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Sobre este livro O


objetivo central deste livro é restabelecer a relevância das abordagens antropológicas (e
mesmo sociológicas) aos processos de desenvolvimento e, pari passu, persuadir a
antropologia a reconhecer que o estudo do desenvolvimento contemporâneo deve ser uma
de suas principais preocupações . O professor Olivier de Sardan defende uma
socioantropologia de mudança e desenvolvimento que seja um estudo profundamente
empírico, multidimensional e diacrônico de grupos sociais e suas interações, combinando
análise de práticas sociais e consciência. Tem, em sua visão, que ser simultaneamente uma
antropologia política, uma sociologia das organizações, uma antropologia econômica, uma
sociologia das redes e uma antropologia das concepções e sistemas de crenças.
O autor também pretende tornar antropólogos e estudantes de língua inglesa e francesa
muito mais conscientes da contribuição uns dos outros para a compreensão do
desenvolvimento e da mudança social.
A introdução fornece um exame instigante das principais novas abordagens que surgiram
na disciplina durante a década de 1990. A Parte I, então, deixa claro a complexidade da
mudança e do desenvolvimento social, e as maneiras pelas quais a antropologia social pode
estar à altura do desafio dessa complexidade. A Parte II examina mais de perto algumas das
principais variáveis envolvidas no processo de desenvolvimento, incluindo as relações de
produção; as lógicas da ação social; a natureza do conhecimento, incluindo o conhecimento
popular; formas de mediação; e estratégias 'políticas'.
Após a sua publicação bem sucedida em francês (onde passou por várias edições), este
importante livro irá provocar um debate muito ponderado sobre teoria e prática apropriadas
dentro da Antropologia, Sociologia e Estudos do Desenvolvimento. Também é particularmente
apropriado como um texto avançado para estudantes nessas áreas.
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Sobre o autor Jean-


Pierre Olivier de Sardan é Professor de Antropologia na École des Hautes Études
en Sciences Sociales em Marselha e Diretor de Pesquisa no Centre National de la
Recherche Scientifique em Paris. Com dupla nacionalidade na França e no Níger,
foi educado na Sorbonne e atualmente vive e trabalha em Niamey. Sua longa e
distinta carreira de pesquisa envolveu um grande número de projetos e atividades
diferentes, bem como longos períodos de ensino na Universidade de Paris e em
outras universidades francesas, bem como na África. Entre 1991 e 1996 foi
Presidente da Association Euro-Africaine pour l'Anthropologie du Changement
Social et du Developpement. Desde 1965, ele é autor de sete livros em francês,
além de contribuir para vários volumes acadêmicos e é autor de muitos artigos de
periódicos acadêmicos em francês. Ele também publicou artigos em revistas de
língua inglesa, incluindo Africa, Current Anthropology, Critique of Anthropology,
Visual Anthropology e Journal of Modern African Studies, bem como capítulos em
vários trabalhos acadêmicos de língua inglesa.
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Antropologia e Desenvolvimento
ENTENDENDO AS MUDANÇAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS

Jean-Pierre Olivier de Sardan

Traduzido por
Antonieta Tidjani Alou

LIVROS ZED
LONDRES E NOVA YORK
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Anthropology and Development:


Understanding Contemporary Social Change foi
publicado pela primeira vez em 2005 pela
Zed Books Ltd, 7 Cynthia Street, Londres N1 9JF, Reino Unido e Room
400, 175 Fifth Avenue, Nova York, NY 10010, EUA.

www.zedbooks.co.uk

Copyright © Jean-Pierre Olivier de Sardan, 2005


Direitos autorais da tradução © Antoinette Tidjani Alou 2005

O direito de Jean-Pierre Olivier de Sardan de ser identificado como o autor desta obra foi
afirmado por ele de acordo com a Lei de Direitos Autorais, Designs e Patentes de
1988

Capa desenhada por Andrew Corbett


Situado em 11/13 pt Garamond por Long House, Cumbria, Reino Unido
Impresso e encadernado na Malásia pelo Fórum

Distribuído nos EUA exclusivamente pela Palgrave Macmillan, uma divisão da St Martin's
Press, LLC, 175 Fifth Avenue, New York, NY 10010.

Todos os direitos reservados

Um registro de catálogo para este livro


está disponível na Biblioteca Britânica

Os dados de catalogação na publicação dos


EUA estão disponíveis na Biblioteca do Congresso

ISBN Hb 1 84277 416 6


Pb 1 84277 417 4
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Conteúdo

1. Introdução
As três abordagens na antropologia do desenvolvimento
1

O discurso do desenvolvimento 3

Populismo, antropologia e desenvolvimento 8

A abordagem da lógica social emaranhada 11

Conclusão: o futuro da abordagem da lógica social emaranhada e seu


trabalho em andamento (pesquisa na África e além) 15

2 Socioantropologia do desenvolvimento
Algumas declarações preliminares 23

Desenvolvimento 24

Socioantropologia do desenvolvimento 27

Comparativismo 31
Ação 35

Populismo 35

Uma problemática coletiva 37

Mudança social e desenvolvimento: na África ou em geral? 37

3 Antropologia, sociologia, África e desenvolvimento


Um breve panorama histórico 42

etnologia colonial francesa 42

Reações: antropologia dinâmica e/ou marxista 45

Do ponto de vista sociológico: sociologia da modernização e sociologia do


desenvolvimento. 46

Análise de sistemas 48
A situação atual: multi-racionalidades 51
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4 Uma renovação da antropologia? 58

Para o resgate da ciência social? 59


As 'propriedades' dos 'fatos de desenvolvimento' 60
Dois pontos de vista heurísticos Antropologia 61
da mudança social e desenvolvimento e
os campos da antropologia 64

5 Estereótipos, ideologias e concepções 68

Uma meta-ideologia do desenvolvimento 70


Infraideologias: concepções 71
Cinco estereótipos 73
A verdade relativa dos estereótipos: o exemplo da 'cultura' 81
A propensão aos estereótipos: o exemplo das 'necessidades' 85

6 É possível uma antropologia da inovação? 89

Um panorama em quatro pontos de vista 91


É possível uma problemática das inovações em antropologia? 103
A inovação como forma de 107

7 populismo desenvolvimentista e populismo das ciências sociais


Ideologia, ação, conhecimento 110

Intelectuais e seu populismo ambíguo Os pobres 111

segundo Chambers O complexo populista 112

desenvolvimentista Populismo moral Populismo 113


cognitivo e populismo metodológico Populismo 115
ideológico Populismo e miserabilismo Onde a ação se torna 116
compromisso... e onde o conhecimento pode se tornar 117
oposição... ... mas a metodologia deve combinar! 118
120
122
124

8 Relações de produção e modos de ação econômica 126

Sociedades Songhay-Zarma sob colonização: modo camponês de


produção e relações de produção 126
Lógica de subsistência durante o período colonial 128
Relações de produção e transformações contemporâneas 131
Conclusão 134
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9 Projetos de desenvolvimento e lógica social 137

O contexto de interação 139

Níveis de coerência do projeto 140


Reações camponesas 142

Dois princípios 144

Três lógicas, entre muitas outras 145

Lógicas estratégicas e lógicas nocionais 149

10 Saberes populares e saberes científicos e técnicos 153

Conhecimento técnico popular 154

Algumas propriedades do conhecimento técnico popular 156

Conhecimento técnico popular e conhecimento técnico-científico. 159

Campos de conhecimento popular e infraestrutura 161

11 Mediações e corretagem 166

Agentes de desenvolvimento 166

Um parêntese sobre a corrupção 168

Agentes de desenvolvimento como mediadores entre tipos de conhecimento. 168


Corretores 173

A linguagem de desenvolvimento 178

12 Arenas e grupos estratégicos 185

Desenvolvimento local como arena política 185

Conflito, arena, grupos estratégicos 188


A estrutura do ECRIS 192

13 Conclusão
O diálogo entre cientistas sociais e desenvolvedores Lógica do 198

conhecimento e lógica da ação Dois modelos a serem rejeitados Terceiro 198

modelo: pesquisa-ação? 201


201
Quarto modelo: a solução contratual Formação 203

de agentes de desenvolvimento Adaptação ao 204

desvio Em consulta Socioantropologia do 205

desenvolvimento e antropologia aplicada 208

ao desenvolvimento: uma instância e seu limite 212

Bibliografia 217
Índice 236
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1
Introdução
As três abordagens no
1
Antropologia do Desenvolvimento

Este trabalho foi publicado originalmente na França em 1995 e teve vários objetivos.
Seu objetivo principal era desenvolver uma perspectiva específica, na forma de um
abordagem não normativa dos complexos fenômenos sociais vinculados às ações de
desenvolvimento, fundamentada em uma abordagem decididamente empírica (não especulativa e baseada em
inquérito) e 'fundamental' (situado a montante da antropologia 'aplicada')
prática da antropologia. Um objetivo secundário era tomar simultaneamente
relato de obras em inglês e em francês que tratam da antropologia da
desenvolvimento.
É notável, por um lado, que os trabalhos publicados em inglês que
abordar a antropologia do desenvolvimento de um ângulo ou de outro são, como
regra, completamente alheio às obras que existem em francês, apesar de
A África francófona é tanto uma região onde as políticas de desenvolvimento e
as operações prevalecem como África anglófona.2 Por outro lado, a maioria das obras
publicadas em francês testemunham um conhecimento muito desigual e impressionista
da literatura em inglês.3 Assim, na França, o presente trabalho forneceu uma
ligação entre dois universos acadêmicos frequentemente desconectados. Sua tradução
para o inglês agora oferece a mesma oportunidade para leitores de países de língua
inglesa.
No entanto, o objetivo principal deste livro é mais geral. Desejo propor um
ponto de vista sobre o desenvolvimento que reintegra o desenvolvimento no mainstream
antropologia como um objeto digno de atenção, uma perspectiva que se engaja em uma
exploração minuciosa dos vários tipos de interações que ocorrem no
mundo do desenvolvimento, colocando em jogo concepções e práticas, estratégias
e estruturas, atores e contextos. Trata-se, portanto, de um projeto que pretende
evite tanto o pedido de desculpas quanto a denúncia, para evitar ambas as profecias
e caricaturas. No entanto, outra característica da literatura sobre desenvolvimento,
tanto em inglês quanto em francês, é que ela é permeada de julgamentos normativos
decorrentes de uma variedade de ideologias e meta-ideologias (ver Capítulo 5).

1
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2 INTRODUÇÃO

A literatura é a fonte de um fluxo interminável de julgamentos de valor sobre o


desenvolvimento. Os antropólogos não fogem a essa regra: apesar de denunciarem
prontamente as ideologias no trabalho de outras pessoas (especialmente aquelas
que são populares entre os profissionais de desenvolvimento), eles não reconhecem
aquelas que abundam em seu próprio trabalho – o populismo, por exemplo ( veja
abaixo e o Capítulo 7), ou pós-modernismo e o 'politicamente correto' (veja abaixo).
Ao contrário disso, minha concepção de antropologia é que ela é uma ciência
social empírica, mas claro que não é positivista como as ciências naturais clássicas.
As ciências sociais não têm nada a ver com a noção de falsificação de Popper:
sua lógica é baseada na plausibilidade com base no raciocínio natural. Mas não
são ciências hermenêuticas no sentido que o relativismo epistemológico ou o
subjetivismo radical dão a esse termo. Suas mãos estão atadas pela busca de um
fundamento empírico.4 Quanto a isso, meu interesse pelo desenvolvimento não
visa salvar ou condenar, desconstruir ou reformar. Trata-se antes de
compreender, por meio do desenvolvimento, um conjunto de práticas sociais
complexas: desse ponto de vista, o desenvolvimento é simplesmente um conjunto
de ações de vários tipos que se definem como constituintes do desenvolvimento
de uma forma ou de outra (seja nas fileiras de 'desenvolvedores' ou de
'desenvolvedores'), não obstante as variações em suas definições, significados e
práticas. A própria existência de uma “configuração desenvolvimentista” 5 (ver
Capítulo 2) – isto é, um conjunto complexo de instituições, fluxos e atores, para
quem o desenvolvimento constitui um recurso, uma profissão, um mercado, uma
aposta ou uma estratégia – é suficiente para justificar a existência de uma
socioantropologia6 que toma o desenvolvimento como objeto de estudo ou como
'caminho'.
De fato, a antropologia do desenvolvimento é apenas um modo de fazer
antropologia e sociologia, ou seja, um modo de realizar investigações de campo
empíricas que conduzem a novas formas de compreender os fenômenos sociais,
a partir de objetos contemporâneos. O desenvolvimento é apenas um de uma
gama de temas, mas que apresenta algumas características específicas: nos
países do Sul, e nos países africanos em particular, é onipresente e inevitável . e
está entrelaçada com interações entre atores originários de mundos sociais e
profissionais particularmente heterogêneos (ver Capítulo 9).

A antropologia do desenvolvimento não é uma disciplina autônoma ou


independente. Além disso, não é necessariamente antropologia 'aplicada': a
questão da relação entre pesquisa e ação, seja em termos da relevância da
pesquisa para a ação, que é uma coisa, ou da integração da pesquisa na ação,
que é outra, constitui um problema diferente, que é certamente importante, mas
diferente (farei breve menção a isso no Capítulo 13) .
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 3

atica, conceitos, metodos e resultados. O nosso primeiro passo é ter em conta algumas
realidades sociais de grande importância para África, como os projectos de desenvolvimento, o
financiamento do desenvolvimento, a mediação para o desenvolvimento e as associações de
desenvolvimento, que intervêm diariamente mesmo nas aldeias mais pequenas, e usar essas
realidades como caminhos para a antropologia política, econômica, social e cultural, fazendo
investigações sobre as práticas e concepções dos atores envolvidos, a interação das relações
pragmáticas e cognitivas e os contextos estruturais e institucionais em que tudo isso ocorre. Se
esse tipo de objetivo de pesquisa for perseguido adequadamente, poderemos ter um papel na
ação possível, seja o papel em questão operacional, reformatório ou crítico, dependendo da
situação em questão ou das opções disponíveis. Assim, este trabalho faz o apelo para que o
desenvolvimento seja abraçado pela antropologia fundamental como um objeto que merece
atenção científica, vigilância metodológica e inovação conceitual.9

Essa perspectiva implica uma ruptura ou discrepância com certos trabalhos que tratam da
relação entre antropologia e desenvolvimento (especialmente o 'negócio desconstrucionista';
veja abaixo), e com um certo tipo de ideologia populista encontrada nos trabalhos de
antropólogos e especialistas em desenvolvimento. (veja abaixo e o Capítulo 7). Mas também
encontrei muitos pontos de vista convergentes, não apenas durante a escrita deste livro, mas
também nos anos seguintes à sua publicação em francês. Independentemente do meu próprio
trabalho, vários autores, principalmente de países de língua inglesa, desenvolveram posições
de pesquisa semelhantes às minhas em muitos aspectos, apesar de algumas diferenças de
opinião. Outros autores, principalmente em francês, foram mais longe ou abriram novas
perspectivas. Consequentemente, acredito que será útil revisar os trabalhos em inglês e francês
que surgiram desde a publicação da versão francesa do presente trabalho.10

Três conjuntos principais de escritos podem ser distinguidos: abordagens discursivas,


abordagens populistas e abordagens de lógica social emaranhadas para o desenvolvimento.

