes sobre o
planeta reservado ao futuro, a exemplo disso, o Greenpeace em diligência na
floresta amazônica aponta como são retiradas a madeira na região do Pará:

A investigação revelou que o descontrole no setor é


tão grande que nem o documento oficial é capaz de
garantir a origem legal da madeira. E que o trânsito
de caminhões carregados de toras trazidas de áreas
sem manejo florestal até as serrarias é completamente
livre. (GREENPEACE, 2014, p.4).

Pelo Fundo Mundial para a Natureza, WWF Brasil (2010), nas


percepções de como anda a saúde do planeta, de acordo com seu relatório,
Planeta Vivo de 2010, estudos da Organização das Nações Unidas apresentava
projeções de que até 2030 a humanidade precisaria da capacidade de dois
planetas Terra para absorver os resíduos de CO2 tendo como fatores: o consumo,
o crescimento populacional global e o aumento climático. Ainda, no sumário
executivo do relatório Planeta Vivo de 2014 foram publicadas considerações
12
  O Greenpeace é uma organização global cuja missão é proteger o meio ambiente, promover a
paz e inspirar mudanças de atitudes que garantam um futuro mais verde e limpo para esta e para
as futuras gerações. (grifo nosso)
13
  World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial para a Natureza), no Brasil é uma organização
não-governamental dedicada à conservação da natureza com os objetivos de harmonizar a
atividade humana com a conservação da biodiversidade e promover o uso racional dos recursos
naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações. (grifo nosso)

31
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

sobre o planeta, contendo entre os seus dados a pegada ecológica14:

Há mais de 40 anos, a demanda da humanidade sobre


a Natureza ultrapassa a capacidade de reposição do
planeta. Seria necessária a capacidade regenerativa
de 1,5 Terras para fornecer os serviços ecológicos
que usamos atualmente. Esta “sobrecarga ocorre
porque nós cortamos as árvores mais rápido do que
elas são capazes de crescer e florescer; nós pescamos
mais peixes do que os oceanos podem repor e nós
emitimos mais carbono do que as florestas e oceanos
podem absorver. (WWF, 2014, p. 10) (grifo nosso).

3. OS DIREITOS HUMANOS E A SOLIDARIEDADE

A maneira como a coletividade emprega o dispositivo solidariedade


em suas ações cotidianas pode dar algumas pistas de como ela é exercida,
exemplo: a 20 anos ou mais era comum qualquer indivíduo ao presenciar um
cidadão idoso, abdicar seu lugar em um assento público; na atualidade, são
necessárias dezenas de placas informativas e de sinalização para garantir a
dignidade humana necessária aos idosos em seus direitos mais simples15.
O indivíduo não tem a percepção clara em seus direitos e deveres
o que é boa ação e o que é boa educação. O indivíduo deve ser estimulado e
motivado ao exercício de um papel solidário, e assim, conhecer a realidade
alheia evitando que padeça num estado de natureza hobbesiano16.
Na pesquisa do World Giving Index 2014 divulgada pelo IDIS – Instituto
para o Desenvolvimento do Investimento Social17, pesquisa esta que estabelece o
ranking mundial dos países mais solidários, o Brasil está estampado na 90ª posição.
Segundo o Instituto, “os dados mostram que 22% dos brasileiros
entrevistados afirmaram ter doado dinheiro para organizações da sociedade
civil, 40% ajudaram desconhecidos e 16% fizeram algum tipo de trabalho
voluntario”. (IDIS, 2014).

14
  A Pegada Ecológica mede a quantidade de terra biologicamente produtiva (ou biocapacidade)
necessária para prestar os serviços ou gerar produtos que usamos: áreas de cultivo, pastagens,
áreas urbanizadas, estoques pesqueiros e produtos florestais. Também inclui a pegada de carbono,
que é a quantidade de floresta necessária para absorver as emissões adicionais de dióxido de
carbono que os oceanos não conseguem absorver. (WWF, 2014, p.10)
15
Este tipo de questão já havia sido consolidada no direito consuetudinário, mas que na atualidade
parece dar novo viés paradigmático.
16
A guerra de todos contra todos.
17
IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, fonte: http://idis.org.br/world-
giving-index-brasil-sobe-uma-posicao-em-ranking-global-de-doacoes/, acesso em 15/07/2015.

32
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Estados Unidos e Mianmar18 compartilham o primeiro lugar no ranking


do World Giving Index, mas a liderança de Mianmar se deve principalmente a
uma incidência muito alta de doações de dinheiro. Nove em cada dez pessoas
em Mianmar seguem a escola Theravada de budismo, com uma forte cultura
de solidariedade, o que contribui para que o país esteja na primeira posição em
doação de dinheiro, conforme fonte do instituto IDIS.
Tomando como base Mianmar, outras duas aparentes mostras de
direitos humanos com viés de solidariedade, recortadas do portal de notícias G1
(2015), podem ser analisadas: o primeiro recorte19, junho/2015, apresenta uma
forma negativa de solidariedade, onde um grupo de 608 homens, 74 mulheres e
45 crianças migrantes que desembarcou na costa ocidental de Mianmar junto à
fronteira com Bangladesh.
Mianmar tenta então deportá-los para o país vizinho e afirma que
não são da etnia rohingya e sim migrantes originários de Bangladesh, gerando
grande confusão entre os dois países. Os rohingyas são apátridas de origem
muçulmana vítimas de discriminação em Mianmar, não têm acesso à educação
e à saúde e o país nega-se a reconhecê-los como cidadãos.
O presidente norte-americano, Barack Obama, também colaborou
nas tratativas de negociações solicitando que Mianmar acabasse com a
discriminação à etnia rohingya e a reconhecer seu êxodo.
O segundo recorte20, julho/2015 (G1), expõe um governo mais
humanitário, onde o presidente de Mianmar, Thein Sein, concedeu a graça
presidencial do indulto a 6.966 prisioneiros daquele país com intento de
uma motivação humanitária e objetivo de uma reconciliação nacional, o fato
coincidiu com uma festa religiosa budista e indiretamente como pré-campanha
das eleições gerais previstas para novembro.
Entre os prisioneiros 155 chineses condenados à prisão perpétua por
exploração madeireira ilegal e tráfico de madeira, presos a apenas uma semana.
Solidariedade ou oportunismo?
Deduz-se nestes recortes que os contextos culturais, sociais, ideológicos
e políticos consuetudinários influenciem questões como a solidariedade, visto
que, ao mesmo passo que o indivíduo doa com uma das mãos, com a outra a
fecha para uma etnia não reconhecida dentro de seu próprio país.
Por outro lado, também observa-se interesses políticos travestidos de
ações solidárias voltados para o relacionamento político interno e externo, pois,

18
Mianmar ou Birmânia, capital Naypyidaw, língua Birmanês, tornou-se independente do
Reino Unido em 04/01/1948, situada ao sul do continente asiático, IDH 0,524 (150.º), República
Presidencialista. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Myanmar. Acessada em 30/07/2015.
19
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/mais-de-700-imigrantes-desembarcam-no-norte
-de-mianmar.html - Acessado em 30/07/2105.
20
  http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/mianmar-liberta-milhares-de-prisioneiros-
incluindo-estrangeiros. html - Acessado em 30/07/2105.

33
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

a despeito dos trabalhadores chineses presos, vale destacar que na atualidade a


China é um dos maiores investidores naquela região.
Percebe-se uma solidariedade condicionada e seletiva, ou seja, notada
quando o ato solidário envolve ou não um parente, um amigo, uma comunidade
próxima, ou os interesses pessoais ou coletivos, ou ainda que tenha um certo
grau de afinidade ou de repulsa sobre o assunto.
Decodifica-se os recortes em Durkheim, percebe-se que a solidariedade
motivada por elementos virtuosos e morais é determinada por elementos sociais
mecânicos, principalmente pelo budismo ou ainda de reflexos mecânicos da
cultura Estatal condicionada por décadas, gerando um conformismo natural.
Por sua vez, a solidariedade positivada organicamente pelo Estado
seja por norma motivadora ou norma cogente: esta nas questões que envolvem
todas as dimensões dos bens de posse ou propriedade individual, ou seja, a
motivação Estatal do dar ou do dividir, e dos bens coletivos de tutela Estatal,
a exemplo dos recursos naturais e aqueles destinados ao povo que também
são repassados solidariamente a outros como a saúde, segurança, educação,
alimentação, entre outros; e aquela todos os regramentos das campanhas sociais
Estatais, dos fundos de solidariedade e das leis de protetivas sociais e ao meio
ambiente, como é o caso dos chineses presos pelo corte ilegal de árvores.

CONCLUSÃO

Diante das análises, observou-se historicamente, a existência de


uma real intensificação de medidas para garantir não só a manutenção da vida
contemporânea como também para as próximas gerações, entretanto, notou-se
que o dispositivo social solidariedade com caráter de intergeracionalidade e
transgeracionalidade é ainda algo intangível na compreensão humana.
Em outra perspectiva, os avanços tecnológicos e científicos que deram
margem para um ser humano mais racionalizado e conhecedor da dimensão de
seus impactos sobre o planeta, o que colabora para a percepção da melhoraria
na forma de como vivemos e convivemos com o meio ambiente, bem como na
forma como interagimos com os escassos recursos que ainda restam no planeta,
questionou, por diversas vezes nesta pesquisa, se estamos vivendo e utilizando
o planeta de maneira assertiva.
É por meio da solidariedade que parte da população mundial raciona,
preserva e reciclam seus recursos, gerenciando desta forma sua produção e bens
que ainda dispõe, ao passo que, outras culturas e indivíduos degradam sem
limitações e precedentes com a finalidade de acumular riquezas e garantir o seu
abstrato direito conforto, liberdade e livre arbítrio.
A pesquisa expôs a complexidade do tema solidariedade, bem como a
necessidade de mudança na forma de como o indivíduo e a sociedade envolvem-
se dentro de cada situação cotidiana demonstrando seu papel solidário.

34
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

E neste sentido, ao mesmo passo que abrir diálogos para a legiferação


de normas tanto motivadoras como cogentes nas questões de direitos humanos
fundamentais atreladas ao fator solidariedade intergeracional e transgeracional,
com viés a uma solidificação cultural de racionamento infindo de recursos, se
tornam imprescindíveis.
Notou-se em diversas situações que é esta solidariedade cogente
positivada a grande força constitucional, capaz de garantir recursos as próximas
gerações, apta a motivar, mobilizar e induzir pela moralidade cogente Estatal o
mínimo existencial.
Assim sendo, a visão de solidariedade é algo bem estabelecido
e percebido nos núcleos familiares e nos grupos conectados por afinidade
ou interesses, especialmente dentro de uma mesma cultura ou país, tornou-
se portanto, a solidariedade uma especificação de ordem nacional, ou seja,
delimitada aos seus nacionais.
Deste modo, dificuldades maiores surgiram nas relações
intercontinentais e nas fronteiras de cada país ou território, cabendo à
Organização das Nações Unidas intermediar diplomaticamente as relações
e conflitos mundiais, pelo bom senso e respeitando as questões culturais e
soberanas de cada Estado envolvido, clareando assim, uma forma de utilização
do dispositivo solidariedade como forma de garantir a paz mundial e a
cooperação dos países membros.
Nesta conjectura mundial, outra forma de sopesar a penetrabilidade
e aderência deste dispositivo, que seja social ou positivado, em relação às
diferentes nações, destacou-se a análise do equilíbrio da desigualdade social nas
ajudas humanitárias, nas guerras, nos desastres naturais, nas questões inerentes
a fome, a saúde, aos refugiados e na assistência aos países mais pobres.
Ademais, percebeu-se que enquanto o homem viver em sociedade ele
será capaz de pensar o coletivo, incorporar o ser solidário e se portar segundo o
pensamento da massa social coletiva.
Antagonicamente, a individualização poderá ser uma das maiores
geradoras do desperdício em razão da falsa ideia de bem-estar social
individualizado, visto que nem sempre os seus direitos e deveres serão
exclusivamente seus, mais sim o reflexo de direitos e deveres coletivos,
que estarão sempre interligados seja de forma presente, intergeracional ou
transgeracional.
Finalizando evidenciou-se a existência subjetiva de um princípio
de solidariedade infinda, onde dever-se-á elucubrar o sentido do “consumir”,
refletido em um SER21 (ou coisa) que ainda não existe, ou que existirá.

  Seja animal ou vegetal.


21

35
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 9ª ed. São Paulo: Editora Malheiros,
2009.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5


de outubro de 1988. Contêm as emendas constitucionais posteriores. Brasília:
Senado, 1988.

_____. Congresso Nacional. Lei 10.046 de 10 de janeiro de 2002. Institui o


Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
Disponível em: <htpp://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 out. 2015.

BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Manual de Produção de Textos Acadêmicos


e Científicos. São Paulo: Atlas, 2013.

COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. Discutindo a origem evolutiva da


solidariedade humana. Kínesis-Revista de Estudos dos Pós-Graduandos em
Filosofia, Marília, v. I, n. 01, p. 150 - 170, março 2009. ISSN 1984-8900.
Disponível em: <http://revistas.marilia.unesp.br>

DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. São Paulo: Ícone, 2006.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes,


1977.

EVANGELISTA, Eduardo Rodrigues. Função social da propriedade e conceito de


princípio jurídico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3594, 4 mai. 2013.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24354>. Acesso em: 10 out. 2015.

FERREIRA, Gilson; FURRIER, Denise A. As relações de vizinhança no direito


romano: uma perspectiva histórica. São Paulo: Prisma Juridico, 2005. v. 4.
ISSN 1677-4760

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995

_____. Introdução ao Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998

36
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

_____. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002

GREENPEACE. Relatório anual 2014. São Paulo, p. 16. 2014.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua


Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. (elaborado no Instituto Antônio
Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa)

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Conheça a constituição: Comentários à


Constituição Brasileira. Barueri: Manole. 2005. v. 1, 2005 ISBN 85-204-2303-5.

MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: A Prática de Fichamentos,


Resumos, Resenhas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do principio da


igualdade. 23ª tir. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. 48 p. ISBN 85-7420-
047-6.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de família.


34. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 2

ONU. Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano. In:


Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo,
1972. Disponível em: <http://onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.
pdf> Acesso em: 10/07/2015.
PATRUS, Roberto. Cooperação e Solidariedade: considerações etimológicas
sobre a colaboração, São Paulo: Plurale, 2013. Disponível em: <www.plurale.
com.br>. Acesso em: 10/07/2015.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao


Direito Civil, Teoria Geral do Direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 1.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
1991.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva,
1996, v. 1.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr,


1993.

37
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ROSSO, Paulo Sergio. Solidariedade e direitos fundamentais na Constituição


Brasileira de 1988. Revista Argumenta, 2008. v. 9, n. 9, p. 27-42.

SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais:


contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de
1988. Brasilia: STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/
cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_
PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf.> Acesso em: 20 out. 2015.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo:


Malheiros, 2008.

_____. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros,
2008.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Comentários ao


artigo 3º. KRELL, Andreas Joachim. Comentários ao artigo 225º, caput. in:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET,
Ingo Wolfgang; ______ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 146-150 e 2078-2085 ISBN 978-85-02-
21262-6.

WWF-World Wide Fund For Nature. Living Planet Report 2014: People and
places, species and spaces. Gland (Switzerland), 2014. 36 p. ISBN 978-2-
940443-88-8.

______. Living Planet Report 2010: Biodiversity, biocapacity and development.


Gland (Switzerland), 2010. 122 p. ISBN 978-2-940443-08-6.

38
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE


SOB UMA ANÁLISE FRATERNA

THE WORKING ENVIRONMENT AND THE ADDITIONAL OF INSALUBRITY


UNDER A FRATERNAL ANALYSIS

Luana Pereira Lacerda


Aluna do Mestrado em Teoria do Direito e do Estado no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília –
UNIVEM. Advogada. Participante e Secretaria Geral do Grupo de Pesquisa
GEP - Grupo de Pesquisa de Estudos, Pesquisas, Integração e Práticas
Interativas. Direito e Fraternidade. Realiza as atualizações da página Direito e
Fraternidade, <http://www.lafayette.pro.br/campanha-da-fraternidade-2016>
desde 2015. E-mail: luanaplacerdaadv@gmail.com
 
Lafayette Pozzoli
Professor. Advogado. Professor no UNIVEM e Professor na PUC/SP. Chefe
de Gabinete na PUC/SP. Coordenador do Mestrado em Direito do UNIVEM.
Possui graduação (1986) e Doutorado (1999) em Filosofia do Direito pela
PUC/SP. Pós-Doutorado pela Universidade “La Sapienza”, Roma (2002).
Membro do Conselho Editorial da Revista EM TEMPO (UNIVEM)
e da Revista de Direito Brasileira – RDBras, do CONPEDI. Membro da
Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP. Sócio fundador da AJUCASP.
Avaliador para cursos de Direito INEP/MEC. Foi membro do Tribunal de
Ética – TED-1 e da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB/SP.
E-mail. lafayette@lafayette.pro.br

Os obstáculos para a harmonia da


convivência humana não são apenas
de ordem jurídica, ou seja, devidos à
falta de leis que regulem esse convívio;
dependem de atitudes mais profundas,
morais, espirituais, do valor que damos à
pessoa humana, de como consideramos
o outro (CHIARA LUBICH, 2006).

Resumo: A falta de respeito e honestidade dos empregadores, ao submeterem


seus empregados a atividades insalubres, ou seja, ao excederem suas obrigações
legais, necessitam ser analisada a partir do Princípio da Fraternidade. Assim,

39
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

seria possível proteger os trabalhadores e melhor adaptar suas funções no


ambiente de trabalho, evitando a concretização do dano a sua saúde em vez
de, posteriormente, tentar contorná-lo. A partir do exposto, a proposta do
presente estudo consiste na análise crítica, com base nos métodos dedutivos
e averiguações bibliográficas, da problemática que envolve o meio ambiente
do trabalho e o enquadramento do adicional de insalubridade e sua agressão à
saúde do empregado.
Palavras-Chave: Fraternidade; Meio Ambiente do Trabalho; Adicional de
Insalubridade.

Abstract: The lack of respect and honesty of employers to submit their


employees to unhealthy activities, ie to exceed its legal obligations, needs to
be analyzed from the Fraternity Principle. Thus it would be possible to protect
workers and to gear their roles in the workplace, avoiding the implementation
of the damage to their health rather than subsequently trying to bypass it. From
the above, the purpose of this study is to review, on the basis of deductive
methods and bibliographic investigation, the problems involved in the middle
of the work environment and the additional framework for unhealthy and their
assault on employee health.
Keywords: Fraternity; Environment Labour; insalubrity additional.

INTRODUÇÃO

A preocupação com o ambiente de trabalho tem se tornado cada vez


mais presente, uma vez que atualmente, a sociedade busca, sempre e a qualquer
custo, o desenvolvimento tecnológico e a consequente lucratividade, o que, na
maioria das vezes, ignora a garantia de um ambiente laboral saudável, como é
de direito e necessário à saúde do empregado.
Nessas reflexões, a sociedade moderna vive uns dos desafios
mais relevantes, que é a necessidade de se desenvolver sustentavelmente,
principalmente, quando o desenvolvimento está ligado ao exercício das
atividades laborativas. Isto porque, a industrialização colaborou para a evolução
significativa da vida do homem no meio ambiente do trabalho, tanto na cidade
quanto no campo, mas provocou, ao mesmo tempo, efeitos danosos que atingem
em especial a saúde do trabalhador, e que instauram consequências no decorrer
das suas vidas, tanto a nível social, familiar, mental e físico provocados pela
falta de maior preocupação por parte dos empregadores, no referido meio.
Nesse ínterim, a Norma Regulamentadora n.º 15 (NR-15) do
Ministério Trabalho Emprego (MTE), bem como o artigo 7º, XXXIII, da
Constituição Federal de1988, e o artigo 192 da Consolidação das Leis

40
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Trabalhistas (CLT), estabelecem a aplicação do adicional de insalubridade. No


entanto, esses diplomas legais não têm alcançado o seu objetivo, qual seja, o
caráter pedagógico.
Pretende-se, então, demonstrar a necessidade de uma maior
preocupação para com a saúde do trabalhador, posto que, diante do aumento
das atividades insalubres no ambiente de trabalho, os empregados encontram
cada vez mais expostos a agentes nocivos à saúde, os quais agridem sua
integridade física e mental.
Para tanto, toma-se o Princípio da Fraternidade como categoria
jurídica, como um dos caminhos para efetivação da ciência do Direito,
principalmente, numa relação em que envolve empregador e seu empregado.
Neste sentido, a aplicação do referido princípio representaria um ato de respeito
perante o ambiente insalubre, pois, além de exprimir ação de espontaneidade e
dever, ressalta a importância de uma relação jurídica que abrange muito mais o
enquadramento de uma lei.
Pelo levantamento bibliográfico realizado, foram sintetizadas
algumas formas de como o Princípio da Fraternidade pode agir enquanto
mecanismo de garantia de um ambiente laboral sadio ao empregado,
propiciando o empecilho da monetarização do adicional de insalubridade e
promovendo a fraternidade no trabalho.

1. BREVE HISTÓRIO DO DIREITO AO TRABALHO

Ao estudar o Direito do Trabalho surge a necessidade de abordar


breves relatos de sua história, a qual deu origem à maioria das transformações
que aconteceram e continuam acontecendo no âmbito laboral.
Na seara internacional, o Direito do Trabalho, em seus primórdios,
era visto como um instrumento de tortura, pois, a primeira forma de trabalho
foi “protagonizada” pelos escravos, os quais eram considerados como “coisa”,
objeto de domínio de seu senhor. Os escravos não tinham direitos, apenas o
dever de trabalhar (MARTINS, 2011, p.4).
Aprofundando ainda as observações de Martins, o trabalho ficou
também considerado com um castigo, ou seja, período da servidão, época do
feudalismo em que os servos entregavam aos seus senhores feudais parte da
sua produção como meio de proteção do uso da terra, conforme destaca o autor
“Era a época do feudalismo, em que os senhores feudais davam proteção militar
e política aos servos, que não eram livres, mas, ao contrário, tinham de prestar
serviços na terra do senhor feudal” (MARTINS, 2011, p.04).

41
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Com a Idade Média vieram as corporações de ofício22, as quais não


possuíam embasamento de uma ordem jurídica, mas sim uma maior liberdade
no trabalho. As corporações eram reguladas por um Estatuto que disciplinava a
relação de trabalho, onde possuía com membros os mestres, os companheiros
e os aprendizes, cada um desempenhava uma função: os mestres eram os
proprietários da terra; os companheiros eram trabalhadores que recebiam
salários dos mestres; e por fim, os aprendizes, menores que adquiriam dos
mestres ensinos metódicos de um ofício ou profissional (MARTINS, 2011, p.4).
Nesse sentido, também afirma Lima:

As corporações de ofício monopolizavam a


manufatura e compunham-se de: mestre > jornaleiro
ou companheiro > aprendiz. O mestre era o dono
da oficina e orientador, o jornaleiro era equiparado
a um empregado, e o aprendiz, a um estagiário.
Esse sistema era bastante fechado, controlado pelas
corporações de ofício, as quais opunham obstáculos
à instalação de novas oficianas, de modo que o
companheiro enfrentava muitas dificuldades para
montar seu próprio estabelecimento. Contudo, apesar
das limitações que o trabalhador sofria, o servo e o
companheiro gozavam de relativa autonomia, não
sendo mais considerado um bem disponível por seu
dono (LIMA; RODRIGUES, 2015, p. 31).

Após a Revolução Francesa, em 1848, foi reconhecido o primeiro dos


direitos econômicos e sociais: o “Direito do Trabalho”, segundo o qual cada
cidadão tinha o direito de ganhar a sua subsistência. Com isso, as corporações
de ofícios foram suprimidas e surgiu o desenvolvimento da liberdade contratual
com o decreto d’ Allarde, que considerava livres todos os cidadãos para o
exercício de profissão.
No entanto, somente com a Revolução Industrial, no século XVII,
considera-se o marco histórico do Direito do Trabalho, o que se deve a
diversas transformações, como: o trabalho passar a ser chamado de emprego,
o aparecimento da máquina a vapor, a expansão da mão de obra assalariada, o
surgimento das fábricas e da linha de produção, etc (MARTINS, 2011, p. 6).
Porém, era possível identificar as agressões para com a saúde do
trabalhador. Para Martins (2011, p. 6), “O trabalhador prestava serviços em

22
  As corporações de ofício eram associações que surgiram na idade média, que regulamentava
a atividade do artesanato, no início eram compostos pelo mestre e os aprendizes, com passar do
tempo veio os companheiros.

42
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

condições insalubre, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases,


inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeitos
a várias horas de trabalho, além de oito”. Com isso, surgiu à necessidade
da intervenção do poder estatal na relação de trabalho, uma vez que se fez
necessário garantir o bem-estar social e melhores condições de trabalho.
Nesses passos, houve a carência de amparo de uma ordem jurídica,
assim, a lei passa a estabelecer normas mínimas de tutela no meio ambiente
laboral, tais como: redução da jornada de trabalho, início das atividades
laborativas, a observação das normas referentes à educação e a higiene.
Além disso, os trabalhadores começam a reivindicarem os seus
direitos:
Os trabalhadores reivindicam, por meio dos sindicatos
que os representam e na medida em que o direito de
associação passou a ser tolerado pelo estado, um direito
que os protegesse, em especial o reconhecimento do
direito de união, do qual resultou o sindicalismo; o
direito de contratação, que se desenvolveu em dois
âmbitos: o coletivo, com as convenções coletivas de
trabalho, e o individual com a ideia do contrato de
trabalho regido pelo princípio da função social do
contrato; e o direito a uma legislação em condições
de coibir os abusos do empregador e preservar o
princípio da dignidade do homem no trabalho [...]
(NASCIMENTO, 2013, p. 45). [GRIFO NOSSO]

A partir das reivindicações, por parte dos empregados, o Direito


do Trabalho caminhava cada vez mais para uma construção de respeito e
compromisso com dignidade da pessoa humana. Um destes momentos, destaca-
se o 1º de maio de 1886, em Chicago Estados Unidos, cuja consequência, foi a
morte de quatro grevistas, logo após uma bomba ter sido jogada por uma pessoa
a qual não foi identificada. Na ocasião, os manifestantes, estes empregados,
reivindicavam pela redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas, melhores
condições de trabalho, além de outros direitos (MARTINS, 2010, p. 9).
Com a Primeira Guerra Mundial as constituições começaram a
preocupar em abordar a ideia do bem- estar social, que tinha como garantia a
defesa da dignidade da pessoa humana, bem como alguns direitos fundamentais,
e o ramo do Direito do trabalho era um deles.
Nessa analise, a constituição do México, em 1917, ficou conhecida
como a primeira que tratou de direitos dos trabalhadores, isto por que, jornada de
trabalho passou a ser de oito horas, a proibição de trabalhos de menores de 12 anos,

43
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

jornada máxima noturna, descanso semanal remunerado etc.; por consequência,


outros países começaram a constitucionalizar o Direito do Trabalho.
Ainda, em âmbito Internacional, com o Tratado de Versalhes23, de
1919, criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que iria incorrer
em proteger a relação de empregados e empregadores, por meio de convenções
e recomendações.
Para Pierre (2013, p. 135), “o Tratado de Versalhes tem no seu espírito
a tentativa de organizar as relações entre empregados e empregadores e, com
isso, levar a igualdade e a fraternidade ao âmbito de Trabalho”
O Direito do Trabalho no Brasil teve influência com a aparição
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, bem como
com a elaboração das leis trabalhistas, que ocorriam na Europa e que,
consequentemente, incentivaram a mudança social e a criação de novas normas
no país (MARTINS, 20111 p. 10).
Nessa vereda, no âmbito interno, ocorreram reivindicações por meio
de greves, durante a política trabalhista desenvolvida por Getúlio Vargas e a
tutela em níveis constitucionais, como, por exemplo, a Constituição de 1934,
como ideia de pluralismo sindical, ou seja, autorização concedida para criação,
na mesma base territorial, de mais de um sindicato, entre outras manifestações
(DELGADO, 2011, p. 108).
Além disso, com a Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho perde
a sua natureza administrativa, passando a ser um órgão do Poder Judiciário.
Para a Constituição de 1967, houve a criação Fundo de Garantia por Tempo de
Serviços (FGTS) (MARTINS, 2011, p.11-12).
Diante dos breves relatos, entende-se que as transformações
supramencionadas propiciaram a existência de várias normas trabalhistas, de
assuntos variados e de formas distintas. Nesse sentido, houve a necessidade de
unificar as regras e, para tal, foi editado o Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio
de 1943, que teve a aprovação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),
tratando-se, então, não de um código, mas, sim, da reunião, consolidação das leis.
Conforme destaca Nascimento:

A CLT, embora um março em nosso ordenamento


jurídico, tornou-se obsolete, surgiu a necessidade de
modernização das leis trabalhistas, especialmente
para promover as normas sobre direitos coletivos,
dentre os quais as de organização sindical, negociação

  O Tratado de Versalhes foi criado em 1919, é conhecido com tratado de paz, pois após a
23

primeira guerra mundial foi assinado pelas grandes potencia da Europa, com forma de estabelecer
um compromisso de paz e de responsabilidade.

44
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

coletiva, greve, também, é omissa sobre direitos


de personalidade do trabalhador (NASCIMENTO,
2013, p. 52).

No mais, em 1988, foi aprovada atual Constituição Federal, a qual


estabelece a tutela do Direito do Trabalho no capítulo II dos “Direitos Sociais”,
do título II e dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, não mais no capítulo da
“Ordem Econômica”, como nas constituições anteriores.
Delgado (2011, p.132) ressalta a importância da CF/88 “A constituição
da República de 1988, nesse quadro, veio consubstanciar o ponto jurídico
culminante desse impasse: um rol de preceitos e institutos que apontam para
linha de construção democrática e mais igualitária da sociedade brasileira”.
Para Nascimento, a constituição é detalhista e ao mesmo tempo
é sintética ou mesmo omissa, mas pela sua amplitude dedicando ao tema do
Direito do Trabalho, representa um papel de tutela dos direitos sociais em nível
constitucional (NASCIMENTO, 2013, p. 55).
Analisando o exposto, observa-se, na história da construção do Direito
do Trabalho, um marco de “lutar”, cuja finalidade era regulamentar os direitos
sociais e garantir, cada vez mais, um ambiente laboral que não visasse apenas à
lucratividade, mas sim o compromisso de respeito com o empregado.
Nesse sentido, salienta Bobbio (2004, p. 26): “[...] os direitos não
nascem todos de uma vez. Nascem quando devem e podem nascer.”

2. DIREITO E O PRINCÍPO DA FRATERNIDADE

Para muitos, o Direito e a Fraternidade são áreas totalmente distintas. O


primeiro, como típica característica, é o ato de imposição e conflito; já o segundo
é dado pela espontaneidade. Sendo assim, ambos estariam em sentidos oposto.
Entretanto, o Direito está além do punir, de ser obrigatório ou até
mesmo de ser considerado como uma ordem de ameaça. O Direito ultrapassa os
limites de estar simplesmente frente a frente com a pessoa, e que, na mente de
cada ser humano, prevaleça o espírito enganador. Pierre (2013, p. 125) lembra:
“O Direito tem a função de ajudar a construir os relacionamentos sociais”.
Assim, pode-se entender que o direito não é apenas a lei, a qual será
ou não aplicada ao caso concreto, como também possui a sua complexidade,
uma vez que faz parte dos acontecimentos que ocorrem na sociedade, por meio
dos quais teremos a pacificação social, caso haja atitudes fraternas, tornando
possível o progresso comunitário, em vez do aumento de conflito.
Nessas considerações, no momento da aplicação do direto, é de suma
importância analisar cada problema de forma cautelosa, buscando aproximar

45
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do contexto social em que este esteja inserido, pois a sociedade do século XXI,
sociedade moderna, está cada vez mais diversificada, composta de uma raça
humana ligada às culturas diferentes, que necessitam de um espírito fraterno na
interpretação das normas jurídicas.
Além disso, deve-se existir a preocupação quanto ao conceituar a
ciência do Direito, registra-se, ainda, a relevância e a preocupação em defini-lo.
Nesse sentido, para Herbert L.A Hart:

Definição de direito é a família geral de regras de


comportamentos, contudo o conceito de regra, como
vimos, é tão causador de perplexidade como o do
próprio direito, de tal forma que definições de direito
que começam por identificar as leis como uma espécie
de regra normalmente não aumenta mais fundamental
do que uma forma de definição que seja utilizada com
sucesso pra localizar um tipo especial e subordinado
dentro de um tipo genérico de coisa, familiar e bem
conhecido (HART, 1994, p. 20).

Nessa reflexão do Princípio da Fraternidade, pode-se observar no


contexto histórico que especificadamente na Idade Moderna, a Fraternidade
foi proclamada, especificamente na Revolução Francesa, em 1789, ao lado dos
Princípios da “Igualdade e Liberdade”.
Nesse sentido, Baggio, no livro “O princípio Esquecido/1” (2008, p.
7), afirma: “o fato é que a Revolução de 1789 constitui um ponto de referência
histórico de grande relevância, porque, durante o seu andamento, pela primeira
vez na Idade Moderna a idéia (sic) de fraternidade foi interpretada e praticada
politicamente”.
Então, ressalta Faller, que o resgate do Princípio, como uma
necessidade para sociedade.

Já no século XX e neste início de século XXI, a


fraternidade passa a ocupar espaço nas reflexões teóricas,
com o intuito de se encontrar novas possibilidades de
superação de problemáticas jurídico-constitucionais e
políticas, as quais reforçam a necessidade de um resgate
deste fundamento do constitucionalismo moderno [...]
(FALLER, 2011, p. 361).

Com isso, o Princípio da Fraternidade é o caminho a ser utilizado por


todos, para que se possa ultrapassar o individualismo.

46
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O princípio da fraternidade impõe uma ação pautada


pelo reconhecimento do outro e é justamente este
reconhecimento do outro, que impõe o comportamento
das pessoas como a criação de condições institucionais
que viabilizem a concretização dos direitos
fundamentais, da democracia, que retira discurso das
amarras da abstração (FALLER, 2011, p. 368-369).

Porém, vale ressaltar que a Fraternidade agrega tanto direitos e


espontaneidade quanto deveres e responsabilidade. Afinal, uma sociedade
fraterna é aquela em que um indivíduo tem compromisso com o outro,
caracterizando o fazer o bem para comunidade (BOGGIO, 2008, p. 138).
Nessa análise de responsabilidade, o Art. 29, em seu parágrafo 1º,
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma: “O indivíduo tem
deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno
desenvolvimento da sua personalidade”.
Assim, percebe-se a Fraternidade embasada na responsabilidade, ou
seja, o homem deve ter o compromisso com seu meio social e só assim se
pode falar em formação de uma personalidade concreta e fraterna. O Estado
estabelece o dever pelas próprias constituições, e a definição da palavra
“comunidade” ultrapassa fronteiras, ou seja, responsabilidade fraterna é global
e promovida por um grupo social.

A fraternidade, por sua vez, “responsabiliza” cada


indivíduo pelo outro e, consequentemente, pelo bem
da comunidade, e promove a busca de soluções para
aplicação dos direitos humanos que não passam
necessariamente, todas, pelas autoridades públicas,
seja ela local, nacional ou internacional (AQUINI,
PRINCÍPIO ESQUECIDO /1. 2008. p. 39).

Fausto Goria, em seu artigo “Fraternidade e Direito: algumas reflexões


no livro Direito e Fraternidade” (2008, p.28), diz: “No entanto, normalmente,
a relação jurídica é característica por força abstração: no mundo das normas
não existe a pessoa concreta, com nome e sobrenome, idade, residência,
educação, trabalho, experiência de vida e formação psicológica, caracterizada
por determinadas condições econômicas e culturais.”.
Para Constituição Federal 1988, o Princípio da Fraternidade como
categoria jurídica encontra em seu preâmbulo, como base de ordem democrática,
os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade para construção de uma
sociedade mais justa, fraterna, pluralista e, principalmente, livre de preconceitos.

47
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Lima (2012, p. 202) deixa clara a importância do preâmbulo para o


ordenamento jurídico:

Sendo assim, o intérprete da constituição pôde


obter a norma valendo-se tanto das disposições dos
seus artigos quanto do preâmbulo constitucional:
o Preâmbulo é, ao mesmo tempo, a síntese das
aspirações nacionais e um documento político com
elementos claramente ideológicos.

Para Silva e Brandão (2015, p.168), “uma sociedade fraterna é aquela


que tem como bem social o sentido da existência do Humano e, a continuidade
dela, no tempo e espaço da biosfera.”
Nessa vereda, ainda aprofundando as reflexões de Silva e Brandão,
a sociedade fraterna estaria ligada à ideia de “adequada à constituição”, que
significa dizer que o próprio preâmbulo da CF/88 estabelece a forma e a relação
à aplicação do direito para com a sociedade não segui a implementação do
individualismo institucionalizado a partir da Constituição.
O porquê, do exposto acima, encontra-se nas reflexões de que as
transformações sociais não acontecem de forma sucessiva ou individualizada,
mas interligadas entre si, simultânea e, ainda, sobre uma abrangência local,
regional e, até mesmo a nível global. Nesse sentido, perceber-se a observação
de critérios de adequação, no entanto, que entrelaça a importância da existência
do ser humano e considerá-lo ele como tal.

Construir uma sociedade fraterna é critério de decisão


adequada à Constituição Brasileira, porque traz o
sentido da existência do humano como critério de
valoração na verificação dos processos sociais, ou
seja, se esses estão operando de forma humana ou não
humana. Critério esse que difere daquele centrado nos
benefício econômicos oriundos do paradigma neoliberal
e que tem dificuldade à implementação da Constituição
Brasileira (SILVA; BRANDÃO, 2015, p. 172).

Assim, o princípio da Fraternidade é necessário para o século XXI,


pois, agir de forma fraterna faz renascer no ser humano ações harmoniosas
para com o meio social. E de tal importância o é, principalmente, quando estas
ações estiverem voltadas ao compromisso e dever comunitário fraterno no
meio ambiente do trabalho, pois consequentemente tutela a proteção à saúde do
trabalhador, complemento imediato à vida.

48
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Nesse ínterim, abalaram-se os princípios basilares da existência como:


dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade. Nesta vereda, a fraternidade
denota a plenitude da vida humana, juntamente com a Ciência do Direito.
Nessa análise de princípios, em especial o da Fraternidade, Ávila
(2009, p.81), em sua proposta de conceituar regras e princípios, demonstra
a importância dos princípios ao afirmar que são normas imediatamente
finalísticas e de complementaridade: “Os princípios instituem o dever de
adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisa ou,
inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisa pela
adoção de comportamentos a ele necessários.”.
Por fim, o Princípio da Fraternidade como categoria jurídica é uma
dos meios da efetivação da ciência do Direito, pois uma relação jurídica que
abrange muito mais o enquadramento de uma lei.

3. O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE INSALUBRE E O PRINCÍPIO DA


FRATERNIDADE

A necessidade de um ambiente de trabalho sadio se encontra


amplamente amparada pela Constituição Federal de 1988, ao afirmar, em
seu artigo 1º caput, que a dignidade da pessoa humana se constitui um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil e, ao registrar, em seus artigos
5º e 6º caput, o direito à vida, à segurança, ao lazer, ao trabalho, etc.
Nesse sentido, afirma Lima:

O Direito do Trabalho enquadra-se nos direitos


fundamentais de segunda geração, mas, à proporção
que avança, refina-se e vindica para seus destinatários os
bônus da cidadania, da qualidade de vida, da dignidade,
enfim. E não existe qualidade de vida sem um meio
ambiente de trabalho equilibrado (2015. p. 244).

Deixa-se clara a existência de um compromisso, quanto ao meio


laboral, baseado em prevenção de danos e redução de agentes nocivos à saúde
do trabalhador, uma vez que caminha lado a lado ao direito à vida, fundamentado
pela República Federativa do Brasil.
Nessa vereda, Pierre (2013, p. 16) afirma: “A vida é o maior dos bens
humanos e o primeiro dos direitos humanos, o pressuposto de todos os outros
bens e de todos os outros direitos”.
Na relação de empregado, a garantia de proteção ao direito à vida
digna, deve ser protegida, principalmente, dentro do meio ambiente do trabalho.

49
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Assim, afirma Lima:

È uma parcela do meio ambiente geral. É o local


onde se exerce o trabalho, compreendidas as
circunvizinhanças. Essa porção de meio ambiente,
antes de interessar aos que ali mourejam, constitui um
bem de todos, dado que seus rescados contaminam
todos os Circundantes. E como um microssistema do
sistema geral, deve ser protegido, até porque não se
terá um todo equilibrado sem que as partes o sejam.
Em termos mais restritos, trata-se da humanização
do trabalho. Com efeito, o trabalhador consome
um terço da sua vida no ambiente de trabalho [...]
(2015.p. 245).

Sobre o exposto, a OIT, na convenção n.º 155, demonstra uma extensão


ao termo saúde no ambiente do trabalho, afirmando que as agressões à saúde
do trabalhador estão além das afecções ou de doença, tratando-se, também, de
questões físicas e que se relacionam com a segurança e a higiene daquele meio
(PADILHA, 2010, p.397-398).
Nesse ínterim, ao estudar o artigo 7º , XXIII, da Constituição Federal
de 1988, pode-se observar a tutela à saúde do trabalhador no desenvolvimento
da sua atividade laborativa:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e


rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:

[...]

XXXII - Proibição de trabalho noturno, perigoso ou


insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho
a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos.

Além disso, conjuntamente ao artigo 192 da CLT, demonstra-se


a aplicação do adicional de insalubridade no exercício do trabalho, ou seja,
quando o empregado é exposto às atividades laborais nocivas à saúde, conforme
aos artigos 189 e 190 da CLT.
Assim, na atividade considerada insalubre, quando se ultrapassam os
limites de tolerância oferecidos pela NR-15, “compensa-se” por um adicional

50
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

que varia de acordo com grau de exposição. Neste sentido, temos 40% (quarenta
por cento) como grau máximo; 20% (vinte por cento) como grau médio; e 10%
(dez por cento) como grau mínimo.
Prata ressalta:

O problema dos limites de tolerância estabelecidos


nas Normas Regulamentadoras consiste no fato de
que nessas se desprezam as características concretas
de cada trabalhador, ou seja, sua idade, sexo,
condição geral de saúde, extensão da jornada etc. [...]
Vale dizer, o que é tolerável eventualmente pode não
o ser de forma continuada, ou durante uma jornada
extraordinária habitual. (2013.p. 163 - 164) [GRIFO
NOSSO]

Registra-se que a base de incidência do adicional ainda é alvo de discussões,


entretanto, diante da suspensão, por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal
(STF), perante a Súmula n.º 228 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que veio
a editar a súmula vinculante nº 4, a qual afirma, que, exceto por exceção da Carta
Magna, não é permitido que se utilize o salário mínimo com indexador de base de
cálculo, defende-se a aplicação de forma temporária do artigo 192, até que venha
aditar norma legal ou convencional (BONFIM. 2014 p. 824-825).
Para Martins (2011, p. 668), “O Brasil adotou o sistema de
monetarização do risco, com o pagamento de adicional pelo trabalho em
condições insalubres ou perigosas. O ideal seria combater as causas do elemento
adverso à saúde do trabalho.”
Para Lima (2015. p. 243), “Insalubre é o trabalho em ambiente
prejudicial à saúde: perigoso é o trabalho sob condições de risco à vida ou à
integridade física”
Apesar de o Ordenamento Jurídico Brasileiro oferecer meio de
redução dos riscos à saúde ao empregado em âmbito administrativo por meio da
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPAs), a qual observa o ambiente
laboral e relata os riscos existentes na empresa, oferecendo Equipamento de
Proteção Individual (EPI) – dispositivos ou produtos de uso individual que
visam à proteção contra riscos à saúde do obreiro – ainda é possível observar
um ambiente de trabalho insalubre e nocivo.

A empresa é obrigada a fornecer aos empregados,


gratuitamente, equipamentos de proteção individual
adequado ao risco e em perfeito estado de conservação

51
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e funcionamento, sempre que as medidas de ordem


geral não oferecem completa proteção contra os
riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.
Todo estabelecimento deve estar equiparado com
material necessário à prestação dos primeiros
socorros médicos (2015. p. 252)

Na prática, o que se vê é o não cumprimento da finalidade do adicional


(seu caráter pedagógico), mas o acréscimo e o enquadramento das atividades de
risco na NR-15. Assim, o que deveria ser excepcional, incorpora-se ao contrato
de trabalho, passando o empregado a viver uma “compensação de pecúnia pelo
risco imposto à sua saúde” (PRATA, 2013, p. 161).
Além disso, para a doutrina, uma das problemáticas é a falta da
atualização da NR-15, que classifica a atividade insalubre de acordo com o seu
grau. Silva e Rolemberg registram (2012, p. 6): “O fato é que em 1978, ano em
que iniciou a vigência de tal norma, não tínhamos no Brasil estudos vinculados
à estipulação de limites de exposição que fossem seguros e voltados para nossa
realidade econômica e industrial.”.
Santos, em seu artigo “a fraternidade como elemento plena eficácia
dos direitos do trabalho livro Fraternidade como categoria jurídica” (2013, p.
147) faz ressalva quanto a uma das finalidades do contrato de trabalho: “[...]
perceber que no contrato de trabalho não se negocia o trabalhador, mas sim a
sua mão de obra, é elemento primordial à aplicação normativa fraterna.”
Assim, para um real espírito fraterno, a pecúnia do adicional no
ambiente de trabalho deve ser tomada pelos empregadores como exceção, ou
seja, medida a ser tomada depois de esgotados todos os meios possíveis de
eliminar a os agentes nocivos à saúde do obreiro.

CONCLUSÃO

Diante do presente estudo, conclui-se que a proteção à saúde do


trabalhador no meio ambiente do trabalho depende de nosso empenho e de nossa
preocupação, em especial, do empregador com os problemas encontrados na
aplicação do adicional de insalubridade. Porém, o grande desafio é estabelecer
um equilíbrio entre o progresso da humanidade e a proteção do meio do trabalho
e as e atividades de riscos dentro do desenvolvimento da lucratividades
O Princípio da Fraternidade exprime comportamentos, atitudes e
transformações do próprio ser humano, pois, pela essência, a fraternidade traz
o conceito de agir espontaneamente, bem como a capacidade de entender que o
ato de oferecer, dispor, colaborar e incentivar torna-se algo muito mais concreto

52
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e efetivo do que o que é imposto, contribuindo para alterações nos padrões da


cultura, para formação de uma consciência coletiva que privilegie questões do
meio ambiente laboral, em especial a saúde do empregado.
Assim, o meio ambiente do trabalho está ligado ao Princípio da
Fraternidade de forma concreta e evidente. Em primeiro lugar, porque o direito,
na sua essência de ciência, não se limita a uma relação particular, mas, sim, a
uma coletividade; para tanto, o espírito fraterno se faz necessário. Dessa forma,
cada ação em âmbito judicial ou extrajudicial interfere na vida do ser humano,
e um dos campos atingidos é o ambiente laboral; em segundo lugar, porque é
necessário que se garanta o direito à vida digna, para que se apresenta o dever
de se colocar no lugar do outro, isto é, da Fraternidade.
Por fim, essa dicotomia nos dá uma perspectiva de amenizar a
problemática que envolve o adicional de insalubridade a partir do Princípio da
Fraternidade, sempre aplicado de forma comunitária um para com o outro, entre
empregador e empregados, pois trata-sede algo crucial à saúde do trabalhador
respeito, a não omissão e o não aumento do enquadramento do adicional de
insalubridade pela monetarização.

53
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos


princípios jurídicos. 10ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução: C.N. Coutinho. Rio de


Janeiro: Nova. 3º reimpressão, Rio de Janeiro: Elisevier, 2004.

BAGGIO, Antonio Maria. (Org.) O princípio Esquecido/1: A Fraternidade na


reflexão atual das ciências políticas. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova, 2008.

BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. 9. ed. ver. atual. Rio de Janeiro: Forense,
São Paulo: Método, 2014.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo:


Malheiros, 2011.

CAMPAGNOLI, Adriana de Fátima Pilatti Ferreira. MANDALOZZO. Silvana


Souza Netto. Uma (re) leitura do artigo 7º, XXII, da Constituição da República
– Possível alternativa para a monetarização do risco com enfoque em atividade
insalubre. [S.L.:S.N].
Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f81398ac724
9eab4>. Acesso em: 21 dez.2014.

LIMA, Alexandre José Costa. O Princípio da Fraternidade na Constituição. In:


A Fraternidade em Debate: percurso de estudos na América Latina. Paulo Muniz
Lopes (org.). Trad. Luciano Meneses Reis, Silas de Oliveira e Silva, Orlando
Soares Moreira. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2012, p.202.

LIMA, Francisco Meton Marques de. RODRIGUES, Francisco Péricles. Elementos


de direito do trabalho e processo trabalhista. 15 ed. São Paulo: LTr, 2015.

MONASSA, Clarissa Chagas Sanches. POZZOLI, Lafayette LACERDA,


Luana Pereira. Fraternidade e sustentabilidade no direito Curitiba: Instituto
Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2015.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São


Paulo: LTr, 2011.

FALLER, Maria helena Pereira. O princípio da fraternidade e o


constitucionalismo moderno: uma nova possibilidade de leitura das

54
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

constituições contemporâneas. VERONESE, Josiane Rose Petry, OLIVEIRA,


Olga Maria B. Aguiar de (Org) Direitos na pós-modernidade: a fraternidade em
questão. Florianópolis: fundação Boiteux, 2011.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho, 27 ed. São Paulo: Altas, 2011

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do trabalho 2. 38. Ed.


– LTr, 2013.

PIERRE, Luiz Antonio de Araujo. Direito do trabalho e fraternidade. IN.


PIERRE, Luiz Antonio de Araujo [et Alii] (Orgs.). Fraternidade Como
Categoria Jurídica. São Paulo: Cidade Nova. 2013.

PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental


Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

PRATA, Marcelo Rodrigues. O direito ambiental do trabalho numa perspectiva


sistêmica: as causas da inefetividade da proteção à ambiência laboral e o que
podemos fazer para combatê-la. São Paulo: LTr, 2013.

PRECIPITO, Lis Maria Bonadio.Direito e Desenvolvimento: A Hermenêutica


do Direito Pautada na Fraternidade como Mecanismo de Promoção do
Desenvolvimento.IN. HERRERA, Luiz Henrique Martim. BAIO, Lucas Seixas
(Orgs.). A nova interpretação do direito: Construção do saber jurídico. 1 ed..
Birigui, SP: Boreal Editora, 2012.

ROSA, André Luís Cateli. NUMES, Luiz Roberto. Direito do trabalho:


dignidade da pessoa humana, relação de trabalho, assédio moral, construção
do saber jurídico. 1º ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2012.

SILVA, Ildete Regina Vale da. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Constituição e


fraternidade: o valor normativo do preâmbulo da constituição. Curitiba: Juruá. 2015.

SILVA. Luciana Aboim Machado Gonçalves da. ROLEMBERG. Jamille


Carvalho. A proteção ao meio Ambiente do trabalho: o Direito ao bem-estar
do trabalhador. Revista de Direito do Trabalho | vol. 146/2012 | p. 375 | Abr /
2012. DTR\2012\44689.

SOARES. Andrea Antico. O assédio moral do trabalhador à luz dos


direitos humanos e Fundamentais e da dignidade da pessoa humana. 205f.

55
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Dissertação  (Mestrado em Direito) Programa de Mestrado em Direito do


Centro Universitário Eurípides de Marília, mantido pela Fundação Ensino
Eurípides Soares da Rocha, Marília, 2012. Disponível: <http://aberto.univem.
edu.br/bitstream/handle/11077/835/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Andrea%20
Antico%20Soares_2012.pdf?sequence > Acesso em: 20 jul.2015.

56
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O ECOFEMINISMO E AS RELAÇÕES DE PODER DE FOUCAULT

EL ECOFEMINISMO Y LAS RELACIONES DE PODER DE FOUCAULT

Carla Judith Cetina Castro


Graduada em Licenciatura em Ciências Juridicas e Sociais - Universidad de
San Carlos de Guatemala. Mestranda em Direito Ambiental
pela Universidade do Estado do Amazonas- UEA

Resumo: O presente artigo tem por objetivo mostrar uma visão geral sobre
o ecofeminismo, uma corrente filosófica feminista, que não tem sido muito
desenvolvida na teoria, o qual não tem impedido sua adopção como forma de
luta na degradação ambiental, por parte de ecofeministas no redor do mundo.
As relações de poder, formam o eixe principal dentre o pensamento feminista,
pelo que se pretende realizar uma analises sobre a conceptualização que realiza
Foucault e o ecofeminismo das relações de poder. Através do método analítico
e revisão da literatura tentara-se encontrar similitudes e diferencias, que estas
duas correntes filosóficas dão-lhe ao concito de relações de poder, e tentar
argumentar como o pensamento do Foucault, além de receber fortes criticas
pelas feministas, muitas vesses dos movimentos mais radicais, poderia ser de
utilidade para o desenvolvimento da teoria ecofeminista.
Palavras chave: Ecofeminismo; poder; relações de poder; Foucault.

Resumen: El presente artículo tiene por objetivo mostrar una visión general
sobre el ecofeminismo, una corriente filosófica feminista, que no ha tenido
mucho desarrollo en la teoría, lo cual no ha impedido su adopción como lucha a
la degradación ambiental, por parte de ecofeministas alrededor del mundo. Las
relaciones de poder forman el eje principal dentro del pensamiento feminista,
por lo que se pretende realizar un análisis sobre la conceptualización que realiza
Foucault e el ecofeminismo de las relaciones de poder. A través del método
analítico, y revisión de literatura, se intentar encontrar similitudes y diferencias,
que estas dos corrientes filosóficas le dan al concepto relaciones de poder, e
intentar argumentar como el pensamiento de Foucault, aunque reciba duras
críticas por las feministas, muchas veces de los movimientos más radicales,
podría ser de utilidad para el desarrollo de la teoría ecofeminista.
Palabras clave: Ecofeminismo; poder; relaciones de poder; Foucault.

57
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

INTRODUÇÃO

O Foucault foi um dos filósofos mais reconhecidos do século XX,


seus trabalhos abrangem desde filosofia, psicologia, sociologia, ate politica e
historia; seus pressupostos acerca do poder tem servido para explicar diversos
fenômenos em distintas áreas do conhecimento.
Segundo a literatura tradicional o poder e relações de poder têm sido
vistas desde uma forma piramidal, é dizer hierarquizada, concentrado em um
setor, em instituições as quais tinham o monopólio do “poder” e manipulavam
aos demais sujeitos da sociedade, guiados pelos seus interesses. Foucault rompe
com esta tradição, e estuda o conceito do poder desde posições completamente
diferentes, com o objetivo de interpretar a realidade para que esta seja mudada.
A luta pela reivindicação dos direitos das mulheres, e a colocação
desta numa situação de aparente igualdade, tem sido um caminho difícil.
Através do feminismo como corrente politica e através de movimentos
sociais, as mulheres tem conseguido mudar a situação de opressão “natural”
que através da historia as mulheres temos sofrido. O pensamento feminista
tem diversas subdivisões, tendo todos como ponto de partida a dominação das
mulheres, o sistema patriarcal que contribui a que prevaleça essa opressão, e
a situação de desigualdade que sofrem as mulheres dentro da sociedade, em
menor ou maior grau. Dentre estas subdivisões encontramos ao ecofeminismo,
o qual vai desenvolver seu pensamento ligando os problemas feministas com
os problemas ambientais.
O ecofeminismo, como corrente filosófica, politica e social,
também desenvolve conceitos de poder e relações de poder, o qual será
denominado com outra terminologia como por exemplo “dominação”, a
qual será efetuada no sistema patriarcal, desde as relações homem-mulher
e homem-natureza. Por ser um feminismo relativamente novo, tem sofrido
muitas criticas no desenvolvimento de seus pressupostos, já que este se
afasta do feminismo clássico liberal.
A relação entre o pensamento do Foucault e o feminismo é inegável,
além das criticas que existem pelas feministas devido ao esquecimento que
faz o Foucault, sobre a história da dominação dos homens sobre as mulheres,
existem conceitos pelos quais o feminismo pode enriquecer suas teorias.
Pelo que no presente artigo, num primeiro momento, falara-se do
ecofeminismo como disciplina do conhecimento, sua origem, as dificuldades que
tem que enfrentar dentro da corrente feminista, conceptualizações do gênero,
patriarcado, e dominação. Para posteriormente chegar às ideias de Foucault, e
como estas podem ser utilizadas na teoria ecofeminista, utilizando para isto, o
método analítico de algumas obras do Foucault, e da teoria ecofeminista.

58
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

1. O ECOFEMINISMO

O feminismo, como qualquer corrente do pensamento, esta baseada e


fundamentada nos aspectos do entorno das pessoas que o postulam; é impossível
afastar a forma de perceber o mundo e a realidade social, econômica e politica
das vivencias de um grupo de pessoas. Por isto existem tantas subdivisões do
feminismo como de qualquer outra ideologia politica. Nos inicios do movimento
feminista, que é denominado comumente primeira onda, busca-se equiparar a
posição da mulher em relação do homem dentro da sociedade.
A luta feminista dentro de esta primeira etapa esta direcionada para
conseguir que sejam reconhecidos os direitos básicos das mulheres, como o
sufrágio, educação e igualdade ante a lei.
Já na segunda onda feminista, os objetivos são diferentes, começa-se
a debater sobre a desigualdade real, aquela que existe além das leis, e sobre
os direitos reprodutivos das mulheres. E por ultimo na terceira onda, dá-se
uma mudança no modelo da mulher; se entende que existem muitos tipos de
mulheres, determinadas pela classe social, nacionalidade, etnia, orientação
sexual e religião. É por isto que falar de um feminismo representa um equivoco,
já que existem diversos tipos de feminismos, os quais guardam similitudes
básicas entre eles; temos o feminismo socialista, feminismo liberal, feminismo
marxista, feminismo radical, anarcofeminismo, feminismo da diferença, e
ecofeminismo, que a sua vez têm outras subdivisões.
Nos anos 70, o mundo passava por mudanças significativas. As armas
nucleares, a degradação ambiental, as mudanças do clima, erosão do solo, todo
isto começa a ter protagonismo nas conversas sociais.
Os líderes sociais e políticos começam a mudar seus discursos, voltados
pela preservação ambiental. O feminismo não pode ficar atrais, e em 1974,
Françoise d’Eaubonne, utiliza pela primeira vez o termo ecofeminismo. Entretanto
dentro do movimento feminista, esta nova corrente não tem um lugar primordial,
nem na teoria, nem na pratica, a teoria “clássica” enfoca-se nas relações de poder
homem/mulher, neste sentido Holland (1996, pag. 38), afirma:

Si la relación entre los sexos supone lo inconsciente


de la teoría materialista, la relación hacia la
naturaleza sigue siendo lo inconsciente dentro de la
teoría feminista. La tendencia a la uniformidad, que
para la teoría se inició aproximadamente a mediados
de la década de 1970 y para la práctica a comienzos
de la década siguiente, ha marginado (en lo que se

59
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

refiere al ámbito germano parlante) de forma radical


enfoques prometedores tanto de practica ecológica
como de teorías con referentes hacia la naturaliza24.

Nesta passagem podemos observar então, como o ecofeminismo


forma parte de uma classe “rejeitada”, já que para o feminismo clássico
os problemas ambientais não representam um aspecto primordial de ser
abordado; este se enfoca mais em questões da igualdade da mulher em uma
posição social privilegiada, é dizer, sem observar aspectos de classe social,
diferencias racial, ou orientação sexual, o qual dá lugar à ramificação dos
diferentes tipos de feminismo.
É assim que vemos o difícil recorrido do ecofeminismo para construir
um pensamento dentre do feminismo; porém é um equivoco generalizar e
tentar abranger todo o pensamento ecofeminista apenas numa classe. De modo
que num primeiro momento surge o ecofeminismo essencialista, o chamado
comumente “ecofeminismo clássico”, o qual apelava por uma relação mais
direta da mulher com o meio ambiente, por questões biológicas como a
maternidade, o qual o levou a ser rejeitado pelas feministas liberais, isto como
o expõe Puleo (2013, pag. 31):

Es un feminismo de la diferencia que afirma que


hombres y mujeres expresan esencias opuestas:
las mujeres se caracterizarían por un erotismo no
agresivo e igualitarista y por aptitudes maternales que
las predispondrían al pacifismo y a la preservación
de la Naturaleza. En cambio, los varones se verían
naturalmente abocados a empresas competitivas
y destructivas. Este biologicismo suscitó fuertes
críticas dentro del feminismo, acusándosele de
demonizar al varón.25

Mas as duras críticas do feminismo, baseabam-se nessa relação


mulher-natureza, que retrotraiam os avanços das feministas na pocisao das
24
  A tendência para a uniformidade, que para a teoria começou em meados de 1970 e que para a
prática iníciou na próxima década, tem marginalizado ( no que respeita à esfera alemão falantes)
de forma radical abordagens promissoras tanto de práticas ecológicas como de teorias com
referência à natureza (tradução livre da autora).
25
  É um feminismo da diferença que afirma que homens e mulheres expressam essências opostas:
as mulheres seriam caracterizadas por um erotismo não agressivo e igualitário, e por aptitudes
maternais que as predispõem ao pacifismo e à preservação da natureza. Em vez disso, os homens
naturalmente dirigidos a empresas competitivas e destrutivas. Este biologicismo despertou fortes
críticas dentro do feminismo e foi acusado de demonizar o homem (tradução livre da autora).

60
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

mulheres dentro da socieade, que não teria mais porque estar ligada com a
maternidade ou o cuidado do lar. Isto permitiu que as ecofeministas repensassem
seus preceitos; isto segundo Puleo (2013, pag. 32), deveu-se a:

Bien por su carácter místico-popular, bien por


su propuesta de separatismo lésbico o por la
ingenuidad epistemológica de su esencialismo,
el primer ecofeminismo fue un blanco fácil de las
críticas de los sectores feministas mayoritarios
carentes de sensibilidad ecológica. Actualmente,
todavía, se suele asociar el nombre de ecofeminismo
únicamente a estas primeras formas del movimiento
y de la teoría y se conoce poco las tendencias
constructivistas más recientes26.

Posteriormente o ecofeminismo sofreu mudanças da mão da Valdana


Shiva, quem afirma que o inimigo não é o homem, e sim o capitalismo patriarcal
do colonizador. Desenvolve uma forte critica dos países desenvolvidos, os quais
exercem uma relação de dominação sobre os países pobres, dos quais somente
se levam os seus recursos naturais; desenvolve um conceito mais cosmológico
sobre a relação entre mulher-natureza, o qual ganhou-lhe criticas por considera-
la ainda essencialista. Uma das mais importantes criticas, as realizou Bina
Agarwal, sobre a qual Puleo (2013, pag.34) afirma:

Para Agarwal, el lazo que ciertas mujeres


sienten con la Naturaleza tiene su origen en sus
responsabilidades de género en la economía familiar.
Piensan holísticamente y en términos de interacción
y prioridad comunitaria por la realidad material en
la que se hallan. No son las características afectivas
o cognitivas propias de su sexo sino su interacción
con el medio ambiente (cuidado del huerto, recogida
de leña) lo que favorece su conciencia ecológica.
Observa Agarwal que la interacción con el medio

26
  Bem pela sua mística-popular, bem pela sua proposta separatismo lésbica ou ingenuidade
epistemológica de seu essencialismo, o primeiro ecofeminism era um alvo fácil para críticas dos
setores feministas maioritarios que nao tinham sescibiliudaded ecologica. Atualmente ainda, é
freqüentemente associada com o nome de ecofeminism apenas essas formas primitivas de movimento
e da teoria e pouco se sabe das últimas tendências construtivistas (tradução livre da autora).

61
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ambiente y la correspondiente sensibilidad o falta de


sensibilidad ecologista generada por ésta dependen
de la división sexual del trabajo y de la distribución
del poder y de la propiedad según las divisiones de
clase, género, raza y casta.27

Também na América Latina, desenvolve-se o movimento ecofeminista,


representado pelo coletivo de mulheres denominado “Con-Spirando” o qual
tem por objetivo reunir mulheres da toda América Latina, para desenvolver
um debate em âmbitos da espiritualidade, ética, teologia feminista, abordando
temas da politica, universo, memoria, corpo, cultura e a vida cotidiana. Em
palavras de Puleo (2013, pag. 35), este ecofeminismo consiste em:

Este ecofeminismo latinoamericano se caracteriza


por su interés en las mujeres pobres, su defensa
de los indígenas, víctimas de la destrucción de la
Naturaleza, y su crítica a la discriminación de la
mujer en las estructuras de autoridad religiosa.
Llama a abandonar la imagen patriarcal de Dios
como dominador, el dualismo de la antropología
cristiana tradicional (cuerpo/espíritu) y la misoginia
que ha llevado a demonizar el cuerpo femenino.28

Pode-se ressaltar, que além que estes ecofeminismos se contrapõem em


alguns momentos, predomina o conceito da dualidade da opressão que surge nas
relações entre mulher/homem, homem/natureza, e o papel primordial que tem
a mulher na proteção ambiental. Estes ecofeminismos procuram promover que
o feminismo e a teoria ecológica, tenham objetivos comuns, para a eliminação
da subordinação e opressão destas relações. As mulheres têm-se como as
principais vítimas das mudanças ambientais, que trouxe o modelo econômico na
27
  Para Agarwal, o vinculo que algumas mulheres sentem com a natureza tem sua origem nas
suas responsabilidades de gênero na economia familiar. Pensam holisticamente e em termos
de interação e prioridade comunitária pela realidade material na que encontram-se. Não são as
caraterísticas afetivas ou cognitivas próprias do seu sexo, mas sua interação com o meio ambiente
(cuidado do horto, colheita da lenha) o que favorece sua consciência ecológica. Observa Agarwal
que a interação com o meio ambiente e a correspondente sensibilidade ou falta de sensibilidade
ecologista gerada por esta dependem da divisão sexual do trabalho, e da distribuição do poder e
da propriedade segundo as divisões da classe, gênero, raça e casta (tradução livre da autora).
28
  Este ecofeminismo da América Latina, caracteriza-se pelo seu interesse nas mulheres pobre, sua
defesa dos indígenas, vitimas da destruição da natureza, e sua critica à discriminação da mulher
nas estruturas da autoridade religiosa. Chama para abandonar a imagem patriarcal de Deus como
dominador, o dualismo da antropologia cristã tradicional (corpo/espirito) a misoginia que há
levado a demonizar o corpo feminino (tradução livre da autora).

62
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

atualidade, o qual permite-lhes ter uma consciência diferente e ser protagonistas


na defesa da natureza. Neste sentido Herrero (2013, pag. 83), coloca:

Todos los ecofeminismos comparten la visión de


que la subordinación de las mujeres a los hombres y
la explotación de la Naturaleza son dos fenómenos
que responden a una lógica común: la lógica de la
dominación y del desprecio a la vida. El capitalismo
patriarcal ha manejado todo tipo de estrategias
para someter a ambas y relegarlas al terreno de
lo invisible. Por ello las diferentes corrientes
ecofeministas realizan una crítica profunda de los
modos en que las personas nos relacionamos entre
nosotras y con la Naturaleza, sustituyendo las
fórmulas de opresión, imposición y apropiación por
fórmulas de cooperación y ayuda mutua29.

