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EVANGELICALISMO E PÓS-MODERNISMO

O termo pós-modernismo" alcançou importância própria na metade da


década de 1970. Embora tivesse sido usado antes, ganhou cada vez mais
aceitação e credibilidade dessa época em diante, especialmente com a
publicação do livro La conditionpostmoderne, de Jean-François Lyotard, em
francês, em 1979, e em inglês, cinco anos depois. O termo já ganhou ampla
aceitação, mesmo havendo debate continuado sobre o que ele significa
precisamente, e pode-se dizer que oferece correta avaliação do tom cultural
contemporâneo. No presente capítulo, nosso interesse está em explorar os
contornos desse movimento do pós-modernismo, e avaliar as implicações
para o evangelicalismo nesse contexto. Começamos explorando o
Iluminismo, para o qual o pós-modernismo pode ser visto como uma reação.

Definindo o Iluminismo
Em algum ponto por volta de 1750, uma mudança importante começou a
ocorrer na Europa ocidental e na América do Norte. O período em questão é
conhecido como "Iluminismo", destinado a causar grande impacto sobre o
cristianismo naquelas regules. 366 A característica primária do movimento
pode ser encontrada em sua declaração da onicompetência da razão humana.
A razão, argumentava-se, era capaz de revelar tudo o que precisamos saber
sobre Deus e moralidade. A idéia de alguma espécie de revelação
sobrenatural era descartada, por ser julgada sem importância, irrelevante.
Jesus Cristo era apenas um de muitos mestres religiosos, que nos contou
coisas que qualquer um com certo grau de senso comum, de alguma forma
nos teria contado. A razão reinava suprema.
A ascensão do movimento que é agora geralmente conhecida como
pósmodernismo' através do mundo ocidental é um resultado direto do
colapso dessa confiança na razão, e uma desilusão mais geral com o
assim-chamado mundo "moderno " .368 Pós-modernismo é o movimento
intelectual que proclama, em primeiro lugar, que o Iluminismo apoiava-se
em fundamentos intelectuais fraudulentos (como a fé na onicompetência
da razão humana), e, em segundo, que ele prenunciou alguns dos mais
horríficos eventos da história humana como os expurgos de stalinistas e
os campos de extermínio nazistas. 369 A nova disposição cultural que se
desenvolveu na década de 1980 rebelou-se contra o Iluminismo. Quem
quereria qualquer coisa com um movimento intelectualmente dúbio, que
tinha dado surgimento ao holocausto nazista e aos expurgos stalinistas?
Na década de 1880, Nietzsche declarou, um tanto prematuramente, como
acabou sendo revelado, que "Deus está morto!" Mais recentemente, é a
morte do Iluminismo que está sendo proclamada. Ainda está longe de ser
claramente revelado o que vai substituí-lo. O que está claro, no entanto, é
que a camisa de força, claustrofóbica e restritiva, colocada sobre o
cristianismo ocidental pelo racionalismo, se foi.
A interação entre o "Iluminismo" e a "modernidade" é sabidamente
complexa, formando um paralelo, pelo menos em alguns respeitos, com a
relação entre o "Renascimento' e o "Humanismo" 370 Para alguns
comentaristas, um
Nossa atenção agora se volta para as notáveis invasões que o
Iluminismo fez dentro do evangelicalismo.