O discurso do desenvolvimento

É normal que as ciências sociais observem certa reserva quanto ao vocabulário, ideologias e
concepções que estão na ordem do dia dentro da configuração desenvolvimentista: de um lado
há decisores, políticos, técnicos, idealistas, gestores, militantes e profetas , que têm seu próprio
tipo particular de retórica, enquanto de outro há pesquisadores profissionais que conceituam
rotineiramente e fazem uso racional da linguagem. Assim, todos os antropólogos inevitavelmente
chegam a um ponto em que voltam um olhar crítico para o “discurso do desenvolvimento”, ou
pelo menos para suas formas mais proeminentes (muitas vezes simbolizadas pela orientação
neoliberal do
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4 INTRODUÇÃO

Economistas do Fundo Monetário). Essa crítica também pode assumir uma forma
mais sistemática ou diversificada (veja a minha, no Capítulo 5). Mesmo antropólogos,
como Horowitz ou Cernea, por exemplo, que colaboraram de forma contínua e de
longo prazo com instituições de desenvolvimento, não têm escrúpulos em atacar
dogmas injustificados dos desenvolvedores.11 Dois elementos sem dúvida explicam
essa situação.
Em primeiro lugar, no universo do desenvolvimento, há uma grande lacuna entre
discursos e práticas: o que se diz de um projeto de desenvolvimento quando se trata
de concepção, estabelecimento, formatação, conformação, financiamento ou
justificação do projeto tem pouco em comum com o projeta-se tal como existe na
prática, uma vez que chega às mãos das pessoas a quem se destina. Assim, os
antropólogos desempenham um papel permanente que consiste em 'chamar as
pessoas de volta à realidade': 'você anunciou isso, mas é isso que está acontecendo,
o que é outra questão...'. Eles diagnosticam e descrevem desvios (ver Capítulos 9 e
13), que desmentem as declarações oficiais.
Em segundo lugar, o universo do desenvolvimento é de ação 'política', em sentido
amplo, ou seja, no sentido de uma intenção de transformar a realidade por meios
voluntaristas. Trata-se, portanto, de um universo que, como o universo político no
sentido estrito da palavra, recorre ao uso de clichês (ver capítulo 11). Além disso, as
instituições de desenvolvimento são orientadas para os insumos: devem convencer os
doadores de sua capacidade de fornecer recursos. Para obter esse efeito, a retórica é
de vital importância. Mas essa linguagem estereotipada necessária mobiliza uma
enorme quantidade de expressões definidas. Parece que a transformação da realidade
exige um pensamento baseado em noções simples. Isso é uma coisa à qual o
antropólogo tem uma alergia profissional (o que, a meu ver, é perfeitamente normal).
A competência do antropólogo tem a ver, justamente, com um conhecimento sutil de
situações complexas. É por isso que ele aponta tão prontamente os clichês e
estereótipos dos profissionais de desenvolvimento como sinais de sua ignorância do
que está acontecendo.
Mas a crítica dos antropólogos à retórica do desenvolvimento tem várias limitações.
Uma é que os profissionais de desenvolvimento não são igualmente ingênuos (embora
seja verdade que eles não tenham a possibilidade nem a competência de realizar
investigações sérias por conta própria).12 Por exemplo, há uma grande diferença
entre os discursos públicos dos funcionários do desenvolvimento e os decisores nos
países do Norte e as conversas privadas de especialistas e operadores da área,
conscientes da complexidade das situações da vida real. Outra é que as próprias
ciências sociais não são imunes a clichês (elas têm os seus próprios, enquanto fazem
críticas vigorosas aos de outras pessoas) ou a estereótipos, especialmente estereótipos
acadêmicos (portanto, no Capítulo 5, minha análise de vários estereótipos comuns
inclui aqueles do ciências sociais, bem como os de profissionais de desenvolvimento).
A última é que existe uma ideologia particular da ciência social, comumente chamada
de “pós-modernismo”, “pós-estruturalismo” ou
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 5

'desconstrucionismo', que, tendo assumido o tema do desenvolvimento, se especializou


na análise do 'discurso do desenvolvimento' e até se proclamou como a única forma
de 'antropologia do desenvolvimento'.13
Nos últimos anos, uma série de trabalhos apareceu (Escobar, 1984, 1991, 1997;
Ferguson, 1990; Roe, 1991, 1995; Sachs, 1992; Hobart, 1993a; Crush, 1995; Moore e
Schmitz, 1995; Gardner e Lewis, 1996; Rahnema e Bawtree, 1997; Marcussen e
Arnfred, 1998; Mills, 1999; Fairhead, 2000) que atacam o 'discurso do desenvolvimento'
de uma forma ou de outra, com o objetivo de 'desconstruí-lo'. Eles tendem a produzir
uma caricatura ou reductio ad absurdum da configuração desenvolvimentista, que
apresentam como uma 'narrativa' da hegemonia ocidental empenhada em negar ou
destruir práticas e saberes populares.
Grillo (1997: 20) apontou com razão que “há uma tendência, ilustrada, por exemplo,
por Hobart, Escobar e, em menor grau, Ferguson, de ver o desenvolvimento como um
empreendimento monolítico, fortemente controlado de cima, convencido da
superioridade do sua própria sabedoria e impermeável ao conhecimento local, ou
mesmo à experiência do senso comum, um único olhar ou voz que é todo-poderoso e
além da influência”. Essa imagem diabólica do mundo do desenvolvimento dá pouca
atenção às incoerências, incertezas e contradições, que, no entanto, estão inscritas
estruturalmente nas instituições de desenvolvimento. Além disso, esses trabalhos não
levam em conta as mudanças contínuas na estratégia e na política (assim, a década
de 1990 viu uma generalização das chamadas abordagens 'participativas' ou 'de base',
e não apenas em organizações não governamentais alternativas). Em outras palavras,
essas obras parecem adotar uma abordagem ideológica do desenvolvimento,
percebido a priori como uma entidade em si e, para ser mais preciso, como uma
entidade negativa. A sua abordagem não se baseia na investigação empírica imparcial
dos processos reais de vários tipos de ação de desenvolvimento.
Abordar o desenvolvimento por meio do 'discurso' deixa a porta aberta para esse
tipo de generalização sem risco. Além disso, os autores tendem a escolher apenas os
aspectos do 'discurso' que sustentam suas teses. A conflação é uma prática comum,
facilitada, além disso, pelo fato de termos como 'discurso' e 'narrativa' serem vagos e
dificilmente se beneficiaram de qualquer mapeamento empírico. Na verdade, basta
selecionar uma ou outra retórica pública, um tipo de clichê ou outro, e proceder à sua
desconstrução. O livro de Escobar é um exemplo óbvio desse tipo de procedimento.
O leitor não ficará surpreso ao encontrar o uso recorrente de termos como 'regimes
discursivos', 'regimes de discurso', 'formações discursivas', 'linguagem de
desenvolvimento', 'análise discursiva', 'regimes de representação', campo', 'discurso
de desenvolvimento'...
As infindáveis referências de Escobar a Said e Foucault (e ocasionalmente a Derrida)
são, além disso, as pedras de toque do empreendimento desconstrucionista, no que
diz respeito ao desenvolvimento (ver Escobar, 1984, 1997) e outros tópicos.14 O
politicamente correto que este trabalho exala também não é surpreendente: por
exemplo, a colocação de valor positivo de Escobar no Dicionário de Desenvolvimento de Sachs
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6 INTRODUÇÃO

(1992), porque é 'um dicionário de palavras tóxicas no discurso do


desenvolvimento' (Escobar, 1995: 227). Além disso, Escobar clama por “a necessária
liberação da antropologia do espaço mapeado pelo encontro de desenvolvimento” (ibid.:
17). À força de “palavras tóxicas” e construções discursivas danosas, o desenvolvimento
se torna uma criação ocidental fundamentalmente perversa (o Ocidente “criou” o
Terceiro Mundo da mesma forma que “criou” o orientalismo), cujo objetivo é escravizar
o povo, destroem as suas competências e impedem-no de tomar o seu destino nas
suas próprias mãos. Fairhead (2000) considera o desenvolvimento como um processo
triplo de 'descivilização', 'despolitização' e 'despossessão', em apoio do ponto de vista
que ele cita Hobart, Ferguson e Roe, respectivamente. Arnfred, tendo sustentado sem
reservas que 'o imperialismo foi renomeado como 'desenvolvimento' (1998: 77),
apresenta as 'cinco características do discurso do desenvolvimento' da seguinte
forma: (1) é ''eles têm-o-problema-nós' -tenha-a-solução”; (2) 'imunidade a fatos
adversos'; (3) 'o especialista em desenvolvimento como agente'; (4) 'o agente de
desenvolvimento como homem'; (5) 'a exclusão da experiência e conhecimento
indígenas' (ibid.: 81-4). Essas afirmações categóricas são apresentadas sem ressalvas
e sem prestar a menor atenção a possíveis contra-exemplos.

É claro que há poder por trás da ajuda (quando não é aberta) e, claro, a ajuda ao
desenvolvimento surgiu no período da Guerra Fria, que era um contexto favorável
para todos os tipos de hipocrisia. Também é verdade que a dependência de subsídios
do Norte é uma realidade e que as atitudes altivas e poderosas dos especialistas
ocidentais, combinadas com sua ignorância da área, são uma fonte inesgotável de
exasperação para os funcionários públicos da África. Mas também é verdade que
estes últimos são especialistas no uso do duplo discurso, enquanto manobras, intrigas,
disputas de poder, apropriações, retóricas e manipulações são iniciadas por todos os
lados. Atores do Sul, como os do Norte, estão em busca de poder e vantagens; além
disso, todos os atores envolvidos têm espaço à sua disposição e, portanto, nunca são
reduzidos ao estado de simples agentes ou de meras vítimas de um sistema totalitário.
Por exemplo, a 'dissuasão' dos fortes pelos fracos é aparente no universo do
desenvolvimento, tanto no nível governamental quanto no camponês...

No entanto, seria injusto colocar todas as análises do 'discurso do desenvolvimento'


no mesmo saco. Existem inúmeras nuances dentro do negócio do 'discurso do
desenvolvimento', e algumas delas são importantes. Se Escobar é, sem dúvida, o
mais radical e o mais ideológico de todos, Ferguson representa uma versão mais sutil
e com melhor documentação empírica, mesmo que seja apenas por causa de seu
sólido estudo de caso de um projeto canadense apoiado pelo Banco Mundial em
Lesoto (Ferguson , 1990). De fato, há duas partes no trabalho de Ferguson: por um
lado, ele realizou uma investigação de campo genuína , que é exemplar em muitos
aspectos, sobre uma determinada operação de desenvolvimento, uma investigação
pela qual ele mostrou interesse, para além dos 'discursos ', no 'desvio' para
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 7

a qual o projeto foi submetido e nas relações de poder locais (uma abordagem
fechada à abordagem da lógica social emaranhada; ver abaixo). Mas, por outro
lado, ele prontamente recorre ao jargão desconstrucionista e também faz elisões
'antidesenvolvimento'.15
Outros trabalhos também sucumbiram, no que diz respeito à retórica, à
ideologia pós-moderna, desenvolvendo outras análises que não estão diretamente
de acordo com essa tendência, ou que se distanciam em um ponto ou outro.
Poderíamos citar, por exemplo, as precauções de Gardner e Lewis em sua visão
geral da antropologia do desenvolvimento,16 que por um lado aclama o que eles
consideram as realizações do desconstrucionismo crítico pós-moderno, e se
associa a elas, mas o que também aponta para certas limitações desta
abordagem: 'Agências de desenvolvimento... planos, trabalhadores e políticas
são todas entidades objetivas. Não podemos simplesmente querer que não
existam insistindo que são construções, por mais questionáveis que sejam as
premissas sobre as quais são construídas” (Gardner e Lewis, 1996: 2).
E na mesma linha: 'o discurso do desenvolvimento é mais fluido e passível de
mudança do que muitas análises permitem' (ibid.: 75). A intenção de Gardner e
Lewis é reformar o desenvolvimento a partir de dentro, promovendo um
desenvolvimento 'alternativo' e 'derrubando as barreiras que existem entre o
'desenvolvedor' e o 'desenvolvido'' (ibid.: ix). Na verdade, eles associam a
abordagem desconstrucionista com o que poderíamos chamar de abordagem
'populista' (veja abaixo).
Mills fornece outro exemplo da ambivalência encontrada em algumas obras
desconstrucionistas: por um lado, ele deplora a interpretação estreita das obras
de Foucault por vários autores mais ou menos pós-modernos, bem como o
caráter simplista das posições radicais "antidesenvolvimentistas" (Mills, 1999:
98, 111), mas, por outro, tenta reabilitar a herança desconstrucionista, ainda que
parcialmente, através de três 'modelos intelectuais de interpretação do
desenvolvimento': desenvolvimento como 'discurso', desenvolvimento como
'mercadoria'; e desenvolvimento como uma 'performance'. Assim, ele fica preso
ao objeto que critica: 'parte do problema vem da própria palavra de
desenvolvimento e das imagens e relações que ela invoca. Estamos
inevitavelmente presos ao peso da palavra” (ibid.: 99).17 Quanto a Cooper e
Packard, seu trabalho coletivo compreende textos que oscilam entre certas
análises desconstrucionistas e/ou radical-críticas das orientações de
desenvolvimento e outros tipos de análise que mostram um maior grau de
sutileza e melhor documentação. Mas sua introdução reflete uma reserva
evidente em relação à perspectiva pós-moderna do desenvolvimento: “este
grupo vê o desenvolvimento como nada mais do que um aparato de controle e
vigilância” (Cooper e Packard, 1997: 3); “é, pois, demasiado simples afirmar a
emergência de um discurso de desenvolvimento singular, um regime simples de
saber-poder” (ibid.: 10).
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8 INTRODUÇÃO

Finalmente, certas análises do 'discurso do desenvolvimento' não podem ser


qualificadas nem como pós-modernas nem como pós-estruturais, e rejeitam essas
elisões e caricaturas (ver Gasper, em Apthorpe e Gasper, 1996). Eles poderiam ser
classificados como 'desconstrucionismo metodológico', em oposição ao
'desconstrucionismo ideológico' na obra de Escobar e nas obras daqueles que o
tomam como referência (sobre a oposição 'metodológica/ideológica', ver abaixo
populismo a propósito e também Capítulos 4 e 7). Esses autores, seguindo o exemplo
de Apthorpe (1986; ver também Apthorpe e Gasper, 1996), são receptivos à
variedade de discursos internos ao universo do desenvolvimento (ver também Grillo
e Stirrat, 1997).18
Outros trabalhos se contentam em apontar, em uma área ou outra, os clichês e
estereótipos com os quais os argumentos desenvolvimentistas são intercalados
(sobre o meio ambiente, ver Leach e Mearns, 1996). Algumas delas não evitam um
certo toque de populismo.

Populismo, antropologia e desenvolvimento

Na introdução de um livro publicado sob sua direção,19 Hobart (1993a) associa


estreitamente o desconstrucionismo e o populismo: 'A relação dos desenvolvedores
e 'aqueles a serem desenvolvidos' é constituída pelo conhecimento e categorias dos
desenvolvedores.... Os aspectos epistemológicos e de poder de tais processos são
muitas vezes obscurecidos por discursos sobre o desenvolvimento que estão sendo
expressos predominantemente nos idiomas da economia, tecnologia e gestão.
Os conhecimentos dos povos em desenvolvimento são ignorados ou tratados como
meros obstáculos ao progresso racional” (ibid.: 2). Hobart reconhece no mesmo
fôlego Foucault e Bourdieu, pós-estruturalismo e pós-modernismo (ibid.: 17), e leva
o desenvolvimento à tarefa, ao mesmo tempo em que expressa a intenção de
reabilitar o conhecimento local. Ele descreve uma oposição radical entre
"conhecimento ocidental" e "conhecimento local" (embora algumas comparações
menos gerais e mais equilibradas desses dois tipos de "conhecimento", no campo da
agronomia para ser preciso, possam ser encontradas no Capítulo 10). , mas vários
capítulos de seu livro (de Richards, de van Beek e de Cohen) fornecem uma análise
mais sutil de aspectos específicos do conhecimento local.
Assim, podemos notar que uma postura populista, defendendo os 'saberes
indígenas' ou incentivando um estudo aprofundado destes, é suscetível de percorrer
uma ampla gama de atitudes científicas, que podem ser mais ou menos
'ideológicas' (como pós -desconstrucionismo moderno) ou 'metodológico' (exemplificado
por descrições documentadas de um conhecimento local específico).
O capítulo 7 do meu livro trata de maneira sistemática do populismo nas ciências
sociais e no desenvolvimento, e se esforça particularmente para distinguir entre o
"populismo ideológico", que deve ser abandonado (o
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 9

O livro de 1983 é um exemplo clássico disso) e 'populismo metodológico', que é


essencial para a investigação antropológica. O populismo ideológico pinta a realidade
com as cores de seus sonhos e tem uma visão romântica do saber popular . ou
validade.21 O primeiro é um viés que inviabiliza o procedimento científico, enquanto o
segundo, ao contrário, é um fator positivo que abre novos campos de investigação. O
problema, claro, é que ambos são muitas vezes colocados juntos nas obras de um
determinado autor, ou em um determinado livro. No entanto, continuo convencido de
que, apesar das dificuldades envolvidas, é necessária a distinção entre os dois, como
pode ser ilustrado por uma série de trabalhos recentes construídos em torno do
conhecimento local ou da agência de atores 'de base', na mesma linha de Hobart. Ao
lê-los, observamos que ao mesmo tempo se pode sucumbir ao populismo ideológico,
por meio de uma idealização sistemática das competências do povo, seja em termos
de autonomia ou de resistência, ao mesmo tempo em que se obtém resultados
inovadores graças ao populismo metodológico, que se propõe a de descrever a
agência e os recursos pragmáticos e cognitivos que todos os atores possuem,
independentemente do grau de dominação ou privação em que vivem.