Para falar das relações de poder, é preciso acudir à teoria da dominação


que postula o feminismo. É importante aclara que esta teoria é utilizada por a
maioria das correntes feministas, já que esta serviu de base para seu posterior
desenvolvimento. Termos como patriarcado, gênero, supressão e opressão, são
comuns na construção das teorias feministas, tendo como variantes os elementos
que permitem a dominação masculina e, por conseguinte as propostas e soluções
para mudar a realidade.
O termo patriarcado, no sentido que outorga-lhe o feminismo, é
utilizado e definido pela primeira vez na dissertação doutoral de Kate Millet,
intitulado “Sexual Politics”, como um sistema de dominação das mulheres no
âmbito social, politico e econômico, que tem como consequências todo tipo de
desigualdades da raça humana, como bem estabelece Millet (1970, pag. 92):

Assim, todos os mecanismos da desigualdade


humana nascem da supremacia do homem e da
subjugação da mulher, tendo a política sexual servido
ao longo da história como fundamento de todas as
29
 Todos os ecofeminismos compartilham a visão de que a subordinação das mulheres aos
homens e a exploração da Natureza são dois fenômenos que respondem a uma logica comum: a
logica da dominação e o desprecio da vida. O capitalismo patriarcal tem manejado todo tipo de
estratégias para someter a ambas e relega-las ao terreno do invisível. Por isso as diferentes correntes
ecofeministas realizam uma critica profunda aos modos em que as pessoas relacionamo-nos entre
nós com a Natureza, substituindo as formulas de opressão, imposição e apropriação por formulas
de cooperação e ajuda mutua (tradução livre da autora).

63
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

outras estruturas sociais, políticas e económicas.


O casamento sindiásmico introduzia a noção de
troca, compra e venda de mulheres, que forneceu
um precedente instrutivo para todas as categorias
de escravatura que através dela prosperaram. Sob
o regime do patriarcado, o conceito de propriedade
passou do sentido primitivo, a posse da mulher
reduzida à condição de objeto, à posse de bens,
terras e capitais privados. Na submissão da mulher
ao homem, Engels (bem como Marx) viu o
protótipo histórico e conceptual de todos os sistemas
políticos subsequentes, de todas as odiosas relações
económicas e da própria opressão.

Em quanto ao gênero encontramos na obra de Joan Scott (1989,


pag. 21), como esta dominação se baseia nas diferenças construídas desde
relações sociais, entre homem e mulher, e como estas estão supeditadas nas
representações de poder. Ela desenvolve a definição que estará composta por
duas proposições:

O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão


integral entre duas proposições: o gênero é um
elemento constitutivo de relações sociais baseado
nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero
é uma forma primeira de significar as relações de
poder. As mudanças na organização das relações
sociais correspondem sempre à mudança nas
representações de poder, mas a direção da mudança
não segue necessariamente um sentido único.

Nestas definições encontramos então, como a historia das mulheres há


estado supeditada pelas relações de dominação no âmbito familiar, politico, no
trabalho e afetivo, que permite uma desigualdade criada e reproduzida através
da cultura, e não uma desigualdade biológica como era ressaltada pelos filósofos
da antiguidade como Aristóteles. Pelo que o gênero será uma construção social,
como afirmava Beauvoir (1967, pag. 8), no seu livro “O segundo Sexo” com a
frase celebre “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”.
O ecofeminismo apelaria também, à reivindicação dos direitos
reprodutivos das mulheres, que é uma das fortes criticas deste feminismo, já
que considera-se que é um perigo aproximar à mulher e natureza, para a luta

64
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

feminista, devido a toda historia onde a mulher é considerada só como um


médio para a procriação; sobre isto Puleo (2008, pag. 48), afirma:

Reivindicar la igualdad y la autonomía implica,


asimismo, promover los derechos sexuales y
reproductivos. Frente a una difusa exaltación de la
Vida y de la diversidad que esconde la tradicional
negativa a dar autonomía sexual a las mujeres,
un ecofeminismo ilustrado defenderá la libre
determinación sobre el propio cuerpo.30

Aqui Puleo tenta propor um “ecofeminismo ilustrado” através do


cumprimento de uma serie de requisitos que tentaram estabelecer uma teoria
afastada da negação dos direitos reprodutivos e a reivindicação dos direitos
sexuais, uma verdadeira autonomia sexual. Segundo Puleo (2008, pag. 42) a
teoría do “ecofeminismo ilustrado” tem as seguintes caraterísticas:

1) Ser un pensamiento critico; 2) Reivindicar


la igualdad y la autonomía de las mujeres; 3)
Aceptar con prudencia los beneficios de la ciencia
y la técnica; 4) Fomentar la universalización de los
valores de la ética del cuidado hacia los humanos
y la Naturaleza; 5) Asumir el dialogo intercultural;
6) Afirmar la unidad y continuidad de la Naturaleza
desde el conocimiento evolucionista y el sentimiento
de compasión.31

Então temos como a reivindicação pela autonomia do corpo da mulher,


a proteção da Natureza e dos habitantes da terra, direitos reprodutivos e
sexuais, a critica para o sistema de consumo, serão os pontos fundamentais no
ecofeminismo, onde convergem os problemas ambientais que atravessamos, e
a situação de opressão que ainda na atualidade, a mulher tem que atravessar.

30
  Reivindicar a igualdade e a autonomia implica, assim mesmo, promover os direitos sexuais
e reprodutivos. Diante uma difusa exaltação da Vida e da diversidade que esconde a tradicional
negativa de dar autonomia sexual as mulheres, um ecofeminismo ilustrado defendera a libre
determinação sobre o próprio corpo (tradução livre da autora).
31
  1) Ser um pensamento critico; 2) Reivindicar a igualdade e autonomia das mulheres; 3) Aceitar
com prudência os benefícios da ciência e a técnica; 4) Fomentar a universalização dos valores
da ética do cuidado aos humanos e Natureza; 5) Assumir o dialogo intercultural; 6) Afirmar
a unidade e continuidade da Natureza desde o conhecimento evolucionista e sentimento de
compaixão (tradução livre da autora).

65
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

2. PODER E RELAÇÕES DE PODER PARA FOUCAULT

Para começar a abranger o pensamento do Foucault, relativo às relações


de poder, é preciso apresentar alguns elementos que utilizava para desenvolver
seu pensamento. Termos como poder, sujeito e luta, encontram-se ligadas, e as
conceitualiza de uma forma diferente em relação à filosofia tradicional. Num
primeiro momento temos o conceito “sujeito”, o qual se entende em dois sentidos
como afirma Castro (2004, pag. 409). “por un lado, sometido, “sujeto” por el
control y la dependencia de otro; por otro lado, ligado, “sujeto” a la propia
identidad por las prácticas y el conocimiento de sí.”. Pelo que Foucault tentara
explicar o sujeito através dos conceitos de poder e relações de poder.
Para Foucault, o conceito de poder, não é um atributo ao sujeito, é
entendido, segundo Castro (2004, pag, 409), desde “luchas que se oponen a
todo lo que liga al individuo consigo mismo y asegura así la sumisión a los
otros” e isto se exerce e representa pelas relações de poder. Assim mesmo
também não dá-lhe um sentido de opressão negativo como no ecofeminismo. O
poder para Foucault (1999, pag. 112), é um elemento que se encontra em todas
as relações sociais.

Por todas partes en donde existe poder, el poder se


ejerce. Hablando con propiedad, nadie es el titular
del poder; y, sin embargo, el poder se ejerce siempre
en una determinada dirección, con los unos de una
parte y los otros de otra; no se sabe quién lo detenta
exactamente; pero se sabe quién no lo tiene.32

Um aspecto importante que é necessário ressaltar na filosofia do


Foucault é o relativo do que fala sobre a verdade, este termo que ele considera
como uma construção social, a qual se encontra ligada ao poder, e será ditada
pela sociedade, segundo determinados interesses, assim como afirma Foucault
(1999, pag. 53):

Lo importante, creo, es que la verdad no está fuera


del poder, ni carece de poder (no es, a pesar de ser
un mito, del que sería preciso reconstruir la historia
y las funciones, la recompensa de los espíritus

32
  Por todas partes onde existe poder, o poder exerce-se. Falando com propriedade, ninguém é
titular do poder; e além de isso, o poder exerce-se sempre em uma determinada direção, com
alguns de uma parte e os outros de outra; não sabe-se quem o tem exatamente; mas sabe-se que
não o tem. (tradução da autora)

66
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

libres, el hijo de largas soledades, el privilegio de


aquellos que han sabido emanciparse). La verdad es
de este mundo; es producida en este mundo gracias a
múltiples imposiciones, y produce efectos reglados
de poder. Cada sociedad posee su régimen de verdad,
su “política general de la verdad”: es decir define
los tipos de discurso que acoge y hace funcionar
como verdaderos; los mecanismos y las instancias
que permite distinguir los enunciados verdaderos
o falsos, la manera de sancionar a unos y a otros;
las técnicas y los procedimientos que son valorados
en orden a la obtención de la verdad, el estatuto de
quienes se encargan de decir que es lo que funciona
como verdadero.33

Temos como Foucault, ao falar da verdade, imprime esse elemento


subjetivo, que dependera da sociedade segundo convenha aos seus interesses,
utilizando também para isto o discurso, que permitira uma dominação, além
não seja só o objetivo do poder essa dominação.
Um aspecto importante na filosofia do Foucault, é como ele descreve
os diferentes tipos de poder, e como estes são exercidos pelos sujeitos dentro
das relações de poder, a sua forma de descrever a realidade serviu no só para
entendera-la, mas também para propor soluções para que esta realidade de
opressão fosse mudada. Segundo Foucault (pag. 336) “os outros” (que era
o termo que utilizava para denominar ao sujeito sobre o qual era exercido o
poder) se bem e certo eram dominados por um sujeito que ostentava o poder,
este através da liberdade e o conhecimento deste poder que era exercido sobre
ele, poder-se-ia libertar, mas esquecendo a liberdade falsa que foi imposta, e
procurando outro tipo de liberdade:

The conclusion would be that the political, ethical,


social, philosophical problem of our days is not to try

33
  O importante, acho, que a verdade não esta fora do poder, nem carece de poder (não é, além de
ser um mito, do que seria preciso reconstruir a historia e as funções, a recompensa dos espíritos
livres, o filho de longas solidões, o privilegio de aqueles que tem sabido emancipar-se). A verdade é
deste mundo; é produzida em este mundo por diversas imposições e produz efeitos regulados pelo
poder. Cada sociedade possui seu regime de verdade, sua “politica geral da verdade”: é dizer define
os tipos de discurso que acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instancias que
permite distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira de sancionar a uns e outros;
as técnicas e os procedimentos que são valorados em ordem à obtenção da verdade, o estatuto de
quem encarga-se de dizer que é o que funciona como verdadeiro (tradução livre da autora).

67
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

to liberate the individual from the state, and from the


state’s institutions, but to liberate both from the state
and from the type of individualization linked the
state. We have to promote new forms of subjectivity
through the refusal of this kind of individuality that
has been imposed us for several centuries.34

Este aspecto resulta importante já que ao igual que o ecofeminismo e


o feminismo em si, o pensamento de Foucault, não só enfoca-se em enunciar
os problemas sociais existentes, procura encontrar uma solução para sair dessas
relações de poder, assim como a teoria ecofeminista procura, e os movimentos
sociais ao redor do munda que lutam contra as mudanças climáticas,
contaminação dos cultivos, das aguas, procurando a reivindicação dos direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres, distribuição e produção de alimentos.

3. RELAÇÃO ENTRE O ECOFEMINISMO E O PENSAMENTO DO FOUCAULT

Um elemento importante que permite uma aproximação entre as


ecofeministas e Foucault, relaciona-se com a ideia de que o poder não é ostentado
somente pelo Estado, como era comumente pensado, o qual permite que as
mudanças na sociedade possam-se originar desde o cotidiano, desde pequenas
ações, o qual está evidenciado no trabalho de milhões de ecofeministas no redor
do mundo, que desenvolvem propostas para que as mulheres se desenvolvam
de forma ativa na sociedade, promovendo a proteção do meio ambiente, a luta
contra cultivos transgênicos que são um risco para seus cultivos orgânicos e a
preservação da biodiversidade, ou a proteção da agua; como por exemplo, o
movimento Chipco, um grupo ecológico conformado por mulheres da Índia,
que em uma protesta, abraçam-se aos arvores para que estes não fossem
derribados, com o qual impediram que as empresas transnacionais afetassem
seu ecossistema. Neste sentido Foucault (1999, pag. 84) resalta:

Pero creo que el poder político se ejerce también


por mediación de un determinado número de
instituciones que aparentemente no tienen nada en
común con él, que aparecen como independientes
cuando en realidad no lo son. Esto se podría aplicar a

34
  A conclusão poderia ser que os problemas políticos, éticos, sociais, filosóficos dos nossos
dias não corresponde à liberdade individual do Estado, e das instituições estatais, mas para
libertar tanto do Estado como do tipo de individualidade unida ao Estado. Temos que promover
novas formas de subjetividade e rejeitar essa individualidade que tem-nos sido imposta por vários
séculos (tradução livre da autora).

68
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

la familia, a la universidad y, en términos generales,


al conjunto del sistema escolar que, en apariencia
está hecho para distribuir el saber y en realidad para
mantener en el poder a una determinada clase social
y excluir de los instrumentos de poder a cualquier
otra clase social. Las instituciones de saber, de
previsión y de asistencia, tales como la medicina,
ayudan también a mantener el poder político.35

Para Foucault o poder, não só manifesta repressão, é dizer, as relações


de poder terão por objetivo (não sua razão de ser, mas um dos seus objetivos)
reprimir algum outro sujeito, mas o poder não só existe para reprimir. Isto
representa uma diferencia importante com a teoria ecofeminista, já que para
esta ultima, a dominação patriarcal é exclusivamente repressiva, não existe a
divisão que Foucault (1999, pag. 48) fez, da concepção jurídica do poder:

Cuando se definen los efectos del poder recurriendo


al concepto de represión se incurre en una concepción
puramente jurídica del poder, se identifica al poder
con una ley que dice no; se privilegia sobre todo la
fuerza de la prohibición. Me parece que ésta es
una concepción negativa, estrecha, esquelética
del poder que era curiosamente algo aceptado
por muchos. Si el poder fuese únicamente represivo,
si no hiciera nunca otra cosa más que decir no, ¿cree
realmente que se le obedecería? Lo que hace que el
poder se aferre, que sea aceptado, es simplemente
que no pesa solamente como una fuerza que dice
no, sino que de hecho circula, produce cosas,
induce al placer, forma saber, produce discursos; es
preciso considerarlo más como una red productiva
que atraviesa todo el cuerpo social que como una
instancia negativa que tiene como función reprimir.36
35
  Mas acho que o poder político exerce-se também por mediação de um determinado numero
de instituições que aparentemente não têm nada em comum com ele, que aparecem como
independentes quando na realidade não o são. Isto poder-se-ia aplicar à família, a universidade, e,
em termos gerais, ao conjunto do sistema escolar que, em aparência esta feita para distribuir o saber
e na realidade para manter em o poder a uma determinada classe social e excluir dos instrumentos
do poder a qualquer outra classe social. As instituições do saber, de previsão e de assistência, tais
como a medicina, ajudam também a manter o poder politico (tradução livre da autora).
36
  Quando se define os efeitos do poder recorrendo ao conceito da repressão incorre-se numa
concepção puramente jurídica do poder, identifica-se o poder com uma lei que diz não; privilegia-

69
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A teoria de Foucault das relações de poder diferencia-se drasticamente


do ecofeminismo, já que para o filosofo, existem relações de poder em todos os
âmbitos da vida, não importando o gênero. Para ele o poder existe em todas as
esferas da conduta humana.
Assim mesmo as criticas que Foucault faz sobre o modelo de
sujeito preexistente na sociedade, como homem, heterossexual e branco, e da
tricotomia da qual apelava, onde criticava a verdade, e como esta tinha que ser
analisada desde uma ótica do saber e entender que esta poderia perseguir ou ser
influenciada por algum tipo de poder, são funcionais para a teoria feminista, já
que como o afirma Bizzini (1995, pag. 10):

El resultado al que llegamos se puede resumir en


la sustitución, en la tricotomía Verdad/poder/saber,
del término Verdad por el de mujer. El ser mujer es
el resultado de la relación poder/saber: mujer/poder/
saber. La historia de la sexualidad de Foucault, y
sobre todo el primer volumen, nos abre el camino
hacia una ampliación de dicha idea: si el género
femenino está estrechamente relacionado con la idea
de sexualidad definida por el Discurso dominante, el
término mujer (verdadera mujer en cuanto producto
de la Verdad) llega a incluir también el término
sexualidad. La verdadera mujer y la verdadera
sexualidad se convierten en el resultado de un
proceso de formaci6n del sujeto sexuado: no sólo
están relacionadas entre ellas, sino que se convierten
en los dos componentes inseparables de un mismo
concepto. De esta manera, la tricotomía Verdad/
poder/saber se transformaría no sólo en mujer/poder/
saber sino en mujer (sexualidad)/poder/saber.37

se sobre tudo a força da proibição. Parece-me que esta é uma concepção negativa, estreita, e fraca
do poder que era curiosamente algo aceitado por muitos. Se o poder fosse unicamente repressivo,
se não fizesse outra coisa que falar não, acha realmente que se obedecer-lhe-ia? O que faz que o
poder aferre-se, que seja aceito, é simplesmente que não tem somente força que fala não, mas que
de fato circula, produz coisas, índice prazer, forma saber, produz discursos; é preciso considerara-
lo mais como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social que como uma instancia
negativa que tem como função reprimir (tradução livre da autora).
37
O resultado ao que chegamos pode-se resumir na substituição, na tricotomia Verdade/poder/
saber, do termo Verdade pelo de mulher. O ser mulher é o resultado da relação poder/saber:
mulher/poder/saber. A historia da
sexualidade de Foucault, e sobre todo o primeiro volume, abre-nos o caminho para uma ampliação

70
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Assim como para Foucault a Verdade suporia uma construção social,


da qual o poder a utilizaria através do discurso, para determinar o qual é aceitável
e o que não é, para obter determinados resultados e satisfazer os interesses, para
Bizzini, o elemento Verdade poderia ser trocado pelo termo Mulher, já que o
conceito Mulher (entendido isto como o conjunto de caraterísticas que fazem
a uma mulher ser mulher dentro da sociedade), é uma construção social. Isto
é um aspecto importante dentro da filosofia de Foucault, já que permite uma
aproximação com outras correntes filosóficas.
Assim mesmo Bizzini (1995, pag. 10) apela pela importância que os
pensamentos de Foucault têm para o feminismo, já que estes representariam
não uma solução aos problemas das mulheres nas sociedades, mas sim um
ponto de partida para tentar mudar essa conceição de mulher a qual tem-nos
sido imposta:

Las ideas foucaultianas no dejan de ser un punto


de partida y no una solución al problema. Creemos
que todos están de acuerdo en no querer, o no poder,
disolver una identidad que jamás existió por sí misma,
la de la mujer. Sin embargo sí queremos disolver
una identidad femenina que no hemos querido, que
no nos pertenece porque ha sido establecida por
una cultura que jamás pensó en femenino, y que se
limitó a pensar lo femenino desde su punto de vista:
el masculino.38

A teoria ecofeminista atravessa um problema chave, que ao igual


que para as teorias ambientalistas também representam situações sem saída. O
rápido avanço e evolução da tecnologia e a ciência tem procurado a criação de
sociedades onde prevalece a comodidade, satisfação de necessidades, e consumo

de dita ideia: si o gênero feminino esta estreitamente relacionado com a ideia de sexualidade
definida pelo Discurso dominante, o termo mulher (verdadeira mulher em quanto produto
da Verdade) chega a incluir também o termo sexualidade. A verdadeira mulher e a verdadeira
sexualidade convertem-se no resultado de um processo de formação do sujeito sexuado: não
só estão relacionadas entre elas, mas se convertem nas duas componentes inseparáveis de um
mesmo conceito. De esta maneira, a tricotomia Verdade/poder/saber transformar-se-ia não só
em mulher/poder/saber, mas em mulher (sexualidade)/poder/saber (tradução livre da autora).
38
As ideias foucaultianas não deixam de ser um ponto de partida e não uma solução ao problema.
Achamos que todos concordam em não quer, ou não poder, dissolver uma identidade que jamais
existiu por si mesma, a de mulher. Porem si queremos dissolver uma identidade feminina que não
temos querido, que não pertence-nos porque tem sido estabelecida por uma cultura que jamais
pensou em feminino e que sim limitou-se em pensar o feminino desde o seu ponto de vista: o
masculino (tradução livre da autora).

71
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

desmedido de produtos que achamos como “básicos”. Mas para Puleu isto não
tem porque representar um problema sem saída, ela propor um ecofeminismo
ilustrado que não este em contra do avanço da ciência e da tecnologia, mas que
sim que tenha que criar-se uma sociedade consciente, mas humana, assim como
afirma Puleu (2008, pag. 51-52):

(…) parece plantear a menudo el dilema de optar


entre una vida pre-industrial natural y solidaria o
abandonarse a la vorágine egoísta, destructora y
culpable de la sociedad de consumo de Occidente.
Como muy poca gente que se halle en esta última
va a elegir la primera, y quizás ni siquiera los
habitantes de las comunidades agrícolas del Sur
deseen en masa renunciar a los beneficios de la
modernización, la crítica se desactiva a pesar de
su radicalidad, o justamente a causa de ella. El
ecofeminismo ilustrado no será ni tecnofóbico ni
tecnolatra. Exigirá el cumplimiento del principio de
precaución asumido en tratados internacionales y en
los documentos de la Unión Europea en materia
de ciencia y tecnología. La carga de la prueba
corresponde a quien plantea una nueva actividad o
producto, no a los potenciales afectados.39

Tentar fazer uma ligação entre o pensamento de Foucault, com


qualquer tipo de feminismo, não é uma tarefa simples; muitas das filosofas
feministas fazem uma critica em torno ao pensamento de Foucault devido a
que na sua teoria esqueceu, a histórica dominação das mulheres pelos homens,
uma dominação que ainda hoje em dia podemos observar na desigualdade nos
salários, a violência em contra das mulheres, a objetivação dos corpos femininos
ou a pouca participação no âmbito politico das mulheres, na maioria dos países.
Além de isto, é importante ressaltar que pode existir um compartilhamento
de ideias nestas duas correntes filosóficas, devido ao grado de desenvolvimento
39
  Parece plantear-se frequentemente o dilema de optar entre uma vida pré-industrial natural e
solidaria ou abandonar-se à turbulência egoísta, destrutiva e culpável da sociedade de consumo
do Ocidente. Como poucas pessoas vão escolher a primeira, e talvez nem os habitantes das
comunidades agrícolas do Sul decidam em massa renunciar aos benefícios da modernização,
a critica descalcifica-se além da sua radicalidade, o justamente a causa dela. O ecofeminismo
ilustrado não será nem tecnofobico nem tecnolatra. Exigira o cumprimento do principio de
precaução assumido em tratados internacionais e em documentos da União Europeia em matéria
de ciência e tecnologia. A carga da prova corresponde a quem propor uma nova atividade o
produto, não aos potenciais afetados (tradução livre da autora).

72
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

que o Foucault deu pra o conceito de poder e relações de poder, e que podem
servir para os problemas ambientais que a humanidade atravessa, e dos quais os
principais afetados não são os países que provocam o dano ambiental, e sim o são
aqueles países pobres, onde as mais prejudicadas são as mulher.

CONCLUSÕES

As relações de poder tratadas pelo Foucault e pelo ecofeminismo


têm diferencias conceptuais importantes, se bem é certo, pudemos constatar
que também existem similitudes como a hierarquização do poder, que tanto
no ecofeminismo como no pensamento do Foucault, o poder não reside
somente no Estado, existem outras relações de poder entre os indivíduos, as
quais determinam aos sujeitos. Estas relações de poder, serão ditadas para
conseguir a satisfação de determinados interesses de quem ostenta o poder;
para Foucault será num momento o Estado, os homens ou mulheres, a escola, os
quais exercerão o poder sobre as crianças, mulheres, prisioneiros, enfermos, os
deficientes, os idosos; no enquanto que para o ecofeminismo a dominação será
exercida pelos homens sobre as mulheres e a natureza.
Não tentasse no presente artigo apresentar argumentos categóricos
que Foucault e o ecofeminismo tenham pontos de convergência, mas sim
apresentar que essa aproximação é possível, e não só com as ideias em quanto
aos problemas que atravessam as nossas sociedades, também com soluções
para tentar mudar essa realidade.
Para o ecofeminismo o poder exercido pelo patriarcado, que permite as
relações de dominação homem-mulher e homem-natureza, somente representa
o elemento repressivo do poder, o que se diferencia do pensamento do Foucault,
que afirma que esse elemento só pertence no âmbito jurídico, e não em todos os
âmbitos onde o poder exerce-se.
O ecofeminismo por ser uma das ramas do feminismo, que ainda
tem em construção a sua própria teoria, permite que a conversa com as demais
ciências, neste caso com o pensamento de Foucault, se veja enriquecida, com o
objetivo de procurar propostas que permitam mudar a realidade que enfrentam
as mulheres em todos os âmbitos da vida, assim como também a realidade de
abuso que se faz do meio ambiente.
É importante ressaltar que o papel da mulher como sujeito ativo de
mudanças no ecofeminismo vai variar dependendo a orientação deste pensamento,
assim como poder-se-ia afirmar que algumas ecofeministas consideram que existe
um vinculo entre as mulheres e a natureza, que vão ser as chamadas essencialistas,
existiram outras que além de rejeitar este aspecto “natural” da mulher, serão
criticas com as ecofeministas que apelam por este aspecto.

73
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, 2. A experiência vivida. São


Paulo. Difusão Europeia Do livro, 1967.

BIZZINI, Silvia Caporale. FOUCAULT Y EL FEMINISMO: ¿UN


ENCUENTRO IMPOSIBLE? Anales de Filología Francesa. Vol. 7. 1995.
ISSN electrónico: 1989-4678 - ISSN impresso: 0213-2958. Disponível em:
< http://revistas.um.es/analesff/article/view/17921/17271>. Acesso em: 10
novembro de 2015.

CASTRO, Edgardo. El vocabulario de Michel Foucault. Un recorrido


alfabético por sus temas, conceptos y autores. Buenos Aires, Prometeo/
Universidad Nacional de Quilmes, 2004, p. 608.

FOUCAULT, Michel. Estrategias de poder. Barcelona: Ediciones Paidós


Ibérica, S.A., 1999. 407 FOUCAULT, Michel. Power. Translated by Robert
Hurley. New York: The New press. New York, 2000. 348 p.

FOUCAULT, Michel. Historia da sexualidade. I a vontade de saber. Tradução


de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guillhon Albuquerque. 19ª
Edição. São Paulo: Edições Graal Ltda., 2009. 175 p.

HERRERO, Yayo López; PULEO, Alicia H. Medio ambiente y desarrollo.


Miradas feministas desde ambos hemisferios. Feminismo y ecología.
Granada: Editorial Universidad de Granada. 2013. 348 p.

HOLLAND, Bárbara Cunz. Ecofeminismo. Valencia: Ediciones Cátedra. S.A. 1996.

MILLET, Kate. Politica Sexual. Lisboa: Editoriais Publicações Dom Quixote,


1970. PULEO, Alicia H. Libertad, igualdad, sostenibilidad. Por um
ecofeminismo ilustrado. Revista de Filosofía Moral y Política. No. 38,
enero-junio, 2008. ISSN. 1130-2097. Disponível em: <http://www.fuhem.es/
media/cdv/file/biblioteca/Bolet%C3%ADn%20ECOS/Boletin_10/Libe rtad_
igualdad_sostenibilidad.pdf >. Acesso em: 06 de julho de 2015.

SCOTT, Joan, GÊNERO: UMA CATEGORIA ÚTIL PARA ANÁLISE


HISTÓRICA JOAN SCOTT. Gender: a useful category of historical analyses.
Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press 1989.
Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/ mod_
resource/content/2/G%C3%AAner o-Joan%20Scott.pdf>. Acesso em: 24 julho
de 2015.

74
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LIBERAÇÃO DE OGMS

ADMINISTRATIVE PROCEDURE FOR RELEASE OF GMOS

Elisângela Assayag Neves


Pós-Graduanda em Direito Ambiental pela UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE
SÁ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário
Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA

Suame da Costa Tavares


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário
Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA

Resumo: A atividade de biotecnologia envolve a prática da pesquisa e exploração


industrial e comercial de organismos geneticamente modificados (OGMs), cuja
realização ainda fomenta incertezas na área do Biodireito, quanto à análise de
risco à segurança humana e ao meio ambiente. A Lei nº 11.105/2005 designa a
competência sobre os OGMs a partir da CTNBio, responsável pela certificação
através do CQB a entidades interessadas em explorar esse nicho. O objetivo
geral foi de apresentar o CQB como o elemento que possibilita a identificação
do cumprimento dos princípios do Biodireito e da Bioética, por parte de
entidades que se dedicam a atividades com OGMs. O método foi bibliográfico e
exploratório, a partir de material disponível ao domínio público, depositados em
acervos eletrônicos. Conclui-se que o CQB é um elemento parametrizador para a
identificação do reconhecimento de entidades que desenvolvem atividades com
OGMs, pelo efetivo cumprimento de critérios envolvendo a análise do risco e o
respeito aos princípios do Biodireito e da Bioética.
Palavras-Chave: Biodireito. Organismos Geneticamente Modificados.
Certificado de Qualidade em Biossegurança.

Abstract: Biotechnology activity involves the practice of research and


industrial and commercial exploitation of genetically modified organisms
(GMOs), the realization of which still fosters uncertainty in Biolaw area, the
risk analysis to human security and the environment. Law No. 11.105 / 2005
refers to the competence of GMOs from CTNBio, responsible for certification
through the CQB to entities interested in exploring this niche. The general
objective was to present the CQB as the element that allows the identification of
compliance with the principles of Biolaw and Bioethics, by entities that engage

75
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

in activities with GMOs. The method was bibliographical and exploratory, from
material available to the public domain, deposited in electronic holdings. We
conclude that the CQB is a parameterizer element to identify the recognition
of entities engaged in activities with GMOs, the effective fulfillment of criteria
involving risk analysis and respect for the principles of Biolaw and Bioethics.
Keywords: Biolaw. Genetically Modified Organisms. Certificate of Quality in
Biosafety.

INTRODUÇÃO

As últimas décadas têm sido marcadas por um alto nível de


desenvolvimento tecnológico e científico. Da mesma forma, não se pode furtar
ao regime de incertezas que esses mesmos avanços, em determinadas áreas,
fomentam, particularmente no que diz respeito ao risco de experimentos que
envolvem a biotecnologia, a partir da aplicação de princípios técnicos e científicos
no tratamento de matérias por agentes biológicos – na forma de microrganismos,
células animais e vegetais e enzimas -, com a finalidade de obter produtos e
serviços que atendam as atuais e recorrentes demandas da sociedade.
Os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) fazem parte
desse rol de incertezas, pelo fato de traduzirem a inserção ou cruzamento
de determinados genomas em receptores diferentes, sob a justificativa
de apresentarem melhoramentos genéticos destinados à melhoria de sua
constituição e a consequente otimização dos mesmos na produção de fármacos
e produtos agroindustriais.
No Brasil, as atividades com OGMs são regulamentadas pela Lei nº
11.105/2005, a qual representa um marco regulatório na questão, definindo
competências e procedimentos de liberação de entidades para a prática de
pesquisa e exploração comercial de OGMs.
O principal organismo regulador e aplicador da Lei nº 11.105/2005
é a Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), a qual exerce o papel de
órgão consultivo e deliberativo sobre a matéria em questão. Para se candidatar à
prática da pesquisa e exploração comercial, a entidade deve requerer à CTNBio a
emissão de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), documento que
aufere a seu solicitante o caráter de ter cumprido várias medidas e procedimentos
relativos à análise de risco e respeito aos princípios do Biodireito e da Bioética,
notadamente no que concerne ao princípio da precaução.
Levando-se em conta, portanto, que o CQB representa a primeira etapa
de zelo apresentado por entidades que pleiteiam a prática com OGMs, levanta-
se, então, a seguinte problemática: é possível considerar o CQB como elemento

76
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

que assegure o cumprimento, por parte das entidades solicitantes, dos diversos
critérios de respeito aos princípios insculpidos no Biodireito e na Bioética?
A resposta a esse questionamento perpassou pela elaboração do objetivo
geral da pesquisa, que consiste em apresentar o CQB como o elemento que
possibilita a identificação do cumprimento dos princípios do Biodireito e da
Bioética, por parte de entidades que se dedicam a atividades com OGMs.
A justificativa que se apresenta para essa abordagem diz respeito à
ênfase dada ao CQB, que corresponde, efetivamente, a uma certificação de
qualidade, cercada de critérios e exigências que precisam ser verdadeiramente
cumpridos pelas entidades, para fins de comprovação de seu zelo pela precaução
e análise do risco envolvido nas atividades com OGMs. A relevância, portanto,
se dedica a mostrar esse elemento como o primeiro a assegurar que as premissas
emanadas pela Lei nº 11.105/2005 e outros normativos estão sendo obedecidos.
A metodologia empregada consistiu em uma abordagem hipotético-
dedutiva, cujos métodos de procedimentos apresentam a pesquisa como
de natureza qualitativa, com finalidade exploratória, cujos meios são
essencialmente bibliográficos e documentais, onde se utilizou o escasso mas
consistente conteúdo disponível ao domínio público, no que tange ao objeto
principal da pesquisa, através de consulta a artigos científicos e dissertações
extraídas do acervo virtual de instituições de ensino superior e de bibliotecas
eletrônicas, principalmente Âmbito Jurídico, BuscaLegis e Jus Navigandi.

1. ASPECTOS PRELIMINARES: O BIODIREITO EM QUESTÃO

Conforme apresenta Chiarini Júnior (2004), o Biodireito passou a


tomar forma quando se evidenciou a dificuldade em tratar questões específicas
relacionadas à bioética. Essas questões, em verdade, não são assuntos novos,
mas, em função de sua dispersão entre várias áreas do saber, foi necessária a
consolidação dos preceitos éticos dessas várias disciplinas, para compor o que
se tem atualmente como Biodireito.
O Biodireito tem por objeto de estudo a bioética, a qual se fundamenta
em dois contextos etimológicos, os quais formam junto uma acepção que por
si só já se traduzem na expressão “Ética da Vida”. A bioética, por sua vez, se
divide em dois ramos distintos: a macro-bioética, que estuda o bem da vida em
sentido amplo (macro-sistema); e a micro-bioética, que se liga diretamente ao
meio ambiente, sendo parte presente nos postulados de Direito Ambiental.
Na abordagem trazida por Maia (2005, p. 12), organismos geneticamente
modificados (OGMs), por sua condição de organismos derivados da nova
biotecnologia ainda pouco experimentada.

77
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

[...] inserem-se no contexto da bioética e do biodireito;


melhor dizendo, são objetos da bioética e do biodireito.
Cabe, assim, aos responsáveis pela manipulação desses
novos organismos genéticos aterem-se, apesar de
embrionários, aos princípios ditados pela bioética e ao
regramento posto pelo biodireito.

As incertezas científicas quanto à liberação da pesquisa e exploração


comercial de OGMs permite cogitar que o biodireito se envolver diretamente
com o princípio da precaução, já que o uso indiscriminado de biotecnologia
pode incorrer em danos consideráveis a pessoas e ao meio ambiente, razão pela
qual a preocupação mais recorrente no campo das pesquisas com OGMs diz
respeito à biossegurança, tema que, no Brasil, suscitou a criação de instituto
doutrinário específico para tratar da matéria (OLIVEIRA FILHO, 2011).

2. A LEI DE BIOSSEGURANÇA

A denominada Lei de Biossegurança – Lei nº 11.105/2005 – estabelece


normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados e seus derivados (BRASIL, 2005).
Na opinião de Bringel (2008) referido dispositivo doutrinário traz em
seu bojo o estabelecimento de normas de segurança, bem como apresenta os
mecanismos necessários à fiscalização sobre construção, cultivo, produção,
manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento,
pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e descarte de
OGMs e seus derivados.
Autores como Giehl (2008) atribuem à Lei de Biossegurança o caráter
de ferimento aos princípios constitucionais da liberdade de exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de atividade econômica,
contido na Constituição Federal, tendo em vista a vedação às pessoas físicas de
práticas atinentes ao trabalho com OGMs. Consoante reza seu art. 2º, caput e
parágrafo 2º), somente entidades jurídicas de direito público ou privado podem
contratar profissionais da biogenética para atuarem nesse ramo de atividade. Os
esclarecimentos sobre a caracterização específica e o amparo legal das atividades
de biotecnologia e biogenética ligadas a OGMs são apresentados a seguir.

3. A QUESTÃO CONCEITUAL E AMPARO LEGAL SOBRE OGMS

Segundo Cunha (2007), os organismos geneticamente modificados


(OGMs) – também denominados de produtos transgênicos – são obtidos

78
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

por meio da aplicação da engenharia genética, sendo esta um ramo técnico


da biotecnologia, assim como ocorre com a transformação genética de
microorganismos, plantas e animais, cultura de tecidos, entre outros. Vale dizer,
portanto, que qualquer espécie do reino animal, vegetal ou microbiano, desde
que geneticamente modificada, é considerada um OGM.
Vieira (2013, p. 6) alude que um OGM é “[...] um organismo que possui em
seu genoma um ou mais genes provenientes de outra ou da mesma espécie, desde
que tenham sido modificados e inseridos pelas técnicas da engenharia genética”.
Os OGMs recebem uma classificação por grau de risco, expressa
na lei de biossegurança, e esse risco é analisado e outorgado em termos de
competência legal pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio). Tal comissão é responsável direta pela liberação para pesquisa ou
produção agrícola ou industrial de OGMs, desde que os riscos sejam analisados
por meio de diversos testes, onde se comprove a segurança quanto a possíveis
danos à saúde humana, animal ou ao meio ambiente.
A criação da CTNBio foi autorizada por meio da Lei nº 8.974/1995,
a qual visava ao aperfeiçoamento do contido nos incisos II e V do § 1º do
art. 25 da Constituição Federal brasileira, devidamente complementada pela
Medida Provisória nº 2.191-9/2001 e, posteriormente, pela Lei nº 11.105/2005.
Vale ressaltar que, segundo a visão de autores como Cunha (2007), a citada
Lei de Biossegurança veio, na verdade, obstaculizar o desenvolvimento da
biotecnologia, impondo restrições e óbices à pesquisa e liberação comercial
dos OGMs.
Na opinião de Anez (2013), a Lei de Biossegurança traz, entretanto,
um avanço no que diz respeito à condensação de toda a matéria concernente
aos aspectos éticos e doutrinários sobre a exploração da biotecnologia, levando
em conta as relações sociais e facilitando a interpretação e aplicação de normas
atinentes à matéria.
No caso específico dos OGMs, a Lei nº 11.105/2005, apesar da opinião
contrária manifestada acima por Cunha (2007), é, na verdade, a ratificação da
observância ao princípio da precaução, contido na Convenção da Biodiversidade
Biológica (CDB) - que representa um acordo internacional de direito ambiental
visando à conservação da diversidade biológica, utilização sustentável de seus
componentes e participação justa e equitativa dos benefícios que derivem da
utilização dos recursos genéticos - e, de forma mais incisiva, no Protocolo
de Cartagena, de 2003, onde foram estabelecidas normas de segurança e
mecanismos para fiscalizar as atividades que envolvem OGMs e seus derivados,
institutos do qual o Brasil tornou-se signatário (AMÂNCIO e CALDAS, 2010).
A cautela e prudência, ainda que pareçam exageradas aos olhos de
alguns críticos, na verdade, referem-se ao cumprimento de determinadas

79
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

premissas que envolvem desde o conhecimento científico mais aprofundado


acerca dos riscos, características e propriedades dos OGMs, até a apresentação
de Relatório do Impacto no Meio Ambiente (RIMA), na forma como exigido
pela CTNBio.
É nesse aspecto que a legislação dá ênfase à competência da CTNBio,
delegando à mesma poderes para a elaboração de normas e pareceres de caráter
conclusivo a respeito da liberação de OGMs (VARELLA, 2005).

4. O PAPEL DA CTNBio

Conforme lecionam Vieira e Vieira Junior (2005, p. p3-4), são


competências exclusivas da CTNBio:

Analisar as pesquisas com transgênicos e seus derivados;


estabelecer normas relativamente às atividades e aos
projetos relacionados e aos transgênicos e seus derivados;
estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios
de avaliação e monitoramento de risco de transgênico
e seus derivados; proceder à análise da avaliação
de risco, caso a caso, relativamente a atividades os
mecanismos funcionamento das Comissões Internas de
Biossegurança (CIBio), no âmbito de cada instituição
que se dedique ao ensino, à pesquisa cientifica que
envolvam transgênico ou seus derivados; estabelecer
requisitos relativos à biossegurança para autorização de
funcionamento de laboratórios, instituição ou empresa
que desenvolverá atividades relativas a transgênico e
seus derivados; relacionar-se com instituições voltadas
para a biossegurança de transgênicos e seus derivados,
em âmbito nacional e internacional; etc.

É importante frisar que, mesmo sendo um órgão consultivo e deliberativo,


as decisões técnicas da CTNBios devem ser submetidas à análise de determinados
órgãos de registro e fiscalização, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde, e Secretaria
Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República, que deliberarão
sobre as decisões emanadas da CTNBios (VIEIRA e VIEIRA JUNIOR, 2005).
Tal distribuição de responsabilidades deriva da própria interpretação do texto
legal contido na Lei de Biossegurança, em seu art. 16, que assim esclarece, in verbis:

Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e


fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da

80
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério


do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre
outras atribuições, no campo de suas competências,
observadas a decisão técnica da CTNBio, as
deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos
nesta Lei e na sua regulamentação (BRASIL, 2005).

Trazendo uma elucidação maior sobre a questão, Varella (2005)


explicita que cada órgão, dentro de sua competência específica, lida com
as deliberações de análises emanadas da CTNBio. Dessa maneira, cabe
ao Ministério da Agricultura apreciar OGMs que se destinam à aplicação
agropecuária ou agroindustrial; ao Ministério do Meio Ambiente cabe a
aprovação de OGMs cujo resultado se reverta em impacto ambiental, e assim
sucessivamente. Registre-se que, dependendo das circunstâncias, um OGM
pode precisar da aprovação de diversos entes ministeriais, organismos ou
secretarias para sua liberação.

5. O CERTIFICADO DE QUALIDADE EM BIOSSEGURANÇA (CQB) E A


COMISSÃO INTERNA DE BIOSSEGURANÇA (CIBio)

Trata-se de documento que atesta a aceitação, por parte da CTNBio,


da proposta de pesquisa e/ou exploração comercial e industrial a produtos
OGMs. De acordo com a Instrução Normativa CTNBio nº 1/1996, as entidades
de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, produtivas e de
prestação de serviços que atuem com OGMs e derivados, em todo o território
nacional, devem submeter seus processos a este órgão consultivo e deliberativo,
para emissão do CQB. Em regime de responsabilidade, cabe registrar que as
entidades que desejem patrocinar ou financiar atividades dessa natureza,
deverão exigir das pessoas jurídicas responsáveis por sua exploração o CQB
“[...] sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos
do não cumprimento dessa exigência” (BRASIL, 1996).
É de responsabilidade da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio),
instalada no âmbito das entidades dedicadas a atividades com OGMs, na forma
do que dispõe o art. 17 da Lei nº 11.105/2005, que assim preceitua:

Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos


de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM
e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de
Biossegurança – CIBio, além de indicar um técnico
principal responsável para cada projeto específico”
(BRASIL, 2005).

81
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Para a fundamentação do pedido de emissão do CQB, a CIBio da


entidade responsável deve requerer à CTNBio, mediante análise prévia de
atendimento a normas de segurança e demais exigências estabelecidas para
cada caso em particular, documentação pertinente e questionário específico,
indicando as condições de sua estrutura física e pessoal responsável pelo
tratamento das atividades relacionadas à OGMs.
De acordo com Nati e Fernandes (2012), a CIBio deve apresentar, no
mínimo, três especialistas de áreas compatíveis com a atuação da instituição
requerente, sendo permitida a criação de outras CBIos no mesmo ambiente
institucional, de modo a atender a estrutura administrativa e técnica da entidade.
Ainda na explicação dos autores supracitados, os documentos exigidos
pela CTNBio à CIBio devem conter

[...] informações básicas, como dados da instituição


interessada, a finalidade da solicitação, indicação das
atividades que serão desenvolvidas, os microrganismos
que serão utilizados, a classe de risco do OGM objeto
das atividades a serem desenvolvidas, a descrição das
instalações, planta de localização das áreas contíguas
às instalações, dados da equipe técnica, entre outros,
além do requerimento de autorização para atividades
em contenção com OGM e seus derivados, declaração
de que a entidade dispõe de infraestrutura adequada
e pessoal técnico competente para desenvolver
com segurança as atividades demandadas (NATI e
FERNANDES, 2012, p. 22).

A participação da CTNBio envolve a análise da documentação exigida


e a devida manifestação em prazo não superior a 30 dias sobre a regularidade
de tal documentos, podendo, entretanto, solicitar informações complementares,
bem como efetuar visitas de vistoria às instalações da requerente. Caso se
constate a necessidade de apresentação de documentação complementar,
o prazo pode ser estendido em até 90 dias para cumprimento das exigências
(NATI e FERNANDES, 2012).
Como alerta Palma (2009), a CTNBio pode, em casos de comprovada
negligência aos mandamentos da CQB, interditar ou promover a paralisação
imediata das atividades, podendo, em termos de gradação, até mesmo cassar
a certificação obtida. Nessas condições, expede comunicação sobre o fato
aos órgãos e entidades responsáveis pelo registro e fiscalização da instituição
responsável pelo manuseio da OGM.
Na explicação de Amâncio e Sampaio (2014), o CQB é o primeiro passo
que deve ser cumprido por interessados em trabalhar produtos geneticamente

82
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

modificados. Registrando o que pede a Instrução Normativa nº 01/1996 para o


alcance dessa certificação, os autores apontam os seguintes requisitos mínimos:

Possuir na instituição uma CIBio – Comissão Interna


de Biossegurança; constituição da pessoa jurídica;
idoneidade financeira; finalidade a que se propõe e
atividade a ser desenvolvida, bem como a classificação
do(s) organismo(s) – Grupo I ou II, relação dos
organismos que serão manipulados, descrição
pormenorizada das instalações e qualificação do
pessoal envolvido no projeto.

Como reforça Araújo (2012), o CQB representa uma prévia autorização


para funcionamento, principalmente de laboratórios, empresas ou instituições
que tenham entre suas atividades o desenvolvimento de pesquisas com engenharia
genética. Isso representa afirmar, por óbvio, que essas entidades alcançaram
de modo satisfatório as exigências acerca de procedimentos e medidas de
segurança. Em entrelinhas, pode-se descortinar também a capacidade financeira
e econômica das referidas entidades, ante a possibilidade de ter que reparar
danos em função de suas atividades com OGMs.

CONCLUSÃO

A CTNBio é um órgão consultivo e deliberativo, cuja constituição leva


em conta os princípios da precaução e o respeito aos pressupostos do Biodireito
e da Bioética, na forma como preconizado pela Lei nº 11.105/2005.
Tal argumentação leva em conta o fato de que este organismo
é o principal responsável pela certificação de entidades interessadas
em exercer atividades na área de biotecnologia, mais precisamente em
atividades com OGMs.
Dessa maneira, a certificação leva em conta uma série de medidas e
critérios a serem adotados pelas entidades solicitantes, e não só isso: para a
manutenção da certificação, outras medidas fiscalizadoras se colocam como
necessárias, garantindo-se, assim, a manutenção dos elementos que permitiram
a obtenção do CQB, necessários para garantir o respeito aos princípios da
Bioética e do Biodireito.

83
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Lumen


Juris, 2000.

AMÂNCIO, Mônica Cibele; CALDAS, Ruy de Araújo. Biotecnologia no contexto


da Convenção de Diversidade Biológica: análise da implementação do Art. 19 deste
Acordo. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 22:125-40, jul./dez. 2010.

______; SAMPAIO, Maria José. Legislação de biossegurança no Brasil:


cenário atual. 2014. Disponível em: <http://www.proac.uff.br/biosseguranca/
sites/default/files/legislacao_biosseguranca_brasil_monica_cibele.pdf> Acesso
em: 10 ago. 2015.

ANEZ, Tania Leticia Wouters. Organismos geneticamente modificados: uma


abordagem à luz do Direito Nacional e Internacional. 2013.

ARAÚJO, José Carlos Evangelista. Comissão Técnica Nacional de


Biossegurança (CTNBio) e agrobusiness. 16 abr. 2012. Disponível em: <http://
www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/comiss%C3%A3o-t%C3%A9cnica-nacional-
de-biosseguran%C3%A7a-ctnbio-e-agrobusiness> Acesso em: 10 ago. 2015.

BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Comissão Técnica


Nacional de Biossegurança – CTNBio. Instrução Normativa CTNBio nº 1,
de 5 de setembro de 1996. Normas para emissão do Certificado de Qualidade
em Biossegurança. Brasília: DOU, 1996.

______. Presidência da República. Casa Civil. Lei Federal nº 11.105, de 24


de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225
da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados
– OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS,
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe
sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5
de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001,
e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de
2003, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2005.

BRINGEL, Elder Paes Barreto. A Lei de Biossegurança e a declaração de sua


constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1970, 22 nov. 2008.

84
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11999>. Acesso em: 25 abr.


2013.

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Noções introdutórias sobre Biodireito.


Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 424, 4 set. 2004. Disponível em: <http://jus.
com.br/revista/texto/5664>. Acesso em: 23 abr. 2013.

CUNHA, Elza Angela Battaggia Brito da Cunha. Organismos geneticamente


modificados (OGMs): obstáculos à obtenção e uso no Brasil. Dissertação
(Mestrado em Agronegócios). Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária.
Universidade de Brasília. Brasília: 2007.

GIEHL, Germano. Direito ambiental e a Lei de Biossegurança (Lei n.º


11.105/05). Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 56, ago 2008. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=5086>. Acesso em 8 ago. 2015.

GONÇALVES, Mirella Gomes. O uso de células-tronco na Odontologia:


perspectivas futuras de regeneração tecidual. Monografia (Bacharelado em
Odontologia). Faculdade do Amazonas – IAES. Manaus: 2009.

LEITE SEGUNDO, A. V.; VASCONCELOS, B. C. E. Células-tronco e


engenharia tecidual: perspectivas de aplicação em odontologia. Revista de
Ciências Médicas. Campinas, 16(1):23-30, jan./fev. 2007.

MAIA, Cleusa Aparecida da Costa. Organismos geneticamente modificados:


violação a direitos fundamentais. Revista Imes – Direito, ano VI, n. 11, p.
1-29, jul./dez. 2005.

NATI, Tassia; FERNANDES, Patricia Machado Bueno. Certificação em


biossegurança de um laboratório de biotecnologia. Revista Brasileira de
Pesquisa em Saúde, 14(3):21-5, 2012.

OLIVEIRA FILHO, Enio Walcácer de. Reflexões sobre os Organismos


Geneticamente Modificados – OGMs e o princípio da precaução no
biodireito. 2011. Disponível em: <http://revista.uft.edu.br/index.php/direito/
article/viewFile/814/8021> Acesso em: 8 ago. 2015.

PALMA, Carol Manzoli. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e as


Comissões Internas de Biossegurança: competências e funcionamento. Âmbito

85
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Jurídico, Rio Grande, XII, n. 62, mar 2009. Disponível em: <http://www.
ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=5974>. Acesso em 8 ago. 2015.

VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In:


VARELLA, Dias Marcelo; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Orgs.). Organismos
Geneticamente Modificados. v. 3, Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto. Debates atuais sobre a segurança dos


alimentos transgênicos e os direitos dos consumidores. 2013. Disponível em:
<http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br> Acesso em: 10 ago. 2015.

______; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direito dos consumidores e produtos


transgênicos: uma questão polemica para a Bioética e o Biodireito. Curitiba:
Juruá, 2005.

86
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL


CONFORME A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
ENVIRONMENTAL EDUCATION AND THE MEDIA’S FUNCTION
ACCORDING TO THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL ORDER

Cyro Alexanderde Azevedo Martiniano


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em
Direito Tributário pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas
- CIESA. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade
Anhanguera/Uniderp. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do
Estado do Amazonas – UEA. Funcionário Público do Estado do Amazonas.

Ygor Felipe Távora da Silva


Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Bacharel
em Administração pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista
em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário
pelo Centro de Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA.
Mestre em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia pelo Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia - INPA. Mestrando em Direito Ambiental pela
Universidade do Estado do Amazonas.

Resumo: o interesse pela preservação ambiental tem sido cada vez maior no
cenário nacional e internacional. O estudante do Direito entende com certa
facilidade que o meio ambiente é ubíquo, mas em relação à população em geral,
não é possível se afirmar que o “grito ecológico” encontre o mesmo eco. O meio
mais contundente para se atingir todas as camadas da sociedade brasileira é a
radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV). O objetivo da pesquisa
é apresentar o contexto constitucional da comunicação social considerando seu
papel para a efetivação da Educação Ambiental. Considerando que a Lei Maior
preconiza a promoção do bem de todos, buscaremos transmitir os conceitos
básicos relativos ao direito fundamental à educação e à função dos serviços da
comunicação social. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica com
método indutivo e qualitativo, apoiada na doutrina, legislação e jurisprudência
e notícias da mídia.
Palavras-Chave: educação; meio ambiente; comunicação social.

Abstract: The interest in environmental conservation has been increasing in


the national and international scene. The law student understands quite easily
that the environment is ubiquitous, but for the population in general, cannot be
said that the “ecological cry” find the same echo. The most forceful means to

87
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

reach all sections of Brazilian society is the radio broadcasting and sound and
image (radio and TV). The objective of the research is the present constitutional
context of media considering their role in the realization of environmental
education. Whereas the Major Law calls for the promotion of the good of all,
we seek to convey the basic concepts of the fundamental right to education
and the role of media services. The methodology used was the bibliographical
research with inductive and qualitative method, based on doctrine, legislation
and jurisprudence and media news.
Keywords: education; environment; Social Communication.

INTRODUÇÃO

Após as primeiras digressões sobre o assunto da pesquisa, mister


esclarecermos que a demanda ecológica constitui um direito transcendental.
Não afeto apenas à localidade onde ocorreu a degradação, pois a poluição não
reconhece fronteiras. Se pretendermos construir um Estado Social, precisamos
ter a consciência de que, em termos ambientais, a coletividade pode ser desde
as pessoas de uma pequena comunidade até a população mundial.
De sorte que todos os meios devem ser empregados para coibir
as práticas lesivas ao meio ambiente, assim como recuperá-lo. As ações
governamentais de fiscalização e repressão ao poluidor são necessárias, mas
não suficientes para minimizar a agressão ambiental. Assim justifica-se essa
pesquisa, porquanto um país forte faz-se com um povo educado, conhecedor
das implicações dos danos ecológicos, entre outras coisas. E como atingiremos
esse nível de consciência, senão através dos meios de comunicação de massas,
haja vista as peculiares condições do Brasil?

1. DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

Vamos iniciar esta pesquisa compreendendo o alcance do direito à


educação. Para isso temos que buscar a fonte primária em nosso ordenamento
jurídico: a Constituição Federal de 1988. No caput do artigo 6º da CF/88
verifica-se que o constituinte tratou do tema elevando a educação à categoria de
direito social fundamental.
Os direitos sociais representam a segunda dimensão dos direitos e
garantias fundamentais inspirada no ideal de igualdade. Como consequência
da evolução da sociedade e a consolidação dos direitos e garantias de primeira
dimensão, representados pelo valor maior da liberdade, os direitos sociais surgem
como forma de impedir a dominação econômica das classes menos favorecidas.
É o momento em que o Estado Liberal cede espaço para o Estado Social; o

88
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

direito privado é suplantado pelo direito das massas. O pensamento dominante


reflete a necessidade de se garantir o desenvolvimento das pessoas através da
educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência
social, proteção á maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Neste mister, o sistema liberal que inibia a atuação estatal, provocou o
aumento da desigualdade, que obrigou uma transformação da igualdade formal
e material, para que não somente uma pequena parcela da população pudesse
desenvolver-se, mais sua totalidade. Nas palavras de Bonavides (1980, p. 343):

“O Estado social é enfim Estado produtor de


igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve
iluminar sempre toda hermenêutica constitucional,
em se tratando de estabelecer equivalência de
direitos. Obriga o Estado, se for o caso a prestações
positivas; a promover meios, se necessários, para
concretizar comando normativos de isonomia.”

O objetivo dessa classe de direitos é fazer o indivíduo se sentir


inserido no contexto de desenvolvimento nacional, de forma que esteja
encorajado a se empenhar em prol do seu Governo. O Estado abandona
a ideia de privilegiar as elites e pretende agora, com as políticas sociais,
o desenvolvimento de todos, como se depreende do inciso IV do artigo 3º
da CF/1988. Tanto que os artigos 205, 227, caput e 229, todos da CF/1988,
estabelecem que a educação é direito de todos e dever do Estado e da
família. Ou seja, o Estado e a família têm a obrigação comum de educar.
Daí podermos falar em responsabilidade comum de ambos.
Os direitos sociais têm um caráter eminentemente positivo, impondo
ao Poder Público ações concretas, além do próprio aspecto regulador. Não é
aceitável apenas criar normas, mas, principalmente, efetivá-las. No âmbito
desse Estado, de caráter prestacional, a positivação jurídica de valores sociais
passou a servir de base não apenas à interpretação de toda a Constituição, mas
à criação, direção e regulação de situações concretas.
Neste contexto, as leis, no seu sentido de normas abstratas gerais,
deixam de ser o instrumento por excelência do Estado, uma vez que a promoção
de seus objetivos sociais e a realização do princípio democrático, em sua
materialidade, demandam intervenções por meio de políticas públicas. Nas
palavras sintetizadoras do professor Badr (2011, p. 20):

“Assim, a educação como um direito fundamental é


predominantemente associada a prestações positivas,

89
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

sobretudo do Estado, mas também da família e da


sociedade... Os direitos sociais abarcam um sentido de
igualdade material que se realiza por meio de atuação
estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de
acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem
não conseguiu a eles ter acesso por meios próprios”.

Entendida a natureza jurídica da educação como direito social


fundamental e quem são os responsáveis por essa obrigação, o próximo
passo é alcançarmos o conceito dela. Aproveitando ainda o artigo 205 da
CF/1988, temos que o objetivo da educação é promover o desenvolvimento
pleno da pessoa, e também prepará-la para o exercício da cidadania e para
o mercado de trabalho.
Pensando mais amplamente, se os indivíduos de um grupo social
desenvolverem suas aptidões, então serão reduzidas as desigualdades sociais,
a marginalização e a pobreza, tanto no aspecto material quanto intelectual,
objetivos fundamentais da nossa República (art. 3º, inc. III da CF/1988)
O desenvolvimento pleno do indivíduo é um conceito jurídico
indeterminado caracterizado por amplo subjetivismo e autonomia individual.
Arriscando algumas ponderações sob esse aspecto, podemos entender que
o desenvolvimento pleno de cada pessoa somente ocorrerá se ela tiver
oportunidades de escolhas na sua vida e para tanto é importante que tenha um
mínimo de instrução para poder se integrar na sociedade.
Todo aquele que se sentir excluído do seio social e impotente diante
dos desafios para garantir sua existência, não pode se sentir plenamente
desenvolvido, muito menos apto para reagir diante das adversidades. A educação
tem o condão de estimular e capacitar a pessoa para perseguir o seu mínimo
existencial, subjetivamente falando. Por outro lado, o Estado tem a obrigação
objetiva de disponibilizar para todos o mínimo de instrução para garantir o
desenvolvimento nacional, atendendo o inciso II do artigo 3º da CF/1988.
No que tange ao exercício da cidadania, a educação deve ser o
instrumento que permite ao cidadão, aquele que detém direitos e deveres
políticos, de participar conscientemente da vida política do país. Então não
basta saber ler e escrever, é importante que todos desenvolvam um juízo crítico
em relação aos seus representantes políticos e tenham conhecimento dos
instrumentos jurídicos para impedir os agentes públicos de se desviarem da
função administrativa do interesse social.
Quase vencida a luta contra o analfabetismo primário, agora o país se
insurge contra o analfabetismo funcional, aquele que impede que o indivíduo
tenha convicções livres de influências econômicas e políticas. É quando a

90
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

pessoa lê, escreve, mas não consegue processar o que está sendo transmitido. O
efeito indesejado dessa situação é a manipulação das massas pelos governantes
inescrupulosos. Em síntese, a educação deve permitir o juízo racional da realidade
em todos os seus aspectos, notadamente o econômico, o político e o social.
Para ilustrar o texto acima, citamos o § 1º do artigo 37 da CF/1988,
pelo qual a publicidade das ações governamentais deve se ater a educar,
informar ou orientar a sociedade, vedada qualquer forma de promoção de
figuras políticas. Em relação à preparação que a educação deve proporcionar
para a vida profissional, é fundamental que os jovens e adultos em idade
produtiva tenham a capacitação adequada para as diversas tarefas que envolvam
o desenvolvimento sustentável de uma nação.
Então o Governo em associação com a iniciativa privada devem
promover ações para garantir a existência de mão-de-obra qualificada para
atender às novas expectativas do mercado. O que não impede que haja ações
isoladas. O importante é a transferência de conhecimentos adquiridos para
que as gerações futuras compartilhem as experiências das gerações passadas e
presentes em termos ambientais.
Pelo exposto, fica claro qual é o objetivo de educar. Mas surge a
questão: o que é o ato de educar para fins jurídicos? Já sabemos que é um direito
fundamental inerente à ordem social e explicitamos o que se pretende alcançar.
A forma pela qual se concretizam esses objetivos é justamente a essência da
educação, que se pode definir como o meio apto a transmitir os conhecimentos,
as tradições e valores inerentes a um corpo social, ou seja, sua cultura. Sua
proteção tem, pois, uma dimensão que ultrapassa, e muito, a consideração de
interesses meramente individuais.
Assim, embora a educação, para aquele que a ela se submete, represente
uma forma de inserção no mundo da cultura e mesmo um bem individual, para
a sociedade que a concretiza, ela se caracteriza como um bem comum, já que
representa a busca pela continuidade de um modo de vida que, deliberadamente,
se escolhe preservar. Conforme Freire (1996, p.71) , a educação transforma o
ser humano e nas suas palavras:

“Diante de um processo de libertação encontramos


o educando como homem e mulher pensante,
determinado, que se identifica no meio em que é
inserido. O docente por sua vez, é o orientador,
que direciona e conduz a aprendizagem, nunca
esquecendo que ele próprio também é partícipe deste
processo, também é aprendiz.”

91
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A falha no processo de educação provoca a perda dos elementos


acima citados e muitas vezes descaracteriza o grupo de indivíduos. Basta uma
rápida reflexão sobre alguns comportamentos do passado que perderam muito
do seu valor no presente, v.g., o respeito dos mais jovens pela experiência dos
idosos e os contratos verbais baseados apenas na honra. Como demonstrado
acima, a educação é dever do Estado e da família, de forma que se a cultura
não está sendo efetivamente passada para as gerações seguintes, então a
responsabilidade será de ambos.
Conquanto os artigos seguintes da seção que trata da educação na
CF/1988 (artigos 206 ao 214) tratem exclusivamente do ensino regular, como
já anunciado, a educação não se restringe à escola propriamente dita. Exemplo
disso é o inciso VI do artigo 225 da nossa Carta Política que prevê a necessidade
de o Poder Público promover a educação ambiental e a conscientização da
população sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.
Outro é o artigo 231 que reconhece aos indígenas sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, impedindo assim o processo
forçado de aculturação do colonizador, modo de educação imposta. O § 10
do artigo 144 aborda a preocupação com a educação no trânsito e o inciso I
do artigo 221 indica como princípio da comunicação social a preferência pela
produção e programação educativa, artística, cultural e informativa.
Neste trabalho enfocaremos as relações jurídicas entre o direito
à educação e a função da comunicação social, notadamente na questão da
preservação ambiental. Para tanto mister apreciarmos os serviços públicos de
radiodifusão sonora e de sons e imagens na ordem constitucional brasileira.

2. SERVIÇOS PÚBLICOS DE RADIODIFUSÃO SONORA E DE SONS E IMAGENS

Neste tópico trataremos do serviço público de radiodifusão. O qual


consiste, basicamente, na transmissão de informação através de frequências
eletromagnéticas. Pela radiodifusão informações como sons, imagens e dados,
são transmitidas na forma de ondas elétricas e, quando captadas por um
conversor, são transformadas novamente às formas originais.
Nos anos 90, seguindo o programa do Governo Federal de reforma do Estado,
foi publicada a EC n.º 08/95, que alterou o artigo 21, incisos XI e XII da CF/1988,
tratando em incisos distintos os serviços de radiodifusão e de telecomunicações. Foi
incluída a previsão de criação de um órgão regulador para normatizar e fiscalizar a
exploração dos serviços de telecomunicações, que seriam abertos à exploração por
empresas privadas mediante concessão, permissão ou autorização.
Conforme o artigo 21, inciso XII, alínea “a” da CF/1988, compete à
União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão,

92
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”. Decorrência da


competência material, o constituinte outorgou também à União a competência
privativa para legislar sobre telecomunicações e radiodifusão (artigo 22, inciso
IV da CF/1988). Bastante coerente a opção do legislador, pois aquele que detém
a competência para dispor do serviço público deve ter a competência para
regulamentar o seu exercício.
A CF/1988, em seu artigo 223, determina que o Congresso Nacional
deva apreciar todas as outorgas e renovações de outorgas de emissoras de
radiodifusão complementando o artigo 49, inciso XII do texto constitucional.
Ademais, importa anotar que o § 4º do artigo 223 da Carta Magna trata de
forma singular sobre o cancelamento de concessão ou permissão, antes de
vencido o prazo de vigência, o qual dependerá de decisão judicial. Destarte, a
radiodifusão é o único serviço que, outorgado ao particular pela Administração,
tem a extinção unilateral da concessão ou permissão, antes de decorrido o prazo
de vigência, condicionada ao Poder Judiciário.
O prazo de vigência das concessões e permissões, nos termos do
artigo 223, § 5º da CF, é de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para
as de televisão. Tal previsão também é encontrada no artigo 33, § 3º do Código
Brasileiro de Telecomunicações - CBT e no artigo 27 do Decreto 52.795/1963,
de onde se extrai que esses contratos poderão ser renovados por igual período,
dependendo de decisão do Estado.
Por fim, estabelece o § 2º do artigo 223 da CF/1988 que a não
renovação dos contratos dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos
do Congresso Nacional, em votação nominal. A questão é: algum parlamentar
se oporá à renovação, haja vista o poder de formação de opinião pública dos
meios de comunicação?
Um outro aspecto que merece destaque diz respeito à “propriedade”
das frequências concedidas e à da propriedade dos meios de comunicação por
radiodifusão. Não existe confusão, pois a propriedade das frequências por um
particular é juridicamente impossível, sendo concedido pelo Estado apenas
a sua exploração, por prazo determinado e mediante condições previstas no
CBT, no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão e na própria CF/1988. Por
outro lado, mister observarmos que existe a propriedade privada dos meios de
produção e de transmissão de conteúdo, por meio dos quais atuam as empresas
privadas nos meios de comunicação. Ou seja, a União detém o domínio do
espectro eletromagnético, enquanto os meios de difusão podem ser privados.
Justificando o que foi abordado acima, dispõe o parágrafo único do artigo
24 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto Federal n.º 52.795/63) que
“em qualquer caso, as frequências consignadas não constituem direito de propriedade
da entidade, incidindo sempre sobre as mesmas o direito de posse da União”.

