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Introdução às Ciências Sociais I

Salvador Cadete Forquilha

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APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante,

Bem-vindo(a) à disciplina de Introdução às Ciências Sociais!

Esta disciplina está entre várias outras que você vai ter ao longo do seu curso de Licenciatura
em Administração Pública. Muito provavelmente você deve estar agora a colocar, entre
outras, as seguintes perguntas?

Ø Por que razão estudar Introdução às Ciências Sociais num curso de Licenciatura em
Administração Pública?
Ø Qual é a mais-valia que esta disciplina pode trazer para a minha formação?

Estas perguntas são muito importantes e, por isso mesmo, devem ser respondidas antes de
entrarmos nos conteúdos da disciplina. Isso vai permitir que você tire melhor proveito dos
temas que serão apresentados ao longo da disciplina.

Administração Pública é uma das áreas da Ciência Política. Por sua vez, a Ciência Política,
juntamente com outras disciplinas tais como a Sociologia e a Antropologia, constitui aquilo
que se chama, de uma forma genérica, Ciências Sociais, que estuda a realidade social.
Portanto, como você pode constatar, Administração Pública é uma área de conhecimento que
se situa dentro das Ciências Sociais.

Sendo assim, a disciplina de Introdução às Ciências Sociais é muito importante num curso de
Licenciatura em Administração Pública, na medida em que é nesta disciplina que você vai
tomar o primeiro contacto com as grandes preocupações e questionamentos sobre o processo
de conhecimento da realidade social. A disciplina de Introdução às Ciências Sociais vai lhe
dar uma visão global sobre as Ciências Sociais procurando apresentar as principais questões
teórico-metodológicas no processo da construção do conhecimento da realidade social. De
uma maneira específica, a disciplina de Introdução às Ciências Sociais visa:

Ø Contextualizar historicamente o surgimento das Ciências Sociais;


Ø Diferenciar as diversas formas de conhecimento da realidade social;
Ø Fornecer ao estudante instrumentos de natureza filosófica e epistemológica que lhe
permitam problematizar a construção do conhecimento em Ciências Sociais e poder,
desta forma, melhor analisar os fenómenos e processos administrativos.

Esta disciplina está dividida em quatro unidades.

Na Unidade 1, você vai estudar o contexto histórico do surgimento e desenvolvimento das


Ciências Sociais. Nesta unidade você vai também estudar as diferentes formas de
conhecimento da realidade social.

Na Unidade 2, você vai estudar a pluralidade das Ciências Sociais. O facto de existirem várias
Ciências Sociais não significa que existem várias realidades sociais. A realidade social é só
uma. As diferentes Ciências Sociais são maneiras diferentes de olhar para a mesma realidade
social.

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Na Unidade 3, você vai estudar a questão da singularidade do estudo do social. Nesta Unidade
você vai saber quais são os principais problemas inerentes ao conhecimento da realidade
social.

Por fim, na Unidade 4, você vai estudar o problema da objectividade e imparcialidade no


processo da construção do conhecimento em Ciências Sociais. No final da Unidade você vai
ficar a saber como é que autores importantes em Ciências Sociais, tais como Émile Durkheim
e Max Weber responderam ao problema da objectividade e imparcialidade na produção do
conhecimento sobre a realidade social.

Quando chegar ao fim desta disciplina, você deverá ter adquirido e desenvolvido
conhecimentos necessários para a análise do fenómeno burocrático em geral, com particular
destaque para a Administração Pública, enquanto fenómeno social.

Bom trabalho!

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UNIDADE 1
SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

No final desta Unidade, você deverá ser capaz de:


• Contextualizar historicamente o surgimento das Ciências Sociais;
• Identificar os principais aspectos económicos, sociais, políticos e filosóficos que
contribuiram para o surgimento das Ciências Sociais;
• Compreender a importância do saber filosófico para o processo da construção do
conhecimento em Ciências Sociais;
• Diferenciar as formas de conhecimento da realidade social;

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O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Caro (a) Estudante,

As Ciências Sociais são um campo do saber científico que se dedica à


reflexão sobre a natureza da vida em sociedade. Neste sentido
(enquanto um campo do saber científico), as Ciências Sociais são
uma criação recente, isto é, elas datam apenas dos meados do século
XIX d. C. Isso não quer dizer, de forma alguma, que antes do
surgimento das Ciências Sociais não houvesse uma reflexão sobre a
natureza da vida em sociedade. Na realidade, essa reflexão sempre
existiu. Ela existiu sob diferentes formas do saber, particularmente a
Filosofia e o Mito. A novidade que as Ciências Sociais trazem para a
reflexão da natureza da vida em sociedade é o seu carácter científico.
Mas, que factores contribuiram para que isso acontecesse? Em que
momento histórico isso aconteceu e porquê? Para respondermos a
estas perguntas vamos começar por contextualizar historicamente o
surgimento das Ciências Sociais.

O surgimento das Ciências Sociais é um fenómeno situado no tempo e no espaço. Situado no


tempo, no sentido de que as Ciências Sociais surgem numa época histórica específica, a saber
os meados do século XIX d.C. E situado no espaço, na medida em que as Ciências Sociais
surgem na sociedade europeia, marcada por aspectos particulares do ponto de vista social,
económico, polítco e cultural. Mas, como você pode imaginar, as Ciências Sociais não
surgiram de um dia para o outro. O seu surgimento é o resultado de um longo processo
marcado por grandes acontecimentos que ocorreram na própria sociedade europeia daquela
época. Que acontecimentos foram esses? Os principais acontecimentos foram:
Ø Os descobrimentos;
Ø A revolução industrial;
Ø A revolução francesa;
Ø As novas formas de pensar:

Os acontecimentos que acabamos de mencionar, na verdade, podem ser considerados como


fatores que contribuiram para o surgimento das Ciências Sociais. Por isso, vejamos agora,
ainda que resumidamente, cada um destes factores.

PRINCIPAIS FATORES QUE CONTRIBUIRAM PARA O SURGIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Os descobrimentos

Os descobrimentos foi um grande movimento constituído por uma série de viagens e


explorações marítimas feitas pelos europeus a partir do século XV d.C. Os descobrimentos
resultaram na expansão europeia e colonização – fenómenos que tiveram um grande impacto
para a história da humanidade. Mas, para aquilo que nos interessa aqui, os descobrimentos

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foram muito importantes na medida em que representaram a saída dos europeus ao encontro
do “Outro”. O “Outro” significa aqui simplesmente outros povos diferentes do povo europeu,
com outras religiões, outros usos e costumes, outros hábitos, enfim, povos com outras
culturas. A partir do momento em que os europeus “descobriram” o “Outro”, eles tiveram a
necessidade de conhecer melhor esse “Outro” e, por essa via, se foi constituindo uma área de
saber que veio resultar numa das importantes Ciências Sociais, hoje conhecida por
Antropologia. Na realidade, Antropologia é, em grande medida, o resultado de todo este
movimento que iniciou com os descobrimentos.

A revolução industrial

A revoluçao indistrial foi um acontecimento de extrema importância que trouxe


transformações profundas na sociedade europeia. Enaquanto fenómeno social e económico, a
revolução industrial é o culminar de um longo processo, que encontra o seu ponto mais alto
no aperfeiçoamento da técnica e no aparecimento de duas classes sociais importantes no
processo produtivo: os operários (também conhecidos por proletariado urbano) e a burguesia.
Estas duas classes eram diferentes, na medida em que equanto os operários eram assalriados e
sem acesso aos meios de produção, a burguesia era a classe que detinha os meios de produção
e organizava todo o processo produtivo. Na realidade, os operários eram apenas trabalhadores
que iam vender a sua força de trabalho aos burgueses. Estes últimos eram os patrões, donos
das fábricas. Em geral, os historiadores situam entre 1750 e 1850 o pico da revolução
industrial, tendo começado na Grã-Bretanha, depois na França e generalizando-se, mais tarde,
para a Europa Ocidental e os Estados Unidos da América.

Mas, você deve estar agora a perguntar-se qual foi a importância da revolução industrial para
o surgimento das Ciências Sociais? Esta pergunta é muito importante, na medida em que nos
ajuda a perceber a relevância das próprias Ciências Sociais no estudo da realidade social. Na
verdade a importância aqui não está tanto na revolução industrial em si mesma, mas sim nas
suas consequências, que trouxeram uma nova ordem social, cuja análise e compreensão
exigiam também um novo tipo de saber, ou seja, uma nova ciência. Que consequências foram
essas? Essas consequências se resumem nas crises sociais e económicas do capitalismo
liberal, que tem suas raízes justamente na revolução industrial.

Falando das consequências da revolução industrial, Quintaneiro, Barbosa e De Oliveira


(2010), dizem o seguinte:

“A partir da segunda metade do século XVIII, com a primeira revolução industrial e o


nascimento do proletariado, cresceram as pressões por uma maior participação política, e a
urbanização intensificou-se, recriando uma paisagem social muito distinta da que antes
existia. Os céus dos grandes centros industriais começaram a cobrir-se da fumaça despejada
pelas chaminés de fábricas que se multiplicavam em ritmo acelerado (...). A capitalização e
modernização da agricultura provocaram o êxodo de milhares de famílias que, expulsas de
seu habitat ancestral, vagavam à procura de trabalho. As cidades, receptoras desses fluxos
contínuos, foram crescendo acelerada e desordenadamente (...). A cidade acenava a todos com
a possibilidade de maior liberdade, protecção, ocupação e melhores ganhos, embora para
muitos tais promessas não chegassem a cumprir-se. No carregado ambiente urbano, a
pobreza, o alcoolismo, os nascimentos ilegítimos, a violência e a promiscuidade tornavam-se
notáveis e atingiam os membros mais frágeis do novo sistema, particularmente os que
ficavam fora da cobertura das leis e instituições sociais. A aglomeração, conjugada a outros
factores como as condições sanitárias, tinha outras consequências deletérias sobre a população

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urbana, especialmente sobre os mais miseráveis (...) As condições de trabalho que
caracterizam o início da revolução industrial eram assutadoras...os operários labutavam em
turnos diários de 12 a 16 horas, ampliados para até 18 horas quando a iluminação a gás
tornou-se disponível (...) A luta por melhores condições de trabalho, na Europa como na
América, foi árdua, e novos direitos foram sendo aos poucos conquistados e acrescentados à
legislação social e trabalhista em diversos países (...)” (De Castro e Dias, 2010, p. 10).