Alguns anos atrás, Chambers foi co-autor de um novo livro (Chambers, Pacey e
Thrupp, 1989) baseado em grande parte em suas posições anteriores (Chambers, 1983).
Esta última, ao mesmo tempo que sublinha a agência dos actores de base e as suas
capacidades inovadoras (ponto de vista que à primeira vista poderia ser categorizado
como populismo metodológico) é essencialmente dominada pela valorização e inflação
sistemática desta agência e destas capacidades (que equivale, em outras palavras,
ao populismo ideológico). O populismo ideológico autoriza métodos participativos de
pesquisa rápida ('avaliação rural participativa', PRA), que supostamente se inspiram
na antropologia, com base em várias técnicas de 'animação' desenvolvidas por
Chambers e seus discípulos. O seu objetivo – que considero ilusório e ingênuo, senão
mesmo demagógico – é promover pesquisas sobre os camponeses a serem realizadas
pelos próprios camponeses, nas quais os pesquisadores desempenhariam o papel de
meros facilitadores . oposição que, declara, existe entre a pesquisa 'extrativa' clássica
e a pesquisa 'participativa' alternativa. No entanto, essa oposição não faz sentido no
contexto da rigorosa antropologia do desenvolvimento aqui defendida e ignora o fato
de que a antropologia invariavelmente combina o trabalho de campo focado nos
pontos de vista dos atores e nas estratégias dos atores (um processo que é, por
definição, “participativo”). com uma análise 'tão objetiva quanto possível' de suas
contradições e contextos (um processo que é por definição 'extrativo').23 Três trabalhos
mais recentes apresentam uma combinação relativamente complexa de
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10 INTRODUÇÃO

o populismo ideológico e o populismo metodológico, nomeadamente os trabalhos de


Scoones e Thompson (1994), Scott (1998) e Darré (1997).
Scoones e Thompson em sua introdução reconsideram o trabalho de Chambers,
Pacey e Thrupp, expressando uma estranha mistura de elogios e reservas. Embora
se associem à pesquisa de Chambers (este último é o autor do prefácio do livro),
eles não têm escrúpulos em marcar sua distância ao se referirem à 'perspectiva
populista' contida na proposição 'os agricultores primeiro', e ao insistir na É preciso ir
além dessa perspectiva, tanto substituindo o binário simplista 'atores locais versus
intervenientes externos' por uma análise da diversidade que caracteriza os atores em
confronto, quanto argumentando contra uma oposição sistemática entre
experimentação camponesa e investigação científica, por exemplo. A fase de
desvalorização do conhecimento popular camponês (ligada às teorias da
modernização; ver, por exemplo, o Capítulo 3), foi suplantada por uma fase de
revalorização "populista".
Scoones e Thompson observam com razão que entramos agora em uma terceira
fase da relação entre pesquisa e desenvolvimento, caracterizada pelo interesse em
interações complexas e não uniformes, em conflitos e barganhas, em processos de
transação (o que nos leva de volta à terceira abordagem do desenvolvimento
apresentado a seguir, a lógica social emaranhada).
Quanto a Scott, a quem devemos a conceituação anterior e produtiva de
'resistências camponesas cotidianas' (Scott, 1985), e que posteriormente (Scott,
1990) desenvolveu um ponto de vista cada vez mais 'centrado na resistência', que
poderia ser interpretado como uma forma particular de populismo (o elogio sistemático
de qualquer coisa que tenha a menor semelhança com a "resistência" do povo; ver
Olivier de Sardan, 2001a),24 ele voltou recentemente ao elogio do conhecimento
prático, o grego metis (ver Détienne e a obra clássica de Vernant, 1974), para ser
mais preciso.25 Essa métis, que sempre está inserida em um contexto local, deveria
ser a estrutura básica subjacente sobre a qual repousam as práticas populares em
todo o mundo. O fracasso constante dos esquemas globais centralizados de
transformação social planejada (seja urbanista, revolucionário ou desenvolvimentista)
resulta do fato de não levarem em conta esse fenômeno. Isso explica o apelo de
Scott: “ao longo do livro, defendo o papel indispensável do conhecimento prático,
processos informais e improvisação, a face da imprevisibilidade” (Scott, 1998: 6).
Embora Scott às vezes erre ao fazer o tipo de simplificação excessiva que tipicamente
surge da fusão do desconstrucionismo e da ideologia populista (“uma certa
compreensão da ciência, modernidade e desenvolvimento estruturou com tanto
sucesso o discurso dominante que todos os outros tipos de conhecimento são
considerados , tradições estáticas, como contos e superstições da carochinha'; ibid.:
331), sua obra também contém populismo metodológico. Assim, ele convida os
cientistas a descrever e analisar os múltiplos processos de 'desvio' e a miríade de
'lacunas' que separam os projetos produzidos pelos planejadores da realidade local.26
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 11

Finalmente, há Darré (1997) que propõe (com base em estudos de caso realizados
na França) que ultrapassemos o simples reconhecimento do fato de que os
camponeses têm a capacidade de usar estratégias (metis) ou que possuem um
estoque próprio conhecimento peculiar. Esse reconhecimento é, a seu ver, insuficiente,
pois admite o fato de que normas de excelência e competência são produzidas pelo
mundo exterior e impostas aos camponeses. Ao contrário, sua intenção é demonstrar
que cultivadores e pecuaristas estão constantemente em processo de produção de
normas locais, o que permite avaliar as inovações que os serviços de extensão
proporcionam: daí 'les éleveurs n'appliquent pas les técnicas nouvelles, à proprement
parler ils les construisent' ('os criadores de gado não aplicam novas técnicas, na
verdade, eles as constroem') (Darré, 1997: 57), pois produzem, a partir da rede local
de discussão, as normas que lhes permitem rejeitar , modificar ou adotar as melhorias
técnicas.
De fato, as análises de campo empíricas realizadas por antropólogos fornecem as
melhores ilustrações do populismo metodológico em ação, bem como uma minimização
dos vieses devidos ao populismo ideológico. Richards, por exemplo (1993), também
rompe com a concepção de conhecimento agronômico popular como 'estoques de
conhecimento' e demonstra que se trata essencialmente de adaptações contingentes
e aproximadas, baseadas em 'habilidades de desempenho'.
Assim, o populismo na antropologia do desenvolvimento assume vários matizes:

• é mais 'metodológico' e empírico em autores como Richards que aderem


a formas concretas de conhecimento indígena e técnico

• é mais 'ideológico' e às vezes é misturado com desconstrucionismo em autores que,


como Hobart, valorizam sistematicamente o conhecimento indígena sobre e contra
o conhecimento científico

• aparece como uma combinação complexa de populismo metodológico e populismo


ideológico em teóricos originais como Darré ou Scott

• finalmente, não é apenas ideológico, mas também bastante rudimentar e 'aplicado'


no caso de 'avaliações rurais participativas' promovidas por Câmaras, que,
acompanhando a expansão geral dos projetos de desenvolvimento 'participativos',
assumem uma importância cada vez maior no mercado das «avaliações rápidas».

A abordagem da lógica social emaranhada

Ao invés de focar exclusivamente no conhecimento popular, como na abordagem


populista, ou em denunciar a configuração desenvolvimentista e seu discurso, como
na abordagem desconstrucionista, a abordagem da lógica social emaranhada,
centrada na análise do enraizamento da lógica social, estuda
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12 INTRODUÇÃO

a relação entre os dois universos, ou melhor, entre os segmentos concretos de


ambos, por meio da investigação empírica, particularmente em torno de seus
pontos de interseção.27
Poderíamos também nos referir a isso como “interacionismo metodológico” (em
oposição ao “interacionismo ideológico”), da mesma forma que fazemos referência
ao desconstrucionismo metodológico (em oposição ao desconstrucionismo
ideológico) e ao populismo metodológico (em oposição ao populismo ideológico). ).
O interacionismo (veja a Escola de Sociologia de Chicago ou o interacionismo
simbólico de Blumer ou Goffman) tem uma longa história científica por trás dele;
podemos usar o termo 'interacionismo metodológico' para designar as análises que
tomam a interação social como um 'caminho' empírico privilegiado ao mesmo
tempo que se abstêm de tomá-la como objeto em si, ou seja, sem reduzi-la às
dimensões de uma prisão. O interacionismo às vezes tem sido considerado como
um conjunto formal de regras que regem as interações, ou como restrito a situações
de interação. Essas armadilhas são bem ilustradas em pesquisas baseadas em
uma orientação etnometodológica. Os trabalhos que agrupamos sob o rótulo de
'abordagem de lógica social emaranhada' compartilham uma aversão comum à
fixação na interação per se; em vez disso, eles usam a interação como um
analisador útil de fenômenos de importância mais ampla, examinados em uma
variedade de escalas . situações sociais, tanto em termos de estratégias dos atores
e constrangimentos contextuais, quanto como meios de abordagem de práticas e
concepções, de identificação de fenômenos conjunturais e estruturais.

No campo da antropologia propriamente dita, o interessante dessa abordagem


é que ela rompe com a ideologia culturalista que outrora predominava nesse campo
e sublinha as transações vinculadas à produção e às normas de consenso
(resultantes de negociações, ainda que informais e latentes). ). É tanto mais
relevante para a antropologia do desenvolvimento na medida em que os fatos
sociais do desenvolvimento têm a tendência específica de produzir um grande
número de interações e, mais ainda, interações entre atores que têm vários status,
recursos heterogêneos e diferentes metas. Daí o uso da metáfora da
'arena' (Bierschenk, 1988; Crehan e von Oppen, 1988; Bierschenk e Olivier de
Sardan, 1997a; Dartigues, 1997; e abaixo, Capítulo 12). No que diz respeito à
abordagem da lógica social emaranhada na antropologia do desenvolvimento,
duas fontes independentes podem ser identificadas: um polo anglófono em torno
de Norman Young na Holanda;29 e um polo francófono, em torno da APAD.30

Norman Long e a antropologia rural do desenvolvimento Long


ocupa uma posição original que justifica alguns detalhes de fundo. Pioneiro em seu
campo, ele segue a tradição da Manchester School e desenvolveu nos últimos
vinte anos uma 'escola' de antropologia do desenvolvimento
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 13

sediado na Universidade Agrícola de Wageningen, onde recruta seus discípulos e


colaboradores (ver, em particular, os trabalhos coletivos que expõem e ilustram
essa perspectiva: Long, 1989, Long and Long, 1992, Arce and Long, 2000). Sua
orientação é essencialmente centrada nas interfaces entre diferentes mundos
sociais, e é definida por ele mesmo como 'ator-oriented', termo que serviu de
rótulo para sua escola de pensamento.31 Assim, Long e seus colaboradores
definem seu trabalho em termos de um 'paradigma orientado ao ator' (Long,
1992b; Long e van der Ploeg, 1989), ou em termos de uma 'perspectiva orientada
ao ator' (Arce e Long 2000), que deve revitalizar as abordagens convencionais
para o desenvolvimento : o seu paradigma tem sido 'entusiasticamente assumido
em campos aplicados como a extensão agrícola e estudos de comunicação,
avaliação rural participativa (PRA) e análises de partes interessadas' (Arce e Long,
2000: após a página 27). Os 'conceitos orientadores da abordagem orientada ao
ator' são 'agência e atores sociais, a noção de múltiplas realidades e arenas onde
diferentes mundos da vida e discursos se encontram, a ideia de encontros de
interface em termos de descontinuidades de interesses, valores, conhecimento e
poder e heterogeneidade estruturada” (Long e van der Ploeg, 1989: 82; ver uma
apresentação destes conceitos, entre muitos outros, em Long, 2000).
Muitos estudos monográficos valiosos originários de Wageningen expõem
esses conceitos em uma variedade de contextos empíricos (ver, entre outros,
Arce, 1993; Mongbo, 1995; Breusers, 1999). No que diz respeito à teoria, não há
quase nada a objetar na orientação de Long: tem a ver com uma abordagem
dinâmica e não culturalista da antropologia, que é orientada para a pesquisa de
campo, faz uso judicioso de estudos de caso e adota uma abordagem
compreensível. interesse em conflitos, negociações, discórdias e mal-entendidos.
Nesse sentido, a perspectiva de Long é complementar à apresentada neste trabalho.
No entanto, tenho reservas quanto ao caráter estreito e repetitivo do sistema
de Long. Seus conceitos primários (enumerados acima) foram estabelecidos
desde meados da década de 1980, e foram citados, comentados e parafraseados,
pelo próprio Long e por seus discípulos, em artigos e livros por mais de quinze
anos com quase nenhuma modificação. Esse sistema de interpretação muito
abstrato (veja seus 'conceitos-guia' mencionados acima) evoluiu gradualmente
para um ciclo quase hermeticamente fechado, enquanto seus estudos empíricos
às vezes dão a impressão de serem adaptados para ilustrar ou justificar seus
'conceitos-guia' em vez de produzir interpretações locais ou regionais inovadoras
ou de abrir novas perspectivas. A restrição ao desenvolvimento rural certamente
não facilita a renovação intelectual: os tipos de interação que podem ocorrer entre
os agentes de desenvolvimento do mundo e seus camponeses são relativamente
limitados em número e dificilmente estimulam os cientistas a produzir inovações
interpretativas fundamentadas, uma vez que se estabeleceram no conforto da O
sistema conceitual de Long. Não obstante, este sistema continua a ser uma pedra
de toque na antropologia do desenvolvimento.
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14 INTRODUÇÃO