93
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A radiodifusão, segundo a legislação brasileira, compreende os


serviços destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em
geral e é dividida em radiodifusão sonora (rádio) e radiodifusão de sons e
imagens (televisão). Citando o artigo 211 da Lei n.º 9.472/1997 (Lei Geral
das Telecomunicações - LGT), a outorga dos serviços de radiodifusão está
excluída da jurisdição da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
permanecendo no âmbito de competências do Ministério das Comunicações.
Isso implica que os interessados em explorar serviços de rádio ou televisão
devem procurar o referido ministério.
A LGT provocou profundas mudanças em relação ao regime jurídico
anteriormente vigente. Por abrir o mercado para a iniciativa privada, eliminou
a obrigatoriedade de prestação dos serviços de telecomunicações diretamente
pelo Estado ou por empresa controlada pelo ente estatal.
A LGT distingue dois regimes jurídicos próprios de prestação de
serviços de telecomunicações: o regime público (artigo 79 e seguintes da
LGT), prestado mediante concessão ou permissão, em consonância com o
disposto no art. 175 da Constituição, sujeito a obrigações de universalização
e continuidade; e o regime privado (artigo 126 e seguintes da LGT), prestado
mediante autorização por prazo indeterminado, fundamentado nos princípios
constitucionais da atividade econômica e inspirado na ideia de “mínima
intervenção na vida privada”.
Uma pesquisa formulada em 2007 pelo Programa Nacional de
Conservação de Energia Elétrica – PROCEL – intitulada “Pesquisa de Posse de
Equipamentos e Hábitos de Consumo” concluiu que:

“O aparelho eletroeletrônico mais presente nos lares


brasileiros é a televisão, com 97,1% deles contando
com pelo menos uma TV, superando o refrigerador,
que pode ser encontrado em 96% das casas. A força
da televisão pode ser medida por outro dado: a média
do número de televisores por residência é de 1,41, ou
seja, há mais de um aparelho do tipo por casa”40.

Em outra linha de argumentação, percebemos que o brasileiro é um


povo pouco leitor. Dados de uma pesquisa nesse sentido revelam:

“O brasileiro está lendo menos. É isso que revela a


pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, divulgada nesta

  Trecho extraído do sítio eletrônico da Eletrobrás, em artigo de título “Procel apresenta pesquisa
40

sobre posse e uso de equipamentos elétricos”, de 18.04.2007. Disponível em http://www.eletrobras.


com. Acessado em 14/05/2015.

94
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

quarta-feira pelo Instituto Pró-Livro em parceria com


o Ibope Inteligência. De acordo com o levantamento
nacional, o número de brasileiros considerados
leitores - aqueles que haviam lido ao menos uma obra
nos três meses que antecederam a pesquisa - caiu de
95,6 milhões (55% da população estimada), em 2007,
para 88,2 milhões (50%), em 2011”41.

Não se pode olvidar que os veículos de radiodifusão são centrais à


função de informar a população brasileira, pois nenhum outro meio comunicativo
tem tamanha penetração nos domicílios como os de radiodifusão. Sendo assim,
é pertinente que tais serviços sejam eleitos como públicos pelo Estado, pois
podem (e devem), efetivamente, satisfazer interesses gerais de veiculação de
conteúdos de caráter educativo, artístico, cultural e informativo, promovendo a
cultura nacional e regional.
Apresentadas algumas características mais marcantes do serviço
público de radiodifusão, em seguida veremos os princípios norteadores da
comunicação social. Então poderemos ter uma visão completa do sistema de
difusão de informações que contribuem sobremaneira para a educação das
pessoas, fato reconhecido pelo constituinte de 1988.

3. PRINCÍPIOS REGULADORES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

A comunicação social recebeu tratamento especial pelo legislador


constituinte originário, que dedicou um capítulo inteiro para a matéria no título
“Da Ordem Social”. Não poderia ser de outra forma, pois a função, ou poder,
da comunicação influencia diretamente na organização da sociedade, e na
transferência, formação e disseminação de valores.
Ela envolve todo e qualquer tipo de meio hábil a transferir
informações e entre os mais importantes está justamente o rádio e a televisão.
Como abordado acima, a titularidade do serviço de radiodifusão é da União,
que estabelecerá os critérios de outorga do mesmo, assim como a sua regulação
e fiscalização. Começando então pelo texto constitucional o artigo 220 trata da
liberdade de expressão relativa aos meios de comunicação, deixando assente
que apenas a CF/1988 poderá restringir a manifestação de pensamento, a
criação, a expressão e a informação.
E em seguida estabelece no § 3º do inciso II do artigo citado que
“compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à

 Por Nathalia Goulart em 29/03/2012 às 21:20 no sítio eletrônico http://veja.abril.com.br/


41

noticia/educacao/habito-de-leitura-no-brasil-cai-ate-entre-criancas. Acesso em 30/05/15.

95
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio


e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de
produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.
Em relação à proteção das pessoas e da família podemos citar o
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que prevê medidas de prevenção
especial para os jovens nos artigos 70 ao 80. O artigo 71 reconhece a necessidade
de proteção das pessoas em desenvolvimento da sua personalidade devido a
essa peculiar situação de vulnerabilidade. Ênfase também para o artigo 76
que determina às emissoras de rádio e televisão a exibição de programas
educativos, artísticos, culturais e informativos no horário recomendado para
o público infanto-juvenil.
Além de outros legitimados, o ECA incumbe o Ministério Público
de promover o inquérito civil e a ação civil pública para defender os direitos
individuais, coletivos e difusos das crianças e adolescentes, conforme a leitura
do artigo 201, inciso V.
Interessante observarmos que o ECA trata como infração administrativa
punindo com multa aqueles que não atenderem ao caráter preventivo que deve
haver em relação à exibição de espetáculos, filmes, trailer, peça, amostra ou
congênere para crianças e adolescentes (artigos 252 ao 258 do ECA). Nesse
sentido, o Poder Concedente (União) tem a competência para fiscalizar e aplicar
as multas que sejam necessárias.
Por outro giro, vemos que tem sido significativo o esforço do Governo
para combater a propaganda dos produtos que causam mal à saúde. Reforçando
mais essa ideia citamos o § 4º do artigo 220 da CF/1988 que determina a
advertência dos malefícios à saúde na propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas,
agrotóxicos, medicamentos e terapias.
Tanto a questão da classificação dos programas de rádio e televisão
quanto à advertência ao uso maléfico dos produtos citados têm sido objeto de
ação de fiscalização dos órgãos públicos. Mas e a questão ambiental? Embora
haja sua previsão constitucional, é possível afirmar com relativo grau de certeza
que ainda precisamos de mecanismos mais eficazes de regulação e controle da
função da comunicação social visando consolidar esse preceito da CF/1988.
Essa abordagem será desenvolvida no próximo parágrafo.
O artigo 221 da CF/1988 aponta quais os princípios balizadores
da programação das emissoras de rádio e televisão. Para o presente trabalho
importante destacarmos os incisos I ao III, que se referem à preferência a
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; à promoção da
cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive
sua divulgação, e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei.

96
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Quando a Carta Política indica que os conteúdos dos programas de


rádio e TV devem ter objetivos educativos, artísticos, culturais e informativos
fica cristalino o anseio do legislador em priorizar o direito à educação do povo
brasileiro. Mostra ao intérprete o aspecto de coesão do texto constitucional.
E como os princípios da CF/1988 devem ter máxima efetividade, então não
podemos entender a educação apenas sob o ponto de vista regular, mas toda e
qualquer forma de transmissão de conhecimentos e valores.
Sensível à realidade brasileira continental com diversas culturas que
coexistem pacificamente, vai além o constituinte, entendendo que a programação
deve buscar a regionalização da sua produção com características da localidade.
Isso demostra que não adianta a imposição de modelos culturais quando na
região já houvesse um núcleo social com suas próprias peculiaridades.
Por fim, imprescindível tratarmos do princípio da complementaridade
dos sistemas público, privado e estatal à luz do artigo 223 da CF/1988. Uma
leitura do texto indica, sem margem à dúvida, que o princípio deve ser aplicado
pelo Poder Executivo como critério para a outorga e renovação de concessões,
permissões e autorizações de radiodifusão.
Está explícito que existem três sistemas de radiodifusão, isto é, os
sistemas privado, público e estatal: o serviço público privativo do Estado
(sistema de radiodifusão estatal), o serviço público não privativo (sistema
de radiodifusão público) e a atividade econômica em sentido estrito (sistema
de radiodifusão privado). Essa exigência permite a harmonia e colaboração
entre as estruturas de comunicação social. Usando outras palavras, garante-se
o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções
diferenciadas, porém, complementares, haja vista as diferenças de fundamentos,
evitando-se, assim, distorções arbitrárias no processo de comunicação social.
Basta imaginarmos como seria nossa sociedade se assistíssemos,
ou ouvíssemos, apenas a programação segundo a verdade do Governo atual?
Como formaríamos uma opinião crítica sem conhecer a outra versão dos fatos?
Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos
direitos fundamentais. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação
dos mesmos. No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização
do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de
cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional.
Isto implica na possibilidade de criação e manutenção de canais
de televisão para atendimento da referida obrigação. Por sua vez, no sistema
privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à
execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão
e, consequentemente, sua liberdade de programação. O sistema público
acaba sendo o meio intermediário desses objetivos, pois concentra ambas
possibilidades, tanto estatais quanto privadas.

97
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A compreensão da autonomia privada deve nos conduzir a sua evolução


conceitual para equilibrar interesses, podendo ser dirigida e controlada pelo
Estado. Citando o prof. Badr (2011, pág. 89), verifica-se que “a juridicidade
do ato ou da relação é aferida pela dignidade do interesse em causa, sendo
essa dignidade um juízo normativo informado por critérios supraindividuais”.
Então, ainda que os meios de comunicação se revistam de caráter privado, o
aspecto social do Estado representa direito inalienável e indisponível.
Vistos os princípios valorativos da função da comunicação na ordem
social brasileira, o próximo tópico será dedicado para uma reflexão sobre a
questão específica da educação ambiental e suas implicações no direito
fundamental à educação, considerando a decisiva influência da comunicação
social nesse contexto.

4. O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A base constitucional desse preceito encontra-se precisamente


no inciso VI do § 1º do artigo 225 da CF/1988, pelo qual é incumbência do
Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e
a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, como forma
de defender e garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as
gerações presentes e futuras.
A primeira pergunta que surge é se somente o Poder Público tem
esse dever? A resposta deve ser negativa, pois toda norma constitucional deve
ter ampla efetividade e, ademais, o legislador constitucional não empregou o
termo “somente” ou “só”. Dessa forma o entendimento que melhor atinge o
objetivo da preservação ambiental alcança também o setor privado, já que o
meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever de todos (coletividade e
Poder Público).
Como foi visto nos tópicos anteriores, a comunicação social
deve ter como princípio a preferência por finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas. Também já foi apontado nesse trabalho o princípio da
complementaridade dos setores público, estatal e privado, que estão submetidos
aos comandos da CF/1988.
Dessa forma pode-se concluir que a atividade de educação deve
abranger a demanda ambiental como forma de se garantir a própria ordem
social brasileira. Não podemos pensar em organização social sem mentalidade
de preservação do meio ambiente. E para atingirmos esse objetivo mister a
participação dos meios de comunicação para educar a sociedade.
Por isso o legislador infraconstitucional editou a Lei nº 9.795 de 1999
que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.

98
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O artigo 1º dessa norma prescreve que a educação ambiental deve ser entendida
como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à
sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Ao falarmos de coletividade, impende lembrarmos dos movimentos
sociais brasileiros, como o caso dos seringueiros no Acre, das quebradeiras de
coco do Babaçu no Maranhão, os catadores de lixo etc, que têm um papel muito
importante na política ambiental e, sendo assim, precisam de esclarecimentos
nesse sentido. Por isso que Carvalho (2004, p. 152), entende que:

“A intensificação do diálogo com os movimentos


sociais tem ampliado a interface entre a esfera
educacional e os acontecimentos socioculturais.
E isso tem ocorrido não apenas com relação ao
ambiente, mas também no caso de outras educações
de fronteira, como a educação para a paz, a educação
de gênero, a educação para os direitos humanos, etc.
O que essa educações têm em comum é o fato de
tratarem questões emergentes da vida social em uma
perspectiva interdisciplinar...”

Com a definição acima podemos então concluir que o objeto da


educação ambiental é antes de tudo a conscientização do indivíduo e do grupo
social acerca da necessidade de conservarmos e preservarmos o ambiente em
que vivemos, seja ele natural, cultural ou laboral. E a educação desenvolve as
aptidões necessárias para que se alcance esse desiderato.
Não é por outra razão que o Programa Nacional de Educação
Ambiental – ProNEA, justifica que “As estratégias de enfrentamento da
problemática ambiental, para surtirem o efeito desejável na construção de
sociedades sustentáveis, envolvem uma articulação coordenada entre todos os
tipos de intervenção ambiental direta, incluindo neste contexto as ações em
educação ambiental”
Arremata o artigo 2º da Lei de Educação Ambiental – LEA dispondo
que é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo
estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo
educativo, em caráter formal e não-formal. Ou seja, é a consagração do caráter
universal e geral da educação, de forma que um Governo que não incentiva a
educação é o mesmo que um comandante que não sabe o rumo de seu navio. E
quando não se sabe onde chegar, então qualquer caminho seria válido.

99
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Reforçando o que foi exposto nas linhas anteriores, o artigo 3º, incisos
I e IV da LEA estabelece que:

“Como parte do processo educativo mais amplo,


todos têm direito à educação ambiental, incumbindo:
I - ao Poder Público, nos termos dos artigos 205 e 225
da Constituição Federal, definir políticas públicas
que incorporem a dimensão ambiental, promover
a educação ambiental em todos os níveis de ensino
e o engajamento da sociedade na conservação,
recuperação e melhoria do meio ambiente, e IV - aos
meios de comunicação de massa, colaborar de maneira
ativa e permanente na disseminação de informações e
práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar
a dimensão ambiental em sua programação”.

Os incisos acima demonstram claramente que todos os setores da


sociedade, primário, secundário e terciário, devem se engajar na educação
ambiental, única forma de garantir o desenvolvimento em bases sustentáveis
do país. Nossa ênfase é para o papel da comunicação social nesse cenário,
merecendo aplausos a iniciativa de incluí-la no texto legal.
E como deve ser a abordagem desse tema por quem promove a
comunicação de massas? A resposta é simples e já foi definida pelo legislador
no inciso VII do artigo 4º da LEA, segundo o qual a questão ambiental merece
atenção em termos locais, regionais, nacionais e globais. É o reconhecimento
da natureza ubíqua do meio ambiente, que transcende as delimitações político-
territoriais, espalhando seus efeitos sobre tudo e sobre todos. Ilustrando o que
foi dito, destacamos novamente a seguinte preocupação do ProNEA:

“Nesse contexto, em que os sistemas sociais atuam na


promoção da mudança ambiental, a educação assume
posição de destaque para construir os fundamentos da
sociedade sustentável, apresentando uma dupla função
a essa transição societária: propiciar os processos de
mudanças culturais em direção à instauração de uma
ética ecológica e de mudanças sociais em direção ao
empoderamento dos indivíduos, grupos e sociedades
que se encontram em condições de vulnerabilidade
em face dos desafios da contemporaneidade”.

100
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Se a abordagem ambiental deve ser a mais ampla possível pelos meios


de comunicação, então quais os objetivos pretendidos pela nossa política de
educação ambiental? Mais uma vez, simplificando o trabalho do intérprete, a
LEA no artigo 5º dispõe claramente sobre a matéria. Destaque para os incisos II,
III e VII, bastante apropriados para indicar um rumo às programações de rádio
e TV, quais sejam respectivamente:

“I – a garantia de democratização das informações


ambientais; II - o estímulo e o fortalecimento de uma
consciência crítica sobre a problemática ambiental
e social, ..., VII - o fortalecimento da cidadania,
autodeterminação dos povos e solidariedade como
fundamentos para o futuro da humanidade”.

Nessa pesquisa estamos tratando então da educação não regular,


ou conforme o texto da LEA, educação não formal. Pois a educação formal
é aquela ministrada nas escolas, instituições de ensino públicas e privadas
(artigo 9º da LEA). Em outra dimensão, para não falar em posição oposta, está
o ensino não formal, direcionado para “as ações e práticas educativas voltadas à
sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização
e participação na defesa da qualidade do meio ambiente (artigo 13 da LEA)”.
A referida lei foi regulamentada por meio do Decreto Federal nº
4.281/2002. Tanto a LEA quanto seu regulamento foram tímidos no que se
refere à exigência normativa. Percebemos que são normas de caráter meramente
programático sem força coercitiva, haja vista não haver instrumentos
sancionatórios para aqueles que a descumprem. Refletem na verdade o
sistema do “soft law42” bastante peculiar ao Direito Ambiental. Tanto que o
ProNEA apenas indica entre seus objetivos a promoção de “campanhas de
educação ambiental nos meios de comunicação de massa, de forma a torná-los
colaboradores ativos e permanentes na disseminação de informações e práticas
educativas sobre o meio ambiente”, sem força cogente.
Entretanto, a coletividade deve ter meios jurídicos para se defender
no caso de ofensa aos direitos fundamentais, caso contrário estaríamos diante
de normas sem efetividade, mormente no caso do Brasil, arraigado ao sistema
jurídico do “civil law”, que se alicerça na lei devidamente positivada e codificada.

42
  Pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas as regras cujo valor
normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os
instrumentos que as abrigam não detêm o status de ‘norma jurídica’, seja porque os seus
dispositivos, ainda que insertos no quadro dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações
de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco constringentes.

101
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Como nosso ordenamento jurídico permite o uso da analogia na lacuna


da lei (artigo 4º do Decreto-lei nº 4.657/1942 – LINDB), então, pensando na forma
preventiva do ECA em relação à programação do rádio e TV para as crianças e
adolescentes, é possível aplicarmos a Ação Civil Pública (ACP) como forma de
garantir a educação ambiental a todos pelos meios de comunicação social.
Caso se observe que o conteúdo dos programas televisivos e
de rádio pouco ou nada acrescentam em termos de educação ambiental,
representado dano potencial ao meio ambiente em razão da omissão do
dever constitucional de promover a educação ambiental, justifica-se a ACP
preventiva de danos ao meio ambiente, pois é certo que não se deve esperar
a agressão ecológica para então se agir.
Na maioria das vezes, o dano é de difícil reparação ou nem mesmo
será possível recuperar o meio ambiente. Cita-se o artigo 3º da Lei nº
7.347/1994 (ACP), pelo qual o objeto da ação pode ser também uma obrigação
de fazer, nesse sentido, a obrigação de proporcionar a educação ambiental no
rádio e TV submetidos ao regime estatal ou público, haja vista o compromisso
constitucional já apresentado acima.
Finalizando a explanação e justificando tudo que foi abordado, o §
único do artigo 13 da LEA sintetiza a participação do Estado e dos meios de
comunicação social como forma de se garantir a educação ambiental apontando
como norma de conteúdo programático o dever de o “Poder Público, em níveis
federal, estadual e municipal, incentivar a difusão, por intermédio dos meios
de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas
educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente”.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objeto o estudo e pesquisa da temática


educacional ambiental em função da comunicação social, segundo a ordem
constitucional brasileira.
Iniciamos abordando a educação como direito fundamental de
natureza social, dever do Estado e da família. Vimos quão importante é para o
desenvolvimento de uma nação a questão da educação que visa principalmente
ao desenvolvimento pleno do indivíduo, preparo para o mercado de trabalho e
para o exercício da cidadania.
Em seguida foi apresentado um panorama jurídico dos serviços públicos
de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Conquanto sua titularidade pertença
à União, do que decorre a sua competência para legislar e atuar incisivamente
nesse setor, enfatizamos o seu caráter misto estatal, público e privado.
Nesse contexto partimos para a avaliação dos princípios reguladores
da comunicação social, notadamente aqueles que visam à defesa da sociedade

102
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

contra a propaganda nociva ao meio ambiente e a preferência à finalidade


educativa do rádio e da TV.
Com a conexão do caráter educativo e preventivo dos meios de
comunicação de massa, passamos à abordagem do princípio constitucional da
educação ambiental, dever do Estado e da sociedade e compromisso para a
preservação do meio ambiente. Sob essa ótica foi analisada a Lei de Educação
Ambiental, norma programática, que trata de maneira muito clara a necessidade
de engajamento do setor da comunicação social com a demanda ecológica.
Temos as leis, temos os meios, mas será que o Poder Público, assim
como a coletividade, tem efetivado o cumprimento do dever constitucional
de promover a educação ambiental? Se não o fazem, não é por falta de
regulamentação, pois podemos finalizar declarando que existem meios jurídicos
hábeis à promoção dessa modalidade de educação.

103
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

BADR, Eid. Curso de direito educacional. 1ª ed. Curitiba: CRV, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional,


Brasília, 1.988.

____. Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA. Ministérios da


Educação e do Meio Ambiente, 2005.

____. Lei n.º 9.472 - Lei Geral das Telecomunicações - LGT. Congresso
Nacional, Brasília, 1997.

____. Lei nº 9.795 - Política Nacional de Educação Ambiental. Congresso


Nacional, Brasília, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros,


1980.

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do


sujeito ecológico. São Paulo: Cortez. 2004.

COMPARATO, F.K. Ensaios sobre o juízo de constitucionalidade de políticas


públicas. In: MELLO, C.A.B. (Org.). Direito administrativo e constitucional:
estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997. v. 2.

DUARTE, Clarice Seixas. A Educação como um direito fundamental de


natureza social. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, pág. 691-713,
2007. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo.


Editora Saraiva. 2013.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo. 10ª
edição. Editora Malheiros. 2013.

104
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A COMPETÊNCIA AMBIENTAL CONCORRENTE DO MANEJO DO


PIRARUCU NO ESTADO DO AMAZONAS

THE COMPETENCE PIRARUCÚ ENVIRONMENTAL MANAGEMENT


OF THE COMPETITOR IN THE AMAZON STATE

Adriana Almeida Lima


Mestranda em Direito Ambiental – Universidade do Estado do Amazonas

Rayanny Silva Siqueira Monteiro


Mestranda em Direito Ambiental – Universidade do Estado do Amazonas

Resumo: A nova competência concorrente do Estado do Amazonas para legislar


sobre o manejo do Pirarucu, investigando a aplicaçao da lei e eficacia bem
como descrição de um novo modelo que se desenha.
Palavras-Chave: Manejo do Pirarucu; Acordo de pesca; gestão de recursos
naturais;

Abstract: The new concurrent jurisdiction Amazonas State to legislate on the


management of Arapaima, investigating law enforcement and effectiveness as
well as description of a new model taking shape.
Keywords: Pirarucu of management; Fishing agreement ; natural resource
management

INTRODUÇÃO

O pirarucu passou de peixe dominante das pescarias Amazônidas um


século atrás, a ser um peixe cada vez mais raro (VERÍSSIMO, 1895; ISAAC
1993), Mas apesar disso, o pirarucu continua sendo um peixe símbolo da
Amazônia. Embora muitos outros peixes sejam importantes, como o Curimatá
(Prochilodus nigricans), por exemplo (CRAMPTON, 2004) poucos peixes se
destacam na sua importância como o pirarucu, sendo o peixe de maior interesse
para as populações ribeirinhas.
Vários estudos e análises de pesquisa e manejo têm nas últimas
décadas de forma avançada sobre o conhecimento da biologia, ecologia,
manejo, e conservação do pirarucu. Muitas comunidades foram de forma
eficiente estudadas e manejadas ao longo dos anos, o que permitiu avaliar o
conhecimento atual sobre o pirarucu na forma da aplicação legislativa e eficaz

105
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

enquanto competência para que os Estados e neste caso o Amazonas pudesse


compor com a União de forma concorrente para regulamentar o manejo e a
conservação do Pirarucu (Arapaima spp) dentro do contexto da Amazônia. O
resultado desta pratica foi à criação do Dec. Lei 36.083/2015 que também vai
possibilitar a concorrência legislativa no que tange a regulamentação do manejo
do Pirarucu (Arapaima spp).
O objetivo do trabalho é tratar sobre os programas a forma como
funciona e regulamentação histórica do manejo do Pirarucu (Arapaima spp),
enfatizando a nova concorrência que já estabelecia a constituição da República
Federativa do Brasil, e foi guarnecida pela União ao Estado do Amazonas
de forma concorrente para legislar sobre o manejo do Pirarucu em áreas de
preservação, procriação, conservação e uso na constituição dos ambientes
aquáticos que sejam de importância para reprodução, manutenção e crescimento
do Pirarucu (Arapaima spp).

1. HISTÓRICO LEGISLATIVO DO MANEJO DO PIRARUCU

A constituição da República Federativa do Brasil, tem como diretriz


principal e como base ideológica, a regulamentação do uso e exploração de
manejo de peixes existentes nos rios no amazonas, mas precisa ser vista de uma
forma holística, ou seja, é necessário analisar a regulação do uso e do manejo,
tendo como princípios orientadores, o aproveitamento racional e adequado ao
manejo ecológico, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a
preservação do meio ambiente (Artigo 225 da Constituição Federal).
Com este fator é necessário também que seja identificado pela
delimitação consecutiva da Constituição Federal que não basta somente
se prevalecer dos benefícios da legislação, se faz necessário também, ter
eficiência e eficácia no provimento do manejo ecológico com fundamentação
da garantia efetiva do poder público como mantenedor desta prática, bem como
a preservação ao meio ambiente como bem direciona o art. 225, §1º, I, da
Constituição da República Federativa do Brasil.
O art. 229 e 230 da Constituição do Estado do Amazonas, trata
muito semelhante ao determinado pela Constituição da República Federativa
do Brasil, de que todo cidadão tem direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem como também o direito da administração pública de defende-
lo e preserva-lo, constituindo nesta mesma questão conforme o art. 230 da
CE, a legitimidade para agir em concorrência com a União:
Art. 230. Para assegurar o equilíbrio ecológico e os direitos
propugnados no art.229, desta Constituição, incumbe a o Estado e aos
Municípios, entre outras medidas:

106
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

III –preservar e restaurar os processos ecológicos


essenciais e prover o manejos ecológico das espécies
e ecossistemas;

No entanto, é possível destacar de forma satisfatória que a legislação


favorece a concorrência entre os estados e municípios levando em consideração
todas regras fundamentais para o exercício do manejo.
De acordo com a legislação 11.959/2009, foi instituído que a competência aos
Estados e Distrito Federal para o ordenamento de pesca em aguas continentais
em suas respectivas jurisdições, que visa equalizar a técnica melhor aplicada
para favorecer as competências entre os Estados.
Levando em conta os procedimentos da concorrência é que o
Decreto Lei 140/2011 e o art. 23 da Constituição da República Federativa
do Brasil, estabeleceu a cooperação entre a União e os Estados de forma
respectiva em decorrência das ações administrativas que visam proteger o
meio ambiente, atribuindo a competência relativa comum para administração
e com esta possibilidade o Estado do Amazonas então deliberou sobre a Lei
2.713/2001 que estabeleceu as regras de política de pescaque desenvolve
atividades que promovem a produção dos recursos pesqueiros com
produtividade econômica equitativa.
Desenvolvendo o conteúdo dinâmico da legislação na forma da
concorrência foi então que o IBAMA, por intermédio de sua portaria 08/1996,
regulamentou o manejo do pirarucu (Arapaima spp) no Amazonas, com o adendo
de outra instrução normativa 01/2005-IBAMA que tratava de fundamentar
a exploração e criava critérios e procedimentos para a pesca do pirarucu
(Arapaima spp) em áreas protegidas bem como, da Instrução Normativa n.
29/2002- IBAMA que regulamenta os acordos de pesca, e por último a Instrução
normativa n. 003/2007/SDS, que estabelece critérios e procedimentos também
sobre acordos de pesca no Amazonas.
Contudo é importante frisar que a trajetória da legislação em torno
do manejo do Pirarucu (Arapaima spp), gira em torno não somente da proteção
a pesca do peixe em si, mas também da preservação dos recursos naturais e o
combate ostensivo a pesca ilegal também, o que resultou na chamada do Estado
do Amazonas pela União para agir de forma mais efetiva na pesca e no acordo
de pesca relativo ao manejo do Pirarucu, o que gerou a legislação mais atual
determinada pelo Dec. n. 36.083/2015 que regulamenta a pesca do Pirarucu
(Arapaima spp) no Estado do Amazonas.

2. MANEJO DO PIRARUCU E O NOVO DECRETO 36.083/2015

A finalidade Dec. n. 36.083/2015, tem caráter socioambiental por


responder de forma eficaz as reivindicações das comunidades que vivem da

107
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

exploração do manejo e a regulamentação da pesca que consta inclusive no


processo: 014.02660.2015.
Neste ponto, o sistema de manejo vai poder abranger as áreas de
preservação, procriação e conservação de áreas de uso que constituem ambiente
aquático, com inclusão de lagos, paranás, canais e demais ambientais que sejam
determinantes para exploração do manejo do Pirarucu. A seguir, se utiliza como
exemplo algumas áreas como regra de exploração e manejo e de como ocorre.
Nos últimos doze anos, o manejo participativo de pirarucu tem sido
replicado em diversas regiões do estado do Amazonas e até de outros estados
como Acre e Pará, como também em outros países da Pan-Amazônia como
Peru, Colômbia e Guiana. Apesar das diferentes conformações que o manejo
apresenta em sua expansão, continua tendo como base um mesmo princípio, o
sistema de contagens de pirarucus. Isso porque tal método possibilita estimar
os estoques da espécie de forma relativamente rápida e com baixo custo, se
comparada a outras metodologias de estimativa de estoque da ictiofauna
(CASTELLO, 2007; VIANA. 2007).
No Amazonas, o IBAMA libera cota de pirarucu para nove áreas de
manejo em distintos municípios do estado (BESSA e LIMA, 2010). O Instituto
Mamirauá responde por duas destas nove áreas, localizadas nas RDS Mamirauá
e Amanã, na região próxima a Tefé. A participação destas duas áreas foi da
ordem de 45% do total de produção capturada no Estado, em 2009. Os seis
sistemas de manejo de pirarucu assessorados pelo PMP/IDSM são: Jarauá,
Tijuca, Maraã, Coraci, Pantaleão e Paraná Velho. Ao todo são 25 comunidades
ribeirinhas envolvidas, três colônias de pescadores dos municípios do entorno e
mais de mil pescadores beneficiados diretamente com o manejo.
Cada sistema de manejo é responsável por definir suas regras para o uso dos
recursos pesqueiros, desde que estejam em conformidade com a legislação
vigente e ao plano de manejo. As regras e punições aprovadas coletivamente
devem ser referendadas por um estatuto ou regimento interno. A participação
dos envolvidos nas tomadas de decisão e na realização das atividades foi
imprescindível para consolidação do sistema de manejo de pirarucu nas
reservas. Essa participação foi se desenvolvendo de forma lenta e gradual e,
cresceu ao longo dos anos na medida em que a população foi entendendo a
proposta da conservação, vendo o aumento do estoque de pirarucus em seus
lagos e a melhoria na renda (AMARAL, 2009).

4. A ESTRUTURA PARA A LIBERAÇÃO DO MANEJO DO PIRARUCU

Para organizar-se para implementar o manejo participativo de


pirarucu, se faz necessário verificar se as reuniões / assembléias estão sendo

108
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

realizadas periodicamente; se o sistema de vigilância está sendo efetivo; e se


o Regimento Interno está sendo respeitado. A partir de então, devem procurar
assessoria técnica para dar entrada em seu pedido de manejo, se for necessária
uma autorização especial de pesca, como acontece no estado do Amazonas. Os
passos a serem dados nesta FASE são os seguintes:
1. Pedido de assessoria técnica - Para dar entrada no Manejo, procure assessoria
técnica dos órgãos competentes e organize todos os documentos que comprovem
o cumprimento das FASES 1 e 2.
2. Vistoria da área de manejo - Os técnicos deverão fazer uma visita na área para
verificar se há viabilidade de manejo na área e se os lagos têm potencial para o
manejo de pirarucu.
3. Revisão do Regimento Interno - Aqui serão revistas às regras e penalidades
previstas no Regimento Interno e discutidas regras específicas para o manejo
de pirarucu.
4. Revisão do mapeamento dos lagos e categorias - Neste passo o zoneamento
é avaliado e são definidas ou avaliadas as categorias de lagos (preservação,
manutenção e comercialização).
5. Capacitações para o manejo - O grupo pode solicitar aos órgãos de
assessoria técnica cursos sobre gestão compartilhada dos recursos pesqueiros,
gerenciamento de associações, contagem de pirarucu, oficina de monitoramento
e qualidade do pescado, auditagem das contagens e certificação de contadores.
6. Avaliação dos estoques - A avaliação é feita por meio das contagens. Os
contadores - que devem ser necessariamente pescadores experientes de pirarucu
- devem passar por capacitação e realizar a contagem de forma responsável.
7. Elaboração do pedido de cota - Após cumprir os passos anteriores, os
técnicos que estiverem dando assessoria para seu grupo poderão elaborar um
pedido de cota que deverá ser encaminhado aos órgãos competentes. No caso
do Amazonas estes são IBAMA e CEUC.
8. Pesca e monitoramento - Com a autorização de pesca de pirarucu em mãos, o
grupo poderá se planejar para começar a pesca e registrar todas as informações
contidas nas fichas de monitoramento. Os monitores devem participar das
oficinas para realizar o trabalho de forma adequada.
9. Comercialização e prestação de contas - O grupo de manejadores pode
negociar sua produção com os compradores interessados e decidir se vão fechar
contrato ou não. É preciso estar atento e avaliar se o grupo precisará de insumos
como gelo, combustível, se o barco irá buscar a produção no flutuante de pré-
beneficiamento, etc. Uma vez vendido e recebido o dinheiro do pirarucu, a
diretoria deve distribuir o dinheiro de acordo com o Regimento Interno (divisão
de cota) e prestar conta de seus gastos por meio de notas fiscais e recibos
devidamente preenchidos.

109
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

10. Avaliação anual das atividades - A avaliação anual é um passo extremamente


importante para se verificar os pontos positivos e negativos do grupo, tentando
sempre melhorar. Neste momento é discutido também o pedido de cota para o
ano seguinte.
No entanto é importante frisar que o Estado a partir do Dec. n.
36.083/2015, começa a fazer parte desta estrutura mencionada acima, direciona
para o que melhor convier como procedimento legislativo de ordem para o
Estado do Amazonas.

5. PROGRAMAS DE MANEJO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Os Programas de Manejo de Recursos Naturais do Instituto de


Desenvolvimento Sustentável no Amazonas começaram a ser desenvolvidos
nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã
(RDSA) em 1998 e 2001. Tais Programas objetivavam promover a conservação
dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população ribeirinha
residente nas Reservas, por meio do manejo participativo.
Os processos de manejo nos quais o governo e comunidades locais compartilham
a responsabilidade na tomada de decisões, podem ser um caminho para tentar
garantir a sustentabilidade dos recursos naturais na várzea (GOULDING et al.,
1996; PADOCH et al., 1999). Neste sentido, o principal objetivo da Reserva
Mamirauá é proteger a biodiversidade através do manejo participativo. A
partir da criação dessa Reserva e da publicação do Plano de Manejo foram
gradativamente aplicadas medidas restritivas e normativas destinadas a
regulamentação do uso dos recursos naturais, incluindo o pirarucu, elaboradas
sempre com envolvimento das comunidades. Foi também definido um Sistema
de Zoneamento com áreas focal e subsidiaria e uma zona de preservação
permanente circundada por zonas destinadas à exploração sustentada dos
recursos pelas comunidades residentes e usuárias.
Além das pesquisas, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá, co-gestor da RDSM, desenvolve atividades de extensão, apoiando a
organização das comunidades e de grupos de produtores e capacitando recursos
humanos (MAMIRAUÁ, 1996).
Da mesma forma, o Manejo Comunitário do Pirarucu desenvolvido em
Mamirauá, envolve as comunidades locais e organizações governamentais e
não governamentais. Esse sistema de manejo baseia-se no levantamento anual
dos estoques de pirarucus e no estabelecimento de cotas conservadoras de pesca
(VIANA, 2003; VIANA, 2007).
O monitoramento das populações é realizado de forma direta pelos
próprios pescadores envolvidos no processo de manejo. Em 1999, uma pesquisa

110
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

desenvolvida na Reserva Mamirauá mostrou que pescadores experientes são


capazes de estimar a abundância de pirarucus pelas contagens que são feitas no
momento da respiração aérea dos indivíduos da espécie (CASTELLO, 2004).
Essa metodologia foi validada através de levantamentos que mostraram que
as contagens feitas pelos pescadores variam apenas cerca de 10% em torno do
valor verdadeiro de abundância(CASTELLO, 2004; ARANTES et al., 2007).
Após a implementação do manejo foram observadas mudanças em aspectos da
pesca dopirarucu na Reserva Mamirauá (VIANA et al., 2004, 2007; ARANTES
et al., 2006; CASTELLO2007; AMARAL, 2007). Entre outros resultados, os
comprimentos médios da capturaaumentaram e a pesca de juvenis reduziu.
Além disso, a população de pirarucu tem apresentado sinais de recuperação
(ARANTES et al., 2006; VIANA et al., 2007). Por exemplo, na localidade onde
o manejo foi inicialmente implementado a população de pirarucu em 1999 foi
estimada através das contagens em 2.500 indivíduos e em 2006, em cerca de
21.000 (ARANTES et al., 2006).

6. ACORDO DE PESCA

Segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento


Sustentável do Amazonas, o primeiro acordo de pesca assinado no Estado,
após a edição da Instrução Normativa que regulamentou esse instrumento,
data de 27 de setembro de 2004, tendo sido celebrado na localidade do Rio
Urini, Barcelos. Por meio da Instrução Normativa Conjunta n. 02, entre
o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM e o IBAMA,
foram zoneadas áreas para pesca de subsistência, comercial e esportiva.
Atualmente os acordos de pesca no Estado somam um total de 52 Instruções
Normativas espalhadas em 22 municípios.
Estes acordos tem como instrumento peculiar a normatização dos
critérios de conservação e uso das espécies sob o regime do manejo, tem uma
função importante para o pressuposto legislativo porque o Governo Federal
tem como uma de suas diretrizes básicas a gestão participativa, onde usuários e
Governo tomam decisões conjuntas à cerca dos recursos pesqueiros. Na região do
Médio Amazonas, a gestão participativa vem sendo implementada desde 1997.
Neste ponto a Gestão Participativa da pesca que ora vem sendo
implementada pelo IBAMA, baseia-se nos acordos de pesca comunitários
realizados pelas comunidades ribeirinhas na tentativa de organizar a pesca em
seus respectivos lagos, a partir da intensificação das atividades pesqueiras.
Está fundamentada no documento “Administração Participativa: Um desafio à
Gestão Ambiental”, e na portaria nº07/96, do IBAMA.
É importante frisar que de um lado tem-se o Estado em seu papel constitucional

111
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

de gestor da coisa pública – regulamentar, administrar e controlar o uso dos


recursos naturais – e do outro lado à sociedade civil. Dos dois lados temos
posições contraditórias e tensões internas e externas que não podem passar
despercebidas. Muito se fala sobre gestão participativa, no entanto faltam
pesquisas que possam averiguar a efetividade dessa participação. Não é porque
exista previsão legal de participação da sociedade civil que realmente ocorra
essa co-gestão.
Para viabilizar essa fiscalização participativa, e também atuar como
educador ambiental junto à comunidade foi criado o agente ambiental voluntário.
A Instrução Normativa n. 19 de 2001 do IBAMA institucionalizou a atuação
desse agente e, posteriormente, em 2005, foi instituído o programa de Agentes
Voluntários através da Instrução Normativa n. 66. No entanto, as organizações
comunitárias e os agentes ambientais voluntários têm poderes muito limitados
de fiscalização dos acordos de pesca, restritos apenas à constatação e não a
autuação. Os acordos de pesca podem definir a maneira como os recursos
pesqueiros serão utilizados, mas não pode definir quem pode ou não pescar.
No entanto, é importante destacar que a legalidade dos Acordos de
Pesca Como já foi mencionada anteriormente, de acordo com o art. 24, VI, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a competência para
legislar sobre florestas, caça, pesca fauna, conservação da natureza, defesa
do solo, e dos recursos naturais, poluição do meio ambiente e controle da
poluição são concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. Cabe à União
estabelecer normas gerais sobre essas matérias, entre outras, o que não exclui
a competência suplementar dos Estados, podendo ampliar. O favorecimento
do novo Dec. n. 36.083/2015, o Estado poderá implementar melhor a estrutura
base de como proceder nos critérios normativos de conservação e uso, em
conjunto com a comunidade aplicando o instrumento como regra de definição
dos recursos pesqueiros utilizados.

CONCLUSÃO

Como pôde ser constatado com o presente estudo, a regulamentação


de um novo Dec. n. 36.083/2015, o Estado do Amazonas, terá uma maior
possibilidade de operar nas áreas de regulamentação que tratam do manejo
do Pirarucu (Arapaima spp), com a consistência do amparo da legislação que
direciona para a competência concorrente, relativa o que pode esclarecer de
forma eficiente e mais adequada sobre os programas de manejo, os acordos de
pesca, a forma de uso das unidades de conservação, bem como poderá se retirar
muitas dúvidas sobre real a participação comunitária existente, as possibilidades
de efetivação e os problemas de legalidade formal pertinentes.

112
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Além disso, é preciso avançar mais nesses estudos, procurando entender


como realmente a partir do decreto a implementação e a execução dos trabalhos
irão acontecer. De forma que o manejo da pesca tem relevância preponderante
no que tange principalmente as questões ambientais que envolvem de forma
denominativa a gestão de recursos naturais da Amazônia.
São de extrema necessidade análises criteriosas de iniciativas que
possam contribuir para o manejo, mas desde que sejam voltados para a resolução
de problemas ambientais existentes no que tange as licenças para operar os
manejos que, em muitos casos, exprimem situações de disputa e pressão sobre
os recursos naturais com fortes interesses econômicos envolvidos. Destaca-se
que o presente estudo tem por finalidade uma tentativa de analisar a legislação
de forma mais adequada e objetiva no que tange a nova formatação do Estado
em relação a uma visão geral e crítica sobre o tema e análise na perspectiva
jurídica da competência legislativa que regulamenta o manejo do Pirarucu pelo
Estado do Amazonas.

113
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

AMARAL, E.S.R. A comunidade e o mercado: os desafios na comercialização


de pirarucu manejado das Reservas Mamirauá e Amaná. Uakari (3) 2:
7-17.2007.

ALMEIDA, Bruna G. D, Os Acordos de Pesca Na Amazônia: Uma


Perspectiva Diferenciada de Gestão das Águas, http://www.conpedi.org.br/
manaus/arquivos/anais/recife/direito_ambiental_bruna_almeida.pdf, acesso no
dia 24 de agosto de 2015.

ARANTES, C. C.; SERQUEIRA, D. G.; CASTELLO, L. Densidades de


pirarucu (Arapaima gigas, Teleostei, Osteoglossida e nas Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá eAmanã, Amazonas, Brasil.
Uakari 2: 37- 43. 2006.

ARANTES, C. C; CASTELLO, L.; SERQUEIRA, D. G. Variações entre


contagens de Arapaima gigas (Schinz, 1822) (Osteoglossomorpha,
Osteoglossidae) feitas por pescadores individualmenteem Mamirauá,
Brasil. Pan-American Journal of Aquatic Sciences 2: 263-269. 2007.

CASTELLO, L. Amethod to count pirarucu, fishers, assessment and management.


North, American Journal of Fisheries Management 24, 379-389. 2004.

CASTELLO, L. Nests of pirarucu Arapaima gigas in floodplains of the


Amazon: habitat and relation to spawner abundance. Journal of Fish
Biology, 2008.

CASTELLO L. Lateral migration of Arapaima gigas in floodplains of the


Amazon. Ecology of Freshwater Fish, 2008.

CRAMPTON, W. G. R.; CASTELLO, L.; VIANA. J.P. Fisheries in the


Amazon várzea: historical trends, current status, and factors affecting
sustainability. In: SILVIUS, K.;

BODMER, R.; FRAGOSO, J. M. V. (Eds.). People in nature: wildlife


conservation in South and Central America. New York: Columbia University
Press,2004.

GOULDING, M.; SMITH, N.J.H.; MAHAR, D.J. Floods of fortune; ecology


and economy along the Amazon. New York: Columbia University Press. 193
pp.1996.

114
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ISAAC, V. J.; RUFFINO, M. L. Population dynamics of tambaqui, Colossoma


macropomum

Cuvier, in the Lower Amazon, Brazil. Fisheries Management and Ecology 3,


315–333. 1996.

ISAAC, V. J.; RUFFINO, M. L; MCGRATH, D. G. In search of a New


Approach to Fisheries
Management in the Middle Amazon Region. Fishery Stock Assessment
Models. Alaska Sea Grant College Program. AK-SG-98-01.1998.

PADOCH, C. et al. Várzea: Diversity, Conservation and Development of


Amazonia’s whitewater floodplains. New York Botanical Garden Press, New
York. 1999.

SOCIEDADE CIVIL MAMIRAUÁ. Mamirauá: Plano de Manejo. Brasília:


Sociedade Civil
Mamirauá. 1996.

VERÍSSIMO, J. A Pesca no Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Alves


e Cia (Monographias Brasileiras III), 206 pp. 1895.

VIANA, J. P.; DAMASCENO, J. M. B.; CASTELLO, L. Desenvolvimiento


de la pesca comunitaria en la Reserva de Desenvolvimiento Sostenible
Mamirauá. In: Campos-Rozo, C.,Ulloa, A. Eds Fauna Socializada: tendencias
en el manejo participativo de la fauna em America Latina. Bogota: Fundancion
Natura; MacArthur Foundation; Instituto Colombiano de Antropologia e
História, 2003.

VIANA, J. P. et al. Economic incentives for sustainable community


management of fishery resources in the Mamiraua Sustainable Development
Reserve, Amazonas, Brazil. IN: Silvius, K.;Fragoso, J.; Bodmer, R. People
in Nature: Wildlife Conservation in South and Central America.New York:
Columbia University Press, 2004.

VIANA, J.P. et al. Manejo comunitário do pirarucu Arapaima gigas na Reserva


de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - Amazonas, Brasil. Áreas
aquáticas protegidas como instrumento de gestão pesqueira. Série Áreas
Protegidas do Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente e IBAMA, 2007.

115
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

AMEAÇA A SUSTENTABILIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:


O Caso da Reserva Extrativista Chico Mendes

THREAT TO SUSTAINABILITY OF PROTECTED AREAS:


The Case of Chico Mendes Extractive Reserve

Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro


Advogada; Mestra em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas/AM; Especialista
em Administração Pública pela Faculdade da Amazônia Ocidental;
Graduada em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental e em Ciências
Econômicas pela Universidade Federal do Acre.

Paulo Fernando de Britto Feitoza


Juiz de Direito da 1ª. Vara da Fazenda Municipal; Presidente da 1ª. Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cíveis; Especialista em Direito Público e
Privado pela Fundação Getúlio Vargas; Mestre em Direito Ambiental pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado
do Amazonas (PPGDA-UEA); Doutor em Direito das Relações
Sociais (Processual Civil – PUC/SP); professor do Programa de Pós-
Graduação em Direito Ambiental do PPGDA-UEA; autor do livro Patrimônio
Cultural – proteção e responsabilidade objetiva.

Resumo: Este trabalho aborda a Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada


no sudeste do Estado do Acre, criada para garantir a exploração auto-sustentável
e a conservação dos recursos naturais renováveis. O estudo tem como objetivo
identificar os principais fatores que vêm ameaçando a sustentabilidade
da RESEX, prejudicando a finalidade da unidade de conservação de uso
sustentável, que se baseia no extrativismo. O método utilizado na elaboração
da pesquisa foi o dedutivo com pesquisa bibliográfica em livros, periódicos,
artigos científicos, Leis e Decretos, relacionados ao tema. Conclui-se que
diante do quadro existente dentro da reserva Chico Mendes medidas urgentes
precisam ser adotadas para evitar o avanço de atividades que comprometam a
sua sustentabilidade.
Palavras-Chave: Unidades de conservação; Sustentabilidade; Reserva
extrativista.

Abstract: This paper addresses the Chico Mendes Extractive Reserve, located
in the southeast of Acre, created to ensure self-sustainable exploitation and

116
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

conservation of renewable natural resources. The study aims to identify the


main factors that have threatened the sustainability of RESEX, undermining
the goals of sustainable conservation unit, which is based on extraction. The
method used in the preparation of the research was the deductive with literature
in books, journals, scientific papers, laws and decrees related to the topic. We
conclude that on the existing framework within the reserve Chico Mendes
urgent measures need to be taken to prevent the activities of breakthrough that
compromise its sustainability.
Keywords: Protected Areas; sustainability; Extractive reserve

INTRODUÇÃO

A temática ambiental é sugestiva de uma dimensão equivalente à


grandeza do seu objeto – o meio ambiente - e da normatividade que este
oferece. No caso brasileiro, o meio ambiente tem a dimensão de um pais
continental, localizado entre dois hemisférios, ocupando área territorial que
permite o concurso uma natureza diversificada e de um pluralismo cultural.
Por isso mesmo, dimensionado o Brasil continental, o tema que trata
das unidades de conservação e olha especialmente para a Reserva Extrativista
Chico Mendes, remete o estudo ao seu vestíbulo.
Faz pensar o direito ambiental como o conjunto de princípios e normas
impositivas e reguladoras das atividades humanas. Atividades estas, que podem
de uma forma direta ou indireta afetar a higidez ambiental, comprometer a
preservação do meio ambiente, ao tempo em que afasta a sua integridade com
a qual deveria ir ao encontro das gerações futuras.
Consequentemente, as normas e princípios darão a possibilidade de
existir um equilíbrio entre a natureza e o homem, como forma de ser resguardada
a sanidade do meio ambiente, com perspectivas da continuação da humanidade
para o futuro em um planeta hábil à vida.
Assim sendo, o direito ambiental tem o caráter preventivo, no
sentido de prevenir e afastar o mal, e até mesmo o de eliminar o risco que
pode sobrepairar. Mas também, é um ramo do direito que tem uma vertente
sancionadora, na medida em que disciplina a lesão ou ameaça ao bem tutelado,
impondo responsabilidades ao causador do dano ou àqueles que estiverem na
iminência de causá-lo.
Por ser assim, quando se fala em unidades de conservação, deve
o tema volver à diretiva do direito ambiental, como forma de sedimentar o
juízo de valor de um sistema de proteção ao meio ambiente, que principia com
um conceito, percorre normas e princípios, para disciplinar particularmente

117
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

cada caso do universo ambiental, como o atual, que ora se cuida, integrante do
gênero espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, §1º., III, da CF)

1. PRECEITOS REGENTES DO MEIO AMBIENTE DE NATUREZA FUNDAMENTAL

A Constituição Federal (CF), em seu art. 225, caput, terá dito a respeito
do meio ambiente, no sentido de idealizá-lo como um valor difuso, tanto que
concedeu a todos indistintamente, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do provo e essencial à sadia qualidade de vida,
sendo dever imposto ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo
para as gerações futuras.
Como se deduz, não se trata de um conceito, mas de uma declaração
de direitos com encargos de guarda ou resguardo e preservação, para a
continuidade do bem-estar das sucessoras desta presente geração.
A preservação, como se viu, devidamente constitucionalizada, é
substantivação de como deve ser a relação da humanidade com o meio ambiente,
seja ele natural ou cultural, porque como se diz doutrinariamente, “o meio
ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
suas formas” (SILVA, 2010).
Destaca-se, com a ideia de defesa e preservação do meio ambiente,
serem estas as diretivas fundamentes de todo o sistema da validade e eficácia
do meio ambiente. Sem a ideia de defesa, resguardo ou ainda de proteção, não
haverá como preservá-lo ou mantê-lo incólume, para a humanidade vindouro e
sucessora da presente.
Por isso mesmo que o art. 225 da CF, pode se revestir da norma
princípio ou norma matriz, quando se reporta ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Prossegue o Capítulo do Meio Ambiente com os incisos de I
ao VII, concernentes ao §1º., do citado art. 225 , da CF, que são as normas
instrumentos, ou sejam, aquelas que viabilizam o comando expresso no caput
com possibilidades de dar ao Poder Público autoridade para promover as
políticas públicas favoráveis ao meio ambiente.
Seguem-se os §§ 2º a 6º, do art. 225 da CF, que são um conjunto de
determinações particulares, relacionadas com setores e objetos, que sugerem
imediata proteção e regulamentação legal.
Sumariamente, os incisos aos quais se fez menção, dão ao Poder
Público o modo de tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, na forma de preservar (I) os processos ecológica, (II) a diversidade
e integridade do patrimônio genético; (VII) proteger a fauna a flora; (IV) exigir

118
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

o estudo prévio de impacto ambiental, para afastar a possibilidade de obra que


comprometa a higidez ambiental; (V) controlar a produção, comercialização e o
emprego de técnicas que coloquem em risco a vida e a sua respectiva qualidade,
bem como o meio ambiente; (VI) promover a educação ambiental.
O inciso III, impõe como obrigação do Poder Público, “definir, em
todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos (....) vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifica quem sua proteção” ( BRASIL, 1988).
O encadeamento feito até o presente concorre para consolidar a
introdução, quando em preliminar se focou no aspecto protetivo que o meio
ambiente sugeria, o que agora se confirma com o aporte constitucional referendado.
No entanto, para enfeixar a seção, quando se prenuncia que as unidades
de proteção confirmam suas instituições a partir de preceitos constitucionais e
de princípios ambientais, que seguem na linha discursiva subsequente.
Começa-se, pois, lembrando do princípio do ambiente ecologicamente
equilibrado, destacando que se trata de um direito fundamental da pessoa
humana, tanto assim que o art. 225, já enunciado confirmou que todos tem
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito fundamental
que, pelo seu enunciado, se constitui em preceito de obrigatório acatamento
com a sua natureza cogente e fisionomia social de largo alcance.
Prossegue-se com a natureza pública da proteção ambiental, posto
que se trata de um bem de uso comum do povo, remetendo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de diligenciar com a devida responsabilidade para
acatar suficientemente a CF. Por ser assim, tem se que este princípio vincula-se
ao princípio do Direito Público, que consagra a primazia do interesse público,
com o princípio do Direito Administrativo que consiste na indisponibilidade
do interesse público. Com estas proposições e possível afirmar que a natureza
pública da proteção ambiental impõe à Administração Pública zela pela
integridade do meio ambiente.
Continua-se com o princípio da participação comunitária, quando se
pretende que a solução dos problemas ambientais devem arregimentar o Estado
e a sociedade em ação conjunta, para a formulação e execução de políticas
públicas ambientais. É o que menciona o art. 225, da CF, pelo qual incumbe o
Poder Público e à coletividade defender e preservar o meio ambiente.
Enfeixa-se o estudo basilar dos princípios, restritamente feito,
trazendo ao debate o princípio da precaução. Observa-se que, sobretudo, quando
se fala, em áreas especialmente protegidas a proteção remete ao principio da
precaução, como forma de engrandecer a responsabilidade de todos, mesmo na
superveniência de uma incerteza cientifica e ainda que se esteja vivendo uma
ausência de lastro jurídico.

119
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Isto porque, o princípio da precaução corresponde à essência do


direito ambiental, tratando-se de um zelo contra os riscos, que visa elidir as
probabilidade de um evento danoso ou a fim de que se tenha uma margem de
segurança de que o perigo está afastado.
Diz- se que “o princípio da precaução se resume na busca do
afastamento, no tempo e no espaço, do perigo, na busca também da proteção
contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto
de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação
de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor
tecnologia disponível é necessariamente um corolário” (DERANI, 2011).

2. ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS

O meio ambiente, na forma como vem sendo tratado neste texto pelo
entrelaçamento dos parágrafos antecedentes com os subsequentes, é objeto de
ampla proteção por parte do direito que normatiza as relações entre o meio
ambiente e o homem, constituindo-se, assim, em direito do meio ambiente
que se procura fazê-lo eficaz, para não comprometer a própria vida e a sua
respectiva qualidade.
Da proteção que a lei outorga ao meio ambiente, nota-se, com muita
segurança e sentimento operativo, que a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981,
disciplinou a Política Nacional do Meio Ambiente, escrevendo em seu art. 2º
que, a referida política pública, estava voltada para a preservação, melhoria
e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, cujas metas visavam
as condições do desenvolvimento sócio-econômico do país e a proteção da
dignidade da vida humana.
Neste contexto e com o olhar voltado para o tema ora desenvolvido,
enunciou a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente princípios, dentre os quais
se destacam a elevação do meio ambiente à condição de patrimônio público,
para ser necessariamente assegurado e protegido em prol da coletividade (art.
2º, I), bem com a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas (art. 2º, IV).
Como instrumento efetivo da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
n. 6.938, de 31 de agosto de 1981), foi instituída a criação de espaços territoriais
especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais
como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas
extrativistas (art. 9º., inc. VI).
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n. 6.938, de 31 de
agosto de 1981, foi alterada, ou melhor atualizada diante da Carta Federal de
1988, de tal sorte que sobreveio a Lei n. 7.804, de 18 de julho de 1989, dando
ao inciso VI, do art. 9º, referido, nova redação para inserir no seu enunciado

120
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

– espaços territoriais especialmente protegidos. Acredita-se que a alteração


adveio por força da própria Constituição Federal, que incumbiu ao Poder
Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos. (art. 225, § 1º., inc. III).
Todas as proposições apresentadas visam ratificar o caráter protetivo
do Direito Ambiental, ao tempo que se traz ao presente um percurso que
antecede a Carta Federal de 1988, quando foram instaladas as políticas públicas
ambientais por meio da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, tempo em que
já era utilizada como instrumento de execução da política ambiental “a criação
de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante
interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal” (redação
original do inciso VI, do art. 9º., da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Pondera-se que, com o preceito constitucional da proteção especial a
espaços territoriais definidos em todas as unidades da federação, ampliou-se e
sistematizou-se de melhor forma a modalidade de proteção ambiental em áreas
determinadas pelas qualidades ou peculiaridades, bem como pelas necessidades
humanas de um meio ambiente favorável à sadia qualidade de vida.
Tem-se, pois, em conclusão a este tópico, que os espaços geográficos
ou territoriais a serem especialmente protegidos (art. 225, § 1º., III, da CF),
representam um gênero do qual são espécies as áreas de preservação permanente
(APPs), as reservas florestais legais e as unidades de conservação. Mais uma
vez realça-se o aspecto da proteção as áreas específicas para a preservação do
bem de uso comum do povo – o meio ambiente – considerado essencial à sadia
qualidade de vida.

3. MACROSSISTEMAS E MICROSSISTEMA

Dentre tantas classificações para agrupar a diversidades das áreas


protegidas, segue-se aquela que divide os sistemas territoriais especialmente
protegidos em macrossistemas e microssistemas.
Macrossistemas são prenunciados na Carta Federal e por outros
processos mais que consideram as extensas áreas de vegetação protegidas pela
União, com a dimensão que abrange um ou mais estados.
São os macrossistemas ou biomas representações de “grandes
ecossistemas que compreendem várias comunidades bióticas em diferentes
estágios de evolução, em vasta extensão geográfica” (MILARÉ, 2001).
Ademais, por necessidade ecológica, “os biomas apresentam intensa
e extensa interação edáfica e climática, definindo assim as condições ambientais
características. É a unidade ecológica imediatamente superior ao ecossistema.
Há biomas terrestres e aquáticos” (MILARÉ, 2001).

121
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A Constituição Federal reservou à Floresta Amazônica Brasileira, à


Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Matogrossense e à Zona Costeira
a denominação de patrimônio nacional, restrita a sua utilização à conformidade
da lei, observada sobremodo a preservação do meio ambiente quanto ao uso
dos recursos naturais (art. 225, §4º). Este conjunto natural, que praticamente
se estende Brasil afora, reflete a proteção constitucional ao meio ambiente. São
macrossistemas ou biomas de interesse nacional.
Avalia-se agora outro segmento dos espaços territoriais especialmente
protegidos, denominados de microssistemas ou biomas de interesse estadual,
federal ou municipal. Nestes estão as unidades de conservação. Trata-se de áreas
com tamanhos diversos, com territórios nas bases das unidades federadas que
os constituíram, com o relevante valor natural (flora e fauna), sendo justificada
a contenção da excessiva exploração pelo homem para afastar ameaça ou
extinção de espécies.

4. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

As unidades de conservação, conforme foi manifestado acima, são


espécies de um gênero constitucionalizado denominados de espaços territoriais
especialmente protegidos (art. 225, §1º., inc. III, da CF).
Pode-se dizer que as unidades de conservação estão submetidas às
diretrizes contidas nos incs. I, II, III, e IV, do §1º, do art. 225, da CF, tanto que
a Lei n. 9.985/2000, que as regulamentou e instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (SNUSC), reportou-se na sua ementa
aos referidos dispositivos constitucionais. Mencionados aportes constitucionais
evidenciam, mais uma vez, o aspecto protetor do qual se investe do Direito
Ambiental em favor do meio ambiente.
Por ser assim, considera-se oportuno ressaltar que os incisos I, II, III,
e IV, do §1º. , do art. 225 da Constituição Federal voltados para a preservação
e restauração dos processos ecológicos; provisão do manejo ecológico das
espécies e ecossistemas; preservação da diversidade e integridade do patrimônio
genético do país; fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação
do material genético; definição em todas as unidades da federação dos espaços
territoriais a serem especialmente protegidos; exigência do estudo prévio de
impacto ambiental às obras potencialmente degradantes do ambiente.
Em síntese, os incisos sumariados traduzem proteção, preservação,
fiscalização, estudos prévios de danos, de tal sorte que seja possível
acautelar o espaço ecológico, promover o manejo, fiscalizar, instituir áreas
protegidas, guardar o material genético e ter finalmente uma flora e uma
fauna livres de intensas investidas pelo homem, que culminem com uma

122
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

degradação irreversível e intransponível a qualquer restauração. Estas


são as recomendações constitucionais por meio de normas-instrumentos,
que objetivam satisfazer o preceito representado pelo meio ambiente
ecologicamente equilibrado – norma-matriz.
O conceito de unidade conservação, pode ser deduzido a partir dos
elementos constitucionais e da própria ideia de direito ambiental. No entanto,
colhe-se do inc. I, do art. 2º.da Lei n. 9.985/2000 a definição de unidade de
conservação, como sendo o espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e
limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de proteção.
Oportuno dizer que Lei do SNUC (n. 9.985/2000) é constituída de
60 artigos, que se distribuem por sete capítulos, com os seguintes títulos: Cap.
I – Das disposições preliminares; Cap. II – Do sistema nacional de unidades
de conservação da natureza – SNUC; Cap. III – Das categorias de unidades
de conservação; Cap. IV – Da criação, implantação e gestão das unidades de
conservação; Cap. V – Dos incentivos, isenções e penalidades; Cap. VI – Das
reservas da biosfera; Cap. VII – Das disposições gerais e transitórias.

4.1 GRUPOS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

A lei regente do SNUC em seu art. 7º dilucida que as suas


unidades de conservação se dividem em dois grupos instituídos, cada um
deles, com características próprias. São este dois grupos designados pela
nomenclatura seguinte:
a) Unidades de Proteção Integral;
b) Unidades de Uso Sustentável.
Nesse ínterim faz-se necessário instituir a fundamental diferença
existente entre os dois grupos, porquanto nas unidades de proteção integral
o objetivo básico é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso
indireto dos seus recursos naturais, enquanto nas unidades de uso sustentável
compatibiliza-se a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela
dos seus recursos naturais.
A esta altura da retórica, prudente que se institua o juízo de valor que
advém do verbete preservar frente a outro termo denominado de conservar.
Pois bem, preservar é proteger a flora e os recursos naturais daquela
região, com a possibilidade do uso indireto de tais recursos. Na linguagem da
lei, “a preservação é um conjunto de métodos, procedimentos e políticas que
visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além dos

123
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais” (inc. V,


art. 2º., da Lei n. 9985/2000).
Quanto à conservação esta viabiliza a exploração econômica dos recursos
naturais em determinada área, promovendo o manejo adequado e racional. Pela
lei, tem-se a conservação da natureza como o manejo do uso humano da natureza,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração
e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício,
em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as
necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos
seres vivos em geral ”(inc. II, art. 2º., da Lei n. 9985/2000).

4.2. CATEGORIAS DOS GRUPOS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Com relação às unidades de proteção integral, tem-se as seguintes


categorias: Estação ecológica, Reserva biológica, Parques Nacionais, Estaduais
e Municipais, Monumento Natural, Refúgio da Vida Silvestre.
a) Estação Ecológica, que visa a preservação da natureza e a
realização de pesquisa científica.
b) Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da
biota e demais atributos naturais existentes em seus limites.
c) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais tem como objetivo
básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica
e beleza cênica.
d) Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios
naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.
e) Refúgio da Vida Silvestre tem como finalidade proteger ambientes
naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de
espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória.
As unidades de uso sustentável têm as seguintes categorias neste
grupo: área de proteção ambiental; área de relevante interesse ecológico; floresta
nacional; reserva extrativista; reserva de fauna; reserva de desenvolvimento
sustentável e reserva particular do patrimônio natural.
a) Área de Proteção Ambiental tem como objetivos básicos proteger
a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a
sustentabilidade do uso dos recursos naturais;
b) Área de Relevante Interesse Ecológico é uma área em geral de
pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características
naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem
como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local
e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os
objetivos de conservação da natureza;

124
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

c) Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies


predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo
sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em
métodos para exploração sustentável de florestas nativas;
d) Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e,
complementariamente, na agricultura de subsistência e na criação de animais
de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a
cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais
da unidade. É de domínio público com seu uso concedido às populações
extrativistas tradicionais;
e) Reserva de Fauna é uma área natural com populações animais de
espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas
para estudos técnico-científicos sobre manejo econômico sustentável de
recursos faunísticos;
f) Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural
que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas
sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo
de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham
um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da
diversidade biológica;
g) Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada,
gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.

5. MARCO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS

A criação de unidades de conservação marcou o início da preocupação


ambiental em nosso País e são instrumentos essenciais para preservar uma
quantidade expressiva de paisagens de beleza indescritível. Essas dádivas da
natureza protegem as águas, as espécies da fauna e da flora.
O Direito Constitucional Brasileiro permite à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios a criação de unidades de conservação,
nos territórios sob sua jurisdição. Nossa Carta Magna, art.225, §1º, inc. III,
declarou como sendo um dos deveres do Poder Público:

(...) definir em todas as unidades da Federação,


espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e
supressão permitida somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção.

125
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

As Reservas Extrativistas foram criadas a partir de 1990 como espaços


territoriais destinados a assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e
proteger o meio de vida e a cultura das populações tradicionais das florestas.
Nasceram originalmente da luta pela identidade dos seringueiros, povos que
viveram explorados secularmente pelos patrões da borracha nativa na Amazônia.
O processo para a criação das reservas iniciou em Xapuri, onde
Chico Mendes destacou-se como liderança, ganhando espaço em 1985,
no Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em Brasília,
Distrito Federal, com a participação de 130 seringueiros do Acre, Rondônia,
Amazonas e Pará (CNS, 1992).
O movimento foi uma oposição dos seringueiros aos modelos de
desenvolvimento definidos pelo Governo Federal para a região amazônica
brasileira, a partir da década de 1970, onde predominavam a implantação de
projetos agropecuários extensivos, de mineração e madeireiros, resultando
em grande concentração fundiária, êxodo das populações tradicionais para as
cidades e devastação da região.
Os seringueiros passaram a resistir a essas mudanças e a expulsão,
unindo-se em Sindicatos Rurais e organizando os chamados “empates” (forma
de luta organizada para impedir as derrubadas das árvores e consequentemente
a destruição da Floresta Amazônica).
Como forma alternativa à ocupação do território amazônico foi
construído um novo modelo denominado “Reserva Extrativista”, onde as terras
pertencem a União, mas com o usufruto dos que nela habitam e trabalham
(MMA, 2006).
Desta forma, pode-se então afirmar que, as reservas extrativistas
foram concebidas no âmbito da reforma agrária, para que a terra cumprisse sua
função social e econômica. Neste contexto, também, estava inserido a defesa do
meio ambiente, uma vez que a conquista da terra visava manter o extrativismo
e a conservação da floresta.
Em 1990, os resultados da luta dos seringueiros pela terra
começaram a ser atingidos, sendo criada no Estado do Acre as duas
primeiras reservas extrativistas do país: a Reserva Extrativista do Alto
Juruá, com 506.000 ha e a Reserva Extrativista Chico Mendes, na região de
Xapuri, com 970.000 hectares.
O modelo de reserva extrativista era, na verdade, uma tentativa,
naquela época, de traçar um novo formato de reforma agrária na Amazônia,
espalhando seringueiros pelas estradas de seringa, extraindo o látex e
conservando a floresta. A combinação também seria uma alternativa aos
assentamentos rurais do INCRA. Nas duas reservas, 2.650 famílias foram
assentadas (GLOBO RURAL, 2015).