Como você pode perceber, a partir do extrato do texto que acabamos de citar, a revolução
industrial trouxe mudanças profundas para a sociedade europeia no seu todo. Ora, nessa altura
uma das perguntas, a nível do saber científico, era como explicar essas mudanças? As áreas
do saber existentes, nomeadamente a Filosofia, a Teologia, as Ciências Naturais não
apresentavam explicações sobre essas mudanças, que pudessem reivindicar o estatuto de
“Ciência”. Foi assim que alguns pensadores, muitos deles ligados à Filosofia, como por
exemplo Auguste Comte, começaram a propor uma forma diferente de explicar as
consequências da revolução industrial. Essa forma diferente de explicar as consequências da
revolução industrial, que Auguste Comte chamou “física social”, contribuiu decisivamente
para a constituição das Ciências Sociais.

Saiba Mais

Auguste Comte nasceu em Montpellier, França em 19 de Janeiro de 1798. A sua família era
monárquica e católica e o pai um funcionário de categoria média. Ainda jovem, Comte adere às
convicções liberais e revolucionárias que dominavam o seu tempo. Entre 1814 e 1816 frequenta a
Escola Politécnica, em Paris. Devido ao encerramento da escola…regressa durante alguns meses a
Montpellier onde estuda medicina e fisiologia. A formação em ciências naturais e matemática que
então inicia é importante, pois desde cedo proporá a aplicação do método científico utilizado naquelas
disciplinas à nova “ciência social”. (Ferreira et al, 1995, p. 74).

Revolução francesa

À semelhança da revolução industrial, a revolução francesa foi um outro acontecimento


extremamente importante, que trouxe mudanças profundas não só para a sociedade francesa,
como também para a sociedade europeia em geral. Com efeito, datada de 1789, tendo
resultado na queda do antigo regime representado pela nobreza e o clero, a revolução francesa
se desencadeou sob o lema liberdade, igualdade e fraternidade. Neste contexto, a revolução
francesa trouxe ideias muito importantes que vão marcar as sociedades contemporâneas,
Algumas dessas ideias são: soberania do povo, estado de direito, assembleias eleitas e
soberanas. Estas ideias vão desempenhar um papel importante na maneira como o poder
político estará organizado e será exercido em muitos Estados contemporâneos. Tudo isto vai
também exigir uma nova forma de conhecimento e explicação do próprio fenómeno político,

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fato que vai, igualmente, contribuir de uma maneira significativa no surgimento das Ciências
Sociais.

As novas formas de pensar

As novas formas de pensar foram um outro acontecimento que contribuiu para o surgimento
das Ciências Sociais. De que forma? Pois bem. As novas formas de pensar a que nos
referimos aqui estão profundamente relacionadas com as correntes filosóficas, que defendiam
a autonomia da razão no processo de produção do conhecimento, rompendo, deste modo, com
a tradição da Idade Média. Com o movimento do Renascimento, particularmente a partir do
século XV d. C., vão-se constituindo correntes filosóficas, que exaltam a razão no processo de
produção do conhecimento. Para aquilo que nos interessa nesta Unidade, vamos destacar duas
correntes filosóficas, nomeadamente o racionalismo e o positivismo.

Do racionalismo, as Ciências Sociais vão, sobretudo, ser influenciadas por duas ideias
importantes:
• “deve-se afastar, no estudo da realidade objectiva, toda e qualquer ideia preconcebida,
toda a noção apriorística sobre os factos que se estudam;
• o espírito deve ser conduzido à pesquisa pela dúvida, dúvida metódica e construtiva,
que analisa e investiga, único meio de retirar a verdade dos factos e não deformar os
factos para ajustá-los a uma verdade revelada”.

Relativamente ao positivismo, as Ciências Sociais, no seu período inicial, vão reter


particularmente a ideia da descoberta das leis de funcionamento das sociedades humanas. Tal
como fizemos referência nesta Unidade, Auguste Comte – um dos autores mais
representativos do positivismo – inventou a expressão “física social” para designar um novo
saber científico inteiramente dedicado ao estudo das sociedades humanas. Alguns autores
consideram que “a ambição de Comte era fundar uma ciência naturalista da sociedade capaz
de explicar o passado da espécie humana e predizer o seu futuro aplicando os mesmos
métodos de investigação que tinham provado ser tão bem sucedidos no estudo da natureza, a
saber, observação, experimentação e comparação” (Outhaite e tal, 1996, p. 593).

Como você pode constatar, as Ciências Sociais têm uma relação muito forte com a Filosofia.
Na verdade, a Filosofia serviu de base muito importante para o surgimento da Ciência em
geral e, de uma maneira particular, as Ciências Sociais. Em que sentido? No sentido de que as
Ciências Sociais herdaram da Filosofia o espírito de questionamento, interrogação da
realidade social. Por conseguinte, assim como a Filosofia começa com perguntas, questiona,
interroga, a pesquisa em Ciências Sociais também sempre começa com perguntas. À
semelhança do que acontece em Filosofia, em Ciências Sociais é fundamental questionar,
colocar perguntas sobre a realidade social.

Mas, você provavelmente deve estar a perguntar-se, será a Filosofia mesma coisa que
Ciências Sociais? Com base no que você já estudou até aqui, tente responder a esta pergunta
nas linhas que se seguem:

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Que tal, foi difícil responder à pergunta? Se sim, não se preocupe, pois esta pergunta é mesmo
complexa. Por isso, vamos tentar esclarecê-la nas linhas que se seguem.

A resposta à pergunta é claramente não. Porquê?

Não, porque enquanto a Filosofia se preocupa com “o que deve ser”, ou seja as essências das
coisas (como deve ser um bom governo, como deve ser uma boa sociedade, como devem ser
os usos e costumes, etc., as Ciências Sociais se preocupam com a compreensão “do que é”, ou
seja, daquilo que é dado observar (a compreensão de como funciona uma sociedade, como
funciona um Estado, que razões explicam as diferenças, por exemplo, entre o Estado
Americano e o Estado Moçambicano ou ainda o Estado Brasileiro?, etc).

Tendo dito isso, podemos afirmar que, na realidade, as Ciências Sociais são apenas uma
forma de conhecimento que se produz sobre a realidade social, o que não quer dizer que seja a
única forma. Na verdade, existem diferentes formas de conhecimento da realidade social.
Algumas dessas formas de conhecimento são: conhecimento filosófico, conhecimento
religioso e conhecimento do senso comum. Você agora deve estar perguntando, qual é a
diferença entre todos estes tipos de conhecimento. Isso é o que vamos ver na secção a seguir.

AS DIFERENTES FORMAS DE CONHECIMENTO DA REALIDADE SOCIAL

O que distingue o conhecimento científico de outros tipos de conhecimento não é nem a


veracidade, nem o objecto conhecido, mas é sobretudo a FORMA de Conhecer, O METODO
e os ISNTRUMENTOS usados para conhecer

A ciência moderna é o culminar de todo um processo histórico liderado pelo conhecimento


filosófico na busca do saber, da verdade. Todavia, a ciência moderna é um saber diferente do
conhecimento filosófico, como aliás explicámos acima.

A ciência moderna foi-se construindo numa espécie de movimento emancipatório


relativamente ao conhecimento filosófico, na medida em que a ciência, diferentemente da
filosofia, ela visa conhecer o fenómeno, aquilo que aparece e não as essências, que caem no
campo do conhecimento filosófico

Só no sec. XVI, Galileu Galilei foi o autor que inaugura a atitude científica ao rejeitar um
conhecimento baseado nas essências propondo um conhecimento baseado nos factos, na
experimentação

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A experimentação segue basicamente um procedimento indutivo: partindo de casos
particulares procura, através da observação, chegar a enunciados gerais, teorias. O método
experimental de Galileu, segue assim os seguintes passos:
• Observação dos fenómenos;
• Análise dos elementos constitutivos desses fenómenos;
• Indução de certo número de hipóteses;
• Verificação das hipóteses;
• Generalização do resultado;
• Confirmação das hipóteses e formulação de leis gerais.

Francis Bacon, um pensador inglês apresenta um método semelhante, que também é um


procedimento indutivo:
• Formulação de hipóteses;
• Repetição;
• Testagem de hipóteses;
• Formulação de generalizações e leis

Voltemos, de uma forma resumida e comparada, às principais características dos diferentes


tipos de conhecimento:

Conhecimento do Senso Comum é:

• Superficial: Fica nas aparências sem questionamento profundo sobre a própria


realidade;
• Sensitivo: faz referência às vivências do dia a dia, às experiências do quotidiano;
• Subjectivo: está dependente da maneira como o próprio sujeito (individual ou
colectivo) organiza a sua própria experiência;
• Assistemático: não se preocupa com a sistematização das ideias;
• Acrítico: a questão da verdade ou falsidade não é submetida à crítica, questionamento,
experimentação, verificação;

Conhecimento Filosófico é:

• Valorativo: baseia-se em juízos valorativos sublinhando o como deveria ser: bom,


mau, …; é normativo;
• Não verificável: As hipóteses, enunciados filosóficos não podem ser verificados:
confirmados ou refutados, através da experimentação;
• Racional: baseado na razão e consiste num conjunto de enunciados logicamente
correlacionados;
• Sistemático: as suas hipóteses e enunciados pretendem ser uma representação coerente
sobre a realidade conhecida;

Conhecimento Religioso é:

• Baseia-se em verdades reveladas;


• Sistemático;
• Não verificável;

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• Infalível, indiscutível

Conhecimento Científico (das Ciências Sociais) é:

• Real, factual: tudo aquilo que se manifesta e põe de lado tudo aquilo que tem a ver
com essências;
• Contingente: A falsidade ou veracidade das hipóteses é baseada na experimentação,
situada no tempo e no espaço;
• Sistemático: constituído por um corpus, conjunto coerente de ideias, enunciados
(teorias) e não conhecimento disperso;
• Verificável: tudo aquilo que não pode ser comprovado cai fora do âmbito da ciência;
• Falível: o conhecimento científico não é definitivo. Ele é sempre provisório: novas
proposições e técnicas podem reformular as teorias.

Resumindo

Nesta Unidade você estudou o contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais. Você
agora já deve ter uma noção clara sobre os principais factores ou acontecimentos que
contribuíram de uma maneira significativa para o surgimento das Ciências Sociais. Além
disso, você já deve também ser capaz de :
• Compreender a importância do saber filosófico para o processo da construção do
conhecimento em Ciências Sociais;
• Diferenciar as formas de conhecimento da realidade social;

O que acha da matéria estudada nesta Unidade? Está clara para você? Se sim, vamos passar
para a Unidade 2 da nossa disciplina de Introdução às Ciências Sociais. Mas, se a matéria que
tratámos nesta Unidade 1 não está clara para você, por favor, volte a ler novamente os
principais pontos deste texto e converse com o seu tutor e consulte a principal bibliografia
sobre o assunto, que é fornecida nesta disciplina.

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UNIDADE 2

A UNIDADE DO SOCIAL E A PLURALIDADE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

No final desta Unidade, você deverá ser capaz de:


Ø Explicar por que razão, sendo a realidade social uma só, temos várias Ciências
Sociais;
Ø Explicar o conceito de “fenómeno social total”; e
Ø Compreender a importância da interdisciplinaridade no estudo dos fenómenos sociais.