Os trabalhos produzidos pela APAD


A abordagem adotada no presente trabalho, que se insere nessa emaranhada lógica
social desenvolvida nos anos 1980, vem de uma tradição teórica francesa que esteve
por muito tempo ligada ao estruturalismo marxista e ao populismo marxista
(reconheço meu próprio envolvimento), mas também a Balandier, que deu a conhecer
em França as obras da Escola de Manchester.
A abordagem relaciona-se de várias maneiras com a constituição da APAD.
No entanto, este livro não é uma apresentação direta dos resultados da pesquisa e
situa-se em algum lugar entre as propostas teóricas de ponta e o programa de
pesquisa. Os artigos de Elwert e Bierschenk (1988) e Chauveau (1994, 2000a)
situam-se em um registro semelhante.
Um importante avanço foi dado com a publicação nos últimos anos de uma
variedade de trabalhos sobre a África francófona, de autores africanos e europeus
que têm o mérito de praticar a abordagem da lógica social emaranhada e, portanto,
apresentam resultados empíricos em um variedade de tópicos, todos relacionados
de uma forma ou de outra com as interações que ocorrem entre uma ampla variedade
de atores envolvidos no terreno onde as instituições de desenvolvimento estão ativas.
O interessante dessa saída é que ela não propõe um sistema teórico singular ou
fechado. No entanto, os autores em causa partilham uma posição metodológica
semelhante que lhes permite produzir novas interpretações «próximas do terreno».
Eles mostram uma desconfiança comum das ideologias (sejam elas científicas ou
desenvolvimentistas) e têm um objetivo comum: apreender os fatos do
desenvolvimento em toda a sua notável complexidade. Essa busca empírica por
questões complexas talvez seja a principal característica do tipo de interacionismo
metodológico praticado pela APAD, e se opõe à maioria dos 'estudos do discurso do
desenvolvimento' e das abordagens populistas.
Assim, o campo da antropologia africana pode agora fazer uso de análises novas
e inovadoras sobre uma série de temas importantes, incluindo: associações
camponesas (clivagens internas, estratégias de supervisores, barganha com
instituições de desenvolvimento);32 saúde pública (disfunção sistêmica de estruturas
de saúde);33 relações entre poder local e desenvolvimento (incluindo as intervenções
do Estado moderno e descentralização);34 problemas fundiários (o número crescente
de apostas e estratégias que mobilizam);35 e agentes de desenvolvimento local
(formas de 'captura' e redistribuição da 'renda de desenvolvimento').36
Esses trabalhos não apenas constituem um corpus de análises concretas sobre o
enraizamento de várias lógicas sociais, mas também abordam novos objetos e
partem, em parte, apenas do desenvolvimento (e apenas do desenvolvimento rural).
Seu objetivo é abrir novos caminhos em campos onde as operações políticas e de
desenvolvimento abrangem as práticas políticas, econômicas e administrativas locais
comumente encontradas na África. De fato, tem se tornado cada vez mais difícil
isolar as interações relacionadas apenas à configuração desenvolvimentista daquelas
relacionadas ao 'aparelho de Estado' ou à 'sociedade civil'.37 A partir deste ponto
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 15

De vista, a antropologia do desenvolvimento tornou-se cada vez mais uma sociologia


e uma antropologia da África contemporânea, que naturalmente integra os fatos
sociais do desenvolvimento, mas vai muito além deles, no sentido de abraçar as
múltiplas formas assumidas pelas mudanças que estão ocorrendo em todo o mundo.
quadro. Por outro lado, não há campo que permaneça inalterado, de uma forma ou
de outra, por intervenções de desenvolvimento.
Outra característica desses trabalhos é que muitas vezes são realizados em uma
perspectiva sistematicamente comparativa,38 evitando assim o risco de um acúmulo
infindável de monografias locais em que incorrem os estudos interacionistas (ver
Bowen, 1988; Booth, 1994). Mesmo quando os estudos são realizados ao nível de
uma única aldeia, região ou vila, e isso às vezes é necessário, os recursos extra
locais de atores locais, ou a intervenção de atores de fora na arena local são tratados
com grande atenção , resultando na produção de uma análise ampla de lógicas
transversais de ação.
Nessa perspectiva, muitos sites de pesquisa coletiva foram abertos, onde o
trabalho ainda está em andamento: corrupção (ver Nouveaux Cahiers de l'IUED, nº
9); descentralização (ver Boletim de l'APAD, números 14 e 16); profissões da saúde
(Boletim de l'APAD, nº 17); corretagem e intermediação (Boletim de l'APAD, números
11 e 12). As subculturas administrativas e profissionais e o estado local são temas
futuros a serem abordados. Esta evolução não implica o abandono do desenvolvimento
como objecto, mas sim a sua integração como uma componente, entre outras, da
modernidade africana, estudada com o maior rigor empírico possível. Essa variedade
cada vez maior de temas de investigação, combinados por interpretações flexíveis
(ver a 'teoria fundamentada' de Glaser e Strauss, 1973) são talvez as marcas que
distinguem esses trabalhos daqueles situados relativamente próximos da escola de
pensamento de Long.

Conclusão: o futuro da abordagem da lógica social emaranhada


e seu trabalho em andamento (pesquisa na África e além)

A antropologia do desenvolvimento atual é, portanto, de grande diversidade e por


vezes comporta posições epistemológicas e científicas antagônicas. Autores “pós-
modernos” e radicais que denunciam o próprio sistema de desenvolvimento com
base em seu discurso ou na negação do conhecimento indígena parecem ter pouco
em comum com os praticantes da antropologia “aplicada” que aceitam de bom grado
a expertise tecnocrática ou populista. 'avaliações de pesquisa participativa'. No
entanto, às vezes observam-se alianças ou combinações surpreendentes desses
dois extremos.
No entanto, o aumento do número de estudos empíricos, a diversificação das
práticas de desenvolvimento, o desaparecimento do grande funcionalista ou
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16 INTRODUÇÃO

Os sistemas estruturalistas de explicação abriram , sem dúvida, o caminho para


novas esferas de pesquisa e interpretação . beneficiários, como muitos outros tipos
de estudos originários de outras disciplinas ilustram (a história econômica vem à
mente, com S. Berry, 1993, ou economia política, com Bates, 1987, 1988b). Relações
complementares estão em processo entre essas disciplinas e a abordagem da lógica
social emaranhada na antropologia. De facto, esta última, que, por razões
metodológicas, põe a tónica no 'nível micropolítico', tem tudo a ganhar com a
colaboração com empresas científicas complementares que adoptam perspectivas
mais panópticas e 'macro' (neo-institucionalismo em economia, por exemplo: ver
Colin, 1990).

Posso concordar com Bennett (1988), que a antropologia do desenvolvimento há


muito se libertou de uma visão tradicionalista da sociedade (tendo incorporado a
análise das 'estratégias camponesas', ver Chauveau, 2000a), vista como um
'igualitarismo romântico'. A antropologia do desenvolvimento pode ser caracterizada,
em contraste com as abordagens tradicionais, tanto por "um reconhecimento da
adaptação como o processo comportamental chave na mudança social" (onde a
adaptação suplanta a "cultura") aspectos do comportamento” (Bennett, 1988: 19-21),
de um ponto de vista ofensivo ou defensivo.40 Essa evolução permite uma
colaboração mais ampla com disciplinas vizinhas do que o culturalismo clássico.

Tomemos a África como exemplo. Este é um continente onde a “renda de


desenvolvimento” é mais evidente e onde seus efeitos (intencionais ou não) são mais
altos. Este é também o lugar em que a administração pública e a gestão encontram
os maiores obstáculos, e onde as práticas informais, tanto na política como na
economia, prevalecem e escapam aos controles oficiais.
Os trabalhos mencionados acima, a maioria deles de autores francófonos, lançam
uma nova luz sobre esses fenômenos seguindo uma série de abordagens conceituais
baseadas na análise empírica. Eles conferem um novo grau de inteligibilidade à
situação que prevalece no continente como um todo e a algumas de suas
particularidades. A "multiplicidade" de normas é mais notável aqui do que em
qualquer outro lugar,41 enquanto intermediários, corretores e afins, no desenvolvimento
e em outras áreas, desempenham um papel central.42 Formas sucessivas de poder
são empilhadas umas sobre as outras sem que ocorra deslocamento ou substituição.
.43 As normas e os interesses dos habitantes das áreas rurais e urbanas estão
intimamente interligados.44 As 'performances' retóricas e neotradicionalistas são
importantes recursos políticos.45 As estratégias camponesas são particularmente
diversificadas e flexíveis.46 A 'economia moral da corrupção'47 é fenômeno
generalizado e onipresente, a construção de um 'espaço público' esbarra em inúmeros
obstáculos, e as fronteiras entre o 'privado', o coletivo e o 'público' são permeáveis e
incertas.48
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 17

Os fatos sociais do desenvolvimento são assim levados em conta e


integrados em análises concretas que tratam também das formas locais de
governança, estratégias de captura de excedentes, relações de poder, redes
sociais próximas e distantes, os chamados aparelhos de Estado e o Estado
local, normas e práticas profissionais. Essas análises atravessam as linhas
usuais de divisão: os recursos econômicos são transformados em recursos
sociais e vice-versa, o setor saúde contém processos semelhantes aos
encontrados no desenvolvimento rural ou na justiça, há um incessante vai-e-
vem entre os países e cidade, do administrador ao administrado, enquanto
se apaga a linha divisória entre ajuda externa e recursos 'endógenos'49.
Outra oposição que se torna sem sentido é aquela entre monografias
localizadas e análises comparativas multissítios . vagas e abrangentes) em
torno da 'globalização' e das 'identidades',51 vale observar que um número
crescente de trabalhos, especialmente aqueles marcados pela abordagem
da lógica social emaranhada, tende a combinar pesquisas localizadas e
análises gerais, estudos de caso e com parativismo racional e regional.

Finalmente, há outra oposição, a saber, separar a 'abordagem centrada


no ator' da 'abordagem centrada na estrutura', que cai em irrelevância no
plano prático e não no nível retórico. renovação da antropologia do
desenvolvimento, que se deve em parte à abordagem das lógicas sociais
emaranhadas. Os capítulos a seguir representam o estágio inicial de um
processo que ainda está em aprofundamento. A minha esperança é que este
processo se torne ainda mais fecundo pelo enriquecimento mútuo das obras
em francês e em inglês.

Notas

1 Este capítulo, escrito em 2001, não aparece na versão original francesa. Meus agradecimentos
a T. Bierschenk, G. Blundo, J.-P. Chauveau, P. Geschiere, J. Gould, JP Jacob, Y. Jaffré, P.
Lavigne Delville, C. Lund, PY Le Meur, E. Paquot e M. Tidjani Alou por suas observações e
sugestões em diferentes capítulos deste livro . Gostaria de agradecer em particular a estreita
colaboração que tive durante anos sobre esses tópicos com Thomas Bierschenk e Giorgio
Blundo, e pelo fato de minhas análises neste livro terem sido ajudadas e apoiadas por eles.

2 É por isso que os francófonos precisam publicar em inglês, e por que um livro como o de
Colin e Crawford (2000), que fornece em inglês uma amostra do trabalho feito em francês
sobre o campesinato africano, é interessante.
3 Existem raras exceções, como Jacob, 1989, 2000, Jacob e Blundo, 1997.
4 Para uma explicação dessa epistemologia neoweberiana, ver Passeron, 1991.
Antropólogos do desenvolvimento desconstrucionistas, em uma visão maniqueísta do
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18 INTRODUÇÃO

ciências, associam sistematicamente suas próprias análises a uma epistemologia alternativa, e


as análises de outras pessoas a uma epistemologia positivista (ver Escobar, 1997, que considera
antropólogos que não fazem uma crítica radical do desenvolvimento, ou seja, que estão
'associados ao desenvolvimento', Ao contrário, acredito que a modificação (necessária e
estabelecida) do positivismo de ontem não significa que não haja meios de escapar das ideologias
pós-modernas. - o modernismo ainda exerce forte influência na literatura da antropologia do
desenvolvimento.

5 Esse termo parece mais neutro e mais descritivo do que o termo 'campo' (champs), que é preferido
por autores como Lavigne Delville (2000), em referência a Bourdieu, e que implica um sistema
abstrato e amplo de lutas de poder e posições estatutárias . O termo 'arena', ao contrário, evoca
interações concretas (ver Capítulo 12).

6 Meu uso dessa expressão visa sublinhar a convergência entre a antropologia e um certo tipo de
sociologia herdada da Escola de Chicago, muitas vezes descrita como "qualitativa" (ver Capítulo
2).
7 Na verdade, este trabalho diz respeito a 'África e além', para usar uma frase do subtítulo do livro
editado por Fardon, van Binsbergen e van Dijk (1999): em África, a importância primordial e a
presença diária da ajuda ao desenvolvimento atingem o seu pico, mas os fenômenos ali
observados também existem em outros continentes, embora de formas diferentes.

8 Em seu trabalho recente (1998) sobre o processo de monitoramento, Mosse desenvolve a mesma
ideia expressa no Capítulo 13: que os procedimentos de avaliação de acompanhamento e
feedback são talvez as melhores contribuições práticas que a antropologia pode dar à ação de
desenvolvimento.
9 Considerando que a antropologia do desenvolvimento é capaz de renovar a antropologia clássica
(ver Capítulo 4, e Bennett e Bowen, 1988: ix) concordo com Bates (1988a: 82-83) que sustenta
que a antropologia do desenvolvimento faz quatro grandes antropologia: (a) estuda instituições e
atores em cenários da vida real; (b) acaba com a visão de 'comunidades autocontidas, autônomas
e vinculadas'; (c) abre caminho para novos temas de investigação, incluindo funcionários públicos,
elites e administradores; (d) fornece ligações com outras disciplinas.

10 Os capítulos que o compõem foram escritos entre 1985 e 1993.


11 Michael Horowitz é cofundador do Instituto de Antropologia do Desenvolvimento em Binghampton.
Um de seus artigos é significativamente intitulado 'Sobre não ofender o mutuário: (auto)-guetização
da antropologia no Banco Mundial' (Horowitz, 1996). Michael Cernea é o antropólogo mais
conhecido do Banco Mundial. No prefácio de um livro publicado pelo Banco Mundial, ele escreve:
“[Este] volume toma uma posição firme contra os vieses tecnocráticos e economicistas no trabalho
de desenvolvimento. Critica explícita ou implicitamente o descaso com as dimensões sociais ou
culturais, a rigidez do pensamento blueprint na concepção do projeto, o foco nas mercadorias em
vez do ator social, o descaso com o conhecimento dos agricultores e a indiferença em relação às
instituições e organizações populares. (Cernea, 1991a: xii). Cernea, por sua vez, defende a ideia
de que o Banco Mundial pode evoluir, em particular graças ao papel desempenhado pelos
antropólogos nas atividades do Banco Mundial (ver Cernea, 1996).

12 Muitos administradores encarregados do desenvolvimento não se identificarão com a 'suposição


comum' muito caricaturada que Marcussen e Arnfred (1998:1) atribuem a
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 19

eles: 'espera-se que a intervenção planejada opere em um ambiente homogêneo, livre de


conflitos e perfeitamente previsível, ao invés de estabelecer arenas de competição, conflito e
luta'. Além disso, muitas instituições de desenvolvimento agora encomendam estudos de
antropólogos, alguns deles trabalhando com base em uma 'abordagem de lógica social
emaranhada' (veja abaixo), precisamente porque consideram os projetos de desenvolvimento
como 'estabelecendo arenas de competição, conflito e luta'.
13 Assim, em um artigo recente, Escobar (1997) entende por 'antropologia do desenvolvimento'
apenas o pós-estruturalismo (ilustrado, segundo ele, por Crush, Ferguson ou ele mesmo) ao qual
ele atribui o objetivo de 'déstabiliser les fondements mêmes sur lequel le développement s'est
constitué, pour modifier l'ordre social qui régit le processus de production du
langage' (desestabilizando as próprias bases sobre as quais o desenvolvimento se construiu,
com vistas a modificar a ordem social que regula o processo de linguagem produção) (Escobar,
1977: 546). Essa "antropologia do desenvolvimento" muito peculiar supostamente se tornou uma
subdisciplina por direito próprio (outras posições foram relegadas ao status de antropologia
aplicada, ilustrada, segundo ele, por Cernea ou Horowitz).

14 Reconhecer o papel pioneiro e muitas vezes estimulante desempenhado por Foucault e, depois
dele, por Said não significa que devamos tomar suas obras como verdade evangélica ou que
nossa atitude em relação a elas deva ser apenas de louvor, com exclusão de qualquer tipo de
análise crítica.
15 Nas obras que se seguem ao seu livro, Ferguson continua a cair neste tipo de simplificação
excessiva, o que o leva a considerar como óbvia a existência de um 'regime de conhecimento/
poder de desenvolvimento' (Ferguson, 1994: 150), e a assumir alguns dos julgamentos
precipitados de Escobar, desprovidos de qualquer tipo de validação empírica: 'como Escobar
argumentou, no entanto, o trabalho em antropologia do desenvolvimento foi gradualmente se
ajustando às demandas burocráticas das agências de desenvolvimento, às custas de seu rigor
intelectual e autoconsciência crítica” (ibid.: 164).
16 Este panorama é baseado em literatura exclusivamente escrita em inglês, como é o caso de outros
resumos originários da Inglaterra e dos Estados Unidos (Bennett, 1998, Booth, 1994, Grillo e
Stirrat, 1997).
17 O interesse dessa abordagem reside justamente no fato de que ela abandona o foco no
prazo 'desenvolvimento' (que Mills chama de 'palavra D').