126
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A institucionalização das Reservas Extrativistas foi um passo decisivo


no processo de emancipação dos trabalhadores extrativistas e da recuperação de
sua cidadania, mais ainda, essa conquista significou a base e o ponto de partida
para a evolução das organizações comunitárias e a melhoria das condições de
vida das comunidades tradicionais que adotaram esse modelo.

6. INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

O direito ambiental brasileiro é um forte instrumento para a proteção,


conservação e garantia da sustentabilidade das unidades de conservação, mas
é preciso que sejam exigidos sua aplicação e seu cumprimento, pelos órgãos
gestores e pela sociedade.
O direito se manifesta sempre como um meio para atingir a sua
finalidade política, e os instrumentos específicos de direito ambiental
utilizados para efetivar a proteção jurídica ao meio ambiente são
diferenciados em cinco aspectos instrumentais: constitutivo, repressivo,
fiscalizador, indenizador e participativo.
Aspecto Constitutivo: Constitui-se através de atos legislativos,
o corpo e a estrutura da Administração Pública Estatal, que transforma a
legislação ambiental vigente em ações administrativas, executando assim as
leis ambientais.
Aspecto Repressivo: Todas as disposições do direito ambiental
penal e do direito ambiental administrativo com caráter punitivo objetivam,
em primeiro lugar, conduzir o cidadão e as empresas a um comportamento
que evita qualquer violação de normas que definem os crimes ou infrações
ambientais. Em segundo lugar, elas sancionam qualquer violação destas
normas para evitar novos crimes ou infrações ambientais no futuro. O
instrumento de repressão objetiva claramente disciplinar ou alterar nosso
comportamento a respeito da natureza.
Aspecto Fiscalizador: Além dos efeitos acima explicados, o direito
ambiental administrativo estabelece, através de sua função principal, um sistema
administrativo de fiscalização de todos os atos e omissões que comportem risco
para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente.
Aspecto Indenizador: Este aspecto instrumental é semelhante ao
aspecto repressivo. Só nele é substituída a sanção penal ou administrativa
punitiva pelo sistema da responsabilidade civil, pela obrigação de recuperar,
de uma forma adequada, qualquer dano disciplinar ou alterar nosso
comportamento à natureza.
Aspecto Participativo: Qualquer atividade potencialmente causadora
de degradação ao meio ambiente é submetida a um processo administrativo

127
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

a que se dará publicidade, como prevê artigo 225, inciso IV, da Constituição
Federal de 1988. Essa exigência legal tem por fim possibilitar a participação do
cidadão e dos grupos interessados que representam à função fiscalizadora da
sociedade ou da Administração Pública como agente legítimo a movimentar o
judiciário na questão da tutela do meio ambiente.
A Ação Popular Ambiental é outro instrumento importante para o
controle externo da coisa pública, abre espaço para a intervenção direta do
indivíduo em verdadeira possibilidade de exercício da Cidadania Participativa
nas tarefas da proteção ambiental.
A Lei nº 4.717/65, que regulamenta a ação popular prevista no art. 5º,
LXXIII, da CF, foi recepcionada pela nova ordem jurídica. O titular da ação é
o cidadão. Este propõe a ação , não com fundamento em interesse individual,
mas em interesse público (relacionada ao meio ambiente). Não há, assim,
coincidência entre o titular do bem lesado (coletividade) e o sujeito da ação
(autor popular) (SIRVINSKAS, 2013).
O Mandado de Segurança Coletivo, como ação de eficácia potenciada,
permite que até os Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional,
bem como outras organizações com legitimidade para impetrar, controlem
juridicamente os atos e as omissões da Administração Pública na questão da
tutela do meio ambiente.
A Ação Civil Pública merece destaque. É o meio de defesa ambiental
mais utilizado em nossa sociedade, assim como o maior agente de defesa que
é o Ministério Público, uma vez que a nossa sociedade ainda não possui o
salutar costume de defender por si própria seus interesses e direitos legítimos e
inalienáveis, como é o caso do meio ambiente saudável.

7. FATORES QUE AMEAÇAM A SUSTENTABILDADE DA RESERVA EXTRATIVISTA


CHICO MENDES

A devastação das áreas protegidas implica em uma série de prejuízos:


conflitos sociais, desrespeito aos direitos humanos, empobrecimento da
biodiversidade, degradação de solos, comprometimento de bacias hidrográficas,
contribuições para a emissão de gases de efeitos estufa e perda de oportunidades
econômicas associadas ao uso sustentável dos recursos naturais. Em outras
palavras, prejuízos para a população brasileira e para o nosso planeta.
De todas as estratégias de proteção ambiental, as unidades de
conservação constituem o melhor mecanismo de preservar os recursos naturais.
O Brasil possui hoje 3,7% de sua extensão territorial definido em unidades de
conservação, sendo que a maioria dessas unidades enfrentam sérios problemas
para serem efetivamente implementadas, em decorrência da regulamentação

128
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

fundiária, do cumprimento dos objetivos para os quais foram criadas, e até


mesmo do sistema de proteção e fiscalização de sua área, pela falta de recursos
financeiros e de pessoal qualificado para sua administração.
A Reserva Chico Mendes foi criada em 12 de março de 1990, através
do Decreto nº 99.144. Depois de 25 anos da criação das primeiras RESEXs,
vários trabalhos têm discutido o resultado desse modelo para a melhoria das
condições de vida dos extrativistas e da conservação das florestas.
Ao analisar a atual situação das Reservas Extrativistas, percebe-
se que a exploração dos produtos florestais não madeireiros – PFNMs, não
gerou a renda esperada e suficiente para promover o desenvolvimento de
suas comunidades.
As dificuldades na comercialização da produção, especialmente em
função dos baixos preços das atividades extrativistas não-madeireiras, têm
motivado a busca de alternativas de maior rendimento pelos extrativistas, pois
a comercialização da borracha diminuiu e o subsídio não serviu como incentivo
para aumentar a produção.
Como parte da tendência à diversificação da produção, o manejo da
madeira foi apresentado pelo governo, como uma alternativa para gerar retornos
financeiros significativos em curto prazo. Essa atividade é vista por especialistas
e por lideranças das comunidades da Resex como uma grave ameaça à
sustentabilidade da Reserva em termos sociais, econômicos e ambientais.
Essa visão se fundamenta no fato de que essa atividade apresenta
incertezas quanto à disponibilidade futura dos recursos e por não fazer parte
da cultura do seringueiro (ACRE, 2000). Uma alternativa, apresentada pelos
extrativistas é a criação de gado, atividade que vem crescendo entre os moradores.
O desmatamento é um problema sério, na Reserva Chico
Mendes, principalmente no seu entorno. As causas do desmatamento estão
diretamente ligadas ao crescimento da pecuária bovina, as queimadas e da
produção agrícola.
A atividade agrícola representa uma grande ameaça à conservação do
habitat natural, tendo em vista que existe a necessidade da retirada da cobertura
florestal para o plantio dos produtos de subsistência.
De todas as atividades antrópicas que ocorrem na área da reserva e
de seu entorno, a pecuária é a que mais ameaça o ecossistema da unidade, em
função de promover a substituição em grande escala, das florestas por pastagens,
com a completa remoção da cobertura vegetal natural e utilização do fogo para
a limpeza destas áreas.
Noticiou o Globo Rural, em matéria vinculada na Edição do
dia 19/04/2015, a exploração ilegal coloca em risco modelo de extrativismo
na reserva:

129
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Desmatamento, avanço da pecuária, venda ilegal de


terras públicas. A Reserva Chico Mendes enfrenta
conflitos que colocam em risco o futuro da maior
unidade extrativista no país. No Brasil, existem 89
reservas extrativistas, em 17 estados, onde vivem
53 mil famílias. Um contraste chama a atenção na
reserva Chico Mendes. De um lado, o gado. Do outro,
conflitos que põem a floresta em risco (GLOBO
RURAL, 2015).

De acordo com dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da


Amazônia - IMAZON, a RESEX Chico Mendes apresenta 3,6% de sua área já
desmatada, situando-se como a reserva extrativista mais devastada do Estado
do Acre (IMAZON, 2002).

CONCLUSÃO

A economia da família extrativista na RESEX Chico Mendes está


mudando e esta mudança traz implicações para a conservação e preservação
da reserva, pois várias famílias estão criando e comercializando gado, e o
crescimento desta atividade traz a necessidade de mais pasto, ocasionando
um aumento de desmatamento, que coloca em questão o conceito de reserva
extrativista como forma de desenvolvimento sustentável.
Diante do quadro existente dentro da reserva Chico Mendes, entende-
se que medidas urgentes precisam ser adotadas e novas alternativas econômicas
devem ser definidas e implantadas, para evitar o aumento do desmatamento,
o avanço da atividade pecuária e de outros fatores que ameaçam a sua
sustentabilidade. A reserva precisa urgente de um efetivo quadro de funcionários,
de fiscalização e monitoramento permanente.
A Reserva enfrenta grandes desafios para manter a sua sustentabilidade
e melhorar de forma significativa a qualidade de vida de sua população.

130
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ACRE. 2000. Zoneamento ecológico-econômico: recursos naturais e meio


ambiente – documento final. Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de
Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Acre. Rio Branco: SECTMA.

BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional,


Brasília, 1988.

_______. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o,


incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm>. Acesso em 20
de junho de 2015.

CNS. Conselho nacional de seringueiros. Relatório sócio econômico e cadastro


da Reserva Extrativista Chico Mendes. Rio Branco, Acre 1992, in: http://www.
chicomendes.org.br/seringueiros13.php, acesso em 12 de MAIO de 2015.

DERANI, Cristiane, Direito Ambiental Econômico, 2ª. edição Max Limonad,


2ª. ed., São Paulo, 200.

GLOBO RURAL. Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/


Noticias/ Sustentabilidade/ noticia/2015/04/reserva-extrativista-promove-
sustentabilidade-mas-estaameacada.html. Acesso em 13 de abr de 2015.

IMAZOM - Dinâmica do Desmatamento do Estado do Acre (1988 – 2004), Acre,


2006. Disponível em: < http://imazon.org.br/PDFimazon/Portugues/outros/inamica-
dodesmatamento-no-estado-do-acre-1988.pdf>. Acesso em: 25 de julho de 2015.

MILANO, Miguel Serediuk. Por que existem as unidades de conservação?


In: MILANO, Miguel Serediuk (org.). Unidades de Conservação: Atualidades e
tendências. Curitiba, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, p.193-208. 2002.

MILARÉ, Édis Milaré, Direito do Ambiente, 2a. ed. rev. atual. e amp., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

MMA. Plano de Manejo da Reserva Extrativista Chico Mendes, 2006. Disponível


em:<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/imgsunidadescoservacao/
resex_chico_mendes.pdf>. Acesso em 14 de julho de 20015.

131
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

PÁDUA, Maria Tereza Jorge. Unidades de Conservação: muito mais do que


atos de criação e planos de manejo. In: MILANO, Milano Serediuk. (org.).
Unidades de Conservação: Atualidades e tendências. Curitiba, Fundação O
Boticário de Proteção à Natureza. 2002.

SILVA, José Afonso da, Direito Ambiental Constitucional, 5a. ed. Malheiros
Editores. São Paulo, 2010.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11ª edição. São


Paulo: Saraiva, 2013.

132
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REGIME SUI GENERIS DE PROTEÇÃO JURÍDICA TRANSNACIONAL


DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE:
POSSIBILIDADE A PARTIR DA REGIÃO AMAZÔNICA

SUI GENERIS REGIME OF TRANSNATIONAL LEGAL PROTECTION OF


TRADITIONAL KNOWLEDGE ASSOCIATED WITH BIODIVERSITY:
POSSIBILITY FROM THE AMAZON REGION

Ana Carolina Couto Lima De Carvalho


Doutoranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI (Santa Catarina – SC, Brasil). Mestre em Direito Processual e
Cidadania pela Universidade Paranaense – UNIPAR (Umuarama – PR,
Brasil). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar – UnP
(Natal – RN, Brasil). Pós-graduada em Direito Constitucional pela UVB
(Maringá – PR, Brasil). Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas
Toledo (Presidente Prudente – SP, Brasil). Professora Adjunta do Curso de
Direito da Universidade Federal do Acre – UFAC (Rio Branco – AC, Brasil).
Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica e Estágios da UFAC (Rio Branco
– AC, Brasil). Professora do Curso de Pós-Graduação em Direito da União
Educacional do Norte – UNINORTE (Rio Branco – AC, Brasil). Professora
de Cursos Especializados em Concursos Públicos. Orientadora. Conferencista.
Pesquisadora. Conselheira Editorial da Revista Nobel Iuris. Autora de livros
jurídicos e artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. Advogada e
Consultora Jurídica. E-mail: carolcoutomatheus@hotmail.com.

Resumo: O presente estudo tem como objeto de investigação a tutela jurídica


dos conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia e sua imprescindível
inter-relação com a sustentabilidade ambiental e a transnacionalidade.
O sistema de patentes e do direito de autor são inadequados para a tutela
dos direitos intelectuais coletivos. A proteção jurídica dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade amazônica somente poderá se
tornar efetiva a partir de um Direito Ambiental Transnacional, com ênfase no
desenvolvimento de um regime jurídico sui generis, que incorpore os fatores
culturais, admita a existência de pluralidade étnica, elemento místico, difusão
de informações no espaço e no tempo, do valor intrínseco da biodiversidade
intimamente relacionada à diversidade social, que repudie o monopólio do
que representa limitação aos conhecimentos, inovações e práticas das distintas
comunidades tradicionais.

133
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Palavras-Chave: Conhecimentos Tradicionais. Transnacionalidade. Sustent-


abilidade.

Abstract: This study is the object of investigation the legal protection


of traditional knowledge of the Amazon and its people the essential inter-
relationship with environmental sustainability and transnational. The patent
and copyright system are inadequate for the protection of collective intellectual
rights. The legal protection of traditional knowledge associated with Amazonian
biodiversity can only become effective from a Transnational Environmental
Law, with emphasis on the development of a sui generis legal regime, that
incorporates cultural factors, admit the existence of ethnic plurality, mystical
element, dissemination of information in space and time, the intrinsic value of
closely related to social diversity biodiversity, which repudiates the monopoly
that is limited to the knowledge, innovations and practices of the various
traditional communities.
Keywords: Traditional Knowledge. Transnationality. Sustainability.

INTRODUÇÃO

O objeto principal da pesquisa será o estudo da tutela jurídica dos


conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia e sua imprescindível
inter-relação com a sustentabilidade ambiental e a transnacionalidade. Para
atingir esses objetivos a pesquisa abordará as estruturas conceituais e analíticas
relacionadas à proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais. Será analisada
a legislação pátria relativa à proteção do meio ambiente e dos conhecimentos
tradicionais, as legislações ambientais dos países amazônicos, bem como
os desafios e perspectivas da regulação transnacional dos conhecimentos
tradicionais dos povos amazônicos.
A metodologia aplicada será o método de abordagem indutivo, a
fonte de pesquisa bibliográfica, legal e jurisprudencial. Serão pesquisadas e
confrontadas as partes de um todo para que se possa ter uma visão generalizada.
Durante as diversas fases da pesquisa serão utilizadas as técnicas do Referente,
da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica, do
Fichamento, bem como a pesquisa por meio eletrônico.
O tema sustentabilidade no que toca o desenvolvimento e o meio
ambiente amazônico trata da transnacionalidade como ideia de uma nova
ordem mundial e também do entrelaçamento das três principais temáticas da
pesquisa: proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais, transnacionalidade
e sustentabilidade.
Existe um claro interesse nos potenciais dos conhecimentos tradicionais
para o desenvolvimento de medicamentos, cosméticos, agricultura, alimentos

134
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e biotecnologia. Os conhecimentos tradicionais tem grande importância nos


aspectos ambiental, social e econômico-financeiro e estão adquirindo relevância
no plano jurídico, econômico, social e cultural no desenvolvimento de políticas
nacionais e internacionais.
Grandes multinacionais obtêm grandes lucros pela utilização dos
saberes em estudo, sem a devida autorização das comunidades que possuem
os mesmos. É necessário repartir os benefícios. As comunidades reivindicam
direitos coletivos sobre seus conhecimentos ancestrais e o pleno direito
de decidir sobre o uso e divulgação. Apesar dos Estados que possuem o
compromisso de reconhecer estes direitos, pela ratificação do Convênio sobre
a Diversidade Biológica ou por leis e marcos constitucionais, enfrentam
limitações institucionais, políticas e jurídicas para estabelecer mecanismos
efetivos de cumprimento.
A deficiente proteção jurídica mediante institutos inadequados, como
a propriedade intelectual e o direito de autor, aumentam os casos de apropriação
dos recursos genéticos e dos conhecimentos associados à biodiversidade, como
a biopirataria. Será necessário desenvolver um regime jurídico sui generis eficaz
de proteção dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais, estruturado
no arcabouço teórico do Direito Ambiental Transnacional.
A preocupação com a proteção do meio ambiente amazônico não
pode se restringir ao Brasil, uma vez que a Floresta Amazônica é compartilhada
e o interesse pela sua preservação se estende ao Brasil, Suriname, Venezuela,
Guiana, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Guiana Francesa. Será necessário
um estudo transdisciplinar sobre os conhecimentos tradicionais dos povos
amazônicos, delimitar suas características, analisar a legislação relativa à tutela
dos conhecimentos tradicionais a fim de comprovar a falta de efetividade na
proteção desses conhecimentos.

1. A PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À


BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA COMO DIREITOS INTELECTUAIS COLETIVOS

Conhecimento tradicional é o conhecimento intergeracional dos


povos amazônicos, transmitidos oralmente e relacionados, diretamente, aos seus
aspectos culturais e ao uso e manejo dos recursos naturais. Os conhecimentos
tradicionais são objeto de debate das medidas no âmbito de diversas políticas-
públicas, como as relacionadas com a tutela dos direitos humanos, a preservação
e promoção da diversidade biológica, a proteção da saúde, o desenvolvimento
sustentável e particular, a utilização sustentável dos recursos biológicos, o
progresso econômico e social de certas comunidades, povos e nações na defesa
de certas identidades e patrimônios culturais.

135
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Amazônia é a área geográfica que corresponde à bacia hidrográfica


do rio Amazonas, podendo este conceito ser ampliado, segundo critérios
geopolíticos internacionais, como ocorre no Tratado de Cooperação Amazônica,
que considera a Amazônia, não só a Bacia Amazônica, mas também outras áreas
que em razão de suas características geográficas, ecológicas ou econômicas
estejam estreitamente vinculadas a esta bacia hidrográfica.
Segundo Brown e Freitas (2002, p. 41) “a Reserva Extrativista do
Vale do Juruá, no Estado do Acre, sudoeste da Região Amazônica, considerada
uma das regiões mais ricas em biodiversidade de todo o mundo, deixa claro
que as intervenções realizadas pelas comunidades tradicionais do Vale do Juruá
contribuem para sua conservação”. Esta diversidade foi alcançada não somente
por obra da natureza, mas também por ações do homem, pela atividade das
diversas etnias que compartilham o mesmo ambiente.
A comunidade internacional está começando a reconhecer o papel
vital que desempenham os recursos biológicos na subsistência das comunidades
tradicionais, as importantes contribuições dos esforços dessas comunidades,
através dos sistemas de conhecimentos, para a preservação do meio ambiente
mundial. A proteção da biodiversidade passou a ser reconhecida em muitos
documentos internacionais, como o Convênio sobre a Diversidade Biológica.
No âmbito latino-americano, no art. 1 da Decisão 391 da Comissão de Acordo
de Cartagena sobre o Sistema Comum de Acesso aos Recursos Genéticos
estabelece um mandato expresso de conservação da diversidade biológica.
A propriedade intelectual é incapaz de resolver importantes e
controvertidas questões relativas às comunidades tradicionais, uma vez que os
direitos relativos a elas não podem subsumir-se à categoria clássica dos direitos
individuais, são direitos intelectuais coletivos que garantem o desenvolvimento
e a identidade de suas formas de conhecimentos e das instituições distintas dessas
comunidades. Este é um dos maiores desafios para os legisladores, na esfera
nacional e internacional. É necessário desenvolver um sistema de proteção dos
conhecimentos, inovações e práticas das comunidades tradicionais.

2. A PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DOS CONHECIMENTOS


TRADICIONAIS

A preocupação pelos conhecimentos das comunidades tradicionais


nos últimos anos tem alcançado crescente reconhecimento da comunidade
internacional, por meio do Convênio sobre a Diversidade Biológica, ações
desenvolvidas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI),
pela Organização Mundial do Comércio e a Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura. Brasil, Panamá, Venezuela e Peru adotam

136
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

leis que protegem os conhecimentos tradicionais de natureza técnica vinculados


a recursos genéticos. Dentre as organizações internacionais sul-americanas,
destacam-se o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Tratado de Cooperação
Amazônico (TCA).
Para Rattner (2015) o Mercosul necessita de uma instância
supranacional de coordenação política, porque suas duas economias
principais (Brasil e Argentina) seguem caminhos divergentes e nenhuma está
disposta a abrir mão da soberania a favor da criação de uma superestrutura
jurídica e regional.
Destaca-se o Protocolo de Nagoya que trata do acesso a recursos
genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos de sua
utilização. Em 1967 foi criada a Organização Mundial da Propriedade Intelectual
para promover a propriedade intelectual mediante o fomento da cooperação
entre os Estados e a colaboração com outras organizações internacionais,
garantir a cooperação administrativa entre as diferentes Uniões e Convênios
internacionais. A Conferência de Estocolmo em 1972 e a Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92 ou ECO
92) consagraram os princípios fundamentais do Direito Ambiental para que as
Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente
equilibrado como direito fundamental.
Em 1976 a equipe de medicina tradicional da Organização Mundial
de Saúde analisou estratégias sobre a medicina tradicional. Em 1978 a OMPI
em conjunto com a UNESCO trataram do assunto, limitando-se às expressões
relacionadas ao folclore. Para a OMPI a proteção dos conhecimentos tradicionais
deve ocorrer pelos mecanismos existentes de direitos de propriedade intelectual,
o sistema de patentes, os segredos industriais, as marcas comerciais com
adaptações em razão das especificidades dos conhecimentos tradicionais.
O debate aprofundado sobre a proteção dos conhecimentos tradicionais
iniciou em 1988, no Primeiro Congresso Internacional de Etnobiologia em
Belém, no Pará. Comunidades indígenas e locais se reuniram com cientistas
e ambientalistas para discutir estratégias comuns ante a rápida diminuição
da diversidade cultural biológica no planeta. Em 1989 o conceito de direitos
do agricultor foi introduzido no Compromisso Internacional sobre Recursos
Fitogenéticos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO).
Em 1992 o marco legislativo da proteção dos conhecimentos
tradicionais no âmbito internacional é o Convênio sobre a Biodiversidade
Biológica, a conservação da diversidade biológica e o acesso aos recursos
genéticos, reconheceu o importante papel das comunidades tradicionais na
conservação e utilização de forma sustentável dos recursos naturais.

137
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o


Desenvolvimento surgiu em decorrência da Assembleia Geral das Nações
Unidas que ocorreu em 1984 e criou a Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e o desenvolvimento, conhecida como Comissão de Brundtland,
que em 1987 apresentou à ONU, cristalizando o princípio do desenvolvimento
sustentável, entendido como aquele que atende às necessidades das gerações
atuais sem comprometer a capacidade de as futuras gerações terem suas próprias
necessidades atendidas.
No âmbito da América Latina, em 1996, a Decisão 391 da Comissão
do Acordo de Cartagena relativo ao Regime Comum sobre Acesso aos Recursos
Genéticos, resultou em algumas iniciativas nacionais, inúmeras Convenções
regionais e internacionais sobre o tema.
Em nível infraconstitucional destaca-se: Lei n. 9.279, de 14 de
maio de 1996 (Lei de Proteção à Propriedade Intelectual); Lei n. 9.456, de
25 de abril de 1997 (Lei de Cultivares); Decreto n. 4.339, de 22 de agosto
de 2002; Decreto nº 5.459, de 07 de junho de 2005, que regulamenta o art.
30 da Medida Provisória nº 2.186-16 sobre o acesso ao patrimônio genético
e ao conhecimento tradicional associado dota as comunidades tradicionais
de autoridade para decidir sobre seus conhecimentos, assegura o direito de
conhecer o uso de tais informações e se o uso gerará benefícios econômicos.
Reconheceu a natureza coletiva dos conhecimentos tradicionais, não criaram
mecanismos que assegurem os conhecimentos tradicionais, utilizaram a tutela
dos direitos de propriedade intelectual, inadequada à natureza coletiva.
O Decreto n. 5.813, de 22 de julho de 2006 garante acesso seguro
e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, a promoção do uso
sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da
indústria nacional, foi instituída pela Política Nacional de Plantas Medicinais
e Fitoterápicos, pelo Grupo de Trabalho para elaborar o Programa Nacional
de Plantas Medicinais e Fitoterápicos.
O Decreto 6.041/2007 institui a Política de Desenvolvimento da
Biotecnologia, criou o Comitê Nacional de Biotecnologia, cujo principal
objetivo é estimular a eficiência da estrutura produtiva nacional, o aumento da
capacidade de inovação das empresas brasileiras, a absorção de tecnologias,
a geração de negócios e a expansão das exportações. Protege o conhecimento
tradicional ao impor tipos de controles e sanções para os recursos genéticos
ambientais brasileiros e para o conhecimento tradicional. O Decreto n.
6.041/2007 instituiu a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia que criou
o Comitê Nacional de Biotecnologia. A Lei n. 13.123/2015 é o novo marco legal
da Biodiversidade. Destacam-se as leis estaduais do Acre (Lei n. 1.235/97) e do
Amapá (Lei n. 388/97).

138
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Em uma perspectiva transnacional é necessário o estudo das legislações


ambientais dos países fronteiriços e o levantamento de ações conjuntas entre os
países amazônicos, incluindo-se o Brasil, para levar a efeito a conservação dos
ambientes florestais, a proteção dos povos e dos conhecimentos tradicionais
amazônicos.

2.1. O PROTOCOLO DE NAGOIA E A LEI Nº 13.123/2015: NOVO MARCO


LEGAL DA BIODIVERSIDADE

Na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002,


os governos pediram maior vigor nas ações para a negociação de um regime
internacional que promovesse a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos
da utilização de recursos genéticos. Em 2004, o Grupo de Trabalho Aberto ad hoc
sobre Acesso e Repartição de Benefícios (ABS, na sigla em inglês), criado no âmbito
da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), recebeu o mandato de negociar
um regime internacional sobre acesso e repartição de benefícios. Depois de seis
anos de negociações, o Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos
e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização foi
adotado em Nagoia, no Japão, em 29 de outubro de 2010.
O Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição
Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização é um novo tratado
internacional que se baseia e ao mesmo tempo apoia a implementação da CDB.
Ele se reporta em particular a um dos seus três objetivos: a repartição justa
e equitativa dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos. O
Protocolo de Nagoia é um acordo histórico para a governança internacional da
biodiversidade e é relevante para vários setores comerciais e não comerciais
envolvidos no uso e no intercâmbio de recursos genéticos.
O Protocolo de Nagoia se baseia nos princípios fundamentais de acesso
e repartição de benefícios consagrados pela CDB. Esses princípios sustentam
a necessidade de obtenção, pelos usuários potenciais de recursos genéticos, do
consentimento prévio fundamentado do país em que o recurso genético está
localizado. Assim como da negociação entre as partes e do estabelecimento
de condições de acesso e uso desse recurso através da assinatura de termos
mutuamente acordados. Esses termos devem incluir a garantia de repartição com
o provedor dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos como
um pré-requisito para seu acesso e uso. Por outro lado, os países provedores de
recursos genéticos devem elaborar regras e procedimentos justos, transparentes
e não-arbitrários de acesso ao seu patrimônio genético.
O Protocolo de Nagoia objetiva trazer maior segurança jurídica e
transparência para provedores e usuários dos recursos genéticos a nível mundial.

139
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Ajuda a garantir a repartição de benefícios, em particular quando os recursos


genéticos deixam o país provedor, e estabelece condições mais previsíveis para
o acesso a estes.
Ao garantir a segurança jurídica e a promoção da repartição de
benefícios, o Protocolo de Nagoia incentiva o desenvolvimento de pesquisas
sobre os recursos genéticos que podem levar a novas descobertas em benefício
de todos. O Protocolo de Nagoia também cria incentivos para a conservação e
o uso sustentável dos recursos genéticos, aumentando assim a contribuição da
biodiversidade para o desenvolvimento e bem-estar humano.
O Protocolo de Nagoia abrange os recursos genéticos e os
conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos (CTAs), assim
como os benefícios derivados de sua utilização. Estabelece obrigações
fundamentais para suas Partes signatárias ao exigir que adotem medidas
em relação ao acesso aos recursos genéticos, à repartição de benefícios e ao
cumprimento das normas relativas à sua implementação.
As medidas relativas ao acesso no plano nacional devem
prioritariamente: criar segurança jurídica, clareza e transparência; prever regras
e procedimentos justos e não-arbitrários; estabelecer regras e procedimentos
claros para o consentimento prévio fundamentado e os termos mutuamente
acordados; prever a emissão de uma autorização, ou seu equivalente, quando
o acesso for concedido; criar condições para promover e incentivar a pesquisa
que contribua para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade; prestar
a devida atenção aos casos de emergência, atual ou iminente, que ameacem
a saúde humana, animal ou vegetal; considerar a importância dos recursos
genéticos para a alimentação e a agricultura e o papel especial que cumprem
para a segurança alimentar.
As medidas adotadas a nível nacional em matéria de repartição de
benefícios devem prever a justa e equitativa repartição de benefícios oriundos da
utilização dos recursos genéticos bem como de suas aplicações e comercialização
posteriores, com a parte contratante provedora desses recursos. Essa utilização
inclui atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a composição genética e/
ou bioquímica dos recursos genéticos. A repartição dos benefícios está sujeita aos
termos mutuamente acordados entre as partes. Os benefícios podem ser monetários,
como a participação nos lucros e os royalties, ou não-monetários, tais como o
compartilhamento dos resultados da pesquisa ou a transferência de tecnologia.
O Protocolo de Nagoia propõe também a criação de um mecanismo
multilateral mundial de repartição de benefícios para tratar dos casos resultantes
da utilização dos recursos genéticos que ocorrem em áreas transfronteiriças ou
em situações onde não é possível obter o consentimento prévio fundamentado.
Falta definir a natureza desse mecanismo multilateral. Os benefícios repartidos

140
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

por meio desse mecanismo serão utilizados para apoiar a conservação e o uso
sustentável da biodiversidade em escala global.
As obrigações específicas para apoiar o cumprimento da legislação e
as exigências contidas nos regulamentos nacionais relativos à parte contratante
provedora de recursos genéticos e assim como as obrigações contratuais
refletidas nos termos mutuamente acordados, constituem uma significativa
inovação do Protocolo de Nagoia. As Partes do Protocolo de Nagoia deverão:
adotar medidas que permitam assegurar que os recursos genéticos utilizados
dentro de sua jurisdição tenham sido obtidos em conformidade com o
consentimento prévio fundamentado e que os termos mutuamente acordadas
tenham sido assinados; cooperar em casos de suposta violação dos direitos
de uma das Partes contratantes; incentivar a resolução de disputas em termos
mutuamente acordados; assegurar que seus sistemas jurídicos ofereçam
a oportunidade de recurso em caso de controvérsias que surjam a partir dos
termos mutuamente acordados; facilitar o acesso à justiça; adotar medidas
para monitorar a utilização dos recursos genéticos, incluindo a designação de
instituições de controle eficazes em qualquer etapa da cadeia de valor: pesquisa,
desenvolvimento, inovação, pré-comercialização e comercialização.
O Protocolo de Nagoia prevê também a elaboração, a atualização e o
uso de modelos de cláusulas contratuais para os termos mutuamente acordados,
assim como códigos de conduta, diretrizes e melhores práticas e / ou normas
para os diferentes setores. O Protocolo de Nagoia abrange os recursos genéticos
e os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos (CTAs),
assim como os benefícios derivados de sua utilização.
O Protocolo de Nagoia aborda os conhecimentos tradicionais
associados aos recursos genéticos por meio de disposições sobre acesso,
repartição de benefícios e o cumprimento das regras estabelecidas. Também
contempla os recursos genéticos presentes nos territórios das comunidades
indígenas e locais que possuem direitos bem estabelecidos para permitir o acesso
a eles. As Partes signatárias do Protocolo de Nagoia devem adotar medidas
para garantir o consentimento prévio fundamentado dessas comunidades,
assim como a repartição justa e equitativa de benefícios, levando em plena
consideração as leis e costumes assim como o uso e intercâmbio costumeiro de
recursos genéticos.
O Protocolo de Nagoia, ao estabelecer disposições claras sobre o
acesso aos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos,
ajudará a fortalecer e empoderar as comunidades indígenas e locais para obter
benefícios oriundos da utilização de seus saberes, práticas e inovações. O
Protocolo de Nagoia também irá fornecer incentivos para a promoção e proteção
dos conhecimentos tradicionais, incentivando o desenvolvimento de protocolos

141
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

comunitários, requisitos mínimos para os termos mutuamente acordados e


modelos de cláusulas contratuais relacionados com acesso e a repartição de
benefícios dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos.
O sucesso do Protocolo de Nagoia depende de sua efetiva
implementação a nível nacional. Mecanismos de apoio previstos pelo Protocolo
de Nagoia vão auxiliar as suas Partes signatárias com a implementação e estes
incluem a designação de pontos focais nacionais e de autoridades nacionais
competentes para servir como pontos de contato para obtenção de informações
sobre concessão de autorização de acesso e sobre cooperação entre as Partes.
Um Centro de Intercâmbio de Informação sobre Acesso e Repartição
de Benefícios, que será uma plataforma baseada na Web para compartilhar
informações úteis para apoiar a implementação do Protocolo de Nagoia. Cada
um dos Países Partes signatários do Protocolo de Nagoia deverá fornecer, por
exemplo, informações sobre os requisitos de acesso e repartição de benefícios
a nível nacional, os pontos focais nacionais e as autoridades nacionais
competentes. Assim como dará ciência sobre as autorizações ou seu equivalente
emitidos no momento do acesso.
Melhoramento das estruturas para prestar apoio nos principais aspectos
de implementação. Estas serão baseadas em uma auto avaliação das necessidades
nacionais e de suas prioridades, que podem incluir a capacitação para: elaborar
leis nacionais sobre acesso e repartição de benefícios para a implementação do
Protocolo de Nagoia; negociar termos mutuamente acordados; desenvolver no
país a capacidade de pesquisa científica; aumento da conscientização por meio da
promoção do Protocolo de Nagoia e o intercâmbio de experiências e informações
com os principais interessados, incluindo as comunidades indígenas e locais, a
comunidade científica, entre outros.; transferência de tecnologia, principalmente
através da colaboração e cooperação em programas de pesquisa e desenvolvimento
científico, incluindo a área de biotecnologia; apoio com recursos específicos para
iniciativas de capacitação e desenvolvimento, através do mecanismo financeiro
do Protocolo de Nagoia, o Fundo para Meio Ambiente Mundial.
A Lei nº 13.123/2015 publicada em maio entrará em vigor no dia
17 de novembro de 2015, revogando a Medida Provisória nº 2.186-16 que
vigorava desde 2001. Trata-se de novo marco legal da biodiversidade, cujo
objetivo é delinear os bens, direitos e obrigações concernentes ao acesso e
proteção do patrimônio genético e à repartição dos benefícios para conservação
e uso sustentável da biodiversidade.
Aqueles que tiverem acesso ao patrimônio genético da biodiversidade
brasileira e/ou do conhecimento tradicional associado se submeterão à
fiscalização, restrições e repartição dos benefícios, sendo indispensável o cadastro,
a autorização ou a notificação da União, nos termos previsto na legislação.

142
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O marco legal da biodiversidade não se aplica ao patrimônio genético


humano, veda o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional
associado para práticas nocivas ao meio ambiente, à reprodução cultural e à
saúde humana para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas. É vedado
o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado por
pessoa natural estrangeira.
Está condicionado à obtenção de autorização prévia o acesso ao
conhecimento tradicional associado de origem identificável. Está sujeito à
repartição de benefícios, exclusivamente, o fabricante do produto acabado ou o
produtor do material reprodutivo, independentemente de quem tenha realizado
o acesso anteriormente.
No que tange às sanções administrativas, as ações ou omissões
contra o patrimônio genético ou contra o conhecimento tradicional associado
poderão ser punidas com advertência, multa, apreensão, suspensão temporária
da fabricação, embargo da atividade específica, interdição parcial ou total de
estabelecimento e/ou suspensão ou cancelamento de atestado ou autorização.
As sanções poderão ser aplicadas cumulativamente, independentemente das
medidas penais e cíveis aplicáveis.
O referido diploma legal é muito restrito ao patrimônio genético e ao
conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, não abrangendo as
especificidades necessárias em relação às diversas espécies de conhecimento
tradicional, por exemplo não trata dos recursos genéticos em posse de
comunidades indígenas e locais.
Para a aprovação da citada Lei não foram consultadas as comunidades
tradicionais e/ou seus representantes, tal é o descaso na tutela do interesse dos
povos tradicionais. A repartição dos benefícios obtidos por meio da exploração
dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas não foram especificados.
Desta forma, não se pode afirmar com segurança que realmente serão
beneficiados os povos detentores destes conhecimentos.

3. A INADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE PATENTES E DO DIREITO DE AUTOR


PARA A TUTELA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

As patentes são propriedades de caráter temporal, concedidas pelos


Estados por ato administrativo aos inventores ou qualquer outra pessoa, natural
ou jurídica, que possua os direitos intelectuais sobre seus novos inventos. Dentro
do prazo de vigência da patente, o titular tem direito de excluir terceiros, sem
sua prévia autorização, na realização de alguns atos relativos ao bem protegido,
tais como fabricação, comercialização, importação, uso e venda. O sistema de
patentes beneficia a sociedade e enriquece o saber técnico, pois toda invenção

143
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

patenteada, uma vez transcorrido o prazo determinado, pode servir de base para
planejar e confeccionar inventos.
Massaguer (1996, p. 321) entende que a proteção do sistema de
propriedade intelectual “é apropriada e necessária para cumprir as exigências
normativas vigentes de proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais”.
O primeiro argumento é sua natureza imaterial, a mesma natureza de todas as
criações humanas objeto dos direitos de propriedade intelectual. O segundo
fundamento é o mecanismo de desapropriação, que controla a utilização e preserva
os conhecimentos tradicionais frente a sua indevida apropriação por terceiros.
Entretanto, o sistema de patentes é inadequado para a proteção
dos conhecimentos tradicionais, incompatível com as práticas e culturas das
comunidades tradicionais, que podem ver seu modo de viver arruinado pela
lógica da economia de mercado. Comunidades tradicionais tendem a não gozar
dos direitos de propriedade sobre seus conhecimentos, inovações e práticas.
Um curandeiro tradicional, por exemplo, dificilmente será chamado de
inventor. Conhecimentos tradicionais são direitos intelectuais coletivos pelas
características, natureza e fundamento das crenças intelectuais tradicionais,
distintas daquelas protegidas pelo sistema de propriedade intelectual.
Patentes possuem prazo de vigência determinado, concedem um
monopólio temporal sobre a utilização de seu objeto. É impossível precisar o
momento de criação dos conhecimentos tradicionais e definir marco temporal
de vigência para qualquer direito intelectual coletivo. O sistema de patentes
monopoliza e individualiza os conhecimentos tradicionais criados e desenvolvidos
de forma coletiva, de geração a geração, com valores sociais e espirituais,
transformando-os em instrumentos de mercado. Patentes protegem criações
que constituem novidade e representam atividade inventiva. Para Kishi (2015)
a possibilidade de patentear o conhecimento tradicional já se encontra excluída,
uma vez que um conhecimento ancestral não pode ser considerado novo.
A patente sobre recursos genéticos é incompatível com a soberania
nacional, pois qualquer patente sobre formas de vida deve ser proibida. Propugna-
se a inclusão no acordo TRIPS de um dispositivo que possa contemplar tanto
a proteção dos conhecimentos tradicionais quanto dos recursos genéticos,
no sentido de que sejam incorporados requisitos de identificação do material
genético utilizado na invenção, de repartição dos benefícios com os detentores
de recursos genéticos, de consentimento prévio fornecido pelos detentores e
dos conhecimentos tradicionais associados à invenção.
Os países desenvolvidos da OMC e da OMPI entendem que as
expressões tradicionais culturais devem ser protegidas pelo sistema de
propriedade intelectual, especificamente o direito de autor. Assim como ocorre
no sistema de patentes, são diversas as razões que fazem as normas do direito

144
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

de autor inadequadas para proteger as criações que são originais, estabelecidas


em suportes concretos que estão incluídas no conjunto de obras denominadas
de literárias, artísticas ou científicas. A proteção do direito de autor é temporal,
não coaduna com a antiguidade das manifestações culturais.
O direito de autor protege a obra criada pelo indivíduo e por um
coletivo de pessoas não identificadas, importante para exercer os direitos morais
e patrimoniais sobre a criação. A falta de titularidade individual das expressões
culturais tradicionais impossibilita a defesa. Em relação às normas do direito de
autor, a maioria das expressões culturais já estariam em domínio público e as
comunidades tradicionais já não teriam direito patrimonial sobre elas.

4. OS DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA REGULAÇÃO TRANSNACIONAL


DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS POVOS AMAZÔNICOS E A
SUSTENTABILIDADE

Trata-se da proposição de um instrumento de regulação transnacional


no âmbito do TCA, com o principal objetivo de normatizar ações transnacionais
e sustentáveis para a área florestal amazônica. A efetividade da proteção
jurídica dos conhecimentos tradicionais está relacionada com a sustentabilidade
ambiental, a capacidade de uma população ocupar uma determinada área e
explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade
ecológica do meio ambiente.
Sustentabilidade deve ser um projeto de civilização revolucionário
e estratégico de futuro, pautado na consciência crítica acerca da finitude dos
bens ambientais e na responsabilidade global e solidária pela proteção, defesa
e melhora contínua de toda a comunidade de vida e dos elementos que lhe dão
sustentação e viabilidade. Deve-se buscar a sustentabilidade alicerçada em três
importantes dimensões: ambiental, social e econômica. É necessário efetivar o
alcance dessas três dimensões. Garcia (2014, p. 38) ensina que sustentabilidade
é uma “dimensão ética, trata de uma questão existencial, pois é algo que busca
garantir a vida”, representa “uma relação entre o indivíduo e todo o ambiente a
sua volta”. Para Real Ferrer (2012, p. 315) sustentabilidade é a “materialização
do instinto de sobrevivência social”.
A economia enfrenta dificuldades para compatibilizar desenvolvimento
e sustentabilidade. Sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de satisfazerem suas próprias necessidades. Para a operacionalização do
conceito de Desenvolvimento Sustentável, Sachs (1994, p. 32) estabeleceu
cinco dimensões da sustentabilidade (social, econômica, ecológica, cultural
e espacial), cada uma com objetivo bem definido. Para que o subsistema

145
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

econômico adapte-se ao modelo evolutivo da ecologia global, será necessário


um largo processo de transformação e mudanças profundas nos paradigmas que
orientam a interpretação e a ação das sociedades no mundo.
O conceito de sustentabilidade alterou a visão do mundo sobre a
Amazônia e proporcionou uma nova base para classificar a sua diversidade
social. Populações indígenas, seringueiros e ribeirinhos, denominados
populações tradicionais, incorporaram a marca ecológica às suas identidades
políticas como estratégia para legitimar novas e antigas reivindicações sociais.
O critério de valoração ecológica confere novas bases para uma valoração
política dos segmentos sociais e engendra um novo quadro ordenatório da
diversidade social da Amazônia. A partir da ampla aceitação do princípio da
sustentabilidade em âmbito mundial e o avanço dos estudos, as populações
tradicionais da Amazônia, antes invisíveis, passam a ser consideradas como
verdadeiros protagonistas da sustentabilidade.
Baseado na pressão de uso e do impacto que as populações exercem
sobre o ambiente amazônico e suas relações com o modo como ocupam,
exploram e concebem sua relação com a natureza, Lima e Pozzobon (2015,
p. 49) desenvolveram um modelo socioambiental da ocupação humana da
Amazônia e um modelo das demandas socioambientais para resolver o aumento
do grau de sustentabilidade das categorias analisadas.
Conforme o modelo proposto pelos autores, somente os povos indígenas
relativamente isolados apresentam, hoje, uma ocupação de alta sustentabilidade
ecológica, uma vez que essas sociedades apresentam as seguintes características;
possuem densidades populacionais baixas; têm alta mobilidade de assentamento;
apresentam uma demanda sobre recursos naturais limitada e um profundo
conhecimento ecológico; e, o comércio esporádico não chega a modificar o padrão
de uso do ambiente. Ao contrário desses povos indígenas, os latifúndios recentes
e os exploradores itinerantes apresentam uma cultura ecológica predatória e
apresentam uma sustentabilidade ecológica muito baixa.
Na busca pela sustentabilidade ambiental da Amazônia e a proteção
dos conhecimentos tradicionais encontra-se desmatamentos e violência
entre extrativistas e latifundiários. Uma condição para o desenvolvimento
é a conservação do meio ambiente, apenas uma nova ordem mundial pode
suscitar a sustentabilidade ambiental da Amazônia, ou seja, mediante a
Transnacionalidade. Para Cruz e Bodnar (2015, p. 6) transnacionalidade é a
emergência de novos espaços públicos plurais, solidários e cooperativamente
democráticos, livres das amarras ideológicas da modernidade, decorrentes da
intensificação da complexidade das relações globais, dotados de capacidade
jurídica de governança, regulação, intervenção e coerção, para projetar a
construção de um novo pacto de civilização.

146
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A instituição de um Direito Transnacional relacionado à questão


vital ambiental agrega a mesma lógica do Estado Constitucional Moderno,
formado por normas jurídicas inter-relacionadas formadoras de um sistema. O
Direito Transnacional transpassaria vários estados nacionais, com capacidade
própria de aplicação coercitiva por uma estrutura organizativa transnacional.
O ordenamento jurídico transnacional apresentaria características próprias,
derivadas da mesma concepção do Estado Transnacional como organização
destinada a atuar em espaço de governança regulatória e de intervenção até
agora não organizado politicamente.
Propõe-se a criação de um instrumento de regulação transnacional
no âmbito do TCA, o qual poderia vir a se tornar uma possível solução para o
alcance da efetiva proteção da Floresta Amazônica e, consequentemente, dos
conhecimentos tradicionais dos povos tradicionais dessa região. Cultural e
politicamente não existem dificuldades para a integração dos países amazônicos.
Um dos maiores óbices para a efetivação da integração dos países amazônicos
diz respeito à eliminação de diferenças legislativas, bem como o conceito
ultrapassado de soberania. Existem alguns antecedentes que podem servir de
plataforma para a almejada integração dos países membros do TCA, inclusive
para a criação de um instrumento de regulação transnacional.
Quanto à Amazônia, destacam-se os seguintes antecedentes que
propiciam a transnacionalidade jurídica entre os países amazônicos: os tratados
internacionais levados a efeito pelo Mercosul e TCA, a criação da Rede Latino-
americana de Ministério Público Ambiental, e a integração estabelecida entre
os povos amazônicos. A luta pela sustentabilidade é condição fundamental para
a estabilidade da mais nova concepção de soberania em nível regional. Para
Ferrajoli (1999, p. 116) se vive hoje uma “crise histórica não menos radical do
que a que aconteceu com as revoluções burguesas do Século XVII”. A criação
de um espaço jurídico transnacional no âmbito do TCA viabilizaria a soberania
em nível regional e efetiva sustentabilidade dos espaços amazônicos, seus
povos e conhecimentos tradicionais.
Representam elementos para a construção de um regime sui generis de
proteção aos conhecimentos tradicionais: sistemas diversos para conhecimentos
diversos porque se entrelaçam entre si, são dinâmicos, complexos, criados dentro de
um contexto com normas e práticas consuetudinárias; é necessária a adoção de medidas
para a preservação e salvaguarda dos conhecimentos tradicionais e o estabelecimento
de mecanismos que protejam esses conhecimentos de utilização não utilizada ou
indevida com fins de ofender os conhecimentos, inovações e práticas tradicionais; um
sistema que busque uma proteção eficaz, tanto positiva como preventiva.
É necessário considerar os objetivos perseguidos, o objeto da proteção,
o conteúdo dos direitos, os requisitos da proteção, os beneficiários e titulares

147
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

da proteção, os modos de aquisição dos direitos, a duração e os mecanismos


de proteção desses direitos. Wolkmer (2013, p. 271) afirma que “em uma
sociedade multicultural, o pluralismo fundado numa democracia expressa o
reconhecimento dos valores coletivos materializados na dimensão cultural de
cada grupo e de cada comunidade”.
Como o bem protegido é dotado de forte componente valorativo,
Alexy (2005, p. 5) entende que o sistema jurídico deve ter uma base axiológica
consistente como condição legitimadora e levada a discussão ao seu limite.
Deve ser agregado um conteúdo material substantivo às normas para que
efetivamente estejam a serviço da justiça corretiva e distributiva. Só assim
o direito será efetivamente um instrumento revolucionário de transformação
social, por fomentar a cooperação e a solidariedade em todas as suas dimensões.
Cruz e Bodnar (2014, p. 50) entendem que “um dos objetivos
mais importantes de um projeto de futuro com sustentabilidade é a busca
constante pela melhoria das condições sociais das populações mais fragilizadas
socialmente”. O objeto de proteção é o conhecimento, as inovações e práticas
que fazem parte do patrimônio cultural material e imaterial das comunidades
locais e indígenas. Um sistema sui generis deve partir da premissa que uma
relação entre partes desiguais deve conter mecanismos de freios e contrapesos
para equilibrar a relação contratual. É importante a inversão do ônus da prova
em favor dos credores dos conhecimentos tradicionais, facilitando a sua defesa,
tanto administrativa como judicialmente.
Estabelecer uma Entidade de Gestão que participe das decisões sobre
as normas e políticas relacionadas com as comunidades tradicionais. Os fundos
compensatórios são importantes instrumentos jurídicos para garantir que as
comunidades tradicionais possam concordar com recursos econômicos para o
desenvolvimento de projetos de conservação, desenvolvimento para a proteção
dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais. O registro voluntário
pelos possuidores pode ser um instrumento útil na proteção e especialmente na
preservação dos mesmos. Nas bases de dados os registros dos conhecimentos
tradicionais, somente podem ser considerados como um enfoque para a proteção
dos mesmos, mas não como requisito para a proteção e menos ainda para o
reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais.

CONCLUSÃO

Buscou-se elaborar um conceito de povos tradicionais, considerando


a complexidade sociocultural amazônica. Foi apresentado o tratamento
nacionalmente dado à questão da sustentabilidade ambiental e da biodiversidade
associada aos conhecimentos tradicionais, bem como a oposição entre função

148
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ecológica e função econômica dos bens ambientais. Garantir os direitos dos


povos tradicionais quando seus conhecimentos são utilizados pela indústria
biotecnológica é uma proteção complexa, eis a dificuldade de identificação do
conhecimento tradicional original e o produto industrializado, o preconceito
epistêmico e a dificuldade de transitar-se entre as normas nacionais e
internacionais sobre o tema.
Destaca-se o papel do Direito Ambiental para a sustentabilidade
da floresta amazônica, espaço que não conhece fronteiras, razão pela qual
foi adotada a visão transnacional do Direito Ambiental, numa tentativa de
garantir a compreensão do efeito deste ramo do Direito em todo o território
amazônico. Os países amazônicos passaram por um processo semelhante,
adaptando suas Constituições à necessidade de proteção ambiental, sobretudo
a partir da Conferência de Estocolmo. Sustentabilidade é essencial para manter
os modos de vida dos povos tradicionais, sendo necessário compatibilizar a
proteção ambiental com o avanço econômico e a justiça social. As demandas
socioambientais de uma sociedade de risco exigem respostas que a soberania
não é capaz de oferecer e o mercado é outro fator de fragmentação, sendo
necessário desenvolver um Direito Transnacional.
No contexto da Amazônia se propõe a estruturação do sistema de
Direito Transnacional através de um instrumento de regulação transnacional
(IRT) no âmbito do TCA. Trata-se da criação de um regime sui generis de
regulação transnacional para promover a normatização transnacional no âmbito
do TCA, pela conjugação dos interesses comuns dos países amazônicos. Para
dar exequibilidade a este Instrumento, de modo democrático deve ocorrer
etapas de ampla participação, promovendo soberania local e enfrentamento
da colonialidade, garantindo a sustentabilidade ambiental amazônica e a
manutenção de seus povos tradicionais, seus modos de vida e conhecimentos.
A pesquisa em epígrafe apresentou a proposta de criação de um
instrumento de regulação transnacional, um espaço jurídico transnacional
formado pelos países amazônicos, com a principal finalidade de normatizar
a sustentabilidade dos ambientes florestais amazônicos. O instrumento de
regulação transnacional representa uma normatização transnacional no âmbito
do TCA, criada por intermédio da conjugação dos interesses comuns dos países
amazônicos. Sua criação objetivaria harmonizar e positivar o Direito Ambiental
dos países amazônicos, garantindo a aplicação uniforme de suas normas e
servindo de instrumento efetivo na resolução dos litígios ambientais.

149
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. La institucionalización de la justicia. Tradução de José Antonio


Soane, Eduardo Roberto Sodero, Paulo Rodrigues. Granada: Comares, 2005.

BECK, Urich. La sociedade del riesgo. Hacia uma nueva modernidad.


Barcelona: Paidós, 2010.

BENATTI, José Heder. Unidades de conservação e as populações tradicionais.


Novos Cadernos NAEA, v. 2, n. 2, dez. 1999. Disponível em: <http://www.
periodicos.
ufpa.br/index. php/ncn/article/viewFile/111/174>. Acesso em: 15 fev. 2015.

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – O que não é. Petrópolis: Vozes, 2013.

BROWN JÚNIOR, Keith; FREITAS, André Vitor L. Diversidade biológica no


Alto Juruá: avaliação, causas e manutenção. In: CUNHA, M. C.; ALMEIDA,
M. B. (Org.). Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: práticas e conhecimentos
das populações. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.

CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. Globalização, Transnacionalidade


e Sustentabilidade. Itajaí: UNIVALI, 2012. Disponível em: <http://www.
univali.br/ppcj/ebook>. Acesso em: 15 dez. 2014.

_______. A transnacionalidade e a emergência do estado e do direito


transnacionais. Revista eletrônica do CEJUR. v. 1, n. 4, 2009. Disponível em:
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/ind
ex.php/cejur/article/view/15054>. Acesso em: 15 fev. 2015.

DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade


socioambiental. Senac: São Paulo. 2001.

FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Madrid:


Trotta, 1999.

FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, meio ambiente, sostenibilidad


y cidadania, construímos juntos el futuro? Revista NEJ Novos Estudos
Jurídicos. Itajaí. v. 17, n. 03, p. 310-316, 2012.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

150
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

GARCIA, Denise Schmitt Siqueira Garcia. GARCIA, Heloise Siqueira. Dimensão


social do princípio da sustentabilidade: Uma análise do mínimo existencial
ecológico. In. SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes de; GARCIA, Heloise
Siqueira (Orgs.). Lineamentos sobre sustentabilidade segundo Gabriel Real
Ferrer. Dados eletrônicos. Itajaí: UNIVALI, 2014. p. 37-54.

KISHI, Sandra Akemi Shimada. Tutela jurídica do acesso à biodiversidade


no Brasil, 2004. Disponível em: <http://www.museu-goeldi.br/institucional/
Sandra_A_S.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.

LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. Tradução de Silvana Cobucci Leite.


São Paulo: Cortez, 2010.

LIMA, Deborah; POZZOBON, Jorge. Amazônia socioambiental.


Sustentabilidade ecológica e diversidade social. vol. 19, n. 54. São Paulo,
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-14200500
0200004&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 jan. 2015.

MASSAGUER, José. De nuevo sobre el agotamiento comunitário del Derecho


de Patente nacional (Comentario a la Sentnecia del Tribunal de Justicia de
las Comunidades Europeas de 5 de diciembre de 1996, assuntos acumulados
C-267/95 y C-268/95, Merck & Co. Inc. et al y Beecham Group plc c. Europharm
of Worthing Ltda., Actas del Derecho Industrial y Derecho de Autor, Tomo
XVII, 1996, p. 313-327.

PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12.


ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.

RATTNER, Henrique. Meio ambiente e desenvolvimento sustentável:


o mundo na encruzilhada da história. Revista Espaço Acadêmico. Ano II.
n. 14, julho de 2002. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.
br/014/14crattner.htm>. Acesso em: 10 jan. 2015.

SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: para pensar o


desenvolvimento sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1994.

SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes. 20 Anos de Sustentabilidade:


reflexões sobre avanços e desafios. Revista da Unifebe, dezembro de 2012, p.
239-252. Disponível: <http://www.unifebe.edu.br/revistaeletronica>. Acesso
em: 12 jan. 2015.

151
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

_______. Por um Novo Modelo de Estado: o Estado de Direito Ambiental. In:


SANTO, Davi do Espirito; PASOLD, Cesar Luiz (coord). Reflexões sobre a
Teoria da Constituição e do Estado. Florianópolis: Insular, 2013.

WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Os novos caminhos da


contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

152
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

POSSÍVEIS IMPACTOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO


ESTABELECIDO PELA LEI COMPLEMENTAR
N.o 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011

POSSIBLE IMPACTS OF THE ENVIRONMENTAL SOLE LICENSE


STABLISHED BY COMPLEMENTARY LAW
N.o 140, FROM DECEMBER, 8th, 2011

Andrea Cláudia Sales Silva


Advogada. Professora Universitária. Discente do Programa de Mestrado
em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.
Especialista em Direito Processual Civil (Universidade
Federal do Amazonas). E-mail: andreaclaudia@mail.com

Cristine Cavalcanti Gomes


Analista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas.
Discente do Programa de Mestrado em Direito Ambiental
da Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Público
(Uniderp/Anhanguera). E-mail: cgcristine@gmail.com

Resumo: A Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política


Nacional do Meio Ambiente, é um marco divisor para a proteção ambiental,
porque inseriu uma perspectiva de tratamento global à defesa do meio ambiente.
O licenciamento ambiental foi escolhido como um dos principais instrumentos
para a consecução dos objetivos de preservação, melhoria e recuperação da
qualidade do meio ambiente. Todavia a sobredita norma não delimitou a exata
competência administrativa dos entes federados na realização do licenciamento
ambiental. Nesse diapasão houve a edição da Lei Complementar n. 140, de 08 de
dezembro de 2011, versando acerca da repartição de ações administrativas dos
entes federados e disciplinando sobre o exercício do licenciamento ambiental,
sendo, ainda, instituído no seu art. 13, a figura do licenciamento ambiental
único, com o fulcro de evitar sobreposição de atuações entes os componentes
da Federação, objeto de estudo do presente resumo.
Palavras-Chave: Ambiente; Licenciamento; Único.

Abstract: The Law n. 6938 of 31 August 1981, which established the National
Environmental Policy is a milestone for environmental protection, because
inserted a global perspective to the treatment of environmental protection. The
environmental licensing was chosen as one of the main tools for achieving the
goals of preservation, improvement and recovery of environmental quality.

153
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

However, the aforesaid rule did not define the exact administrative competence
of federal entities in carrying out the environmental licensing. In this vein there
was the issue of Complementary Law n. 140, of December 8, 2011, dealing
about the division of administrative actions of federal entities and regulating the
exercise of the environmental licensing and is also set to your art. 13, the figure
of the unique environmental licensing, with the fulcrum to avoid overlapping
actions loved the components of the Federation, subject matter of this summary.
Keywords: Environment; Licensing; Single.

INTRODUÇÃO

A evolução da tutela jurídica do meio ambiente, no Brasil, partiu de


uma visão compartimentada e alcançou uma perspectiva de defesa global e
integrada, com a edição da Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu
um amplo sistema de tutela jurídico-administrativa, estabelecendo objeto,
objetivos, princípios e instrumentos, aptos, ao menos em tese, para assegurar a
preservação e recuperação do meio ambiente.
O licenciamento ambiental, previsto com instrumento da Política
Nacional do Meio Ambiente, tem como objetivo a fiscalização e o controle
dos empreendimentos que utilizam os recursos naturais, a fim de evitar o
esgotamento dos mesmos, em virtude de um uso indevido e inadequado.
O presente artigo tem como objetivo analisar a eficiência sob o aspecto
jurídico do instituto do licenciamento ambiental único, instituído pelo art. 13,
da Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, como garantia à sadia
qualidade do meio ambiente, sua defesa e proteção, considerando que, apenas
um ente será o competente para a sua realização.
Os procedimentos metodológicos utilizados foram, quanto aos fins,
a pesquisa exploratória, a fim de permitir uma visão geral do tema proposto.
Quanto aos meios, a pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de obras
doutrinárias, legislação nacional e, também, pesquisa documental realizadas em
decisões proferidas sobre o tema estudado.
A pesquisa procurou demonstrar que a unicidade do licenciamento
ambiental, apesar de ter contribuído para evitar a duplicidade de atuações
entre os entes federados, poderá não ser tão eficiente para a proteção do
meio ambiente, de forma a atender os objetivos da Política Nacional do Meio
Ambiente e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
das presentes e futuras gerações.

1. A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

O Meio Ambiente é definido, de forma singela, como tudo que nos


cerca, envolvendo os aspectos natural, artificial, cultural, histórico, paisagístico

154
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e do trabalho. De acordo com Silva (1997, p. 02) o conceito de meio ambiente


deve ser global, abrangendo a natureza original e artificial e os bens culturais, o
patrimônio histórico, turístico e arqueológico.
Sob a égide da Constituição Federal de 1969 e com fundamento em
seu art. 8º, XVII, “c”, “h” e “i”, foi editada a Lei n. 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação.
A edição da Política Nacional do Meio Ambiente teve como uma
de suas influências, além da forte pressão internacional decorrente de danos
ambientais importantes, a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, realizada
em 1972 em Estocolmo, na Suécia, a qual delimitou profundamente as premissas
do direito ambiental, cujo resultado final foi a “Declaração de Estocolmo” com
26 princípios, que representavam a inquietude daquela ocasião, com o risco e
dano ambientais crescentes.
A Declaração continha em seu texto os princípios do direito
fundamental à liberdade, à igualdade e a uma vida com condições adequadas
de sobrevivência, num Meio Ambiente que permitisse uma vida digna, ou seja,
com qualidade de vida, com a finalidade também, de preservá-lo e melhorá-lo,
para as gerações atuais e futuras. Foi nessa circunstância que o Meio Ambiente
passou a ser considerado, na perspectiva normativa, primordial e essencial para
que todo ser humano pudesse gozar dos direitos humanos fundamentais, dentre
eles, o próprio direito à vida.
A Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, realizada em
1972, propiciou que todos os povos passassem a perceber a natureza de
maneira diferente, inclusive o Brasil, que a época, não possuía arcabouço
jurídico específico para a proteção ao Meio Ambiente. Posteriormente, com
a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a alteração de redação
promovida pela Lei n. 8.028, de 12 de abril de 1990 no art. 1º, da Lei n. 6.938, de
31 de agosto de 1981, seu fundamento de validade passou a ser o art. 23, incisos
VI e VII e art. 235, da CF/88. A criação e formulação de uma Política Nacional
do Meio Ambiente, segundo Silva (2013, p. 231) “foi um passo importante para
dar tratamento global e unitário à defesa da qualidade do meio ambiente no
país”, uma vez que, até então, o tratamento jurídico dedicado ao meio ambiente
era compartimentado, observando o tipo de recurso, fauna, flora, dentre outros
elementos, envolvidos.
A Lei n. 6.938/81 é um marco para o direito ambiental, tendo em
vista que formalmente passou a existir as políticas públicas relacionadas ao
Meio Ambiente que deveriam ser desenvolvidas pelos entes federados. A Lei
em tela trouxe a definição de conceitos básicos tais como o de Meio Ambiente,
de degradação e de poluição, estabeleceu objetivos, diretrizes e instrumentos de
defesa ambiental. Corrobora Milaré (2004, p. 381):

155
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

sua implementação, seus resultados, assim como a


estabilidade e a efetividade que ela denota, constituem
um sopro inovador, mais ainda um salto de qualidade
na vida pública brasileira. Seus objetivos nitidamente
sociais e a solidariedade com o planeta que, mesmo
implicitamente, se acham inscritos em seu texto,
fazem dela um instrumento legal de grandíssimo
valor para o país e de alguma forma, para outras
nações sul-americanas com as quais o Brasil tem
extensas fronteiras.

Neste sentido, merece destaque o caráter protecionista da Política


Nacional do Meio Ambiente, a qual buscou a responsabilização por danos ao
meio ambiente, em uma perspectiva objetiva, por meio da qual o poluidor tem
a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente independentemente
da verificação de culpa em sua conduta, sendo suficiente para a sua condenação
na obrigação de indenização ou reparação, a existência do dano ambiental e a
prova do nexo causal com a origem da poluição e/ou degradação.
Além disso, apesar de a Política Nacional ter sido editada quando em
vigor um regime de exceção da Constituição de 1969, a mesma inovou ao prever
como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-
econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da
vida humana”, em seu art. 2º, o que representou um grande avanço em sede de
legislação ambiental.
Nesse aspecto pode ser constatada a forte influência da Carta de
Estocolmo de 1972, a qual fazia referência expressa ao desenvolvimento
econômico (Princípio 8) e à proteção da dignidade da pessoa humana (Princípio
1), nos seguintes termos:

1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade,


à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal
que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-
estar e é portador solene de obrigação de proteger e
melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes
e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem
ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a
discriminação, a opressão colonial e outras formas
de opressão e de dominação estrangeira permanecem

156
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

condenadas e devem ser eliminadas.


(...)

8 - O desenvolvimento econômico e social é


indispensável para assegurar ao homem um ambiente
de vida e trabalho favorável e criar, na Terra, as
condições necessárias à melhoria da qualidade de
vida.

Ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei relacionou,


em seu art. 2º43, princípios tais como a consideração do meio ambiente como
um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em
vista o uso coletivo; a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas, a partir dos quais houve mudança de entendimento, adotando-
se novo paradigma de pensamento e postura.
Os objetivos foram previstos no art. 4º, os quais se mostraram
bastante conectados aos princípios referidos, a saber: I - à compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico; II - à definição de áreas prioritárias de
ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo
aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e
dos Municípios; III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade
ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas

43
  Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao
desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente
como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção
dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

157
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

para o uso racional de recursos ambientais; V - à difusão de tecnologias de


manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e
à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da
qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração
dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade
permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à
vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/
ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos.
Destaque, neste enfoque, à instituição dos princípios usuário-pagador
e poluidor-pagador, que tem como um dos seus principais objetivos evitar com
que o Poder Público e terceiros suportem, os custos da utilização dos recursos
ambientais com fins econômicos, pelos empreendimentos ou atividades. Sobre
os referidos princípios destacou Machado (2014, p. 90 e 91):

O uso dos recursos naturais pode ser gratuito como


pode ser pago. A raridade do recurso, o uso poluidor
e a necessidade de prevenir catástrofes, entre outras
coisas, podem levar à cobrança do uso dos recursos
naturais.

(...)

O princípio usuário-pagador contém também o


princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga
o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou
que já foi causada.

O uso gratuito dos recursos naturais tem representado


um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a
comunidade que não usa do recurso ou o utiliza
em menor escala fica onerada. O poluidor que usa
gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os
poluentes invade a propriedade pessoal de todos
os outros que não poluem, confiscando o direito de
propriedade alheia.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.378-


DF, da relatoria do então Ministro Carlos Ayres Britto, firmou o posicionamento
de que o princípio do usuário-pagador era “um mecanismo de assunção
partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da
atividade econômica”.