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A UNIDADE DO SOCIAL E A PLURALIDADE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Caro (a) estudante,


Com base no que vimos na Unidade 1, podemos dizer que as Ciências Sociais
são produto da história, no sentido de que o seu surgimento dependeu de uma
série de acontecimentos históricos, particularmente os descobrimentos, a
revolução industrial, a revolução francesa, o desenvolvimento de correntes
filosóficas tais como o racionalismo e o positivismo. Quando falamos de
Ciências Sociais estamos a referirmo-nos a um conjunto de áreas de
conhecimento que estudam diferentes fenómenos da realidade social. Algumas
dessas áreas de conhecimento são a sociologia, a antropologia, a ciência
política, a história, etc. Apesar de semelhanças, cada uma destas Ciências
Sociais tem o seu próprio objecto de estudo e tem a sua particularidade. Mas,
isso não quer dizer que cada Ciência Social estuda uma realidade social
diferente da estudada por outras Ciências Sociais. A realidade estudada por
todas as Ciências Sociais é a mesma: realidade social. Cada Ciência Social
olha para a realidade social de uma maneira particular. Como é que isso se
explica? Que factores determinam a existência de várias Ciências Sociais?
Que relação existe entre as diferentes Ciências Sociais? Todas estas
perguntas são muito importantes, na medida em que nos ajudam a perceber
melhor a complexidade de qualquer fenómeno social, como por exemplo, o
Estado, a administração pública, a governação, a cultura, etc. Para
responder às perguntas que acabámos de colocar, vamos começar por falar
daquilo que chamamos “a unidade do social”. Vamos a isso…

No período inicial do surgimento das Ciências Sociais havia uma ideia aceite, com alguma
facilidade, segundo a qual, a cada Ciência Social cabe investigar uma realidade social
diferente daquela que é investigada por outras Ciências Sociais (Nunes, 2005). Quer dizer, de
acordo com essa ideia, haveria uma realidade política investigada apenas pela Ciência
Política, uma realidade económica investigada pela Economia, uma realidade cultural
investigada pela Antropologia, uma realidade sociológica investigada pela Sociologia, assim
por diante. Ora, para se opor a esta ideia (de várias realidades sociais), no início do século XX
d.C, um sociólogo e antropólogo francês chamado Marcel Mauss trouxe um conceito
revolucionário: o conceito de “Fenómeno Social Total”.

Saiba Mais

Marcel Mauss foi um sociólogo e antropólogo francês. Ele nasceu em 10 de Maio de 1872 em Epinal,
França e era sobrinho do sobejamente conhecido sociólogo francês chamado Émile Durkheim. Marcel

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Mauss estudou fiolosofia na Universidade de Bordeaux e história da religião na Escola Prática de
Altos Estudos, em Paris. Foi aqui onde ele começou a sua carreira como professor de religião
primitiva. Ele também ensinou no prestigiado Colégio de França e foi co-fundador do Instituto de
Etnologia, na Universidade de Paris ( Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Marcel_Mauss. Consultado
em 18 de Janeiro de 2011).

A UNIDADE DO SOCIAL – FENÓMENO SOCIAL TOTAL

Comecemos por colocar a seguinte pergunta: o que é isso de “Fenómeno Social Total”? Você
tem alguma ideia?... Tente!

Que tal, conseguiu? Se não conseguiu, não faz mal. “Fenómeno Social Total” é um conceito
complexo. Para aquilo que nos interessa nesta Unidade, definimos o conceito de “Fenómeno
Social Total” como um “ conjunto de fenómenos que – seja na sua estrutura própria, seja nas
suas relações e determinações – têm implicações simultaneamente em vários níveis e em
diferentes dimensões do real-social, sendo portanto susceptíveis, pelo menos potencialmente,
de interessar a várias, senão a todas as Ciências Sociais” (Nunes, 2005, p. 24).

Parece complicado, não é? Na verdade, o que acabámos de citar acima quer simplesmente
dizer o seguinte: a realidade social é composta por fenómenos sociais, que transportam
consigo várias dimensões e, por isso mesmo, podem ser objecto de estudo de várias Ciências
Sociais. Por outras palavras, um fenómeno social pode ser estudado sob várias perspectivas, o
que equivale dizer que um mesmo fenómeno social pode ser estudado por várias Ciências
Sociais, na medida em que encerra em si várias dimensões. Peguemos num exemplo concreto
para ilustrar o que estamos a tentar explicar. Por exemplo, Adérito Sedas Nunes (2005), um
autor português importante na área das Ciências Sociais, ao exemplificar um “Fenómeno
Social Total” tomou o exemplo de Classes Sociais. Segundo Adérito Sedas Nunes, as Classes
Sociais são um “Fenómeno Social Total”, na medida em que interessam à
Ø Sociologia: classes sociais são vistas como elementos estruturais e estruturantes
basilares;
Ø Economia: no sentido de que a estrutura das actividades e das relações económicas
constituem elementos fundamentais para a constituição da “situação de classe”;
Ø Ciência Política: uma vez constituídas, as classes sociais são portadoras de
interesses antagónicos, o que gera relações de poder, que é o foco da Ciência
Política;
Ø Psicologia Social: as actividades, opiniões, preconceitos colectivos, que se
manifestam nos indivíduos são em grande medida determinados pela classe social.

Poderíamos mencionar mais áreas das Ciências Sociais que se interessam às Classes Sociais.
Mas, também poderíamos pegar em “pobreza”, “lobolo” ou ainda a “função pública” como
fenómenos sociais totais, no sentido de que cada um destes fenómenos encerra em si mesmo
uma multiplicidade de dimensões. Assim, a “pobreza”, o “lobolo”, a “função pública” podem
ser analisados a partir de diferentes perspectivas: sociológica, antropológica, económica, da
ciência política, etc. Portanto, como sublinha Adérito Sedas Nunes (2005), o campo da
realidade social sobre o qual as Ciências Sociais se debruçam é só um e todos os fenómenos
que compõem esse campo são “fenómenos sociais totais”. Um fenómeno social encerra em si
uma multiplicidade de dimensões e, por isso mesmo, pode ser analisado a partir de diferentes
perspectivas.

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Mas, você, provavelmente, deve estar agora a colocar a seguinte pergunta: se diferentes
Ciências Sociais podem se interessar a um mesmo fenómeno, o que é que faz a diferença entre
uma e outra Ciência Social? Quer dizer, quando a Sociologia, a Antropologia, a Ciência
Política se interessam ao fenómeno burocrático, por exemplo, será que todas elas o fazem da
mesma maneira? Com base no que você já estudou até aqui, procure responder a esta pergunta
nas linhas que se seguem:

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Que tal, foi difícil responder à pergunta? Se sim, não se preocupe… porque a resposta é
complexa e você vai ter mais subsídios para a resposta, à medida que for avançando nesta
disciplina. Seja como for, esta pergunta é extremamente importante, na medida em que nos
ajuda a perceber a razão da existência das diferentes Ciências Sociais, ou seja, a questão da
pluralidade das Ciências Sociais. Este é o tópico de que nos vamos ocupar a seguir. Você vai
ver que ao desenvolvermos este tópico, nós estaremos respondendo à pergunta feita acima.

A PLURALIDADE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

A existência de diferentes Ciências Sociais não provem do facto de estas se ocuparem de


diferentes fenómenos ou realidades sociais. Dito de uma maneira muito simples, a diferença
entre Sociologia e Antropologia não provem do facto de que uma estuda a realidade
sociológica e outra a realidade antropológica; a diferença entre a Ciência Política e a História
não provem do facto de que uma estuda a realidade política e outra a realidade
histórica…Não. Todas as Ciências Sociais se ocupam da mesma realidade: a realidade social.

Então, de onde vem a diferença? A diferença entre as várias Ciências Sociais vem das
próprias Ciências Sociais. Parece um jogo de palavras, não é?... Na realidade não se trata de
um jogo de palavras, na medida em que ao afirmarmos que a diferença entre as várias
Ciências Sociais provem das próprias Ciências Sociais significa que cada uma das disciplinas
encara, aborda, analisa de forma diferente a mesma realidade social. Segundo Nunes (2005),
existem quatro níveis principais, nos quais as Ciências Sociais se diferenciam:
Ø Os fins ou objectivos que comandam a investigação: em cada disciplina das Ciências
Sociais, os investigadores se propõem fins e objectivos específicos. Assim, por
exemplo, enquanto em Sociologia os investigadores se interessem mais pela
estruturação das relações sociais, em Ciência Política, os investigadores estão mais
interessados pelas relações de poder;
Ø Os problemas sobre os quais a pesquisa deve incidir. Como veremos mais em diante,
em Ciências Sociais os problemas de investigação são construídos, através de um
processo que passa pela elaboração de perguntas, questionamentos da própria

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realidade social. Assim, cada Ciência Social constrói os seus problemas de
investigação de uma forma diferente, o que equivale dizer que levanta suas próprias e
específicas questões, perguntas de investigação.
Ø Os critérios usados pelos investigadores a fim de seleccionar as variáveis relevantes
para o estudo dos problemas construídos. Os sociólogos, os antropólogos, os
politólogos, os historiadores têm, cada um, critérios diferentes para privilegiar este ou
aquele aspecto a analisar.
Ø Os métodos e técnicas de pesquisa empírica e de interpretação teórica. Embora hoje
em dia haja cada vez mais empréstimo de técnicas de pesquisa entre as diferentes
disciplinas das Ciências Sociais, cada disciplina das Ciências Sociais possuem seus
métodos e técnicas de pesquisa empírica que lhe são próprios. Assim, por exemplo, o
que se chama observação participante é uma técnica de pesquisa, que até se confunde
com o próprio método antropológico.

Mas, quando olhamos para os quatro níveis acima mencionados, existe uma espécie de
encadeamento entre si. Em que sentido? No sentido de que os fins ou objectivos de uma
disciplina das Ciências Sociais determinam a definição dos problemas; esta determina a
selecção das variáveis relevantes que conduzem à adopção de métodos e técnicas adequados
para se trabalhar sobre as variáveis seleccionadas e assim se resolver os problemas
previamente definidos e se atingir os fins da disciplina (Nunes 2005).

Além dos níveis acima mencionados, ao quais contribuem significativamente para a


diferenciação entre as várias Ciências Sociais, pode-se também considerar que o que uma
determinada Ciência Social é como produto, o seja o que a Sociologia, a Antropologia ou
ainda a Ciência Política são, cada uma delas na sua especificidade, depende daquilo que cada
uma dessas Ciências Sociais é como sistema de produção (Nunes 2005). Concretamente, isso
quer dizer que depende de:
Ø Quem são os investigadores, seus interesses científicos, suas posições relativamente à
dinâmica social, cultural, política, etc.;
Ø Os meios de produção que os investigadores manipulam; métodos, conceitos, teorias,
recursos financeiros, recursos humanos, etc.;
Ø As organizações onde se realiza a investigação: quem as financia, qual é o seu grau de
liberdade, independência, etc.;
Ø Objecto de estudo construído: como mencionado acima, cada Ciência Social constrói
o seu próprio objecto científico.