A do Iluminismo sobre o evangelicalismo


O Iluminismo é cada vez mais uma voz que vem do passado, com uma
importância cada vez menor para a apologética evangélica e para a reflexão
teológica. Não possui mais a influência, quer positiva ou negativa, que um dia
possuiu; todas as indicações sinalizam para o fato de que, no futuro, sua
influência diminuirá mais ainda. Com a morte lenta do Iluminismo tem
surgido um descrédito geral do racionalismo. A razão não é mais considerada
como possuidora de potencial para entregar, ela só, as descobertas teológicas
das quais a igreja precisa depender. Isso, porém, não significa que a razão
deixou de ser teologicamente importante. Simplesmente quer dizer que o
caminho está livre para se recuperar o papel da razão na teologia, agora que
as distorções e ilusões do racionalismo ficaram para trás de nós. Rejeitar a
supremacia da razão em teologia de modo nenhum é rejeitar o papel real e
válido da razão neste contexto,375 racionalismo é uma coisa; uma fé racional
é coisa bem diferente. A razão sempre terá um papel a desempenhar dentro do
evangelicalismo. Como
As sérias conseqüências de uma evolução como essa já foram
reconhecidas há muito dentro da teologia cristã. Escrevendo no terceiro
século, Tertuliano destacou o perigo de basear ou julgar o evangelho no que
395
passava por sabedoria humana. Um excelente estudo de caso, ilustrando as
conseqüências graves de se falar de maneira indefinida sobre a "natureza
lógica" da revelação divina é oferecida pela doutrina das duas naturezas de
Cristo em outras palavras, o ensino definitivo cristão de que Cristo é tanto
divino como humano. Esta doutrina cristã fundamental, com a qual o
evangelicalismo está
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fortemente comprometido, tem sido criticada regularmente, por filósofos


lares, como "ilógica". Mesmo no período patrístico, esses filósofos eram
rápi_ dos na sua indicação dessa alegada falha lógica na doutrina.
Essas críticas foram intensificadas no tempo do Iluminismo, com
muitos críticos do cristianismo tradicional seguindo Espinosa em declarar
que falar de Jesus, como Deus e como homem, tinha mais ou menos o
mesmo sentido de falar num círculo quadrado. Henry deixa o
evangelicalismo intensamente desnecessariamente — vulnerável nesse
ponto. Efetivamente, alguns evangéli_ cos têm até desenvolvido cristologias
de "uma-natureza", em resposta à pressão racionalista, sendo aqui endossada
por Henry, para se conformar à "lógica", a despeito das conseqüências
seriamente não-ortodoxas desse ato.396 Contudo, por que os evangélicos
deveriam sentir-se tão pressionados para conformar-se aos ditames altamente
questionáveis dos limites da razão do homem decaído? E quantas vezes já foi
apontado, mesmo por filósofos seculares, que "a lógica é o inimigo da
verdade"?
Se revelação divina parece ser logicamente inconsistente em certas horas
— o que, sem dúvida acontece: veja a doutrina das duas naturezas de Cristo
, isso não pode ser aceito como significando que a doutrina em questão
está errada, ou que, por causa de seu caráter "ilógico", a doutrina não é
revelação divina. Ao contrário, isso ilustra meramente o fato de a razão
humana decaída não poder compreender plenamente a majestade de Deus.
Este ponto foi colocado regularmente por escritores cristãos tão diversos
quanto Tomás de Aquino e João Calvino.
Se fosse seguir a liderança de Henry nessa conjuntura, o evangelicalismo
se colocaria na estrada que inevitavelmente permite à razão humana julgar a
revelação de Deus, ou tornar-se sua base final. Essa é uma estrada que o
evangelicalismo não se pode permitir tomar, mesmo que tenha oferecido, por
uma vez, uma vantagem apologética de curto prazo dentro de uma cultura
que aceitou a visão de mundo do Iluminismo. Isso, porém, foi ontem. Hoje, 0
evangelicalismo está livre para evitar o falso engodo do fundamentalismo, e
manter a integridade da divina revelação em seus termos e em suas categorias.
Deixe que a Escritura seja Escritura!
De que formas essa influência do Iluminismo se mostra? Quatro áreas
podem ser identificadas, como se segue.

