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Jogos

digitais e aprendizagem

FUNDAMENTOS PARA UMA PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

LYNN ALVES

ISA DE JESUS COUTINHO (ORGS.)


>>


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO – GAMES E EDUCAÇÃO: NAS TRILHAS DA


AVALIAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Lynn Alves e Isa de Jesus Coutinho

1. O CONCEITO ONTOLÓGICO DE JOGO

Luís Carlos Petry

2. JOGOS DIGITAIS E APRENDIZAGEM: ALGUMAS EVIDÊNCIAS DE


PESQUISAS

Arlete dos Santos Petry

3. PESQUISA DA AVALIAÇÃO E da EFICÁCIA DA APRENDIZAGEM


BASEADA EM JOGOS DIGITAIS: REFLEXÕES EM TORNO DA
LITERATURA CIENTÍFICA

Ruth S. Contreras-Espinosa e Jose Luis Eguia-Gómez

4. DESENHANDO HEALTH GAMES PARA NÃO GAMERS

Ana Beatriz Bahia

5. OS DESAFIOS E AS POSSIBILIDADES DE UMA PRÁTICA BASEADA


EM EVIDÊNCIAS COM JOGOS DIGITAIS NOS CENÁRIOS EDUCATIVOS

Isa de Jesus Coutinho e Lynn Alves

6. ENSINO DE HISTÓRIA E VIDEOGAME : PROBLEMATIZANDO A


AVALIAÇÃO DE JOGOS BASEADOS EM REPRESENTAÇÕES DO
PASSADO

Helyom Viana Telles e Lynn Alves

7. JOGO-SIMULADOR KIMERA: AVALIAÇÃO BASEADA EM


PERSPECTIVAS

André Luiz Andrade Rezende, Tania Maria Hetkowski e Josemeire Machado


Dias

8. DESIGN METODOLÓGICO PARA AVALIAR O GAME ANGRY BIRDS


RIO E EVIDÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO EM SALA DE AULA

Filomena M.G.S. Cordeiro Moita

9. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM PROCESSOS GAMIFICADOS :


DESAFIOS PARA APROPRIAÇÃO DO MÉTODO CARTOGRÁFICO

Eliane Schlemmer e Daniel de Queiroz Lopes

10. JOGOS DIGITAIS, APRENDIZAGEM E DESEMPENHO ESCOLAR: O


QUE PENSAM OS GAROTOS QUE JOGAM?

Marcelo Silva de Souza Ribeiro e Rodrigo Clementino de Carvalho


11. O JOGO DA HISTÓRIA: APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS E JOGOS
ELETRÔNICOS NUMA ESCOLA MUNICIPA DO INTERIOR DA BAHIA

Marcelo Souza Oliveira e Lucas Araújo da Paixão

12. GAMIFICAÇÃO EM APLICAtivos MÓVEIS PARA EDUCAR EM


HÁBITOS DE VIDA SAUDÁVEIS

Carina S. González González, Nazaret Gómez del Río, Raquel Martín González
e Yeray del Cristo Barrios Fleitas

13. COMO PLANEJAR E AVALIAR INTERVENÇÕES COM JOGOS


DIGITAIS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL?

Camila de Sousa Pereira-Guizzo

14. OS JOGOS DIGITAIS E A APRENDIZAGEM NOS IDOSOS: DESAFIOS


E RECOMENDAÇÕES

Ana Isabel Veloso e Liliana Vale Costa

15. JOGOS VIRTUAIS COMO MEDIADORES EM EDUCAÇÃO EM SAÚDE


E PREVENÇÃO DE DOENÇAS CRÔNICAS

Fernanda W.R. Camelier e Helena Fraga Maia

NOTAS
SOBRE OS AUTORES

REDES SOCIAIS

CRÉDITOS
APRESENTAÇÃO

GAMES E EDUCAÇÃO: NAS TRILHAS DA AVALIAÇÃO


BASEADA EM EVIDÊNCIAS

A discussão sobre games e educação tem crescido em todo o mundo, inclusive


no Brasil,[1] mobilizando pesquisadores e desenvolvedores a construírem um
sentido diferenciado para a presença desses artefatos culturais nos espaços
escolares.

A indústria brasileira de games, em 2013, produziu 621 jogos digitais para


educação e 698 para entretenimento.[2] Esses dados evidenciam um crescimento
do mercado de games para educação e consequentemente uma preocupação com
a elaboração de produtos que contribuam para a aprendizagem dos jogadores.

Contudo, nessa busca de construção de sentidos e de efetividade dos resultados,


defrontamo-nos constantemente com um questionamento que emerge todas as
vezes que escrevemos, publicamos e desenvolvemos games para os cenários
escolares: como se dá a aprendizagem escolar mediada pelos games? Uma
questão difícil de responder de forma objetiva, principalmente porque ainda não
temos de forma consolidada os percursos realizados pelos players (pesquisadores
e desenvolvedores) para evidenciar essa aprendizagem.

Assim, objetivando socializar os diferentes caminhos trilhados pelos


pesquisadores brasileiros, portugueses e espanhóis que, ao longo dos últimos 11
anos, estiveram presentes de diferentes formas no Seminário de Jogos
Eletrônicos, Comunicação: Construindo novas trilhas, realizado pelo grupo de
pesquisa Comunidades Virtuais/Rede Brasileira de Jogos Eletrônicos e
Educação, da Universidade do Estado da Bahia, organizamos o livro Jogos
digitais e aprendizagem: Fundamentos para uma prática baseada em evidências,
que tem o objetivo de apresentar as distintas perspectivas que marcam as
investigações, apontando os aportes metodológicos e seus instrumentos de
pesquisa para responder à questão que emerge fortemente quando estabelecemos
interlocução com os distintos espaços, sejam eles acadêmicos, escolares,
midiáticos ou de financiamento, entre outros. Obviamente, não existe uma única
resposta para esse questionamento, mas a construção de olhares e possibilidades
que podem contribuir para o delineamento de um design metodológico que
subsidie outras práticas de investigação e de desenvolvimento.

A prática baseada em evidências está presente na área de saúde e mais


recentemente na área de educação, mas, especialmente no Brasil, os desavisados
tendem a relacioná-la com abordagens experimentais. No cenário das
investigações que nascem no bojo das ciências humanas, a tradição é valorizar as
pesquisas de base qualitativa que se centram na “escuta sensível”[3] dos sujeitos,
utilizando instrumentos como as entrevistas em profundidade, as observações, a
análise de conteúdos, entre outros, não cabendo generalizações, já que a
singularidade dos sujeitos e de suas percepções em torno do fenômeno estudado
deve ser revelada e respeitada.

Contudo, acreditar que somente pesquisas de bases experimentais podem basear-


se em evidências é um equívoco.

Os vestígios, sinais, indícios, entre outros aspectos, que emergem do discurso


dos sujeitos ao serem inquiridos por um pesquisador de base qualitativa,
constituem evidências que compõem o cenário de investigação e que contribuem
para compreender o fenômeno pesquisado. Tal perspectiva pode ser comprovada
nas interlocuções e nas investigações registradas neste livro.

Assim, tanto as pesquisas de bases experimentais como as qualitativas podem


apresentar evidências fundamentais para analisar o objeto.
Na área de games e educação no Brasil, em Portugal e na Espanha, encontramos
uma perspectiva fortemente qualitativa, que se centra na mediação de técnicas de
pesquisa como grupos focais, observações, estudo de caso, análise de conteúdo.
Os resultados dessas investigações não possibilitam generalizações, mas
permitem compreender os sentidos, significados e aprendizagens que emergem
na interação dos sujeitos com os jogos digitais, sejam eles de fins educacionais
ou comerciais.

Portanto, este livro parte da compreensão de que a prática baseada em evidências


consiste na busca, na clareza, na veracidade e na sustentabilidade das
informações atreladas ao conhecimento tácito construído e desenvolvido junto
com a informação. Um tipo de relação dialética entre arte e ciência, na busca da
melhor evidência possível.[4]

As reflexões aqui presentes baseiam-se nas investigações dos pesquisadores que


têm os jogos como objeto de investigação e desejo, e, como interlocutores, desde
as crianças até os idosos, bem como os jogos digitais que foram objeto de
análise. Este livro traz 15 capítulos que consistem em interlocuções que
discutem os conceitos e as perspectivas teórico-metodológicas. Os autores
apresentam o estado da arte sobre o tema, apontando aspectos epistemológicos,
possibilidades e limites, bem como os resultados de suas investigações,
fundamentos em nível teórico-metodológico.

O primeiro capítulo, “O conceito ontológico de jogo”, de Luís Carlos Petry,


discute a perspectiva ontológica do jogo analógico ao digital, mediante a
interlocução com autores como Heidegger (2001)[5] e outros, mais
contemporâneos, que têm os games como objeto de análise.

Arlete dos Santos Petry apresenta, no segundo capítulo, “Jogos digitais e


aprendizagem: Algumas evidências de pesquisas”, o estado da arte das pesquisas
realizadas na área de jogos digitais e aprendizagem, partindo das contribuições
de pesquisadores como Greenfield (1984) e Turkle (1998), indicando as
perspectivas dentro e fora do Brasil nos últimos anos.

O olhar dos pesquisadores Ruth S. Contreras-Espinosa e Jose Luis Eguia-


Gómez, no terceiro capítulo, “Pesquisa da avaliação e da eficácia da
aprendizagem baseada em jogos digitais: Reflexões em torno da literatura
científica”, convida-nos a trilhar o estado da arte do tema jogos digitais e
aprendizagem baseada em evidências, situando o leitor nas contribuições dos
autores europeus e americanos.

Pensar a relação entre jogos digitais e aprendizagem exige que tenhamos um


olhar especial para o jogador, isto é, o gamer. Quem é esse sujeito que imerge no
universo dos jogos digitais? Com base nessa discussão, a autora Ana Beatriz
Bahia, no quarto capítulo, “Desenhando health games para não gamers”,
fundamenta situações que envolvem os jogos desenvolvidos por ela.

No quinto capítulo, denominado “Os desafios e as possibilidades de uma prática


baseada em evidências com jogos digitais nos cenários educativos”, as autoras
Isa de Jesus Coutinho e Lynn Alves apresentam e discutem o conceito de
avaliação baseada em evidências, especialmente relacionada com a mediação
dos jogos digitais.

Os autores Helyom Viana Telles e Lynn Alves nos convidam a imergir no


“Ensino de história e videogame: Problematizando a avaliação de jogos baseados
em representações do passado”. Nesse capítulo, entra em cena a história, campo
de conhecimento que subsidiou o desenvolvimento de quatro jogos pelo grupo
de pesquisa Comunidades Virtuais. No texto, o jogo Civilization III é o objeto de
análise.

No sétimo capítulo, denominado “Jogo-simulador Kimera: Avaliação baseada


em perspectivas”, de autoria de André Luiz Andrade Rezende, Tania Maria
Hetkowski e Josemeire Machado Dias, é possível conhecer o processo de
desenvolvimento do Kimera, a validação da perspectiva de avaliação construída
por Dias e Hetkowski (2015) e escutar os especialistas que avaliaram o potencial
do jogo.