Como você pode perceber, a questão da pluralidade das Ciências Sociais encontra sua
explicação na dinâmica de desenvolvimento das próprias Ciências Sociais. Assim, o facto de
a realidade estudada pelas Ciências Sociais ser uma só implica que as diferentes Ciências
Sociais não podem ser vistas como compartimentos estanques ou gavetas. Quer dizer, não
podemos ver a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a História, a Demografia, etc.
como Ciências completamente separadas uma das outras. A consequência disso é a ideia de
interdisciplinaridade em Ciências Sociais.

Saiba Mais
A interdisciplinaridade, nas Ciências Sociais, significa o intercâmbio de saberes com vista à
complementaridade do conhecimento, para melhor explicar os fenómenos sociais na sua totalidade.0
real social é pluridimensional e, por isso, susceptível de ser abordado de diferentes maneiras pelas
diversas Ciências Sociais. Estas mantêm entre si relações de interdependência na abordagem aos

16
fenómenos sociais. As diferentes ciências analisam as mesmas realidades, os mesmos fenómenos
"sociais totais", embora privilegiando cada uma delas uma perspectiva própria de análise. Este
intercâmbio entre disciplinas leva a que as investigações realizadas numa disciplina qualquer possam
ser fundamentais para outra. "Assim, é precisamente a mesma realidade humana e social que vai
interessar às diversas Ciências Sociais [...]. Temos, portanto, que o social é único; as maneiras de o
abordar, as dimensões a privilegiar é que variam consoante os interesses que orientam e a partir dos
quais se situa o investigador em Ciências Sociais, com a sua específica abordagem da realidade social
[...]" (Marques, 1987: 97-99). (Fonte: http://www.esas.pt/dfa/sociologia/interdisciplinaridade.htm
Consultado em 18 de Janeiro de 2011)

Resumindo

Nesta Unidade você estudou a unidade do social e a pluralidade em Ciências Sociais. Você
agora já deve ter uma noção clara sobre as razões que explicam a existência de várias
Ciências Sociais, sendo a realidade social uma e única. Além disso, você já deve também ser
capaz de :
• Explicar o conceito de “Fenómeno Social Total” em Ciências Sociais;
• Explicar e perceber a importância do conceito de interdisciplinaridade em Ciências
Sociais;

O que acha da matéria estudada nesta Unidade? Está clara para você? Se sim, vamos passar
para a Unidade 3 da nossa disciplina de Introdução às Ciências Sociais. Mas, se a matéria que
tratámos nesta Unidade 2 não está clara para você, por favor, volte a ler novamente os
principais pontos deste texto e converse com o seu tutor e consulte a principal bibliografia
sobre o assunto, que é fornecida nesta disciplina.

17
UNIDADE 3

A SINGULARIDADE DO ESTUDO DO SOCIAL

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

No final desta Unidade, você deverá ser capaz de:


Ø Explicar por que razão o processo de construção do conhecimento nas Ciências
Sociais passa pela ruptura com o senso comum;
Ø Compreender o significado da ruptura com o senso comum nas Ciências Sociais; e
Ø Compreender a diferença entre as Ciências Sociais e as Ciências Naturais

18
A SINGULARIDADE DO ESTUDO DO SOCIAL
Caro (a) estudante,
Tal como vimos na Unidade 1, as Ciências Sociais são um ramo do saber
científico que se dedica ao estudo da vida em sociedade. Quando as Ciências
Sociais surgem nos meados do séc. XIX d.C., elas tiveram que ir
conquistando o estatuto de Ciência, através da construção de um objecto e
método de estudo próprios. Portanto, as Ciências Sociais tiveram que
construir o seu próprio objecto de estudo, diferente do objecto de estudo das
Ciências Naturais, pois as Ciências Sociais não estudam a mesma realidade
que as Ciências Naturais. Assim, enquanto nas Ciências Naturais, como por
exemplo, em Física, Química, Astronomia, etc., o cientista estuda algo que ele
próprio pode isolar, manipular e submeter ao processo de experimentação em
laboratório (como por exemplo a água, o metal, os astros, etc.), nas Ciências
Sociais, o cientista não tem as mesmas possibilidades. De facto, sendo a vida
em sociedade o objecto de estudo das Ciências Sociais, resulta que o cientista
social é ele próprio parte do seu objecto de estudo. Ora, que implicações este
facto tem para a construção do objecto de estudo em Ciências Sociais? Como
é que o cientista social pode estudar uma realidade da qual ele próprio faz
parte? Enfim, qual é a singularidade do estudo do social? As respostas a estas
perguntas são muito importantes, na medida em que elas nos permitem
perceber melhor a particularidade do processo de construção do objecto de
estudo nas Ciências Sociais e, por isso mesmo, a singularidade do estudo do
social. Nas linhas que se seguem, nós vamos procurar trazer respostas às
perguntas que fizemos há pouco. Vamos a isso...

Vamos começar com dois exemplos simples:

O primeiro exemplo é “família enquanto objecto de estudo”. Quando um cientista social está
a estudar a família como um facto social, é evidente que ele próprio, no seu dia a dia, está
envolvido em algum tipo de relação familiar como por exemplo uma relação de pai, mãe,
filho, ou irmão, etc. O segundo exemplo é “Administração Pública, enquanto objecto de
estudo”. Quando um cientista social está a estudar o desempenho da Administração Pública
na prestação de serviços aos cidadãos, é claro que ele próprio, no seu dia a dia, de alguma
forma, tem experiência dos serviços prestados pela Administração Pública do seu próprio país
ou de um outro país qualquer.

Como você pode perceber, quer num quer no outro exemplo, o cientista social é parte do seu
próprio objecto de estudo. Isto quer dizer que quando um sociólogo, um antropólogo ou ainda
um politólogo vai estudar, por exemplo, a qualidade dos serviços prestados por uma
instituição do Estado, ele já traz consigo uma ideia sobre o assunto, fruto da sua experiência
do dia a dia. Mas, há um risco muito grande de o próprio cientista social confundir essa ideia
que tem da realidade social com a própria realidade social. A este propósito, vejamos o que
Émile Durkheim diz:

“O homem não pode viver no meio das coisas sem fazer delas ideia segundo as
quais regula o seu comportamento. Mas, como essas noções estão mais
próximas de nós e mais ao nosso alcance do que as realidades a que

19
correspondem, tendemos naturalmente a substitui-las a estas últimas e a fazer
delas a própria matéria das nossas especulações. Em vez de observar as coisas,
de as descrever, de as comparar, contentamo-nos em tomar consciência das
nossas ideias, em analisá-las, em combiná-las. Em vez de uma ciência de
realidades, não fazemos senão uma mera análise ideológica” (Durkheim 2007,
p. 49).

Portanto, como você pode constatar, com base na citação de Durkheim que acabámos de
fazer, a nossa experiência do dia a dia nos leva a produzir ideias sobre o mundo que nos
rodeia, sobre o grupo, a sociedade, o Estado em que vivemos. Isso quer dizer que nós temos
uma certa familiaridade com o social. De facto, qualquer pessoa, com base na sua experiência
do dia a dia, pode produzir e tem um certo conhecimento sobre como funcionam as
instituições do Estado, como funcionam as instituições sociais, tais como a família, o lobolo,
os ritos de iniciação, etc.

Mas, este conhecimento produzido com base na experiência do dia a dia não pode ser
confundido, de maneira nenhuma, com o conhecimento científico sobre o social. Ora,
justamente por causa desta familiaridade que o investigador em Ciências Sociais tem com o
social, o processo de produção de conhecimento científico na área das Ciências Sociais passa
pela ruptura com aquilo que alguns autores chamam pré-noções ou senso comum.

Provavelmente você deve estar agora a perguntar o que é isso de pré-noções? o que é isso de
senso comum? Pois bem... Você lembra-se do que falámos na Unidade 1 sobre os diferentes
tipos de conhecimento e mencionámos o senso comum como sendo um dos tipos de
conhecimento? Lembra-se também que dissemos que uma das características do senso
comum é ser um conhecimento superficial e acrítico? Se não se lembra, por favor, volte a
consultar a Unidade 1.

Na realidade, pré-noções e senso comum significam a mesma coisa. Trata-se de ideias que
vamos construindo como resultado da experiência quotidiana. Por exemplo, ideias como
“homem não chora...”; “há corrupção na função pública porque os funcionários são mal
pagos...”; “chefe é chefe, não pode ser questionado”, etc., podem ser consideradas como
sendo senso comum ou pré-noções. Vejamos o que Emile Durkheim diz sobre so senso
comum ou pré-noções:

“ (...) as noções que acabámos de referir são as notiones vulgares ou prenotiones... que
tomam o lugar dos factos. São os idola, espécies de fantasmas que desfiguram o
verdadeiro aspecto das coisas e que, no entanto, nós confundimos com as verdadeiras
coisas... Ora, é sobretudo em sociologia [entenda-se Ciências Sociais] que estas pré-
noções... são susceptíveis de dominar os espíritos e de se substituir à realidade... A
organização da família, do contrato, da repressão, do Estado, da sociedade, aparecem,
assim, como um simples desenvolvimento das ideias que temos sobre a sociedade, o
Estado, a justiça, etc. (...)” (Durkheim 2007, p. (51 – 52).

Depois desta citação de Durkheim que acabámos de fazer, imagino que você esteja agora a
colocar-se muitas questões... Isso é muito bom. Uma das questões que você, provavelmente,
neste momento, deve estar a colocar-se é a questão de saber o que é preciso fazer para que o
conhecimento produzido nas Ciências Sociais não se confunda com as pré-noções, com o
senso comum? Esta questão é muito importante e extremamente discutida nas Ciências
Sociais. Muitos autores, como por exemplo, Émile Durkheim, consideram que o primeiro

20
passo a dar é a ruptura com as pré-noções, com o senso comum. Mas, na realidade, o que
significa romper com o senso comum? Esta é a discussão que vamos fazer na secção a seguir.