1. A natureza da Escritura
Existe uma tendência dentro do evangelicalismo de tratar a Bíblia
sim_ plesmente como uma fonte de doutrinas cristãs, e de negligenciar,
suprimir ou negar seu cunho narrativo. Já discutimos o trabalho de Hans
Frei (ver p. 89_ 90), que argumenta que uma das mais distintas
características da hermenêutica bíblica durante o período do Iluminismo
foi negar seu caráter narrativo, ou tratá-lo como um tanto embaraçoso,
sendo melhor tratá-la como uma fonte de onde extrair a informação
conceitual que se pudesse ter.402 Particularmente, Frei traça o
desenvolvimento dessa tendência para reduzir o sentido da Escritura a uma
afirmação proposicional gramatical e logicamente sadia" à influência
continuada da filosofia de John Locke durante o século XVIII.403 A
tendência geral de tratar a Bíblia puramente como um livro-fonte de
verdades puramente proposicionais pode ser argumentada de maneira a
encontrar base especialmente na antiga escola de Princeton, em particular
nos escritos de Charles Hodge e Benjamin B. Warfield, em que a
influência das pressuposições do Iluminismo é especialmente fácil de ser
notada.
Felizmente, o evangelicalismo está agora começando aos poucos a limpar
de si este dúbio vestígio do Iluminismo,404 e movendo-se em direção a uma
posição que é bem mais sensível à natureza da própria Escritura. Por exemplo'
há maior sensitividade ao papel de narrativas, particularmente no Antigo
Testamento, em que as narrativas bíblicas podem ser vistas somadas umas às
outras para resultar numa narração cumulativa da natureza e caráter de
Deus.405 Em vez de forçar a Escritura a um molde ditado pelas preocupações
do Iluminismo, o evangelicalismo pode dedicar-se a permitir que a Escritura
seja Escriturae

2. Espiritualidade
Existe uma tendência de ver espiritualidade em termos de entendiment0
do texto bíblico — isto é, a leitura da Bíblia tirando sentido de suas palavras
e idéias, e entendendo seu fundo histórico e seu sentido para hoje. A ênfase
continua a ser sobre a razão, sobre o raciocínio. No entanto, precisamos ir para
tras
do Iluminismo, e recuperar as mais antigas e mais autênticas abordagens
espiritualidade, como as que são encontradas escritores como Jonathan
F,dwavds, ou John e Charles Wesley. O ctos racionaliqta do
Iluminismo foi muitas vezes refletido no que se pode chatnat' dc ctnbargo
espiritual em qualquer espécie de envolvitnento etnocional corn a ou qualquer uso
da faculdade hutnana da itnaginação -—-- duas abordagens leitura da Bíblia que o
evangelicalistno de tempos anteriores tinha em grande estima.
E atilplatnente aceito o fato de o protestantismo, em todas as suas
formas, ter sido influenciado pelo racionalismo do Iluminismo em grau
muito maior do que o Catolicismo Romano ou a Ortodoxia Grega do Leste
da Europa. Isso tem causado um impacto devastador sobre a espiritualidade
evangélica, e o colocou em séria desvantagem em relação à espiritualidade
tanto do Catolicismo romano como da Ortodoxia Oriental. O Iluminismo
forçou o evangelicalismo a adotar atitudes para chegar à espiritualidade que
resultaram em abordagens um tanto frias, impessoais e racionais, com
relação Escritura. O tradicional "tempo devocional" tem sido profundamente
influenciado por cssc ponto de vista.406
Contudo, o Iluminismo acabou. Precisamos expurgar, remover, o
racionalismo de dentro do evangelicalismo. E isso significa recuperar os
aspectos relacionais, emocionais e imaginativos da espiritualidade bíblica,
que o Iluminismo declarou serem impróprios. Como Martinho Lutero
insistia constantemente, o cristianismo está interessado no totus homo, a
'inteira pessoa humana não só a mente humana. Afirmando isso, Lutero
não estava fazendo nada mus do que enfatizando a importância de se
manter um entendimento bíblico de natureza humana em todos os
aspectos do viver cristão.
148
3. Apologética
do evangelho feita dependente de crenças não-cristãs assim? O
evangelicalismo precisa permitir que sua abordagem ao evangelismo seja
remodelada e feita pelo Novo Testamento, em vez de por pressupostos
antiquados de um já defunto Iluminismo. Há um sério perigo de que o
evangelicalismo possa simplesmente prolongar a influência do Iluminismo
por um endosso continuado não-crítico de algumas de suas pressuposições e
valores principais, dos quais pelo menos alguns são potencialmente hostis ao
etos evangélico.