158
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, instituiu, também, o Sistema


Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, sem personalidade jurídica ou outra
identificação, e o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, órgão
consultivo e deliberativo do primeiro, responsáveis pela proteção e melhoria
da qualidade ambiental. Trouxe em seu art. 9º44 a previsão dos instrumentos
realizadores da Política Nacional do Meio Ambiente, cabendo destacar o
zoneamento ambiental, a avaliação dos impactos ambientais e o licenciamento
e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
O instrumento do licenciamento, previsto no art. 10, sofreu importantes
modificações no ano de 2011, com a edição da Lei Complementar n. 140, de 08
de dezembro de 2011, a qual suprimiu do referido dispositivo o texto seguinte
ao termo licenciamento, a saber: “de órgão estadual competente integrante do
Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter
supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”.
Com a referida modificação, houve então a supressão da competência
supletiva de órgão estadual competente integrante do Sistema Nacional do
Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, decorrente da reformulação do
exercício da competência supletiva do IBAMA e pela alteração da centralização

44
  Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
[...]
V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia,
voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante
interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal;
VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual
e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas
extrativistas;
VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;
IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias
à preservação ou correção da degradação ambiental.
X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; (Incluído pela
Lei nº 7.804, de 1989)
XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder
Público a produzí-las, quando inexistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)
XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos
recursos ambientais. (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)
XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental
e outros.

159
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do licenciamento dos recursos ambientais pelos Estados, conforme Machado


(2014, p. 320).
Isso ocorreu em adequação a Constituição Federal de 1988, que
estabeleceu a competência comum aos entes federados na tutela ambiental, os
quais deveriam, de igual sorte, adotar medidas de garantir a todos um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
A Política Nacional do Meio Ambiente é, portanto, um marco na
consideração dos bens jurídicos, tendo em vista que instaurou, de forma efetiva,
a proteção de forma globalizada, dispondo, ainda, sobre objetivos, finalidades,
instrumentos, valores pertinentes ao meio ambiente, que deverão ser adotados
amplamente.

2. A LEI COMPLEMENTAR 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011

Com fundamento nos incisos III, VI e VII, do caput e do parágrafo


único art. 23, da Constituição Federal de 198845 foi editada a Lei Complementar
n. 140, de 08 de dezembro de 2011, para, consoante seu art. 1º:

fixar normas nos termos dos incisos III, VI e VII do caput


e do parágrafo único do art. 23, da Constituição Federal,
para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios nas ações administrativas
decorrentes do exercício da competência comum
relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à
proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas,
da fauna e da flora.

A referida Lei foi aprovada após longa tramitação, quase uma


década, regulamentando os meios de exercício da competência comum para
a defesa proteção ao meio ambiente. Além disso, disciplinou o licenciamento

45
  Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[…]
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
[…]
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do
bem-estar em âmbito nacional.

160
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ambiental instituindo o princípio da unicidade do licenciamento. Analisando o


fundamento de edição da norma, Machado ponderou (2014, p. 180):

As leis complementares do parágrafo único do art.


23 da CF não têm por finalidade modificar o caput
do próprio artigo, isto é, não podem pretender
transformar competências que são comuns, em
competências privativas, únicas e especializadas. Se
fossem esses os objetivos do parágrafo único, seria
preciso uma transformação radical no texto do caput
do art. 23.

[...]

A Constituição não quer que o meio ambiente seja


administrado de forma separada pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. É razoável entender-
se que, na competência comum, os entes federados
devam agir conjuntamente.

Nesses termos, a competência para a defesa e proteção do meio


ambiente, garantindo um desenvolvimento sustentável, pela União, Estados,
Municípios e Distrito Federal continua a ser comum, que se dará, nos termos da
referida Lei, em seu art. 4º, por meio dos seguintes instrumentos de cooperação:
consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnica e outros
instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado
o art. 241, da Constituição Federal, Comissão Tripartite Nacional, Comissões
Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal, fundos públicos
e privados e outros instrumentos econômicos, delegação de atribuições de um
ente a outro, respeitados os requisitos legais e delegação da execução de ações
administrativas de um ente a outro, observando a lei.
A Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, elencou nos
incisos do art. 3º, os seus objetivos46 destacando-se o de evitar a sobreposição

46
  Art. 3o  Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar: 
I - proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo
gestão descentralizada, democrática e eficiente; 
II - garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente,
observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades
sociais e regionais; 
III - harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os

161
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

de atuação entre os entes federativos a fim de impedir conflitos de atribuições,


tendo em vista que, ao tempo em que há a referida previsão, houve a
instituição da mesma atribuição, no que é pertinente ao controle da produção,
da comercialização e a utilização de técnicas com potencialidade de causar
riscos à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente para a União, Estados e
Municípios, conforme Machado (2014, p. 182).
Nos artigos 7º a 9º da Lei Complementar n. 140/2011 é feita a repartição
da competência administrativa dos entes federados, sendo as da União no art.
7º, a dos Estados no art. 8º, as do Município no art. 9º, sendo atribuídas ao
Distrito Federal as previstas nos arts. 8º e 9º (art. 10), a respeito basicamente das
seguintes matérias: acesso ao conhecimento tradicional, educação ambiental,
espaços territoriais, flora, fauna, florestas, patrimônio genético, risco, zona
costeira, pesca e produtos perigosos. Acerca da repartição de competências
realizada pela referida Lei critica Machado (2014, p. 190):

A fixação de normas para a cooperação entre os entes


federados feita pela Lei Complementar 140/2011,
deixou muitas áreas de atuação dos entes federados
com a competência comum idêntica à situação anterior
da elaboração dessa lei, como a educação ambiental,
a definição dos espaços territoriais protegidos e o
controle de risco.

(...)

Excetuando as competências outorgadas pelos arts.


21, 25, 29, 29-A e 30, da Constituição, todas as
atribuições de competência da Lei Complementar
140/2011, ficarão, em cada caso, sujeitas à livre
adesão pelos entes federativos, que não podem
ser constrangidos, sem violação constitucional, à
abstenção do exercício da competência comum.

A referida crítica se deve ao fato de que, além de não ter havido


bastante inovação, em algumas matérias impôs ressalvas à competência do
ente, especialmente ao Estado, inobstante à competência comum prevista para
o mesmo ente federado na Constituição Federal. Assim, a Lei Complementar

entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa
eficiente; 
IV - garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades
regionais e locais. 

162
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

em seus 22 artigos versa basicamente acerca de dois temas: a divisão das


competências administrativas ente os entes federativos e sobre o licenciamento
ambiental, tendo sido instituído em seu art. 13, o licenciamento ambiental
único, que será objeto de análise a seguir.

3. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO

Nos termos do art. 2º, I, da Lei Complementar 140/2011, o conceito


de licenciamento ambiental é o “procedimento administrativo destinado a
licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais,
efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental”.
Trata-se, portanto, de um procedimento administrativo, composto de
etapas complexas, por meio do qual o órgão ambiental competente, utilizando-
se das disposições e regulamentações acerca da matéria licencia a localização,
instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras
de recursos ambientais considerada efetiva ou potencialmente poluidoras
ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental
(Fiorillo, 2012).
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
encontra-se previsto no art. 225, da Constituição Federal de 1988, o qual significa
“que há um direito a que não se desequilibre ecologicamente o meio ambiente”
(Machado, p. 62). A degradação ambiental é por seu turno, “caracterizada pela
diminuição da quantidade existente ou deterioração da qualidade dos bens e
serviços providos pelo meio ambiente” (Ortiz; Ferreira, 2004, p. 34), ou seja,
quando há um redução ou perda da capacidade do que é produzido pelo meio
ambiente decorrente de ação externa.
Nesse diapasão mostra-se a importância do licenciamento ambiental
como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, uma vez
que, possibilitará um controle por parte da Administração Pública no que é
pertinente às atividades ou empreendimentos que façam uso dos recursos do
meio ambiente e que, causem ou possam causar, diminuição do que é produzido
por ele, como bem ressaltou Silva (2013, p. 61):

a proteção ambiental abrangendo a preservação da


Natureza em todos os seus elementos essenciais à
vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico,
visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em
função da qualidade de vida, como uma forma de
direito fundamental da pessoa humana.

163
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Após a edição da Política Nacional do Meio Ambiente, a utilização


do licenciamento ambiental era bastante controverso, tendo em vista que a
norma não disciplinava, de forma exata, qual ente federado tinha a competência
para determinado tipo de licenciamento, fazendo com que, em alguns casos,
houvesse um licenciamento simultâneo por mais de um ente.
Posteriormente, na tentativa de dar um tratamento mais adequado e
seguro à matéria, foi elaborada a Resolução n. 237/97 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente - CONAMA, a qual estabelecia, dentre outras questões, como
seria realizado a distribuição das competências comuns aos entes da federação,
contudo era bastante questionada a sua constitucionalidade, tendo em vista que a
Constituição Federal de 1988 estabelecia no parágrafo único do art. 23, que caberia
a Lei Complementar fixar as normas de cooperação entre os entes federados.
Nesse diapasão houve então a edição da Lei Complementar n. 140,
de 8 de dezembro de 2011, a qual basicamente ratificou as normas pertinentes
ao licenciamento ambiental já anteriormente previstas na Resolução 237/97 do
CONAMA, cujas normas não conflitantes com a Lei Complementar continuam
em vigor. Com o advento da Lei Complementar houve por meio de seu art. 13,
a previsão do licenciamento ambiental por um único ente federado, objeto de
estudo do presente artigo. Eis a redação da norma:

Art. 13. Os empreendimentos e atividades são


licenciados ou autorizados, ambientalmente, por
um único ente federativo, em conformidade com
as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei
Complementar.

§ 1º Os demais entes federativos interessados podem


manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou
autorização, de maneira não vinculante, respeitados os
prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.

§ 2º A supressão de vegetação decorrente de


licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente
federativo licenciador.

§ 3º Os valores alusivos às taxas de licenciamento


ambiental e outros serviços afins devem guardar
relação de proporcionalidade com o custo e a
complexidade do serviço prestado pelo ente
federativo.

164
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A instituição do licenciamento ambiental único decorreu da necessidade


de evitar que dois ou mais entes federados tivessem atuação no licenciamento
ambiental de determinado empreendimento ou atividade. Dessa forma, passou-
se a prever que apenas o ente que detivesse a competência atribuída pela Lei
Complementar pudesse licenciar os empreendimentos e atividades, o que faz
surgir questionamentos acerca da eficiência deste licenciamento ao atendimento
dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente e ao direito fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Constituição Federal prevê em seu art. 37, dentre os princípios que
devem nortear a Administração Pública, a eficiência, capacidade de produzir
um resultado em razão da função e dos fins para os quais foram criados. Sobre
o princípio da eficiência Pondera Lucia Valle Figueiredo (2000, p. 60):

Mas que é eficiência (ponto de interrogação) No


dicionário Aurélio, eficiência é ‘ação, força, virtude
de produzir um efeito; eficácia’ Ao que parece,
pretendeu o ‘legislador’ da Emenda 19 simplesmente
dizer que a Administração deveria agir com
eficácia. Todavia, o que podemos afirmar é sempre
a Administração deveria agir eficazmente. É isso o
esperado dos Administradores.

À primeira vista, a ocorrência de licenciamentos simultâneos


parece ineficiente e o licenciamento ambiental único eficiente, considerando
que a Administração estaria empreendendo por mais de uma vez recursos para
licenciar apenas uma atividade ou empreendimento. Porém, tal argumento não
deve prevalecer sem que se leve em consideração os deslindes do caso concreto,
considerando as diversidades existentes entre os entes da Federação, com bem
pontua Paulo Affonso Machado (2014, p. 323):

A argumentação tem uma aparência sedutora, mas


não é sólida, pela razão de que, no Brasil, há uma
grande desigualdade de capacitação relativa aos
órgãos ambientais dos entes federativos, dependendo
da região onde estejam localizados. A desigualdade
é tão real, que ela é apontada no início da própria
Constituição da República (art. 3, III). Confiar a
tarefa de licenciamento ambiental a Municípios
desprovidos de pessoal e de laboratórios habilitados,
em regiões, infelizmente ainda marginalizados, é

165
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

tornar ineficiente esse licenciamento contribuindo


para a degradação ambiental.

Além disso, o licenciamento ambiental único, apresentado como


sinônimo de eficiência, como significado de segurança de que haverá redução
ou mitigação dos danos ambientais decorrentes dos empreendimentos ou
atividades pode não levar em consideração os interesses das futuras gerações,
mas, tão somente das atuais.
Isso porque, ao se valorizar a rapidez na concessão da licença, em
razão da Administração eficiente, para que o empreendimento seja desenvolvido
de forma célere, outros aspectos também valorosos, que imponham uma maior
investigação sobre aquela atividade, talvez sejam deixados de lado, colocando
em risco o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por outra via, a sobreposição de atuações que serviu como fundamento
para a instituição do licenciamento ambiental único, tem também um lado
positivo, considerando que haverá mais informações acerca do empreendimento
ou atividade que se pretende licenciar, o que trará mais segurança na proteção
jurídica do meio ambiente.
A lei prevê apenas no parágrafo primeiro do art. 13, que os demais
entes interessados, que não seja o licenciador, poderão apresentar manifestação
ao responsável, que não é vinculante, observando os prazos e o procedimento
do licenciamento. Sobre essa cooperação afirma Machado (2014, p. 324):

É uma cooperação dos entes federativos, que não


estejam classificados pela Lei Complementar como
órgão licenciador, e que poderão manifestar-se
perante o órgão administrativo. É uma atividade
não obrigatória. Essa manifestação, se houver, não
tem caráter vinculante, isto é, não obriga o órgão
licenciador a obedecê-la.

Desse modo, verifica-se que a eficiência nem sempre é garantia de


resultados adequados e da segurança da não ocorrência de danos ambientais.
Em outro aspecto, ainda no campo da não eficiência do instituto
do licenciamento ambiental, no âmbito do Estado do Amazonas, tramitou o
projeto de Lei n. 155/2015, oriundo do Poder Executivo, aprovado em sessão
do dia 09 de junho de 2015, que estabelece normas aplicáveis ao licenciamento
ambiental no âmbito do Estado do Amazonas, de competência do Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM, o qual possibilita, ante a falta de
manifestação de outros órgãos federais envolvidos no processo de licenciamento
ambiental, nos prazos estabelecidos em normas federais, especialmente a

166
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Portaria Interministerial n. 60, de 25 de março de 2015, a continuidade do


processo de licenciamento ambiental, incluindo, a expedição da respectiva
licença. Eis o teor da Lei 4.185, de 26 de junho de 2015:

Art. 1.º A falta de manifestação dos órgãos e


entidades federais envolvidos no processo de
licenciamento ambiental de competência do
Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas
- IPAAM, nos prazos estabelecidos em
normas federais, especialmente na Portaria
Interministerial n. 60, de 25 de março de
2015, ou outro instrumento normativo que
lhe venha substituir, não implicará prejuízo
ao andamento do processo de licenciamento
ambiental, nem para a expedição da respectiva
licença ambiental.
Parágrafo único. A manifestação extemporânea
dos órgãos e entidades envolvidos a que se
refere o caput deste artigo será considerada pelo
Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas -
IPAAM na fase em que se encontrar o processo
de licenciamento ambiental.

Art. 2.º Aplica-se ao processo de licenciamento


ambiental de competência do Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM,
no que couber, o disposto na Portaria
Interministerial n. 60, de 24 de março de 2015,
especialmente o disposto no seu art. 7.º, § 4.º.

É cediço que algumas áreas são muito específicas e demandam


trabalho especializado, e, nos termos da referida Lei, se os órgãos especializados
não conseguirem emitir parecer no prazo determinando, o procedimento de
licenciamento poderá seguir, com a expedição da licença ambiental, inclusive.
Os danos ao meio ambiente dessa forma, não serão evitados,
perdendo-se, por conseguinte, a essência do licenciamento ambiental, uma
vez que o IPAAM poderá não ter a expertise necessária para avaliar o impacto
naquele setor.

167
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

CONCLUSÃO

A Política Nacional do Meio Ambiente trouxe uma nova visão do


direito ambiental brasileiro, tendo em vista que o estruturou como um ramo
autônomo do direito, e, instituindo a tutela de proteção ao meio ambiente, por
meio de um sistema com interligação e integração.
Como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente,
o licenciamento ambiental é uma ferramenta preventiva para a consecução
do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O
licenciamento ambiental possui, então, como finalidade a regulamentação
dos empreendimentos e atividades que causem ou tenham a potencialidade de
causar danos ao meio ambiente.
A lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, que adveio
do projeto de Lei Complementar 12/2003, de autoria do Deputado Sarney
Filho, em atenção ao mandamento constitucional do paragrafo único do art.
23, foi editada para regulamentar a competência dos entes federativos em
relação ao licenciamento ambiental, considerando que a Política Nacional do
Meio Ambiente foi silente acerca da matéria e a ocorrência em alguns casos de
simultaneidade de ação entre eles.
Em decorrência da existência da atuação de mais de um ente federado
no licenciamento de determinado empreendimento ou atividade instituiu no art.
13, o licenciamento ambiental único, como forma de dar maior eficiência à
Administração, em atenção ao princípio constitucional.
Embora pareça em um primeiro momento que o estabelecimento
da competência para licenciar a apenas um ente federativo será a garantia
de eficiência e maior segurança na proteção de danos ambientais, mostra-se
imperioso uma análise de cada caso concreto. Isso porque nem sempre aquele
ente licenciador disporá das melhores tecnologias e profissionais adequados
para a análise de determinada atividade ou empreendimento , levando-se em
consideração as grandes desigualdades existentes no país.
Além disso, a rapidez utilizada como sinônimo de eficiência, poderá
impedir uma maior análise daquele que quer se licenciar, possibilitando maior
ocorrência de danos ambientais e desrespeito ao princípio constitucional do direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações.
Assim, a adoção do instituto que restringe a participação apenas ao
ente competente para licenciar, a depender dos deslindes do caso concreto, não
terá a eficiência necessária para a proteção do meio ambiente.

168
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília, DF, Senado 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/
ccivil_03/ Constituicao/ Constituicao.htm.
Acesso em 01 jul. 2015.

BRASIL, Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política


Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação,
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L6938.htm. Acesso em: 01 jul.2015.

BRASIL, Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa


normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do
art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do
exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de
suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no
6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/LCP/ Lcp140.htm. Acesso em: 01 jul.2015.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3.378-DF. Relator: Ministro


CARLOS BRITTO. Julgamento: 09/04/2008. Publicação: DJe112, divulgado
em 19/06/2008 e publicado em 20/06/2008. Disponível em http://www.stf.jus.
br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia. asp?s1=%28ADI%24%2ESC
LA%2E+E+3378%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+AD
J2+3378%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/
au665yh. Acesso em 10 jul. 2015.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente.


Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 dez. 1997. Disponível
em: http://www.mma.gov.br/port/ conama/res/res97/res23797.html. Acesso
em: 08 jul.2015.

CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO. Site Consulado: http//www.mma.gov.br.


Acesso em 15 jul.2015.

FIGUEIREDO, Lucia Vale. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. São


Paulo: Malheiros, 2000.

169
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.


13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FURLAN, Anderson; FRACALOSSI. Direito Ambiental. Rio de Janeiro:


Forense, 2010.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22 ed. São


Paulo: Malheiros, 2014.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência e


glossário. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

ORTIZ, R.A.; FERREIRA, S.F. “O papel do governo na preservação do meio


ambiente” In: BIDERMAN, C.; ARVATE, O. Economia do setor público. 4.
reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 34-46.

SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 10 ed. São Paulo:


Malheiros, 2013.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual do Direito Ambiental. 13 ed. São Paulo:


Saraiva, 2015.

170
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM DECISÕES POLÍTICAS AMBIENTAIS:


DIMENSÕES E EFETIVIDADE

SOCIAL PARTICIPATION IN ENVIRONMENTAL POLICY DECISIONS:


DIMENSIONS AND EFFECTIVENESS

Mayara Ferrari Longuini


Mestre e doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação
Getúlio Vargas e Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares
Penteado. É membro do Grupo de Pesquisa Estado e Economia no Brasil.

Rafael Junqueira Buralli


Mestre e doutorando em Ciências pelo Departamento de Saúde Ambiental da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP USP.

Resumo: A reflexão sobre de que forma a participação da sociedade influencia


no desenho das políticas públicas ambientais tem como principal alicerce o
sistema democrático. No Brasil, um meio ambiente ecologicamente equilibrado
é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e a participação
social é a maneira pela qual a sociedade pode exercer a sua cidadania e apresentar
as suas demandas aos tomadores de decisão. Formalmente, são assegurados
instrumentos que viabilizam a participação social nas diferentes esferas da
administração pública. Esses mecanismos são, muitas vezes, desconhecidos,
subutilizados e não efetivos, seja pela ausência da participação da sociedade
nos processos decisórios ou pela sobreposição interesses. O presente trabalho
tem como objetivo analisar as dimensões jurídicas e efetividade da participação
da sociedade em decisões políticas, que envolvem questões ambientais, no
contexto do Estado Democrático de Direito.
Palavras-Chave: Meio Ambiente; Participação Social; Políticas Ambientais.

Abstract: The reflection on how social participation influences the design of


environmental public policies has its main foundation on the democratic system.
In Brazil, a healthy environment is a fundamental right guaranteed by Constitution
and social participation is the way in which society can exercise their citizenship
and present their demands to the decision makers. Formally, instruments that
enable social participation are ensured in different spheres of government. These
mechanisms are often unknown, under-used and ineffective, either by the absence
of society’s participation or by interests overlapping. This study aims to analyze
the law dimensions and effectiveness of the social participation in environmental
policy decisions in the context of democratic state.

171
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Keywords: Environment; Social Participation; Environmental Policies.

INTRODUÇÃO

Falar sobre participação social em políticas ambientais brasileiras,


especialmente frente aos problemas acentuados pela dinâmica do mundo
globalizado, envolve refletir sobre democracia participativa e sobre o processo
de emancipação social. Essa discussão revela um cenário normativo, mas que
na prática se mostra pouco efetivo.
A Constituição Federal de 1988 e a Política Nacional do Meio
Ambiente (1981), que trazem o meio ambiente equilibrado como direito de
todos e dever do Estado, garantem espaços de participação da sociedade na
gestão ambiental e apresentam a educação ambiental como instrumento que
estimula a participação ativa dos cidadãos em defesa do meio ambiente, visando
a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental.
A efetividade (ou a falta de) quando se trata de participação em
decisões políticas ambientais depende, não só da garantia legal, mas também da
educação ambiental para que o cidadão se sinta estimulado e desenvolva uma
visão crítica, podendo se tornar um ator social protagonista na transformação do
modelo econômico vigente, para um modelo mais justo e sustentável.
Diante da crise ambiental percebida e sabendo que a essência
do sistema democrático consiste na participação dos cidadãos no processo
econômico e político de um país (especificamente nas decisões que envolvem
questões ambientais no Brasil), é preciso investigar como e por meio de quais
ferramentas os cidadãos podem exercer seu direito de participação em busca da
manutenção de um meio ambiente equilibrado, essencial à saúde humana.

1. O QUE GARANTE A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE?

A reflexão sobre de que forma a participação da sociedade influencia


no desenho de políticas públicas ambientais tem como principal alicerce o
sistema democrático.
A democracia é uma forma de organização de Poder (BOBBIO, 2004) no
sentido do modo como se comanda um Estado (um Estado pode ser comandado de
forma totalitária ou de forma democrática). A democracia pode ainda, se manifestar
por meio de modelos diferentes (LIJPHART, 2008), como, por exemplo, o modelo
praticado na Inglaterra, chamado de majoritário, ou ainda, o chamado de consensual,
praticado na Suíça, Bélgica e outros países da União Europeia.
No contexto do sistema democrático, portanto, é possível encontrar
maior ou menor grau de participação, mas necessariamente, devem ser

172
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

desenvolvidas receitas políticas em que se destaquem a preservação da


liberdade, isto é, instrumentos garantidores da liberdade individual e social.
O Estado Democrático brasileiro tem seus fundamentos prescritos no
artigo 1o da Constituição Federal (CF) e seu parágrafo único estabelece que
“todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”. Dessa maneira, a Constituinte de
88 estabeleceu um sistema que englobou a representação e participação.
A proteção do meio ambiente também está prevista na CF, no artigo
225: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações”.
Quando o texto constitucional diz que impõe-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo, é possível fazer ligação direta dessa diretriz
com o princípio da cooperação, que diz respeito à participação conjunta da
coletividade e Poder Público, dos Estados e Municípios, da cooperação entre
Países em âmbito internacional.47
A “coletividade”, é expressão acolhida pela Constituição e
compreende um grupo (maior ou menor) de indivíduos com interesse em
comum e engloba as Organizações não-governamentais (ONGS), em forma
de associações e fundações e ainda, as organizações da sociedade civil de
interesse público. A participação está garantida, por consequência, aos
indivíduos isoladamente. Apesar de o texto constitucional não ter expressado
dessa maneira, em geral, não é preciso estar em grupo para poder atuar em
defesa e preservação do meio ambiente.
A participação dos indivíduos e das associações em decisões
politicas ambientais (formulação e execução da política ambiental) é um
traço característico do Direito Ambiental e a ideia é que os cidadãos saiam da
condição passiva e partilhem da responsabilidade na gestão dos interesses que
atingem toda a população.
Para tanto, essas pessoas precisam ter acesso às informações para
se conscientizarem e se posicionarem com relação as questões ambientais.
Além disso, a informação deve ser transmitida pelos órgãos públicos a toda
a sociedade de forma que as pessoas interessadas tenham condições de agir
diante da Administração Pública e do Poder Judiciário. (MACHADO, 2010).

  O princípio da cooperação é um dos princípios incluídos na Declaração do Rio de Janeiro da


47

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Realizada em 1992
(Rio92), na qual ficou decidido que os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global,
para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre”,
sustentando também, a colaboração das gerações atuais para não prejudicar a qualidade de vida
das gerações futuras. Disponível em: < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf >.
Acesso em: 9 nov 2015.

173
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Nesse mesmo sentido, estabeleceu o princípio n. 10 Declaração do


Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada em 1992 (Rio92):

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é


assegurar a participação, no nível apropriado, de todos
os cidadãos interessados. No nível nacional, cada
indivíduo terá acesso adequado às informações relativas
ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações acerca de materiais e
atividades perigosas em suas comunidades, bem como
a oportunidade de participar dos processos decisórios.
Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização
e a participação popular, colocando as informações à
disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo
a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no
que se refere à compensação e reparação de danos.

Do princípio n. 10 da Declaração da Rio92, pode-se auferir que o


direito à participação é indissociável do direito à informação, ambos essenciais
para que a sociedade possa atuar em defesa do meio ambiente, conforme impõe o
artigo 225 da CF. Sem simetria de informação garantida pelo Estado à sociedade,
de nada servirão os mecanismos participativos previstos institucionalmente.
Assim, atuação em conjunto entre entre Poder Público e coletividade
é essencial, já que não seria possível atender a imposição constitucional
de defender e preservar o meio ambiente, se esse dever fosse atribuído
exclusivamente do Poder Público ou exclusivamente da sociedade. Fica
claro com isso que além do direito de participar, a sociedade tem também o
dever em participar.
De acordo com MACHADO (2010), a participação da população em
questões que envolvem a conservação do meio ambiente é característica da
segunda metade do século XX, quando a participação por meio do voto passou
a não satisfazer os cidadãos de modo geral. Isso porque, desde então, há uma
falta de legitimidade na democracia que é revelada por um cenário no qual
os cidadãos não se sentem representados pelos políticos eleitos. Atualmente,
a sociedade demanda por um sistema de representação dos seus interesses,
diferente do tradicional sistema representativo, pelo qual os partidos não são
mais capazes de exercer tal representação.
Em 23 de maio de 2014, foi publicado o Decreto n. 8.243, que instituiu
a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de

174
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Participação Social – SNPS “com o objetivo de fortalecer e articular os


mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta
entre administração pública federal e a sociedade civil” (BRASIL. Decreto n.
8.242/2014).
Esse decreto, apesar de ter sofrido críticas da oposição, institucionalizou
uma diretriz constitucional, reforçando e organizando o direito à participação
social nas decisões políticas (não só em matéria ambiental mas em todas as
matérias que envolvem as políticas públicas).
O direito de participar, portanto, é garantido pelo ordenamento
jurídico brasileiro, por meio de diversas formas, que serão abordadas no
item a seguir. Interessante notar nesse momento que, não obstante o nosso
modelo democrático tenha evoluído quanto às formas de participação,
quanto ao fortalecimento da garantia constitucional do indivíduo expressar
sua opinião e quanto aos esforços do governo no sentido de aumentar os
canais de comunicação com a sociedade, parece que esse modelo ainda não é
suficiente para incluir grupos sociais normalmente excluídos dos mecanismos
tradicionais de deliberação e participação.
É preciso se esforçar mais, para tornar os cidadãos atores realmente
importantes nos processos de tomada de decisões, levando suas demandas
e propostas relativas ao impacto do homem no meio ambiente e aos riscos
ambientais que essa relação causa.
A “sadia qualidade de vida” (art. 225, CF), só pode ser alcançada se
o meio ambiente estiver equilibrado ecologicamente. Assim, além do direito
ao meio ambiente sadio, a Constituição resguarda o direito à sadia qualidade
de vida, já que a saúde dos seres humanos não se manterá em um ambiente
poluído e doente.
Hipócrates, ainda na segunda metade do Séc. V, escreveu sobre
a influência do meio ambiente nas condições de saúde física e moral dos
indivíduos. Em meados do Séc. XIX, o inglês John Snow, em suas investigações
epidemiológicas, estabeleceu uma relação de causa e efeito entre as precárias
condições de moradia e emprego e as epidemias de cólera em Londres. Com
o advento da “Era Bacteriológica”, no final do Séc. XIX, o ambiente ficou
renegado a segundo plano na cadeia de causalidade das doenças e no início do
Séc. XX, a “Teoria da Multicausalidade” trouxe novamente o meio ambiente
como um fator de risco para o adoecimento (GASPAR e OLIVEIRA, 2014).
É sabido que o meio ambiente pode influenciar nas condições de vida
dos indivíduos e, apesar disso, o cuidado do homem para com o meio em que
vive, tem aparentemente se enfraquecido. O uso irresponsável dos recursos
naturais levando-os à escassez e os eventos climáticos extremos são exemplos
decorrentes da relação predatória do homem com o meio.

175
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Os recentes relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças


Climáticas – IPCC (UNEP, 2014) das Nações Unidas previram para as próximas
décadas um aumento significativo das emissões de CO2 (e consequentemente da
temperatura da Terra e dos oceanos) e a escassez hídrica já não é um problema
exclusivo de cidades desérticas e atinge atualmente também as metrópoles.
Ainda assim, o homem trata seus recursos naturais como inesgotáveis,
a sociedade do consumo produz resíduos como nunca e a obsolescência
programada impulsiona tanto a economia, nas diversas classes sociais, quanto
a degradação do meio ambiente. Há ainda um inegável desgaste das relações
sociais, entendido aqui como a perda das relações de confiança, solidariedade e
apoio entre pessoas e grupos (acentuado pelo fenômeno da globalização).
A natureza, a biodiversidade e o meio ambiente é de responsabilidade
de todos. Deve ser de interesse do ser humano, em razão da sua própria saúde
e sobrevivência conservar o meio em que vive. Diante desse fato, deve ser de
interesse também de cada um tomar conhecimento e fazer parte de alguma
forma das decisões administrativas que envolvem as questões ambientais.
Nesse sentido, o Estado além de preservar a liberdade de expressão
e opinião, garantindo juridicamente a participação dos cidadãos nas decisões
ambientais, deve estimular a emancipação social, para que os indivíduos
desenvolvam suas potencialidades e participem ativamente dos processos de
tomadas de decisão. Deve ainda, promover a “educação ambiental em todos
os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente” (artigo 225, inciso VI, CF).
Nas palavras de CANOTILHO (apud MACHADO, 2010) dois
aspectos decorrem do princípio democrático:

Em primeiro lugar o princípio democrático acolhe os


mais importantes postulados da teoria democrática –
órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo
partidário, separação de poderes. Em segundo
lugar, o principio democrático implica democracia
participativa, isto é estruturação de processos que
ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de
aprender a democracia, participar nos processos de
decisão, exercer controle crítico na divergência de
opiniões, produzir inputs políticos democráticos.

O que garante, portanto, a participação da sociedade nas decisões


políticas que envolvem questões ambientais são as normas constitucionais que
fundamentam o sistema democrático brasileiro juntamente com os mandamentos
constitucionais que impõem a defesa e a preservação do meio ambiente.

176
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Nesse sentido, além das medidas genéricas de participação social,


quais seriam os mecanismos mais tradicionais existentes no ordenamento
jurídico brasileiro de representação política e tomada de decisão na seara
ambiental?

2. COMO A SOCIEDADE PARTICIPA?

Esclarecido que a democracia é o alicerce fundamental para garantir


a participação social em decisões políticas ambientais, se faz oportuno analisar
as formas de participação e discutir sua importância e efetividade.
Com a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei n. 6.938 de
1981, houve a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA,
cujo modelo de gestão definido estimula a participação da sociedade civil, a
cooperação e interação dos organismos envolvidos com o controle e promoção
do meio ambiente em todas as esferas administrativas.
O artigo 2o traça o objetivo da PNMA e elenca vários princípios
norteadores para sua consecução. Especificamente no inciso X, o texto
enaltece a “educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a
educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na
defesa do meio ambiente”.
A educação ambiental é um mecanismo capaz de alterar o
comportamento apático da sociedade em relação à importância da sua
participação nos processos de tomada de decisão. É através da educação
ambiental que o cidadão se assume como protagonista e portanto, é crucial que
ele conheça quais são as instâncias de participação disponíveis.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, órgão
consultivo e deliberativo do SISNAMA, é um colegiado composto por órgãos
federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil, conforme
estabelecido pelos artigos 3o, inciso II, e 5o, do Decreto 99.274 de 199048).
Na fatia de representação referente à sociedade civil existe uma
composição diversificada de representantes. De acordo com o inciso VIII, do
Decreto 99.274 de 1990, são, ao todo, 22 (vinte e dois) representantes, o que
corresponde à 20% do CONAMA, enquanto que a maior fatia - 67,27% - é
de representação dos governos federal, estadual e municipal; 7,27% entidades
empresariais; e 5,45% de outras entidades (conselheiro sem direito a voto,
membro honorário e Presidência).
As 22 (vinte e duas) representações são distribuídas da seguinte
forma: dois representantes de entidades ambientalistas de cada uma das Regiões
48
Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que
dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental
e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências.

177
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Geográficas do País, e um representante de entidade ambientalista de âmbito


nacional, contabilizando 11 conselheiros.
Nesse caso, o MMA convoca eleição para que entidades ambientalistas
se candidatem. É o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas - CNEA
que elege estas organizações49. Dentre estas entidades que estão cadastradas
no CNEA, O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em
particular, o utiliza como pré-requisito para a eleição dos representantes das
cinco regiões geográficas que ocupam a vaga de Conselheiro representante
das Entidades Ambientalistas Civis no Plenário do CONAMA pelo período
de dois anos, sendo que as Entidades candidatas e votantes deverão estar
inscritas no CNEA por igual período.
Três representantes são de associações legalmente constituídas para a
defesa dos recursos naturais e do combate à poluição, e serão de livre escolha
do Presidente da República.
Um representante de entidades profissionais, de âmbito nacional,
com atuação na área ambiental e de saneamento, indicado pela Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental-ABES. Um representante de
trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e confederações de trabalhadores
da área urbana (Central Única dos Trabalhadores-CUT, Força Sindical,
Confederação Geral dos Trabalhadores-CGT, Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Indústria-CNTI e Confederação Nacional dos Trabalhadores
no Comércio-CNTC), escolhido em processo coordenado pela CNTI e CNTC.
Um representante de trabalhadores da área rural, indicado pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG.
Um representante de populações tradicionais, escolhido em processo
coordenado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das
Populações Tradicionais-CNPT/IBAMA. Um representante da comunidade
indígena indicado pelo Conselho de Articulação dos Povos e Organizações
Indígenas do Brasil-CAPOIB.
Um representante da comunidade científica, indicado pela Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC. Um representante do Conselho
Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares-CNCG. Um representante da Fundação Brasileira para a Conservação
da Natureza-FBCN.

  “O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em particular, o utiliza como pré-


49

requisito para a eleição dos representantes das cinco regiões geográficas que ocupam a vaga de
Conselheiro representante das Entidades Ambientalistas Civis no Plenário do CONAMA pelo
período de dois anos, sendo que as Entidades candidatas e votantes deverão estar inscritas no
CNEA por igual período.” Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/cnea/cnea.
cfm>. Acesso em: 8 nov. 2015.

178
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Por meio do CONAMA, portanto, viabiliza-se o controle e a


participação da sociedade civil nas decisões de âmbito nacional sobre questões
ambientais que envolvem as deliberações e negociações internas (MMA, 2005).
O artigo 225 da CF consolidou os regulamentos legais e institucionais
do processo de decisão sobre questões ambientais. Esse dispositivo conferiu ao
meio ambiente status de direito de terceira geração, ou seja, o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é classificado como um direito difuso
pois se projeta em uma esfera coletiva e não pertence a uma pessoa ou a um
grupo social determinado (MACHADO, 2010).
Este dispositivo é de grande importância no que se refere à participação
da sociedade tendo em vista que também institucionalizou mecanismos para
punir a violação ambiental, como é o caso da ação de interesse público e a
ação civil pública; fortaleceu instituições para mediar conflitos (como por
exemplo, o Ministério Público); e previu o Estudo Prévio de Impacto Ambiental
e seu Relatório no parágrafo 1°, inciso IV, expandindo o controle social
sobre procedimentos e atividades potencialmente causadoras de significativa
degradação do meio ambiente.
Outro mecanismo que possibilita a participação social é a
Avaliação de Impacto Ambiental – AIA que encontra-se vinculada ao
Licenciamento Ambiental50, conduzida prioritariamente pelos órgãos
estaduais do meio ambiente.
A AIA é um processo, dentro do qual se realiza o Estudo de Impacto
Ambiental – EIA, com seu respectivo relatório, o RIMA, que deve ser escrito
em uma linguagem não técnica de forma que a população em geral, ao acessá-
lo, possa compreender seu conteúdo (MMA, 2015). A AIA é responsável por
estratégias preventivas e antecipadoras da política ambiental – atendendo ao
princípio da precaução. Seus critérios básicos e diretrizes estão regulamentados
pela Resolução CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de 1986.
Apesar da Resolução CONAMA nº 1/87 já mencionar a possibilidade
de realização de Audiência Pública, foi a Resolução CONAMA nº 9/87, que
trouxe maiores especificidades. Logo no seu primeiro artigo, estabelece que
a Audiência Pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo
do produto em análise e do seu referido relatório (RIMA) e, principalmente,
informar a população e discutir com ela os possíveis impactos causados por
determinadas atividades ou obras, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes
as críticas e sugestões a respeito.

  O licenciamento ambiental é um importante procedimento de gestão da Política Nacional de


50

Meio Ambiente, por meio do qual a administração pública, representados pelo IBAMA e Órgão
Estaduais de Meio Ambiente, exerce o prévio controle necessário sobre atividades que interferem
nas condições ambientais (IBAMA, 2015).

179
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Outras regras deste evento, que deve ser público e aberto, facilitam
a participação dos interessados. O artigo 2o da Resolução 9/87 do CONAMA,
estabelece que as audiências devem ser realizadas em local de fácil acesso
e que as autoridades governamentais, membros dos comitês ambientais,
promotores públicos e representantes da sociedade civil devem ser convidados
a comparecer (MMA, 2015).
Além da audiências públicas previstas como parte do procedimento
da AIA, elas podem ser realizadas como modalidade de participação de caráter
informativo e para esclarecem dúvidas e reivindicações dos interessados.
Podem ser presenciais ou virtuais, utilizando as tecnologias da comunicação.
No mesmo sentido, há a possibilidade de se realizar Consulta Pública sobre
determinado tema de interesse socioambiental.
É importante mencionar três mecanismos genéricos de participação
direta da população, igualmente importantes no sistema democrático brasileiro,
a iniciativa popular nos procedimentos legislativos prevista pelo artigo 61, caput
e § 2º, da CF51; a participação social na realização de plebiscitos e a realização
de referendo sobre as leis, previstos pelo artigo 14, incisos I e II, da CF52.
Os Colegiados do Ministério do Meio Ambiente – MMA, atuam como
promotores de discussões e acesso à informação, possibilitando a participação da
sociedade nos processos decisórios das questões ambientais. Como exemplos,
temos o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), que dá voz aos povos
indígenas, comunidades locais, empresas e de organizações não governamentais
e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que envolve a participação
de diversos representantes, gestores e usuários (MMA, 2015).

3. A EFETIVIDADE DOS MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO

Existem várias a formas institucionais de participação na área ambiental,


como as audiências e consultas, conselhos, comitês e outros colegiados.
Contudo, alguns problemas de efetividade são identificados, conforme constata
MACHADO (2010):

A prática registra que em alguns países são as próprias


organizações não governamentais que elegem seus
51
  Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da
República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da
República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto
de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por
cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
52
  Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; (…)

180
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

representantes para esses conselhos, sem que os


governos interfiram nessa eleição. A questão não é isenta
de dificuldades. Na maioria dos conselhos, os governos
– sejam eles de natureza central, regional ou municipal
– têm a maioria dos voto. Assim, as organizações não-
governamentais, ainda, que possam apresentar seus
argumentos nas discussões, podem ficar vencidas, dando
legitimidade, contudo, às decisões tomadas.

Não só no Brasil, mas também em outros países democráticos,


conselhos com poderes consultivos e conselhos com poderes consultivos e
deliberativos foram instalados nas mais variadas matérias ambientais.
No caso dos conselhos, a função dos representantes sociais é a
predominância de uma função apenas consultiva, fazendo com que os indivíduos
não se sintam representados. Uma falta de integração é identificada entre os
níveis gestões e não fica claro como os conselhos municipais conversam com
as políticas nacionais (SILVA e PELICIONI, 2014).
Segundo NUNES, PHILIPPI JR e FERNANDES (2012), “para que
haja uma gestão ambiental no âmbito municipal é necessária a participação
da sociedade nos processos de gestão” e por isso, os conselhos municipais do
meio ambiente ao peças tão fundamentais na promoção da gestão ambiental
local, pois são os espaços nos quais as demandas locais são levadas pelos
representantes para serem debatidas.
Eventualmente, a gestão ambiental exclui a sociedade dos processos
decisórios ao atribuir a responsabilidade da produção de conhecimentos
exclusivamente aos especialistas e cientistas e as responsabilidades político-
administrativas somente ao Estado e seus representantes eleitos. Ignora-se com
isso uma pluralidade de demandas e de uma agenda ambiental mais ampla,
podendo a sociedade representada em conselhos ter seus interesses sobrepostos
por mecanismos de negociação, de composição dos pares ou decisões tomadas
por maioria constituída (PORTO e SCHÜTZ, 2012).
É importante considerar que “a participação cívica na conservação do
meio ambiente não é um processo político já terminado” (MACHADO, 2010).
A forma como os governos conduzem suas políticas ambientais
e a relação destas com a qualidade de vida e saúde da população podem ser
analisadas à luz dos “Determinantes Sociais da Saúde”. O modelo clássico de
Dahlgren & Whitehead (1991) destaca que, além das características individuais,
de comportamento e estilo de vida, existe uma enorme influência das condições
ambientais, socioeconômicas e culturais, das redes comunitárias e de apoio
e das condições de vida e trabalho no processo saúde-doença dos indivíduos
(BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007).

181
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O processo da Reforma Sanitária, que culminou na criação do nosso


Sistema Único de Saúde – SUS, garantido como direito do cidadão e dever
do Estado pela CF de 1988, é um exemplo bem-sucedido de transformações
advindas da participação social, onde as representações sociais foram decisivas
no enfrentamento do autoritarismo institucional e em defesa da democracia,
abrindo espaços políticos de representação e canais de participação e diálogo,
garantindo a inclusão da sociedade nos processos decisórios. Esse processo se
consolidou apoiado em dois importantes sustentáculos que também servem
às políticas ambientais, uma “prática teórica”, produtora de conhecimento
científico, e uma “prática política”, voltada às mudanças das relações sociais,
ao empoderamento e à participação social (AROUCA, 2003).
O capitalismo globalizado gera desigualdades na distribuição dos
benefícios do desenvolvimento econômico e dos riscos ambientais, acarretando
situações de injustiça ambiental, normalmente impondo aos países e populações
mais vulneráveis, o fardo mais pesado (PORTO e FINAMORE, 2012). Os
mesmos autores ainda questionam a exclusão dos indivíduos em situação de
risco ambiental das decisões de gerenciamento desses riscos, gerando cenários
de incertezas, proporcionalmente maiores quando os riscos são mais complexos.
Algumas iniciativas tentam impor a lógica capitalista de mercado ao
cenário de gerenciamento ambiental e de riscos, como acontece, por exemplo,
nos processos acelerados de licenciamento ambiental, na privatização dos
recursos naturais, na ineficiência das instituições fiscalizadoras, no desrespeito
dos direitos fundamentais de populações indígenas, na invisibilidade midiática
da real dimensão e responsabilidade de alguns problemas ambientais (PORTO
e FINAMORE, 2012).
Em se tratando da participação social através dos conselhos ambientais,
algumas falhas no processo de representação social podem comprometer o
atendimento às demandas da sociedade, por vezes sobrepondo os interesses
públicos aos interesses da população, como acontece com os vícios nos
processos de representação, a falta de rotatividade dos representantes sociais e
o protagonismo do Executivo no funcionamento dos conselhos (COHN, 2009).
Nesse sentido, uma questão reflexiva pode ser levantada com relação
às instituições de participação. As instituições políticas de participação seriam
somente aquelas constituídas formal e legalmente?
Avritzer (2007) entende que instituições participativas são formas
diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil
na deliberação sobre políticas, rompendo com a perspectiva habermasiana de
separação estrutural das esferas institucionais e não-institucionais. O autor
ainda identifica três formas de participação social nos processos de decisão: os
“desenhos participativos de baixo para cima”, com ampla inclusão do público

182
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

que participa; “desenhos institucionais de partilha de poder entre o Estado e


sociedade”, constituídos pelo próprio Estado; e um “desenho institucional de
ratificação pública”, onde a sociedade civil participa ratificando uma decisão
que já foi tomada (AVRITZER, 2008).
Os mecanismos políticos existentes parecem não ser suficientes para
solucionar as demandas atuais no enfrentamento dos problemas ambientais da
sociedade contemporânea. Nesse sentido, Hobsbawm (2007) afirma que, diante
do impacto das ações humanas sobre a natureza, “enfrentaremos problemas do
séc. XXI com um conjunto de mecanismos políticos flagrantemente inadequados
para resolvê-los”.
Diante das demandas atuais, que parecem apontar para um novo modelo
de cidadania em que a promoção da igualdade deve ser concomitante à promoção
de um cidadão questionador, que não seja mero cliente do Estado, afirma NOBRE
(2004), é preciso ampliar os mecanismos de participação e decisão nas diversas
instâncias de deliberação e decisão. E complementa, o autor:

Não basta dirigir-se ao Estado com suas reivindicações,


mas é preciso participar nas esferas publicas, em
espaços de expressão da opinião pública, de modo
a fazer com que a própria sociedade reconheça suas
reinvindicações como legítimas, de modo a fazer como
que a própria sociedade reconheça essas reinvindicações
como fazendo parte de uma maneira de viver que quer
ser reconhecida por todos os outros cidadão.

O desafio é não limitar a participação social à democracia


participativa, mas enxergá-la como uma ferramenta também disponível na
democracia representativa. Um amplo acesso à informação é necessário para
que a participação social nas decisões políticas ambientais se concretize como
uma forma de exercício da democracia. O empoderamento dos cidadãos, além
de garantido pelos mecanismos de participação previstos, deve ser estimulado
por meio da educação ambiental, concedendo uma visão emancipatória e
libertadora, tendo em vista que “politicamente livre é quem está sujeito a uma
ordem jurídica de cuja criação participa” (KELSEN, 1998).

CONCLUSÃO

Para garantir que os seus interesses sejam ouvidos, a sociedade


precisa, empoderada pela educação ambiental e instrumentos de participação,
envolver-se ativamente nos processos de tomada de decisão. O Estado, por sua

183
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

vez, precisa agir com transparência e assumir a educação ambiental (em todos
os níveis de ensino) e a participação social como prioridades da agenda política,
tanto em nível Federal, Estadual e Municipal, conscientizando os gestores da
importância do fortalecimento dos instrumentos que permitem esta participação.
A criação de espaços de participação social e arenas de discussão,
como conferências e fóruns regionais, é necessária para a constituição de novos
atores políticos, participantes ativos dos processos decisórios.
Um meio ambiente equilibrado e que proporcione uma melhor
qualidade de vida às gerações atuais e futuras dependem, além da existência dos
instrumentos de participação, da integração do conhecimento científico com o
conhecimento popular, da adoção de processos decisórios mais democráticos e
descentralizados (que respeitem a soberania e os saberes locais e regionais) e
da adoção de um processo educativo que possibilite a emancipação dos sujeitos,
transformando-os em protagonistas das mudanças da relação do homem com o
meio ambiente.

184
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ALONSO, Angela e COSTA, Valeriano. Dinâmica da participação em questões


ambientais: uma análise das audiências públicas para o licenciamento
ambiental do Rodoanel. In COELHO, Vera S. e NOBRE, Marcos. Participação
e deliberação. Teoria democrática e experiências institucionais no Brasil
Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p.290-312.

BRASIL.  Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de


1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao.htm>. Acesso em: 13 Out 2015.

BRASIL. Decreto n. 8.242 de 23 de maio de 2014. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8242.htm>.
Acesso em 9 Nov 2015.

AROUCA, A.S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão


e crítica da medicina preventiva. São Paulo/Rio de Janeiro: UNESP/
Fiocruz, 2003.

AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil, instituições participativas e


representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados [online]. 2007,
vol.50, n.3, pp. 443-464.
_____. Instituições participativas e desenho institucional: algumas
considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático.
Opin. Publica [online]. 2008, vol.14, n.1, pp. 43-64. ISSN 1807-0191

BUSS, P. M. e PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais.


PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):77-93, 2007.

COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira após 20 anos do SUS:


reflexões. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 25(7): 1614-1619, 2009.

GASPAR, J.C. ; OLIVEIRA, M.A.C. The socioenvironmental dimension of


illness. Journal of Nursing and Socioenvironmental Health, v. 1, p. 27-36, 2014.

GEBARA, Maria Fernanda. Importance of local participation in achieving


equity in benefit-sharing mechanisms for REDD+: a case study from
the Juma Sustainable Development Reserve. International Journal of the
Commons, North America, 2013.

185
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo:


Companhia das Letras, 2007.

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais


Renováveis. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/licenciamento/>.
Acesso em: 10 Mai 2015.

JACOBI, Pedro. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cad.


Pesqui. [online]. 2003, n.118, pp. 189-206. ISSN 1980-5314. http://dx.doi.
org/10.1590/S0100-15742003000100008.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução Luís Carlos


Borges. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: desempenho e padrões de


governo em 36 países. Tradução de Roberto Franco. 2a ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MMA – Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.mma.


gov.br/port/conama/>. Acesso em 8 Jul 2015.

NOBRE, Marcos. Participação e deliberação na teoria democrática:


uma introdução. In: COELHO, Vera S. e NOBRE, Marcos. Participação
e deliberação. Teoria democrática e experiências institucionais no Brasil
Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004.

NUNES, M. R.; PHILIPPI JR, A.; FERNANDES, V., A Atuação de Conselhos


do Meio Ambiente na Gestão Ambiental Local. Saúde Soc. São Paulo, v.
21, supl. 3, p. 48-60, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/
v21s3/05.pdf>. Acesso em: 8 nov 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro da


Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso
em: 9 nov 2015.

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; SCHÜTZ, Gabriel Eduardo. Gestão


Ambiental e democracia: Análise crítica, cenários e desafios. Ciência e
Saúde Coletiva, 17(6):1447-1456, 2012.

186
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

PORTO, M. F. e FINAMORE, R. Riscos, saúde e justiça ambiental: o


protagonismo das populações atingidas na produção do conhecimento.
Ciência e Saúde Coletiva, 17(6):1493-1501, 2012.

SILVA, E. C. e PELICIONI M. C. F. Conselhos e Gestão Ambiental Local:


Processos educativos e participação social. In: Curso de Gestão Ambiental.
PHILIPPI JR, A., ROMERO, M. A., BRUNA, G. C. Coleção Ambiental. v. 13.
2. ed. São Paulo: Manole, 2014.

UNEP – United Nations Environmental Programm. Intergovernmental Panel


on Climate Change – IPCC. Climate Change 2014. Synthesis Report. 2014.

187
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO AO DIREITO


SOCIOAMBIENTAL: O CASO DA RESERVA INDÍGENA RAPOSA SERRA
DO SOL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

THE FEDERAL CONSTITUTION AND THE PROTECTION OF THE


SOCIOENVIRONMENTAL RIGHT: THE CASE OF INDIGENOUS RESERVE
RAPOSA SERRA DO SOL ON SUPREME FEDERAL COURT OF BRAZIL

Bárbara dias Cabral


Mestranda em Direito Ambiental, especialista em Direito Processual Civil,
advogada, membro da Comissão “OAB vai à escola” da OAB-Amazonas.
E-mail: advbcabral@gmail.com

Juliana Soares Viga


Mestranda em Direito Ambiental, especialista em Direito Processual Civil e
em Direito Ambiental e Urbanístico. Delegada de Polícia Civil do Estado do
Amazonas. E-mail: juviga@gmail.com

Resumo: Socioambientalismo é um movimento social, em defesa dos povos


indígenas e comunidades tradicionais, visando a manutenção do seu modo de
vida e a preservação ambiental territorial. O arcabouço constitucional e legal
de proteção ao Socioambientalismo é crescente e atual, mas, para garantir
efetividade às normas de proteção, é necessário implementação do positivismo
de combate. Busca-se responder: De que forma o Supremo Tribunal Federal
tem analisado o caso da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do
Sol? Tais decisões embasam uma nova ideia jurídica denominada Direito
Socioambiental. É fundamental e urgente a proteção dos direitos fundamentais
das populações indígenas, em prol de seu patrimônio cultural. A metodologia
utilizada é a análise jurisprudencial, com ênfase na dinâmica decisória. O estudo
enunciado requer uma metodologia dedutiva, com base em pesquisa legislativa
e doutrinária pertinentes. Recorrer-se-á a autores da área jurídica com visão
socioambiental em relação ao Direito Constitucional.
Palavras-Chave: Direito Socioambiental; Supremo Tribunal Federal; Raposa
Serra do Sol.

Abstract: Socioenvironmentalism is a social movement in defense of


indigenous peoples and traditional communities, seeks to maintain a way of
life and territorial environmental preservation. The constitutional and legal
framework to protect the socio-environmentalism is growing and current but

188
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

to ensure the effective protection regulations, it is necessary to implement the


combat positivism. It seeks to answer: How the Supreme Court has examined
the case the demarcation of Indian Reserve Raposa Serra do Sol? These
decisions underpin a new legal notion called Environmental Law. It is essential
and urgent to protect the fundamental rights of indigenous peoples, for the
sake of their cultural heritage. The methodology used is the jurisprudential
analysis, with emphasis in the operative dynamics. The study stated requires a
deductive methodology, based on relevant legislative and doctrinal research. It
will appeal to authors in the legal area with social and environmental vision of
the Constitutional Law.
Keywords: Environment, Indigenous Lands Socioenvironmental Right;
Supreme Federal Court; Raposa Serra do Sol.

INTRODUÇÃO

No texto constitucional de 1988, ao disciplinar o direito de opção


de integrar ou não à denominada sociedade nacional por parte das sociedades
indígenas (artigo 231, Constituição Federal), verifica-se a presença de uma
preocupação em reconhecer a estrutura das sociedades marcadas por traços de
pluralidade notadamente no campo cultural.
O movimento socioambientalista, de preservação das identidades
dos povos indígenas e comunidades tradicionais, exerceu forte influência
no ordenamento jurídico constitucional e legal brasileiro, dando enfoque a
diversos direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, garantidos aos
indivíduos isoladamente e à coletividade, dentre eles, o direito à cultura, ao meio
ambiente sadio, à qualidade de vida, à função socioambiental da propriedade,
preservando-se, inclusive, para as futuras gerações, nos termos do art. 225 da
Constituição Federal.
Através de um apanhado histórico, chega-se à origem do
socioambientalismo, que coincide com a promulgação da Carta Republicada
de 1988. Analisa-se a trajetória deste movimento, com todas as suas lutas e
conquistas, que favorecem o povo brasileiro, como um todo, e não apenas as
comunidades segregadas.
O presente artigo - fruto de estudos de temáticas desenvolvidas
na disciplina Teoria Geral do Direito Ambiental da Universidade Estadual
do Amazonas-UEA - foi elaborado a partir de um caso concreto. Tem como
objetivo apresentar e comentar alguns conceitos jurídicos relacionados ao
Socioambientalismo; observar a Constituição Federal brasileira e o ordenamento
jurídico vigente sob a ótica da ideia de Estado de Direito Socioambiental; fazer

189
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

um histórico da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol; exibir as decisões


proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o caso.
Nesta circunstância, a finalidade fundamental da apresentação é
o de favorecer uma resposta ao seguinte questionamento: o Supremo Tribunal
Federal tem analisado o caso da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra
do Sol sob a ótica do Direito Socioambiental?
Tal questão, a priori complexa, é de fundamental importância na
atualidade, visto que há urgência na proteção dos direitos fundamentais das
populações indígenas brasileiras, em prol de seu patrimônio cultural, frente a
interesses diametralmente opostos.
A análise do caso tem como metodologia a análise jurisprudencial,
com ênfase na dinâmica decisória. O estudo enunciado requer uma metodologia
fundamentalmente dedutiva, com base em pesquisa doutrinária e legislativa relativa
à temática. Recorrer-se-á a autores da área jurídica que focam o Direito ambiental,
em especial a questão do direito social e do regime jurídico ambiental vigente.
O presente artigo se propõe a apresentar o posicionamento do STF
no caso da RI Raposa Serra do Sol, em especial, no julgamento da Reclamação
nº 2.833 e análise das 19 condicionantes impostas pelo Supremo às etnias
participantes da supramencionada Reserva Indígena.

1. SOCIOAMBIENTALISMO NO BRASIL E O CASO NA R.I. RAPOSA SERRA DO


SOL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A priori, importante considerarmos em que consiste


socioambientalismo, a partir de metodologias jurídicas e sociais.
Socioambientalismo se define, sinteticamente, como sendo a interação entre
a proteção à biodiversidade e à sociodiversidade, conceito este construído
fundamentalmente a partir das ideias de que as políticas públicas ambientais
devem incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos
tradicionais e de práticas de manejo ambiental, com vistas a preservar o meio
ambiente natural, ao mesmo tempo em que se valoriza a diversidade cultural,
consolidando, portanto, o processo democrático no país, com ampla participação
social na gestão ambiental.
O socioambientalismo está intimamente ligado à ideia de
sustentabilidade, em que o ser humano desenvolve a capacidade de interagir
com o mundo, preservando o meio ambiente, a fim de não comprometer os
recursos naturais para as futuras gerações.
As questões sociais e ambientais devem caminhar juntas, com vistas
à proteção do meio ambiente como um todo, natural e cultural, devendo haver a
participação das populações tradicionais, como índios, quilombolas, ribeirinhos e
etc, nas discussões e soluções que envolvem as suas terras e seus costumes.

190
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Prevalece, entre a maioria dos doutrinadores, SANTILLI (2005,


p.12) e ALONSO E COSTA (2000, p.22-23), que o socioambientalismo nasceu
na segunda metade dos anos 1980, a partir de articulações políticas entre os
movimentos sociais e o movimento ambientalista, coincidindo com o fim do
regime militar e início do processo de redemocratização do país, consolidando-
se, posteriormente, com a promulgação da Carta Republicana de 1988.
Atualmente, o Brasil possui diversos instrumentos
constitucionais, como mecanismos de proteção dos povos indígenas e das
comunidades tradicionais, com vistas a manter preservados a cultura destes
povos e o seu modo de vida.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco no processo de
democratização do país, proporcionando um sólido arcabouço jurídico ao
socioambientalismo no país, com destaque a um capítulo exclusivo de proteção
ao meio ambiente (art. 225/CF), em que se assegura a todos os povos o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade
o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A Nova Constituição Federal destacou-se com o avanço da proteção
ao meio ambiente natural, como também na proteção à sociodiversidade dos
povos, pois a Constituinte, com sua ideologia multicultural, reconheceu, em
seu arcabouço, os direitos coletivos indígenas e quilombolas, protegendo,
especialmente, seus territórios, no art. 231, caput e §1º.
No mesmo viés, os Atos de Disposições Constitucionais e
Transitórias, em seu art. 68, reconheceram às comunidades remanescentes de
quilombos a propriedade definitiva de suas terras tradicionalmente ocupadas,
impondo ao Estado a expedição de títulos definitivos de terras.
Ilustrando, ainda, o arcabouço constitucional de proteção aos
direitos indígenas e comunidades tradicionais, podemos citar os dispositivos
que trouxeram a proteção cultural destes povos e do seu modo de vida, nos
artigos 215 e 216 da Carta Maior.
O dispositivo constitucional conferiu proteção aos bens
imateriais, essenciais à preservação da cultural, dentre eles, destaque-se as
mais diferentes formas de saber, fazer e criar, como músicas, contos, lendas,
danças, receitas culinárias, técnicas artesanais e de manejo ambiental, os quais
compõem a definição de meio ambiente cultural e fortalece a concepção de
socioambientalismo.
Destaque-se, ainda, na previsão constitucional, os conhecimentos,
inovações e práticas culturais de povos indígenas, quilombolas e populações
tradicionais, que vão desde formas e técnicas de manejo de recursos naturais,
métodos de caça e pesca e conhecimentos sobre sistemas ecológicos e espécies
com propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas.

191
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Verifica-se que houve uma preocupação do Estado em preservar o


patrimônio cultural brasileiro, seja ele material ou imaterial, com o estabelecimento
de políticas públicas que valorizassem e preservassem a diversidade étnica e
cultural dos povos brasileiros, além de ações que promovessem a democratização
do acesso aos bens culturais por todos os indivíduos.
Tais dispositivos, analisados juntamente com o Título II da
Constituição, que prevê a garantia dos direitos individuais e coletivos,
entabulam uma rede de proteção jurídica à diversidade cultural, sob duas
vertentes. Por um lado, o direito dos povos indígenas e quilombolas de
continuarem a existir enquanto tais, tendo preservados os seus territórios
originários, recursos naturais neles existentes e os seus conhecimentos
tradicionais; por outro lado, o direito de toda a sociedade brasileira à
diversidade cultural e à preservação das manifestações culturais dos diferentes
grupos étnicos e culturais que integram a nação brasileira.
Tais direitos, dentre outros previstos constitucionalmente,
afastam por completo a equivocada interpretação de que estes povos devem
ser integrados à sociedade comum, pois eles não são equiparáveis às pessoas
humanas que cresceram em meio a uma sociedade miscigenada e capitalista,
nem mesmo aos entes estatais.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, é ocupada por 194
comunidades indígenas, como Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e
Wapichana. Tal terra “fica a noroeste do Estado de Roraima, divisa com os
territórios da Venezuela e Guiana, encravada no coração do Vale do Rio Branco
e reconhecidamente habitat de densa população indígena (SILVEIRA, 2010, p.
94). Conforme enunciou o Instituto Socioambiental –ISA53, a demarcação da
R.I.RSS, deu-se da seguinte forma:
Em 1992 e 1993, a Funai decide reestudar a área formando pela
última vez novos Grupos de Trabalho. Está em vigor no Brasil o Princípio
segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação

53
  Um grande exemplo de organização atuante na causa indígena é o ISA. O Instituto Socioambiental
é uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, para propor
soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e
direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos
humanos e dos povos. Desde 2001, o ISA é uma Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público – com sede em São Paulo (SP) e subsedes em Brasília (DF), Manaus (AM), Boa Vista (RR), São
Gabriel da Cachoeira (AM), Canarana (MT), Eldorado (SP) e Altamira (PA). O ISA está estruturado
em programas que têm por base as seguintes linhas de ação: Defesa dos direitos socioambientais;
Monitoramento e proposição de alternativas às políticas públicas; Pesquisa, difusão, documentação
de informações socioambientais; Desenvolvimento de modelos participativos de sustentabilidade
socioambiental e Fortalecimento institucional dos parceiros locais. Disponível em: http://www.
socioambiental.org/pt-br/o-isa Acesso em: 30 de jun 2015.

192
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do Poder Judiciário. Nesta direção, existe no ordenamento jurídico pátrio


a previsão de diversas medidas judiciais que permitem o questionamento
do procedimento demarcatório de terras indígenas, no âmbito judicial, por
particulares que se considerarem lesados ou ameaçados nos direitos relativos à
propriedade de terras na área demarcada.
A garantia de amplo acesso ao Poder Judiciário deu ensejo à
proposição de inúmeras ações judiciais por ocupantes não-indígenas, fazendeiros
e representantes do Estado de Roraima, questionando a posse permanente dos
índios naquela área, após o término do processo administrativo demarcatório.
O resultado foi a não conclusão do relatório.
Em janeiro de 2005, a ministra Ellen Gracie, do STF, suspende em
liminar o processo de demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. O plenário
da Suprema Corte elimina todas as ações que contestavam a demarcação.
No ano seguinte, o STF nega, por unanimidade, provimento ao
Agravo Regimental em Petição (PET nº 3.388), proposta pelo senador Augusto
Botelho (PDT-RR) pedindo a suspensão da Portaria nº 534/05, que demarcou a
Reserva Indígena Raposa-Serra do Sol e o decreto que homologou a demarcação.
A Proposta de Emenda Constituicional – PEC nº 2015, inclui,
dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional:

- a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente


ocupadas pelos índios;
- a titulação de terras quilombolas;
- a criação de unidades de conservação ambiental;
- a ratificação das demarcações de terras indígenas já
homologadas.

A Carta Magna de 1934 foi a primeira Constituição brasileira


a tratar dos direitos indígenas foi a de 1934. Porém, a temática era abordada
de forma esparsa no texto constitucional. Um exemplo é o Art. 129, o qual
afirmava que “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem
permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.”
Apenas na Constituição Federal de 1988 os direitos dos povos
indígenas foram enunciados de forma sistemática. Somente nas últimas três
décadas há subsídio constitucional para que os tribunais superiores possam
tratar as questões relativas aos povos indígenas com mais propriedade.
Uma prova de que a constitucionalização dos direitos indígenas é
de suma importância à consecução dos direitos e garantias fundamentais destes,
é o número de ações relacionadas ao caso da RI Raposa Serra do Sol no STF;
mais de 70 ações tramitaram na Corte Suprema, no período de 1992 a 2015.

193
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O MPF também assumiu papel relevante na proteção e na efetiva


aplicação das normas constitucionais relativas aos direitos dos índios. Cumpre
ao presente artigo analisar o julgamento da Reclamação nº 2.833 pelo STF,
ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Roraima, bem como as 19
postulantes do citado Tribunal para o caso da RI Raposa Serra do Sol. O objetivo
é Tendo em vista compreender a evolução, em linhas gerais, do tratamento
constitucional brasileiro do direito indígena a terras.
A competência para o processo e o julgamento da ação popular
contra ato de qualquer autoridade é do juízo competente de primeiro grau
de jurisdição. Porém, há casos em que o STF assume tal competência, como
explica o douto Uadi Lammêgo (BULOS, 2009, p. 670 e 1.455):

[...] a competência para processar e julgar ação


popular, contra ato de qualquer autoridade, é do juiz
de primeiro grau de jurisdição, algo que está fora de
atribuições originárias do Supremo Tribunal Federal.