Saiba Mais

Émile Durkheim foi um sociólogo francês muito famoso. Ele, juntamente com Karl Marx e
Max Weber, é considerado como o arquitecto principal da Ciência Social moderna. Émile
Durkheim nasceu em Épinal, em França a 15 de Abril de 1858. Ele fundou o primeiro
departamento de Sociologia na Europa, na Universidade de Bordeaux, em França, em 1895.
Ele refinou o positivismo originalmente estabelecido por Auguste Comte... Para Durkheim,
Sociologia era a Ciência das Instituições, cujo objectivo era descobrir a estrutura dos “factos
sociais”. Durkheim tem uma vastíssima obra, com destaque para livros que contribuíram de
uma maneira significativa para o desenvolvimento das Ciências Sociais, nomeadamente “As
Regras do Método Sociológico”, “O Suicídio”, “A Divisão Social do Trabalho”, etc. (Fonte:
http://en.wikipedia.org/%89mile_Durkheim. Consultado a 9 de Fevereiro de 2011)

RUPTURA COM O SENSO COMUM NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Se você se lembra do que falámos sobre o processo de surgimento das Ciências Sociais, na
Unidade 1, você vai perceber que as Ciências Sociais surgem como o resultado de um
processo de busca de explicações (diferentes da Filosofia, da Teologia, do senso comum)
sobre o funcionamento das sociedades humanas. Essas explicações reivindicavam a
qualificação de Ciência, quer dizer, um saber sistematizado e objectivo sobre a realidade
social. Mas, isso foi possível porque os primeiros sociólogos, antropólogos, politólogos,
historiadores, etc., perceberam que a ordem social, a realidade social não é algo determinado
por alguma vontade divina ou uma força que esteja fora da própria sociedade. Dito de outra
maneira, os primeiros cientistas sociais perceberam que, por exemplo, as causas do
funcionamento deficiente das instituições de um Estado só podem ser encontradas na própria
sociedade e não numa vontade divina ou ordem sobrenatural. Ora, explicar o funcionamento
das instituições sociais, políticas, económicas, enfim o funcionamento das sociedades
humanas usando os cânones da Ciência, implica um exercício de ruptura com o senso
comum.

Assim, no início do sec. XX d.C, Émile Durkheim insistiu, em várias das suas obras,
particularmente na sua famosa obra “As Regras do Método Sociológico”, na ideia segundo a

21
qual a investigação científica nas Ciências Sociais deve começar pela ruptura com as pré-
noções. Isso porquê? Porque o senso comum nos traz a ilusão do saber imediato, um saber
sem questionamento. Tomado neste sentido, o senso comum pode ser considerado um
obstáculo à construção do conhecimento científico. Vejamos, ainda que resumidamente, como
o senso comum pode ser um obstáculo à construção do conhecimento científico.

O senso comum, muitas vezes, procura construir interpretações naturalistas, individualistas e


etnocentristas sobre a realidade social (Silva 1986). Isto quer dizer o quê, concretamente?
Você seria capaz de responder a esta pergunta? Tente nas linhas que se seguem:

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Que tal, conseguiu? Se não conseguiu, não se preocupe... porque você vai perceber que à
medida que formos avançando, a questão das interpretações do senso comum vai ficando mais
clara.

O senso comum tende a produzir interpretações naturalistas da realidade social, no sentido de


que a explicação da realidade social é feita com base em factores de ordem natural ou
biológica. Por exemplo, o senso comum explica que a divisão de tarefas no forum doméstico
entre homem e mulher é fruto da natureza... o homem não pode fazer tarefas domésticas tais
como limpar a casa, confeccionar os alimentos, lavar a roupa porque estas são tarefas
reservadas à mulher, porque a natureza é assim mesmo... Como você pode constatar, a partir
deste exemplo, o senso comum evoca “causas naturais” (a natureza é assim mesmo, isso foi
sempre assim, etc...) para explicar a divisão de tarefas entre homem e mulher.

Dizemos que o senso comum tende a produzir interpretações individualistas da realidade


social, no sentido de que o senso comum tende a explicar o comportamento de indivíduos
singulares, isolando-os dos grupos, das sociedades, a que pertencem. Quer dizer, nas suas
interpretações individualistas, o senso comum não percebe que o comportamento dos
indivíduos singulares é fruto da sua interacção com os grupos, sociedades a que pertencem.
Por exemplo, para explicar o fraco desempenho de um funcionário público numa determinada
instituição do Estado, o senso comum vê unicamente o individuo,... isolado do seu meio, do
seu grupo, da sua instituição, da sua sociedade. Como consequência, o senso comum vai
explicar o comportamento desse funcionário público, neste caso o seu fraco desempenho, com
base em “causas individuais”, ou seja, o individuo tomado como algo de isolado do grupo, do
Estado, da sociedade em que vive.

22
E, por último, dizemos que o senso comum tende a produzir interpretações etnocentristas da
realidade social, no sentido de que, muitas vezes, procura explicar comportamentos de grupos,
sociedades, com base em critérios etnocentristas. Etnocentrismo é uma atitude segundo a qual
um sujeito explica a realidade que o rodeia ou a realidade do outro, com base nos critérios da
sua própria cultura, do seu próprio grupo. Por exemplo, os usos e costumes dos outros serão
“bons” ou “maus” em função de como esses usos e costumes são vistos na minha própria
cultura. Assim por exemplo, o lobolo será coisa “boa” ou “má” em função de como ele é visto
na minha própria cultura.

Mas, se por um lado, o senso comum é muitas vezes apresentado como sendo um obstáculo
para a construção do conhecimento científico, ele, por outro lado, é também importante.
Sim...parece paradoxal, não é? Sim, o senso comum é importante no processo de construção
de conhecimento científico. Em que sentido? No sentido de que ele constitui um ponto de
partida para uma pesquisa científica. Nas Ciências Sociais, uma pesquisa científica, muitas
vezes, começa com algo ligado à experiência do dia a dia. A motivação para uma pesquisa
começa sempre com um problema, que é vivido ou pelo pesquisador ou por um determinado
grupo. Esse problema vivido é que vai estar na origem do interesse pela pesquisa e,
consequentemente, o ponto de partida para as perguntas da própria pesquisa. Por exemplo, se
um sociólogo, um antropólogo ou ainda um politólogo quer investigar o impacto da reforma
do sector público na melhoria da provisão de serviços por parte das instituições do Estado, ele
vai sempre partir de uma experiência e, por isso mesmo, já traz consigo um ideia sobre o
assunto (como por exemplo, a reforma não tem nenhum impacto porque ele percebe no seu
dia a dia que os serviços prestados pelas instituições do Estado não melhoraram ou o
contrário).

Ora, essa ideia que o pesquisador traz consigo é uma ideia que resulta da sua experiência
prática do dia a dia e, por isso mesmo, é senso comum. Apesar disso, é importante que ele
tenha essa ideia, porque é a partir dessa ideia que ele vai começar o seu processo de
construção de conhecimento científico, no âmbito da sua pesquisa. Mas, à medida que a
pesquisa vai avançando, vai sendo construída, o pesquisador vai também rompendo com a sua
ideia inicial sobre o assunto, o que equivale dizer aue o pesquisador vai rompendo com o
senso comum. Você provavelmente esteja agora a perguntar se isso é fácil. A resposta é não.
De facto, para um pesquisador nas Ciências Sociais, a ruptura com o senso é um processo
contínuo. E é por esta razão que alguns autores, como por exemplo Bourdieu, falam em
vigilância epistemológica – uma atitude que um investigador nas Ciências Sociais tem que
construir permanentemente (Bourdieu, Chamboredon & Passeron 1999). Mas, o que
realmente significa a ruptura com o senso comum? Vamos responder a esta pergunta na
secção a seguir.

SIGNIFICADO DA RUPTURA COM O SENSO COMUM NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

A questão da ruptura com o senso comum nas Ciências Sociais é um assunto complexo. Quer
dizer, nas Ciências Sociais, a ruptura com o senso comum não significa que existe uma
fronteira intransponível, rígida, que separa o senso comum do conhecimento científico...
Parece difícil entender isso, não acha? Na realidade não é. Talvez seja importante aqui
recorrer ao que José Madureira Pinto diz sobre este assunto:

“ (...) Aceitemos a ideia, que ao longo do número anterior se foi consolidando, de que
a expressão ‘ruptura com o senso comum pode incentivar uma visão deturpada e

23
dogmática do que são o trabalho e o progresso científicos, ao sugerir a existência de
uma fronteira rígida entre, de um lado, o espaço da ignorância e do erro (em que a
aprendizagem social e espontânea nos encerra) e, do outro, o do saber e verdade
impolutos (a que só acederíamos através de uma conversão aos valores da ciência”
(Pinto 1994, p. 122 – 123).

Como você pode perceber, senso comum e conhecimento científico não são dois tipos de
conhecimento que se opõem, sendo um (senso comum) falso/mau e outro (conhecimento
científico) verdadeiro/bom. Não... Na realidade se trata de dois tipos de conhecimento
simplesmente diferentes, o que não quer dizer opostos. Cada um deles obedece a lógicas
específicas de construção. Assim, enquanto o senso comum se constrói com base na
experiência prática do dia a dia, o conhecimento científico se constrói usando técnicas e
instrumentos teórico-metodológicos específicos. E por serem tipos diferentes de
conhecimento, o senso comum não pode ser confundido com conhecimento científico.
Portanto, apesar de não se tratar de tipos de conhecimento que se opõem e se excluem
mutuamente, o senso comum e o conhecimento científico são tipos de conhecimento
diferentes. Assim, como insiste José Madureira Pinto, quando falamos de ruptura com o senso
comum no processo de construção de conhecimento científico nas Ciências Sociais, é
importante reter cinco aspectos importantes (Pinto 1994)

Ø O primeiro aspecto é entender que o senso comum e o conhecimento científico são


dois tipos de conhecimento diferentes. A diferença entre estes dois tipos de
conhecimento provem do facto de que cada um deles possui lógicas diferentes de
construção e validação;

Ø O segundo aspecto tem a ver com o facto de que o senso comum não é algo de
homogéneo e muito menos imutável. Com efeito, o conhecimento do senso comum
pode variar em função do contexto e, por isso mesmo, ele não permanece o mesmo em
todos os tempos, culturas e sociedades. Além disso, é importante referir, assim como
mencionámos nesta Unidade, que o existe uma relação entre o senso comum e o
conhecimento científico.

Ø O terceiro aspecto se refere ao facto de que, na sua relação com o senso comum, o
conhecimento científico desenvolve uma abordagem crítica, o que permite marcar uma
certa diferença entre os dois tipos de conhecimento;

Ø O quarto aspecto tem a ver com o facto de que considerar algumas interpretações do
senso comum como obstáculos para o processo de construção do conhecimento
científico nas Ciências Sociais não implica qualquer juízo de valor relativamente ao
senso comum. Quer dizer, não implica olhar para o senso comum como algo de mau.
Aliás, se você se lembra, dissemos acima que senso comum e conhecimento científico
não são dois tipos de conhecimento que se opõem, sendo um mau e outro bom. São
apenas dois tipos de conhecimento com lógicas de construção diferentes;

Ø O quinto e último aspecto se refere ao facto de que qualquer estudo da realidade social
com pretenções de conhecimento científico tem que tomar o senso comum como
ponto de partida, uma vez que o senso comum é uma componente indissolúvel das
práticas humanas.