4. Evangelismo
O evangelicalistno precisa redescobrir a riqueza e a distinguibilidade dos
conceitos bíblicos de verdade. 408 A associação fundamental da raiz hebraica
normalmente traduzida como "verdade" ou "verdadeiro' (como em 'o Deus
verdadeiro") é "algo ou alguém em que se pode confiar" 409 Há claros
paralelos aqui com a noção bíblica de "retidão", que pouco têm a ver com
noções iluministas de moralidade pessoal, mas que se relacionam
essencialmente com fidelidade pactual.410 A noção de confiabilidade pessoal,
tão magnificamente articulada no conceito de fé expresso por Martinho Lutero
como fiducia (confiança), precisa ser vista como fundamental para qualquer
conceito de verdade autenticamente bíblica. O evangelismo é a proclamação e
recomendação da confiabilidade de Deus e do evangelho. E uma caricatura da
idéia bíblica de "verdade" igualá-la com a noção iluminista da correspondência
conceitual ou proposicional, ou a visão derivada de evangelismo como a
proclamação da correção proposicional da doutrina cristã.
Este conceito deficiente de evangelismo abre caminho para os tipos de
racionalismo e formalismo que têm destruído a vitalidade da fé cristã no
passado. A fé chega a significar pouco mais do que consentimento intelectual
a proposições, perdendo a ligação vital e dinâmica com a pessoa de Jesus
Cristo, que, para os cristãos, é— só ele — a verdade. As declarações do
evangelho de João precisam ser aceitas com a maior seriedade: Jesus não
apenas nos mostra a verdade, ou nos diz a verdade; ele é a verdade — e
qualquer conceito de verdade", incapaz de compreender o fato de a verdade
ser pessoal, deve sel

tratado com intensa desconfiança pelos evangélicos.


claramente aspec os e .
O evangelicalismo precisa redescobrir a riqueza e a distinguibilidade dos
conceitos bíblicos de verdade.408 A associação fundamental da raiz hebraica
normalmente traduzida como "verdade" ou "verdadeiro" (como em o Deus
verdadeiro") é "algo ou alguém em que se pode confiar".409 Há claros paralelos
aqui com a noção bíblica de "retidão", que pouco têm a ver com noções
iluministas de moralidade pessoal, mas que se relacionam essencialmente com
fidelidade pactual.41() A noção de confiabilidade pessoal, tão magnificamente
articulada no conceito de fé expresso por Martinho Lutero como fiducia
(confiança), precisa ser vista como fundamental para qualquer conceito de
verdade autenticamente bíblica. O evangelismo é a proclamação e
recomendação da confiabilidade de Deus e do evangelho. É uma caricatura da
idéia bíblica de "verdade" igualá-la com a noção iluminista da correspondência
conceitual ou proposicional, ou a visão derivada de evangelismo como a
proclamação da correção proposicional da doutrina cristã.
Este conceito deficiente de evangelismo abre caminho para os tipos de
racionalismo e formalismo que têm destruído a vitalidade da fé cristã no
passado. A fé chega a significar pouco mais do que consentimento intelectual a
proposições, perdendo a ligação vital e dinâmica com a pessoa de Jesus Cristo,
que, para os cristãos, é— só ele — a verdade. As declarações do evangelho de
João precisam ser aceitas com a maior seriedade: Jesus não apenas nos mostra a
verdade, ou nos diz a verdade; ele é a verdade — e qualquer conceito de
verdade", incapaz de compreender o fato de a verdade ser pessoal, deve ser
tratado com intensa desconfiança pelos evangélicos.
Evangelismo é discurso preocupado em apresentar a
pessoa de
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Jesus Cristo, em toda a sua plenitude, ao mundo, a fim de que esse mundo
possa ser remodelado e renovado à sua semelhança.
À luz desta análise, ficará evidente que o evangelicalismo está sob a
obrigação de assegurar que ele não permanece como um prisioneiro secreto do
racionalismo, Apelos ao senso comum", muitas vezes, acabam por se tornar a
aceitação ingênua de uma visão de mundo racionalista, na qual valores e
racionalidades de fora da fé cristã vêm exercer um papel normativo dentro dela.