[...] Entretanto, o mesmo autor ensina que: [...] cabe à


Corte Suprema processar e julgar ação popular em que
os respectivos autores, com pretensão de resguardar
o patrimônio público, postulam a declaração da
invalidade de ato do Ministério da justiça. Também
lhe incube apreciar todos os feitos processuais
intimamente relacionados com a demarcação das
reservas indígenas.

Na direção das doutrinas supracitadas, o STF assumiu a


competência para apreciar todos os feitos processuais intimamente relacionados
com a demarcação da RI Raposa Serra do Sol. Coube à Suprema Corte, então,
julgar a Reclamação nº 2.833, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de
Roraima, a qual postulou a declaração da invalidade da Portaria nº 820/98, do
Ministério da Justiça.
O voto do Ministro Marco Aurélio, em relação à Reclamação nº
2.833, julgou procedente o pedido inicial, fixando os seguintes parâmetros para
uma nova ação administrativa demarcatória, julgando nula a anterior, sob os
seguintes requisitos:

Audição de todas as comunidades indígenas existentes


na área a ser demarcada; b) audição de posseiros e
titulares de domínio consideradas as terras envolvidas;

194
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

c) levantamento antropológico e topográfico para


definir a posse indígena, tendo-se como termo inicial
a data da promulgação da Constituição Federal,
dele participando todos os integrantes do grupo
interdisciplinar, que deverão subscrever o laudo a
ser confeccionado; d) em consequência da premissa
constitucional de se levar em conta a posse indígena,
a demarcação deverá se fazer sob tal ângulo, afastada
a abrangência que resultou da primeira, ante a
indefinição das áreas, ou seja, a forma contínua
adotada, com participação do Estado de Roraima
bem como dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima
e Normandia no processo demarcatório. e) audição
do Conselho de Defesa Nacional quanto às áreas de
fronteira. (STF, Voto-Vista Do Min. Marco Aurélio.
Petição Nº 3.388-4- Roraima. Relator: Min. Carlos
Britto. Requerida: União)

Como concluiu o Dr. Edson Damas, sobre o julgamento da


Reclamação supramencionada (SILVEIRA, 2010, p. 113):

Ao final, e por maioria, o Supremo Tribunal Federal


julgou parcialmente procedente o pedido feito no
processo de Petição 3.388 para manter a demarcação
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol nos termos
definidos pela Portaria 534/2005, impondo por outro
lado restrições ao usufruto não apenas daquela porção
territorial como das vindouras demarcações de terra
indígena no Brasil.

Restou evidenciada, neste caso, a existência de litígio federativo


em gravidade suficiente para atrair a competência desta Corte de Justiça (alínea
f do inciso I do art. 102 da Lei Maior). Após algumas divergências e correções
terminológicas, a maioria do Plenário do STF entendeu que deveria ser fixada
19 condições aos indígenas em geral, de qualquer reserva brasileira.
No ano de 2013, o Plenário do STF manteve a validade das 19
condicionantes estabelecidas em 2009. “[A decisão de 2009] não é vinculante
em sentido técnico para juízes e tribunais quando do exame de outros processos
relativos a terras indígenas diversas”, afirmou o relator dos sete embargos de
declaração sobre as condicionantes, ministro Luiz Roberto Barroso, no resumo
de seu voto, que foi aprovado por unanimidade.

195
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

No mesmo ano, foi escrita uma Carta de Reinvindicações ao


governo federal para aprovação do Projeto de Lei 2.057/91, o Estatuto dos Povos
Indígenas. Em junho de 2015, indígenas entregaram um documento pedindo a
revogação da Portaria nº 303/2012 da AGU, medida que busca estender para
todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo STF na Ação Judicial
contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF),
conforme veiculado no site do Conselho Nacional Indígena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O socioambientalismo surgiu na concepção de que o


desenvolvimento sustentável deve promover a preservação do meio ambiente
natural, juntamente com a manutenção da diversidade social entre os seres
humanos, de acordo com seus costumes tradicionais e modo de vida.
Verifica-se que o ordenamento jurídico constitucional está
repleto de direitos e garantias difusos e coletivos, em prol de uma comunidade
hostilizada, que luta pela preservação de seus costumes tradicionais e de seus
territórios. No entanto, muitas vezes, para que tais instrumentos de proteção
tenham eficácia, é necessário implementar um positivismo de combate.
Percebe-se que a discussão sobre a questão da necessidade de
demarcação de terras indígenas, em especial da Reserva Indígena Raposa Serra
do Sol, vai além da necessidade de conscientização social sobre a temática.
É necessária legislação efetivamente aplicada, fiscalização; há fatores maiores
que cooperam fortemente para este problema.
No entender de Silva (2011, p.155), não basta para a proteção
ambiental que o meio ambiente cultural e natural indígena seja um valor
fundamental insculpido em nossa Lei Maior; é preciso que sejam estabelecidos
mecanismos que conduzam à absorção deste valor por toda a sociedade.
É neste contexto que se faz necessária a atuação dos tribunais
superiores – em especial, do Supremo Tribunal Federal – para garantir os direitos
fundamentais de do povo brasileiro em todas as suas manifestações culturais, sem
distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas.
Conclui-se que é fundamental que o STF interprete a Constituição
Federal com o olhar do Direito Socioambiental, estabelecendo critérios para
que as atividades humanas na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol promovam
a qualidade de vida e a preservação dos usos e costumes, mas sem deixar de
lado a preservação e o uso sustentável dos atributos naturais da região.

196
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ALONSO, Ângela; COSTA, Valeriano. Por uma sociologia dos conflitos


ambientais no Brasil. Encontro do Grupo do Meio Ambiente e Desenvolvimento
do Clacso, Rio de Janeiro. 2000.

BARRETO, Helder Girão. Direitos Indígenas: Vetores Constitucionais.


Curitiba: Juruá. 2011.

BRASIL, Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937).

________, Código Florestal (1965).

________, Política Nacional do Meio Ambiente (1981).

_________, Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988).

________, Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000).

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo:


Editora Saraiva, 2009.

Conselho Indigenista Missionário. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/


pt-br/?system=news&conteudo_id=8192&action=read Acesso em: 1º jul 2015.

Constituição federal de 1934. Disponível em: http://www.soleis.com.br/ebooks/


Constituicoes1-14.htm Acesso em: 30 jun 2015.

FONSECA, Ozório J. M. Índios, Caboclos, Sociedade Branqueada e o


Socioambientalismo Amazônico. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da
Amazônia. Ano 8, nº 15. 2010.

GUIMARÃES, Roberto. A Ética da Sustentabilidade e a formulação de políticas


de desenvolvimento. In: SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos
Direitos – Proteção Jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo.
Peirópolis, 2005.

MARÉS, Carlos Frederico. O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto


Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2002.

197
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos Direitos – Proteção Jurídica


à diversidade biológica e cultural. São Paulo. Peirópolis, 2005.

SANTILLI, Márcio. Transversalidade na corda bamba. Apresentação a um


balanço doo seis meses do governo Lula na área socioambiental, realizado pelo
Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em <http://www.socioambiental.
org> In: SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos Direitos – Proteção
Jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo. Peirópolis, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 33.ed. –


São Paulo: Malheiros, 2009

_______________. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo:


Malheiros, 2011.

SILVEIRA, Edson Damas da. Meio Ambiente, Terras Indígenas e Defesa


Nacional. Curitiba: Juruá, 2010.

_______________. Direito Socioambiental: Tratado de Cooperação


Amazônica. Curitiba: Juruá. 2005.

198
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O PLANTIO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS


NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

LA PLANTATION D’ORGANISMES GENETIQUEMENT MODIFIES DANS


LES ZONES TAMPONS D’AIRES PROTEGEES

Marcelo Pires Soares


Bacharel em Direito. Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.

Elisa Oliveira Da Silva Bentes


Advogada. Mestranda em Direito Ambiental no Programa de Pós-Graduação
em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.

Resumo: A presente pesquisa objetiva analisar a validade do Decreto 5.950/2006,


que autoriza o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) no
entorno de unidades de conservação. O estudo tem como ponto de partida a
função das zonas de amortecimento, as incertezas quanto ao plantio de OGMs e
a aplicação do Princípio da Precaução. A análise da questão passa pela Resolução
CONAMA 428/2006 e pela jurisprudência, confirmando que o Decreto ofende
o Princípio da Precaução. Primeiro, porque o Decreto 5.950/2006 admite
limites reduzidos de proteção, em regra inferiores ao da Resolução CONAMA
428/2010. Segundo, porque condiciona esses limites à criação no futuro de zona
de amortecimento, quando deveriam ser adotadas faixas maiores desde logo,
subvertendo o raciocínio construído pela precaução. O método científico adotado
é o da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial qualitativa.
Palavras-Chave: Unidades de Conservação; Zonas de Amortecimento;
Organismos Geneticamente Modificados; Princípio da Precaução.

Resume: Cette recherche vise à analyser la validité du décret 5950/2006


autorisant la culture d’organismes génétiquement modifiés (OGM) dans le
voisinage de zones protégées. L’étude prend comme point de départ le rôle des
zones tampons, des incertitudes quant à la plantation d’OGM et l’application
du principe de précaution. L’achèvement des travaux comprend l’analyse de la
Résolution CONAMA 428/2006 et la jurisprudence confirmant que le décret
viole le principe de précaution. D’abord, parce que le décret 5950/2006 supporte
faibles limites de la protection de la règle inférieure de la Résolution CONAMA
428/2010. Deuxièmement, parce que ces conditions limites de créativité dans la
zone tampon avenir quand elles devraient être adoptées plus grandes pistes à la
fois, renverser le raisonnement construit par mesure de précaution. La méthode

199
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

scientifique adoptée est la littérature jurisprudentielle et la recherche qualitative.


Mots-Cles: Zones Écologiquement Protégées; Zones Tampon; Organismes
Génétiquement Modifiés; Principe de Précaution.

INTRODUÇÃO

O plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs) tem crescido


bastante nas últimas décadas, sob a promessa de aumento da eficiência produtiva na
agricultura e fim das incertezas quanto à falta de alimentos. Isso gerou um avanço das
plantações em direção às áreas circunvizinhas de unidades de conservação.
Os OGMs ainda hoje são alvo de questionamentos quanto a seus
efeitos nocivos ao meio ambiente e, por isso, o cultivo exige a observância do
Princípio da Precaução. Assim, toda a legislação sobre o plantio deve considerar
que a ausência de certeza científica não pode justificar o adiamento de medidas
viáveis para evitar a degradação ambiental.
Porém, em 2006, foi editada a Medida Provisória 327, convertida na
Lei 11.460/2007, que modificou a Lei 9.985/2000, sobre o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), para dispor sobre o plantio
de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação e suas
zonas de amortecimento.
Ao regulamentar a matéria, o Decreto 5.950/2006 fixou faixas
limites de plantio desses organismos no entorno das unidades de conservação,
conforme o tipo de cultivo a ser realizado, enquanto não criadas as zonas de
amortecimento.
Desse modo, autorizou-se o plantio de OGMs nas faixas circunvizinhas
às unidades de conservação em limites fixos, a depender da espécie de
cultivo. Surge aí o problema central do trabalho: o Decreto 5.950/2006, assim
procedendo, atende ao Princípio da Precaução?
Este tema cobra atenção, porque envolve o exercício de atividades
efetiva ou potencialmente poluidoras próximo de espaços territoriais de
inestimável valor ambiental.
A pesquisa pretende investigar a compatibilidade do referido Decreto
com o Princípio da Precaução e, secundariamente, entender parte da disciplina
jurídica nas áreas de entorno das unidades de conservação e o plantio de OGMs.
O método científico adotado é o da pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial qualitativa.

1. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

No interesse de preservar o meio ambiente, a Constituição Federal


impõe ao poder público o dever de criar espaços territoriais especialmente

200
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

protegidos. Entre estes, destacam-se as unidades de conservação, as quais


se diferem por características naturais relevantes, recursos e funções
socioambientais singulares.
Preconiza a Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação,


espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;      

As unidades de conservação destinam-se à preservação da natureza em


seu próprio local, mediante a delimitação do espaço físico. Podem ser identificadas
pelos seguintes dados: a relevância natural de seus recursos; o caráter oficial de
sua criação, então por lei ou por decreto; a delimitação territorial do espaço físico;
o objetivo conservacionista e o regime especial de proteção e administração.
Tais características das unidades de conservação são sintetizadas no
conceito previsto no artigo 2º, I, da Lei 9.985/2000:

Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se


por:
I - unidade de conservação:  espaço territorial e seus
recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, legalmente
instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial
de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção;

201
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Historicamente, as unidades de conservação nasceram com o propósito


central de conservação, isto é, de preservação integral de determinado espaço
territorial delimitado. Porém, na atualidade, além dessa perspectiva, elas devem
visar também à conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de
vida das populações, adotando um conceito socioambientalista.
Nesse sentido, foi o Parecer do Deputado Fábio Feldmann, em
1994, quando da primeira proposta de substitutivo ao Projeto de Lei do SNUC
(SANTILLI, 2005, p. 75):

A despeito de sua inegável oportunidade, o Projeto,


na forma proposta, padece os efeitos de uma
concepção envelhecida sobre o significado e o
papel das unidades de conservação, concepção esta
que tende a desconsiderar as condições específicas
de países pobres como o nosso, e que vem sendo
paulatinamente revista e atualizada no mundo todo.
Na perspectiva tradicional, criar uma unidade de
conservação significa, em essência, cercar uma
determinada área, remover ou – alguns diriam
– expulsar a população eventualmente residente
e, em seguida, controlar ou impedir, de forma
estrita, o acesso e a utilização da unidade criada. A
preocupação básica, quase exclusiva muitas vezes, é
com a preservação dos ecossistemas.

(...)

Esta concepção tradicional do sentido e finalidade


das unidades de conservação desenvolveu-se nos
países ricos do norte, particularmente nos Estados
Unidos, cuja afluência permite que se mantenham
intactas grandes áreas naturais. Naquele país, as
unidades de conservação são percebidas, em grande
medida, como sendo um complemento lógico de uma
vida estressante mas de elevado padrão, que requer
relaxantes fins de semana. Nos países do Terceiro
Mundo, para onde foi exportada essa concepção, a
situação é radicalmente diferente. Nossos parques
e reservas estão rodeados, não raro, de pobreza
extrema. Essas áreas sobrevivem a duras penas como
ilhas em um agitado mar de pressões sociais.

202
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

(...)

Diante de situações como essas, vem se desenvolvendo


uma concepção nova sobre o papel das unidades de
conservação que procura redefinir o manejo dessas
áreas protegidas tendo em vista assegurar, ao mesmo
tempo, a conservação da biodiversidade e a melhoria
da qualidade de vida das populações humanas. Essa
mudança de perspectiva caminha em conjunto com a
evolução do conceito de conservação e das estratégias
de desenvolvimento.

Desse modo, estes espaços dividem-se em dois grupos: as Unidades


de Uso Sustentável e as de Proteção Integral (artigo 7º, da Lei 9.985/2000). As
primeiras são marcadas pelo uso direto dos recursos naturais, que pode envolve
a coleta e uso, comercial ou não (art. 2º, X, da Lei 9.985/2000). Já as de Proteção
Integral caracterizam-se pelo uso indireto, onde não há interferência do homem, não
envolvendo consumo, coleta, dano ou destruição (art. 2º, IX, da Lei 9.985/2000).

Art.  7o  As unidades de conservação integrantes do


SNUC dividem-se em dois grupos, com características
específicas:
I - Unidades de Proteção Integral;
II - Unidades de Uso Sustentável.
§ 1o  O objetivo básico das Unidades de Proteção
Integral é preservar a natureza, sendo admitido
apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com
exceção dos casos previstos nesta Lei.
§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável
é compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

Todas as unidades, salvo a Área de Proteção Ambiental e a


Reserva Particular do Patrimônio Natural, são contempladas com zonas de
amortecimento.

2. ZONAS DE AMORTECIMENTO

Conceitualmente, as zonas de amortecimento correspondem a faixas


geográficas ao redor das unidades de conservação e servem para evitar ou

203
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

minimizar os efeitos externos, de maneira que o dano ambiental vindo de fora


atinja em menor intensidade a unidade de conservação. Portanto, tais áreas
exercem importante função na preservação desses espaços. Nesse sentido, a Lei
9.985/2000 traz o conceito de zona de amortecimento:

Art. 2º [...]
XVIII - zona de amortecimento: o entorno de uma
unidade de conservação, onde as atividades humanas
estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o
propósito de minimizar os impactos negativos sobre
a unidade; e

As zonas de amortecimento não fazem parte das unidades de


conservação. Contudo, as atividades humanas ali desenvolvidas estão sujeitas
a normas e restrições específicas, ainda que em nível inferior às definidas para
o interior das unidades.
Para isso, o órgão responsável pela unidade é quem estabelece as
restrições de uso e aproveitamento dos recursos para as zonas de amortecimento e
pode autorizar em licenciamento ambiental o cultivo de OGM, como estabelece
a Lei 9.985/2000:

Art. 25[...]
§ 1o  O órgão responsável pela administração
da unidade estabelecerá normas específicas
regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da
zona de amortecimento e dos corredores ecológicos
de uma unidade de conservação.

Atualmente, o principal problema do SNUC é a falta de eficácia


das medidas implementadas. Muitas unidades de conservação foram criadas
somente no papel, não dispondo de mecanismos organizados de gestão e
fiscalização das áreas.
Em igual sentido, explica Farena (2007):

Contudo, o principal problema do Sistema é relativo à


sua eficácia. A maioria dessas unidades de conservação
existe apenas no papel ou ressente-se da falta de
recursos materiais e humanos. Além disso, o sistema
apresenta outras carências, tais como a insignificante
participação do setor privado na estratégia de áreas

204
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

protegidas, a despeito de previsões legais, como a da


Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN), a
inexistência de ações expressivas de reflorestamento
e recuperação de áreas degradadas, a escassa
preocupação com corredores ecológicos e zonas de
amortecimento, a falta de planejamento estratégico e,
por fim, a desarticulação entre as diversas instâncias
(municipal, estadual e federal).

Essa situação é mais grave quando as unidades de conservação


estão em zonas limítrofes de expansão do plantio de organismos transgênicos,
cuja regulamentação também é deficiente ou mesmo contrária a princípios
fundamentais do Direito Ambiental.
Nesse contexto, as zonas de amortecimento são fundamentais à
preservação das unidades de conservação, pelo que a falta ou deficiência dessa
proteção pode trazer prejuízos aos ecossistemas que se busca conservar nesses
espaços especialmente protegidos.

3. ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMS)

Os transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs)


são produzidos pela indústria biotecnológica a partir da introdução de genes
de outras espécies, com a finalidade de atribuir a eles características que não
poderiam ser incorporadas naturalmente, ou por seleção artificial.
Os OGMs são produzidos mediante a transferência de genes de
um organismo para outro, que pode ser da mesma espécie ou não. Quando
transferidos de espécies diferentes, recebem o nome de transgênicos, sendo
estes um tipo de OGM.
Estes organismos modificados encontram-se em plantas, como nos
cultivos de soja, algodão e milho; em vacinas, especialmente para animais;
em microorganismos e também em insetos, como a linhagem específica de
Aedes aegypti.
Apesar dos avanços trazidos, pesquisas indicam que o processo de
engenharia genética não é controlável. Esta conclusão decorre das circunstâncias
instáveis em que operadas as transferências genéticas. Assim, a utilização destes
organismos é um tema de bastante controvertido.
Isso porque os genes têm funções muito mais complexas do que
espera e, durante esse processo, não se sabe a posição onde o gene novo será
inserido ou se ele codifica somente uma função, de maneira que a substituição
pode gerar efeitos desconhecidos.

205
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A propósito, o GreenPeace, em informe técnico, conclui que a


imprevisibilidade dos efeitos dos OGMs acarretam incertezas à preservação
ambiental, principalmente diante da impossibilidade de separar tais organismos
depois de introduzidos no meio ambiente:

A conseqüência de tal complexidade é a


imprevisibilidade dos efeitos ao longo do tempo.
Uma vez liberado no meio ambiente, não será mais
possível recolher o organismo vivo. A provável
irreversibilidade do impacto dos organismos
transgênicos é atribuído à capacidade de reprodução
dos seres vivo. Se os transgênicos cruzarem com
espécies selvagens semelhantes, mudanças genéticas
podem ser incorporadas no código genético natural e
alterar o caminho da evolução.

No curso da história, existem várias evidências de que os organismos


geneticamente modificados não são seguros, o que demonstra a importância de
uma conduta de precaução. No citado informe técnico, o GreenPeace elenca
alguns desses acontecimentos:

·experimentos para fazer batatas resistentes aos


insetos usando um gene para produzir lecitina causou
a redução da taxa de glicoalcalóides, que confere
à planta resistência química natural aos insetos.
Demonstrouse que foi um efeito não intencional do
pró- prio processo de engenharia genética, assim
como a introdução de outro gene de resistência a inseto
gerou o mesmo problema12 . ·levedura geneticamente
modificada pela transgenia para aumentar a
fermentação alco- ólica aumentou, inesperadamente,
30 vezes mais a concentração de metilglioxal (um
composto altamente tóxico) comparado como a
linhagem de controle que não passou pelo processo
de transgenia13 . · pesquisadores da Monsanto,
que tentavam aumentar o conteúdo de carotenóides
(substância química que é usada para formar vitamina
A) em óleos da semente da colza (canola) perceberam
que os níveis de vitamina E e de clorofila nas
sementes foram dramaticamente e inexplicavelmente

206
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

reduzidos14 . · outros pesquisadores tentando


construir geneticamente um caminho para a síntese
de carotenóide em tomates encontraram uma super-
expressão de um gene que causou uma inesperada
redução no tamanho natural da planta15 . · A soja
transgênica Roundup Ready da Monsanto sofreu
inesperadas perdas de produtividade em climas
quentes e secos devido a rachadura do caule causada,
provavelmente, por aumento de lignina16 . Os
níveis de fitoestrogeno da soja também são 12-14%
menores do que na soja convencional, o que significa
que produtos cuja matéria prima é derivada da soja
Roundup Ready serão menos utilizados como fonte
de fitoestrogenos, que são considerados benéficos na
dieta de adultos.

Diante dessas incertezas geradas pelos OGMs, o Direito Ambiental


encontra resposta no Princípio da Precaução, segundo o qual, pelo menos até
que mais estudos sejam realizados, até que melhorias na fiscalização sejam
adotadas, e até que argumentos e resultados consistentes relativos à segurança
desses organismos sejam obtidos, deveria ser adotada uma postura de precaução.

4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

Previsto no Princípio 15, da Declaração sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento, elaborada na Conferência Internacional do Rio de Janeiro,
em 1992, o Princípio da Preocupação expressa a ideia de que, havendo dúvidas
quanto aos riscos da atividade, então desconhecidos, como é o caso das
transferências genéticas, deve ser adotada uma postura de cautela, no sentido de
aguardar o fim das pesquisas científicas, antes de liberá-las para uso e consumo.
Por oportuno, segue o teor da Declaração sobre Meio Ambiente de 1992:

Princípio 15. Com o fim de proteger o meio ambiente,


o Princípio da Precaução deverá ser amplamente
observado pelos Estados, de acordo com suas
capacidades. Quando houver ameaça de danos graves
ou irreversíveis, a ausência de certeza científica
absoluta não será utilizada como razão para o
adiamento de medidas economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.

207
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O Princípio da Precaução, resultado de anos de experiências negativas


com produtos químicos e outras formas de poluição, foi desenvolvido com a
intenção de impedir que danos desconhecidos na atualidade surjam no futuro.
Ele tem origem na necessidade de uma ética de antecipação e a introdução de
dever perante as gerações futuras.
Esse Princípio expressa o brocardo “é melhor prevenir do que
remediar”.
Importa destacar que a ideia da precaução não significa um retrocesso
no desenvolvimento científico da humanidade. Na verdade, encoraja a pesquisa
científica na busca de alternativas às dúvidas e valoriza a diversidade, mediante
uma análise mais rigorosa, com maior número de especialistas.
Por outro lado, o Princípio da Precaução não se confunde com o
da Prevenção. Esta se relaciona com riscos conhecidos, enquanto aquela, a
potenciais ou desconhecidos, quanto não há certeza científica. Com efeito, o
objetivo da precaução é ultrapassar a prevenção, garantindo maior proteção ao
meio ambiente equilibrado.
Nos OGMs, a incidência da precaução é ainda mais relevante. Isso
porque a avaliação dos riscos é conduzida pela própria indústria de biotecnologia,
cujo julgamento envolve fatores políticos e econômicos. Além disso, não existe
monitoramente ambiental independente, para impedir rapidamente os efeitos
negativos decorrentes do plantio.
Sobre o tema, o GreenPeace pontua: “A avaliação convencional de
riscos é objeto de uma crítica bem fundamentada. Esse método de avaliação
de riscos é um processo que sofre julgamentos científicos, sociais, políticos e
econômicos que tendem a não ser explícitos”.
Por outro lado, não está comprovado que os organismos geneticamente
modificados são fundamentais para o desenvolvimento da agricultura e a
superação da fome mundial, pelo que a avaliação de riscos não pode ser
influenciada por essa assertiva. A propósito, concluiu o GreenPeace:

A avaliação de risco dos transgênicos é fundamentado


com a suposição que eles são importantes para o
desenvolvimento da agricultura. Apesar de raramente
ser reconhecido no processo de avaliação de riscos,
isso influencia a forma como os transgênicos são
avaliados. As probabilidades são favoráveis para a
indústria e desfavoráveis para a saúde do ser humano
e para o meio ambiente.

Em consequência, a Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º,


IV, exige para a instalação de obras ou atividades potencialmente poluidores ao
meio ambiente o estudo prévio de impacto ambiental (EIA):

208
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Art. 225. (...)

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito,


incumbe ao Poder Público:

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou


atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade;    

Este instrumento destina-se a diagnosticar a viabilidade ambiental da


atividade, a fim de encontrar alternativas, condicionantes ou compensações aos
impactos causados. O estudo prévio de impacto é fase componente e obrigatória
do licenciamento ambiental. Assim explica Machado (2012, p. 26):

A aplicação do Princípio da Precaução relaciona-se


intensamente com a avaliação prévia das atividades
humanas. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental
insere na sua metodologia a prevenção e a precaução
da degradação ambiental. Diagnosticado o risco,
pondera-se sobre os meios de evitar o prejuízo, isto é,
emprega-se a prevenção.

Desse modo, verificando-se a incerteza científica, a atividade não


deve ser autorizada, uma vez que, por princípio, há imposição de cautela no
comportamento.
Analisa-se a seguir a compatibilidade do Decreto 5.950/2006, sobre
o plantio de OGMs no entorno de unidades de conservação, com o Princípio da
Precaução.

5. O PLANTIO DE OGMS NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Em 1990, a Resolução CONAMA n. 13, ao estabelecer normas


referentes às atividades desenvolvidas no entorno das unidades de conservação,
definiu que nas zonas de amortecimento, em um raio de dez quilômetros,
qualquer atividade prejudicial ao ecossistema estava sujeita a licenciamento
ambiental.
Eis o teor do art. 2º, da Resolução CONAMA 13/1990:

Art. 2º Nas áreas circundantes das Unidades de


Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer

209
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

atividade que possa afetar a biota, deverá ser


obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental
competente.
Parágrafo único. O licenciamento a que se refere o
caput
deste artigo só será concedido mediante autorização
do responsável pela administração da Unidade de
Conservação.

A despeito desse limite, em 2006, o Governo federal editou a Medida


Provisória 327, convertida na Lei 11.460/2007, que modificou a Lei 9.985/2000,
sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC),
para dispor sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em
unidades de conservação e suas zonas de amortecimento.
Ao acrescer o § 4º no artigo 27, ficou admitida a possibilidade de
liberação planejada e cultivo de OGMs nas zonas de amortecimento de todas
as categorias de unidades de conservação, desde que regulamentada no plano
de manejo:
Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de
um Plano de Manejo. 

(...)

§ 4o  O Plano de Manejo poderá dispor sobre as


atividades de liberação planejada e cultivo de
organismos geneticamente modificados nas Áreas de
Proteção Ambiental e nas zonas de amortecimento
das demais categorias de unidade de conservação,
observadas as informações contidas na decisão técnica
da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio sobre:

I - o registro de ocorrência de ancestrais diretos e


parentes silvestres; 

II - as características de reprodução, dispersão


e sobrevivência do organismo geneticamente
modificado; 

III - o isolamento reprodutivo do organismo


geneticamente modificado em relação aos seus

210
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ancestrais diretos e parentes silvestres; e  

IV - situações de risco do organismo geneticamente


modificado à biodiversidade.

Na mesma ocasião, foi incluído ainda o artigo 57-A na Lei 9.985/2000,


que autorizou o Poder Executivo definir novos limites para o plantio de
transgênicos nas áreas que circundam as unidades até que definida sua zona de
amortecimento.
Art. 57-A.  O Poder Executivo estabelecerá os
limites para o plantio de organismos geneticamente
modificados nas áreas que circundam as unidades
de conservação até que seja fixada sua zona de
amortecimento e aprovado o seu respectivo Plano de
Manejo.

No interesse de regulamentar a matéria, editou-se o Decreto


5.950/2006, fixando faixas limites de plantio de organismos geneticamente
modificados no entorno das unidades de conservação, conforme o tipo de
cultivo a ser realizado, enquanto não criadas as zonas de amortecimento. Nestes
termos, preconizam os artigos 1º e 2º do aludido Decreto:

Art. 1º Ficam estabelecidas as faixas limites para os


seguintes organismos geneticamente modificados nas
áreas circunvizinhas às unidades de conservação, em
projeção horizontal a partir do seu perímetro, até que
seja definida a zona de amortecimento e aprovado o
Plano de Manejo da unidade de conservação:

I - quinhentos metros para o caso de plantio de soja


geneticamente modificada, evento GTS40-3-2, que
confere tolerância ao herbicida glifosato;

II  -  oitocentos metros para o caso de plantio de


algodão geneticamente modificado, evento 531, que
confere resistência a insetos; e

III  -  cinco mil metros para o caso de plantio de


algodão geneticamente modificado, evento 531, que
confere resistência a insetos, quando existir registro

211
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

de ocorrência de ancestral direto ou parente silvestre


na unidade de conservação. 

Parágrafo  único.   O Ministério do Meio Ambiente


indicará as unidades de conservação onde houver
registro de ancestral direto ou parente silvestre de
algodão geneticamente modificado, evento 531, com
fundamento no zoneamento proposto pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA.  

Art.  2o   Os limites estabelecidos no art. 1o  poderão


ser alterados diante da apresentação de novas
informações pela Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança - CTNBio. 

Como se observa, os limites estabelecidos para o plantio nessas áreas,


variando de quinhentos metros até cinco mil metros, são bastante reduzidos, com
chance de que impactos ambientais venham atingir as unidades de conservação,
espaços estes de inestimável valor ambiental.
Não há dúvida de que plantações em grande escala, acaso dispostas
a quinhentos ou oitocentos metros, irão propagar efeitos prejudiciais às regiões
circunvizinhas, com a dispersão e introdução de espécies não autóctones nas
unidades de conservação, impedindo a conservação “in situ”.
A Resolução CONAMA 13/1990 foi revogada pela Resolução
CONAMA 428/2010.
Apesar disso, a nova Resolução, responsável por disciplinar o
licenciamento ambiental em unidades de conservação e suas zonas de
amortecimento, define um limite maior para o plantio de OGM no entorno de
unidades de conservação, o qual deverá respeitar uma faixa estabelecida de três
mil metros de distância e será obrigado a obter o licenciamento ambiental com
autorização do órgão gestor da unidade.
A propósito, importante a leitura do artigo 1º da Resolução CONAMA
428/2010:

Art. 1º O licenciamento de empreendimentos de


significativo impacto ambiental que possam afetar
Unidade de Conservação (UC) específica ou sua Zona
de Amortecimento (ZA), assim considerados pelo
órgão ambiental licenciador, com fundamento em
Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório
de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser

212
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

concedido após autorização do órgão responsável


pela administração da UC ou, no caso das Reservas
Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), pelo
órgão responsável pela sua criação.

[...]

§2º Durante o prazo de 5 anos, contados a partir


da publicação desta Resolução, o licenciamento de
empreendimento de significativo impacto ambiental,
localizados numa faixa de 3 mil metros a partir do
limite da UC, cuja ZA não esteja estabelecida, sujeitar-
se-á ao procedimento previsto no caput, com exceção de
RPPNs, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Áreas
Urbanas Consolidadas (sem destaque no original).

Além disso, o Decreto não poderia autorizar o plantio de OGMs em


limites inferiores condicionado à criação posterior das zonas de amortecimento,
como o fez, uma vez que não se pode pretender cultivar em espaços próximos
às unidades de conservação e só depois, quando evidentes os riscos gerados
pela atividade, ampliar a restrição.
Pelo Princípio da Precaução, as incertezas nos OGMs justificam
adotar, desde cedo, faixas maiores de proteção no entorno das unidades, o que
não é atentado pelo Decreto.
Ressalte-se que o princípio da preocupação significa que, havendo
dúvidas quanto aos riscos de um empreendimento, então desconhecidos, como
é a hipótese dos OGMs, cujos efeitos das transferências genéticas não são
determinados, deve ser adotada uma postura de cautela, no sentido de aguardar
o fim das pesquisas científicas, antes de liberá-las para uso e consumo.
Nesse sentido, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, na Ação
Popular n. 2007.71.00.042894-1, reconheceu que não se aplicam às Unidades
situadas naquele Estado os limites do artigo 1º do Decreto 5.950/2006 e que
devem prevalecer, quanto ao plantio de OGMs, os limites espaciais de dez mil
metros estabelecidos pelo artigo 55, do Código Estadual do Meio Ambiente
(Lei n. 11.520/2010), até a definição da zona de amortecimento e aprovação do
plano de manejo de cada unidade.
Estabelece o artigo 55, do Código do Meio Ambiente do Rio
Grande do Sul:

Art. 55 - A construção, instalação, ampliação,


reforma, recuperação, alteração, operação e

213
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

desativação de estabelecimentos, obras e atividades


utilizadoras de recursos ambientais ou consideradas
efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental, dependerão de prévio licenciamento do
órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras
licenças legalmente exigíveis.

Parágrafo único - Quando se tratar de licenciamento


de empreendimentos e atividades localizados em
até 10km (dez quilômetros) do limite da Unidade de
Conservação deverá também ter autorização do órgão
administrador da mesma (sem destaque no original).

Ao ensejo, segue trecho da sentença da Justiça Federal gaúcha que


aborda a questão:
Ainda que aparentemente a lei pudesse em tese
permitir o plantio de organismos geneticamente
modificados em áreas circundantes a unidades
de conservação, é certo que isso não poderia ser
liberado de forma indiscriminada por Decreto
executivo que tenha desconsiderado a exigência de
zona de amortecimento da unidade de conservação e
as normas previstas no respectivo plano de manejo.
A cláusula “até que” constante do Decreto, abrindo
exceção transitória às regras sistemáticas que regem
nacionalmente as unidades de conservação, torna
juridicamente nula a permissão contida no art. 1º
do Decreto 5.950/06, ainda que o Presidente da
República tivesse autorização legal para estabelecer
aqueles limites, por ofensa às normas do art. 225
da Constituição Federal pertinentes à proteção
ambiental, como segue.

Primeiro, a inconstitucionalidade decorre da


sistemática utilizada com a cláusula “até que”. O
Decreto executivo estabelece os limites e autoriza o
plantio (art. 1º), e depois prevê normas para corrigir
eventuais desvios que tenham ocorrido (art. 2º).
Ora, é incompatível com a proteção ambiental e

214
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

com o dever de preservação da qualidade de vida


e da higidez dos ecossistemas que o poder público
autorize ou permita algo sobre o que ainda não tem
segurança ou certeza. Na situação dos autos, não
parece existir nenhum risco urgente que motivasse a
dispensa da cautela própria da precaução ambiental:
se não se tem certeza se danos graves podem ser
causados, não se libere a atividade enquanto a certeza
não existir. É inviável liberar “até que” (art. 1º), ainda
que se estabeleça que poderão ser alterados os limites
conforme “novas informações” do órgão técnico
apropriado (art. 2º). Ora, se o próprio Decreto sabe
que “novas informações” poderão surgir, se o próprio
Decreto sabe que as regras poderão ser alteradas pelo
plano de manejo, e se nenhuma situação de relevante
interesse público justifica a liberação imediata e
provisória do cultivo de organismos geneticamente
modificados naqueles espaços especialmente
protegidos de unidades de conservação, então é certo
que o estabelecimento de limites foi prematuro e que
a precaução se impõe. Recorro às palavras claras da
autora para demonstrar a desconsideração quanto ao
princípio da precaução: “os princípios da precaução
e da prevenção foram sepultados pela transcrita
norma, pois primeiro se plantam transgênicos nos
raios reduzidos, para, depois, se definir a Zona de
Amortecimento e o Plano de Manejo (art. 1º, caput).
Assim, primeiro as Unidades de Conservação sofre os
danos ambientais dessa intervenção antrópica, para
depois se definirem os limites com bases científicas.
Soa óbvio que o indigitado dispositivo faz tabula rasa
do art. 225 da Constituição Federal e representa
um dos mais emblemáticos retrocessos em política
ambiental da história brasileira” (fls. 18, grifei).

Segundo, a inconstitucionalidade decorre do


tratamento privilegiado dispensado aos organismos
geneticamente modificados, em detrimento das
culturas convencionais, por exemplo. Isso foi muito
bem apanhado pela autora: “Salta aos olhos, ainda,

215
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

que esse regime de exceção tenha sido estabelecido


apenas para os transgênicos, não para as plantas
comerciais comuns, mostrando sem pudores a
submissão brasileira ao lobby de multinacionais do
ramo, preocupadas com seus resultados financeiros,
sem nenhum interesse na preservação de nossos
biomas” (fls. 19). Realmente, nada de relevante foi
trazido pelos réus nas informações preliminares
que justificasse um tratamento privilegiado aos
organismos geneticamente modificados. Parece que
a norma foi feita de forma especial e excepcional
para permitir especial e excepcionalmente o plantio e
o cultivo de organismos geneticamente modificados
naquelas áreas de amortecimento de unidades de
conservação, o que a torna viciada por desvio de
finalidade.

Terceiro, o Decreto 5.950/06 desconsidera as


zonas de amortecimento legalmente definidas e o
plano de manejo legalmente imposto às unidades
de conservação: “até que seja definida a zona de
amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da
unidade de conservação” da parte final do caput do
art. 1º. Ora, ainda que o art. 57-A da Lei 9.985/00
(na nova redação dada pela Lei 11.460/07) tivesse
pretendido autorizar o Presidente da República
desconsiderar aqueles instrumentos de proteção
ambiental (plano de manejo e zona de amortecimento),
é certo que a estrutura das unidades de conservação
deve ser preservada e o sistema legalmente instituído
para ter alcance nacional (Lei 9.985/00) não pode
sofrer exceções e retalhos provisórios, ao sabor dos
interesses dominantes no momento.

Quarto, porque a edição da norma excepcional e


transitória viola o dever do poder público proteger o
meio ambiente, positivado nos incisos I e II do § 1º
do art. 225 da Constituição Federal. Efetivamente, o
poder público tem dever constitucional de “preservar e
restaurar os processos ecológicos essenciais e prover

216
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”


(inciso I) e “preservar a diversidade e a integridade
do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação
de material genético” (inciso II). No tocante às
unidades de conservação da natureza, isso deve ser
feito a partir da respectiva legislação (Lei 9.985/00),
que instituiu um sistema nacional para reger essas
instituições, prevendo mecanismos relevantes como
a definição de zonas de amortecimento e a adoção de
planos de manejo. Não é possível desconsiderar esses
instrumentos genéricos e sistemáticos, a pretexto
de dar conta de interesses momentâneos ainda não
definitivamente resolvidos. Se não se tem certeza da
inexistência de riscos às unidades de conservação,
não se pode abrir exceções transitórias à política
nacional das unidades de conservação. Se isso é
feito, com risco (ainda que desconhecido ou oculto)
aos processos ecológicos e ao patrimônio genético
nacional, tem-se conduta do poder público que deixa
de observar deveres constitucionais (incs. I e II do §
1º do art. 225 da CF/88).

Quinto, porque a edição da norma transitória e


excepcional do art. 1º do Decreto 5.950/06 também
viola a estrutura constitucional das unidades de
conservação da natureza (art. 225-§ 1º-III da
CF/88). Um Decreto executivo não pode alterar as
regras de aproveitamento econômico de zonas de
amortecimento de unidades de conservação nem
abrir exceções ao sistema nacional de unidades
de conservação legalmente instituído a partir do
mandamento constitucional. O poder público tem
obrigação constitucional de “definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção” (art. 225-§ 1º-III da CF/88,

217
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

grifei). Ora, as exceções transitórias pretendidas pelo


art. 1º do Decreto 5.950/06, ainda que pretensamente
tenham amparo no art. 57-A da Lei 9.985/00,
são inconstitucionais porque: (a) desconsideram
componente específico e essencial essencial ao espaço
territorial especialmente protegido (plano de manejo
e zona de amortecimento); (b) alteram utilização da
zona de amortecimento sem lei específica, já que
o conteúdo contido no Decreto 5.950/06 deveria
ser veiculado especificamente pela lei em sentido
formal; (c) não há comprovação de que a utilização
dada à zona de amortecimento pelo Decreto 5.950/06
não “comprometa a integridade dos atributos que
justificam sua proteção”, tanto que está previsto que
os limites ou a permissão poderão ser alterados pela
definição da zona de amortecimento ou aprovação do
plano de manejo (art. 1º do Decreto 5.950/06) ou se
“novas informações” (art. 2º do Decreto 5.950/06).
Ora, se a Constituição Federal exige do poder público
a definição de espaços especialmente protegidos (com
os respectivos componentes), que somente podem ser
alterados por lei específica, e se foi editada legislação
instituindo um sistema nacional de unidades de
conservação da natureza, é certo que não se pode
aceitar que sejam abertas exceções provisórias ou
temporárias quanto à utilização daqueles espaços
constitucionalmente protegidos, sob pena de afronta
do poder público ao seu dever constitucional de
preservação ambiental (art. 225-§ 1º-III da CF/88).

Sexto, porque enquanto não se tiver certeza científica


quanto à inocência do plantio e cultivo de organismos
geneticamente modificados nas proximidades
de unidades de conservação da natureza, não
é possível descaracterizar essa atividade como
“atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente” para fins de ser exigido
o estudo prévio e público de impacto ambiental
de que trata o art. 225-§ 1º-IV da Constituição
Federal. Como dito no parecer do Ministério Público
Federal, “como é inerente à toda tecnologia nova,

218
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

a biotecnologia comporta riscos que, quando não


analisados previamente e adequadamente, podem
causar danos irreversíveis. Justamente por isso,
quaisquer operações que envolvam a liberação de
organismos geneticamente modificados precisam ser
precedidas de estudos de impacto ambiental, além de
estarem previstas no Plano de Manejo da Unidade de
Conservação. O exame prévio é uma exigência, antes
de mais nada, razoável e de bom senso, além de ser
determinação expressa da Constituição Federal e da
Legislação Federal” (fls. 195-v).

Nesse contexto, pode-se verificar que o Decreto 5.950/2006 ofende


o Princípio da Precaução. Primeiro, porque admite limites reduzidos de
proteção, em regra inferiores ao da Resolução CONAMA 428/2010. Segundo,
porque condiciona esses limites à criação no futuro de zona de amortecimento,
quando deveriam ser adotadas faixas maiores desde logo, subvertendo o
raciocínio da precaução.
Vale ressaltar, ainda, que a Constituição Federal exige que, para
de toda atividade poluidora, seja realizado o licenciamento ambiental,
independente de sua localização, como expressão do Princípio da Precaução,
o que é indevidamente fragilizado pelo Decreto, ao admitir o cultivo em tais
hipóteses.
Como ressaltado antes, pelo menos até que mais estudos sejam
realizados em torno dos organismos geneticamente modificados, até que
melhorias na fiscalização sejam adotadas, e até que argumentos e resultados
consistentes relativos à segurança dessa espécie de produto sejam fornecidos,
deveria ser adotado o princípio da precaução.
Assim, a legislação sobre o plantio de OGMs nos entornos de unidades
de conservação é atualmente inadequada e incompatível com a proteção do
meio ambiente natural. Isso porque, em razão das incertezas existentes, não
se poderia justificar nessas áreas uma proteção em menor nível, tampouco
condicionar o seu aumento para o futuro.
Diante da relevância das unidades de proteção para o meio ambiente,
o tema debatido merece uma reanálise pelo Poder Executivo, para readequar
os limites mínimos de cultivo de OGMs, nas proximidades desses espaços, aos
princípios do Direito Ambiental.

219
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

CONCLUSÃO

Apesar das promessas quanto aos OGMs, pesquisas científicas


indicam que o processo de engenharia genética não é seguro, uma vez que
instáveis as circunstâncias em que operadas as transferências genéticas.
Como dito, os genes têm funções muito mais complexas do que espera
e, durante esse processo, não se sabe a posição onde o gene novo será inserido
ou se ele codifica somente uma função, de maneira que a substituição pode
gerar efeitos desconhecidos.
Em razão das inúmeras dúvidas quanto aos benefícios e malefícios
trazidos pelo cultivo de OGMs, é imperiosa a observância do Princípio da
Precaução, uma vez que, de acordo com o Princípio 15, da Declaração do Rio de
1992, a ausência de certeza científica não pode retardar as medidas necessárias
para evitar a degradação ambiental.
Entretanto, foi editado o Decreto 5.950/2006, que autorizou a plantio
nas faixas circunvizinhas às unidades de conservação, atentando contra o
Princípio da Precaução. Tratando-se este de norma-princípio do ordenamento
jurídico, esse Decreto não poderia reduzir os limites de proteção, muito menos
condicionar a ampliação para o futuro.
Isso é verificado a partir da análise comparativa da Resolução
CONAMA 428/2010, que amplia a faixa de proteção no entorno das unidades
de conservação para três mil metros, assim como pela jurisprudência citada,
a qual, em caso concreto, evidencia o indevido condicionamento da proteção
integral à futura criação das zonas de amortecimento.

220
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2010.

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 428, de 17 de


dezembro de 2010. CONAMA, Brasília, 2010.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso Nacional,


Brasília, 1988.

______. Decreto n. 5.950, de 31 de outubro de 2006. Presidência da República,


Brasília, 2006.

______. Justiça Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Popular n.


2007.71.00.042894-1. Juíza Federal Substituta Clarides Rahmeier. Porto
Alegre, RS, 02 de março de 2012.  Diário da Justiça Federal da 4ª Região.
Porto Alegre, 07 mar. 2012. Disponível em: <http:// http://www2.trf4.gov.br/
trf4 /processos/visualizar_documento_ gedpro.php?local=jfrs&documento=76
57268&DocComposto=&Sequencia=&hash=9c5ae2f007d879442a856da341c
cf832>. Acesso em: 7 jul. 2015.

______. Lei n. 9.985, de 8 de julho de 2000. Congresso Nacional, Brasília,


2000.

FAO. Technical Consultation on Low Levels Of Genetically Modified (GM)


Crops in International Food and Feed Trade. Disponível em: < http:// http://
www.fao.org/fileadmin/user_upload/agns/topics/LLP/AGD803_4_Final_En.
pdf>. Acesso em: 7 jul. 2015.

FARENA, Duciran Val Marsen. Aspectos polêmicos acerca da criação e


implantação de unidades de conservação. In: Boletim Científico. ESMPU,
Brasília, a. 6 - n. 24/25, p. 123-150 – jul./dez. 2007. Disponível em: < https://
www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q= &esrc=s&source=web&cd=4&ve
d=0CCsQFjADahUKEwimkoDvxvzIAhWGfpAKHZMRBL0&url=http%
3A%2F%2Fboletimcientifico.escola.mpu.mp.br%2Fboletins%2Fboletim-
cientifico-n.-24-e-n.-25-julho-dezembro-de-2007-1%2Faspectos-polemicos-
acerca-da-criacao-e-implantacao-de-unidades-de-conservacao%2Fat_
download%2Ffile&usg= AFQjCNGBXPaJcph4eB2xY480KWC5B3OeXQ&
cad=rja>. Acesso em: 6 nov. 2015.

221
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

FERREIRA, Gabriel Luis Bonora Vidrih; PASCUCHI, Priscila Mari. Zona


de Amortecimento: A proteção ao entorno das unidades de conservação. In:
Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 63, abr 2009. Disponível em: < http://
www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=5917 >. Acesso em jul 2015.

GREENPEACE. O Princípio de Precaução e os Transgênicos: uma abordagem


científica do risco. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/
pdf/principio_ precaucao. pdf>. Acesso em: 7 jul. 2015.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios da política nacional de resíduos
sólidos. In: Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, ano 2012,
n. 7, jul/2012. Brasília: Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível


em: < http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf>.
Acesso em: 7 jul. 2015.

RIO GRANDE DO SUL. Lei n. 11.520, de 03 de agosto de 2000. Assembleia


Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica


á diversidade biológica e cultural. Editora Peirópolis, Instituto Socioambiental
e Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005. Disponível em: < http://
inspirebr.com.br/uploads/ midiateca/ 5ae0c782ad69c77da266160cb4cfb676.
pdf>. Acesso em: 6 nov. 2015.

TERRA DE DIREITOS. Justiça restringe o cultivo de transgênicos no entorno


de unidades de conservação do RS. Disponível em: <http://terradedireitos.
org.br/2012/03/26/justica-restringe-o-cultivo-de-transgenicos-no-entorno-de-
unidades-de-conservacao-do-rs/>.Acesso em 7 jul. 2015.

222
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO


ESTADO POR OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

THE POLLUTER-PAYS PRINCIPLE AND THE CIVIL LIABILITY OF THE STATE FOR
OMISSION IN DUTY OF ENVIRONMENTAL SUPERVISION AND PROTECTION

Laís Batista Guerra


Mestranda em Direito Ambiental na
Universidade do Estado do Amazonas – UEA

Juliana de Carvalho Fontes


Mestranda em Direito Ambiental na
Universidade do Estado do Amazonas – UEA

Resumo: O presente artigo trata da responsabilidade civil do Estado por omissão


no dever de proteção e fiscalização ambiental, à luz da aplicação do princípio
do poluidor-pagador e das normas constitucionais e legais vigentes. Buscou-
se analisar a conformação do princípio do poluidor-pagador, a estruturação
da responsabilidade civil ambiental no ordenamento jurídico brasileiro e as
atribuições constitucionais e legais do Estado. Ao final, concluiu-se que é
possível responsabilizá-lo objetiva e solidariamente por danos ambientais na
qualidade de poluidor indireto, mas que a execução em face do Estado será
subsidiária. A metodologia utilizada no presente trabalho foi de pesquisa
bibliográfica, com o auxílio de doutrina, legislação, jurisprudência e trabalhos
científicos.
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil do Estado; Poluidor-pagador;
Proteção Ambiental.

Abstract: This article deals with the liability of the State for omission in duty
of environmental protection and supervision by the application of the polluter-
pays principle and the current constitutional and legal rules. It sought to analyze
the conformation of the polluter-pays principle, the structure of environmental
liability in Brazilian law and the constitutional and legal powers of the State.
At the end, it concluded that it is possible to charge the State objective and
severally for environmental damages as an indirect polluter, but his execution
will be subsidiary. The methodology used in this work was literature search
with the aid of doctrine, legislation, jurisprudence and scientific works.
Keywords: Liability of the State; Polluter-pays; Environmental Protection.

223
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

INTRODUÇÃO

A atuação do Estado para a proteção do meio ambiente decorre de


suas competências legislativas e materiais previstas na Constituição Federal
e é indispensável para a efetivação das normas que objetivam evitar a
degradação ambiental.
Desse poder-dever estatal pode decorrer a sua responsabilidade por
condutas praticadas por terceiros. O presente artigo objetiva verificar se, à luz
do princípio do poluidor-pagador e das normas vigentes é possível atribuir ao
Estado responsabilidade civil por danos ambientais decorrentes de sua omissão
no dever de proteger o meio ambiente e de fiscalizar atividades efetiva ou
potencialmente causadoras de degradação ambiental.
Para responder à indagação proposta, analisou-se a origem, a definição
e os elementos do princípio do poluidor-pagador, além de sua aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, estudaram-se as atribuições do
Estado no que concerne ao poder-dever de fiscalização e proteção ambiental
para, então, tratar da responsabilidade do Estado por danos ambientais
decorrentes de omissão no exercício desse dever.
A metodologia utilizada no presente trabalho foi de pesquisa
bibliográfica, com o auxílio de doutrina, legislação, jurisprudência e
trabalhos científicos.

1. DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS

O estudo proposto no presente artigo não prescinde da análise, ainda


que superficial, da definição e da relevância dos princípios no ordenamento
jurídico, a fim de melhor compreender a sua aplicação.
Segundo Alexy (2008, p. 87-90), as regras e os princípios integram o
conceito de norma, pois ambos são razões para juízos concretos de dever-ser.
Para o autor, os princípios são mandamentos de otimização, pois ordenam que
algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas
e fáticas existentes. Assim, a sua distinção em relação às regras seria qualitativa,
uma vez que estas não comportam graus variados de satisfação.
Por sua vez, conforme Reale (2004, p. 303), “os princípios são
‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por
serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de
ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da praxis”.
De outro lado, para Mello (2010, p. 53), os princípios constituem
mandamentos nucleares de um sistema, que se irradiam sobre diferentes normas,

224
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

“compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão


e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”.
Os princípios são, portanto, alicerces do ordenamento jurídico, normas
dotadas de alto grau de abstração e elevada carga axiológica, que inspiram a
confecção das regras jurídicas e a aplicação do Direito. Assim como as regras,
os princípios são dotados de imperatividade.
Embora o direito ambiental tenha caráter interdisciplinar, como ciência
dotada de autonomia científica, obedece a alguns princípios específicos que, em
razão de sua força normativa e elevada carga axiológica, orientam a elaboração
e a aplicação das normas e o desenvolvimento de políticas públicas destinadas
à conservação do meio ambiente, dentre eles, o princípio do poluidor-pagador.

2. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

A análise do princípio do poluidor-pagador e de seus fundamentos
passa necessariamente pelo estudo da teoria das externalidades e, mais
especificamente, das externalidades ambientais negativas.
Segundo Aragão (2014, p. 31), o conceito de externalidade foi
idealizado por Marshall, em 1890, quando constatou que o preço de mercado
dos bens pode não refletir exatamente os verdadeiros custos ou benefícios
resultantes de sua produção ou consumo. O preço de mercado só seria adequado
para avaliar as perdas e ganhos sociais decorrentes do uso dos recursos se
correspondesse, em concorrência perfeita, à avaliação dos consumidores a
respeito dos benefícios decorrentes de seu consumo, e se o preço dos fatores
de produção fosse igual ao valor da produção que estes poderiam gerar em sua
melhor utilização alternativa.
No entanto, a produção ou consumo de determinados bens pode
significar benefícios ou prejuízos a pessoas que não fazem parte da relação
econômica principal, independentemente da vontade de quem produz, de quem
consome, ou dos terceiros beneficiados ou prejudicados (outsiders). Trata-se
das externalidades positivas ou negativas.
A esse respeito, leciona Derani (1997, p. 158):

Durante o processo produtivo, além do produto a


ser comercializado, são produzidas “externalidades
negativas”. São chamadas externalidades porque,
embora resultante da produção, são recebidas pela
coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido
pelo produtor privado. Daí a expressão “privatização
dos lucros e socialização de perdas”, quando
identificadas as externalidades negativas.

225
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

As externalidades, conforme Aragão (2014, p. 32), reúnem duas


características: “a interdependência entre as decisões dos agentes económicos,
e a inexistência de compensações. Quem causa estorvos a outrem não os paga,
quem criam benefícios a outrem, não é compensado.”
No âmbito do Direito Ambiental, são relevantes as externalidades
negativas, geradas mais comumente pela poluição decorrente da atividade
industrial. Em geral, os subprodutos dessa atividade não são incluídos pelos
agentes econômicos no cálculo dos custos de produção e, portanto, não refletem
o custo real imposto à sociedade.

Ora, sendo as decisões de produção tomadas com


base em cálculos de custos inferiores aos custos
reais globalmente impostos à sociedade, então o
nível de produção será logicamente superior ao que
seria socialmente desejável e superior ao ponto que
permite a manutenção do equilíbrio ecológico, o que
é ainda mais perigoso (ARAGÃO, 2014, p. 35).

Por conseguinte, se o custo da atividade econômica é superior àquele


efetivamente calculado, em decorrência do custo social gerado, o equilíbrio
será atingido através da internalização dessa diferença. Assim, os prejuízos
ocasionados pelos poluidores devem ser suportados como custos da produção e
considerados pelos agentes econômicos em suas decisões acerca de sua atuação.
Nesse contexto foi concebida a noção de poluidor-pagador como forma
de intervenção do Estado na regulação do uso dos bens ambientais, ou seja,
os poluidores são convocados a arcar com os custos dos recursos naturais
que utilizam, a fim de gerirem com mais racionalidade e parcimônia os bens
ambientais disponíveis.
Antes do final da década de 1960, a proteção ambiental não estava
entre as preocupações dos governantes, pois as atenções estavam voltadas à
promoção do desenvolvimento econômico e industrial e à superação da crise
pós-guerra.
No entanto, ao longo dos anos, os problemas ambientais, decorrentes
da industrialização, do modelo de produção capitalista e dos acidentes com
graves impactos ecológicos, passaram a ser percebidos com maior intensidade,
o que erigiu o debate acerca das questões ambientais ao centro das discussões
políticas. Conforme narra Aragão (2014, p. 44),

[…] quando alguns países industrializados


começaram a adoptar medidas preventivas mais

226
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

activas de controlo da poluição, aperceberam-se


das implicações que as suas políticas internas e a
afectação dos custos dessas politicas, tinham sobre o
comércio internacional. Assim, os países que tinham
adoptado medidas mais rigorosas de protecção do
ambiente, onerando as empresas nacionais com os
elevados custos, receavam que outros Estados com
menores preocupações ambientais não fizessem
o mesmo, ou então, o que seria também grave,
pudessem desenvolver politicas de protecção do
ambiente baseadas na atribuição de subsídios as suas
empresas, gerando distorções da concorrência, do
comércio e do investimento internacionais.

Diante da preocupação com as disparidades entre as políticas ambientais
dos diferentes países e, em consequência, com as distorções relacionadas à
concorrência, nas décadas de 1970 e 1980, foram realizadas conferências
internacionais e acordos multilaterais destinados à uniformização das medidas
de preservação ambiental.
Em 1972, foi realizada a Conferência de Estocolmo, mesmo ano em que
foi publicado o relatório intitulado “Os Limites do Crescimento” pelo Clube
de Roma, que alertava para os limites do Planeta Terra diante do crescimento
populacional e da pressão gerada sobre os recursos naturais e energéticos,
mesmo diante das inovações tecnológicas.
O princípio do poluidor-pagador, no âmbito internacional, foi
concebido em 1972, na Recomendação 128 da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre política do ambiente na Europa,
que estabeleceu que os custos das medidas de prevenção e controle da poluição
deve ser refletido no custo dos produtos e serviços que causam poluição em
virtude de sua produção ou consumo (OCDE, 2015). A Declaração do Rio
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, por sua vez, consagrou o
referido preceito no Princípio 16.
O princípio em questão inspirou outros documentos internacionais e a
legislação de diversos países, inclusive do Brasil.

3. POLUIDOR-PAGADOR E RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL



O princípio do poluidor-pagador encontra-se inserido no ordenamento
jurídico de muitos países, principalmente da Comunidade Europeia, seja em

227
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

dispositivos próprios no direito interno, seja pela adoção das recomendações e


declarações internacionais sobre a questão.
No ordenamento brasileiro, foi adotado de forma mais ampla, abrangendo
não apenas os agentes econômicos, mas todos aqueles que contribuam, direta
ou indiretamente, para a degradação ambiental.
A Constituição Federal dispõe, no artigo 225, § 3º, que “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.”
A seu turno, a Lei 6.938/81 elenca, dentre os princípios da Política
Nacional do Meio Ambiente, a recuperação das áreas degradadas e a proteção
das áreas ameaçadas de degradação (artigo 2º, incisos VIII e IX). Ao tratar dos
objetivos da PNMA, o artigo 4º da referida lei previu a imposição, ao poluidor
e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e,
ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins
econômicos. Por sua vez, no artigo 14, a referida lei previu a responsabilidade
civil do poluidor para indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente, independentemente de culpa e da concomitância da responsabilidade
administrativa e criminal.
Portanto, sob o aspecto repressivo, a aplicação do princípio do poluidor-
pagador envolve a responsabilidade civil, uma vez que, como ensina Fiorillo
(2011, p. 97), o pagamento efetuado em decorrência da degradação ambiental
não tem natureza de pena e tampouco de sujeição à infração administrativa,
embora não exclua a cumulatividade da responsabilização nessas três esferas,
como determina o § 3º do artigo 225 da Constituição da República.
No mesmo sentido, segundo Milaré (2014, p. 270), o princípio em
questão constitui “um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico,
abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas
sobre toda a natureza”.
Em consequência, alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade
civil são aplicados aos danos ambientais por força do princípio em questão:
“a) a responsabilidade civil objetiva; b) prioridade da reparação específica do
dano ambiental; e c) solidariedade para suportar os danos causados ao meio
ambiente.” (FIORILLO, 2011, p. 97).
Com efeito, a Lei 6.938/81, no artigo 14, § 1º, é expressa no sentido de
que, independentemente de culpa, o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar
os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. O
texto constitucional, por sua vez, indica que o mero nexo de causalidade entre
as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores à reparação dos danos causados, além da responsabilidade penal e
administrativa, uma vez que não traz qualquer elemento relacionado à culpa

228
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do poluidor. Consagrou-se, portanto, a aplicação da responsabilidade civil


objetiva, fundada classicamente na existência de dano e nexo de causalidade.
Em relação ao ressarcimento do dano ambiental, conforme Fiorillo
(2011, p. 99), pode ser feito através da reparação natural ou específica
(ressarcimento in natura) e do pagamento de indenização em dinheiro. No
entanto, não se trata de opção do poluidor, devendo-se verificar, inicialmente, se
é possível o retorno ao estado inicial por meio da reparação específica para, só
então, caso demonstrada a inviabilidade, ou se a recuperação não for integral,
buscar a reparação pecuniária. A prevalência da reparação in natura decorre
também dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente previstos no
artigo 4º, incisos VI e VII, da Lei 6.938/81.
Desse modo, o princípio do poluidor-pagador está diretamente
relacionado à responsabilização civil por danos ambientais, servindo como
vetor para a elaboração e a aplicação das normas e o desenvolvimento de
políticas públicas destinadas à conservação do meio ambiente.

4. PODER-DEVER DO ESTADO DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL



A Constituição da República e a legislação infraconstitucional outorgam
ao Estado o poder-dever de proteger o meio ambiente e, ao mesmo tempo, de
zelar por sua conservação, o que ocorre principalmente por meio da fiscalização
de atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental.
O artigo 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal atribui competência
comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para proteger
o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formar, bem como
para preservar as florestas, a fauna e a flora. Por sua vez, no artigo 24, incisos
VI, prevê a competência legislativa concorrente entre União Estados e Distrito
Federal para legislar sobre proteção ambiental.
Na mesma linha, o artigo 225 da Constituição Federal impõe ao Poder
Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para
as presentes e futuras gerações, conferindo especialmente ao Estado, no § 1º,
obrigações dirigidas a assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Por sua vez, no âmbito infraconstitucional, alguns diplomas legais
concedem ao Estado os instrumentos adequados para viabilizar o mandamento
constitucional. Exemplificativamente, a Lei 9.605/98, que dispõe sobre as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, estabelece, a partir do artigo 70, o poder-dever de atuação do
Estado diante do conhecimento de infrações ambientais, devendo exercer o seu
poder de polícia. Por sua vez, a Lei 7.347/85 estabelece, no artigo 6º, que o

229
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público quanto tiver


conhecimento de fatos que constituam objeto de ação civil pública, abrangendo,
portanto, a ameaça ou a lesão ao meio ambiente (CF, art. 29, III, e Lei 7.347/85,
art. 1º, I). A Lei Complementar 140/11, por sua vez, estabelece diversas ações
administrativas atribuídas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios para o exercício da competência comum de proteção ambiental.
O exercício do poder de polícia, conceituado pelo artigo 78 do Código
Tributário Nacional, constitui prerrogativa da Administração Pública e, ao
mesmo tempo, imposição legal e constitucional de que não pode se furtar,
sob pena de responsabilidade. Não se trata, portanto, de discricionariedade
administrativa, mas de atuação vinculada, na forma da lei.
A efetividade das normas está relacionada com o compromisso do
estatal de cumpri-las fielmente e de fiscalizar o seu cumprimento. Nesse sentido,
leciona Milaré (2014, p. 340):

A importância do correto exercício desse poder


reflete-se tanto na prevenção de atividades
lesivas ao meio ambiente através do controle dos
administrados, como em sua repressão, quando as
autoridades noticiam formalmente a ocorrência de
uma infração às normas e aos princípios de Direito
Ambiental, ensejando o desencadeamento dos
procedimentos para a tutela civil, administrativa e
penal dos recursos ambiental agredidos ou colocados
em situação de risco.

Em consequência, os tribunais brasileiros têm reconhecido a
responsabilidade civil do Estado em diversas searas, inclusive ambiental, quando a
inércia administrativa quanto ao exercício do dever de fiscalização concorrer para a
configuração do evento danoso, ainda que praticado diretamente por terceiro.
Desse modo, o poder-dever do Estado de tutela ambiental decorre
diretamente de suas competências constitucionais legislativas e materiais,
sendo imperativo o seu exercício na forma da lei para a efetivação do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

5. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS DECORRENTES


DE OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

O princípio do poluidor-pagador tem como objetivo imputar ao


poluidor, direto ou indireto, os custos sociais da degradação ambiental causada
por sua ação ou omissão.