24
Estes cinco aspectos acima mencionados constituem, na realidade, o que podemos chamar o
significado da ruptura com o senso comum no processo de construção do conhecimento nas
Ciências Sociais.

Depois do que acabámos de apresentar nas linhas acima, você, provavelmente, deve estar
agora a perguntar como se faz a ruptura com o senso comum? A resposta a esta pergunta é
complexa, na medida em que não existe uma receita, no sentido de que fazendo A, B, X ou Z
se consegue a ruptura com o senso comum... Dá para entender? Dito de outra maneira, o
exercício de ruptura com o senso comum nas Ciências Sociais é algo de contínuo que um
investigador procura fazer em todos os momentos da sua pesquisa. Mas, apesar disso, alguns
autores, como por exemplo Bourdieu, consideram que a ruptura com o senso comum nas
Ciências Sociais se faz através de:

Ø Crítica metódica da linguagem comum;


Ø Uso de instrumentos teórico-metodológicos para o tratamento de informação (uso de
teorias, conceitos, técnicas de recolha de informação, dados estatísticos, etc.)
(Bourdeieu, Chamboredon & Passeron 1999).

Mas, não basta fazer crítica metódica da linguagem comum e usar instrumentos teórico-
metodológicos para se ter a garantia da ruptura com o senso comum nas Ciências Sociais.
Aliás, tal como insistimos acima, o exercício da ruptura com o senso comum nas Ciências
Sociais exige do investigador uma atitude de vigilância contínua em relação às construções do
senso comum, coisa que não acontece necessariamente nas Ciências Naturais, onde o
investigador estabelece uma relação bem diferente com o seu objecto de estudo, quando
comparado com aquilo que acontece nas Ciências Sociais. Agora, provavelmente, vale a pena
nos interrogarmos sobre as diferenças entre as Ciências Sociais e Ciências Naturais.

Com base no que você já estudou até aqui, qual é a principal diferença entre as Ciências
Sociais e as Ciências Naturais? Tente responder a esta pergunta nas linhas que se seguem:
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Que tal achou?... Foi difícil? Se não foi difícil, você está de parabéns!... porque você
demonstra um certo progresso na assimilação das matérias discutidas nesta disciplina. Mas, se
você achou difícil responder à pergunta, não se preocupe porque as leituras complementares
aconselhadas vão, certamente, ajudá-lo a encontrar elementos para construir a sua resposta
para esta pergunta. Seja como for, podemos avançar dizendo que a principal diferença entre as

25
Ciências Naturais e as Ciências Sociais reside sobretudo na natureza do objecto de estudo e
no tipo de relação que o investigador estabelece com esse objecto de estudo. Parece
complicado, não é? Vamos por partes... Enquanto as Ciências Naturais têm como objecto de
estudo os fenómenos da natureza, o objecto de estudo das Ciências Sociais são os fenómenos
sociais. Enquanto nas Ciências Naturais o investigador pode manipular e isolar o seu objecto
de estudo em laboratório com vista à experimentação, nas Ciências Sociais o investigador não
pode isolar o seu objecto de estudo em laboratório... muitas vezes, o investigador lida com um
objecto de estudo que lhe é muito familiar, do qual ele não pode se separar fisicamente e, por
isso mesmo, o exercício de ruptura com o senso comum é mais complexo e difícil nas
Ciências Sociais do que nas Ciências Naturais.

Resumindo
Nesta Unidade você estudou a singularidade do estudo do social. Você deve agora perceber
que o objecto de estudo das Ciências Sociais tem suas especificidades, sua singularidade,
razão pela qual ele não pode ser abordado da mesma maneira, por exemplo, como se aborada
o objecto de estudo das Ciências Naturais. Além disso, você já deve também ser capaz de:
Ø Explicar por que razão o processo de construção do conhecimento nas Ciências
Sociais passa pela ruptura com o senso comum;
Ø Compreender o significado da ruptura com o senso comum nas Ciências Sociais;
Ø Compreender a diferença entre as Ciências Sociais e as Ciências Naturais.
O que acha da matéria estudada nesta Unidade? Está clara para você? Se sim, vamos passar
para a Unidade 4, que é a última Unidade da nossa disciplina de Introdução às Ciências
Sociais I. Mas, se a matéria que tratámos nesta Unidade 3 não está clara para você, por favor,
volte a ler novamente os principais pontos deste texto e converse com o seu tutor e consulte a
principal bibliografia sobre o assunto, que é fornecida nesta disciplina.

26
UNIDADE 4

OBJECTIVIDADE E IMPARCIALIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

No final desta Unidade, você deverá ser capaz de :


Ø Explicar os contornos do problema da objectividade e imparcialidade nas Ciências
Sociais;
Ø Compreender a resposta de Émile Durkheim ao problema da objectividade e
imparcialidade nas Ciências Sociais;
Ø Compreender a resposta de Max Weber ao problema da objectividade e imparcialidade
nas Ciências Sociais

27
OBJECTIVIDADE E IMPARCIALIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Caro (a) Estudante,

Uma das características principais de qualquer disciplina que


reivindique o “estatuto de ciência” é o seu carácter de saber
sistematizado e objectivo. Como você já deve saber, as Ciências
Sociais também reivindicam o “estatuto de ciência”. Contudo,
com base no que discutimos na Unidade 3 desta disciplina sobre
a singularidade do estudo do social, você pode perceber que
falar de conhecimento objectivo nas Ciências Sociais traz
consigo perguntas específicas que provavelmente não
encontramos nas Ciências Naturais. Isso porquê? Porque, mais
uma vez, as Ciências Sociais têm um objecto de estudo diferente
daquele das Ciências Naturais. Assim, tratando-se das Ciências
Sociais, falar da objectividade, a pergunta que se coloca é a
seguinte: é possível construir um saber sistemático, analítico e
objectivo sobre a realidade social? Por exemplo, o que significa
construir um conhecimento objectivo sobre o impacto de uma
política de educação ou saúde na melhoria da provisão de
serviços públicos aos cidadãos? O que significa construir um
conhecimento objectivo sobre o desempenho de funcionários
públicos de uma determinada instituição do Estado? Estas e
outras perguntas nos remetem, em última análise, para o
problema da objectividade e imparcialidade nas Ciências
Sociais. Nesta Unidade, você vai perceber melhor os contornos
do problema... Vamos a isso...

O problema da objectividade nas Ciências Sociais pode resumir-se à questão da possibilidade


de produção de um conhecimento objectivo sobre a realidade social. Quer dizer, até que ponto
é possível produzir conhecimento científico sobre, por exemplo, a cultura, a sociedade, o
Estado, etc.? Para melhor percebermos a dificuldade que se tem quando se fala de
conhecimento científico nas Ciências Sociais, vejamos algumas questões colocadas por
Marilena Chaui:

Ø A Ciência lida com factos observáveis, algo que pode ser objecto de experimentação.
Como observar, experimentar os fenómenos sociais?

Ø A Ciência busca as leis objectivas gerais, universais e necessárias dos factos. Como
estabelecer leis objectivas para o que é essencialmente subjectivo; como estabelecer
leis universais para algo que é particular? Ex. estudos de casos;

Ø A Ciência opera por análise (decomposição) e síntese (recomposição). Como analisar


e sintetizar uma sociedade?

28
Ø A Ciência lida com factos regidos pela necessidade causal ou pelo princípio de
determinismo universal. Ora o Homem é dotado de razão, vontade e liberdade. Como
explicar cientificamente aquilo que por natureza é contingente, pois é livre e age por
liberdade?

Ø A Ciência lida com factos objectivos, isto é, fenómenos livres de elementos


subjectivos, opiniões, sentimentos, dados afectivos e valorativos. Ora, o humano é
justamente subjectivo, sensível, afectivo, valorativo, opinativo. Como construir a
objectividade no estudo dos fenómenos sociais? (Chaui 2000)

Como você pode reparar, é uma série de perguntas que procuram saber se é possível uma
Ciência Social objectiva. Se sim, sob que condições e critérios? Os primeiros sociólogos,
antropólogos, politólogos, etc., tiveram que fazer face a este tipo de perguntas e, como você
vai perceber, muitos deles não formularam respostas acabadas... na medida em que se trata de
questões muito complexas. Seja como for, os primeiros cientistas sociais deixaram pistas de
reflexão importantes, que permitem trazer elementos de resposta. E é por isso mesmo que nas
próximas duas secções vamos ver como é que dois dos autores clássicos em Ciências Sociais,
nomeadamente Émile Durkheim e Max Weber formularam as suas respostas para as
perguntas acima colocadas... Vamos a isso...

A RESPOSTA DE ÉMILE DURKHEIM

Para o problema da objectividade e imparcialidade nas Ciências Sociais, E. Durkheim


constrói a sua resposta através de dois aspectos importantes:

Ø A delimitação do objecto de estudo das Ciências Sociais;


Ø A construção do método das Ciências Sociais

Relativamente à delimitação do objecto de estudo das Ciências Sociais, Durkheim afirma que
o objecto de estudo das Ciências Sociais são os Factos Sociais. Mas, o que são Factos
Sociais?

Durkheim começa por chamar a atenção para o facto de que no nosso dia a dia muitas vezes
usamos o termo Factos Sociais sem muito rigor, para designar fenómenos que ocorrem na
sociedade e que apresentem algum interesse social.

Na perspectiva de Durkheim, a ser assim, todos os acontecimentos humanos seriam sociais:


“todos os indivíduos comem, bebem, raciocinam e a sociedade tem todo o interesse em que
estas funções se exerçam regularmente…”.

Qual é o perigo de considerar estes factos de sociais? Na perspectiva de Durkheim isso iria
esvaziar o objecto de estudo das Ciências Sociais, na medida em que elas não teriam um
objecto de estudo específico que se distinguisse, por exemplo, daqueles objectos de estudo
tratados em Biologia, Psicologia, Química, enfim objectos de estudo de outras ciências.

29
Dukheim está preocupado em delimitar, identificar, diferenciar o objecto de estudo das
Ciências Sociais de objectos de estudo de outras ciências. Por isso, ele insiste na necessidade
de definir o que são os factos sociais. Como é que ele faz isso?