18 Ver Jacó, 2000 : 233–236 ; Arce e Long, 2000: 24.


19 Este trabalho está inserido em uma série de livros sobre antropologia do desenvolvimento
originados nos seminários EIDOS, realizados regularmente na Europa em torno de um núcleo de
pesquisadores ingleses e holandeses (ver também Croll e Parkin, 1992; Pottier, 1993; Fardon,
van Binsbergen e van Dijk, 1999).
20 As estratégias de atenção primária à saúde originárias de Alma Ata e a reabilitação de 'praticantes
tradicionais', 'parteiros tradicionais' e assim por diante, são exemplos de populismo ideológico
em prática no campo do desenvolvimento.
21 Assim, o conhecimento que os praticantes tradicionais ou as parteiras têm pode muito bem ser
ineficaz ou prejudicial do ponto de vista clínico, mas são dignos de documentação de pesquisa
do ponto de vista antropológico.
22 Ver Chambers, 1991; 1994. Para análises críticas desses métodos, ver Mosse, 1994; Bierschenk
e Olivier de Sardan, 1997a; Lavigne Delville, Sellamna e Mathieu, 2000.

23 As lições morais ou metodológicas que os populistas dão de boa vontade são, deste ponto de vista
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20 INTRODUÇÃO

vista, absurda, e testemunha um profundo desconhecimento da complexidade do processo de


pesquisa: 'A orientação extrativista deve ser invertida. A prática padrão é que pessoas de fora
venham e façam suas pesquisas sobre as pessoas, após o que eles levam seus dados para
análise em outro lugar. Ética e metodologicamente, esta prática é suspeita” (Pottier, 1997: 205).

24 Em uma mesma crítica, Cooper e Packard (1997: 34) confundem Scott e 'estudos subalternos'
indianos (ver Guha e Spivak, 1988): 'a autonomia do 'subalterno' ou 'a transcrição oculta' dos
discursos subalternos está nitidamente separado do discurso colonial'.

25 Scott observa que o termo metis é incorretamente traduzido para o inglês como 'astúcia' ou
'inteligência astuta' (Scott, 1998: 313).
26 A observação de que o desvio é um aspecto inevitável dos projetos de desenvolvimento (um ponto
que sublinho no capítulo 9), e que não é apenas o resultado das 'reações populares' enfatizadas
por Scott, mas também devido à incoerência inerente instituições de desenvolvimento e em várias
estratégias de atores e intervenientes, há muito foram feitas por Hirschman, 1967 (ver Jacob,
2000: 26-7; Bennett, 1988: 16-17).
Outros autores, situados no interior das instituições de desenvolvimento, também fizeram este
ponto: 'ao contrário do mito, é um grave equívoco imaginar que as intervenções do projeto são
um simples desdobramento linear de uma sequência bem fundamentada e temporalmente pré-
definida. -atividades programadas com todos os resultados, exceto os predefinidos. Além do que
está sendo planejado e muitas vezes apesar disso, as intervenções de desenvolvimento ocorrem
como processos sujeitos a pressões políticas, barganhas sociais, inadequação administrativa e
distorções circunstanciais. Uma série de reinterpretações necessárias ou injustificadas modificam
o resultado pretendido” (Cernea, 1991b: 6).
27 Obviamente, a abordagem da lógica social emaranhada também envolve elementos de
desconstrução de estereótipos de desenvolvimento (ver Capítulo 5), ou análises nos mesmos
moldes do populismo metodológico (ver capítulos 8 e 10).
28 Ver Revel, 1995.
29 Mas este não é o único exemplo: outros autores adotam um ponto de vista semelhante: ver Bennett
e Bowen, 1988; Booth, 1994; Gould, 1997.
30 A APAD é a Associação Euro-Africana para a Antropologia da Mudança e Desenvolvimento Social
(apad@ehess.cnrs-mrs.fr); ver os vinte e quatro boletins APAD publicados até à data.

31 No entanto, isso não tem nada a ver com individualismo metodológico, e Booth está certo quando
afirma (1994: 19) que os estudos dos atores “podem iluminar os microfundamentos dos
macroprocessos. Como argumentou Norman Long (1989: 226-31), o uso de microestudos para
iluminar estruturas não implica suposições radicalmente individualistas ou reducionistas.' 32 Ver
Blundo, 1992, para o Senegal; Gould, 1997, para a Tanzânia; Laurent, 1993, para Burkina Faso;
Jacob e Lavigne Delville, 1994, para a África Ocidental.

33 Ver Berche, 1998; Jaffré, 1999, para a África Ocidental.


34 Ver Bierschenk e Olivier de Sardan, 1998, Bako Arifari, 1995, 1999, Bako Arifari e Le Meur, 2001,
para o Benin; Blundo, 1991, 1998, para o Senegal; Bierschenk e Olivier de Sardan, 1997b, para
a África Central; Fay, 2000, Bouju, 2000, para o Mali; Ouedraogo, 1997, Laurent, 1995, 1997,
para Burkina Faso; Olivier de Sardan, 1999a, Olivier de Sardan e Dagobi, 2000, para o Níger.

35 Ver Lund, 1998, para o Níger; Bouju, 1991, Laurent e Mathieu, 1994 para Burkina Faso;
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TRÊS ABORDAGENS NA ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 21

Blundo, 1996; Chauveau Bouju e Le Roy, , 2000b para a Costa do Marfim; Lavigne Delville,
2000, para a África Ocidental.
36 Ver Blundo, 1995, para o Senegal; Bierschenk, Chauveau e Olivier de Sardan, 2000, para
África Ocidental.

37 A expressão 'aparelho de Estado' é tomada aqui no sentido descritivo, sem as conotações


autoritárias ou disciplinares de Althusser (1970). Quanto à 'sociedade civil' partilhamos as
reservas e críticas que habitualmente se fazem a este termo (ver, por exemplo, Lemarchand,
1992; Comaroff e Comaroff, 1999). Nós nos submetemos ao seu uso apenas em razão de
sua prevalência.
38 O rigoroso comparativismo 'qualitativo' implica um certo número de inovações metodológicas:
ver, por exemplo, o ECRIS canvas (Bierschenk e Olivier de Sardan, 1997a, apresentado no
Capítulo 12, que serviu de base metodológica para muitos dos trabalhos citados acima) ;
ver, em outro nível, os anexos metodológicos de Long, em Long, 1989.

39 O fim do funcionalismo está no centro da análise de Booth; ele insiste que isso é um efeito do
marxismo e está bastante satisfeito com o atual renascimento dos 'estudos do
desenvolvimento', sua 'redescoberta da diversidade' (o Capítulo 8 abaixo propõe uma análise
mais complexa sobre o marxismo, mas eu concordo com algumas das conclusões de Booth
sobre as limitações da abordagem marxista).
40 Ver Yung e Zaslavsky, 1992, sobre estratégias camponesas ofensivas e defensivas no
Sahel.
41 Esta é a tese de S. Berry (1993), que é frequentemente citada, especialmente por Lund, 1998,
Chauveau, Le Pape e Olivier de Sardan, 2001. Sobre a distinção entre 'normas oficiais' e
'normas práticas' (em relação a corrupção, favores e culturas profissionais), ver Olivier de
Sardan, 2001b.
42 Em reconhecimento aos trabalhos pioneiros de Boissevain (1974), Long (1975), Schmidt et al.
(1977), Eisenstadt e Lemarchand (1981), a relação entre clientelismo e corretagem em
relação ao desenvolvimento na África foi analisada por Blundo (1995) e por Bierschenk,
Chauveau e Olivier de Sardan, 1999.
43 Ver Bierschenk e Olivier de Sardan, 1998.
44 Ver Geschiere e Gugler, 1998.
45 Ver Bierschenk, 1992.
46 Chauveau, 2000a.
47 Ver Olivier de Sardan, 1999b; Blundo, 2000; Blundo e Olivier de Sardan, 2000,
2001.
48 Ver Bako Arifari, 1999; Koné e Chauveau, 1998; Le Meur, 1999; Olivier de Sardan, 1999a;
Olivier de Sardan e Dagobi, 2000. A análise empírica da abordagem comunitária predominante
no desenvolvimento leva, com a ajuda dos trabalhos acima, a interrogações do espaço
público e da ação coletiva (ver, além disso, Mosse, 1997, e Gould, 1997, que trabalhando
por caminhos independentes chegaram a conclusões relativamente semelhantes).

49 Embora eu possa entender por que Abram propõe uma 'mudança da ajuda internacional para
a organização do desenvolvimento por governos municipais ou nacionais para seus próprios
cidadãos' (Abram, 1998: 3), acredito que esses dois tipos de 'desenvolvimento' dificilmente
são distinguíveis e pertencem ao mesmo processo analítico. No entanto, a irrelevância de
binários analíticos como endógeno/exógeno, cidade/país ou global/local não implica que eles
não sejam de interesse para a antropologia da
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22 INTRODUÇÃO

desenvolvimento: na medida em que essas oposições permanecem categorias estratégicas


para certos atores sociais, ainda somos obrigados a analisar seus modos de reprodução e
manipulação, sem aceitar sua validade analítica de forma integral.
50 Ver a tela de pesquisa comparativista multi-site proposta por Bierschenk e Olivier de Sardan,
1997a (e aqui, Capítulo 12).
51 Ver Appadurai, 1995; Miller, 1995; Longo, 1996; Gupta e Ferguson, 1997;
Binsbergen, 1998; e Meyer e Geschiere, 1999.
52 Esta é uma oposição muito deplorada, mas que é mais fácil denunciar do que
abandonar (ver Booth, 1994: 17).
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2
Socioantropologia do desenvolvimento
Algumas declarações preliminares

Os assuntos tratados no presente trabalho podem ser resumidos por algumas teses
simples.

• Os processos e fenômenos sociais associados ao que se chama desenvolvimento,


políticas de desenvolvimento, operações de desenvolvimento, infraestrutura de
desenvolvimento, projetos de desenvolvimento, no que diz respeito aos países do
Sul, constituem um domínio específico dentro da antropologia e da sociologia.

• Neste campo, em particular, antropologia e sociologia não podem ser separadas,


muito menos opostas. Isso é especialmente verdadeiro no caso de um certo tipo de
antropologia e de um certo tipo de sociologia, desde que estejamos dispostos a
admitir que essas duas ciências sociais intimamente relacionadas não têm nada a
ver com ensaísmo, filosofia, ideologia ou especulação, mas são , ao contrário, o
resultado da pesquisa de campo, ou seja, o produto final dos procedimentos
racionais da pesquisa empírica.

• O diálogo e a cooperação entre os operadores e as instituições de desenvolvimento,


por um lado, e os antropólogos, por outro, é necessário e útil, embora difícil e
entremeado de equívocos quase inevitáveis, atribuíveis a ambas as partes. No
entanto, não há antropologia 'aplicada' do desenvolvimento sem antropologia
'fundamental' do desenvolvimento. Estudos, avaliações e laudos periciais realizados
a pedido de instituições de fomento não devem ser relegados ao gueto da pesquisa
de baixo custo, a ser descartado simplesmente para colocar o pão na mesa dos
pesquisadores. Eles devem ser acoplados, de maneiras ainda a serem inventadas,
com a antropologia “em geral” e com a antropologia da mudança social e do
desenvolvimento em particular. Para isso, devem ser explorados seus conceitos,
problemáticas e requisitos metodológicos.

• 'Desenvolvimento' é apenas outra forma de mudança social; não pode ser entendido
isoladamente. A análise de ações de desenvolvimento e de

23
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24 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

as reações a essas ações não devem ser isoladas do estudo das dinâmicas locais,
dos processos endógenos, dos processos 'informais' de mudança.
Assim, a antropologia do desenvolvimento não pode ser dissociada da antropologia
da mudança social.

• Compreender os fatos do desenvolvimento em sua relação com os fatos da mudança


social pode contribuir para a renovação das ciências sociais. De qualquer forma, a
antropologia da mudança e do desenvolvimento social não pode existir como uma
disciplina separada, truncada da sociologia e da antropologia como um todo. Ela
apela a uma problemática situada no cerne dessas disciplinas, baseia-se nas noções
e conceitos que elas fornecem e faz uso de sua abordagem comparativista.
subculturas. Procura inventariar os respectivos constrangimentos a que estão
submetidos todos os actores e descodificar as estratégias que os actores
implementam de acordo com a margem de manobra de que dispõem. Descreve as
concepções e sistemas de sentido mobilizados pelos grupos em interação e estuda
a dinâmica de transformação dessas concepções e sistemas de sentido.

• O contexto de dominação e desigualdade em que ocorrem os processos de


desenvolvimento ativa vários tipos de ideologias, retóricas e práticas 'populistas' em
operadores e pesquisadores. A antropologia do desenvolvimento não é imune a
isso, mas deve romper com o 'populismo ideológico', em benefício do que podemos
chamar de 'populismo metodológico', se quiser produzir conhecimento confiável.

Vamos descansar o assunto aqui. Este breve inventário de alguns dos temas a serem
desenvolvidos nas páginas seguintes requer o uso de uma série de termos cujos
significados são um tanto ambíguos. Desenvolvimento, é claro, mas também
antropologia, comparativismo, ação, populismo. …
Algumas definições preliminares devem,
portanto, ser fornecidas. As definições aqui propostas não são normativas nem
essencialistas, destinadas a definir a essência das coisas (por exemplo, o que é
'realmente' o desenvolvimento...), mas sim definições de acordo com normas de
convenção e clareza. Sua única ambição é fornecer ao leitor significados estabilizados
desses termos usados posteriormente por mim, dentro da perspectiva a ser desenvolvida
no presente trabalho (por exemplo, o uso puramente descritivo da palavra
desenvolvimento ).

Desenvolvimento

Proponho definir o desenvolvimento, de uma perspectiva fundamentalmente


metodológica, como a soma dos processos sociais induzidos por atos voluntaristas
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 25

na transformação de um meio social, instigado por instituições ou atores que não


pertencem ao meio em questão, mas que buscam mobilizá-lo, e que contam com o
meio na tentativa de enxertar recursos e/ou técnicas e/ou saberes.