A morte da modernidade
A pós-modernidade é uma noção vaga e mal-definida, que talvez pudesse
ser descrita, em determinado plano, como a perspectiva intelectual geral que
surge após o colapso da modernidade.413 Embora existam os que mantêm o
conceito de que a modernidade ainda está viva e ativa, essa posição está se
tornando cada vez mals rara. A modernidade acreditava num mundo que, em
princípio, poderia ser entendido e dominado. A pós-modernidade não apenas
tende a ver, em última análise, que o mundo está além da compreensão ou do
domínio; ela vê que essa compreensão e esse domínio, em qualquer dos dois
casos, são imorais. E então, na frase reveladora de Alan Wilde um mundo
precisando ser remendado é suplantado por um que não tem mais conserto 414
O pós-modernismo é caracterizado por sua desilusão fundamental com os
grandes temas da modernidade, que, impressionantemente, ele coloca dentro de
uma bateria cética de isolamento feito por pontos de aspas: Mesmo no nível de
sua ortografia, escritos pós-modernos sobre "verdade" , "razão", "justiça" ou
"realidade" tornam claro que o que um dia era visto como universal é tratado
agora como ultrapassado [fora de moda] e questionável. Como o analista
cultural Os Guinness observa:
152

O trauma do Holocausto é agora geralmente visto como uma acusação


416
poderosa e chocante das pretensões e ilusões da modernidade. Tem havido
Keynes são filhos dos mesmos pais". 0 design dos campos de
concentração nazistas, como Auschwitz e Birkenau, mostraram a
preocupação modernista com eficiência funcional e sua priorização de
retàngulos e linhas retas no seu pior estilo. As fileiras bem organizadas de
cabanas retangulares simbolizaram a
Em seu auge, o Iluminismo e seus aliados pareciam oferecer esperança para
o futuro, quer fosse esta esperança entendida nos quase-messiânicos termos da
vinda de uma revolução sócio-econômica que faria chegar uma era de paz e
justiça, ou em termos da visão de um mundo que seria universalmente entendido
pela razão humana, e, assim, controlado por esta mesma razão. A ameaça à
Definindo o pós-modernismo
O pós-modernismo é geralmente entendido como algo de sensibilidade
cultural sem absolutos, certezas fixas ou fundamentos, que se deleita no
pluralismo e divergência, e que objetiva pensar profundamente o "estabelecimento
radical de todo o pensamento humano. Em cada um desses assuntos, isso pode
ser visto como uma reação consciente e deliberada contra a totalização do
Iluminismo. Dar uma definição completa de pós-modernismo é praticamente
429
impossível. Em parte, isto se dá porque há substancialmente menos do que total
cc
4 0
Elon kcomo preterem os subjetivistas)? 3 No entanto, é possível identificar sua
característica geral principal: o abandono intencional e sistemático de narrativas
centralizadoras. As diferenças gerais entre modernidade e pós-modernidade têm
Um aspecto de pós-modernismo que ilustra essa tendência particularmente
bem, enquanto também indicando sua obsessão com textos e língua, é a
desconstrução o método crítico que virtualmente declara que a identidade e
Intenções do autor de um texto são uma irrelevância à interpretação do mesmo,
antes de insistir que, em qualquer caso, nenhum sentido fixo pode ser encontrado
nele. Esse movimento surgiu primariamente como resultado da leitura
Todas as inter
pretações são, portanto, igualmente válidas, ou igualmente sem
sentido (dependendo do seu ponto de vista) .435 Como Paul de Man, um dos
principais proponentes estado-unidenses desta abordagem, declarou, a própria
idéia de "significado" cheirava a fascismo. Esta abordagem, que floresceu na
América do Norte do pós-Vietnã, ganhou respeitabilidade intelectual por
acadêmicos como de Man, Geoffrey Hartman, Harold Bloom e J. Hillis Miller
436
"Metanarrativas isto é, narrativas generalizantes que pretenderam oferecer
estruturas universais para o discernimento do sentido — deveriam ser rejeitadas
como autoritárias. Longe de discernir sentidos, essas narrativas imunham os
róprios sentidos de maneira fascista.
A área de teologia cristã mais sensível a essa evolução é a apologética,
tradicionalnwnte vista como uma tentativa de defender e recomendar as
440
pretensões do cristianismo para o mundo. Apologeticamente, a pergunta
que surge no contexto pós-moderno é a seguinte: como podem elas ser
levadas a sério, quando há tantas alternativas rivais, e quando a própria
"verdade" se tornou uma noção desvalorizada? Ninguém pode pretender
possuir a verdade. É tudo uma questão de perspectiva. A conclusão desta linha
c