Durkheim procura primeiro identificar as características daqueles fenómenos que em todas as


sociedades se distinguem dos fenómenos estudados pelas outras ciências. Vejamos o que
Durkheim diz a este respeito:

“(...) Há em todas as sociedades um grupo de fenómenos que se distinguem por


características acentuadas dos estudados pelas outras ciências da natureza. Quando
desempenho a minha tarefa de irmão, quando executo os compromissos que assumi,
cumpro deveres que estão definidos, para além de mim e dos meus actos, no direito e
no costume. Mesmo quando eles estão de acordo com os meus sentimentos próprios e
lhes sinto interiormente a realidade, esta não deixa de ser objectiva, pois não fui eu
que os estabeleci, antes os recebi pela educação... Do mesmo modo, ao nascer, os fiéis
encontram já formadas as crenças e práticas da sua vida religiosa... O sistema de sinais
de que me sirvo para exprimir o pensamento, o sistema monetário que emprego para
pagar as minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas minhas relações
comerciais, as práticas seguidas na minha profissão, etc., etc., funcionam
independentemente do uso que deles faço... São, pois, maneiras de agir, de pensar e de
sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências
individuais (...)” (Durkheim 2007, p. 37 – 38).

Como você pode perceber, Durkheim parte das práticas do dia a dia e observa que existe um
determinado tipo de factos, com determinadas características a que ele vai chamar Factos
Sociais. Estes é que constituem o objecto de estudo das Ciências Sociais. E imediatamente a
seguir, a pergunta de Durkheim é: o que é um facto social? Com base na citação de
Durkheim que acabámos de fazer, você seria capaz de responder a esta pergunta? Tente nas
linhas que se seguem:
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Que tal, foi difícil responder à pergunta?

Se sim, não se preocupe porque você vai ver que nas linhas que se seguem iremos responder à
pergunta. Então, como é que Durkheim define um facto social? Tal como dissemos acima, ele

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vai definir um facto social a partir das suas características distintivas. Assim, para Durkheim,
um facto social:

Ø É exterior aos indivíduos (exterioridade, independência), no sentido de que um facto


social existe fora da consciência dos indivíduos e de uma forma independente da
vontade dos indivíduos. Por exemplo, cerimónias de culto aos antepassados existem
independentemente da vontade do José, Adélia ou Adolfo;
Ø Tem um carácter coercivo, no sentido de que um facto social se apresenta aos
indivíduos com uma certa obrigatoriedade, trazendo sanções para aqueles que fazem o
contrário (coercitividade). Essas sanções podem ser de carácter social, económico ou
outro qualquer. Aqui podemos novamente tomar o exemplo de cerimónias de culto aos
antepassados.
Ø Se referem a colectividades, grupos, sociedades, em função das quais ganham um
sentido (generalidade). Quer dizer, um facto social não se refere a um indivíduo
particular, ou seja ao Joaquim, Amélia ou André, enquanto indivíduos... Um facto
social se refere a um grupo, colectividade ou sociedade, que lhe atribui um sentido.
Mais uma vez, podemos tomar o exemplo das cerimónias de culto aos antepassados.
Mas, também poderíamos tomar tantos outros exemplos tais como o a família, a
língua, o Estado, etc.

Assim, Durkheim define um facto social nos seguintes termos:

“Facto social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, susceptível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada
sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas
manifestações individuais” (Durkheim 2007, p. 47)

Definido assim o facto social, Durkheim traz o segundo elemento da sua resposta à questão da
objectividade nas Ciências Sociais: o método sociológico.

O método sociológico é aquele instrumento que vai permitir o estudo dos factos sociais.
Segundo Durkheim, o método sociológico possui várias regras, nomeadamente regras
relativas à observação dos factos sociais, regras relativas à distinção entre o normal e o
patológico, regras relativas à constituição dos tipos sociais, regras relativas à explicação dos
factos sociais, regras relativas à utilização da prova.

Nas regras relativas à observação dos factos sociais, Durkheim diz que “a primeira regra e a
mais fundamental é: considerar os factos sociais como coisas”. Você, provavelmente deve
agora estar a perguntar o que significa considerar os factos sociais como coisas? Qual é o
alcance desta regra? Esta tem sido uma questão muito discutida nas Ciências Sociais. Seja
como for, considerar os factos sociais como coisas no sentido de que são os únicos dados que
se oferecem à observação do investigador. A este propósito, Durkheim afirma:

“ (...) E, contudo, os fenómenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas.
Para demonstrar esta proposição não é necessário filosofar sobre a sua natureza nem
discutir as analogias que apresentam com os fenómenos dos reinos inferiores. Basta
verificar que eles são o único datum oferecido ao sociólogo. É coisa, com efeito, tudo
o que é dado, tudo o que se oferece, ou antes se impõe à observação. Tratar fenómenos
como coisas é tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da
ciência. Os fenómenos sociais apresentam incontestavelmente esta característica. O

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que nos é dado não é a ideia que os homens têm do valor, pois ela é inacessível; são os
valores que se trocam realmente no decurso das relações económicas. Não é uma ou
outra concepção do ideal moral; é o conjunto das regras que determinam
efectivamente o comportamento. Não é a ideia do útil ou da riqueza; é todo o
pormenor da organização económica... Devemos, portanto, considerar os fenómenos
sociais em si mesmos, desligados dos seus sujeitos conscientes que deles têm
representações; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, porque é deste
modo que se nos apresentam... Esta regra aplica-se, pois, a toda a realidade social e
não há que admitir quaisquer excepções (...)” (Durkheim 2007, p. 60 – 61).

Esta é uma das regras mais controversas de Durkheim, no sentido de que recebeu muitas
críticas. Apesar disso, o autor considera que esta regra tem como consequência os seguintes
passos no processo de construção de conhecimento: Afastar sistematicamente todas as pré-
noções; definir aquilo de que uma pesquisa trata, para que o investigador saiba bem o que está
em causa; afastar os dados sensíveis (a sensação é facilmente subjectiva) que correm o risco
de ser demasiado pessoais para o observador, e reter exclusivamente os que apresentam um
grau suficiente de objectividade.

Certamente não esgotámos aqui a resposta de Durkheim à questão da objectividade, porque


na realidade se trata de uma resposta extremamente complexa. Aqui procurámos somente dar
alguns elementos da resposta... O mesmo vamos fazer em relação a um outro autor clássico
das Ciências Sociais: Max Weber.

A RESPOSTA DE MAX WEBER

À semelhança de E. Durkheim, a resposta de M. Weber à problemática de objectividade nas


Ciências Sociais também se constroi à volta de dois aspectos fundamentais:
Ø Objecto de estudo;
Ø Método de estudo.

Relativamente ao objecto de estudo, Max Weber começa por definir a sociologia (Ciências
Sociais) como uma “ciência que pretende compreender, interpretando-a, a acção social para
assim a explicar causalmente no seu desenvolvimento e nos seus efeitos”. (Weber 2003, p.
192).

Portanto, Weber considera que o objecto de estudo das Ciências Sociais (sociologia) é a
Acção Social.

Provavelmente, você deve estar agora a perguntar-se como é que Weber define a acção? Pois
bem... No entender de Weber, acção é “uma conduta humana (consistindo num fazer externo
ou interno, num omitir ou num permitir), sempre que o sujeito ou sujeitos da acção lhe
atribuam um sentido subjectivo. Sentido subjectivo significa simplesmente sentido atribuído
pelo próprio sujeito. Por exemplo, a acção de produzir arroz por parte de um camponês
qualquer, num distrito qualquer de Moçambique. Neste exemplo, o camponês atribui um
sentido à sua acção de produzir arroz... O sentido aqui pode ser, por exemplo, o sustento da
sua própria família.

Como você pode perceber, a noção de acção em Weber é indissociável de sentido subjectivo
atribuído pelo próprio sujeito.

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E o que é uma acção social? Weber entende por acção social “uma acção onde o sentido
pensado pelo seu sujeito ou sujeitos está referido à conduta de outros, orientando-se por esta
no seu desenvolvimento” (Weber 2003). Portanto, para que uma simples acção seja
considerada como uma acção social é preciso não só que o sujeito lhe atribua um sentido
subjectivo, mas também e sobretudo que esse sentido se refira à conduta dos outros e por ela
se oriente. Por exemplo, a acção de produzir arroz por parte do nosso camponês acima
mencionado será uma acção social quando o sentido por ele atribuído se refira à conduta dos
outros e se desenvolva, se deixe orientar por essa conduta. Neste caso, por exemplo, se o
nosso camponês está a produzir o arroz para a comercialização, esta sua acção será uma acção
social quando a produção de arroz tomar em consideração as expectativas dos outros,
nomeadamente os compradores da sua produção que esperam ter um arroz de qualidade, os
consumidores do arroz que também esperam ter um produto de qualidade e a preço razoável,
enfim as expectativas do mercado. Ora, é este facto de tomar em conta estas expectativas ou
conduta dos outros que vai influenciar o desenvolvimento da acção do nosso camponês, que é
de produzir arroz, e que, por isso mesmo, vai tornar a sua acção numa acção social...

Por conseguinte, numa acção social é fundamental que o sentido da acção se oriente pela
conduta dos outros no seu desenvolvimento. Neste sentido, uma acção social não pode ser
confundida com uma acção homogénea de muitos. Portanto, uma acção social orienta-se pelas
acções dos outros. Estas acções dos outros podem ser passadas, presentes ou futuras.
Poderíamos mencionar tantos outros exemplos de acção social: a gestão de uma empresa, o
exercício de autoridade numa instituição, o processo de ensino e aprendizagem numa escola,
etc...

Saiba Mais

Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido por Max Weber, nasceu em Erfurt, na
Alemanha a 21 de Abril de 1864. Weber é considerado como o fundador da sociologia
compreensiva, uma abordagem sociológica que faz do sentido subjectivo das condutas dos
actores o fundamento da acção social. Ele teve uma vasta produção académica com destaque
para a Sociologia, Economia e epistemologia das Ciências Sociais. Max Weber, juntamente
com Karl Marx e Emile Durkheim, é considerado como um dos fundadores da Sociologia. Se
destacou no estudo do desenvolvimento do capitalismo, do fenómeno burocrático e do Estado
moderno. Entre as suas obras mais famosas, pode-se mencionar as seguintes: A ética
protestante e o espírito do capitalismo; Ensaios sobre a teoria da ciência; Economia e
sociedade, etc. (Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/_Weber. Consultado a 16 de Fevereiro de
2011).

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Ainda sobre acção social, Weber também avança uma classificação. A este propósito,
vejamos a seguir o que ele diz:

“A acção social, como toda a acção pode ser:


1. Racional no que respeita aos fins: determinada por expectativas de
comportamento tanto de objectos do mundo exterior como de outros homens,
e utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para realização de
fins próprios, racionalmente medidos e perseguidos;
2. Racional no que respeita aos valores: determinada pela crença consciente no
valor – ético, estético, religioso ou de qualquer outra conduta, sem relação
alguma com o resultado, ou seja, pelo simples mérito desse valor;
3. Afectiva, sobretudo emocional, determinada por afectos ou estados
sentimentais actuais, e
4. Tradicional, determinada por um costume entranhado” (Weber 2003, p. 218)

Que tal, é difícil entender? Se sim, não se preocupe porque as leituras complementares vão
ajudá-lo a aprofundar o assunto.