Em certo sentido, e contrariamente à opinião comum, o desenvolvimento não é


uma entidade cuja existência (ou ausência) deva ser procurada nas populações em causa.
Em vez disso, o desenvolvimento existe baseado apenas no fato de que existem
atores e instituições que tomam o desenvolvimento como um objeto ou um fim ao qual
dedicam tempo, dinheiro e competência profissional. É a existência dessa “configuração
desenvolvimentista” que define a própria existência do desenvolvimento.
Darei o nome de 'configuração desenvolvimentista' a esse mundo essencialmente
cosmopolita de especialistas, burocratas, funcionários de ONGs, pesquisadores,
técnicos, chefes de projetos e agentes de campo, que vivem, por assim dizer, do
desenvolvimento de outras pessoas e que, para tanto, mobilizar e gerir uma quantidade
considerável de recursos materiais e simbólicos.
Deixemos de lado os eternos debates sobre 'desenvolvimento e crescimento', sobre
o que é desenvolvimento 'real', sobre se o desenvolvimento é um objetivo, uma mística,
uma utopia, bem ou mal, etc. (...) Quer o desenvolvimento 'funcione' ou não, seja
positivo ou negativo, lucrativo ou filantrópico, ele existe, no sentido puramente descritivo
que estou usando, devido ao fato de que existe toda uma gama de práticas sociais
designadas por este palavra. Na perspectiva da antropologia do desenvolvimento, o
desenvolvimento não é um ideal nem uma catástrofe, é sobretudo um objeto de estudo.
Claramente, essa definição resolutamente não normativa de desenvolvimento não
significa que devemos recusar julgamentos morais ou políticos das várias formas de
desenvolvimento – de forma alguma.2 Mas isso é outro problema. A antropologia não
pode pretender intervir positivamente nos debates morais ou políticos em torno do
desenvolvimento, a não ser introduzindo conhecimentos novos e específicos. Deve,
portanto, ter o cuidado preliminar de estudar o desenvolvimento como um fenômeno
social como qualquer outro, à mesma luz do parentesco ou da religião (esta posição
foi defendida por Bastide há muito tempo: ver Bastide, 1971). O que acontece quando
'desenvolvedores' induzem uma operação de desenvolvimento entre 'desenvolvidos',3
quais são os processos sociais postos em movimento pelos numerosos atores e grupos
de atores que estão direta ou indiretamente envolvidos? Como podemos identificar,
descrever ou interpretar os numerosos efeitos não intencionais provocados por essas
ações multiformes diárias em aldeias e cidades africanas que se enquadram no termo
'desenvolvimento'?
Para responder a tais questões, é necessário um amplo leque de ferramentas
analíticas: é importante entender como os agentes de desenvolvimento (agentes de
extensão ou enfermeiros) atuam no campo – não são meras correias de transmissão
e possuem estratégias próprias – mas é igualmente importante analisar o modo real
de funcionamento de uma ONG ou do Banco Mundial, estudar os modos de ação
econômica de uma população aldeã, distinguir as formas locais de política
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26 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

competição, ou o papel desempenhado pelo parentesco, ou para revelar a dinâmica da


transformação das concepções populares e dos mundos dos sentidos. Em todos esses
casos, apenas a pesquisa de campo fornece descrição, compreensão e análise das
práticas e percepções vinculadas às ações de desenvolvimento e às reações que elas
provocam. Assim, o papel do antropólogo não consiste em fazer declarações públicas
sobre sua opinião sobre o desenvolvimento. Pelo contrário, ele precisa ser um
observador muito perspicaz (e deve, portanto, dominar as ferramentas conceituais e
metodológicas relevantes). Da mesma forma, ele deve, na medida do possível, evitar
preconceitos ideológicos e classificações prontas.
O campo do desenvolvimento não é impermeável a pontos de vista normativos,
preconceitos morais (de todos os lados), retórica ideológica, declarações barulhentas,
clichês e boas intenções. Está saturado com tudo isso. O 'fracasso' recorrente
encontrado pelas intervenções de desenvolvimento é um tema de debate interminável.
Embora as explicações sugeridas possam variar, o que permanece constante é uma
abundância de moralizadores sobre o tema da crise que a África enfrenta atualmente,
com suas economias catastróficas e aparelhos estatais em ruínas. Não faltam bons
conselhos e as chamadas novas ideias. O que realmente falta é uma compreensão dos
mecanismos reais em funcionamento e uma análise dos processos sociais em jogo.

Parafraseando – e invertendo – uma famosa afirmação feita por Marx em suas


“teses sobre Feuerbach”: o problema, no que diz respeito ao desenvolvimento, é
entender como o mundo muda, em vez de pretender mudar o mundo sem antes
encontrar os meios de compreendê-lo.
Atualmente, as teorias normativas de tipo macroeconômico ainda gozam de
preeminência no que diz respeito ao 'pensamento desenvolvimentista', à influência nas
políticas e à drenagem de fundos para avaliação e pesquisa.4 No entanto, e para dizer
o mínimo, essas teorias não são fundamentadas em qualquer conhecimento
aprofundado dos mundos de vida dos atores sociais 'de base' ou seus meios de lidar
com sua realidade. Por outro lado, mais perto de casa, a retórica populista, as ideologias
participativas e a boa vontade humanitária, que mais ou menos se propõem como
alternativas, dificilmente são mais bem informadas. Não há como cortar o custo de uma
análise mais específica e mais intensa, situada na maior proximidade das interações
sociais 'reais'. É aqui que entra, ou deveria entrar, a antropologia. O 'ponto de impacto'
das políticas de desenvolvimento nas populações em causa, ou seja, no espaço social
em que ocorrem as interacções entre os operadores de desenvolvimento (projectos de
desenvolvimento e acções de desenvolvimento) e os 'grupos-alvo', é, a este respeito,
uma estratégia nível de investigação, ao qual está particularmente adaptada a
investigação de campo antropológica intensiva. Desta forma, chegamos a um 'ponto de
vista' mais próximo das populações em causa, dos utilizadores reais ou potenciais do
desenvolvimento, e que tem em conta as suas reacções às operações de
desenvolvimento realizadas em seu nome. Minha insistência neste 'micro' e 'orientado
para o ator'
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 27

nível,5 em que a antropologia e a sociologia 'qualitativa'6 estão particularmente à


vontade, não nega a importância de estudos mais estruturais e 'macro'.
A interação entre desenvolvedores e desenvolvidos, sob restrições do tipo
'macro' (relações de produção, mercado mundial, políticas nacionais, relações Norte-
Sul etc.), é um espaço privilegiado de pesquisa para compreender as lógicas 'reais'
das instituições de desenvolvimento e as lógicas 'reais' dos produtores e das
populações envolvidas. Com efeito, supõe-se (mas este é um paradigma fundador
das ciências sociais) que discursos públicos, políticas declaradas, estruturas
administrativas ou jurídicas nem sempre coincidem, longe disso, com a prática
efetiva, no desenvolvimento e em outras esferas da vida social. .

Socioantropologia do desenvolvimento

O que quero dizer com 'antropologia' é o estudo empírico e multidimensional dos


grupos sociais contemporâneos e suas interações, colocados em uma perspectiva
diacrônica, e combinando a análise de práticas e de concepções. Também poderia
ser chamada de 'sociologia qualitativa' ou 'socioantropologia' porque, assim definida,
se distingue da sociologia quantitativista, baseada em pesquisas pesadas por meio
de questionários, e da etnologia patrimonialista, que se concentra em um informante
privilegiado (de preferência bem iniciado) . É o oposto direto do ensaísmo especulativo
na sociologia e na antropologia. A antropologia combina as tradições da sociologia
de campo (a Escola de Chicago) e da antropologia de campo (etnografia) para tentar
uma análise in situ intensiva das dinâmicas de reprodução/transformação de diversos
conjuntos sociais, levando em conta o comportamento dos atores, bem como as
significados que atribuem ao seu comportamento.

Vamos nos limitar ao termo 'antropologia', como fiz em ocasiões anteriores.


“Antropologia”, neste caso, não designa um chamado estudo de sociedades
“primitivas” ou “simples” (o que corresponderia ao antigo significado de “etnologia”),
mas evoca, ao contrário, uma abordagem que combina trabalho de campo e
comparação estudos, uma abordagem intensiva e social da realidade social, que é
observável em parte em um certo tipo de sociologia . .

No entanto, os temas de pesquisa histórica propriamente ditos, em oposição aos da


antropologia, invocam material 'morto', por assim dizer, o que justifica meu abandono
da história – como disciplina – na linha de toque. No entanto, a perspectiva histórica,
o recurso à 'tradição oral' e a contextualização histórica constituem ingredientes
essenciais de qualquer tipo de antropologia digna desse nome. O desenvolvimento,
como definido acima, é um campo privilegiado para
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28 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

antropologia. De fato, requer o envolvimento de inúmeros atores sociais, pertencentes tanto


a 'grupos-alvo' quanto a instituições de desenvolvimento. O seu estatuto profissional, as suas
normas de actuação e competência variam consideravelmente.
O desenvolvimento 'no campo' é o produto final dessas múltiplas interações, que nenhum
modelo econômico em laboratório pode prever, mas cujas modalidades a antropologia pode
descrever e tentar interpretar.
Isso implica um nível de competência que não pode ser improvisado. O confronto de
lógicas sociais variadas em torno dos projetos de desenvolvimento constitui um fenômeno
social complexo que economistas, agrônomos e tomadores de decisão tendem a ignorar.
Perante o recorrente desfasamento entre o comportamento esperado e o comportamento
real, face aos desvios a que estão sujeitas todas as operações de desenvolvimento, em
consequência das reacções dos grupos-alvo, os promotores tendem a recorrer a noções
pseudo-sociológicas mais próximas a clichês e estereótipos do que a ferramentas analíticas.
Conseqüentemente, a 'cultura' ou 'valores' das populações locais são chamadas a 'explicar'
sua constante propensão a não fazer o que se quer que façam, ou a fazer à sua maneira.
Isso equivale a explicar o inexplicável pelo inexplicável. Essas noções particularmente
nebulosas, emprestadas de uma antropologia clandestina, são características da sociologia
do faça-você-mesmo de certos economistas e agrônomos . -culturas e diversidade cultural
interna de um determinado grupo social, mas também da influência das clivagens sociais
(idade, sexo, classes sociais, entre outras) e das normas e comportamentos.

Eles perdem de vista o fato de que a 'cultura' é uma construção submetida a processos
sincréticos contínuos e objeto de lutas simbólicas.
A análise das interações entre a 'configuração desenvolvimentista' e as populações
locais, como a análise das várias formas de mudança social, exige certos tipos de
competências, as mesmas que a sociologia, a antropologia e a antropologia do
desenvolvimento estão determinadas a colocar em ação. . Mas pode a antropologia do
desenvolvimento estar à altura dessas demandas?
Ou seja, existe antropologia do desenvolvimento?
Conforme demonstrado a seguir, após um período de estagnação após trabalhos
pioneiros, estudos recentes nos permitiram responder afirmativamente. No entanto, este tipo
de antropologia permanece igualmente marginal no mundo do desenvolvimento e no mundo
das ciências sociais.
É verdade que nos Estados Unidos, em particular, a 'antropologia aplicada' tem seu lugar.
Há uma longa tradição de solicitação social de sociólogos e antropólogos (mesmo antes da
Segunda Guerra Mundial, eles eram chamados em todos os tipos de questões sociais, desde
o problema das reservas indígenas até o das gangues urbanas). No entanto, no que diz
respeito ao mundo do desenvolvimento propriamente dito, como regra geral, a problemática
ainda era rudimentar, puramente descritiva, muitas vezes ingênua e desvinculada dos
grandes debates teóricos das ciências sociais.9
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 29

No mundo francófono, um rápido inventário da abundante literatura dedicada ao


desenvolvimento indica que a antropologia empírica dos fatos do desenvolvimento
constitui uma área bastante marginal e amplamente ignorada. A grande maioria das
obras classificadas sob os títulos de 'sociologia' ou 'antropologia' tratam de fato de
economia ou ideologia. No que diz respeito a este último, esses trabalhos são
baseados em considerações normativas ou moralistas – mais ou menos legitimadas
por termos acadêmicos – sobre o 'desenvolvimento em geral' ou sobre a necessidade
de levar em conta 'os fatores culturais do desenvolvimento'10.
O rótulo "ciências sociais do desenvolvimento" geralmente é enganoso, e a
antropologia do desenvolvimento (o tipo promovido aqui, baseado em pesquisas de
campo sólidas, usando ferramentas de investigação testadas) é essencialmente
inexistente. Por exemplo, três trabalhos recentes em francês, que afirmam revisar,
cada um à sua própria luz, a relação entre ciências sociais e desenvolvimento,
testemunham um total desconhecimento da antropologia do desenvolvimento (ver
Choquet et al., 1993; Guichaoua e Goussault, 1993; Rist, 1994): nem os trabalhos
em francês pertencentes à orientação aqui defendida nem os trabalhos em inglês
que mais se aproximam disso (Long, 1989; Long and Long, 1992; Elwert e
Bierschenk, 1988) recebem sequer a menor menção em qualquer um desses livros.
Isso é tanto mais surpreendente quanto se faz menção à “minuciosa antropologia
aplicada norte-americana” em contraste com “a modesta antropologia do
desenvolvimento” do mundo francófono e sua grande “pobreza teórica” (Guichaoua
e Goussault, 1993: 103). . A posição de Kilani (in Rist, 1994), que contesta a ideia
de que a antropologia do desenvolvimento existe, está, por sua vez, alicerçada nas
mais deploráveis confusões. A antropologia do desenvolvimento está continuamente
associada à antropologia aplicada. As deficiências que Kilani denuncia tão
abruptamente estão relacionadas às inevitáveis lacunas entre conhecimento e ação,
e se aplicam independentemente do campo de estudo. Estes não podem ser
atribuídos apenas à antropologia, pois seu interesse pelos processos sociais de
desenvolvimento é equivocado. Além disso, Kilani apressadamente acusa a
antropologia do desenvolvimento de ceder à 'tendência atual' ao aderir às ideologias
do desenvolvimento sem se dar ao trabalho de argumentar (Kilani, 1994: 29).
Demonstra assim o seu desconhecimento das obras acumuladas ao longo dos
últimos vinte anos. Sustenta, além disso, que o desenvolvimento não é um conceito
sociológico, e que não tem outro status senão o de designar uma realidade fora da
antropologia, como o esporte, a cidade ou a velhice (ibid.; 20). É verdade que
"desenvolvimento" não é um conceito. Mas é exatamente esse status de 'objeto' que
nos permite falar de antropologia do desenvolvimento sem assumir concepções dos
'desenvolvedores'. A antropologia urbana pode ser feita mesmo que 'cidade' não
seja um conceito e sem assumir uma ideologia urbanista! Kilani critica a natureza
heterogênea do desenvolvimento como objeto para a antropologia, que, diz ele, não
deixa espaço para os 'pontos de vista gerais', ou desenvolvimentos teóricos
coerentes, que deveriam ser as características
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30 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

da antropologia real (ibid: 27). Mas é a própria heterogeneidade dos fatos do


desenvolvimento que torna a antropologia do desenvolvimento interessante. A
antropologia está tão sem recursos a ponto de se interessar apenas por objetos
coerentes? Se assim fosse, ela se mostraria incapaz de apreender os aspectos
fundamentais da vida social, igualmente heterogêneos!
Assim, o status marginal da antropologia da mudança social e do desenvolvimento
na cena pública do desenvolvimento constitui, ao mesmo tempo, uma marginalização
na cena pública da pesquisa em ciências sociais. No entanto, da mesma forma que as
instituições de desenvolvimento têm tudo a ganhar colaborando com a antropologia
ativa, é igualmente do interesse da pesquisa em ciências sociais levar em conta a
antropologia do desenvolvimento. Há muito que se estabeleceu que as várias reacções
de uma sociedade (ou das suas várias componentes) a uma intervenção 'externa'
constituem um dos melhores indicadores do dinamismo das suas próprias estruturas e
permitem uma análise particularmente boa do comportamento social. 11 Trata-se
simplesmente de explorar o corpo de conhecimento contido nas ciências sociais sobre
os fatos sociais do desenvolvimento, pois a tarefa atribuída às ciências sociais é
interpretar comportamentos ou práticas aparentemente ininteligíveis, sem recorrer a
preconceitos, ideologias ou interesse. Assim, a análise das práticas sociais efetivamente
implantadas no contexto de um projeto de desenvolvimento coloca a ênfase nas
inevitáveis diferenças entre os diversos 'interesses' e 'racionalidades' que regulam as
reações das populações envolvidas.

Não é por acaso que muitos trabalhos contemporâneos de antropologia do


desenvolvimento, apesar das diferenças acadêmicas ou linguísticas, têm certo ar de
semelhança. No entanto, isso não se deve nem à discussão entre seus autores nem à
sua associação como discípulos de uma escola comum de pensamento. Seria difícil
encontrar padrões de interpretação prontos, sejam funcionalistas, sistemáticos, liberais,
marxistas ou outros. A este respeito, a antropologia do desenvolvimento não tem um
paradigma definido. No entanto, aqui e ali, as mesmas perguntas são feitas com
frequência: como explicar a discrepância entre um projeto de desenvolvimento e sua
execução? Como as restrições e o espaço de cotovelo são articulados?