A pesquisadora Filomena M.G.S. Cordeiro Moita, no Capítulo 8, nos dá um


significado diferenciado a um dos jogos casuais mais famosos no mundo. Assim,
em “Design metodológico para avaliar o game Angry Birds Rio e evidências da
utilização em sala de aula”, a autora leva o jogo para mediar a construção de
conceitos da área de física, ratificando a premissa de que os jogos comerciais
também constituem espaços de aprendizagem escolar.

De uma perspectiva metodológica diferenciada, os autores Eliane Schlemmer e


Daniel de Queiroz Lopes trazem para discussão uma categoria teórica bastante
evidenciada nos últimos anos: a gamificação. Assim, no Capítulo 9, “Avaliação
da aprendizagem em processos gamificados: Desafios para apropriação do
método cartográfico”, podemos compreender as interfaces entre jogos digitais,
gamificação e avaliação, tomando como interlocutores os alunos de cursos de
graduação.

No Capítulo 10, é a vez de escutar os pré-adolescentes de um condomínio na


cidade de Juazeiro, Bahia. “Jogos digitais, aprendizagem e desempenho escolar:
O que pensam os garotos que jogam?”, de autoria de Marcelo Silva de Souza
Ribeiro e Rodrigo Clementino de Carvalho, permite-nos compreender a relação
entre jogos digitais e aprendizagem do ponto de vista de quem mais entende esse
universo e vive imerso nele: os jogadores.

Marcelo Souza Oliveira e Lucas Araújo da Paixão refletem e discutem a


interação entre os jogadores e os jogos com conteúdos históricos, dando origem
ao Capítulo 11, “O jogo da história: Aprendizagens significativas e jogos
eletrônicos numa escola municipal do interior da Bahia”.
“Gamificação em aplicativos móveis para educar em hábitos de vida saudáveis”,
de autoria dos pesquisadores da Universidade de La Laguna, em Tenerife,
Espanha, constitui o Capítulo 12. O grupo, coordenado pela professora Carina S.
González González, e tendo como pesquisadores Nazaret Gómez del Río,
Raquel Martín González e Yeray del Cristo Barrios Fleitas, realizou a
investigação com a mediação do Provitao App, um aplicativo para apoiar o
tratamento da obesidade infantil. Esse capítulo dá início a uma discussão
importante e contemporânea na área de jogos digitais: a interface desses
artefatos culturais com a área de saúde.

Camila de Sousa Pereira-Guizzo, no Capítulo 13, apresenta o delineamento


metodológico planejado para duas pesquisas realizadas sob sua orientação, que
tiveram como foco a educação inclusiva, não apenas nos espaços escolares, mas
também na intervenção clínica. Assim, em “Como planejar e avaliar
intervenções com jogos digitais na educação especial?”, é possível perceber a
importância do método nas pesquisas que buscam investigar os efeitos dos jogos
para crianças com paralisia cerebral.

Os seniores, como são denominados os idosos em Portugal, são os sujeitos das


pesquisas realizadas pelas autoras Ana Isabel Veloso e Liliana Vale Costa, no
Capítulo 14, “Os jogos digitais e a aprendizagem nos idosos: Desafios e
recomendações”. O grupo, coordenado pela professora Ana Isabel Veloso,
desenvolve ambientes interativos, incluindo jogos digitais especialmente para os
seniores, e acompanha o percurso desses sujeitos, investigando seus processos de
aprendizagem.

Concluindo o livro, o Capítulo 15, das autoras Fernanda W.R. Camelier e Helena
Fraga Maia, convida-nos a dialogar sobre as possibilidades que podem emergir
na relação saúde-educação-jogos digitais. Assim, em “Jogos virtuais como
mediadores em educação em saúde e prevenção de doenças crônicas”, podemos
ratificar que os jogos digitais constituem uma área de interface com distintos
saberes.
Em toda a obra, é possível perceber que os autores possuem uma base teórica
semelhante, mas estabelecem relações e interlocuções de forma diferenciada,
enriquecendo a discussão e possibilitando aos leitores a construção de novos
sentidos. Os capítulos trazem sempre exemplos de jogos comerciais e com fins
educacionais a fim de apontar o que já vem sendo realizado para delinear uma
trilha de avaliação baseada em evidências.

Portanto, este livro é um convite para que estudantes, pesquisadores, pais,


legisladores e desenvolvedores possam dialogar e subsidiar novas práticas de
avaliação de jogos digitais baseadas em evidências, bem como a definição de
políticas que promovam a abertura de editais e linhas de financiamento que
apoiem a produção de games voltados para os cenários escolares, bem como
processos avaliativos baseados em evidências que retroalimentem não apenas a
prática dos docentes e pesquisadores, mas também dos desenvolvedores.[6]

Lynn Alves e Isa de Jesus Coutinho


1
O CONCEITO ONTOLÓGICO DE JOGO

Luís Carlos Petry

Introdução

Em pesquisa, uma das questões metodológicas fundamentais consiste na


capacidade de delimitarmos os contornos gerais do tema e do objeto pesquisado,
a fim de dispormos claramente em nossa mente o tipo de objeto com o qual nos
relacionamos, seu modo de ser, bem como a região temática que o abriga e lhe
dá suporte.

Conceituarmos uma região temática (ou área epistêmica) é uma das tarefas
fundamentais da prática científica.[7] Uma área de conhecimento constitui uma
dada região, que envolve elementos epistêmicos, objetos, métodos e
consequentes aplicabilidades pragmáticas.[8] Assim, para qualquer área ou
objeto que recaia sob seu domínio, devemos ser capazes de determinar os
fundamentos conceituais, os limites críticos que o separam de outras áreas ou
objetos, as propriedades, funções, finalidades e consequentes utensilidades.
Entretanto, muitas vezes, um mesmo objeto pode recair sob o domínio de
diversas áreas do conhecimento. Um notável exemplo é o corpo humano,
pensado como objeto. Recortado por inúmeras áreas e disciplinas, o corpo
humano é visto como algo que proporciona um olhar diferenciado para um
mesmo e único objeto.[9] Cerca de três mil anos atravessam os estudos sobre o
corpo humano como objeto fático, burilando seus contornos e equalizando as
relações entre as pertinentes disciplinas que realizam discursos, pesquisas e
produzem conhecimentos acerca dele. Alguns objetos recentes, que recebem a
atenção da pesquisa científica, parecem iniciar o mesmo processo de
refinamento progressivo, e esse parece ser o caso do objeto jogo digital.

O conceito de jogo e a questão da classificação

Os jogos digitais são tomados como novos objetos de uma cultura e uma
sociedade designadas como pós-modernas. Esse é o ponto de vista de inúmeros
teóricos.[10] Surgido no contexto da computação, o objeto jogo digital
imediatamente extravasou seu campo de nascimento, organizando-se como um
objeto-cultural-digital, de acordo com a descrição que lhe dá Manovich (2001),
baseado numa leitura estruturalista referenciada em Michel de Certeau. Segundo
esse ponto de vista, o jogo, como objeto digital da cultura pós-moderna, tem
como característica inerente não somente participar da cultura, mas, sobretudo,
ressignificá-la. Esse é um dos aspectos que torna esse objeto de nossa cultura tão
enigmático, significativo e, ao mesmo tempo, de difícil apreensão. De certo
modo, ele sofre do mesmo mal que afetou conceitos modernos como o de
neurose e inconsciente: ao rapidamente passarem ao domínio da linguagem
informal, receberam, pelo seu uso, as mais diversas interpretações, sentidos e
usos. Em filosofia, diz-se que, quando isso acontece, o conceito que delimita o
objeto adquire contornos elásticos ou maleáveis, dependendo de seu uso ou
utilizador. Podemos, então, pensar que o objeto jogo digital, rapidamente
apropriado pela linguagem informal, objeto reiteradamente evocado pela mídia,
seja um objeto com contornos não muito bem definidos e, assim, afeito a
inúmeras conceituações.

Fenômeno facilmente verificável quando, ao entrarmos em contato com um


utilizador do objeto jogo (o jogador) e, mesmo quando contatamos um produtor
de jogos, somos rapidamente informados do fato de que cada interessado
particular no objeto tem seu conceito próprio e particular do objeto. Diz o ditado:
cada cabeça uma sentença. Baseados no senso comum, não é difícil
constatarmos que cada jogador tem não somente uma visão do que seja o objeto
de seu interesse, mas uma definição do que seja jogo e, mais intensamente, do
que não seja jogo.
Apesar de sermos reiteradamente advertidos pelos estudiosos da área de que o
objeto jogo é um objeto multi e interdisciplinar, observamos que ele sempre é
enfocado pelo utilizador (e não raras vezes pelo desenvolvedor, senão também
pelo estudioso) de um modo particular, geralmente relacionado ao campo da
doxa[11] básica e pessoal da formação do sujeito. Essa peculiaridade nos
ofereceu, ao mesmo tempo, uma riqueza de abordagens (desde a década de
1980) e um debate acirrado, que se iniciou no final dos anos 1990 e somente nos
últimos tempos tem se mostrado inócuo.[12]

A solução do debate sobre a natureza do jogo (o que ele é em si e sua estrutura)


entre ludologistas e narratologistas teve como resposta inúmeros
desenvolvimentos positivos por parte de estudiosos que estavam mais
interessados na construção de uma visão mais ampla do conceito de jogo e que
fosse capaz de abrangê-lo em toda a sua riqueza e multiplicidade. Finalmente,
observamos que um interessante exemplo dessa conjunção pode ser encontrado
no relatório de 2008 da IGDA,[13] no qual o objeto jogo e sua tematização
conceitual são tomados com base numa clara perspectiva multidisciplinar, na
qual todas as partes que a constituem são postuladas como necessárias. O
relatório trabalha o conceito e o campo do objeto, com base no qual buscaremos
realizar a nossa abordagem reflexiva.

As linhas gerais do campo dos jogos digitais

De acordo com o relatório de 2008 da IGDA, o dramático crescimento dos


cursos de jogos (nos Estados Unidos) e seu impacto coletivo, nos seis anos
anteriores, mostrou a necessidade da formação de uma identidade compartilhada,
na qual inúmeros atores se fizessem presentes, inicialmente os mais diretos, a
academia e a indústria dos jogos.[14] Isso significa que, além de um conceito de
jogo ser adotado de forma homogênea, também se fez necessária a adoção de um
programa de formação que contemplasse elementos mínimos ou básicos
compartilhados por todos os cursos de graduação que se dedicavam à formação
em jogos. O relatório da IGDA trabalha com uma realidade detectada nos
Estados Unidos, entretanto, sendo o campo dos jogos universal e diante de sua
expansão global, situação similar é encontrada em toda parte e, no caso do
Brasil, não se faz presente nenhuma exceção.[15]

Seguindo essa perspectiva, bem como a conceituação apresentada por nós, que
permite pensarmos objetos fáticos e objetos intencionais (Russell 2006; Granger
1998), organizamos a estrutura de uma possível identidade compartilhada do
emergente campo cultural dos jogos, que implica os seguintes elementos:

a) necessidade de um conceito que cubra o objeto epistêmica e materialmente, de


forma a descrever a sua complexidade e a sua amplitude aberta, semipermeável e
híbrida;

b) metodêutica de acesso analítico ao objeto, que permita compreender tanto os


seus fundamentos como as suas possibilidades e aplicações;

c) campo diversificado de impacto/extensão prática (do objeto) dentro das


diferentes e divergentes áreas da cultura e da sociedade: o entretenimento, a
formação, a pesquisa, a poièsis /arte, a educação, os negócios etc.;

d) entendimento do objeto como um objeto (digital) da cultura, diferenciando-o


dos demais objetos culturais tradicionais e das mídias tradicionais, o que
comporta um campo de novas possibilidades ainda a serem descobertas,
diferenciando-o epistemicamente – e não o contrapondo ou antepondo – da
literatura, do teatro, do cinema e dos demais jogos não digitais, por exemplo.