Relativamente ao método de estudo, à semelhança de Durkheim, Weber também procurou


desenvolver um método de estudo dos fenómenos sociais, neste caso, da acção social. E o
ponto de partida de Weber é a distinção que faz entre juízos de valor e juízos de facto. Dito de
uma maneira simples, juízos de valor são aqueles que dizem respeito à validade ou
normatividade das práticas ou acções humanas, de acordo com uma cultura ou moralidade de
uma determinada sociedade. Juízos de valor são avaliações práticas de ordem moral. Por
exemplo, afirmar que o lobolo é bom ou mau, a poligamia é boa ou má, determinados usos e
costumes são bons ou maus, belos ou feios, justos ou injustos, é fazer juízos de valor. Juízos
de facto são aqueles cuja formulação resulta da constatação, descrição dos factos observados,
ou seja, juízos cuja formulação pode ser empiricamente demonstrada.

Para Weber, as Ciências Sociais, enquanto um saber sistematizado e objectivo, têm que se
basear em juízos de facto e não em juízos de valor. Quer dizer que as Ciências Sociais têm
que se basear em factos e não em avaliações práticas de ordem moral. Neste sentido, o
cientista social, no processo de construção de conhecimento científico, se esforça de modo a
que os juízos de valor não interfiram no seu trabalho de investigação.

Mas, será possível que um investigador nas Ciências Sociais possa conduzir o seu trabalho
completamente livre de valores? Lembremo-nos que o sociólogo, o antropólogo, o politólogo,
etc., é, antes de mais, um individuo inserido numa determinada sociedade com os seus valores
e suas práticas e, muitas vezes, com situado dentro de uma determinada tradição intelectual e
até ideológica, que acabam influenciando as suas escolhas em termos de objectos de pesquisa.
Nesta discussão, Weber introduz da famosa questão da “neutralidade em relação aos valores”
no processo de produção de conhecimento... O que é que isso significa?

A questão da neutralidade em relação a valores ou, simplesmente, neutralidade axiológica é


uma das questões mais discutidas em Weber e produziu interpretações diversas. Seja como

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for, quando Weber fala da neutralidade axiológica, ele sublinha o facto de que as Ciências
Sociais são diferentes da moral, política ou outra prática qualquer... e, por isso mesmo, elas se
preocupam com “o que é a realidade social?” e não com o “como deve ser a realidade
social?”. Além disso, a ideia da neutralidade axiológica sublinha também o facto de que a
ciência não repousa numa objectividade pura e ideal... De facto, tal como nos referimos
acima, um cientista social não está completamente livre de valores. Aliás, os valores são
importantes num cientista social, no sentido de que eles orientam as suas escolhas no processo
de construção do seu objecto de estudo. Assim, a escolha de um determinado objecto de
estudo é influenciado também pelo tipo de valores que o próprio cientista social comunga.
Mas, a chamada de atenção de Weber com o conceito de neutralidade axiológica é no sentido
de que esses valores fiquem apenas na orientação das escolhas do cientista social e não
interfiram em todo o processo da sua pesquisa ou investigação.

Mas, como é que as Ciências Sociais apreendem, estudam a realidade social? Para Weber, as
Ciências Sociais estudam a realidade social, com base em conceitos construídos pelo próprio
cientista social. A esses conceitos, Weber chama também tipos ideais, que basicamente são
instrumentos construídos com vista a permitir o cientista social uma maior aproximação,
captação dos fenómenos sociais. A este propósito, Weber diz:

“(...) o mesmo fenómeno histórico pode ser ordenado por uma dos seus elementos, por
exemplo, pelo ‘feudal’, pelo ‘patrimonial’, ou por outro, como o ‘burocrático’, ou o
‘carismático’. Para que com estas palavras se expresse algo unívoco, a sociologia deve
formar por seu lado, tipos puros (ideais) dessas estruturas, que mostrem, em si, a
unidade mais consequente de adequação de sentido, o mais completa possível, e
talvez, por isso mesmo, tão pouco frequente na realidade – na forma pura
absolutamente ideal do tipo... A casuística sociológica só pode construir-se a partir
destes tipos puros (ideais)” (Weber 2003, p.212).

Assim, por exemplo, quando um cientista social estuda o funcionamento de um Estado, o


desempenho das instituições, etc., ele tem que procurar construir os tipos ideais
correspondentes a Estado, instituições, etc. A função destes tipos ideais é fundamentalmente
ajudar o cientista social a apreender da melhor forma possível a realidade social que ele se
propõe a estudar, neste caso o Estado ou instituições. Isso não significa que os tipos ideais
tenham uma existência real... Aliás, o próprio Weber sublinha que os tipos ideais não têm
uma existência real... eles são uma construção abstracta feita pelo próprio investigador.

Com base no que dissemos sobre a objectividade e imparcialidade nas Ciências Sociais, você
pode perceber que as respostas de Durkheim e Weber são dieferentes, no sentido de que cada
um deles propõe uma solução diferente. Assim, por exemplo, enquanto Durkheim insiste
muito na questão da ruptura com o senso comum (incluindo valores) no processo de
construção do conhecimento científico, Weber considera que o próprio cientista social se
serve de valores na orientação das suas escolhas no processo de construção do seu objecto de
estudo. Apesar disso, quer Durkheim, quer Weber, sublinham a ideia de que a objectividade
nas Ciências Sociais passa pela vigilância constante de modo a que as pré-noções, senso
comum, juízos de valor não interfiram no processo de produção de conhecimento científico.

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Resumindo
Nesta Unidade você estudou a questão da objectividade e imparcialidade nas Ciências
Sociais. Você deve ser capaz de explicar os contornos do problema da objectividade no
processo de construção do conhecimento científico nas Ciências Sociais, isto é, as principais
perguntas relativas à dificuldade em falar da objectividade nas Ciências Sociais. Além disso,
você já deve também ser capaz de:
Ø Compreender a resposta de Émile Durkheim ao problema da objectividade e
imparcialidade nas Ciências Sociais;
Ø Compreender a resposta de Max Weber ao problema da objectividade e imparcialidade
nas Ciências Sociais.

O que acha da matéria estudada nesta Unidade? Está clara para você? Se sim, faça a revisão
de toda a matéria tratada nas quatro Unidades desta disciplina. Mas, se a matéria que tratámos
nesta Unidade 4 não está clara para você, por favor, volte a ler novamente os principais
pontos deste texto e converse com o seu tutor e consulte a principal bibliografia sobre o
assunto, que é fornecida nesta disciplina.

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BIBLIOGRAFIA
I – Leitura Obrigatória

Unidade 1:
• De Castro, Ana Maria e Dias, Edmundo Fernandes (Org.). 2008, Introdução ao
Pensamento Sociológico, S. Paulo, Centauro Editora.
• Quintaneiro, Tânia, Barbosa, Maria e De Oliveira, Márcia. 2010, Um Toque dos
Clássicos, Ediotora UFMG.
• Outhwaite, William e Bottomore, Tom. 1996, Dicionário do Pensamento Social do
Século XX, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.
• Ferreira, J. M. Carvalho et al. 1995, Sociologia, Alfragide – Portugal, Editora
McGraw-Hill.

Unidade 2
• Nunes, Adérito Sedas. Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais. 2005,
Lisboa, Editorial Presença.
• Ferreira, J. M. Carvalho et al. 1995, Sociologia, Alfragide – Portugal, Editora
McGraw-Hill.

Unidade 3
• Durkheim, Émile. 2007, As Regras do Método Sociológico, Lisboa, Editorial
Presença.
• Bourdieu, Pierre, Chamboredon, Jean-Claude e Passeron, Jean-Claude, 1999, Ofício
de Sociólogo, Petrópolis, Editora Vozes.
• Silva, Augusto Santos, “A Rupruta com o Senso Comum nas Ciências Sociais” in
Silva, Augusto Santos e Pinto, José Madureira. 1986, Metodologia das Ciências
Sociais, Porto, Edições Afrontamento.
• Pinto, José Madureira. 1994, Proposta para o Ensino das Ciências Sociais, Porto,
Edições Afrontamento.

Unidade 4
• Chaui, Marilena, Convite à Filosofia. 2000, S. Paulo, Editora Ática.
• Durkheim, Émile. 2007, As Regras do Método Sociológico, Lisboa, Editorial
Presença.
• Weber, Max. 2003, Fundamentos da Sociologia, Porto, Rés-Editora.
• Quintaneiro, Tânia, Barbosa, Maria e De Oliveira, Márcia. 2010, Um Toque dos
Clássicos, Ediotora UFMG.

II – Leitura Complementar

Ajdukiewicz, Kazumiers. 1979, Problemas e teorias de filosofia: Teoria Do Conhecimento e


Metafísica, S. Paulo, Ciências Humanas.
Aranha, Mª Lúcia de Arruda e Martins, Mª Helena Pires. 1993, Filosofando: Introdução à
filosofia, S. Paulo, Moderna.

37
Aron, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. 1999, Lisboa, Publicações dom
Quixote.
Braud, Philippe. 2000, Sociologie Politique, Paris: L.G.D.J.
Geertz, Clifford. 1989, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Ed. Guanabara.
Goldmann, Lucien. 1984, Epistemologia e filosofia política, Lisboa, Ed. Presença.
Gramsci, António. 1966, Concepção dialéctica da história, Rio De Janeiro, Civilização
Brasileira.
Lakatos, Eva & Marconi, Marina de Andrade. 1988, Metodologia Científica. S. Paulo, Atlas.
Lima, Augusto Mesquitela et al. 1991, Introdução à Antropologia Cultural, Lisboa, Ed.
Presença.
Marx, Karl & Engels, Friedrich. 1974, Textos filosóficos, Lisboa, Ed. Presença.
Mello, L. Gonzaga. 1968, Antropologia Cultural: Iniciação, Teorias e Temas, Petrópolis, Ed.
Vozes.
Neuman, W. Lawrence. 2000, Social Research Methods. Qualitative and Quantitative
Approaches, Bóston, Allyn & Bacon
Quivy, Raymond. 1995, Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva
Publicações.
Severino, António Joaquim. 1996, Metodologia do trabalho científico, São Paulo, Ed. Cortez.

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Sobre o Autor:

Salvador Cadete Forquilha


É Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Bordeaux, França, em 2006; Mestre
em Ciência Política pela Universidade de Bordeaux, França, em 2002; Licenciado em
Antropologia pela Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, em 2001; Bacharel em Ciências
Sociais pela Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, em 1999. Actualmente é docente da
disciplina de Introdução às Ciências Sociais no Departamento de Ciência Política e
Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Além disso, é
membro fundador e investigador associado do Instituto de Estudos Sociais e Económicos
(IESE). As suas principais áreas de pesquisa são: processos de democratização,
descentralização e governação local.

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