Muitos trabalhos antropológicos atuais sobre o desenvolvimento partem dos mesmos


postulados: as práticas populares têm um sentido que precisa ser descoberto. Esses
trabalhos compartilham uma suspeita comum: consideram insatisfatórias as explicações
ideológicas e as teorias gerais apresentadas pelas instituições de desenvolvimento.
Estão organizados na mesma linha: pesquisando sobre diferenças, clivagens,
contradições, vistos como analisadores privilegiados da realidade social. Eles fazem a
mesma tentativa de conciliar a análise das estruturas que condicionam a ação e a
identificação das lógicas que fundamentam o comportamento e as concepções dos
atores.
Diante das simplificações encontradas em todo desenvolvimento
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 31

ideologias, fundadas em preconceitos consensuais,12 a antropologia do


desenvolvimento afirma, desde logo, que a esfera social é muito complexa, que
os interesses, concepções, estratégias e lógicas dos vários parceiros (ou
'adversários') que o desenvolvimento põe em relação entre si divergem. Por outro
lado, a vida cotidiana do desenvolvimento compreende compromissos, interações,
sincretismos e barganhas (principalmente informais e indiretas). Esses são os
tipos de noções – que, obviamente, não excluem as lutas de poder – que devem
ser exploradas para explicar os efeitos 'reais' das ações de desenvolvimento
sobre os meios que pretendem transformar. Isso implica romper com "padrões"
explicativos dualistas, estruturas estruturalistas e referências culturalistas.

Comparativismo

Isso significa que cada situação local ou operação de desenvolvimento requer


uma análise específica e que nenhuma lei pode ser derivada da infinita variedade
de contextos concretos? Sim e não. Sim, no sentido de que cada 'campo' é uma
combinação única de restrições e estratégias, que apenas uma análise específica
pode decifrar. Não, no sentido de que certos constrangimentos são comuns ou
semelhantes: tipologias podem ser constituídas a partir de condições ecológicas,
modos de integração do mercado mundial, relações de produção ou regimes políticos.
Da mesma forma, além de casos e contextos individuais, lógicas econômicas (por
exemplo, a minimização de 'saídas' monetárias), lógicas sociais (por exemplo,
redes de solidariedade) ou lógicas simbólicas (como códigos de consumismo
ostensivo, ou modos de identificação de status , com base na redistribuição)
frequentemente se cruzam.
Um progresso decisivo da antropologia do desenvolvimento resultará, muito
provavelmente, de análises comparativas rigorosas, incentivadas pelo aumento
do número de estudos. Material de campo mutuamente compatível,13 ou seja,
material resultante de uma problemática de pesquisa idêntica, em oposição às
monografias descritivas dos etnógrafos de ontem, estaria finalmente disponível e
sujeito a generalizações abusivas, a explicações precipitadas e a teorias 'amplas',
que 'ilustrações' interessantes e ignorar contra-exemplos.

No interesse deste progresso desejado, alguns conceitos comuns ou


relacionados devem ser encontrados. Mas não se trata aqui de teorias conceituais,
integradas em paradigmas rígidos, que funcionam no modo de verificação ou
confirmação (o inevitável conceito marxista de 'modos de produção', por exemplo).
O que propomos são conceitos exploratórios, permitindo a produção de dados
novos e comparáveis que nada têm a ver com sobreinterpretações pré-
programadas. Conhecimento técnico popular, lógica,
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32 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

corretagem, arena, grupos estratégicos são alguns dos conceitos exploratórios


mencionados a seguir, e que podem garantir uma abordagem mais ou menos
comparativista dentro da antropologia do desenvolvimento.
Isso não exclui a referência a certas noções, ou seja, a certos termos mais ou menos
imprecisos, mas predominantes, que têm o mérito de indicar campos de investigação,
fragmentos de realidade que podem ser convenientemente mencionados, sem qualquer
pretensão analítica. A inovação é um exemplo desse tipo de noção necessária, embora
ambígua.
Além disso, a abordagem comparativista na base da antropologia do desenvolvimento
tem duas características específicas: a visão multiculturalista das situações de
desenvolvimento e a transversalidade das concepções e práticas dos atores engajados
nessas situações.

Multiculturalismo As
situações de desenvolvimento colocam dois mundos diferentes em confronto um com
o outro. Por um lado, há uma cultura basicamente cosmopolita, internacional, a cultura
da 'configuração desenvolvimentista'. É claro que isso é dividido em subculturas
(transnacionais), sob a forma de vários clãs, baseados em ideologia e/ou profissão,
que se comportam mais ou menos da mesma maneira, em todo o mundo. Por outro
lado, existe uma grande variedade de culturas e subculturas locais.14 Embora os
resultados de tais confrontos sejam em grande parte imprevisíveis, é possível, no
entanto, identificar uma série de constantes e invariantes. É isso que pretendemos
realizar com o auxílio de alguns dos conceitos exploratórios (por exemplo, corretagem,
conhecimento técnico popular e lógicas) mencionados acima.

Transversalidade
Poderíamos naturalmente imaginar uma divisão da antropologia do desenvolvimento
em subdisciplinas, de acordo com os tipos de intervenção que estuda: desenvolvimento
rural, saúde, juventude urbana, etc. De fato, todas as operações de desenvolvimento
passam por filtros institucionais e técnicos que as colocam em um campo profissional
e não em outro, por mais integrada que seja a operação de desenvolvimento em
questão. Retórica geral à parte, o desenvolvimento geralmente toma a forma de
especialistas especializados, organizações especializadas e financiamento especializado,
seja na área de saúde, meio ambiente, produção agrícola, reforma administrativa,
descentralização ou promoção da mulher. No que diz respeito à competência,
planejamento, financiamento ou administração, o desenvolvimento não pode evitar a
compartimentação. A antropologia do desenvolvimento pode ter algumas boas razões
para seguir o exemplo da configuração desenvolvimentista em suas especializações,
mesmo que apenas aumentando a prioridade dada aos aspectos materiais das
intervenções e aos mecanismos de que dependem: os constrangimentos envolvidos
em uma instalações agrícolas são
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 33

diferente daquelas em campanha de vacinação. Mas outros fatores sociais 'ao


base', e em particular os 'clientes' das instituições de desenvolvimento, não estão preocupados
com clivagens desse tipo. Práticas e concepções populares
escapar às clivagens setoriais: é o mesmo camponês que reage a uma
projecto e a um centro de saúde comunitário, frequentemente (mas nem sempre) através
exercício de lógicas de ação idênticas, ou em referência a
normas. A inevitável compartimentação das instituições ou intervenções contrasta assim com o
comportamento das populações visadas.
A transversalidade popular também difere da compartimentalização desenvolvimentista do
ponto de vista diacrônico. Visto do ponto de vista de seus organizadores, um projeto de
desenvolvimento ocupa inteiramente o espaço-tempo. É central,
onipresente, único. Do ponto de vista camponês, é temporário, relativo,
incidental – apenas mais um elo em uma cadeia de intervenções consecutivas. Projeto
os agentes dedicam 100 por cento da sua actividade profissional a um sector de actividade
que representa apenas uma fração do tempo utilizado pelo produtor ou pelo
consumidor que visa. Muitas oposições surgem como resultado de pontos de vista tão
radicalmente diferentes.
Pode-se também examinar a questão da setorização de um ângulo diferente
do que a das clivagens que distinguem as instituições de desenvolvimento, nomeadamente
as clivagens persistentes que caracterizam as ciências sociais. A antropologia, por
por exemplo, tem sub-clivagens (mais ou menos latentes ou mais ou menos explícitas).
A antropologia econômica lida com relações de produção, modos de produção, produção de
mercadorias em pequena escala, comércio informal. A antropologia política reflete sobre o poder
no nível local, os sistemas patrono-cliente, a política
concepções. E assim por diante. Mas aqui, novamente, o argumento permanece o mesmo. Social
atores estão engajados em constantes movimentos de vai-e-vem entre o
registro político e registro econômico, para não falar do simbolismo,
língua ou religião. Práticas e concepções populares, confrontadas com
mudança em geral e desenvolvimento em particular, mobilizar todos os registros em
sua disposição. Nenhum desses registros pode ser dispensado ou desqualificado a priori,
nem o registro econômico (com suas relações de produção e modos de
ações econômicas) nem o registro político (com suas relações de dominação
e estratégias de poder) nem os registros sociais, simbólicos ou religiosos.
A antropologia do desenvolvimento não pode ser decomposta em subdisciplinas: a
transversalidade de seu objeto é um ingrediente essencial de seu objetivo comparativista. A
antropologia da mudança e do desenvolvimento é simultaneamente uma
antropologia, uma sociologia das organizações, uma antropologia econômica, uma sociologia das redes,
uma antropologia das concepções e dos sistemas de sentido. É por isso que tanto paciente-enfermeiro
interações e interações supervisor-camponês são objetos igualmente interessantes,
e porque é igualmente interessante descrever e analisar as concepções de
ambos, as instituições de ambos, as relações sociais de ambos, os sistemas de
restrições em que ambos estão envolvidos.
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34 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

No entanto, declarar a coesão de uma disciplina ou subdisciplina, que define o


campo comparativo que ela tenta compreender, é sempre ambivalente e sempre
relativo. Também vale a pena mencionar o fato de que esse tipo de declaração é
facilmente usado para delimitar fronteiras, que também é uma estratégia profissional,
às vezes implica preocupações corporativas e pode acabar em um debate metafísico.
A ambição comparativa da antropologia da mudança e do desenvolvimento social, tal
como aqui definida, assenta numa relativa autonomia do seu objecto e numa série de
problemáticas na interface entre a antropologia e a sociologia. Minha posição é,
portanto, um pouco diferente da de Augé, por exemplo. Augé afirma que a antropologia
(e somente a antropologia) é por princípio indivisível, em oposição às
superespecializações de outras ciências sociais, que criam subdisciplinas definidas por
seu objeto. É com base nisso que ele se recusa a reconhecer a antropologia da saúde
(Augé, 1986) como uma disciplina por direito próprio. Gostaria de ter uma posição mais
cautelosa, que considero mais realista. Mesmo aqueles que não toleram a
superespecialização ou a fragmentação sem fim, e que não questionam a profunda
coerência epistemológica das ciências sociais ou a profunda unidade metodológica da
antropologia, são obrigados a reconhecer que os objetos exercem certa influência na
constituição do conhecimento, na a relativa autonomia dos campos comparativos
(transdisciplinas ou subdisciplinas) que deles brotam. Esses campos comparativos
podem ser definidos em muitas bases, geralmente regionais ou temáticas. As 'zonas
culturais' – África, Sudeste Asiático ou sociedades rurais europeias – constituem assim
uma das possíveis dimensões desta relativa autonomia induzida pelo objecto. As
classificações temáticas – sociologia da educação, antropologia da religião ou
antropologia do desenvolvimento – constituem outra. Esses dois modos de 'semi-
especialização decorrente de objetos' estão na origem de todas as formas de com
parativismo contextualizado (além disso, não há incompatibilidade entre eles). No
entanto (e concordo com Augé neste ponto), a autonomia desses campos comparativos
só pode ser relativa; a independência seria ao mesmo tempo absurda e improdutiva.

Em última análise, a abordagem comparativa em que se funda a autonomia relativa


da antropologia do desenvolvimento é, a meu ver, resultado da ligação entre três
componentes fundamentais e indissociáveis: (1) um objeto específico e particular (os
processos sociais de mudança, simultaneamente endógena e induzida); (2) uma
problemática alimentada pelos debates contemporâneos nas ciências sociais (que vão
além da própria antropologia); (3) uma metodologia de produção de dados alicerçada
na tradição da antropologia e da 'sociologia qualitativa', e que leva em conta todas as
dimensões da realidade vivida pelos atores sociais (transversais às partições temáticas
usuais das ciências sociais).
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 35

Ação

O presente trabalho não traz reflexões aprofundadas sobre os problemas da ação, ou


seja, sobre a 'aplicação' propriamente dita da antropologia do desenvolvimento (isso
só será mencionado no capítulo 13, visto do ângulo das relações entre pesquisadores
científicos e operadores de desenvolvimento). Isto não implica qualquer desprezo ou
subestimação destes problemas, que dizem respeito à integração dos antropólogos
nos programas de desenvolvimento, ou ao seu papel nos estudos, avaliação ou perícia.
Não compartilho da atitude altiva e poderosa de certos pesquisadores em relação aos
'profissionais do desenvolvimento', e considero que um chefe de projeto, um
extensionista ou um médico vale tanto quanto um sociólogo ou um antropólogo.

Não acho que o papel das ciências sociais seja meramente de protesto ou crítica.
Isso não significa que as ciências sociais não tenham qualquer pertinência; o contrário
é óbvio. Mas a modéstia implicada no reformismo, no desenvolvimento como em
qualquer outro lugar, vale tanto quanto o brio ou a denúncia. Há espaço para ambos.
A melhoria da qualidade dos 'serviços' que as instituições de desenvolvimento propõem
às populações é um objectivo que não deve ser desprezado. E a antropologia do
desenvolvimento pode contribuir com sua parte, modesta mas real, para essa melhoria.

Mas somente a qualidade de seus procedimentos e do conhecimento que produz é


capaz de garantir sua influência na ação. É por isso que me concentrei na função do
conhecimento e seus pré-requisitos: este é o 'bilhete de entrada' que deixa a antropologia
do desenvolvimento no campo de ação; é também o meio de chamar sua atenção para
as armadilhas das pressões ideológicas, das quais o populismo não é o menos
importante.
Há muito tempo, escreveu Marc Augé, “o desenvolvimento está na agenda
etnológica: o dever da etnologia não é elucidá-lo, mas estudá-lo, em suas práticas,
estratégias e contradições” (Augé, 1973). Concordo no que diz respeito ao imperativo
do estudo, mas não compartilho sua recusa a priori de todos os esforços de 'elucidação',
ou seja, de todas as tentativas de contribuir para a ação.
O simples fato é que o estudo constitui, entre outros fatores, a condição de uma
possível (e necessariamente modesta) elucidação.

Populismo

O que quero dizer com 'populismo' é uma certa relação entre os intelectuais
(associados a classes e grupos privilegiados) e o povo (classes e grupos dominados):
uma relação em que os intelectuais descobrem o povo, se compadecem de sua sorte
na vida e/ou se maravilham de acordo com as suas capacidades, e decidem colocar-
se à disposição do povo e lutar pelo seu bem-estar.
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36 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Daí o meu uso do termo 'populismo' não corresponder ao sentido que ele assume
atualmente no discurso político contemporâneo (onde faz referência pejorativa ao
comportamento 'demagógico' de políticos mais ou menos carismáticos). Estou voltando
ao sentido original do populismo, aquele dos russos populistas do século XIX (narodnicki).

O populismo faz parte do universo do desenvolvimento. Em certo sentido, é mesmo


inseparável do desenvolvimento. Não é verdade que a configuração desenvolvimentista
compreende 'elites' que pretendem ajudar o povo (camponeses, mulheres, pobres,
refugiados, desempregados...), melhorar suas condições de vida, estar à sua disposição,
trabalhar para seu bem-estar, para colaborar com eles? A proliferação de organizações
não governamentais (ONGs), tanto sua prática quanto sua retórica, refletem esse
populismo desenvolvimentista, constituindo de fato sua forma mais recente e massiva,
embora existam muitas outras. Os 'países em desenvolvimento', os 'miseráveis da
terra', os desempregados dos 'negros Brazzavilles', os agricultores em risco de fome,
vítimas da guerra, desnutrição, cólera ou ajuste estrutural, são tantos rostos que o
'povo' veste em um contexto desenvolvimentista, ou seja, no que diz respeito aos
'privilegiados' e aos 'dotados' ocidentais convertidos ao seu serviço. Mas o populismo
também estrutura, em grande medida, o mundo da pesquisa, tanto na sociologia quanto
na antropologia e na história. A reabilitação dos atores sociais de base, as narrativas
do estilo de vida dos humildes, o inventário das competências e astúcias camponesas,
o inventário da 'visão dos conquistados', a análise da resistência popular: esses são
alguns dos temas centrais do Ciências Sociais.