A ideia de uma identidade de objeto compartilhada nos alerta para o fato de que,
com tal fenômeno, temos um novo e rico campo de estudo, pertinente aos jogos
digitais, com requisitos próprios de caráter interdisciplinar.[16] Isso significa que
o campo de atuação e formação nos jogos digitais transcende as disciplinas
particulares. Em sentido prático, os jogos digitais atravessam disciplinas e
saberes, não se constituindo em monopólio de nenhum deles. Como objeto
conceitual e como objeto de aprendizagem (no que diz respeito à formação),
constitui-se em objeto genuinamente interdisciplinar ou transdisciplinar. Aarseth
(2001), ao criar o site e journal Game Studies, inicialmente chamou a atenção
para essa característica interdisciplinar do objeto de estudo jogos.[17]

Nesse sentido, podemos considerar a situação particular e peculiar do objeto


digital jogo. Essa observação se faz pertinente, em razão de o objeto jogo
anteceder ao jogo digital,[18] na mesma medida em que a capacidade da
linguagem precede a toda e qualquer língua em particular.[19]

Muitas vezes, esquecemos isso quando enfatizamos algum aspecto do jogo


digital em particular, em detrimento dos demais. Em computação, muitas vezes,
dizemos que um jogo (digital) é um software. Ainda que um jogo partilhe com
um software a ideia e o componente do código fonte, como tudo o mais dentro
dos computadores, consoles e dispositivos digitais, o fato da existência de um
código fonte, de serem necessárias grandes bases de modelagem e programação
para termos um jogo digital, esse fato não o coloca no mesmo campo que outros
softwares. Essa observação restritiva deve ser colocada para todas as demais
áreas de trabalho que formem um jogo digital ou participem dele.

Outro aspecto apresentado pelo relatório da IGDA diz respeito à formação


colaborativa entre indústria e academia de um vocabulário de conceitos.[20]
Caberia à indústria dos jogos, por meio do teste das boas práticas, fornecer
feedback à academia, em um sistema de retroalimentação e inovação. A relação
entre a construção conceitual, a formação continuada, o estabelecimento das
boas práticas e o seu feedback constitui o binômio (interativo) teoria/prática,
resultando na construção progressiva do objetivo, no que tange a melhoria e
aprimoramento (falibilismo metodológico).
Aspectos a serem considerados no conceito de jogo digital com base
na ontologia

O relatório de 2008 da IGDA buscou pensar o conceito de jogo em seu sentido


mais amplo possível, o que podemos identificar como a busca de um conceito
amplo ou estendido do objeto jogo (digital). Os próprios relatores advertem que
qualquer definição se tornaria um elemento limitante e, enfatizando um dado
aspecto, disciplina ou perspectiva, poderia colocar em risco a eficácia do
conceito. Lembremo-nos do observado acima, de que é comum encontrarmos
nos utilizadores de jogos digitais, e em muitos desenvolvedores, visões
absolutamente particulares do que seja o jogo digital.

Mesmo assim, os relatores dizem que, na maior parte das definições encontradas
de jogos, constatamos que os jogos constituem sistemas que envolvem um
jogador que realiza escolhas, as quais modificam o estado do sistema (jogo), o
que correspondentemente leva a um resultado, determinado ou não de antemão.
Uma definição de trabalho é oferecida por eles e a discutimos.

Um jogo consiste em uma atividade com regras. Nem sempre, as regras do jogo
são claras e visíveis para o jogador no início do jogo. Muitas vezes, elas
precisam ser descobertas pelo jogador. Um jogo, muitas vezes, pode envolver
conflitos (Ágon),[21] nos quais o antagonista pode ser representado pela IA
(inteligência artificial) do motor de jogo; outras vezes, por outro jogador (como
no caso de muitos MMORPG e FPS multijogador).[22] Um jogo pode também
conter o conflito na forma de sua organização de eventos aleatórios ou de azar
(acaso, como nos jogos de azar). A maioria dos jogos tem objetivos, mas não
todos (por exemplo, The Sims 2000 e SimCity 1989). Os objetivos podem ser
aparentes desde o começo do jogo ou ainda descobertos no desenrolar do jogo e
da narrativa nele implícita (embutida). Objetivos podem também emergir no
jogo, por parte do jogador, como tarefas que ele mesmo se coloca durante o jogo,
tais como resolver um determinado enigma ou puzzle ou, de outro modo, superar
um obstáculo não essencial para o seguimento da narrativa (mas fundamental
para o jogador) etc. A maioria dos jogos define pontos inicial e final, mas não
todos (por exemplo, World of Warcraft 2004 e Dungeons & Dragons 1974).[23]
A maioria dos jogos envolve a tomada de decisões por parte dos jogadores, mas
não todos (por exemplo, Myst 1993). Um jogo digital é um jogo (como definido
acima), que utiliza uma tela de vídeo digital de algum tipo, de alguma forma.
Todos os elementos presentes no jogo – regras, conflitos, objetivos, definição de
pontos e tomadas de decisões – são elementos constituintes da vida humana em
geral.

Quando dizemos que o jogo digital constitui um objeto cultural, isso significa
que ele integra a história dos objetos do Ocidente. Quer dizer que ele está
submetido às regras que delimitam o conjunto dos objetos na cultura, na
realidade, uma forma branda de dizermos que eles têm uma ontologia subjacente
ou se fundam em uma ontologia, ainda que, na maioria das vezes, atencionada.
[24] Isso não significa que um desenvolvedor de jogos deva proceder a um
trabalho filosófico prévio para poder pensar, projetar e construir seu jogo.
Significa, entretanto, que, quando operamos com qualquer elemento da cultura,
forças e aspectos ontológicos sempre estão em operação, pois são eles que
fornecem a própria base da cultura. Para que isso fique claro e possamos mostrar
a sua relação com o objeto jogo digital, bem como sua relevância para os
processos e métodos de pesquisa em jogos, necessitamos apresentar brevemente
um conceito de ontologia e situá-lo no contexto do próprio objeto.

Em uma linguagem sintética, dizemos que a ontologia é a parte da ciência que


trata da natureza, da realidade e da existência dos entes (os objetos como
objetos). Isso significa que a ontologia trabalha as propriedades (ou
características) e finalidades gerais dos objetos e suas relações. A ontologia
também organiza categorias ou classes, em que os agrupamentos e distinções
permitem uma melhor delimitação dos entes compreendidos nelas. Aqui, entra
em ação o que chamamos o importante processo da classificação dos objetos em
classes e subclasses, em categorias e subcategorias, o que nos conduz a uma
organização dos objetos – no caso, os jogos. Essa aplicação direta da ontologia
nos leva a uma taxonomia[25] dos jogos, que pode ter inúmeras finalidades
práticas. Por exemplo, ela permite a organização dos conceitos e objetos em
sistemas agrupados por semelhanças (familiaridades), relações e dependências.
Ela possibilita uma estruturação desses sistemas em hierarquias, seguindo
critérios preestabelecidos e reconhecidos. Do ponto de vista do conteúdo, ela
traz à luz os elementos que têm afinidades e é capaz de situá-los diante daqueles
dos quais se diferencia ou se afasta, isso em um modelo de atração e repulsão,
muitas vezes aplicável a personagens de jogos a serem construídos e a
procedimentos lógicos da programação (presentes nos NPCs). Quando
realizamos um fluxo de eventos com possibilidades condicionais em uma
máquina de estados,[26] é justamente esse preceito lógico-filosófico de base
ontológica que se encontra em operação.

Os filósofos nos mostram que todos nós sempre operamos baseados numa
ontologia, mesmo que atencionada, ou seja, não tematizada e operando de forma
não estruturada, muitas vezes nos valendo do senso comum. Por outro lado, uma
forma estruturada e metodológica de nos aproximarmos de um objeto é
organizarmos sua estrutura ontológica. É o que será iniciado aqui com o objeto
jogo (digital), organizando a sua ontologia com base em suas características
fundamentais, e será nelas que os fins e limites se tornarão mais evidentes. Tal
procedimento tem relevância para a pesquisa em jogos digitais, porque permite,
baseado na organização ontológica do objeto e do espaço do jogo, situar mais
clara e profundamente seus limites e sua pertinência.

Características ontológicas do objeto jogo digital

O que é um jogo? O que é um jogo digital? Quais são as suas características?


Para podermos entender mais internamente as perguntas levantadas,
necessitaremos apresentar o conceito de jogo como tal, posto que o jogo digital,
como um caso particular do conceito de jogo, pode ser reduzido a este. Aqui, é
necessário entendermos que o objeto jogo digital é subsumido por um conceito
que o precede histórica e tematicamente e, ainda, que ele tem sua origem formal
em uma discussão que remonta aos filósofos pré-socráticos.
No Ocidente, o conceito de jogo vem sendo discutido pelos pensadores desde o
século VI a.C., com base nas reflexões do filósofo grego Heráclito, que via no
jogo um elemento mais elevado do que a administração e a política. Heráclito foi
o primeiro a identificar o elemento de tensão presente no jogo baseando-se no
conflito (Ágon) das partes que o compõem. Após Heráclito, o jogo foi objeto de
reflexão por parte de inúmeros outros filósofos. Destacamos aqui as
contribuições de Pascal, Kant, Schiller, Huizinga, Heidegger, Callois, Fink e
Gadamer.[27]

O pensamento fenomenológico nos mostra que todo jogo abre para o homem um
espaço de movimento (em alemão Spielraum), dentro do qual os jogadores se
encontram e se encontram com o jogo e seus objetos. Esse espaço do jogo
produz uma situação especial de tempo e espaço unificado com características
ou propriedades ontológicas fundamentais.