de pensamento é tão simples quanto é devastadora: a verdade é que não há
441
nenhuma verdade".
Todas as pretensões à verdade são igualmente válidas; não há nenhuma
posição vantajosa, posição de observação que permita a qualquer pessoa
decidir o que é certo e o que é errado. Esta situação tem vantagens e
desvantagens crucias para o apologista cristão. Por um lado, a apologética não
ope
Com esse avanço, entretanto, veio um recuo. O pós-modernismo declara
que todos os sistemas de crenças devem ser vistos como igualmente plausíveis.
Algo é verdadeiro se é verdadeiro para mim. O cristianismo tornou-se aceitável,
porque é acreditado como verdadeiro por alguns não porque ele é verdadeiro.
Como pode o cristianismo recomendar a si mesmo em tal contexto,
A vulnerabilidade do pós-modernismo:
Foucault e Lyotard
O pós-modernismo tem aversão endêmica às questões sobre verdade, cren
do que a noção de "verdade" é, na melhor das hipóteses, ilusória e, na pior,
opressiva. No entanto, a necessidade de ter a pergunta sobre a verdade no seu
planejamento é relativamente fácil de ser entendida. O pós-modernismo insiste
em que não é possível agir coerentemente com respeito ao mundo, pela razão
fundamental de o mundo ser uma coleção de fragmentos perpetuamente
mutáveis em vez de ser um todo unificado, estável e coerente. Pensar ou agir
de maneira coerente é, pois, ou repressivo (no que força a ordem sobre algo
intrinsecamente desordenado) ou ilusório (em que ignora como o mundo
realmente é). Correção de
fascismo Intelec-
Permitir critérios tais como "tolerância" e 'abertura" para ser dado maior
peso do que seja "verdade" é, simplesmente, um sinal de superficialidade
intelectual e de irresponsabilidade moral. A primeira e mais fundamental de
todas as perguntas deve ser: E verdade? É digno de fé e confiança?
Certamente, a verdade não é garantia de relevância — porém, ninguém pode
construir sua vida em torno de uma mentira. Um sistema de crença, por mais
consolador e tranqüilizador que seja, pode provar ser falso em si mesmo, ou
repousar sobre fundamentos completamente espúrios.
responder à evidência que exigia uma decisão verdadeira. Uma resposta
obediente à verdade é sinal de integridade intelectual. Assinala a disposição
de ouvir o que pretende ser a verdade, julgá-la, e, se for descoberto ser
verdade, aceitáIa com boa vontade. A verdade exige ser aceita, porque
inerentemente merece ser aceita e que se aja por ela. Integridade acadêmica e
responsabilidade política igualmente exigem um comprometimento
apaixonado a se descobrir, contar e agir sobre a verdade. E importante
insistir, não só em que a verdade importa, mas em que o cristianismo é
verdadeiro.
Stanley Hauervvas certa vez escreveu que a única razão para ser um cristão
é as convicções cristãs serem verdadeiras". 4 4 0 filósofo de Princeton,
Diogenes Allen, narra a história de uma pessoa que lhe perguntou por que
deveria ir à igreja quando não tinha nenhuma necessidade religiosa. "Porque o
cristianismo é verdade", foi a resposta de Allen.445 0 livro de Gordon Lewis,
Testing
Mesmo o pós-modernismo tem dificuldade em concordar em que o nazismo
tenha sido uma coisa boa. Contudo, precisamente este é o perigo que há ali,
como evidenciado pelo célebre comentário de Sartre: "Amanhã, depois de
minha morte, certas pessoas poderão decidir estabelecer o fascismo, e as outras
podem ser suficientemente covardes ou miseráveis a ponto de deixá-los agir
impunemente. Naquele momento, o fascismo será a verdade do homem .
Este é um ponto importante, talvez o ponto em que o pós-modernismo se
apresenta mais vulnerável. Para emprestar a isso um peso extra, podemos
considerar as conseqüências das visões éticas de Michel Foucault e Jean-
François Lyotard, geralmente considerados como dois dos pilares intelectuais
do pensamento pós-moderno.
Foucault argumenta apaixonadamente, numa série de trabalhos
altamente originais e criativos, que a própria idéia de "verdade" brota dos
interesses dos poderosos. Atrás disso, pode ser discernido o envolvimento
direto com a noção nietzscheana de "vontade para o poder", com suas
implicações para o conceito de "verdade" 0448 Para Foucault, há uma linha
direta de ligação entre verdade e poder. A "verdade" pode sustentar sistemas
de repressão, ao identificar padrões
mentos racionais para justificarem suas práticas. O conhecimento é
inextricavelmente ligado ao poder. Filósofos têm levado a sociedade a crer que
estivesse perseguindo seus elementos marginais na base da '"verdade" ou da
"moralidade" padrões universais e objetivos de moralidade, do que é certo e do
que é
163