230
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

No artigo 3º, inciso IV, a Lei 6.938/81 apresentou o conceito de poluidor,


estabelecendo que se trata da “pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental.”
Portanto, a teor da Lei 6.938/81, considera-se poluidor não apenas
aquele que causa diretamente, de forma comissiva, a degradação ambiental,
mas também quem a provoca indiretamente, por ação ou omissão, imputando-
lhe a lei responsabilidade pela recuperação e indenização dos danos causados,
sem prejuízo das penalidades legais.
O artigo 225 da Constituição Federal, por sua vez, permite a identificação
de todos, pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, na qualidade
de poluidores. É o que se depreende do caput do referido dispositivo, que
impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, e do seu § 3º que, expressamente,
caracteriza como infratores, pessoas físicas ou jurídicas, aqueles que praticam
condutas ou exercem atividades consideradas lesivas ao meio ambiente,
imputando-lhes responsabilidade civil, penal e administrativa.
Portanto, a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente,
além de objetiva, é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta
ou indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental.
Conforme Aragão (2014, p. 132), o poluidor que deve pagar “é aquele
que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência da
poluição, podendo, portanto, preveni-las ou tomar precauções para evitar que
ocorram”.
Diante da natureza solidária da responsabilidade pelos danos ambientais,
bem como do dever imposto pela Constituição Federal ao Poder Público de
defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é possível
atribuir responsabilidade ao Estado em razão de omissão no dever de fiscalizar
as atividades causadoras de degradação ambiental.
Como regra, a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva
, o que decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que somente prevê a
responsabilidade objetiva do Estado por atos praticados por seus agentes. Para
alguns autores, a natureza da responsabilidade civil por omissão do Estado não
é diferente na seara ambiental. Nesse sentido leciona Barroso (2011, p. 221)
que “não há como impor ao Estado, portanto, uma responsabilidade civil por
danos ambientais, em caso de omissão, quando ele não tenha decisivamente
colaborado para o evento lesivo, pois que isso seria recolocar sobre a sociedade
o ônus por ela sofrido com o dano ambiental”.
Também nessa linha se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do Recurso Especial 647493/SC, relatado pelo Ministro João Otávio

231
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

de Noronha (BRASIL, 2007), afirmando que “a responsabilidade civil do


Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por
dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é
aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece
a lei.” Ademais, como o Estado é a representação da própria sociedade, esta
seria onerada duplamente, primeiro pelo dano ambiental suportado e depois
pelos custos da reparação desse dano.
Para outros autores, contudo, a responsabilidade civil ambiental
por omissão do Estado é objetiva. Conforme Milaré (2014, p. 449), “esse
regime comum é excepcionado – em se tratando de tutela ambiental – por
expressa previsão legal, em microssistema especial, que considera objetiva tal
responsabilidade (art. 3º, IV, c/c. o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1987).”
Nesse sentido tem se pronunciado o Superior Tribunal de Justiça em
julgados mais recentes, como no Recurso Especial 1071741/SP, relatado pelo
Ministro Herman Benjamin (BRASIL, 2010). Confira-se o teor do aresto:

AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO


DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00).
OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR
PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE
JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE
BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE
E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO.
OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998.
DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO
CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E
14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA
NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO
DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO DE NATUREZASOLIDÁRIA, OBJETIVA,
ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA.
LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição
Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica
abona, mais na fórmula de dever do que de direito
ou faculdade, a função de implementar a letra e o
espírito das determinações legais, inclusive contra
si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do
Administrador. Seria mesmo um despropósito que o
ordenamento constrangesse os particulares a cumprir

232
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme


a conveniência ou oportunidade do momento, de por
ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se
inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la,
de buscar realizar as suas finalidades públicas ou
ignorá-las em prol de interesses outros.
2. Na sua missão de proteger o meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações, como patrono que é da preservação
e restauração dos processos ecológicos essenciais,
incumbe ao Estado “definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a
serem especialmente protegidos, sendo a alteração e
a supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção” (Constituição
Federal, art. 225, § 1º, III).
3. A criação de Unidades de Conservação não é um
fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros
objetivos constitucionais e legais de proteção da
Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga
a crise da biodiversidade – diretamente associada à
insustentável e veloz destruição de habitat natural –,
se não vier acompanhada do compromisso estatal de,
sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-
ecológica e providenciar os meios para sua gestão
técnica, transparente e democrática. A ser diferente,
nada além de um “sistema de áreas protegidas de
papel ou de fachada” existirá, espaços de ninguém,
onde a omissão das autoridades é compreendida pelos
degradadores de plantão como autorização implícita
para o desmatamento, a exploração predatória e a
ocupação ilícita.
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do
degradador, público ou privado, no Direito brasileiro
a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de
natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida
pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação
in integrum, da prioridade da reparação in natura, e
do favor debilis, este último a legitimar uma série de

233
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as


quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor
da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado,
por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum
ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição
Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro,
quando a responsabilização objetiva do ente público
decorrer de expressa previsão legal, em microssistema
especial, como na proteção do meio ambiente (Lei
6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo,
quando as circunstâncias indicarem a presença de um
standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que
aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e
jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental
(=dever-poder de implementação), além de inerente
ao exercício do poder de polícia do Estado, provém
diretamente do marco constitucional de garantia dos
processos ecológicos essenciais (em especial os arts.
225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo
da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998
(Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o
Meio Ambiente).
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998,
são titulares do dever-poder de implementação “os
funcionários de órgãos ambientais integrantes do
Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA,
designados para as atividades de fiscalização”, além
de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental “tiver conhecimento
de infração ambiental é obrigada a promover a sua
apuração imediata, mediante processo administrativo
próprio, sob pena de co-responsabilidade” (art. 70, §
3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços
ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder
de fiscalização ambiental (e também urbanística)
o Administrador que se limita a embargar obra ou

234
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério


Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando
outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe
à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem
administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação
ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de
uso comum do povo, resultante de desmatamento,
construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico
podem – e no caso do Estado, devem – ser
combatidos pelo desforço imediato, medida prevista
atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de
2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e
da credibilidade da Administração, da integridade do
patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública
e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis
associados à qualidade de vida das presentes e futuras
gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental
brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por
expressa disposição legal, com o de degradador da
qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer “pessoa
física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV, da
Lei 6.938/1981, grifo adicionado).
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade
no dano urbanístico-ambiental e de eventual
solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem
não faz quando deveria fazer, quem não se importa
que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar,
quem financia para que façam e quem se beneficia
quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e
ilimitadamente responsável, nos termos da Lei
6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais
decorrentes da omissão do seu dever de controlar
e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou
indiretamente, tanto para a degradação ambiental
em si mesma, como para o seu agravamento,

235
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da


adoção, contra o agente público relapso ou desidioso,
de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da
improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e
fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária
da Administração é de execução subsidiária (ou com
ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução
subsidiária significa que o Estado integra o título
executivo sob a condição de, como devedor-reserva,
só ser convocado a quitar a dívida se o degradador
original, direto ou material (= devedor principal)
não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento
patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade
ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento
da prestação judicialmente imposta, assegurado,
sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código
Civil), com a desconsideração da personalidade
jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira
e técnica do crédito ambiental, não se insere entre
as aspirações da responsabilidade solidária e de
execução subsidiária do Estado – sob pena de
onerar duplamente a sociedade, romper a equação
do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a
internalização das externalidades ambientais
negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar
o dever, a cargo do degradador material ou principal,
de recuperação integral do meio ambiente afetado e
de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se
tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor
da Ação optar por incluir ou não o ente público na
petição inicial.
18. Recurso Especial provido. (BRASIL, 2010).

O caso em questão consistiu em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério


Público do Estado de São Paulo contra pessoas físicas e o Estado de São Paulo,
buscando a reparação dos danos ambientais causados em decorrência da ocupação
e construção irregular por particulares no Parque Estadual de Jacupiranga.

236
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

No excerto afirmou-se a natureza objetiva da responsabilidade estatal


em relação especificamente à reparação por danos ambientais decorrente da
omissão no dever de fiscalizar, tendo em vista que a previsão constitucional e
legal específica nesse aspecto, e a aplicação do princípio do poluidor-pagador.
Com efeito, a efetividade das normas de proteção ambiental e
das obrigações impostas aos particulares decorre diretamente da atuação
fiscalizadora do Estado no sentido de zelar por seu cumprimento. Portanto,
verificada a efetiva omissão no exercício desse poder-dever, a responsabilidade
do ente público será objetiva.
De outro lado, como alerta Milaré (2014, p. 450), atribuir ao Poder
Público responsabilidade subjetiva significaria afastá-lo do polo passivo da
maior parte das demandas em que se buscasse a responsabilização do poluidor
direto, dada a incompatibilidade de, nos mesmos autos, perquirir a existência
de culpa de um dos demandados e buscar a responsabilização objetiva de outro.
Também em decorrência do disposto no artigo 225, caput e § 3º, e
no artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81, a responsabilidade por danos ao meio
ambiente é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta ou
indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental.
Deve-se considerar, no entanto, que o principal responsável pelo dano
ambiental é o poluidor direto e este deve arcar com os custos decorrentes das
externalidades negativas relacionadas a sua atividade, sendo este o sentido e
a razão do princípio do poluidor-pagador. Com efeito, admitir que o Estado
responda diretamente pela reparação dos danos causados por terceiros
significaria esvaziar o conteúdo do referido princípio e carrear novamente à
sociedade as externalidade negativas.
Por essa razão, também no julgamento do Recurso Especial 1071741/SP
(BRASIL, 2010), considerou-se que, a despeito da responsabilização solidária
do Estado, a sua execução seria subsidiária, ou seja, o Estado integraria o título
executivo, mas somente seria convocado a pagar a dívida se a execução não fosse
frutífera em face do devedor principal, causador direto do dano ambiental, pelo
total exaurimento de seu patrimônio, por sua insolvência ou qualquer outra razão,
assegurando-se, ainda, o direito de regresso em face do poluidor direto, inclusive
com a desconsideração da personalidade jurídica se presentes os requisitos legais.
Desse modo, conclui-se que a responsabilidade do Estado por danos
ambientais decorrentes de omissão no dever de fiscalização e proteção ambiental
é objetiva e solidária, mas de execução subsidiária.

CONCLUSÃO

O direito ambiental, como ciência autônoma, é regido por alguns


princípios específicos que orientam a elaboração e a aplicação das normas e

237
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à conservação do meio


ambiente, dentre eles, o princípio do poluidor-pagador.
O princípio em questão está intimamente relacionado à responsabilização
civil por danos ambientais e objetiva imputar ao poluidor, direto ou indireto, os
custos sociais da degradação ambiental causada por sua ação ou omissão.
De outro lado, a Constituição da República e a legislação
infraconstitucional outorgam ao Estado o poder-dever de proteger o meio
ambiente e, ao mesmo tempo, de zelar por sua conservação, o que ocorre
principalmente por meio da fiscalização de atividades efetiva ou potencialmente
causadoras de degradação ambiental.
Portanto, o poder-dever do Estado de tutela ambiental decorre
diretamente de suas competências constitucionais legislativas e materiais,
sendo imperativo o seu exercício na forma da lei para a efetivação do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Constituição Federal permite a identificação de todos, pessoas físicas
ou jurídicas de direito público ou privado, na qualidade de poluidores, de
forma que a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, além
de objetiva, é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta ou
indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental.
Nesse contexto, o Estado pode ser qualificado como poluidor indireto
quando comprovada a omissão no exercício do dever de proteção do meio
ambiente.
Como regra, a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva
, o que decorre da Constituição Federal, que somente prevê a responsabilidade
objetiva do Estado por atos praticados por seus agentes. No entanto, na seara
ambiental, a responsabilidade civil por omissão do Estado é objetiva por
expressa previsão no microssistema especial da legislação ambiental, bem
como em virtude da aplicação do princípio do poluidor-pagador.
Com efeito, a efetividade das normas de proteção ambiental e
das obrigações impostas aos particulares decorre diretamente da atuação
fiscalizadora do Estado no sentido de zelar por seu cumprimento. Portanto,
verificada a efetiva omissão no exercício desse poder-dever, a responsabilidade
do ente público será objetiva.
De outro lado, em que pese seja solidária a responsabilidade por danos
ao meio ambiente, envolvendo a todos que contribuiram para a degradação
ambiental, deve-se considerar que o principal responsável pelo dano ambiental é
o poluidor direto e este deve arcar com os custos decorrentes das externalidades
negativas relacionadas a sua atividade, sendo este o sentido e a razão do
princípio do poluidor-pagador. Admitir que o Estado responda diretamente pela
reparação dos danos causados por terceiros significaria esvaziar o conteúdo do
referido princípio e carrear novamente à sociedade as externalidade negativas.

238
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Em consequência, considera-se que, a despeito da responsabilização


solidária do Estado, a sua execução seria subsidiária, ou seja, o Estado integraria
o título executivo, mas somente seria convocado a pagar a dívida se a execução
não fosse frutífera em face do devedor principal, causador direto do dano
ambiental, pelo total exaurimento de seu patrimônio, por sua insolvência ou
qualquer outra razão, assegurando-se, ainda, o direito de regresso em face do
poluidor direto, inclusive com a desconsideração da personalidade jurídica se
presentes os requisitos legais.
Desse modo, conclui-se que o Estado pode ser qualificado como
poluidor indireto quando comprovada a omissão no exercício do dever de
fiscalização e proteção do meio ambiente, e que a sua responsabilidade é
objetiva e solidária, mas de execução subsidiária, a fim de que seja atendido o
objetivo de internalização das externalidades negativa e não seja duplamente
onerada a sociedade, vítima da degradação ambiental.

239
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,


2008.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris,


2010.

ARAGÃO, Alexandra. O principio do poluidor pagador: pedra angular


da política comunitária do ambiente. Sao Paulo: Instituto O Direito por um
Planeta Verde, 2014.

BARROSO, Ricardo Cavalcante. A Responsabilidade Civil do Estado por


Omissão em face do Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental , v. 63,
p. 203-238, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Assembleia Nacional Constituinte, 1988.

. Lei 5.172. Brasília: Congresso Nacional, 1966.

. Lei 5.869. Brasília: Congresso Nacional, 1973.

. Lei 6.938. Brasília: Congresso Nacional, 1981.

. Lei 9.605. Brasília: Congresso Nacional, 1998.

. Lei 9.985. Brasília: Congresso Nacional, 2000.

. Lei Complementar 140. Brasília: Congresso Nacional, 2011.

. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 647493. Relator:


Ministro João Otávio de Noronha. DJe 22 out 2007.

. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1071741. Relator:


Ministro Herman Benjamin. DJe 16 dez 2010.

. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1114398. Relator:


Ministro Sidnei Beneti. DJe 16 fev 2012.

. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1328753. Relator:


Ministro Herman Benjamin. DJe 03 fev 2015.

240
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade


3378. Confederação Nacional da Indústria. Relator: Ministro Carlos Britto. Dje
20 jun. 2008.

CAVALCANTE, Denise Lucena. Tributação ambiental – Reflexos na


construção civil. Curitiba: CRV, 2013.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo, Max Limonad,


1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas,


2008.

FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,


decisão, dominação. São Paulo : Atlas, 2003.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.


São Paulo : Saraiva, 2011.

MACHADO, Carlos José Saldanha. Meandros do Meio Ambiente: os


recursos hídricos na economia e no cenário internacional. Rio de Janeiro:
E-papers, 2004.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:


Malheiros, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São


Paulo: Malheiros, 2010.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2004.

Organização das Nações Unidas (ONU). Declaração do Rio sobre Meio


Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em <www.onu.org.br/rio20/
img/2012/01/rio92.pdf>. Consultado em 17/05/2015.

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).


Recomendação C(72)128. Disponível em <http://acts.oecd.org/Instruments/

241
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ShowInstrumentView.aspx? InstrumentID=4&InstrumentPID=255&Lang=en
&Book=False>. Consultado em 17/05/2015.

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).


Recomendação C(78)4. Disponível em <http://acts.oecd.org/Instruments/
ListByInstrumentDateView.aspx>. Consultado em 24/05/2015.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

SMETS, Henri. La gestion durable des ressources en eua: synthèse du


rapport génerál. Révision de la Charte Européenne de l’Eau du Conseil de
l’Europe (1968). Limonges: Presses Universitaires de Limonges, 2002.

SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de Direito Ambiental. Salvador:


Juspodivm, 2012.

242
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA EFETIVAÇÃO DA


SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

EDUCATIONAL IMPORTANCE TO SOCIETY ENVIRONMENT


EFFECTIVE SUSTAINABLE

Tereza Cristina Mota dos Santos Pinto


Mestranda em Direito Ambiental na Universidade do Estado do Amazonas,
Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio
de Jesus e Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas.
Advogada, Professora da Universidade Nilton Lins.

Resumo: A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto, expressamente,


o dever de promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e
a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Entretanto,
a supervalorização da economia em detrimento das questões ambientais
representa um impasse na aplicação da educação ambiental como meio de
construir uma sociedade sustentável. O presente estudo objetiva mostrar a
importância do papel da educação ambiental para a mudança na forma de se
posicionar do ser humano, de modo a permitir a efetivação do desenvolvimento
sustentável preceituado constitucionalmente no artigo 225. Para tanto, será
utilizada uma metodologia indutiva, baseada, quantos aos meios, em pesquisa
bibliográfica, e quanto aos fins, no método qualitativo. O desafio é estabelecer
um ponto de equilíbrio entre as necessidades do ser humano e as necessidades
do meio ambiente, utilizando para isso a educação ambiental, formando um
sujeito ecológico, que se coloca como próprio elemento da natureza, e não
apenas como elemento explorador.
Palavras-Chave: Meio ambiente; economia; educação ambiental; sociedade
sustentável;

Abstract: The Federal Constitution of 1988 brought in its text expressly


the duty to promote environmental education at all levels of education and
public awareness to preserve the environment. However, the overvaluation
of the economy at the expense of environmental issues is an impasse in the
implementation of environmental education as a means to build a sustainable
society. This study aims to show the importance of the role of environmental
education for the change in position of the human being, in order to allow the
realization of sustainable development precepts Constitution in Article 225. To
this end, an inductive, based methodology is used, how the media, in literature,
and about the purposes, the qualitative method. The challenge is to establish a

243
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

balance between human needs and the needs of the environment, making use
of environmental education, forming an ecological subject, which arises as a
proper element of nature, and not just as an explorer element.
Keywords: Environment; economy; environmental education; sustainable
society;

INTRODUÇÃO

O grave problema da poluição do ar e das águas nas grandes cidades,


o corte ilegal de árvores, o aquecimento global e o derretimento das calotas
polares são grandes exemplos do que hoje se identifica como crise ambiental.
Resultado da exploração desmedida dos recursos naturais sem a preocupação
com as consequências negativas, baseada no modo de produção capitalista,
que se intensifica a cada dia desde a Revolução Industrial do século XVIII,
remete a uma reflexão de mudança imediata de comportamentos na sociedade,
principalmente na convivência do homem com o meio ambiente.
Nesse contexto, tem emergido uma nova perspectiva de educação como
meio de reação frente à crise ambiental, uma inovadora maneira de educar com
responsabilidade, desenvolvendo uma relação sustentável entre o ser humano
e a natureza.
É importante ressaltar que, a definição de sustentabilidade alimenta
critérios subjetivos, mostrando a dificuldade de estabelecer um conceito global,
permeando entretanto, sem maiores controvérsias, expressões universais: meio
ambiente como bem comum, preservação para futuras gerações, ponderação
entre meio ambiente e economia.
Tratando da educação ambiental, a Lei n. 9.795/97, a qual instituiu a
Política Nacional de Educação Ambiental, conceitua em seu artigo 1º como
sendo “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial
a sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”, se revela assim uma solução
para persecução da sadia qualidade de vida no planeta.
Nota-se que, para estabelecer tal conceito, foram usadas referências
individuais e do coletivo, bem como a noção de sustentabilidade e meio
ambiente, como preceitua a Constituição Federal.
Aliás, a Carta Magna prevê uma ação conjunta do Estado, fornecendo
meios de implantação do meio ambiente equilibrado para a sadia qualidade de
vida, e da sociedade, abstendo-se de prática prejudiciais a este equilíbrio.
A temática se revela de grande complexidade, primeiro porque não
é consenso entre os estudiosos o que de fato representaria as linhas de uma

244
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

verdadeira educação ambiental e ainda, aliar um conceito não determinado


à prática do desenvolvimento sustentável (que também se mostra bastante
controverso) é sobremaneira dificultoso.
Ainda que, tanto a Constituição Federal quanto as leis
infraconstitucionais já disponham sobre educação ambiental, o distanciamento
entre o texto legal e sua aplicabilidade, muitas vezes motivado pela luta
incessante do progresso econômico a qualquer custo, tem sido um dos maiores
óbices à construção de um país sustentável.
O presente artigo analisa o grande desafio imerso no universo da
educação ambiental é, por meio da educação, além de compreender as relações
entre sociedade e natureza, intervir nos conflitos inerentes dessa relação, agindo
sobre eles e estabelecendo um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento
econômico e o cuidado com a natureza.
Educação esta que não se restringe apenas à Ecologia, mas depende
de ações transformadoras implementadas por cidadãos críticos, dotados de
conhecimentos e habilidade formados a partir de valores éticos e de justiça social.
O atual modelo de desenvolvimento econômico da sociedade
capitalista tem fulminado as boas práticas ambientais e colocado em xeque a
efetivação do desenvolvimento sustentável. Também as desigualdades sociais
representam entrave e impõe uma nova maneira de enxergar o indivíduo e suas
necessidades e incluí-lo como agente participativo nas questões ambientais.
O mais importante é compreender que fomentar a educação ambiental
não se trata apenas da participação em congressos e seminários. É o real
comprometimento com a prática, compatibilizando o discurso e a ação, e
a expansão de novas maneiras de explorar os recursos naturais sem que isso
represente a destruição do meio ambiente.

1. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL

Em meados da década de 1960, o tema educação ambiental começou


a emergir para o mundo. Mesmo antes da promulgação da Carta Magna, em
outros lugares do mundo já se ventilava as ideias da educação ambiental como
maneira de construir sociedades sustentáveis.
Na realidade, as Constituições anteriores não se preocuparam com a
tutela ambiental, restando tal tarefa à legislação infraconstitucional.
Internacionalmente foi ganhando forma e força a partir da Conferência
de Estocolmo, em 1972, que desencadeou o Programa Internacional de Educação
Ambiental, instituído no ano de 1975, também em Estocolmo54.

  Informações retiradas do Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA / Ministério do


54

Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação Geral de

245
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Dois anos depois, em 1977, com a Conferência Intergovernamental


sobre Educação Ambiental (a Conferência de Tbilisi), desenvolveu finalidades
e prioridades e estabeleceu estratégias para a promoção da educação ambiental.
É como narra Leff (2001, p.210):

Desde a Conferência de Estocolmo sobre o Meio


Ambiente Humano celebrada em 1972, a educação
ambiental foi apresentada como um meio prioritário
de alcançar s fins do desenvolvimento sustentável.
Depois a Conferência Internacional de Educação
Ambiental, celebrada em Tbilisi, em 1977, estabeleceu
os princípios gerais que deviam orientar os esforços de
uma educação relativa ao meio ambiente. A educação
ambiental entende-se, portanto, como a formação de
uma consciência fundada numa nova ética que deverá
resistir à exploração, ao desperdício e à exaltação da
produtividade concebida como um fim em si mesma.

O Relatório “Nosso Futuro Comum”, também chamado de Relatório
de Brundtland, de 1987, inaugurou a terminologia desenvolvimento sustentável,
que quase 30 anos depois ainda é tido como uma utopia a ser alcançada.
No Brasil, no início do século XX, houve a primeira legislação
conservacionista a respeito do assunto, e a emergência de um ambientalismo
resultado das lutas pelas liberdades democráticas nos anos 70.
O processo de institucionalização da educação ambiental no governo
brasileiro teve início em 1973, com a criação da Secretaria Especial do Meio
Ambiente. Em 1981, com a Politica Nacional de Meio Ambiente, tratou-se da
necessidade de inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino,
objetivando a capacitação da sociedade para participação ativa na defesa do
meio ambiente.
Em 1988, a Constituição Federal reservou o artigo 225 para tratar sobre
o ambiente, estabelecendo no inciso VI a “promoção da educação ambiental
em todos os níveis de ensino e conscientização pública para a preservação do
meio ambiente”, e em 1991, a Comissão Interministerial para a preparação da
Rio-92 considerou a educação ambiental como um dos instrumentos da política
ambiental brasileira.
O II Fórum Brasileiro de Educação Ambiental foi realizado em
1992, onde se adotou o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades

Educação Ambiental. - 3. ed - Brasília : Ministério do Meio Ambiente, 2005. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/ secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/pronea3.pdf Acesso em: 26 jun. 2015

246
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Sustentáveis e Responsabilidade Global, representou um marco mundial para


a educação ambiental. Neste mesmo ano foi criado o Ministério do Meio
Ambiente e o IBAMA instituiu Núcleos de Educação Ambiental em todas as
suas superintendências estaduais.
Em função dos compromissos internacionais assumidos na Rio-
92, foi criado o PRONEA, Programa Nacional de Educação Ambiental, em
1994, e foi aprovada a Lei n. 9.795/97, que dispõe sobre a Política Nacional de
Educação Ambiental.
A Rio-92 foi também responsável pela criação da Carta Brasileira
para a Educação Ambiental, documento que recomendava ao MEC, em
conjunto com as instituições de ensino superior, definir metas para a inserção
articulada da dimensão ambiental nos currículos, para estabelecer um marco de
implantação da educação ambiental no ensino superior.
Os esforços empreendidos no início deste século até os dias atuais
também são significativos. Podemos citar como exemplo a Conferência
Nacional do Meio Ambiente em 2003 e o V Fórum Brasileiro de Educação
Ambiental em 2004.
Indaga-se, entretanto, se tais esforços no âmbito nacional tem sido
suficientes para promover, de fato, uma ação transformadora proposta pela
educação ambiental, como meio de alcançar uma sociedade sustentável.
Igualmente, no âmbito internacional, em que pese a participação do
Brasil em diversas reuniões e conferências, se comprometendo com as questões
ambientais, é fácil constatar que muito pouco efetivamente se tem aplicado no nosso
país, à medida que a valorização da economia ainda se revela como prioridade para
grande maioria da população. Senão vejamos o que relata Dias (1992, p.44):

Considerada um marco histórico político


internacional decisivo para o surgimento de políticas
de gerenciamento do ambiente, a Conferência de
Estocolmo, além de chamar atenção do mundo
para os problemas ambientais, também gerou
controvérsias. Os representantes dos países em
desenvolvimento acusaram os países industrializados
de querer limitar seus programas de desenvolvimento
industrial, usando a desculpa de poluição como um
meio de inibir a capacidade de competição crescente
dos países pobres.
Para espanto do mundo, representantes do Brasil pediram
poluição dizendo que o país não se importaria em pagar

247
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

o preço da degradação ambiental, desde que o resultado


fosse o aumento do PNB (produto interno bruto).

O trecho acima nos indica que a relação entre meio ambiente e


economia ainda é tida como inconciliável, de modo que, se uma estiver lucrando
a outra estará em sacrifício, o que minimiza as chances de concretização da
sociedade sustentável.

2. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS DIVERSOS NÍVEIS DE ENSINO

Como já tratado anteriormente, a educação ambiental não se restringe


a um espaço físico denominado comumente de escola ou a práticas de ensino
desenvolvidas fora do ambiente escolar, muito menos a uma determinada classe
de alunos. Conquanto não se limite a esse gênero, é forçoso negar que o trabalho
feito dentro das instituições de ensino dos mais diversos níveis representa uma
grande contribuição neste sentido.
É conveniente ressaltar que se devem tomar certos cuidados ao
estipular conceitos para a educação. Carvalho (2004, p.153) discorre sobre o
tema, de modo a evitar uma visão dita por ela “ingênua”:

O uso cada vez mais corrente e generalizado da


denominação “Educação Ambiental” pode contribuir
para uma apreensão ingênua da idéia contida nela, como
se fosse uma reunião de palavras com poder de abrir
portas para um amplo e extensivo campo de consenso.
Com frequência se dissemina a ideia simplista de
que, cada vez que essas palavras quase mágicas são
mencionadas ou inseridas em um projeto ou programa
de ação, imediatamente está garantido um campo
de alianças e compreensões comuns a unir todos os
educadores de boa vontade desejos de ensinar as pessoas
a serem mais gentis e cuidadosas com a natureza.

Tomadas as devidas precauções quanto ao tema, é possível observar


que a cada dia, o universo escolar pode (e deve) ser agente transformador da
sociedade e, no caso em análise, instrumento de multiplicação e conscientização
do ser humano como parte do corpo natural, isto é, como pedaço da própria
natureza. Essa tarefa, que está inclusa na educação ambiental, ajuda na
construção e desenvolvimento de uma nova perspectiva do homem em relação
às questões socioambientais e o seu papel decisivo na solução delas.

248
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Para que se possa iniciar um processo de mudança, faz-se necessário


saber o que se quer e o que realmente é preciso mudar. A consciência do
problema é mais facilmente alcançada por meio do conhecimento da realidade,
principalmente local e do contexto em que se situa o caso, consubstanciada no
ensino não-formal, nos conhecimentos empíricos da comunidade.
Neste ínterim, é imprescindível lembrar que, o ensino não-formal
também funciona como meio de propagação da educação ambiental. De
acordo com o Artigo 13, da Lei n.º 9.795/99, que dispõe sobre a Política
Nacional de Educação Ambiental “entendem-se por Educação Ambiental
não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da
coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação
na defesa da qualidade do meio ambiente.”
Nessa esfera, opina Carvalho (2004, p.157):

Além de sua presença no ensino formal, a EA abarca


amplo conjunto de práticas sociais e educativas que
ocorrem fora da escola e incluem não só as crianças e
jovens, mas também adultos, agentes locais, moradores
e líderes comunitários. Tais práticas educativas
não-formais envolvem ações em comunidade e são
chamadas de EA comunitária ou, ainda, EA popular.
Estas dizem respeito a uma intervenção que, de modo
geral, está ligado à identificação de problemas e
conflitos concernentes às relações dessas populações
com seu entorno ambiental, seja ele rural ou urbano.

Dessa forma, analisando o artigo 2º da Lei n. 9.795/99, que prevê


“a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”, verifica-se
que a educação ambiental se revela tanto no âmbito da educação formal (aquela
formada pela aprendizagem escolar) quanto da não-formal (aquela formada no
seio da organização comunitária), objetivando provocar processos de mudanças
no uso racional dos bens ambientais, bem como um posicionamento equilibrado
entre as necessidades socioeconômicas e ambientais.
Além disso, quanto à educação ambiental no ensino formal, a
Constituição Federal reservou em seu texto essa promoção, estabelecendo-a
em todos os níveis de ensino, que foram identificados pela Lei n. 9394/96, a
conhecida Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da seguinte forma:

249
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:


I - educação básica, formada pela educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior

Muito embora preceituada pelo documento de ordem máxima do


nosso país, a educação ambiental não é tratada como disciplina específica no
currículo de ensino brasileiro, conforme artigo 10, § 1º, da Lei n.9795/999, que
instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, o que vem sendo objeto
de debate, senão vejamos Machado (2006, p.141):

A Lei 9.9795/99 dispôs sobre a educação ambiental e


instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental.
Entre seus princípios básicos está a concepção do
meio ambiente em sua totalidade, considerando
a interdependência entre o meio natural, o
socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade. Como um dos objetivos da lei está
o incentivo à participação individual e a coletiva.
Não se criou a disciplina “Educação Ambiental” no
currículo de ensino (art. 10, §2º) – o que acredito
mereça ser objeto de mais reflexão. (gn)

Mesmo assim, limitar a educação ambiental a esta formação


profissional seria praticar um reducionismo de termos, como bem explica
Tozoni-Reis (2004, p.27):

A formação dos educadores ambientais nos cursos de


graduação, embora não sistematizada nas instituições
de ensino superior, é efetivada por práticas educativas
que não se reduzem a formação profissional em sua
área específica de conhecimento. Essa formação,
nesses espaços educativos, é influenciada por
condicionantes sociais, políticcas e culturais que
configuram diferentes concepções de homem, de
natureza e de sociedade.

Dada importância do ensino formal na construção de um sujeito


humano enquadrado no contexto atual de desenvolvimento de uma
sociedade sustentável, um problema vem inquietando o cenário brasileiro: a
mercantilização do ensino.

250
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Não é novidade que a sociedade de consumo experimentada neste


século XXI, prioriza a economia em detrimento de quaisquer outras áreas,
principalmente a socioambiental. Na educação não é diferente. O professor
Bahr (2011, p.46) assim se manifesta, quanto à educação superior no Brasil:

O sistema de educação superior no Brasil apresenta


grande complexidade em razão da natureza dos
vínculos administrativos das instituições e da
magnitude e complexidade de cada uma delas. Em
razão disso, esse sistema impõe a necessidade de
regulação e de articulação de modo a garantir que
a educação seja tratada e reconhecida como bem
público relevante para toda a sociedade brasileira,
cujo desenvolvimento é fundamental na promoção
da igualdade e equidade de oportunidades, para os
indivíduos e para todas as regiões do país, buscando-
se no ordenamento jurídico-constitucional os
meios para evitar-se, no setor privado, a chamada
mercantilização do ensino superior. (g.n.)

A mercantilização do ensino nos remonta a um círculo vicioso em


que, a economia se sobrepõe à qualidade do ensino, implicando diretamente
na falha do dado modelo de educação ambiental. Para melhor compreensão:
o ensino formal e não-formal são objetos propulsores da educação ambiental.
Em havendo deficiência nesses quesitos, neste caso por conta da valorização
econômica acima das demais questões que compõe a vida em sociedade,
ter-se-á inevitavelmente uma grande dificuldade de se divulgar e colocar em
práticas as bases da educação ambiental, afastando a já quase inócua ideia
de sustentabilidade.
Ademais, o ensino formal precisa de uma reformulação para implantar
uma educação ambiental na correta acepção do termo, como observa Leff
(2001, p.213):

A estruturação de diferentes matérias e a reorientação


dos temas de estudo das disciplinas tradicionais
implicam um processo de produção e transformação
do conhecimento para a elaboração de conteúdos
ambientais de diversas matérias, carreiras e pós-
graduações. Nesta perspectiva, a educação relativa
ao meio ambiente implica mudanças nos conteúdos

251
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

educacionais que vão além de uma melhor integração


das diversas disciplinas contidas nos programas
curriculares tradicionais. Os objetivos da educação
ambiental não se alcançam com o ensino de
métodos sistêmicos, com uma prática pedagógica
interdisciplinar ou com a incorporação de uma
matéria de caráter integrador – a ecologia – dentro dos
programas existentes. A educação ambiental exige
a criação de um saber ambiental e sua assimilação
transformadora às disciplinas que deverão gerar os
conteúdos concretos de novas temáticas ambientais.

A educação ambiental apresentada pelo ensino formal deve, nesta


esteira, propiciar uma transformação social, com enfoque na relação homem,
natureza e universo de forma interdisciplinar, com o objetivo máximo de
formação do sujeito ecológico, como sustenta Pedrini (1997, p. 269) “não há
EA se a reflexão sobre as relações dos seres entre si, do ser humano com ele
mesmo e do ser humano com seus semelhantes não estiver presente em todas
as praticas educativas”.

3. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO FERRAMENTA DE EFETIVAÇÃO DA


SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

Desde os primórdios, a capacidade de racionalidade do ser humano deu


a ele o privilégio de interferir na natureza e dela retirar tudo aquilo necessário
a sua sobrevivência. Acontece que, com o tempo, perdeu-se a noção dos
limites desta relação, dando início a uma exploração desmedida, sem levar em
consideração a finitude dos recursos naturais.
O acesso e uso dos bens ambientais, apesar de previstos na Constituição
Federal como de usufruto comum, têm sido alvo de disputas por interesses
particulares em detrimento dos interesses coletivos. O fato é que a utilização
dos recursos naturais para impulsionar a economia não pode deixar dívidas
ambientais, dívidas estas que já estão sendo cobradas da sociedade presente
que as criou como também serão cobradas das futuras gerações.
Sobre o tema, se posiciona Leff (2001, p.16):

Portanto, a degradação ambiental se manifesta como


sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo
modelo de modernidade regido pelo predomínio

252
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

do desenvolvimento da razão tecnológica sobre


a organização da natureza. A questão ambiental
problematiza as próprias bases da produção; aponta
para a desconstrução do paradigma econômico
da modernidade e para a construção de futuros
possíveis, fundados nos limites das leis da natureza,
nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos
sociais e na criatividade humana.

Neste contexto, o ser humano se revela o ator principal da história.


Ora, o que é o homem senão parte da própria natureza? Se ele é responsável por
sua degradação, abandonando um visão romântica, ele está se auto-destruindo,
a medida que, além de ser parte do todo, não consegue viver sem os recursos
que extrai da natureza. Para desenvolver a economia, seu principal interesse,
também depende do meio ambiente. É muito simples concluir que, daqui
a um tempo até a própria economia restará prejudicada por essa exploração
predatória. É a lição de Arent (2014, p. 254)

(...) a expressão “dominar a natureza” só tem sentido se


partirmos da premissa de que o homem não é natural.
Mas se o homem é também Natureza, não podemos
falar em dominar o homem. E aqui se evidencia uma
contradição: se o homem domina a Natureza, quem
o dominará? Outro homem? Isso só seria concebível
se admitíssemos a ideia de um homem superior, uma
raça superior, e a História já comprovou o desastre de
tal concepção.

A ideia Natureza-objeto versus Homem-sujeito, que


prevalece entre nós, parece ignorar que a palavra
sujeito comporta mais de um significado: sujeito
quase sempre é entendido como ser ativo, ser dono do
seu destino. Todavia, o termo pode também indicar
ser ou estar sujeito (submetido) a determinadas
circunstâncias. Analisada por este ângulo a palavra
possui uma conotação negativa, que foi esquecida
pelo humanismo moderno no afã de afirmar uma
visão antropocêntrica do mundo.

A necessidade de se abandonar essa visão antropocêntrica do meio


ambiente, que valoriza o homem como o centro das questões ambientais, é

253
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

o primeiro passo para a efetivação do modelo de sustentabilidade. À medida


que o ser humano se colocar no seu lugar de parte do conjunto chamado
natureza, as práticas de equilíbrio do ambiental para com o econômico, social
e politico começarão a existir de fato. Encarar a preservação da natureza
como uma condição de sua própria existência é o início da construção da
sociedade sustentável.
Contudo, as estratégias atuais de enfretamento da problemática
ambiental têm surtido efeitos aquém do esperado, à medida que a sociedade,
apesar de recepcionar todos os esforços empreendidos neste sentido, permanece
com suas prioridades econômicas a qualquer custo.
Tozoni-Reis (2004, p.32) assim discorre sobre essa relação:

Os fatores políticos e econômicos são indicados como


fatores determinantes dos problemas ambientais.
Entre esses fatores identificamos a ideia de que
o modelo econômico da sociedade atual produz
cada vez mais necessidades e, busca das formas
de satisfazê-las, esgotam-se os recursos naturais.
A Revolução Industrial e o papel assumido pelo
Estado na sociedade moderna foram apontados como
componentes do processo de apropriação dos recursos
naturais, determinantes da crise ambiental. Se o modo
de produção em que nós vivemos é a principal causa
da degradação ambiental, o lucro e a submissão das
politicas públicas aos interesses privados são seus
instrumentos. Então, uma das ideias principais sobre
a origem da crise ambiental é a de transformação da
natureza em mercadoria.

Nesta esteira, é urgente a necessidade de uma busca, em todas as


esferas da sociedade, de um novo modo de interagir com a natureza. Afinal
como ensina Trevisol (2003, p.64) “a crise ambiental não pode ser tematizada
apenas enquanto fenômeno físico-natural externo à evolução das sociedades.
A bem da verdade, não é a natureza que se encontra em desarmonia; é a
própria sociedade”.
Resta claro que, o homem promove esta “insustentabilidade”,
contrariando todos os mandamentos constitucionais e infralegais de preservação
do meio ambiente para ele próprio e para as futuras gerações.
Além disso, deve-se ter em mente, como ensina Freitas (2013, p.28)
que “os recursos naturais são limitados e a sobrevivência do Homem e das
espécies depende do manejo adequado e racional desses recursos e dos diversos
resíduos gerados no processo de sua utilização”.

254
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Verifica-se assim que, a consciência de que os recursos oferecidos pela


“Mãe Terra” são finitos e já se encontram num estágio crítico de degradação
deve ser um dos parâmetros trabalhados na educação ambiental.
Vale ressaltar que, a educação ambiental aqui tratada não se restringe
apenas ao aspecto ecológico, englobando as esferas política, econômica, social,
cultural, técnica e ética, em que estas são consideradas como um todo e podem
variar de acordo com o caso concreto, interpretando a interdependência entre os
diversos elementos que conformam o meio ambiente.
Além disto, ainda se confunde, em nosso país, Educação Ambiental
com Ecologia. A Ecologia é o estudo das relações entre os seres vivos e o meio
ambiente, enquanto que a Educação, muito mais abrangente, envolve todos
os aspectos da sociedade (políticos, éticos, científicos, sociais, ecológicos,
tecnológicos, culturais), de modo que variam com o tempo de forma dinâmica,
sendo possível que, em determinado período, um aspecto prepondere sobre os
demais, estando, contudo, em constantes “contrações e dilatações” (DIAS, 1992).
Assim, ainda ensina DIAS (1992, p. 29) que “o conceito de meio
ambiente reduzido exclusivamente a seus aspectos naturais não permitia apreciar
as interdependências, nem a contribuição das ciências sociais à compreensão e
melhoria do meio ambiente humano”.
Na mesma linha de raciocínio segue Philippi Jr. e Pelicioni (2005, p. 4):

Aos poucos foi ficando claro que a Ecologia por


si só não dá conta de reverter, de impedir ou de
minimizar os agravos ambientais, os quais dependem
de formação ou mudanças de valores individuais e
sociais que devem expressar-se em ações que levem
à transformação da sociedade por meio da educação
da população.

Este conceito inequívoco de educação ambiental nos faz claramente


perceber uma resposta crítica a crise planetária oriunda de modo de vida
desregrado. É uma esperança de amenizar os problemas ambientais por
meio da sustentabilidade que, segundo Freitas (2011, p.69), se contrapõe a
“insaciabilidade” do homem:

A postura sustentável, sem se autocontradizer, é


aquela, por assim dizer, bioética (autodeterminada,
materialmente justa, não maleficente e beneficente),
ecologicamente responsável e segura, que jamais
acarreta sacrifícios desproporcionais à vida. O que

255
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

supõe, como se vê, muito mais do que lutar por áreas


de preservação permanente e reserva legal.
Apresenta-se como poderoso anteparo crítico contra
o paradigma da insaciabilidade, ainda hegemônico,
com os seus tentáculos corruptos, chicaneiros
e dissolutos. Nesse sentido, parece sensato contrapor
dois modelos de pensar e de gerir a vida. Existe
o modelo sustentável, que é homeostático e
faz jus à consciência em evolução. Em
contraposição, existe o modelo da insaciabilidade,
que conspira disfuncionalmente contra o homeostase
básica e cultural.

Até agora, a sustentabilidade tem representado um conceito utópico


muito distante da realidade da sociedade de consumo do século XXI. Aliar
meio ambiente e economia ainda significa um enorme mistério que o sujeito
“empresário” não foi capaz de desvendar. Ao se colocar numa balança o que
move o mundo de hoje, certamente o fator econômico pesará mais. O que
se apresenta como um contrassenso, diante de tantos estudos e conferências
(que inclusive o Brasil participa) que já provaram o atual estágio alarmante de
degradação e, principalmente, suas consequências para a própria vida humana.
No âmbito do Direito Ambiental, percebe-se que regras elaboradas
visam a proteção do meio ambiente para que o homem possa dele usufruir,
ou seja, pretende-se, primeiramente, a satisfação das necessidades humanas.
É cristalino como o antropocentrismo se encontra enraizado em nosso
ordenamento jurídico, como bem leciona Machado (2006, p.118)

O caput do art. 225 é antropocêntrico. É um direito


fundamental da pessoa humana, como forma de
preservar a ‘vida e a dignidade das pessoas’ – núcleo
essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém
contesta que o quadro da destruição ambiental no
mundo compromete a possibilidade de uma existência
digna para a Humanidade e põe em risco a própria
vida humana.

A despeito disso, sabe-se que o direito é um instrumento de organização


e pacificação social, garantidor da democracia, que auxilia na construção de
uma sociedade justa e igualitária. O direito garante ainda a existência e a prática
da educação ambiental, por meio da participação do Estado em conjunto com a
sociedade. Pelicioni e Philippi Jr. (2005, p.6) assim se posicionam:

256
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Portanto, como prática democrática, a educação


ambiental prepara para o exercício da cidadania por
meio da participação ativa individual e coletiva,
considerando os processos socioeconômicos,
políticos e culturais que a influenciam.
Educar no caminho da cidadania responsável exige
novas estratégias de fortalecimento da consciência
crítica a fim de habilitar grupos de pressão para
uma ação social comprometida com a reforma do
sistema capitalista.

Nesta esteira, igualmente escreve Machado (2006, P.123):

A Constituição foi bem-formulada ao terem sido


colocados conjuntamente o Poder Público e a
coletividade como agentes fundamentais na ação
defensora e preservadora do meio ambiente. Não
é papel isolado do Estado cuidar sozinho do meio
ambiente, pois essa tarefa não pode ser eficientemente
executada sem a cooperação do corpo social.

Fica claro, portanto, que a educação ambiental há muito discutida


mundialmente e, devidamente incluída no texto constitucional em 1988,
é o principal instrumento de efetivação da sustentabilidade, de modo a unir
Estado e sociedade, para, em conjunto, desenvolver a sadia qualidade de vida,
equilibrando as práticas ambientais e as econômicas, levando em considerando
um série de aspectos, como o social, o ético, o tecnológico e o cultural, no
âmbito do ensino formal e também do não formal.

CONCLUSÕES

A visão antropocêntrica do homem em relação à natureza, colocando-o


como referência máxima de valores, têm nos relegado uma herança de destruições
que comprometem a sadia qualidade de vida protegida pela Constituição.
Uma pequena parcela da sociedade moderna apresenta, diante do caos
ambiental, uma nova visão de educação capaz de contornar tais problemas e inserir
o homem numa nova relação de equilíbrio para com o meio em que convive.
Esta educação ambiental, nos moldes modernos, ultrapassa uma
simples questão ecológica ou boas práticas ambientais. Ela chega bem mais
longe, indicando um conjunto social, cultural, econômico, político, ético e

257
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

tecnológico que dinamicamente deve ser analisado pela sociedade para iniciar
a construção de um modelo de sustentabilidade.
Neste quesito, impende ressaltar ainda que, além desses fatores
envolvidos, o homem que participa dessa educação é tido como um novo ser, um
sujeito ecológico, capaz de não só tratar das questões ambientais, mas também
agir sobre elas, de modo a equilibrar o econômico, o social e o ambiental.
Claro está que as normas e políticas relacionadas aos recursos
naturais necessitam com urgência sair do papel e ganhar vida na realidade de
cada cidadão. O distanciamento entre a legislação e a efetivação da sociedade
sustentável representa obstáculo na luta pela preservação ambiental.
O crescimento econômico, que ao longo das últimas décadas vem
obedecendo a um padrão baseado no desenvolvimento industrial, propiciou o
surgimento de uma economia urbano-industrial diversificada e complexa de consumo
de massa. Esse padrão de crescimento, baseado numa valorização exacerbada do
“ter”, tem-se utilizado cada vez mais, indiscriminadamente, dos recursos naturais
sem nenhuma medida, sem levar em consideração suas fragilidades.
Desta forma, busca-se implementar o modelo de desenvolvimento
sustentável, aliando-se os diversos tipos de desenvolvimento do Estado, seja
politico, economico ou social à preservação, cuidado com o meio ambiente
como um todo.
A grande dificuldade reside no fato de que poucas pessoas conhecem
verdadeiramente o modo de aplicação deste tipo de desenvolvimento e a grande
maioria daquelas que ao menos conhecem o caminho, o ignoram, pois colocam
a economia em primeiro lugar em detrimento de qualquer outro fator.
É nesse contexto que se pode perceber a urgente necessidade de
implantação de uma verdadeira Educação Ambiental, a qual implica na difusão
do conhecimento e desenvolvimento de habilidades para concretizar mudanças
de comportamentos, valores e estilos de vida na busca de um desenvolvimento
responsável e ético.
Logicamente que este é um processo lento, pois requer uma mudança
drástica: primeiro de pensamentos e posteriormente de atitudes do ser humano,
para que, por meio delas seja possível estabelecer uma nova relação de maior
equilíbrio com o meio ambiente.
Nesse sentido, a pesquisa e o ensino (formal e não-formal), são
imprescindivel, pois a educação, como analisado, é uma peça chave neste
processo de transformação.
Implantado este modelo de educação ambiental, não só na
educação formal, como disciplina obrigatória, mas também na educação
informal, ultrapassando os muros escolares e se fundando no seio da
comunidade, poder-se-á deixar de sonhar e por em prática o tão esperado
desenvolvimento sustentável.

258
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


11ª. Edição, 2014.

BADR, Eid. Curso de direito educacional: o ensino superior brasileiro.


Curitiba: Editora CRV, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do. São Paulo: Saraiva,


2015.

BRUNDTLAN, Comissão. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento: o nosso futuro comum. Universidade de Oxford. Nova
Iorque, 1987.

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do


sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e prática. São


Paulo: Gaia, 1992.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte:


Fórum, 2011.

JUNIOR, Nelson de Freitas Porfirio. Responsabilidade do Estado em face do


dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2013.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade,


complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

PEDRINI, Alexandre Gusmão (org.). Educação Ambiental: reflexões e


práticas contemporâneas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

PHILIPPI JR, Arlindo; PELICIONI, Maria Cecília Focesi; [editores]. Educação


ambiental e sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2004.

ProNEA - Programa Nacional de Educação Ambiental/ Ministério do Meio


Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação.
Coordenação Geral de Educação Ambiental. - 3. ed - Brasília : Ministério do
Meio Ambiente, 2005. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/secad/arquivos/

259
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

pdf/educacaoambiental/pronea3.pdf Acesso em: 26 jun. 2015.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:


Malheiros, 2006.

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza,


razão e história. São Paulo: Autores associados, 2004.

TREVISOL, Joviles Vitório. A educação ambiental em uma sociedade


de risco: tarefas e desafios na construção da sustentabilidade. Joaçaba:
UNOESC, 2003.

______. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação


ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras
providências. Acesso em 26 jan. 2015 (b).

260
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

OS IGARAPÉS DA CIDADE DE MANAUS: DEGRADAÇÃO E REMÉDIOS LEGAIS

MANAUS’ STREAMS: DEGRADATION AND LEGAL REMEDIES

Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior


Advogado graduado no Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas,
mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas,
pesquisador do Grupo de Pesquisa de Mudanças Climáticas – PPGDA – UEA.

Guilherme Gustavo Vasques Mota


Advogado graduado no Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas,
mestre em ciências sociais pela PUC/SP, professor de direito nas faculdades
CIESA, Martha Falcão Devry e UFAM.

Resumo: A cidade de Manaus possui fartos braços d´água conhecidos como


“igarapés”, os quais atualmente encontram-se em estado de grande degradação,
sem qualquer uso para a população exceto o lançamento de dejetos residenciais,
comerciais e industriais. Suas características de fonte de água limpa, local para
a pesca, prática da natação e outros esportes, refúgio de biodiversidade e
local de lazer foram eliminadas pelas gerações passadas, seja pela a ocupação
desordenada, seja pela falta de saneamento. No entanto, a República Federativa
do Brasil dispõe de avançada legislação e princípios jurídicos ambientais
protetivos do meio ambiente e dos recursos hídricos, os quais podem ser
utilizados pelos operadores do direito para buscar a tutela de nossos igarapés, o
que será apresentado no prese
Palavras-chave: Constituição Federal de 1988, Política Nacional do Meio
Ambiente, Igarapés, Direito à Biodiversidade, Proteção dos Recursos Hídricos,
Princípios Ambientais Constitucionais.

Abstract: The city of Manaus has an abundance of streams known as


“igarapés”, which in present day are in state of great degradation, without any
use for the population but the release of residential, commercial and industrial
pollution. Its characteristic use as clean water resource of fishing, swimming
and other sports, biodiversity refuge, and place of leisure has been eliminated
by previous generations, by disordered occupation and lack of sanitation. In
spite of this, the Federative Republic of Brazil has an advanced environmental
and water resources protection legislation and legal principles, which can be
used by law operators to seek out the preservation of our igarapés, which will
be the scope of this article.
Keywords: Federal Constitution of 1988, National Policy of Environment,

261
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Igarapes, Biodiversity rights, Protection of the Water Resources, Constitutional


Environmental Principles.

INTRODUÇÃO

Nossa cidade é entrecortada por diversos cursos d’água


denominados igarapés, que nos tempos atuais encontram-se em estado
lamentável, devido à poluição que neles é despejada diuturnamente. Pode-se
afirmar categoricamente que todos os igarapés na região urbanizada de Manaus
estão impróprios para o uso tão difundido no passado.
Será que um dia no futuro, as futuras gerações poderão usufruir
de nossos igarapés, assim como nossos ancestrais55 sempre o fizeram? Ou o
caminho do “progresso” sempre relegará nossos rios a meros depositários de
nossos resíduos e problemas ambientais cada vez mais severos?
A situação de nossos igarapés reflete o descaso dos líderes das
gerações passadas em conservar o meio ambiente da cidade de Manaus. Ao
longo das últimas três décadas de má gestão hídrica, nossa população foi
privada de um direito cultural e de biodiversidade (arts. 225 e 231 da CF/88)
com a destruição dos igarapés e da extinção dos balneários, que até bem pouco
tempo atrás historicamente eram saudáveis e pujantes.
A distribuição de água na cidade de Manaus não condiz com sua
hidrografia, pois somos banhados pelo Rio Negro e temos em nosso território
a maior bacia hidrográfica do mundo (Agência Nacional de Águas, 2015). No
entanto o problema de falta de água na torneira e o rompimento de adutoras
é comum e corriqueiro. A área com melhor saneamento de esgoto ainda é o
Centro (Manaus Ambiental, 2015), com sistemas instalados por firmas inglesas,
contratadas pelos poderes constituídos ainda no tempo de “Império do Brazil”.
Na fase de República, o saneamento da cidade de Manaus parou no tempo e
mesmo em bairros de classe média e alta os dejetos vão para os igarapés sem
tratamento (Portal Amazônia, 2015, G1.com, 2015).
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, não havia
o direito reconhecidamente constitucional de todos a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, no entanto, o referido diploma constitucional está
aí há quase 30 (trinta) anos e nossas águas continuam sofrendo com a destruição.
Informações dão conta de que, já em 1982, a situação sócioambiental
da capital do Amazonas estava no caminho errado (ANDRADE e VIEIRA, 1982):

  A área geográfica onde localiza-se a capital é habitada desde antes da ocupação portuguesa,
55

pela tribo que dá origem ao nome da cidade, Manaós, mas também pelas tribos Tarumã, Passé e
Baniwa (SOUZA, pg. 133)

262
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

O que se viu foi a rápida expansão da


circunvizinhança de Manaus, o que
intrinsecamente não é um mal. Infelizmente
não se proporcionou aos imigrantes a
orientação necessária quanto ao melhor
sítio para a localização das residências.
Os fundos de vale, alagadiços e sujeitos a
inundações periódicas foram celeremente
ocupados (…) As encostas também
foram desordenadamente habitadas e as
linhas de infraestrutura de água, esgoto e
energia foram recebendo obstáculos quase
intransponíveis

Atualmente nossos igarapés são vetores de doenças relacionadas


à poluição, e quando transbordam devido ao acúmulo de lixo, invadem o
espaço urbano causando grande calamidade humana, acarretando prejuízos
incalculáveis (G1.com, 2015). Não servem mais à sua função ambiental e
assumiram forma de problema.
Modernamente, os igarapés de Manaus nada mais são do que
incômodas e insalubres porções de nossa urbe, locais a serem evitados. Há
estudos demonstrando que a maioria dos jovens de Manaus nem os considera
como parte da paisagem (GOMES, 2014).
Por outro lado, vemos que em aglomerações urbanas estrangeiras
(com grande pegada poluidora), a poluição dos cursos d’água é controlada,
e a população dessas cidades como Miami (capital da Flórida nos Estados
Unidos da América) livremente usufrui de seus riachos em diversas atividades,
contribuindo para uma superior qualidade de vida, não obstante a pujante
economia e alto desenvolvimento econômico. Parece até contraditório para
aquele país, o qual encontra-se no grupo dos maiores poluidores do planeta.
Em nossa cidade, temos a geração de manauaras que puderam
pescar na área urbana, e se algum dia o problema dos igarapés poluídos for
resolvido, as futuras gerações poderão resgatar um perdido direito cultural.
Recentemente em nossa cidade, vimos o inicio da ação n.
2009.32.00.002520-6 movida pelo Ministério Público Federal contra a
Prefeitura de Manaus, objetivando interromper e ressarcir os cofres públicos
acerca da lamentável atuação de dragagem e eliminação de vegetação ciliar por
parte da Prefeitura em nossos principais igarapés.
Por outro lado, dispomos de legislação a defender os direitos ao
meio ambiente, ao patrimônio cultural e genético da população de Manaus. No

263
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

entanto, iniciativa recente, o PROSAMIM, vem realocando o humilde povo


que mora nos beiradões, para conjuntos habitacionais de alvenaria, livres da
baixa qualidade de vida nas palafitas. Trabalho ainda para muitos anos, dado o
grande problema de invasões na capital e seu entorno.
Este artigo irá estudar os aspectos jurídicos acerca da defesa de
nossas águas, e como estes podem ser utilizados pelos operadores do direito
para que as disposições do art. 225 da CF sejam integralmente observadas pelas
autoridades, utilizando-se como case de estudo, o processo acima mencionado.
A metodologia utilizada será bibliográfica, com consulta aos diversos meios
como livros, artigos, internet, etc.

1. DOS PRINCÍPIOS E DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA DOS RECURSOS HÍDRICOS


PRÉ E PÓS 1988 E SEUS IMPACTOS SOBRE A CIDADE

1.1. PRINCÍPIOS AMBIENTAIS E O CASO EM TELA

a. Princípio da Dignidade Humana. O princípio da dignidade


humana permeia todos os direitos fundamentais, atuando com função basilar
sobre o qual todos os outros princípios. O direito negado à moradia da
população é a pior mazela da situação atual. As baixas condições de vida da
população humilde influem diretamente na saúde e na sua capacidade de vencer
as barreiras impostas pela baixa condição.
b. Princípio da Precaução/Prevenção. As atividades humanas
potencialmente perigosas para o meio ambiente deveriam ser evitadas sem
exceções (incluindo no caso de falta de certeza científica). Verifica-se que o
princípio analisado estava consagrado em nossa legislação desde 198156 após
verificar-se que entre os princípios do PNMA, temos orientações como “ação
governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, racionalização do uso
do solo, subsolo, água e ar, planejamento e fiscalização do uso dos recursos
naturais, proteção dos ecossistemas, controle e zoneamento, incentivo ao estudo
e pesquisa, acompanhamento do estado de qualidade ambiental, recuperação de
áreas degradadas e proteção das ameaçadas e finalmente, o princípio da educação
ambiental. O que a geração de 2015 enfrenta hoje na questão dos igarapés é
fruto da total inobservância dos princípios da precaução e da prevenção, cujas
bases já estavam em plena vigência em 1981.
c. Princípio do Poluidor-Pagador. Se o fornecimento de serviços
de saneamento básico, saúde e de manutenção de um meio ambiente sadio é uma
obrigação constitucional, somente podemos apontar o Estado como o maior

  Lei 6.938-1981, art. 2o., incisos I a X.


56

264
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

culpado. Não podemos dizer que Manaus é uma das cidades pobres do Brasil57.
Em nosso Distrito Industrial os custos sócioambientais não são computados no
preço dos produtos, sendo a população que acaba arcando com esses custos,
além do Poder Público. O problema não é exclusivo da cidade de Manaus,
não obstante toda a legislação em defesa dos recursos naturais, principalmente
hídricos, das ricas bacias hidrográficas amazonenses.
d. Princípio do Protetor-Recebedor. As populações tradicionais
e silvestres são pressionadas para deixarem seu estilo de vida e suas casas
ribeirinhas para irem morar na capital, em busca de um salário e de uma vida
mais “moderna”. Quando insistem em permanecer no caminho do “progresso”,
são rechaçadas violentamente, nunca recebendo incentivos para manter o seu
estilo de vida sustentável. Em nosso Estado temos o Programa Bolsa-Floresta,
criado pela Lei. n. 3.135/07; consideramos o valor de R$ 400 reais por ano
deveras irrisório, no entanto, demonstra uma mudança de direção nos caminhos
econômicos do Estado. Poderíamos até questionar o motivo de tanta pressa em
se mercantilizar ou explorar a Amazônia com grandes projetos. A cada recurso
retirado nosso estoque ambiental fica mais pobre do que antes.
e. Princípio Intergeracional. O art. 225 da CF/88 comanda o
zelo pelo direito das futuras gerações, um compromisso psicológico recente
e pesado a nível individual. Obviamente, o destino dos igarapés de Manaus
demonstra o total desdém com o princípio em tela, tanto no setor público,
quanto no corporativo. E a atual geração teve tolhido seu direito à cidade com a
transformação dos antes aprazíveis igarapés em esgotos a céu aberto.
Poderia se alegar que o progresso foi necessário para que exista a cidade
que temos hoje, nos mais alto ranqueamento nacional de PIB. Mas, o progresso
medido somente pelo PIB não retrata a realidade, posto que o referido índice não
computa as perdas sociais e ambientais (LUTZENBERGER, 2012, p. 85):

Mas então, quando retiramos petróleo do


solo e o queimamos em desperdício, acaso
somos mais ricos depois ou éramos mais
ricos antes?

Até se poderia argumentar que a exploração desses recursos foi


necessária para algum motivo relevante, mas na realidade é que os grandes
ciclos econômicos baseados em Manaus serviu para enriquecer poucos ao custo
das mais vis formas de exploração no trabalho. O sistema de exploração de

57
  Amazonas consta na 6a. posição dentre todos os Estados, no documento Produto Interno
Bruto dos Municípios, IBGE, 2011, disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv67269.pdf

265
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

trabalhadores iniciado no primeiro ciclo da borracha foi descrito como algo


aterrador para os direitos humanos, com relatos de tortura, fuzilamento, castigos
corporais brutais, privação de alimentos, prostituição de mulheres e etc58, com
a história de abuso se repetindo até os dias de hoje, com a opressão sobre as
populações tradicionais.
Nos dias atuais temos a praticamente perene Zona Franca de
Manaus, cujas origens remontam a 1957 com a criação do Porto Livre que
através do Pólo Industrial, criou em Manaus centenas de milhares de empregos
diretos e indiretos onde antes havia baixa densidade populacional (Fonte:
SUFRAMA. Acesso em http://www.suframa.gov.br/zfm historia.cfm no dia 10
de julho de 2015).
Vale notar, que assim como quando ocorreram problemas com a
exportação de borracha, quando algo vai mal para as indústrias do PIM, os
investimentos são rapidamente esvaziados, causando desemprego em massa59,
como vem ocorrendo até hoje (A Crítica, 2015). Fábricas podem ser facilmente
desmontadas e levadas para onde as condições forem melhores, no entanto a
população criada onde antes não havia nada e o meio ambiente têm de arcar
com as externalidades.
O sistema corporativo é essencialmente anti-democrático, posto
que um diminuto grupo de diretores pode decidir o destino de grupo de milhares
de pessoas a cidades e regiões. Decisões estas que levam em conta apenas
servir aos interesses dos acionistas, causando desastres como o que aconteceu
com a cidade de Detroit quando da retirada da indústria automobilística
(Economyincrisis.org, 2015), e também a pobreza pós ciclos da borracha e
sempre que a lucratividade e a perenidade da ZFM foi colocada em risco.
O modelo de desenvolvimento baseado na divisão internacional
do trabalho não trouxe melhorias para a população dos países periféricos em
geral, permanecendo Manaus como fornecedora de mão de obra barata para
empresas nacionais e multinacionais.

1.2. ARCABOUÇO LEGAL PRÉ-1988 E ATUAL

A lei 6.938 de 1981, que trata do SISNAMA (Sistema Nacional


do Meio Ambiente) e do CONAMA já trazia em seu bojo um completo marco
legal para o Direito Ambiental Brasileiro, com princípios, conceitos, objetivos

  SOUZA, Márcio. “História da Amazônia” - Manaus, ed. Valer, 2009.


58

  Na notícia a seguir colacionada, demonstra que até julho de 2015 houveram mais de 15 mil
59

demissões em Manaus, com linhas de produção inteiras enviadas para São Paulo. Acesso em
http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/07/em-2015-polo-industrial-de-manaus-ja-
demite-139-mais-que-em-2014.html a 18 de julho de 2015.

266
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

e instrumentos, e com ela o referido ramo do direito passa a ser independente


do Direito Administrativo (SILVA, p. 201 e 202). No diploma em análise, o seu
art. 5o. e parágrafo único, as atividades empresarias, públicas ou privadas serão
exercidas em consonância com a Política Nacional do Meio Ambiente.
Para Sirvinkas (2015, pg. 208):

A política nacional do meio ambiente tem por objetivo a


harmonização do meio ambiente com o desenvolvimento
socioeconômico (desenvolvimento sustentável). Essa harmonizaçào
consiste na conciliação da proteção do meio ambiente, de um
lado, com a garantia do desevolvimento socioeconômico, de
outro, objetivando assegurar condições necessárias ao progresso
industrial, aos interesses de segurança nacional, e à proteção da
dignidade humana (art. 2o. da Lei 6.938/81).

Significando que nossos operadores do direito e demais interessados


na proteção do meio ambiente possuíam, já a partir de 1981, os dispositivos do
PNMA, sem que no entanto no Município de Manaus tenha levado a situação
dos igarapés de forma séria, apenas realizando limpezas esporádicas, atuando
no efeito, sem combater na causa.
Inclusive no art. 21, IX do referido diploma legal já havia a
previsão da possibilidade do governo federal e estabelecer diretrizes específicas
para uma macroregião (SIRVINKAS, 2015, pg. 210). Atualmente, na legislação
pátria temos por exemplos os seguintes dispositivos na tutela de nossos igarapés:
Constituição Federal, art. 225, §1o, III; Lei 9.433/97 (Política Nacional
de Recursos Hídricos), Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985
de 2000); Código Florestal; Lei n. 9.605 de 1998; Lei n. 4.771/65, art. 2o. “a” e
parágrafo único; Lei 6.938/81; Resoluções CONAMA 237/97 e 396/06 e etc.
Podemos destacar que no art. 1o. e incisos da Lei 9.344/97 elege
como fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos os seguintes:
a) a água é um bem de domínio público; b) recurso natural limitado, de valor
econômico; c) prevalência do consumo humano e animal em caso de escassez;
d) uso múltiplo deve ser prestigiado na gestão dos recursos hídricos; e)
bacias hidrográficas como unidade territorial para políticas públicas; f) gestão
descentralizada com participação popular. Verifica-se que a partir de 1997 estes
fundamentos apresentados na política nacional quebraram paradigmas injustos,
que se acumularam no período de crescimento populacional e que não irão
realizar somente com a vontade da lei.
O uso humano não deveria se sobrepor ao uso como esgoto de
nossos igarapés; tampouco os mesmos têm sido tratados como bens de domínio

267
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

público, posto que utilizados como se não tivessem donos. O uso múltiplo resta
prejudicado ante à contaminação pelo uso para despejo de lixo e fezes. Não
possuimos comitês de bacia hidrográficas em quantidade condizente com os
seus tamanhos. Ao invés de gestão descentralizada, vemos dessincroniza de
discursos entre os diversos entes estatais.

1.3. REMÉDIOS JURÍDICOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL

O sistema brasileiro de acesso a direitos coletivos e individuais


foi historicamente excludente das camadas populares e do meio ambiente,
desde os tempos de Colônia, depois no Império, e em nada se alterando
com a proclamação da República60. Foi somente na Constituição de 1988,
denominada de Cidadã, que o direito ao meio ambiente e o acesso à Justiça
foram criados e fortalecidos. Patrícia Biancchi (2010) mostra que, mesmo com
os avanços, o acesso à justiça no direito ambiental é restrito por motivos como
morosidade processual devido a problemas estruturais como a falta de pessoal,
muitas instâncias administrativas e judiciais ocasionando a demora de anos
para a solução de processos relativos ao direito ambiental e a própria cultura
nacional de não estar acostumada a requerer direitos coletivos e difusos. Entre
os remédios previstos na CF/88 podemos destacar a ação popular, o mandado
de segurança e de injunção, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Habeas
Data, fortalecimento da Defensoria Pública e etc.
A Constituição Cidadã criou e manteve ferramentas para que o
indivíduo procure o acesso a direitos ao meio ambiente por si só, mas o Estado
brasileiro não construiu uma forma de repressão eficaz ao abuso destes direitos,
para que o cidadão não precisasse se socorrer do Judiciário para obter aquilo
colocado na CF/88. Fatores que contribuíram negativamente no caso dos
igarapés de Manaus, que foram vilipendiados em sua quase totalidade, tendo
a sociedade manauara sido mera espectadora inerte da perda de um direito
ambiental e cultural de incontáveis gerações.
Tudo aquilo que está preconizado na CF/88 destoa do que pode
ser constatado em qualquer rápido passeio pelas vias da cidade: situações de
moradia precária às margens de igarapés poluídos, conforme demonstrado nas
fotos em anexo. São pessoas vivendo em condições de três ou quatro séculos
atrás, a menos de um quilômetro de obras que custaram bilhões ao Estado com
objetivos futebolísticos, por exemplo.
Iniciativas como o PROSAMIM retiraram milhares de pessoas
nestas condições mas longe de eliminar o problema em sua totalidade. No

  Durante a República tivemos diversas mudanças de regime, com períodos esparsos de uma
60

democracia efetiva.