O jogar um jogo se funda em uma livre disposição do homem:


Característica da liberdade

A primeira característica é que todo jogo e seu jogar somente podem acontecer
dentro de um espaço de liberdade – a condição é que todo jogador entre
livremente no espaço de jogo. É Heidegger (2001), em 1928-1929, o primeiro a
evidenciar, no século XX, a característica fundamental da liberdade no
jogo/jogar. Nessa direção, tudo o que ocorre no espaço do jogo deverá ter um
caráter imprevisto ou aleatório, organizando-se com base em regras não
mecânicas. Isso significa que o jogar não constitui uma sequência mecânica de
processos físicos ou psíquicos. Todo processo físico ou psíquico de jogar deve
aqui ser entendido como manifestação e não enômeno. O que se passa no jogo é
livre e, segundo o filósofo, sempre estará submetido às regras – o que será
explicitado logo adiante. Sendo livre, o jogo só pode ser jogo quando escolhido
livre e espontaneamente; caso contrário, não se tratará de jogo. Huizinga (2008)
chamou a isso de entrada no círculo mágico: quando o jogo começa e eu estou
nele jogando. A liberdade de entrar no jogo também tem a estrutura de um ponto
de entrada no jogo, mesmo quando ele for aleatório.
Dentro do jogo temos sempre a produção de um determinado
estado de ânimo variável

Em segundo lugar, dentro do jogo, temos a produção de um estado de ânimo


(Stimmung, Heidegger 2001). O que se passa, sucede ou acontece no jogo (em
sua liberdade) consiste em que o essencial não é fazer ou atuar, mas, sim, o
jogar, que é, precisamente, seu estado de ânimo, ou seja, o peculiar modo de se
encontrar nele (de se encontrar dentro e em meio ao jogo).

Todo jogo tem regras, mesmo que atencionadas ou formuladas


pelo lado do jogador

Em terceiro lugar, todo jogo tem regras que o jogador segue para que o jogo
prospere. Heidegger nos diz que, justamente pelo fato de o essencial no jogar
não ser o comportamento que nele se manifesta, as regras têm também um
caráter distinto: surgem e se formam no jogo mesmo. Para o filósofo, essas
regras que se formam no interior do exercício do jogo têm liberdade em um
sentido especial. Isso pode ser afirmado da seguinte maneira: o jogar se exercita
jogando. Quer dizer que é no acontecer de sua própria execução – posto que o
jogo executa a si mesmo e jamais pode ser executado por outrem –, que é na
liberdade do jogar que as regras se constituem e se transformam. Disso resulta
que elas copertencem à liberdade constituinte do jogar. Ora, alguns jogos não são
construídos com regras estipuladas a priori para o jogador (e.g., os sandbox),
dentro dos quais ele tem uma grande liberdade, restringida somente pelos limites
físico-lógicos do jogo e de suas construções. É nesse contexto que jogadores
tendem a estabelecer no jogar determinados padrões eletivos, que são
perseguidos e executados ao modo de algoritmos orgânico-sociais.
Regras se formam e se modificam durante o jogar do jogo

O quarto ponto, complementar e derivado do terceiro, mostra que a regra do jogo


não pode ser uma norma fixa, tomada de algum lugar a ele externo, mas que é
mutável pelopróprio exercício do jogar, pois o jogar se exercita no jogar. Isso
deve ser compreendido como o jogo como execução de si mesmo, o que quer
dizer o jogar o jogo no jogo. Énessa situação que temos o surgimento de algo
como um jogo, o que não necessita começar constituindo, ou melhor, dando
lugar a, ou ainda, cobrando a forma de um sistema de regras ou de instruções. As
regras, por assim dizer, surgem e se formam dentro do espaço do próprio jogo, o
que significa, também, que é no interior dele mesmo que elas podem vir a se
modificar. Do contrário, a atividade perde a essência do próprio jogo e do jogar,
desconsiderando seu ser-em-si e, assim, entificando-o, transformando-o numa
determinada técnica de jogar ou de jogo.

Se compararmos o apresentado por Heidegger, já na década de 1920, com o


conceito de trabalho oferecido pelo relatório da IGDA, poderemos entendê-los
como complementares. Conflitos são mediados por regras, as regras auto-
organizadas pelo jogador se estruturam como objetivos ou metas dos quais ele
recolhe conhecimento sobre o jogo e por meio dos quais ele conhece mais
profundamente o jogo que joga. Nesse ponto, Wittgenstein (1987) tinha razão
quando disse: se eu sei jogar este jogo, eu compreendo este jogo. Ao jogar um
jogo, eu tomo decisões as mais diversas: uma decisão ou escolha de um pelo
outro somente se faz possível dentro da liberdade que o processo do jogo e do
jogar permitem. Somos levados a ver que todos os elementos presentes no jogo –
regras, conflitos, objetivos, definição de pontos e tomadas de decisões são
elementos constituintes da vida humana em geral, tal como já observado
anteriormente.[28]

Para Heidegger, como refere Ribeiro (2008, p. 77), o que dá vida à partida, ao
jogo, são os lances “que nascem da tensão entre o saber prévio das regras desse
jogo e o não saber acerca da situação que aindaestão por vir”. Ou seja, as regras
do jogo somente tomam seu lugar, fazem sentido e começam a contar quando o
jogo se inicia. Assim como na linguagem, somente quando a palavra é dita ou
escrita, ela passa a gerar consequências. “Éna tensão entre o esperar e o
inesperado que nasce toda regra de ação” (ibid.); portanto, é essa tensão o lócus
de nossas tomadas de decisão. Esse é o lócus onde se dão o jogo e o jogar. Não
seria o movimento do jogo, o jogo em ação, uma condição para que possamos
fazer escolhas, tomar decisões? E, ao decidirmos, não estaríamos, querendo ou
não, sabendo ou não, seguindo alguma regra? Ora, quando falamos de regras
dentro do jogo temos dois subgrupos em operação. Em primeiro lugar, temos as
regras colocadas pelo design do jogo e construídas pelos limites digitais do jogo
e de sua programação. Nesse grupo, entra muitas vezes o que é chamado de
inteligência do jogo, sua IA, que coloca desafios e questões ao jogador e
igualmente responde aos seus comportamentos dentro do jogo. Em segundo
lugar, há as regras formuladas dentro do jogo pelos jogadores, regras mutáveis e
suscetíveis ao desenrolar dos acontecimentos do próprio jogo, e isso não
somente em jogos do tipo multijogador, mas igualmente nos jogos monojogador,
em que o comportamento, os pensamentos e o estado de ânimo do jogador se
alteram no desenrolar da “partida”.[29]

Com o observado até aqui, podemos fazer a pergunta: O que é um jogo e o que
não é um jogo? Ora, de início, temos de observar que o escopo da presente
reflexão incide, não sobre todo e qualquer jogo possível, mas, sim, sobre um
caso particular de jogo: o jogo digital. Jogos digitais funcionam em sistemas
computacionais do tipo computadores pessoais, quiosques, fliperamas, consoles,
dispositivos móveis e tablets.

Estas são perguntas importantes: O que é um jogo? Qual a sua natureza como
produto (objeto) na sociedade e na vida humana? Que sentido e funções derivam
em respostas simples e objetivas? Observamos que elas resultam em novos
problemas e novas frentes de trabalho. O cineasta Steven Spielberg, fã declarado
do jogo Myst (1993), afirmou que os jogos digitais poderiam ser igualados ao
cinema e considerados obras de arte quando tivessem a capacidade de fazer o
jogador se emocionar e chorar.[30] Os jogos digitais (tais como ICO 2001;
Shadow of the Colossus 2005; Flower 2009; Heavy-Rain 2010 etc.) têm essa
capacidade de construir junto com o jogador um universo de densidade psíquica
tal que permite a experiência de emoções e sentimentos como alegria, tristeza,
desencanto, frustração e, igualmente, o choro solidário num evento desenrolado
dentro do jogo.

Mas, se os jogos não são algo novo, se são também objeto do entretenimento, se
podem ser pensados como brinquedos, se são capazes de contar histórias para
nós, se nos oferecem a possibilidade de sair provisoriamente dos limites da vida
fática e nos fazer vivenciar uma experiência sem o controle dela, se são capazes
de nos fazer ingressar numa comunidade e manter uma relação comunitária, se
ainda são capazes de serem nossos companheiros em aprendizagens e na
mudança de hábitos e crenças, eles realmente são um objeto cultural complexo,
polimorfo e em constante estado de mutação. Apresentamos, então, alguns
desses aspectos (características verificáveis e reificantes)[31] relativos aos jogos
que estão dentro de uma compreensão do que seja jogo e de como ele se insere
na cultura contemporânea.

Os jogos não são algo novo!

Os jogos são a condensação e a potencialização de tudo o que existe e foi criado


no Ocidente em um só objeto polimorfo, polissêmico e pluralista, conforme
exposto acima. A característica de não ser algo novo mostra justamente a
potência que os jogos têm em si mesmos. Eles recebem de outras áreas da
cultura elementos que são incorporados e modificados de acordo com as
características e possibilidades do seu meio digital interativo. Nesse aspecto,
muitos elementos presentes nos jogos já eram encontrados no cinema, no teatro,
na literatura, na pintura e no desenho. Essa é uma das propriedades dos jogos
digitais que os colocam como objetos culturais (digitais) multifacetados.[32] Em
uma acepção mais atual dos estudos de comunicação (Jenkins 2010), podemos
dizer que os jogos digitais representam o que há de mais contundente na fusão
das mídias: todos os recursos técnicos e de linguagem das demais mídias podem
se fazer presentes nos jogos, na promoção daquilo que o pesquisador da
Universidade da Califórnia em Los Angeles chamou de reificação da transmídia.
Os jogos são, por natureza, um objeto transmídia, dado que têm a capacidade de
incorporar o todo da cultura humana, deslocando-se entre meios e ressituando-se
de muitos modos.

Nesse sentido, tanto a academia como a indústria têm a tarefa de compreender o


mais profundamente possível esse objeto digital e delinear os seus contornos
progressivos e mutantes. Mas como entender a sua relevância no panorama da
sociedade pós-moderna? Do ponto de vista do sujeito consumidor (aquele que
utiliza jogos, dispendendo ou não dinheiro comprando um jogo), um jogo tem
muitos aspectos, desde a oportunidade de entretenimento, de lazer, que tem por
finalidade o escoamento de tensões e a suspensão provisória da realidade fática,
como outro lazer qualquer, até uma associação emocional e cultural com a
temática ou o conteúdo do jogo, uma oportunidade de autodescoberta e de
aprimoramento de habilidades.

O produto (objeto) jogo como entretenimento

Ao jogar um jogo, o sujeito se diverte de várias formas. Os jogos fazem parte do


universo do entretenimento humano, como o cinema, a televisão e a literatura,
por exemplo. Mas os jogos não são cinema, televisão ou literatura. Eles podem
tomar conteúdos e elementos das linguagens de outras formas de arte e
comunicação e transformá-los de acordo com as necessidades de seu próprio
meio. Esse é um de seus aspectos fundamentais, fornecido pelos operadores de
interatividade presentes no jogo: imersão, agência e transformação (Murray
2003). Ao jogar um jogo, o jogador, pela ação do círculo mágico, é tomado por
um sentimento de imersão. No interior da cena de jogo, o jogador tem o poder de
agência, a saber, o de realizar comportamentos que resultem em respostas do
jogo e dentro do jogo, as quais podem acarretar transformações no ambiente do
jogo e nas perspectivas e no contexto cognitivo e afetivo do próprio jogador
(Souza 2012). Se a banda desenhada e o cinema foram paradigmáticos para
cinco gerações, servindo de meio para a expressão de anseios e pensamentos, e
se prestando a um laboratório da cultura, os jogos digitais atualmente
potencializam essas possibilidades de forma particular, na qual cada sujeito
humano que joga um jogo pode nele ter realmente uma experiência (interna e
externa) particular e intrínseca (Gadamer 2008; Costa 2001). Essa é uma
natureza do entretenimento que se modifica com a entrada do jogo digital,
trazendo o entretenimento para mais perto do sujeito individual.