errado — em vez de persegui-los na base dos próprios interesses fixados.


A crença básica do Iluminismo na virtude louvável do conhecimento é
assim posta em dúvida. O conhecimento pode tanto escravizar quanto
libertar. A tarefa da filosofia é, portanto, criticar, a fim de que possa
resultar na emancipação.
justificada contudo, Foucault rejeitou vigorosamente um apelo a princípios
normativos gerais como parte integral de seu método. Na verdade, ele faz um
apelo ao sentimentalismo, em vez de apelar à razão; apela à compaixão, em vez
51
de apelar a princípios. 0 fato de muitos terem compartilhado sua aversão
intuitiva de repressão assegurou que ele fosse bem recebido — mas a pergunta
fundamental permanece sem resposta. Por que a repressão é algo errado? E
( ) rnlsmo ncoa no flit() o que afirtna na teorta. Mesrno a pergunta
casual modcrlilslno c verdadeiro: Inocentetncnte lesanta perguntas
criteriológic=s fundamcntais que o pós-tnoclerntslll() acha ernbaraçosarnente
difíceis dc scrcm manejadas
Agora é arnplarnente aceito que há uma contradiçao interior nesse ponto,
a que foi apontada por Francis Schaeffer no caso do niilismo etlCO de
Jean-Paul Sartre. O ponto fundamental de Sartre foi que a etica era um

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