Essa ideologia latente tem várias vantagens e méritos, além de muitas deficiências
e desvantagens, que serão mencionadas abaixo (ver Capítulo 7).
Mas, no entanto, corresponde a um certo progresso metodológico. Apesar das
dificuldades que as ciências sociais têm em relação à acumulação, os modelos
explicativos que propõem (no auge de seu progresso e inventividade, que nem sempre
se reflete na mídia) são atualmente, em parte, muito mais complexos do que os das
ciências sociais. passado. Não é mais relevante considerar os fenômenos sociais – que
invariavelmente envolvem muitos fatores – em termos de determinismos grosseiros,
variáveis hermenêuticas isoladas ou conjuntos simplistas: modo de produção, cultura,
sociedade, o 'sistema'... Os recursos de que os atores 'de base' têm à sua disposição –
objeto mesmo das preocupações e solicitudes das instituições de desenvolvimento –
integram essa complexidade crescente, o que não significa que os constrangimentos
sociais sejam desconsiderados, longe disso. Consequentemente, não é mais possível
apresentar a difusão de uma mensagem de saúde como um tipo de comunicação linear
'telegráfica' em que um 'emissor' (ativo) envia uma 'mensagem' a um 'receptor' (passivo),
uma mensagem que é mais ou menos perturbado por 'parasitas' (interferência a ser
eliminada). O receptor não recebe o sentido passivamente, ele o reconstrói,
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 37

dependendo tanto do contexto quanto das negociações incessantes em andamento.


O ator social 'de baixo', despossuído e dominado como pode ser, nunca é um mero
'destinatário' que só tem a escolha entre submissão ou revolta.

Uma problemática coletiva

As palavras-chave definidas acima (desenvolvimento, antropologia, comparativismo,


ação, populismo), também são usadas por outros em sentidos idênticos ou
relacionados. Esses comentários, ou mais ou menos semelhantes, também foram
feitos por outros cientistas. A criação de uma associação como a APAD (Associação
Euro-Africana para a Antropologia da Mudança e Desenvolvimento Social)15 atesta
essas convergências. Existe uma série de trabalhos coletivos que constituem tantos
marcos da dinâmica intelectual ligada à história inicial ou recente da APAD, e que
podem ser citados como momentos significativos na criação de uma série de
problemáticas convergentes.
O presente trabalho está parcialmente preocupado em fornecer uma visão geral
dessas problemáticas. No que diz respeito a estes, é interessante notar a
complementaridade óbvia e surpreendente de insights, pesquisas e proposições
feitas por cientistas de diferentes pontos de partida. Podemos citar, entre outras
publicações, Paysans, experts et chercheurs en Afrique noire (Boiral, Lantéri e Olivier
de Sardan, eds., 1985); o número especial de Sociologia Ruralis sobre 'Ajuda e
Desenvolvimento' (Elwert e Bierschenk, 1988); Sociétés, développement et santé
(Fassin e Jaffré, 1990); e Les associações paysannes (Jacob e Lavigne Delville,
1994).16 Essa observação provavelmente traz à mente a noção de uma 'faculdade
invisível': 'uma faculdade invisível é uma rede informal de pesquisadores que
constroem um paradigma intelectual para estudar tópicos comuns ' (Rogers, 1983:
xviii; ver Kuhn, 1970). É claro que seria inapropriado falar de um paradigma no
sentido estrito e kuhniano da palavra.
Não obstante, permanece o fato de que há uma configuração de afinidades científicas
e uma convergência de problemáticas dignas de nota.17

Mudança social e desenvolvimento: na África ou em geral?

A maioria dos exemplos e a maioria das referências usadas no presente trabalho


dizem respeito à África (e à África rural em particular). O continente africano tem,
obviamente, várias características específicas, das quais a onipresença das
instituições de desenvolvimento não é a menor. A crescente crise das economias
africanas e dos estados africanos apenas aumentou a influência da 'ajuda ao
desenvolvimento' e dos 'projetos de desenvolvimento', sejam pequenos ou grandes,
e independentemente de seus iniciadores (instituições internacionais,
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38 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

organismos, ONGs do Norte ou do Sul). 'Desenvolvimento' (sua linguagem, seus fundos,


seus agentes, suas infra-estruturas, seus métodos) é um aspecto fundamental da África
contemporânea, tanto nas áreas rurais como urbanas.
Assim, o fato de a antropologia considerar o desenvolvimento como um importante
objeto de estudo tem mais sentido na África do que em outros lugares. No caso dos
outros continentes, as tentativas voluntárias de induzir a mudança social assumem,
sem dúvida, uma maior variedade de formas, formas que não podem ser todas
subsumidas no termo "desenvolvimento".
No entanto, as perspectivas de pesquisa propostas acima vão além do referencial
africanista. Dificilmente há uma aldeia ou bairro no mundo em que não se encontrem 'ações
de mudança', ou seja, intervenções originadas de fora de um determinado meio, iniciadas
pelo Estado, ativistas ou operadores privados que tentam transformar o comportamento de
atores do meio, mobilizando-os. Por exemplo, na França, o desenvolvimento agrícola, o
desenvolvimento local e o desenvolvimento urbano constituem tantos temas e campos em
que políticas voluntaristas de mudança, dirigidas à “base” e concebidas “no seu interesse”,
produzem interações incessantes entre intervenientes e populações-alvo . Embora o contexto,
os constrangimentos, os atores e os temas aqui envolvidos sejam distantes da África, os
métodos e conceitos de observação e estudo empregados em campo na França pelo
sociólogo rural ou pelo antropólogo urbano, na medida em que levam em conta essas
múltiplas intervenções, estão intimamente relacionados com os propostos neste trabalho.

Tomemos por exemplo os 'agentes de desenvolvimento' que se encontram ao virar da


esquina em qualquer aldeia africana: extensionista, agente pecuário, enfermeiro, gestor de
cooperativa, agente de alfabetização... A dificuldade da sua posição social, as contradições
inerentes à sua função, a sua identidade profissional instável, tendem a nos lembrar, mutatis
mutandis, dos problemas encontrados na França por assistentes sociais, educadores,
extensionistas ou supervisores de atividades culturais,
etc.
Como essas propostas de mudança, induzidas de fora, entram em confronto com as
dinâmicas locais? Essa definição mínima do objeto tratado no presente trabalho pode nos
ajudar a entender por que nossas observações pretendem ser tanto especificadas (ancoradas
no contexto da África rural) quanto generalistas (apresentando ferramentas conceituais que
podem funcionar em outros contextos). Nesse sentido, o termo 'desenvolvimento' serve
essencialmente como porta de acesso a processos sociais mais gerais: não é uma torre de
marfim.
Permitam-me acrescentar um comentário final sobre a estrutura do presente trabalho. A
questão dos múltiplos fatores de vários tipos a serem levados em consideração, se quisermos
obter as ferramentas que nos permitam entender a mudança social em geral, e as interações
de desenvolvedores e desenvolvedores em particular, será levantada incessantemente.
Técnicas, econômicas, institucionais, políticas, sociais e
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 39

lógicas simbólicas, cada uma com seu sistema de restrições e seu contexto
particular, serão continuamente evocadas. Conseqüentemente, o leitor não deve
ficar muito surpreso ao encontrar vários temas interconectados que ecoam uns
aos outros ao longo dos capítulos seguintes.
A primeira parte deste trabalho explorará, em várias linhas, a complexidade do
fenômeno da mudança e do desenvolvimento social, e tentará apontar as maneiras
pelas quais a antropologia pode e deve estar à altura dessa complexidade.

A segunda parte isolará algumas das variáveis envolvidas: relações de


produção, lógicas de ação, saberes populares, formas de mediação e estratégias
'políticas'. Assim, será feita uma tentativa de sugerir algumas direções específicas
nas quais podemos explorar fenômenos tão complexos.
Outras possibilidades, é claro, existem.
Evitei classificar as variáveis em ordem de importância e me abstive de definir
qualquer variável como um 'último recurso' ou em termos de um efeito de
'sobredeterminação'. Não há fundamentos sobre os quais possamos afirmar, a
priori, que qualquer registro tenha um valor explicativo maior do que outro, pelo
menos não no nível do tipo de antropologia que tenta permanecer 'ator-próximo'.
Uma história de estruturas de longo prazo deve ousar correr o risco de ir além de
tais afirmações a priori. No entanto, quando se trata de explicar os microprocessos
de mudança, ou entender como as intervenções externas são adotadas, ignoradas,
desviadas, recompostas ou recusadas, não se pode esperar encontrar respostas
por nenhum outro meio, exceto a pesquisa de campo. Somente a consulta pode
nos permitir selecionar entre uma variedade de fatores potenciais. Mesmo assim,
a investigação deve adquirir as ferramentas intelectuais e conceituais de acordo
com suas ambições. O objetivo deste trabalho caminha um pouco nessa direção.
Embora a perspectiva aqui desenvolvida seja empírica, esse empirismo nada
deve à ingenuidade.

Notas

1 Há mais de cinquenta anos Malinowski observou: "Infelizmente ainda subsiste em certos meios
uma opinião predominante, mas errônea, segundo a qual a antropologia aplicada é
fundamentalmente diferente da antropologia teórica e acadêmica" (recitado em Malinowski,
1970:23).
2 Quanto às definições normativas, o trabalho de Freyssinet (1966) fornece um catálogo já datado,
mas bem mobiliado, que desde então foi enriquecido.
3 Essas expressões úteis têm suas desvantagens: elas podem de fato nos levar a acreditar que
todos os 'desenvolvedores' (ou todos os 'desenvolvedores') estão sendo colocados no mesmo
saco. O único interesse deste tipo de oposição geral é sublinhar uma inegável e maciça clivagem
vista de uma 'perspectiva ampla': os desenvolvedores, por um lado, e os desenvolvidos, por
outro, não pertencem ao mesmo mundo da vida. Mas obviamente não se trata de duas
categorias homogêneas.
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40 SOCIO-ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

4 Essas teorias estão cada vez mais atreladas hoje às diferentes tendências neoliberais, em
consequência do colapso de tendências outrora concorrenciais (elas mesmas normativas e
macroeconômicas), em particular aquelas ligadas ao marxismo e que defendem uma ruptura
com o mercado mundial.
5 A expressão pertence a Long: "A essência de uma abordagem orientada para o ator é que
seus conceitos são fundamentados nas experiências e entendimentos da vida cotidiana de
homens e mulheres, sejam eles pobres, camponeses, empresários, burocratas do governo
ou pesquisadores" (Long, 1992c : 5).
6 Tomo emprestado o epíteto "qualitativo" de certos sociólogos americanos (ver Strauss, 1987,
1993), mas não sem algumas reservas. Por um lado, o termo “qualitativo” tem o mérito de
sublinhar que se pode praticar a sociologia sem ser vítima de obsessões estatísticas,
sondagens ou questionários (“o que não pode ser quantificado existe , tem consequências,
pode ser argumentado e sujeito a proposições e hipóteses', Bailey, 1973b:11). Mas, por
outro lado, o 'qualitativo' poderia levar a crer que há uma certa despreocupação em relação
aos problemas de representatividade, ou pior, falta de rigor. … Obviamente, a sociologia ou
antropologia referida como qualitativa, pelo menos na mente de muitos pesquisadores, faz
uma reivindicação de rigor igual (ou superior) à sociologia referida como quantitativa e, além
disso, não desdenha as figuras nem os procedimentos da sistemática sistemática. pesquisas;
na verdade, muito pelo contrário (ver Olivier de Sardan, 1995b). Deste ponto de vista, não
há diferença epistemológica entre sociologia qualitativa e sociologia quantitativa, mas sim
uma complementaridade entre os métodos de produção de dados.

7 Não se trata, porém, de negar o impacto das idiossincrasias disciplinares e acadêmicas que,
lamentavelmente, estabelecem fronteiras entre sociologia e antropologia. Exemplo disso é o
sistema de referência erudita próprio de cada um, com tendência a ignorar o dinamismo das
pesquisas realizadas do outro lado da cerca.
8 Daí a irritação com os economistas demonstrada em um livro particularmente polêmico de
Polly Hill que não falta de verdade (1986). O problema que estou levantando diz respeito ao
papel dos economistas na condução da pesquisa sobre desenvolvimento, e seu frequente
desdém pela competência de uma ordem antropológica, e não ao papel da dimensão
econômica dos fenômenos sociais ligados à mudança social e ao desenvolvimento, que a
antropologia não pode de forma alguma ignorar. A antropologia econômica (incluindo o tipo
antigamente ou atualmente praticada por vários economistas nas fronteiras de sua disciplina),
bem como a sociologia econômica (que, nos EUA, reúne vários economistas que resistem
ao maremoto econométrico) são os ingredientes básicos da o molho com que a antropologia
tempera o desenvolvimento.
9 Essa dificuldade em definir linhas claras de abordagem e problemáticas unificadas é evidente
em várias obras 'estado da arte' baseadas essencialmente na literatura norte-americana: ver
Hoben, 1982; Câmaras, 1987; Arnould, 1989; Ranc, 1990. Pode-se citar também vários
trabalhos coletivos apresentando várias reflexões gerais ou experiências pessoais em
antropologia aplicada: (Cochrane, 1971; Oxaal, Barnett e Booth, 1975; Pitt, 1976; Green,
1986; Grillo e Rew, 1985; Horowitz e Painter, 1986; Cernea, 1991b; Hobart, 1993b). Isso
contrasta com a existência, por outro lado, de manuais e textos americanos sobre antropologia
aplicada (Partridge, 1984; assim como Human Organization).

10 Uma bibliografia francófona testemunha isso (Kellerman, 1992). As obras analisadas, que
pretendem dar conta da 'dimensão cultural da
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ALGUMAS DECLARAÇÕES PRELIMINARES 41

desenvolvimento”, são essencialmente ensaístas e não fazem referência a uma antropologia


empírica do desenvolvimento. A bibliografia (já datada) produzida por Jacquemot et al. (1981)
fez amplo uso de referências sociológicas, mas a abordagem, naquela época, era muito
macro, como praticada por sociólogos, e muito à margem do desenvolvimento, no que diz
respeito aos antropólogos (ver Capítulo 2). A bibliografia estabelecida por Jacob (1989) é,
até à data, a única bibliografia francófona que abre espaço para referência a livros e artigos
relacionados com a antropologia do desenvolvimento. É também um dos raros trabalhos que,
como o presente, tenta aproximar fontes anglófonas e francófonas.

11 Ver Bastide (1971) ou Balandier (1971).


12 Consenso, ou seja, em um nível ou outro (aldeia, classe, nação, Terceiro Mundo,
humanidade...) e de acordo com várias legitimações (morais, religiosas, políticas, científicas...).

13 A principal vantagem das avaliações encomendadas pelo efêmero Bureau de Avaliação dos
Serviços de Cooperação e Desenvolvimento do Ministério das Relações Exteriores da França
foi a de ter delineado tal corpo de trabalho (ver Freud, 1985, 1986, 1988); ver também, como
exemplos dos artigos emitidos por essas avaliações, Pontié e Ruff, 1985; Yung, 1985.

14 Foster já havia sublinhado à sua maneira essa dimensão multicultural do processo de


desenvolvimento: 'Nos programas de desenvolvimento, representantes de dois ou mais
sistemas culturais entram em contato... . Se o abismo entre dois mundos é totalmente
cultural ou subcultural, é significativo. Em ambos os casos, o técnico compartilha as formas
culturais e sociais não apenas do país de onde vem, mas também do grupo profissional que
representa” (Foster, 1962: 5). 15 http://durandal.cnrs-mrs.fr/shadyc/APAD/APAD1.html

e-mail: apad@eness.univ-mrs.fr
16 Pode-se notar também uma clara convergência, neste caso não intencional (isto é,
independente de qualquer tipo de ação conjunta) com o trabalho realizado no círculo de
Norman Long em Wageningen (ver em particular Long, 1989; Long and Long , 1992).
Consulte o Capítulo 1.
17 O texto que serviu de plataforma para a APAD em sua criação é testemunha disso. Foi
publicado no Bulletin de l'APAD No. 1, 1991, sob o título 'Pourquoi une Association euro-
africaine pour l'antropologie du changement et du développement social?'.

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