O produto (objeto) jogo como brinquedo

Como entretenimento, o jogo também tem uma qualidade associada de


brinquedo e de objeto colecionável e seriável. Os jogos têm alguns elementos
atrativos próprios dos brinquedos. Nesse sentido, os jogos são objetos
evocativos.[33] Eles despertam no jogador (no jogo e para com o jogo) emoções,
pensamentos, comportamentos, fantasias e têm a capacidade de colocar o ser
humano em um mundo de fantasia, em uma realidade encapsulada. Se essa
propriedade já havia sido pensada por Huizinga (2008) para o jogo em geral, no
jogo digital, ela é potencializada pelos recursos de arte e pelo contexto interativo
do jogo. Aliado a isso, temos o fato de que a estrutura evocativa do jogo se
encontra associada à história que o jogo desenvolve com o jogador.

O produto (objeto) jogo como histórias/narrativas

Os jogos digitais têm a capacidade de contar histórias. Existem jogos que não
têm nenhuma narrativa embutida (inerente e construída pelo processo de design).
Exemplo disso é o jogo Tetris (1984), que se foca em operações lógico-espaciais.
No entanto, um número expressivo de jogos digitais está associado a histórias e
as desenvolvem com o auxílio do jogador. Esses jogos têm a capacidade de fazer
com que o jogador participe da narrativa e se envolva nela como agente direto e
com poderes de intervir em seu curso (em graus variáveis). Em jogos, muitas
histórias têm características reticulares. Isso significa que permitem ao jogador
muitos caminhos a serem percorridos; muitos objetos com os quais interagir
(brincar/conhecer); possibilidade de finais diferentes, dependendo das ações e
escolhas do jogador e das regras do jogo. Diferentemente do cinema e mais
próximo do teatro moderno (mas com uma radicalidade mais acentuada), os
jogos digitais que têm uma narrativa embutida podem permitir que uma mesma
história seja vivenciada pelo jogador de diferentes modos. Nesse campo das
histórias multilineares ou multimodais (Murray 2003), os jogos digitais oferecem
ao jogador uma experiência estética que lhe permite vivenciar situações novas,
impossíveis na vida fática e igualmente aleatórias.

O produto (objeto) jogo como situar-se fora do controle

Ao jogar um jogo, colocamo-nos em um campo (encapsulado e protegido) do


qual não temos o controle nem mesmo de muitos de seus elementos. O jogo
ocorre dentro de um controle variável (regras), em que não temos o controle da
situação controlada. Entretanto, a regra geral do jogo é que o jogador deve ser
capaz de intervir (e fazemos parte do acaso) no jogo de muitos modos, desde a
configuração de personagens e objetos, a manipulação e interação, até o decurso
da própria experiência e da narrativa do jogo. Esse é um dos aspectos que leva
filósofos e designers a dizer que o jogo possibilita o exercício de uma
experiência (no amplo sentido do termo).[34] Essa experiência de jogo é
definida pela filosofia como uma experiência estética, com contornos igualmente
conceituais e éticos.

O produto (objeto) jogo como objeto educativo

Ainda que os jogos digitais não sejam um objeto formalmente criado com a
finalidade de educar, de produzir ou transmitir conhecimentos para o jogador,
pesquisas (Tonéis 2010) mostram que os jogadores afirmam que aprendem
muitas coisas com o jogar jogos; os jogos despertam e incentivam um
comportamento de curiosidade, uma necessidade de informação, que produz
comportamentos de pesquisa sobre o jogo, seu universo, seus personagens etc.,
para além do jogo (evocativo).[35]
O produto (objeto) jogo como sentimento de comunidade

Os jogos tendem a formar o que se chama uma comunidade de fãs – muito antes
do advento da internet. Nas décadas de 1980 e 1990, no Brasil, jovens gastavam
suas mesadas em telefonemas para poder jogar jogos do tipo Dungeons &
Dragons. De modo similar, o jogo de tabuleiro xadrez foi intensamente jogado
por carta, telefone, rádio – inclusive amador –, e, atualmente, comunidades
inteiras jogam xadrez pela internet, em formato digital. Existem comunidades
gigantescas ao redor dos jogos, entre as quais podemos citar a comunidade do
Ragnarok e a comunidade do Myst.

O produto (objeto) jogo como (psico)terapia

Os jogos são utilizados para o controle de situações como pânico, fobia e outros
(Murray 2003). Desde a primeira metade do século XX (em virtude do advento
da psicanálise), os jogos (analógicos) são utilizados como elementos centrais
para a terapia (p. ex.: o jogo da família). O psicodrama de Moreno (1997) tem a
estrutura de um jogo com um master (terapeuta) mantendo relações com os jogos
de RPG. Em sessões de terapia infantil, usam-se estruturas de jogo como (1)
caixa de brinquedos, (2) jogo da família, e tantos outros. Jogos de simulação são
utilizados no tratamento de sujeitos com fobias (de altura, animais etc.). Existem
ainda jogos com funções fisioterápicas, socioterápicas etc.

O produto (objeto) jogo como agente (ator) para a mudança de


comportamento e opinião pública

Quando o jogo digital é capaz de ser usado em procedimentos terapêuticos, ele


mostra que tem potencial para trabalhar mudanças no comportamento humano.
Ao jogar um jogo, temos a possibilidade de avaliar nosso comportamento e
nossa percepção do mundo e da sociedade (Lewin 2013). Os jogos são usados
para resolver situações complexas que dependam de mais de um sujeito. São
usados para apresentar simulações relativas à ética de grupos e outros temas de
interesse. Em 1988, a G&E patrocinou no Brasil uma equipe de pesquisadores
que desenvolveu um jogo de ética monojogador que permitia o exercício de
inúmeros comportamentos dentro de uma empresa. Esse jogo foi usado como um
dos componentes principais da formação ética dos trabalhadores da G&E. Aqui,
entra o trabalho desenvolvido pelo movimento Games for Change, iniciado nos
Estados Unidos por Jane McGonigal (2011) e, no Brasil, liderado pelo
pesquisador Gilson Schwartz.[36]

Jogos são produtos do mercado com característica de outros produtos – Foi


quando os jogos começaram a ser produzidos nos Estados Unidos como
produtos de mercado, indo para os fliperamas e, depois, para os consoles, que
eles começaram a mostrar seu perfil de entretenimento e se apresentar como
objetos de mercado de uma sociedade de consumo. De acordo com um
infográfico estimado pela Newzoo[37] para o ano de 2012, o Brasil contava
com 40.200.000 gamers ativos no país. Essa quantidade é um pouco mais de
20% da população brasileira. Esse número de gamers ativos representa um
aumento de 15% quando comparado ao ano de 2011. O desenvolvimento dos
jogos como produtos de uma sociedade de mercado e consumo resultou no fato
de que, nos últimos anos, eles ultrapassaram em faturamento o da
multimilionária indústria do cinema.

O produto (objeto) jogo como expansão do universo do consumo

Os jogos produzem um universo de consumo paralelo e agregado ao jogo


(aspecto iniciado por George Lucas quando desenvolveu a franquia de Star
Wars: cartazes, botons, livros, bonecos etc.). Os objetos agregados participam
ativamente do jogo como elementos materiais intrínsecos a eles, como
seguimento do jogo e oportunidade lúdica. Materializam o conceito de Toffler
(1974): o prosumer (produtor e consumidor em um só sujeito). Tal fenômeno nos
leva à situação de que os jogos são utilizados como forma de estender as
narrativas fílmicas, televisivas, literárias e atísticas (e vice-versa): transmídia
(Jenkins 2010).

O produto (objeto) jogo como propaganda e merchandising

Os jogos são utilizados para divulgar produtos, marcas ou conceitos. A partir do


momento em que isso acontece, temos o advento de uma forma de publicidade
que foi chamada de advergames e que constitui uma modalidade particular e
restrita dos jogos.

Considerações finais

Observamos que os jogos digitais podem se apresentar de múltiplas formas e


assumir diferentes facetas na cultura contemporânea. Não constituindo um
objeto novo, mas participando da história do desenvolvimento da cultura
ocidental, eles recebem dessa mesma cultura a ênfase, o conteúdo e a força
enunciativa. Estendendo as possibilidades do entretenimento, produzem novas e
diversificadas oportunidades de experiências estéticas para os jogadores,
tomados aqui como consumidores de objetos culturais na forma de
entretenimento. Além disso, vimos que o jogo tem a estrutura do brinquedo, que
permite a interação variável e controlada, deixando que seu utilizador, o jogador,
adentre o círculo mágico da fantasia instaurado por ele. Vimos que será dentro
dessa capacidade lúdica do jogo que ele introduzirá a possibilidade de ser um
dos veículos das narrativas e histórias produzidas pela cultura e pela arte,
contribuindo com uma nova característica: a de construir com o auxílio do
jogador histórias multiformes e com contornos não definidos de antemão.

Também observamos que o jogo digital permite ao jogador a vivência de


situações que não seriam possíveis ou autorizáveis no mundo real, social. Ao
mesmo tempo em que o jogo digital permite a experienciação de situações
protegidas e encapsuladas, ele também oferece, do ponto de vista do jogar, a
manifestação de eventos não controlados pelo jogador, que, depois de sua
eclosão, tem de lidar com eles. Com isso, vimos que os jogos digitais também se
mostram elementos propiciadores de situações de aprendizagem: como funciona
o jogo e como ele reforça estruturas cognitivas que estão presentes em seu
sistema e que podem ser generalizadas na vida prática do jogador.

De outra parte, observamos que os jogos tendem a formar comunidades de


usuários ao redor do jogo. Comunidades que interagem e formam regras
comunitárias para gerenciar seus interesses, visando à promoção de suas
necessidades, do jogo e da construção da oportunidade de jogar junto.

Um dos aspectos derivados do jogo digital é ser incorporado como auxiliar em


várias atividades humanas e de estabelecimento profissional. Jogos são usados
em treinamentos em empresas e usados como auxiliares em processos de
reabilitação psíquica e física. É nesse caminho que os jogos mostram um de seus
efeitos secundários: têm a capacidade de mudar hábitos no jogador. Como
produtos de um mercado de consumo, seria esperado que se tornassem objeto de
interesse da publicidade e propaganda. Foi quando os jogos se tornaram
realmente massivos e ocuparam lugar de destaque na web que eles sedimentaram
os chamados advergames, jogos com a estrita função de promover um conceito
ou produto do ponto de vista publicitário.