268
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

entanto, a retirada dessas famílias e a consequente limpeza das margens não


garantem que os igarapés sejam plenamente recuperados, pois se combateu
efeitos mas não a causa, que é o lançamento de dejetos não tratados nas áreas
residenciais, comerciais e industriais da cidade.
O problema do acesso à Justiça Ambiental é algo palpável na
situação de degradação dos igarapés da cidade de Manaus. Um problema não
por falta de leis ambientais ou mecanismos de jurisdição, conforme acima
demonstrado. O problema reside do fato de que, para que se utilize destes
remédios legais, a realidade fática de nosso sistema requer que o cidadão os
conheça e tenha tempo livre e dedicação para movimentá-los. O que denota
a falta de educação ambiental e de um aparelho repressivo mais atuante, com
mais capacidade de ser movimentado de ofício.

2. ESTUDO DE CASO

No ano de 2009 a Prefeitura de Manaus começou a noticiar


ação de limpeza de igarapés e colocação de areia em suas margens (além da
remoção de vegetação). A ação, não obstante ter sido realizada objetivando
evitar o transbordamento na época de chuvas, teria sido realizada ao arrepio da
lei, ignorando medidas básicas de cuidado previstas em legislação, inclusive
perpetrando a ação em Áreas de Proteção Permanente e no Corredor Ecológico
do Igarapé do Mindú, inclusive protegidos por legislação federal.
Em vista disso, podemos nos questionar se a Prefeitura dispõe em
suas lideranças profissionais preparados para lidar com a coisa ambiental. Pois o
que transparece é o total amadorismo com algo de suma importância. Se agem
assim com a questão ambiental, fica aqui a indagação se o mesmo amadorismo é
utilizado para cuidar de outras questões municipais, como o trânsito e a educação.
Vale mencionar que a Prefeitura empregou R$ 120.000.000 (cento
e vinte milhões de reais) na ação.
O MPF ingressou com a ação n. 2009.32.00.002520-6 no ano de
2009, pleiteando da Justiça Federal medidas como o ressarcimento do dinheiro
público e a suspensão liminar da atividade lesiva.
Na inicial o MPF começou alegando a competência da Justiça Federal
para julgar a lide, posto que o dano ocorrera em Área de Proteção Permanente,
além de o recurso ter sido repassado pelo Governo Federal para o Município.
Além disso, demonstra terem sido expedidas 118 Licenças de
Instalação apenas 2 (dois) dias após o requerimento, sem que tenha sido realizada
vistoria prévia ou parecer técnico conclusivo. Igualmente anotou a ausência de
EIA/RIMA no procedimento. Além disso, alegou danos à fauna existente no
Parque Municipal do Mindu. A ação ainda permanece inconcluída, no entanto

269
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ainda vêm ocorrendo ações no mínimo duvidosas por parte da Prefeitura, com
a colocada de montes de areia nas áreas de mata ciliar, e a retirada da vegetação
das margens61

3. CONCLUSÃO: DA NORMA AMBIENTAL E A SUA EFICÁCIA

Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, já dispúnhamos


da Lei do PNMA (Lei n. 6.938/81, uma das legislações mais avançadas em
termo de proteção ao meio ambiente. De tão moderna sua aplicabilidade não
era viável quando da sua publicação, e portanto, a norma teve a sua eficácia
historicamente limitada, posto que para sua consecução era necessária a
quebra de paradigmas e planejamento de longo prazo muito difíceis de serem
realizados em uma República como a nossa, cheia de reviravoltas políticas
como os diversos golpes, governos ideológicos e etc.
Patrícia Bianchi (2010) quando discorre sobre o assunto, aponta a
dificuldade de se fazer cumprir leis de característica programática:

O fato é que o descumprimento de normas


de caráter programático é de difícil
sancionamento, já que tais normas estão
inseridas no âmbito discricionário dos
governos. Assim, os direitos econômicos,
sociais e culturais acabam por fazer
parte de discursos retóricos e leis vazias,
como se não fossem verdadeiros direitos
(BIANCHI, P. 211).

Devemos acrescentar que, além do problema da discricionariedade


excessiva, temos o fato de que medidas saneadoras em nosso País sempre
foram encaradas com desconfiança pela população. A realocação de populações
inteiras, mesmo que para locais melhores, não deixa de ser uma medida
impopular para um governante, que pode ficar marcado e não mais contar com
o apoio da população humilde, e com isso perder suas chances de reeleição.
Além disso obras de saneamento são caras e subterrâneas - não resplandecem
como obras grandiosas no nível da cidade.
Sirvinkas (2015, pg. 210) entende que nem todos os princípios na
lei do PNMA são verdadeiros, mas tão somente orientações, mas no entanto,
no caso de contradição entre eles entende prevalecer o mais benéfico ao meio

  (Acesso em http://www.pram.mpf.mp.br/institucional/acoes-do-mpf/acp/20090507%20-%20
61

ACP%20dragagem%20igarapes.pdf a 15 de maio de 2015)

270
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

ambiente. Este é mais um exemplo da dificuldade em se considerar as normas


ambientais como de aplicação imediata.
Riccardo Petrella no seu “ Manifesto da Água”, afirma ser contra
a transformação da água em uma simples commodity como o petróleo, pelo
simples motivo de que não podemos colocar um preço na vida. Afirmação que
em tempos de crise hídrica serve como função pedagógica: o tratamento da
água como mero produto já acarreta a impossibilidade do Estado de São Paulo
multar usuários gastadores em um momento de crise, pelo menos de acordo
com a sua 8a. Vara de Fazenda Pública62. Claro que no Direito do Consumidor
não há sanções ou penalidades pelo simples consumo de produtos, já que a
escolha impera no mercado de consumo.
No entanto o tratamento da água como mero produto e incluir o seu
fornecimento como um simples instituto de Direito do Consumidor apequena a
sua importância, ocasionando o engessamento das ações do Estado para mitigar
uma crise séria. Em Manaus o tratamento da água como produto é corriqueiro
também, apesar da concessionária cobrar somente a distribuição (e taxa de
um esgoto quase inexistente). O mercado da água local conseguiu transformar
nossa mais abundante riqueza em um produto escasso, pouco acessível aos mais
desafortunados, não obstante ser o líquido da vida.
Na parte de fornecimento, um contrato realizado entre o Estado
e a concessionária permitiu uma cobrança de taxa de esgoto de 100%,
mesmo com o fraco saneamento na capital. O Tribunal de Justiça permitiu
a cobrança, medida esta que transforma o produto água em um bem mais
escasso ainda para os pobres em uma cidade que fica às margens dos
maiores rio do mundo em volume de água. Vale menção o valor de 100%
por cento da taxa levando em consideração que em direito, o acessório não
pode ser semelhante ao principal por imposição lógica. O efeito da taxa
foi simplesmente duplicar os valores pagos pela população sem qualquer
melhoria ou contrapartida na qualidade do serviço.
A decisão do TJAM prestigiou o princípio de direito civil pacta
sunt servanda ante o princípio da dignidade humana, meio ambiente sadio e
equilibrado, direito à vida dentre muitos outros fundamentais. A informação
sobre essa taxa relaciona-se com a situação de nossos igarapés na medida que,
autorizada a concessionária a receber sem contrapartida de investimentos, não
há no horizonte esperança de um saneamento de esgoto em nossa cidade, medida
que atenuaria enormemente a pressão poluidora sobre os nossos igarapés63.

62
  Acesso em http://oglobo.globo.com/brasil/justica-suspende-multa-consumidores-de-sao-paulo-
que-aumentarem-conta-de-agua-15046333 a 10 de junho de 2015.
63
  Acesso em http://acritica.uol.com.br/manaus/TJ-AM-mantem-cobranca-esgoto-Manaus_0_
1049295075.html a 22 de maio de 2015.

271
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

SIRVINKAS, Luís Paulo - Manual de Direito Ambiental, 13. ed. - São Paulo,
Saraiva, 2015.

BENCHIMOL, Samuel. Amazônia - Formação Social e Cultural. 3a. Ed. -


Manaus.Ed.Valer, 2009.

BIACHI, Patrícia. Eficácia das Normas Ambientais. São Paulo, Ed. Saraiva,
2010.

ANDRADE, Moacir e VIEIRA, Roberto dos Santos. Manaus: monumentos,


hábitos e costumes. Ed. Umberto Calderaro, 1982.

SOUZA, Márcio. História da Amazônia - Manaus. Ed. Valer, 2009.

FURLAN, Anderson e FRACALOSSI, William. Elementos de Direito


Ambiental. Rio de Janeiro. Forense. São Paulo. Método, 2011.

SARLET, Ingo e FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios de Direito Ambiental.


São Paulo - Saraiva, 2014.

PETRELLA, Riccardo. O Manifesto da Água. Petrópolis, RJ - Vozes. , 2002.



FILHO, Pontes. Estudos de História do Amazonas - Manaus. Ed. Valer, 2000.

LUTZENBERGER, José. “Crítica Ecológica ao Pensamento Econômico”, ed.


L&PM, Porto Alegre, 2012.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico - 3 ed. - São Paulo, Saraiva,


2008.

Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia, ano 4, n. 7. Manaus: edições


Governo do Estado do Amazonas, SEC, UEA, 2006, pgs. 191 a 202.

Jornal A Crítica, acesso em http://acritica.uol.com.br/noticias/dddd_0_


1344465576.html no dia 08 de julho de 2015

http://www.g1.globo.com/am/amazonas/fotos/2015/06/fotos-lixo-inunda-
igarape-de-manaus-durante-cheia.html

272
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Acesso em http://economyincrisis.org/content/detroit-americas-war-torn-city a
09 de junho de 2015.

http://www.manausambiental.com.br/sistema-integrado-e-sistemas-isolados

http://www.portalamazonia.com.br/editoria/cidades/prosamim-realoca-50-
mil-pessoas-em-manaus-e-esquece-saneamento-basico/, acesso em 21 de
outubro de 2015.

http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/09/despejo-de-esgoto-do-
prosamim-polui-igarapes-de-manaus-diz-pesquisador.html

http://portalamazonia.com/noticias-detalhe/cidades/igarape-tomado-por-fezes-
chama-atencao-em-manaus/?cHash=af49e7bac6c5c32b0132858a23761ab6

GOMES, Karla da Silveira. Os igarapés de Manaus na percepção de jovens


manauaras / Karla da Silveira Gomes.-Manaus, AM: UFAM, 2004

Manaus: Monumentos, Hábitos e Costumes, ANDRADE, Moacir e VIEIRA,


Roberto dos Santos. Ed. Umberto Calderaro, Manaus, AM, Brasil, 1982

273
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

RESPONSABILIDADE SOCIAL NO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL


E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS

SOCIAL RESPONSIBILITY IN THE INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL


LAW AND ENVIRONMENTAL REFUGEES

Narcisa Batista Lunguinho Silva


Bacharel em Administração – término 2009.2. – Universidade Nove de Julho.
Bacharel em Direito – Cursando – 9º semestre - Inicio 2012.1 – termino
2016.2 – Universidade Nove de Julho. Escola da Ciencia – Inicio Agosto
2014 – termino Agosto 2015.2 - Uninove. Orientador Leonardo Rafael
Carvalho de Matos / Professora Dra. Samira Iniciação Cientifica – Inicio
Agosto 2015 – termino Janeiro 2016 – Uninove. Orientadora: Professora
Pamella dos Santos Cristan Ciencias Juridicas - Inicio Julho
de 2013 Termino Janeiro 2016. Universidade
Internacional Três Fronteiras - Uninter – Paraguay

Leonardo Raphael Carvalho de Matos


Professor da Graduação em Direito da Universidade Nove de Julho -
UNINOVE. Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE
(2015). Secretário Executivo da Federação Nacional de Pós-graduandos em
Direito - FEPODI (biênio 2015-2017). Membro da Comissão de Direitos
Humanos da OAB-MA. Advogado inscrito na OAB-MA atuante na área de
Direito Privado. Especialista em Direito Processual Civil pela
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP (2010). 
Link: http://lattes.cnpq.br/0262795943013047

Resumo: O presente trabalho discute sobre a questão ambiental no âmbito do


direito internacional. Levantando as consequências advindas da problemática
da degradação ambiental cada vez mais crescente, o que propicia o surgimento
de uma nova categoria de refugiados: os refugiados ambientais, também
conhecidos como (refugiados climáticos). Verifica-se a evolução dos direitos
ambientais para realidade do planeta, o dever do Estado em dar abrigo e apoio
aos refugiados e a necessidade do reconhecimento dos mesmos no ordenamento
jurídico internacional, visando garantir as condições mínimas para a preservação
da dignidade humana, verificando a crescente preocupação com os impactos das
alterações no meio ambiente, econômico e social dentro do mundo globalizado,
alertando para necessidade de ação SOS natureza urgente, para manter vivos
e com condições melhores aos seres vivos que a ela pertencem. A pesquisa
desdobra-se pelo método qualitativo e análise de literatura pertinente ao tema.

274
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Palavras-Chave: Responsabilidade social; Direito ambiental internacional;


Refugiados ambientais.

Abstract: This paper discusses the environmental issue under international law.
Raising the consequences arising from the issue of environmental degradation
increasingly growing, which promotes the emergence of a new category of
refugees: Environmental refugees, also known as (climate refugees). There is
a trend of environmental rights to reality of the planet, the duty of the state to
give shelter and support to refugees and the need for their recognition in the
international legal system in order to ensure the minimum conditions for the
preservation of human dignity, checking growing concern about the impacts of
changes in the environment, economic and social in a globalized world, warning
of the need for urgent action SOS nature, to keep alive and better conditions for
living beings that belong to it. The research is developed by qualitative method
and analyzing the according literature.
Keywords: Social responsibility. International environmental law.
Environmental refugees.

INTRODUÇÃO

O direito ambiental internacional regulamentam normas que


buscam, proteger e cuidar do meio ambiente, aplicando sanções àqueles que
degradam o planeta, buscado ações e chamando a atenção para a importância
da responsabilidade social do Estado e do setor privado. É o ramo do direito que
regula a relação entre a atividade humana e o meio ambiente.
Por sua natureza interdisciplinar, o direito do ambiente acaba
se comunicando com outras áreas da ciência jurídica. Em alguns casos com
peculiaridades próprias e distintas, em outros, se socorrendo de noções e
conceitos clássicos de outras áreas. Assim, o direito ambiental está intimamente
relacionado ao direito constitucional, administrativo, civil, penal e processual.
Pelo fato das atividades poluidoras e de degradação do meio ambiente não
conhecerem fronteiras, o direito ambiental também está intimamente ligado ao
direito internacional e, com ele, compondo uma disciplina própria conhecida
como direito internacional ambiental.
Afinal, o que é direito ambiental e qual a sua finalidade? Onde ele
é necessário e como foi construído no processo histórico de direitos e que hoje
se faz muito presente na realidade contemporânea.
Para tanto, no primeiro momento, pretende-se apresentar o conceito
de responsabilidade social e do “direito ambiental”, as relações entre o direito
ambiental e responsabilidade social; concepções do direito ambiental. No

275
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

segundo momento, vamos tratar das noções básicas da responsabilidade social


e sua relação com o direito ambiental internacional e os refugiados ambientais.
Por fim, aborda-se um assunto ainda esquecido por algumas
empresas que visam apenas lucro: responsabilidade social um fator essencial
para difundir o direito ambiental e a sua importação para a existência do ser
humano no planeta. A pesquisa dar-se-á pelo método qualitativo e análise de
literatura pertinente ao tema.

1. RESPONSABILIDADE SOCIAL

Existem diversos fatores que originaram o conceito de


responsabilidade social, em um contexto da globalização e das mudanças
nas indústrias, surgiram novas preocupações e expectativas dos cidadãos,
dos consumidores, das autoridades públicas e dos investidores em relação as
organizações. Os indivíduos e as instituições, como consumidores e investidores,
começaram a condenar os danos causados ao ambiente pelas atividades
econômicas e também a pressionar as empresas para a observância de requisitos
ambientais e exigindo à entidades reguladoras, legislativas e governamentais a
produção de quadros legais apropriados e a vigilância da sua aplicação.
Os primeiros estudos que tratam da responsabilidade social
tiveram início nos Estados Unidos, na década de 50, e na Europa, nos anos 60.
As primeiras manifestações sobre este tema surgiram em1906, porém essas não
receberam apoio, pois foram consideradas de cunho socialista, e foi somente
em 1953, nos Estados Unidos, que o tema recebeu atenção e ganhou espaço.
Na década de 70, começaram a surgir associações de profissionais interessados
em estudar o tema, e somente a partir daí a responsabilidade social deixou de
ser uma simples curiosidade e se transformou em um novo campo de estudo,
para os ambientalistas e empresas do setor privado e de sociedade mista e até
mesmo as empresas do setor publico em busca de uma solução para de alguma
forma ajudar a restauração do meio ambiente e proteção da espécie humana,
desenvolver projetos sociais e de sustentabilidade, para conscientização da
sociedade e Estado, se preocupem de fato e enxerguem a realidade atual, que a
natureza precisa de ajuda urgente para sobrevivência do homem e também de
todo ser vivo que a ela pertence e depende para viver e sobreviver.
Grandes empresas que já implantaram um sistema de
conscientização e responsabilidade social apresentam projetos para que outras
empresas também possam fazer o mesmo para contribuir com a proteção
do meio ambiente. A atuação social da empresa pode ser potencializada
pela adoção de estratégias que valorizem a qualidade dos projetos sociais
beneficiados, a multiplicação de experiências bem sucedidas, a criação de

276
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

redes de atendimento e o fortalecimento das políticas públicas da área social. O


aporte de recursos pode ser direcionado para a resolução de problemas sociais
específicos para os quais se voltam entidades comunitárias e ONGs. A empresa
também pode desenvolver projetos próprios, mobilizar suas competências para
o fortalecimento da ação social e envolver seus funcionários e parceiros na
execução e apoio a projetos sociais da comunidade. (ETHOS, 2007).
A inserção da empresa na comunidade pressupõe que ela tenha uma
postura dinâmica e transparente frente aos grupos locais e seus representantes,
respeitando as normas e costumes locais, com objetivo de poder solucionar
conjuntamente problemas comunitários ou resolver de modo negociado
eventuais conflitos entre as partes. (ETHOS, 2007).
A comunidade em que a empresa está inserida fornece-lhe infra-
estrutura e o capital social representado por seus empregados e parceiros, contribuindo
decisivamente para a viabilização de seus negócios. O investimento pela empresa
em ações que tragam benefícios para a comunidade é uma contrapartida justa,
além de reverter em ganhos para o ambiente interno e na percepção que os clientes
têm da própria empresa. O respeito aos costumes e culturas locais e o empenho na
educação e na disseminação de valores sociais devem fazer parte de uma política de
envolvimento comunitário da empresa, resultado da compreensão de seu papel de
agente de melhorias sociais. (ETHOS, 2007).

2. DIREITO INTERNACIONAL

O termo adjetivo “Internacional” somente foi empregado inicialmente


no século XVIII (1780) pelo jusfilósofo inglês Jeremy Bentham64 quando o
utilizou com a intenção de especificar este ramo de estudo jurídico dos outros
naquela época (ULLMANN, p.289).

2.1. HISTÓRICO

A história do Direito Internacional (DI) compenetra-se com a


história da normatização das Relações Internacionais. No início das grandes
civilizações, quando dos primórdios das relações entre Estados e povos, foi
necessário criar regras no intuito de equilibrar direitos entre eles. Portanto, faz-
64
“O adjectivo “internacional” surgiu em 1780 quando Bentham desculpava-se pelo que chamava
temeridade em criar “mais um termo novo”: “The word ‘international’, it must be acknowledged, is
a new one, though, it is hoped, sufficiently analogous and intelligible””.
Tradução: “Apalavra “internacional”, deve ser reconhecida, é uma novidade, no entanto, espera-se
suficientemente análoga e inteligível”.
ULLMANN, Stephan. Semântica: uma introdução à ciência do significado, 5ª ed., Lisboa, Calouste
Gulbekian, 1987, p.289

277
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

se indispensável, neste prelúdio de dissertação, expor uma evolução histórica


do DI, desde o mais remoto ponto documentado até os dias de hoje. A invenção
do avião, as duas grandes guerras mundiais, as conquistas do espação sideral e
das profundezas dos mares, a expansão tecnológica foram fatores sociais que
influenciaram diretamente e de forma revolucionária na evolução histórica do
Direito Internacional.
Nas palavras de Accioly, et al (2012, p.72),

Se até o início do século XX o direito internacional


era bidimensional, por versar apenas sobre a terra
e o mar, a partir de então, graças principalmente às
façanhas de Alberto SANTOS DUMONT, passa
a ser tridimensional e, após a segunda guerra
mundial, a abarcar ainda o espaço ultraterrestre e
os fundos marinhos.

Vários doutrinadores internacionalistas têm dividido a história


do DI em períodos ou fases. Em assim sendo, ver-se esse trabalho também
subordinado, em prol de uma melhor didática, a fazê-lo, decompondo a evolução
histórica do DI em 04 fases: Dos primórdios da sociedade humana até o Tratado
de Westphalia em 1648; Do Tratado de Westphalia até o Congresso de Viena de
1815; Do Congresso de Viena (1815) até a 2ª Grande Guerra Mundial; e, da 2ª
Grande Guerra Mundial até os dias de hoje.

2.1.1. DOS PRIMÓRDIOS DA SOCIEDADE HUMANA ATÉ O TRATADO DE


WESTPHALIA EM 1648

Desde o início da sociedade humana, quando da necessidade


de agrupar-se, os povos se relacionavam, seja cooperando ou competindo
entre si, seja de forma pacífica ou belicosa, eles trocavam, comercializavam,
interagiam suprindo suas necessidades básicas particulares. Nesta época,
devido a precariedade da escrita, da distância, do choque de culturas, religiões
e tradições, mesmo que existisse interação entre povos, não se podia dizer,
sob um parâmetro moderno, que houvesse um Direito Internacional. Há quem
defenda na doutrina essa inexistência do ramo jurídico internacional.
Amorim apud Mais (2011)65,

[...] na Antiguidade inexistiu regra de Direito


Internacional, uma vez que o estrangeiro era
65
http://jus.com.br/artigos/18320/a-historia-do-direito-das-relacoes-internacionais#ixzz3ld 55Sc UH

278
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

considerado bárbaro, hostil ao meio, podendo até


mesmo ser sacrificado ou destruído. MAZZUOLI
partilha desse posicionamento, afirmando que
existia apenas um Direito que se aplicava às
relações entre cidades vizinhas, de língua comum,
mesma raça e religião. Não existiam leis comuns,
nem igualdade jurídica.

A antiga Grécia era composta de cidades-estados. Cada uma dela


tinha sua própria independência administrativa. Traziam consigo sua própria
soberania territorial. O relacionamento entre estas cidades-estados gregas
se dava através de acordos, que salvados as devidas proporções histórico-
evolutiva, se assemelhavam aos atuais tratados internacionais. Pode-se afirmar
que neste momento coincide com a fase “pré-histórica” do DI (CORREIA,
1998). O direito grego era baseado no jusnaturalismo e no consuetudium66, e
por estes motivos, os acordos entre as cidades-estados tratavam da adoção de
costumes, da relação colonial, de alianças, de proteção pacifica, associações
comerciais e marítimas, de tréguas e guerras. Um fato exemplificativo de
acordo internacional (entre cidades-estados gregas) encontra-se na assinatura
do Pacto denominado de “Paz de Nícia”, 415 a.c., que selou uma trégua bélica
entre Atenas e Esparta (CANFORA, 2015).
No Direito de Roma, o interesse maior residia na economia. O
estrangeiro era vendido como escravo e, como Roma não acordava com outros
povos, tratavam de honrar os usos, costumes e leis dos povos nativos. Observe,
comprovando o que foi exposto, que o julgamento de Jesus Cristo, foi todo ele
orientado pelas leis hebraicas. Os romanos sempre agiam de forma unilateral
quando ocupavam e dominavam determinado povo.
Roma dividia o tratamento jurídico que era dado aos homens. Jus
civile, conjunto normativo que regulava as relações entre cidadãos romanos. E,
Jus gentium, normas que seriam aplicadas exclusivamente a estrangeiros. Este
segundo ordenamento, com o decorrer dos tempos, passou a orientar o direito
comum a todos os homens, abarcando todas as suas relações sociais de forma
direta, aplicado, agora, não apenas aos estrangeiros, mas, também aos cidadãos
de Roma (DOLINGER, 2005, p.127). Mais adiante, com os bárbaros dominando
o Império Romano (476 d.c.), o jus gentium, perdeu espaço territorial, o que
permitiu naquela época que cada homem conservasse as instituições de seu
grupo, se seu povo, de seu clã. A partir daí, diante de alguma hostilidade,
prevaleceria a lei do mais forte (DOLINGER 2005, p.128).
Com a queda do Império Romano, vem a idade média, e no
sistema feudal o comércio e a indústria se desenvolvem, e junto com eles, a

  Usos e costumes da época.


66

279
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

navegação, os contratos, os financiamentos, as teorias humanistas. Grandes


cidades surgem, principalmente no território italiano (Milão, Pisa, Gênova etc),
concorrendo para o desabrochar de um novo conjunto de normas jurídicas;
agora, fundamentado nos costumes e tradições das cidades. Nasce um novo
período de inter-relacionamento mercantil. Portugal, Espanha, França, Holanda,
Inglaterra, grandes estados daquele momento, interagem-se de forma muito
atuante, conclamando também por um direito que suprisse a necessidade de
destes grandes empreendimento multiculturais e políticos – nasce aqui, neste
momento, um embrião que é hoje o DI, agora, baseado em teses de pensadores
humanistas, renascentistas e iluministas.
Pode-se perceber a necessidade de surgimento de regras de direito
entre estados nas lições de Bittar Filho (1992, p.387),

A mais notável contribuição da idade média foi


o desenvolvimento da concepção da unidade
do gênero humano, a partir da obra dos grandes
pensadores cristão da época: Santo Agostinho,
São Tomás de Aquino, os quais reiteraram a
mensagem deixada por Jesus Cristo, [...] ...pode-
se afirmar que o cristianismo foi embasamento
cultural do direito internacional, por pregar a
igualdade de todos e a fraternidade universal.

O declínio do feudalismo chegou – finda-se a idade média – inicia-se a


idade moderna, o mercantilismo passa a predominar. A tendência dos estados agora
é ultrapassar os mares, buscar novas terras e conquista-las; surge o colonialismo.
Paralelamente a esta tendência, a busca por acumular riquezas (entesouramento),
a proteção dos produtos internos através da imposição de “barreiras alfandegárias”
(protecionismo) e a buscar o superávit de suas balanças comerciais, foram
as políticas estatais marcantes. Em termos culturais, o renascimento foi a sua
demarcação temporal: Petrarca, Cervantes, Da Vinte, Michelângelo, são os arautos
deste movimento erudito. No campo religioso, a Reforma marcou aquele momento,
trazendo consigo uma profunda modificação social, economia e política da época; e
sua reação iminente – a Contra-reforma – não deixou para menos, no que tange às
suas repercussões (BITTAR FILHO, 1992).
Na sequência elucidativa de Bittar Filho (1992, p.388), denota-se
a maior contribuição da Idade Moderna ao DI,

Este Período teve grande importância, pois nele e


que surgiu o Direito Internacional Público como
disciplina autônoma, em virtude, mormente, das

280
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

obras de Francisco de Vitória (1486 – 1546),


Francisco Suarez (1548 – 1617) Alberico Gentili
(1551 – 1608) e Hugo Grócio (1583 – 1645).

Vale ressaltar a importância do jusfilósofo holandês Hugo Grócio,


que em seus estudos sobre os problemas do Estado em suas relações com outros
estados67, influenciou de forma muito direta o Congresso de Westphalia em 1648.

3. DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL

Direito ambiental internacional trata dos direitos e das obrigações


dos Estados e das organizações governamentais internacionais, bem como dos
indivíduos na defesa do meio ambiente. Em uma sociedade o direito interno e
sua ordem jurídica são sustentados pela autoridade superior O Estado.
No plano internacional, não há uma autoridade superior e central
em relação aos Estados, com a autoridade de tornar obrigatório o cumprimento
da ordem jurídica internacional e de cominar sanções caso esta não seja
cumprida. Não há um órgão  legislativo que faça valer a vontade da maioria.
Isso se justifica por cada Estado ter sua soberania, seu próprio ordenamento
jurídico. Os Estados não se subordinam a outro direito que não seja aquele que
eles reconheceram ou criaram.
No plano interno, as normas são hierarquizadas, sempre
subordinadas à  lei fundamental. Não há que se falar em hierarquia quando o
assunto é  inerente às normas internacionais. Cada Estado tem direito a não–
intervenção no seu sistema jurídico.
O sujeito, por excelência, do direito ambiental internacional,
continua a ser o Estado, mas as organizações internacionais e intergovernamentais
desempenham um papel cada vez mais importante na formulação e no seu
desenvolvimento, sobressaindo a atuação das Nações Unidas e das principais
organizações intergovernamentais, como o IMO, UNESCO, FAO e o PNUMA.
Independentemente de ser ou não um novo ramo do Direito,
preferimos adotar esta classificação para o presente trabalho, pois, o objeto
deste estudo tem seu marco inicial promovido através de uma organização
internacional.

3.1. SOCIEDADE INTERNACIONAL

A Sociedade Internacional, também denominada de Sociedade


Interestatal ou Sociedade de Estados, é conduzida pelas normas de DI e
67
  De Jure Belli ac Pacis (1625), obra-mestra de Hugo Grócio, onde de forma geral e sistêmica
leciona sobre Direito Internacional Público, tratando da reconhecença do conjunto de normas
pertinentes à Sociedade Internacional (comunidade global) (BITTAR FILHO, 1992)

281
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

empenha-se na combinação harmônica das normas internacionais e as normas e


requisitos de cada sociedade estatal.

[...] a sociedade internacional, ao contrário


do que sucede com as comunidades nacionais
organizadas sob a forma de Estados, é ainda
hoje descentralizada e o será provavelmente por
muito tempo adiante de nossa época. (REZEK,
2008, p.01).

A Sociedade Internacional é constituída de sujeitos internacionais


convivendo em constantes relações tratando de interesses comuns e
compartilhando objetivos recíprocos por via da cooperação harmônica,
paramentada em regulamentação exclusiva (GONÇALVES, 2014).
Entende-se por sujeitos internacionais: os Estados, os organismos
internacionais, os indivíduos e as organizações não-governamentais, bem como,
não se pode deixar de citar as empresas, das quais algumas delas tem destaque
internacional em seus empreendimento e atuações de magnitude internacional.
(GONÇALVES, 2014).

3.1.1. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

Etimologicamente, a palavra fonte é derivada do termo latino fons,


significando nascedouro, origem, lugar de onde promana água (CRETELLA
JR, 2000). Para estudar as fontes do DI dever-se-á partir da premissa do
juspositivismo. E em assim sendo, as fontes do DI podem ser materiais e formais.
As primeiras correspondem aos fatores econômicos, políticos, históricos e
sociais, que, de alguma forma, influencia, na criação de normas internacionais.
Tais fatos são considerados tão relevantes que a sociedade internacional clama
por sua juridicização.
Já as fontes formais correspondem aos atos estatais que tem por
finalidade regular comportamentos e fatos sociais, bem como, tratar os conflitos
que surgem da desobediência a estas regulamentações. As fontes formais do DI,
conforme o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça68, são:

68
  In literris:
Artigo 38 1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que
sejam submetidas, deverá aplicar; 2. as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares,
que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. o costume
internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. os princípios gerais
do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. as decisões judiciais e as doutrinas dos
publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação

282
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

a. Tratados – Convenções e acordos internacionais. São revestidos


de grande segurança jurídica, pois são frutos das vontades dos
tratadistas, além de serem escritos e cheios de formalidades.
b. Costume – “são atos reiterados dos Estados durante certo
período de tempo, versando sobre um mesmo assunto”
(GUTTIER, 2001, p.12).
c. Princípios Gerais do Direito – Regras de cunho altamente
genérico e abstrato que fundamentam as regras e relações
internacionais. Pacta sunt servanda, a boa-fé, o direito
adquirido, a coisa julgada, a autonomia da vontade, são
exemplos destes princípios.
d. A Jurisprudência (decisões de cortes internacionais) e a doutrina
(teorias e trabalhos de grandes arautos de direito internacional).

Vale a pena salientar, que o elenco normativo do respectivo estatuto


não é exaustivo, podendo, diante de lacunas normativas, buscar-se a solução
do litígio internacional em outros institutos jurídicos, tais como: a equidade,
os atos unilaterais de vontade e pareceres de órgãos internacionais (decisões,
diretrizes, decretos, resoluções, recomendações etc).

3.1.2. DIREITO INTERNACIONAL E OS DESAFIOS DA ATUALIDADE

Como se pode observar, existe uma nova concepção de


Sociedade Internacional conquistada através da própria evolução histórica da
humanidade. O próprio objeto do DI deve ser adaptado às novas demandas
interestatais e aos denominados direitos universais da pessoa humana. Novos
fatores surgem, e os antigos devem ser redimensionados para, somente assim,
serem considerados, compreendidos e inseridos como novos fatores do grande
e complexo sistema internacional.
Os momentos que sucederam as grandes guerras proporcionaram
o surgimento desta nova concepção de sociedade internacional e do próprio
DI, tornando-os mais heterogêneos. Estados tornaram-se independentes de
suas colônias, Organismos Internacionais surgem, o conceito tradicional
de soberania estatal sofre nova hermenêutica, os valores defendidos pelos
Direito Humanos ganham universalidade; o mesmo acontece com os preceitos
democráticos; quer dizer, novos indivíduos, novos conceitos, novas instituições
e praticas internacionais emergem, clamando pela suas inserções na sociedade
internacional, transformando-a também em uma nova sociedade global.

das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59. 6. A presente disposição não restringe
a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.

283
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

A internacionalização crescente do nosso


cotidiano, bem como a crescente interdependência
e indeterminação entre os países, conduziu a novos
padrões e relações internacionais, tanto na esfera
privada quanto na comercial, apresentando um
desafio sem precedentes ao direito Internacional
Privado (RIBEIRO, 2003, p. 19).

Estes eventos acima expostos corroboram em revelar as


indeterminações e os desafios atuais e do porvir do DI e das relações
internacionais, pois retratam um momento real, dinâmico e cheio de
contradições, evidenciando fragilidades dos acordos e dos corpos normativos
internacionais. Pode-se citar alguns desses desafios, tais como: Crescimento
dos fundos soberanos de riqueza, sistema multilateral de comércio, Proteção
dos direitos Humanos, tutela dos direito difusos e coletivos etc.
Nos dias atuais, não há dúvidas de que somente através de uma
concepção integradora dos direito humanos em abrangência com outros direitos
sociais (econômicos, políticos, culturais, civis etc) se logrará êxito no seu
incremento e proteção. Eis um dos maiores desafios do DI na atualidade, a
implementação de uma visão integradora dos Direitos Humanos na busca de
uma sociedade internacional mais justa. Para tal, necessário se faz uma equipe
orgânica que estabeleça um monitoramento constante e continuo da situação
dos diretos humanos em toda a parte do mundo69.
O que importa salientar é que a sociedade internacional de hoje
caracteriza-se por sua pluralidade de interesses e membros, acabando por
reproduzir uma complicada rede de relações sociais, econômicas, políticas e
jurídicas. Os desafios do DI atual configura-se responder de forma imediata e
eficiente ao clamor destas relações70.

4. REFUGIADOS AMBIENTAIS

4.1. HISTÓRICO

A construção da definição do termo refugiado esta ligado a


contextos internacionais históricos. De acordo com a Organização das Nações
69
  BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco. Jornadas de Direito
Internacional Público no Itamaraty – Desafios do Direito Internacional Contemporâneo – Brasília,
7 a 9 de novembro de 2005, Organizador Antonio Paulo Cchapuz de Medeiros. Fundação Alexandre
de Gusmão. Brasília, 2005. P.289-290.
70
XAVIER Jr, Ely Caetano, BRANDÂO, Clarissa. DESAFIOS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS:
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIAS NO DIREITO INTERNACIONAL, São Paulo: Revista
Direito GV 5(2), 2009, p. 425-442. P.425.

284
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Unidas ONU, até 2050 serão mais de 250 mil refugiados ambientais, número
assustador que ultrapassa os conflitos armados e as perseguições por motivo de
raça, religião ou política.
Com as alterações climáticas globais, mais especialmente a
elevação da temperatura da terra, são resultados do aquecimento global, com
isso, a partir da década de 1970 no século XX, é que foi tomada consciência
sobre a situação causal entre as atividades industriais emissoras de gases de
efeito estufa, o desmatamento e as mudanças climáticas, produzindo no
tempo e no espaço as alterações climáticas, uma das principais causas para o
descongelamento das geleiras, inundações, fenômenos como secas, aumento do
nível dos oceanos, dentre outros impactos, e desastre naturais.
Observa-se que com o aumento da industrialização a emissão
de gases poluentes, o que preocupa grande parte da população mundial é a
ocorrência de desastres ecológicos (IPCC, 2008).
O homem é o principal responsável por essas mudanças e alterações,
por sua busca pela maior produção de bens de consumo, a busca pela tecnologia,
a busca por maior lucratividade, faz com que muitos países explorem de forma
desordenada os recursos naturais, e com a alta industrialização emitem gases
poluentes o que coloca o planeta em risco com as alterações climáticas.
Visando proteger e garantir a sobrevivência do homem na terra,
ao longo dos anos, medidas através de tratados, acordos internacionais, criando
obrigações e punindo os que não seguem as leias ambientais pagar através de
multas, ou vedar essas empresas a participarem de licitações com empresas
publicas, com isso obrigando as industrias a tomar medidas de sustentabilidade
e cuidados com meio ambiente com políticas de melhoraria interna.
O presente trabalho busca demonstrar uma nova difusão do conceito
de refugiado, em face de uma nova realidade sócio-econômica-ambiental e as
mudanças drásticas climáticas. Surge então um novo conceito no âmbito dos
direitos humanos os refugiados ambientais. Em que pese o esforço do direito
internacional em ampliar esta nova conotação, é imprescindível reconhecer
o direito do refugiado ambiental a fim de preencher esta lacuna jurídica para
trabalharmos os possíveis danos que as mudanças climáticas poderão trazer a
estas pessoas desamparadas pelo ordenamento jurídico internacional.
Há opiniões divergentes quanto à classificação desses refugiados e
mesmo uma discussão sobre sua existência no cenário internacional. Há os que
defendem a categoria de refugiados ambientais que se dividem entre aqueles
que incluem como refugiados ambientais todos que se deslocam por motivos
ambientais (BATES, 2002; ADAMO, 2001). Por outro lado estão aqueles que
procuram delimitar a categoria de refugiados ambientais apenas àquelas pessoas
que se deslocam em função da nova configuração de mudanças ambientais no
planeta Salehyan (2005) e Myers (2001). Os críticos dessa categoria se utilizam

285
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

justamente da indecisão sobre a uma definição oficial de refugiado ambiental


para dizer que essa categoria como tal é desnecessária já que migrantes internos
ou internacionais motivados pelo ambiente sempre existiram.
O conceito de refugiados ambientais vem sendo construído ao
longo dos anos com os acontecimentos que visivelmente chama a atenção do
homem para o que está acontecendo com a natureza e o meio ambiente, os
estragos são notáveis ao passar dos anos e isso só tem piorado e quase nada
foi feito para mudar esse cenário e na medida em que este assunto ganha
importância na mídia, pois a questão dos refugiados é uma realidade social e
precisa ser inserida no contexto internacional, sendo necessária sua inclusão
na previsão legal.
Ante a essa nova realidade mundial faz-se necessário a elaboração
de novas políticas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, bem
como, políticas de proteção ao pessoa do refugiado, visto que países inteiros
desaparecerão do mapa e milhões de pessoas ganharão o status de refugiados.
O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)
define refugiado ambiental como pessoas que foram obrigadas a abandonar
temporária ou definitivamente a zona tradicional onde vivem, devido ao visível
declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua
existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas
pessoas entra em perigo. (Environmental Refugees, PNUMA, 1985, tradução).
Por declínio do ambiente se quer dizer, o surgir de uma transformação,
tanto no campo físico, químico e/ou biológico do ecossistema que, por
conseguinte, fará com que esse meio ambiente temporário ou permanentemente
não possa ser utilizado. (Environmental Refugees, PNUMA, 1985, tradução).
Refugiados ambientais não são conhecidos e, por conseguinte,
também não são reconhecidos pelo o grande público. A razão disso é que
as causas do declínio do meio ambiente são diversas e, como tal, a duração
da fuga e, por conseguinte, a necessidade da buscar outro ambiente. Além
disso, as causas e consequências de uma calamidade ambiental diferem
bastante no tempo e no espaço.
Como fato gerador de refugiados ambientais destaca-se o
deslocamento forçado da população causada por questões ambientais bem como,
o deslocamento voluntário, mas devido a crescente e contínua degradação do
seu habitat original. Há as causas originárias de projetos de desenvolvimento
que obrigam os indivíduos a se reestabelecerem dentro de uma mesma região
(e nesses casos há uma grande dificuldade de se reconhecer quantos refugiados
internos são formados neste processo).
Assim, originam-se três categorias de refugiados ambientais, que
são assim compreendidos:
a) Aqueles que têm se deslocados temporariamente devido a

286
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

pressões ambientais, tais como um abalo sísmico, um ciclone (ou furação), ou


uma tempestade que causa alagamentos – e que após passada, provavelmente
os habitantes da região irão regressar a seu habitat natural;
b) Aqueles que se deslocaram permanentemente devido a mudanças
definitivas do seu habitat, tais como represas ou lagos artificiais;
c) Aqueles que se deslocam permanentemente em busca de melhor
qualidade de vida, posto que seu habitat natural encontra-se incapaz de provê-
los em suas necessidades mínimas devido a degradações progressivas dos seus
recursos naturais básicos.
Outros fatores que são reconhecidos como causas da migração devida
a questões ambientais são: desertificação, destruição das florestas, desaparecimento
de rios e lagos, mudanças de nível do mar, degradação terrestre e a degradação das
águas e do ar, aquecimento global. Cabe acrescentar, que há refugiados por conta
de reassentamentos involuntários, provocados ou por acidentes industriais, ou por
conflitos bélicos, ou por mudanças climáticas drásticas.
Não obstante, o mesmo tipo de tratamento, de discriminação
desonrosa e preconceituosa é dado aos refugiados ambientais por não terem seu
status reconhecido por falta de instrumentos que garantam e viabilizem o tratamento
adequado para que sejam aceitos como migrantes que deixaram seu país não
apenas por mera deliberalidade ou simples conveniência, mas por serem vitimas
de catástrofes naturais onde todos Estados tem uma parcela de culpa. Os problemas
causados pela crise ambiental impossibilitam muitas pessoas de exercer os muitos
dos seus direitos humanos fundamentais como o direito de moradia, locomoção,
entre outros expressos na Declaração Universal de Direitos humanos.
Conclui-se, portanto, que o conceito de refugiado ambiental, aos
olhos do Direito Internacional e de Organizações de proteção a pessoa humana
e também ao meio ambiente não despreza os fatores socioeconômicos e nem
mesmo os políticos. Um exemplo dessa visão pode ser encontrado nos relatórios
sobre refugiados climáticos elaborados recentemente pela ONG Amigos da
Terra, quando diz que para determinar as nações mais suscetíveis de observar
o deslocamento forçado de seus cidadãos deve ser feito um estudo que englobe
vulnerabilidades geográficas às mudanças climáticas, bem como das estruturas
econômicas e políticas.

“as forças limitantes que invadiram a consciência


pública através dos meios de comunicação como
a espiral armamentista, a difusão incontrolada de
armas nucleares, o empobrecimento estrutural
dos países em desenvolvimento, o desemprego
e os desequilíbrios sociais crescentes nos países

287
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

desenvolvidos, problemas com o meio ambiente


sobrecarregado e a alta tecnologia operada às raias
da catástrofe dão os sinais desta perplexidade”
(HABERMAS,1987:104).

Por fim, há autores que compreendem o surgimento dos “refugiados


ambientais” como consequências de pressões ambientais originadas por
causas exclusivamente naturais; ou por causas antropológicas. Neste último
caso, derivadas da atividade propriamente humana, baseada no crescimento
desmesurado, que origina um grande impacto ambiental; e, também da situação
de pobreza que atinge grande contingente das populações como consequência
do aumento demográfico e da escassez dos recursos naturais.

CONCLUSÃO

Responsabilidade social e meio ambiente caminhão juntos lado


a lado em função de um único objetivo: proteger cuidar e renovar ações que
protejam e renovem constantemente e urgentemente a conscientização social
para proteção e preservação do meio ambiente para um mundo melhor com as
nossas atitudes e ações.
Nos dias atuais o maior problema é a situação das pessoas que
vêm sendo expulsas de seus territórios pela elevação dos mares. Ambientalistas
afirmam que existem sérias possibilidades de muitas ilhas desaparecerem.
Exemplos disso são as ilhas do Pacífico, Tuvalu, e as Ilhas Maldivas, localizada
no Oceano Índico, consideradas geograficamente como nação com a costa
mais próxima ao nível do mar. A ONU estima que se as alterações climáticas
ocasionadas pelo aquecimento global continuarem em ritmo acelerado
como estão, poderão culminar no desaparecimento desses arquipélagos e
consequentemente gerarão número ainda maior de desabrigados, ou seja,
aumentará ainda mais o número de refugiados ambientais.
Fazer algo pelo planeta em que vivemos não é somente uma
obrigação imposta pelo Estado, e sim um dever de todos, cuidar do que nos
garante deixar para as próximas gerações um planeta mais limpo e mais puro,
com o homem trabalhando em favor da natureza, para protegê-la, preserva-la,
cuidar e reflorestar.
Em meio a tantos assuntos voltados ao meio ambiente surge, então,
um assunto pouco falado: os refugiados ambientais, inocentes silenciosos dos
desastres ambientais. em uma visão ampla é tratado refugiado todo aquele que
pede socorro e precisa de ajuda para sua sobrevivência e continuação da sua

288
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

espécie no planeta terra, não estamos falando apenas do ser humano, estamos
falando de toda vida em que o planeta terra com sua imensidão abriga.
As florestas, a agua e o ar pedem socorro, a natureza esta
reagindo as agressões do homem, está respondendo de forma visível que
ela precisa e ajuda e que o homem seja mais gentil ao trata-la. Declaração
do Rio: A terra é o lar da humanidade, constituindo um todo marcado pela
interdependência. Portanto, devemos protegê-la e guardá-la, para a própria
sobrevivência da espécie humana.

289
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

ABNT, Sistemas de gestão ambiental NBR ISO 14001. Rio de Janeiro, 1996.
Disponível em: www.abnt.org.br/default.asp?resolucao=1280x800. Acesso em:
28 Fev. 2015.

ARINI, Juliana. Estatuto dos Refugiados. In: Alto comissariado das nações
unidas para os refugiados (ACNUR). REVISTA ÉPOCA, ed. 463, Abril de
2008.

CALLENBACH, Ernest.et.al. Gerenciamento ecológico. São Paulo: Cultrix,


1999.

JÖHR, H. O verde é negócio. São Paulo: Saraiva, 1994.

LAYRARGUES, P. P. Sistema de gerenciamento ambiental, tecnologia


limpa e consumidor verde: a delicada relação empresa-meio ambiente no eco
capitalismo. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, 2000.

OTTMAN, J. Marketing verde. São Paulo: Makron Books, 1994.

PORTER, Michael E.; LINDE, Claas van der. Competição. São Paulo: Atlas,
1998.

REVISTA INTERNACIONAL DIREITO E CIDADANIA. Disponível em:


www.reid.org.br/cont=00000177. Acesso em: 07 de mar. de 2015.
TRINDADE, Antonio A. C. Tratado de direito internacional dos direitos
humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

__________ . O direito internacional em um mundo em transformação:


ensaios. 1976-2001. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

290
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DA SECRETARIA


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS/AM

ENVIRONMENTAL EDUCATION: THE EDUCATIONAL ACTIONS OF


THE MANAUS / AM CITY DEPARTMENT OF EDUCATION

Bárbara Dias Cabral


Mestranda em Direito Ambiental no Programa de Pós-graduação em Direito
Ambiental – PPGDA da Universidade do Estado do Amazonas. Advogada,
membro da Comissão “OAB vai à Escola” da Ordem dos Advogados do
Brasil, Seccional do Estado do Amazonas e servidora pública da Secretaria
Municipal de Educação – Manaus/AM. E-mail: advbcabral@gmail.com.

Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho


Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA da
Universidade do Estado do Amazonas – UEA e do Centro Universitário do
Norte-UNINORTE. E-mail: erivaldofilho@hotmail.com

Resumo: O artigo foi concebido e desenvolvido com o objetivo de apresentar


as ações que corroborem a educação ambiental na Secretaria Municipal de
Educação de Manaus/AM (SEMED), com o intuito de viabilizar a construção
de conhecimentos que contemplem a formação de uma consciência ecológica,
baseada em valores éticos, atitudes e comportamentos nos níveis individual
e coletivo, focados na melhoria da qualidade de vida da sociedade em que
estão docentes e discentes inseridos. O estudo enunciado requereu uma
metodologia fundamentalmente dedutiva, fulcrada em pesquisa doutrinária
e legislativa relativa à temática, além da base documental. Demonstra-se
a importância de se traçar uma verdadeira ação pedagógica a educação
ambiental, devendo esta vincular-se a uma educação interdisciplinar,
pautada em projetos, desde as primeiras séries do ensino fundamental, com
educadores capacitados para este objetivo, que é a formação de cidadãos
para a criação de uma “sociedade sustentável”.
Palavras-Chave: Educação ambiental; Agenda Ambiental Escolar; Sociedade
sustentável.

Abstract: This article is designed and developed to order to present the


actions in support of environmental education in Municipal Education of
Manaus / AM (SEMED), to enable the construction of knowledge that include
the formation of an ecological conscience, founded in ethical values, attitudes
and behavior at the individual and collective levels, focused on improving the

291
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

quality of life in society who are teachers and students entered. The study stated
required a fundamentally deductive methodology, founded in doctrinal and
legislative research on the subject, beyond the documental base. It demonstrates
the importance of drawing a real pedagogical action environmental education,
which shall be bound by an interdisciplinary education, based on projects, from
the first years of primary school, with teachers trained for this purpose, which is
the formation of citizens for the creation of a «sustainable society».
Keywords: Environmental education; Educational Environmental Agenda;
Sustainable society.

INTRODUÇÃO

O artigo tem como objetivo apresentar e tecer observações acerca


do desenvolvimento da educação ambiental (EA) nas escolas públicas de ensino
fundamental no município de Manaus, Estado do Amazonas.
Este tema é justificável, uma vez que o ambiente escolar consiste
em um espaço distinto para o desenvolvimento da educação ambiental,
possibilitando a realização de um trabalho sistematizado e planejado. Neste
contexto, a EA no ensino fundamental deve favorecer a construção de
conhecimentos que contemplem a formação de uma consciência ecológica,
baseados em valores éticos, atitudes e comportamentos nos níveis individual e
coletivo, focados na melhoria da qualidade de vida.
Nesta conjuntura, o objetivo basilar da apresentação é o de
responder aos seguintes questionamentos: educação ambiental é realmente
necessária no currículo escolar? Qual embasamento legal adotado em tais
políticas? Quais programas acerca da educação ambiental escolar estão
em execução?
O estudo enunciado requer uma metodologia fundamentalmente
dedutiva, fulcrada em pesquisa doutrinária e legislativa relativa à temática, bem
como a utilização de documentos sobre o tema posto. A interdisciplinaridade
é nítida nas linhas deste artigo, à medida em que se discute o pensamento de
alguns educadores. Porém, recorrer-se-á maciçamente a autores da área jurídica
que focam o Direito público, em especial a questão dos direitos sociais e do
regime jurídico educacional vigente.
Ab initio, para transportar o leitor imerso no mundo técnico-
jurídico para o âmbito da educação, far-se-á uma exposição da legislação, de
conceitos educacionais, dos projetos desenvolvidos e sua aplicabilidade no
ambiente escolar e comunitário.
Assim, demonstraremos a importância de desenvolver nos
discentes da SEMED/Manaus uma compreensão integrada do meio ambiente

292
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos psicológicos,


legais, sociais e econômicos. É preciso gerar na administração municipal a
consciência quanto à necessidade de se implementar uma gestão sustentável,
bem como incentivar a participação individual e coletiva constante e responsável
na preservação do equilíbrio, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental
como um valor inseparável do exercício da cidadania.

1. LEGISLAÇÃO, PROJETOS E APLICABILIDADES

A Educação é um direito de natureza social e tem por fundamento


a afirmação da igualdade, em contraposição aos direitos de primeira geração,
fundados na liberdade individual, além de ser um direito de todo o brasileiro
e um processo de vários atores, conforme reza a Constituição Federal, em seu
artigo 205, in verbis:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do


Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (BRASIL, 2015).

A trajetória da presença da educação ambiental na legislação


brasileira apresenta uma tendência em comum, que é a necessidade de
universalização dessa prática educativa por toda a sociedade. Já aparecia
em 1973, com o Decreto nº 73.030, que criou a Secretaria Especial do Meio
Ambiente explicitando, entre suas atribuições, a promoção do “esclarecimento
e educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo
em vista a conservação do meio ambiente” (BRASIL, 2014).
Entre a legislação supralegal pertinentes pode-se citar a Agenda 21,
fruto da Conferência Rio - 92, da qual surgiram duas importantes contribuições
para o aprimoramento da educação ambiental: o seu Capítulo 36 dedicado
especialmente à educação ambiental, e o Tratado de educação ambiental
para sociedades sustentáveis e responsabilidade global, com enfoques na
sustentabilidade equitativa e o aumento da consciência pública.
Em 1994, foi criado o Programa Nacional de Educação Ambiental
(ProNEA) pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA). Em 1998, o MEC expressa nos Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCNs à proposta de que o meio ambiente seja trabalhado como
tema transversal no ensino formal. De acordo com os mesmos este tema deve ser

293
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

trabalhado durante todos os ciclos do ensino fundamental e médio, permeando


todas as disciplinas e tendo a mesma importância dos conteúdos tradicionais
(BRASIL, 2015c).
Finalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) tiveram a iniciativa de implementar a “Década da Educação para
o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014)”, cuja instituição representou um
marco para a educação ambiental, pois reconheceu seu papel no enfrentamento
da problemática socioambiental à medida que reforçou mundialmente a
sustentabilidade a partir da educação.
          A Educação, é o alicerce do estado democrático de direito,
é um direito público subjetivo do cidadão, por intermédio do qual ele assume a
plenitude de sua dignidade e da cidadania, figurando no rol dos direitos humanos,
reconhecidos pela comunidade internacional. No presente século, a educação
não é mais concebida como um produto, mas um processo que se desenvolve
em vários espaços, não se limitando apenas ao ambiente de ensino. Conforme o
artigo 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB):

Art. 1º.  A educação abrange os processos formativos


que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações
da sociedade civil e nas manifestações culturais
(BRASIL, 2014).

O inciso VI do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal


estabelece ser incumbência do poder público “promover a educação ambiental
em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente” (BRASIL, 2015).
A Lei nº. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio
Ambiente, trouxe em seu bojo, notadamente no art. 2º, X, a “educação
ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”
(BRASIL, 2015a).
No mesmo sentido, o artigo 1º da Lei n.º 9.795/99, define educação
ambiental como “o conjunto de processos por meio dos quais o indivíduo e a
coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes
e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso
comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”
(BRASIL, 2015b).

294
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Na legislação educacional, ainda é superficial a menção que se


faz à educação ambiental. Na Lei nº 9.394/96, que organiza a estruturação dos
serviços educacionais e estabelece competências, existem poucas menções à
questão ambiental; a referência é feita no artigo 32, inciso II, segundo o qual se
exige, para o ensino fundamental, a “compreensão ambiental natural e social do
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta
a sociedade”; e no artigo 36, § 1º, segundo o qual os currículos do ensino
fundamental e médio “devem abranger, obrigatoriamente (...) o conhecimento
do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do
Brasil” (BRASIL, 2014).
O Capítulo IX e do inciso III do art. 404 da Lei Orgânica do
Município de Manaus (MANAUS, 2015), além do Código Ambiental do
município de Manaus (Lei nº 605, de 24 de julho de 2001) tratam da Educação
Ambiental como instrumento da Política Municipal de Meio Ambiente
(MANAUS, 2015a).
O Decreto nº 32.555, de 29 de junho de 2012, que regulamenta
a política estadual de educação ambiental do Amazonas, o mesmo trouxe
avanços importantes dentre estes podemos citar a criação do Comitê Assessor
Multidisciplinar para apoiar a política estadual de educação ambiental
(AMAZONAS, 2015).
Tal comitê é formado por 16 Instituições parceiras, cujo foco é o
estabelecimento do prazo de um ano para a elaboração do Programa Estadual de
Educação Ambiental e a obrigatoriedade para os poderes executivos do Estado
e dos Municípios de criarem coordenações multidisciplinares de educação
ambiental nas secretarias de educação e de meio ambiente, com o fim de
fortalecer a implantação de políticas e programas nacional, estadual e municipal
neste segmento.
A educação ambiental é meio hábil para conscientização quanto
à necessidade de se ter um meio ambiente equilibrado no âmbito da Secretaria
Municipal de Educação de Manaus. Pela observação, pode-se concluir que
há esparsa legislação acerca da temática, embora a educação ambiental seja
preocupação recente dos governos e sociedades.
Para Dias (2006, p. 26) “a educação ambiental tem como finalidade
promover a compreensão da existência e da importância da interdependência
econômica, política, social e ecológica da sociedade”, uma vez que esses
elementos estão interligados, não havendo a possibilidade de se tratar assuntos
ligados à temática ambiental, sem envolver os demais.
Assim, o propósito de tais programas é promover a construção do
conhecimento a partir da realidade local, visualizando sua complexidade num
sentido de identificar suas necessidades de modo coletivo/participativo para

295
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

viabilizar as possibilidades de transformação que resultem em novas formas de


relação entre a sociedade e desta com a natureza.
Podemos destacar a Agenda Ambiental Escolar (AAE), que é um
instrumento de planejamento participativo e democrático para identificar os
problemas ambientais, ao mesmo tempo em que prioriza as potencialidades
visando o desenvolvimento sustentável da comunidade onde a escola está
inserida. Ela fortalece o trabalho participativo, estimula a aproximação escola/
comunidade, além de fortalecer a relação homem/natureza e identificar novas
parcerias que interfiram de forma positiva neste processo de construção coletiva
de melhorias locais e globais.
Segundo Marrul Filho (2002), no afã de sermos “modernos” não
podemos sair construindo agendas pelo simples fato de que sua construção
significa o ingresso na “contemporaneidade” e, com isso, simplificar
entendimentos de realidades, e consequentemente, comprometendo nosso
futuro com soluções que não constroem uma outra sociedade.
A Agenda Ambiental Escolar, também, consiste em um plano de
desenvolvimento e manejo ambiental para identificar os problemas, propondo
ações com objetivo de solucionar e reduzir os impactos negativos, decorrentes
de sua interação com o meio ambiente na realidade local, priorizando as
potencialidades do ser humano em busca do desenvolvimento sustentável.
Para o processo de sensibilização na construção da Agenda, é
fundamental a motivação e o envolvimento de toda a comunidade (direção,
pais, responsáveis, parceiros, instituições, etc.) na tomada de decisão quanto à
implementação deste instrumento. Inclusive é recomendado pelo Órgão Gestor
Nacional – ProNEA (Programa Nacional de Educação Ambiental) a criação de
uma comissão interinstitucional da agenda ambiental.
Após a criação da comissão a mesma elabora um diagnóstico para
identificar os problemas ou potencialidades mediante a sistematização dos
dados, e o passo seguinte é elaborar um plano de ações que possibilite avançar
na construção de propostas participativa/coletiva. É fundamental um plano de
acompanhamento e avaliação das agendas, além da revisão anual, através de
vários instrumentos (observações, entrevistas, relatórios, formações e outros).
A SEMED, por meio da Agenda Ambiental Escolar, lança o desafio
para o planejamento participativo no âmbito da educação ambiental formal, não
formal e informal em consonância com o Projeto Político Pedagógico Escolar
(PPPE), em parceria com instituições públicas, privadas, sociedade civil
organizada e outros segmentos, vislumbrando a melhoria da qualidade de vida
a partir da comunidade local com amplitude regional e nacional.
O Projeto “Nosso Espaço Verde”, outro exemplo de ação
pedagógica,  tem como objetivo propiciar o conhecimento e a sensibilização
da preservação ambiental local, através da apresentação aos alunos da rede

296
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

municipal de ensino dos espaços verdes presentes na cidade de Manaus.


É realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Sustentabilidade - SEMMAS, anualmente, de março a dezembro, tendo como
público-alvo alunos de 5º ao 9º ano.
Já o “Projeto Circuito da Ciência” é fruto de uma parceria entre o
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA e a SEMED tendo como
objetivo proporcionar atividades científicas e sociais mensais que possibilitem
ao público participante, por meio de um maior contato com a ciência oportuniza
a descoberta, a reflexão e a sensibilização do papel da educação acerca das
questões ambientais, popularizando a ciência em prol da inclusão social. É
voltado aos alunos de 4º ao 9º ano.
Outra ação de importância é o “Projeto Adote a Vida”, que
proporciona a reflexão acerca da temática ambiental através da implantação
da arborização nas escolas e nas comunidades adjacentes a estas. Alunos de
todas as séries do ensino fundamental dão andamento ao referido Projeto,
alimentando um diário de acompanhamento de cada muda que a escola adotar. 
O programa “Asa Limpa”, em parceria com a INFRAERO tem
como alvo alunos 1º ao 9º ano. O enfoque é a prevenção ao perigo da fauna na
área de segurança aeroportuária de Manaus. Tem como intuito beneficiar esta
Secretaria Municipal de Educação por meio de estudantes do ensino fundamental
com a adoção de medidas que visam à melhoria do nível educacional e de vida
das populações que habitam o entorno do aeroporto.
Em parceria com a SEMMAS e INPA, a SEMED realiza práticas
educativas de monitoramento de carbono em áreas demonstrativas, objetivando
a difusão do papel da biomassa florestal na neutralização do carbono nas
escolas públicas a partir do ensino fundamental com vistas à apropriação da
responsabilidade social nas mudanças ambientais globais.
Já o projeto “Minha Escola é Tudo de Bom” parte do pressuposto de
que a escola é o local ideal para uma prática de valorização e defesa do patrimônio
por oferecer todas as condições ideais para uma atitude que será sempre satisfatória
para um processo de defesa dos bens ambientais, dos ambientes de cultura e dos
espaços escolares. Esse processo de conhecimento gerado na escola é de grande
importância para promover atitudes que levem em conta uma melhor relação dos
cidadãos com o patrimônio público escolar, que faz parte de sua vida e que é
financiado por este cidadão através dos seus tributos.
Por fim, temos as “Ocas do Conhecimento Ambiental” que
são espaços não formais de EA. Tem como finalidade desenvolver ações
socioeducativas e visam articular a educação formal e não formal com o apoio
e fortalecimento da educação ambiental, disponibilizado ao público escolar e
comunidades em geral, palestras acerca do pensar e do agir ambiental, por meio
da Prefeitura de Manaus.

297
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Por ser um caminho onde é preciso abrir ainda muitas trilhas, a


“Educação Ambiental apresenta-se como um campo novo e multidi­mensional
ainda insuficientemente explorado em sua complexidade, diversidade, em sua
(s) identidade (s) e alcance social” (LIMA, 2005, p. 11).
É preciso identificar carências e pontos a melhorar, pois “O
diagnóstico crítico das questões ambientais e a auto compreensão do lugar
ocupado pelo sujeito nessas relações, são o ponto de partida para o exercício de
uma cidadania ambiental” (CARVALHO, 2011).

CONCLUSÃO

Desenvolver-se plenamente significa dar vida à integralidade


pessoal. A oferta fragmentada da educação limita a faculdade humana
não desenvolvida. A arte de produzir conhecimentos, na perspectiva da
sustentabilidade e da educação am­biental, está condicionada aos impactos e
alternativas que possibilitem a construção de uma sociedade democrática, justa
e ecologicamente sustentável.
Educação é também “apreensão”, ou seja, analisar, criticar e ser
capaz de propor mudanças. Para tanto, é necessário fomentar a sociedade
para que seja composta por pessoas de grau de escolaridade elevado e mais
participativa. A educação popularizada tem trazido significativos avanços na
autonomia, liberdade e consciência das decisões.
A lei reafirma o direito à educação ambiental a todo cidadão
brasileiro comprometendo os sistemas de ensino a provê-lo no âmbito do
ensino formal. Em outras palavras, podemos afirmar que todo aluno na escola
brasileira tem garantido esse direito, durante sua escolaridade.
A Política Nacional de Educação Ambiental traça orientações
políticas e pedagógicas para a educação ambiental e traz conceitos,
princípios e objetivos que podem ser ferramentas educadoras para a
comunidade escolar. Mas a lei, por si mesma, não produz adesão e
eficácia. Somente quando se compreende a importância do que ela
tutela ou disciplina, captando seu sentido educativo, é que ela pode ser
transformadora de valores, atitudes e das relações sociais.
O Direito não é uma simples ideia, é uma força viva, ou seja,
o mecanismo externo da lei não é suficiente; ela deve se transformar em
energia viva, sendo invocada, debatida e complementada não apenas para o
aperfeiçoamento da sua “letra”, mas para a reafirmação e propagação de seus
valores e a concretização de sua missão. Portanto, não basta haver consenso
sobre a importância da educação ambiental na SEMED/MANAUS é preciso
efetivá-las através de ações pedagógicas.

298
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

REFERÊNCIAS

AMAZONAS. Decreto nº 32.555, de 29 de junho de 2012, regulamenta a


política estadual de Educação Ambiental do Amazonas. Disponível em:
www.ipaam.br/legislacao.html. Acesso em: 13 jan. 2015

BRASIL. Constituição da República Federativa do. São Paulo: Saraiva,


2015.

______. Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional


do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l6938.htm. Acesso em: 13 jan. 2015 (a).

______. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação


ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras
providências. Acesso em 13 jan. 2015 (b).

______. Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de


Educação e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 13 de jan. 2015 (c).

______. Legislação educacional. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARVALHO, ISABEL CRISTINA. Em direção ao mundo da vida:


interdisciplinaridade e educação ambiental. Brasília: IPÊ, 2011.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação e gestão ambiental. São Paulo: Gaia, 2006.

LIMA, Gustavo Ferreira. Formação e dinâmica do campo da educação


ambiental no Brasil: emergência, identidades, desafios. 2005. 207f. Tese
(Doutorado em Ciências sociais) - Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2005.

MANAUS. Lei Orgânica do Município de Manaus. Disponível em:


https://www.leismunicipais.com.br/lei-organica-manaus-am. Acesso em:
13 de jan. 2015.

_______. Lei nº 605, de 24 de julho de 2001. Institui o Código Ambiental


do Município de Manaus e dá outras providências. Disponível em: http://

299
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

cmmanaus.jusbrasil.com.br/legislacao/232159/lei-605-01. Acesso em: 13 de


jan. 2015 (a).

MARRUL FILHO, Simão. Do desenvolvimento para além do desenvolvimento


sustentável. In: QUINTAS, José da Silva (Org.). Pensando e praticando a
educação ambiental na gestão do meio ambiente. Brasília: IBAMA, 2002.

300

Você também pode gostar