Em meio a todos esses elementos, as características que formam o conceito de


jogo digital – (1) liberdade, (2) regras, (3) produção de um estado de ânimo, (4)
capacidade de modificação de regras durante o processo do jogo, (5) a possível
existência de elementos antagônicos (conflitos) que estimulem os jogadores a
superá-los, (6) objetivos intrínsecos ao jogo ou formulados pelos jogadores, (7) a
circunscrição de pontos de partida e pontos de final do jogo, bem como (8) a
possibilidade da tomada de decisões por parte do jogador – formam também uma
estrutura ontológica que torna o jogo digital um objeto singular na cultura
contemporânea, tal como se ele fosse uma espécie de condensado de seus
elementos, às vezes, negativos, mas, em sua maioria esmagadora, positivos e
indicativos da riqueza e grandiosidade do Homo ludens.

Meu ser se joga dentro da noite escura do futuro do mundo na expectativa de seu
porvir. Haverá, pois, uma medida na Terra? Se houver, ela deverá passar pelo
cuidado que o amor ao outro propicia para cada um de nós. Isso é uma das coisas
que os jogos nos ensinaram nesses anos que oscilaram entre a repressão de uma
ditadura e a cultura pós-moderna estropiada. Como disse o psicanalista Jacques
Lacan: por nossa condição de sujeito, somos todos responsáveis! Os jogos nos
aproximaram, não é verdade? E aqui um pálido e singelo começo para a sua
melhor conceituação em pesquisa.

Na Pauliceia desvairada do Mário, junho de 2015.

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2
JOGOS DIGITAIS E APRENDIZAGEM: ALGUMAS
EVIDÊNCIAS DE PESQUISAS

Arlete dos Santos Petry

Introdução

Especialmente desde os anos 1980, pesquisadores interessados em melhor


compreender os fenômenos das mídias, voltaram-se para investigar a influência
dos computadores na vida de seus usuários (Greenfield 1984; Turkle 1984).
Desde então, trata-se de consenso entre os estudiosos da cultura digital o
significativo impacto que os computadores trouxeram para a vida de todos nós,
ora como alvo de promessas de um futuro melhor para um maior número de
pessoas, ora como foco de temores. Para além disso, nenhum artefato produzido
com a linguagem dos computadores representa melhor essas promessas e os
receios da utilização de suas tecnologias do que os jogos digitais, como muito
bem retrata a análise dos filmes com personagens gamers das décadas de 1980 e
1990, realizada por Narine e Grimes (2009).

Os primeiros pesquisadores que se entusiasmaram com a potência comunicativa


e de aprendizagem dos videogames foram aqueles que já vinham pesquisando a
influência das media na mudança de comportamento. Dentre eles, destaca-se
Thomas Malone (1980), que, na primeira pesquisa sobre crianças e videogames,
verificou que as crianças entre 5 e 13 anos preferiam os jogos de maior
intensidade visual aos que tinham menos animações. A esse dado, Greenfield
(1984) acrescentou a interatividade resultante das ações do jogador como um
elemento forte de sua atratividade, nisso incluindo a importância da ação do
jogador.

No entanto, independentemente do apelo comunicacional dos jogos digitais,


quando o interesse recaiu sobre seu possível potencial para aprendizagens, foi
preciso perguntar se e quais habilidades são desenvolvidas ao se jogar e se e
quais conteúdos são aprendidos.

Nesse sentido, as pesquisas, e aqui os estudos de comunicação nos ajudam


muito, tomaram dois caminhos. Um deles se refere aos estudos quantitativos
cujo foco se volta ao potencial de emissão da mídia, fortemente desenvolvidos
nos Estados Unidos; já o outro se refere às investigações qualitativas em torno
dos estudos de recepção, o que caracteriza as pesquisas na América do Sul
(Orozco 2014; Martín-Barbero 1999). Embora esses conceitos de emissor e
receptor tenham se misturado com o advento da comunicação e da cultura digital
desde a web 2.0, persistem as pesquisas que ou focam na mídia ou no modo
como seu usuário a percebe. Essas perspectivas polarizadas em comunicação
podem ser ainda mais questionadas quando estamos investigando jogos digitais,
dadas as características do objeto de estudo.[38]

Embora estejamos cientes de não fugirmos completamente dessa dicotomia no


que apresentaremos neste capítulo, temos nos aproximado de uma perspectiva
mais abrangente no projeto de pesquisa Fapesp 2011/09778-9, ao incluirmos
técnicas de pesquisa contemplando tanto a análise de determinados jogos digitais
(perspectiva do emissor) quanto entrevistas com os jogadores (perspectiva do
receptor). Breves resultados parciais dessa pesquisa podem ser encontrados em
Petry (2011) e Petry e Petry (2012).

Revisão de pesquisas experimentais

Nesta seção, apresentaremos um mapeamento de pesquisas quantitativas de


cunho empírico experimental (Otani e Fialho 2011), tomando como centro uma
recente revisão de literatura realizada por Sigmund Tobias, J. Dexter Fletcher e
Alexander P. Wind (2014).

Como indicado na revisão citada, várias pesquisas comparando videogames e


jogos de computador com outros sistemas educacionais trazem evidências das
qualidades motivacionais dos jogos digitais e, a nosso ver, foram essas que
entusiasmaram os educadores a introduzir jogos na educação, pois uma das
principais queixas das escolas é a falta de interesse dos alunos na aprendizagem
escolar. Vale lembrar que a ideia de utilizar jogos na educação não é algo
recente. Jean-Jacques Rousseau escreveu, em meados do século XVIII, em
Emílio ou Da educação que, por meio de jogos, a criança realiza com vontade
aquilo que não gostaria de realizar se fosse forçada. Também o filósofo
Immanuel Kant afirmou, na mesma época, que o jogo auxilia o jovem a se
disciplinar, segundo Duflo (1999).

Pesquisas apontam que jogar videogames leva à melhora na capacidade


perceptiva e na atividade de processamento cognitivo (Anderson e Bavelier,
apud Tobias, Fletcher e Wind 2014), provoca reações mais rápidas (Karle,
Watter e Shedden 2010), melhora a capacidade motora e a acuidade visual
(Green e Bavelier 2003).

Bailey, West e Anderson, citados por Tobias, Fletcher e Wind (2014), mediram a
atividade cerebral por meio de eletroencefalograma e encontraram que jogadores
que dedicam mais horas por semana jogando (média de 43,4 horas) apresentam
maior atividade cognitiva do que aqueles que jogam menos horas por semana
(média de 1,76 hora). Entretanto, estudo de Przybylski (2014) com crianças
encontrou que aquelas que jogam mais de três horas por dia apresentam mais
comportamentos antissociais quando comparadas com crianças que não jogam.
Em contrapartida, encontrou que crianças que jogam menos de uma hora por dia
estão associadas a comportamento pró-social e alta satisfação quando
comparadas com crianças não jogadoras. Harris e Williams, citados por Tobias,
Fletcher e Wind (2014), apontam correlação entre desempenho escolar baixo e
maior tempo e dinheiro dispendido em videogames. Esses dados nos alertam
para o distanciamento entre a escola e a desejada experiência de satisfação e
proatividade proporcionada pelos jogos, sugerindo que, se os jogos fossem
utilizados com objetivos educacionais, respeitando um tempo adequado e certa
regularidade, benefícios poderiam ser encontrados.

A pesquisa de Rosser Jr. et al. (2007) sugere que jogos digitais contribuem para a
melhora em alguns processos cognitivos e psicomotores, o que pôde ser
constatado comparando cirurgiões que tinham o hábito de jogar com aqueles que
não jogavam. Karle, Watter e Shedden, citados por Tobias, Fletcher e Wind
(2014), também encontraram menor tempo de reação em tarefas perceptivas
naqueles que jogavam quando comparados com não jogadores.

Ainda considerando que o que se quer quando se utiliza um jogo com finalidade
educativa é que aqueles que jogam sejam capazes de levar a aprendizagem
obtida no jogo para fora dele, Tobias e Fletcher (apud Tobias, Fletcher e Wind
2014) e Tobias et al. (apud Tobias, Fletcher e Wind 2014) analisaram os
resultados divergentes de duas pesquisas que objetivaram verificar a
transferência de aprendizagem proporcionada por jogos. Como conclusão,
constataram que a tão desejada transferência pode ser esperada somente quando
processos cognitivos semelhantes são encontrados nos jogos e nas tarefas
externas a eles. Quando há pouca semelhança, a transferência parece
improvável. Para verificar isso, o caminho sugerido pelos autores seria uma
detalhada análise tanto do jogo quanto da habilidade cognitiva da tarefa externa
a ele (Tobias, Fletcher e Wind 2014).

Outro dado de pesquisa aponta que a utilização de agentes animados tende a


aumentar o interesse e facilitar a transferência de aprendizagem, embora não
ajude na retenção de conhecimentos, segundo Mayer, citado por Tobias, Fletcher
e Wind (2014). Entretanto, Tobias, citado por Tobias, Fletcher e Wind (2014),
baseado em outras evidências de pesquisa, sugere que também outras formas de
suporte explicativas das tarefas esperadas dos jogadores podem auxiliar para que
a desejada aprendizagem ocorra.
Na recente revisão de Tobias, Fletcher e Wind (2014), também foi destacado
que, quanto mais a situação tratada no jogo for parecida com aquela que se
deseja que seja alvo de aprendizagem, mais provável será a transferência de
aprendizagem, o que é claramente demonstrado nas pesquisas com simuladores.

Estudo surpreendente de Sitzmann e Elly, também citado por Tobias, Fletcher e


Wind (2014), encontrou que diversão parece não ser tão essencial quando se
trata de provocar motivação e afetar a aprendizagem. O mais importante seria
provocar o engajamento ativo e proporcionar espaço de liberdade para jogar com
a frequência desejada pelos estudantes. Nessa direção, outro estudo de Tobias,
Fletcher e Wind (2014) encontrou que estudantes gastam mais tempo jogando
videogames e simuladores do que utilizando outros materiais instrucionais.
Como o tempo gasto em atividades por meio de material instrucional favorece a
aprendizagem (Fisher e Berliner, apud Tobias, Fletcher e Wind 2014; Suppes,
Fletcher e Zanotti, apud Tobias, Fletcher e Wind 2014), ainda resta a dúvida se
são os jogos e os simuladores que facilitam a aprendizagem ou a quantidade de
tempo gasto. Para nós, essa resposta não tem grande relevância, pois os
estudantes demonstraram claramente no estudo preferir os jogos e simuladores a
outros materiais instrucionais. Se é o que preferem, é neles que devemos nos ater
em uma análise dos designs instrucionais.

Ainda um aspecto a considerar na revisão da literatura científica a respeito do


uso de jogos na educação quando o objetivo são conteúdos específicos do
currículo escolar são as atividades complementares. Tobias, Fletcher e Wind
(2014) apontam que parece pouco evidente que somente os jogos sejam os
responsáveis pela desejada aprendizagem de conteúdo escolar; o objetivo tem
maior alcance quando se adicionam outros materiais, como pesquisas de links na
web, exercícios em laboratório ou mesmo textos.

Em outra interessante revisão de muitas pesquisas, Gentile (2011) alerta para


uma possibilidade além da costumeira dicotomia sobre os jogos digitais
comerciais, dizendo que não se trata de afirmar se eles são bons ou maus, trata-
se de considerar algumas dimensões relativas ao seu uso, quais sejam: tempo de
jogo, conteúdo, estrutura, contexto e mecânicas. Nessa direção, o autor alerta
para a duração e a frequência com que se joga. Ainda, propõe atentar para os
conteúdos dos jogos, buscando aqueles possíveis de levar a comportamentos
socialmente mais positivos; para a estrutura dos jogos de ação e dos shooters,
que proporcionam efeitos de acuidade visual nos jogadores e pode ser aplicada
em jogos sem violência; para o jogo em grupos on-line ou com amigos, que pode
ser melhor que solitariamente, pois proporciona a experiência de trabalho em
equipe; para o tipo de controle de jogo utilizado, que influencia a aprendizagem
motora (se teclado, mouse ou joystick).

Como ponto destacado, especialmente quando pensamos em políticas públicas


para a educação, é o custo-benefício proporcionado pelos jogos quando em
comparação com outros sistemas instrucionais. Fletcher, citado por Tobias,
Fletcher e Wind (2014), aponta algumas vantagens: 1) os estudantes persistem
mais tempo em atividades de jogos do que em atividades instrucionais que não
jogos; 2) se o jogo for relevante para aprendizagens, o tempo dispendido com ele
aumentará a oportunidade de aprendizagem; 3) portanto, pode-se aprender mais
com jogos do que com outros ambientes instrucionais sem aumentar os custos.

Pesquisas realizadas e metodologia

Duas pesquisas empíricas de natureza qualitativa e quantitativa foram realizadas


por mim,[39] nas quais a questão da relação entre jogos digitais e aprendizagem
foi abordada na perspectiva da percepção dos sujeitos pesquisados.

A primeira foi aplicada entre os anos de 2010 e 2011,[40] e teve como recorte
estudantes iniciantes (1º e 2º semestre) de um determinado curso de graduação
em jogos digitais na cidade de São Paulo. A maioria desses discentes é jogadora
de jogos digitais desde criança, portanto, conhecedora de muitos títulos de jogos
e participante da cultura gamer. Além disso, a motivação para a entrada no curso
foi o fato de gostarem de jogar. Nesse caso, a natureza do estudo se centrou em
uma análise quantitativa, mas não deixando de considerar aspectos qualitativos
das respostas dos estudantes. Aplicou-se como técnica um questionário (uma
pergunta fechada e outras abertas) com uma amostra de 182 sujeitos, cujas
perguntas relativas a aprendizagem, aplicadas com 108 estudantes, foram: 1)
Você acredita que aprendeu algo jogando jogos digitais? e 2) Em caso
afirmativo, o que você acha que aprendeu jogando? Para o levantamento e a
análise das respostas foi projetada uma planilha Excel, na qual se inseriram as
respostas. A planilha possibilitou a contagem das respostas e sua classificação
por categorias de análise definidas com base nos temas mais frequentes nas
respostas. Todas as respostas (palavras e expressões) foram analisadas no
contexto das frases em que foram escritas.

A outra pesquisa foi de natureza predominantemente qualitativa, levada a cabo


utilizando um método de análise de jogos que desenvolvi em pesquisas
anteriores. Trata-se do que denominei “jogo assistido”, uma espécie de
observação participante em que o pesquisador/observador dá suporte à narrativa
que vem se desenvolvendo nas ações do jogador, intervindo com perguntas
surgidas na própria interação, a fim de compreender mais detalhadamente a
experiência de jogar dos jogadores. Além disso, realizaram-se entrevistas
semiestruturadas e questionamentos. As respostas a estes últimos foram situadas
em uma escala de Likert. O contato se deu entre final de 2014 e início de 2015,
em encontros de cerca de uma hora e meia com cada uma de cinco crianças entre
6 e 12 anos. Seguiu os procedimentos éticos de pesquisa previstos no Canadá,
passando pela aprovação de três níveis de conselhos de ética da Universidade de
Toronto. Os pais das crianças assinaram o termo de consentimento, autorizando a
participação dos filhos na pesquisa e as próprias crianças assinaram, assentindo
em colaborar com a investigação. Para este capítulo, utilizarei os dados
referentes à percepção dos jogadores com relação à aprendizagem no jogo digital
Minecraft, obtidos da escala de Likert em confronto com respostas à entrevista.
A pesquisa se desenrolou no contexto mais natural possível, resguardando a
privacidade dos participantes. Os registros dos discursos foram gravados em
áudio e, posteriormente, transcritos. Para o levantamento e a análise das questões
em foco, gerou-se uma tabela para as respostas provenientes da escala de Likert
e, para uma complementação abrangente das razões para essas respostas,
empregou-se a análise de discurso de Pêcheux (Teixeira 2000) que, fortemente
influenciada pela psicanálise, permitiu uma maior abertura interpretativa.
Resultados das pesquisas

O primeiro estudo trouxe 104 respostas positivas à pergunta 1) Você acredita que
aprendeu algo jogando jogos digitais?, e somente quatro sujeitos afirmaram que
não aprenderam nada jogando. Ou seja, 96% consideram que aprenderam
jogando.

Gráfico 1. Percepção dos sujeitos questionados sobre a possibilidade de terem


aprendido por meio dos videogames
Analisando as respostas da pergunta 2) Em caso afirmativo, o que você acha que
aprendeu jogando?, organizamos quatro categorias: conteúdos escolares:
conhecimentos escolares e idiomas; pensamento lógico-matemático; habilidades
socioafetivas: interpessoais e intrapessoais; destreza motora.

Na categoria conteúdos escolares, trabalhamos com duas subcategorias:


conhecimentos escolares e idiomas estrangeiros. Dos 108 sujeitos da pesquisa,
33 disseram ter aprendido ou aperfeiçoado outro idioma, com 29 respostas
relativas ao conhecimento de inglês, o que significa que 27% dos questionados
afirmam terem feito aprendizagens de inglês ao jogar. Os conhecimentos
escolares citados como aprendidos jogando videogames foram: mitologia;
história; matemática; arte; literatura; e, destacando-se, cultura de outros países
ou civilizações, totalizando 33 sujeitos ou 28% dos participantes. Em nova
contagem, somando conhecimentos escolares e idiomas estrangeiros,
encontraram-se 46 sujeitos que responderam terem aprendido um ou mais
conteúdos que fazem parte do currículo de escolas jogando videogames, ou seja,
um percentual de 43%.

Do total de participantes, 35 estudantes ou 32% afirmaram terem desenvolvido


habilidades relacionadas ao pensamento lógico-matemático. As palavras
utilizadas que agrupamos nessa categoria foram: raciocínio, pensamento lógico,
pensamento rápido, estratégia, lógica, analisar e pensar como escapar de
armadilhas.

Outra categoria encontrada com a análise das respostas se refere a habilidades


socioafetivas, que se dividiu em habilidades interpessoais (voltadas ao
relacionamento social) e em habilidades intrapessoais (voltadas a uma
autocompreensão de seus afetos). Dos 108 sujeitos, 13 citaram que
desenvolveram ou aprenderam habilidades como trabalhar em equipe, cooperar,
ser mais sociável e desenvolver amizades. Outros 18 participantes deram
respostas que convergiram para o que se categorizou como habilidades
intrapessoais, afirmando, por exemplo, que aprenderam a ter autocontrole e
paciência; a serem perseverantes; a serem mais confiantes em si mesmos; a
buscar desafios; a lidar com suas qualidades e seus defeitos. Ou seja, as
habilidades socioafetivas foram citadas por 29% dos sujeitos como tendo sido
aprendidas por meio da experiência de jogar videogames.

A categoria destreza motora (reflexo, coordenação, agilidade, destreza) foi citada


por 11 sujeitos, o equivalente a 10% do total de questionados.

Para uma melhor compreensão dos resultados, eles foram sintetizados na


estrutura diagramática que se segue.

Gráfico 2. Organização por categorias das respostas dos sujeitos participantes a


respeito do que consideram que aprenderam por meio dos jogos digitais
No segundo estudo, analisando a escala de Likert aplicada, 60% das crianças
respondentes disseram que Minecraft e “aprender” combinam muito bem.
Ninguém disse que Minecraft e aprender não têm nada em comum, não
combinam. Para aquelas duas crianças que disseram que essas palavras apenas
combinam, o comentário a respeito da resposta foi de que algumas pessoas
aprendem, mas não são todas as que aprendem.

Além disso, em uma questão anterior de entrevista a respeito desse tópico, duas
crianças disseram que, jogando Minecraft, aprenderam criatividade. Uma dessas
crianças acrescentou que também aprendeu sobre computação, pois teve de
descobrir como operar com redstone. Três das crianças responderam que não
aprenderam nada jogando Minecraft, apesar do fato de que, como respondeu um
desses sujeitos: “Eu sei que construir coisas é duro e que é preciso planejar antes
de construir” (menina, 10 anos). Nesse ponto, seria interessante compreender o
que significa “aprender” para essas crianças: talvez um conteúdo escolar
estruturado, não prontamente encontrado no mundo de Minecraft.

Nesse sentido, um ponto a ponderar, já que esse estudo foi realizado com três
sujeitos nascidos no Canadá, filhos de pais canadenses e falantes somente de
língua inglesa, e duas crianças falantes de português, filhas de brasileiros. O
ponto são as possíveis diferenças culturais, já que as três crianças que
responderam que não aprenderam nada jogando Minecraft são as pertencentes ao
primeiro grupo citado.

Outro dado das respostas que converge com o foco deste capítulo é a
compatibilidade percebida pelas crianças entre diversão e o emprego de esforço,
tempo e o uso de habilidades.

Gráfico 3. Representação da relação entre o jogo Minecraft e aprendizagem,


segundo as crianças entrevistadas
Discussão dos resultados

Apesar das pesquisas, cujos dados apresentei, terem tido diferentes desenhos e
terem investigado diferentes faixas etárias, ambas trazem resultados que
contribuem para a discussão da aprendizagem por meio dos jogos digitais.

A primeira pesquisa aponta para a percepção da relevância dos jogos digitais na


aprendizagem dos jogadores, tanto no que se considerou, nessa pesquisa, como
conteúdos escolares estruturados, quanto no que se entendeu como o
desenvolvimento do pensamento lógico-matemático ou pensamento científico.
Nessa direção, segundo Piaget e Inhelder (1975), o desenvolvimento do
pensamento é condição para a compreensão de conteúdos escolares, ao passo
que, para Vygotsky (1984), a aprendizagem dos conteúdos escolares seria
propulsora do desenvolvimento do pensamento. Por uma ou por outra
abordagem, é inegável a relevância dos jogos digitais para a educação.

A diversidade de conteúdos escolares citados como aprendidos por meio dos


jogos comerciais se mostrou surpreendente. Resta saber o quanto esses
conhecimentos realmente se fazem úteis para os currículos escolares nacionais,
com reflexos na educação formal de nossos estudantes.

Para além do desenvolvimento de um pensamento que é diretamente demandado


para a execução de atividades escolares e de uma bagagem de conhecimentos
relacionados com os conteúdos escolares, os estudantes também destacam
habilidades socioafetivas aprendidas por meio dos jogos.

Como visto na revisão de Tobias, Fletcher e Wind (2014), os jogos mais efetivos
para o processo de ensino-aprendizagem seriam aqueles cujas tarefas exigidas
para sua execução demandassem o mesmo tipo de processo cognitivo que as
tarefas desejadas externas ao jogo. Isso é interessante, se confrontamos esse
dado com as duas pesquisas que realizei. Na primeira, os sujeitos são jogadores
de muitos anos e jogam uma grande diversidade de jogos digitais; na segunda,
apesar de as crianças recrutadas se considerarem boas jogadoras de Minecraft e
jogarem esse jogo há pelo menos um ano, não são jogadoras de muitos títulos
(com exceção de uma criança). Essa pode ser uma via para entendermos tanto a
massiva resposta positiva do primeiro grupo investigado de que aprendem
jogando quanto para a diversidade de conhecimentos e habilidades que percebem
terem aprendido jogando. Nesse sentido, podemos levantar a hipótese de que o
jogar de vários jogos e de diferentes gêneros seria capaz de ampliar o leque das
possibilidades de aprendizagens e, como resultante disso, uma melhor percepção
de seus efeitos por parte dos sujeitos.

Ainda discutindo esse aspecto, seria importante verificar, em estudo futuro, com
relação às respostas das crianças, qual o significado de aprendizagem para elas.
Um grupo (duas crianças) tem uma compreensão ampla do que seja passível de
ser aprendido; o outro (três crianças) parece entender aprendizagem da
perspectiva de conteúdos escolares estruturados. As respostas deste último grupo
convergem mais com as preocupações dos pesquisadores centrados em
abordagens empíricas experimentais na revisão que foi apresentada, ou seja, da
aprendizagem de conteúdos escolares mais estruturados.

Além disso, a aprendizagem proveniente de jogos digitais, como afirmam


Tobias, Fletcher e Wind (2014), é mediada pelo engajamento em um processo
cognitivo, independentemente do fato de o conhecimento ser adquirido jogando
jogos, participando em comunidade de jogadores ou usando exemplos
trabalhados em jogos. Como lembram os autores, essa é uma característica de
toda e qualquer aprendizagem, o que leva a pensar sobre certa impossibilidade
de total controle prévio de qual a fonte exata da aprendizagem. Esse tipo de
situação também foi constatado em algumas das respostas de nossos sujeitos da
primeira pesquisa. Por exemplo, um dos questionados referiu que foi o fato de
jogar Dante’s Inferno e Persona que o fez pesquisar sobre o tema dos respectivos
jogos, assim acrescendo em aprendizagens e conhecimentos.
Seguindo esse mesmo raciocínio, pode-se dizer que os jogos digitais comerciais
consumidos pelos jovens brasileiros entrevistados não foram produzidos com a
finalidade de lhes ensinar a língua inglesa, demonstrando que “o aprender não
depende unicamente do ensinar” (Orozco 2014), ou seja, o que a recepção
apreende nem sempre corresponde à intenção do emissor.

As crianças da segunda pesquisa referiram que, para progredir no jogo, é preciso


empreender bastante esforço e um tanto de tempo, o que me leva a retomar a
ideia da autodisciplina que os jogos demandam dos jogadores. Também se
constatou que, para as crianças entrevistadas, todo o esforço e o tempo
empreendidos jogando são compatíveis com a experiência de diversão, ou seja,
dispender esforço e tempo, características do que é considerado sério, não é
impeditivo de que algo seja divertido.

Considerações finais

Sendo os jogos digitais um objeto que se expandiu culturalmente com a indústria


do entretenimento, contou com uma primeira resistência proveniente da
característica divisão em nossa cultura ocidental entre o que deve ser
considerado sério e não sério, entre o que visa à diversão e o que é relativo ao
mundo do trabalho (Adorno 1999; Yee 2006). Entretanto, o questionamento
dessa divisão também já é antigo e os jogos digitais vêm sendo paulatinamente
experimentados na educação, tanto os produzidos para entretenimento
(chamados de comerciais) quanto os de fins educativos ou aqueles que são fruto
do trabalho de produção das crianças com base em softwares como Scrath (MIT)
e Kodu (Microsoft).

Pesquisas buscando evidências a respeito do valor da utilização de jogos digitais


na aprendizagem vêm sendo realizadas há alguns anos. Algumas convergem em
suas respostas, indicando que podemos fazer algumas afirmações mais
conclusivas; outras apresentam resultados contraditórios.

Ao que parece, tanto pela via das pesquisas quantitativas e experimentais,


comparando resultados de jogadores habituais com não jogadores e comparando
a utilização de jogos com outros sistemas instrucionais, quanto pela via das
pesquisas de natureza quantitativa e qualitativa, que atentam para os discursos
dos sujeitos da amostra selecionada, encontramos dados comuns.

De qualquer forma, revisões sistemáticas dos resultados de pesquisa, assim como


revisões das intervenções no âmbito educacional, parecem ser a única alternativa
a oferecer alguma segurança de que se está caminhando para encontrar o que
funciona e o que não funciona em educação (Gough, apud Ferreira 2009), ou
seja, as pesquisas devem sempre continuar.

Entretanto, como pesquisadores, resta-nos fazer escolhas com base em nossas


formações acadêmicas e nos referenciais teórico-metodológicos que melhor
possam responder a nossas perguntas, mas não podemos esquecer que nossas
perguntas se relacionam com nossa forma de compreensão do mundo.

Portanto, chegando ao final deste capítulo, talvez não se tenha mais como
escapar de um posicionamento que não tem como não ser pessoal. Acredito que
se aprenda mesmo quando essa não é a intenção e que, às vezes, aprende-se mais
ou algo diferente do que foi pretendido ensinar. A educação está além da
instrução, como diz o mexicano Guillermo Orozco (2014).

Apesar da relevância dos estudos da recepção, ou seja, da percepção dos jogos


digitais pelos sujeitos implicados, também não desconsidero a importância do
design da mídia emissora, já que esta nunca é neutra (Feenberg 2002) e deve se
responsabilizar por suas intenções. Como já alertaram Salen e Zimmerman
(2012) e Flanagan e Nissenbaum (2014) com respeito aos jogos digitais, estes
tanto refletem a cultura quanto são produtores de cultura, o que significa que não
podemos nos furtar a analisar suas características.

Com este capítulo, que buscou esboçar um cenário das pesquisas sobre jogos
digitais e aprendizagem, visei contribuir para a montagem de um quadro em que
seja possível perceber nossas lacunas e novos caminhos. Isso sem se esquecer de
considerar que as pesquisas também devem servir para suportar políticas
públicas. Com a ampla evidência empírica de que as escolas brasileiras podem
ter um papel decisivo na melhoria do aprendizado cognitivo dos alunos (Brooke
e Soares, apud Teixeira 2009) e que “a escola frequentada faz diferença na vida
do aluno” (Alves e Franco, apud Teixeira 2009, p. 492), os resultados de nossas
investigações devem se comprometer com o fazer educativo.

Os resultados das pesquisas que aqui discuti, ao menos em um ponto, são


evidentes: aprende-se por meio dos jogos digitais.

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3
PESQUISA DA AVALIAÇÃO E DA EFICÁCIA DA
APRENDIZAGEM BASEADA EM JOGOS DIGITAIS:
REFLEXÕES EM TORNO DA LITERATURA CIENTÍFICA

[41]

Ruth S. Contreras-Espinosa

Jose Luis Eguia-Gómez

Introdução

Não existe um método geral para avaliar o uso de jogos digitais. Os propostos
por diversos pesquisadores, relacionados com a digital game-based learning, ou
aprendizagem baseada em jogos digitais, especificam um número limitado de
conceitos e tendem a apresentar propostas genéricas e pouco replicáveis. Um
exemplo disso é o esquema de quatro dimensões[42] proposto por De Freitas et
al. (2009), que propõe uma metodologia que não é fácil de utilizar para uma
ampla gama de contextos educativos, uma vez que suas dimensões devem ser
consideradas como um todo coletivo. Dá a impressão de que nos faltam medidas
e provas estatísticas que permitam determinar a eficiência e a eficácia da digital
game-based learning (aprendizagem baseada em jogos digitais – doravante
DGBL). Compreender o que ocorre nos jogos é um ponto crucial, e é onde
pessoas de diferentes disciplinas podem encontrar um terreno comum para
produzir uma linguagem compartilhada a fim de atravessar algumas tradições
disciplinárias (Clark e Marshall 1978).
Perrotta et al. (2013) já haviam advertido que os estudos em geral, além de
carecer de controles, não contam com uma definição do tipo de atividade
realizada para cada experimento, e esses problemas podem dar como resultado
uma má interpretação dos resultados finais. Se observamos as conclusões de
estudos como o de Mayer et al. (2013a), ou de All et al. (2014), nos quais são
analisados diversos estudos relacionados com a eficácia da DGBL e a avaliação,
é possível concluir que:

1. Em geral, existem estudos com um desenho de pesquisa pouco claro;

2. Existem poucas indicações de como avaliar a aprendizagem;

3. Alguns estudos não indicam seu propósito, seu alcance ou em que condições
foram utilizados;

4. Carecem de algum dos procedimentos;

5. São detectadas poucas relações ou inter-relações entre os dados e os conceitos.

Além disso, na aplicação das propostas é possível observar:

1. Um domínio de estudos de casos individuais no qual os autores analisam um


jogo em concreto;

2. Faltam informações sobre as ferramentas utilizadas.


A isso acrescentaríamos uma carência de estudos que utilizam métodos mistos
ou novas ferramentas para obter informações. Centrar-se, por exemplo, em
observar as variadas informações que facilita o corpo (Järvelä et al. 2013), e que
podem ser medidas com biossensores,[43] um escâner cerebral,[44] ou
medianteeye tracking [45] (Lieberoth e Roepstorff 2015), também poderia ser de
utilidade para avaliar a aprendizagem. Identificar as emoções que se produzem,
assim como a que se dirige a atenção do aluno, serviria para melhorar a ajuda e o
feedback durante o processo de ensino/aprendizagem.

O objetivo deste capítulo é detectar e mostrar algumas das pesquisas relevantes


que estão relacionadas com a avaliação da aprendizagem baseada em jogos,
assim como outros exemplos da literatura que incentivaram a discutir o caminho
que está seguindo a avaliação da DGBL. Com isso, buscamos refletir sobre as
propostas relacionadas com a avaliação da aprendizagem baseada em jogos.

Definindo a aprendizagem baseada em jogos

Em termos gerais, a aprendizagem baseada em jogos refere-se ao uso de jogos


para apoiar o processo de ensino/aprendizagem. Perrotta et al. (2013) propõem
para sua definição alguns princípios fundamentais, assim como os mecanismos
envolvidos no processo, os quais constam da figura a seguir.

Os pesquisadores utilizam a DGBL para obter resultados específicos de


aprendizagem, mas de maneira colateral também são obtidos resultados
secundários, como, por exemplo, um jogo que tem como objetivo o ensino do
idioma inglês também pode levar a uma atitude positiva em relação à disciplina
língua estrangeira. A motivação é necessária para garantir a aprendizagem e para
avaliar um programa educativo (Poli et al. 2012), pois, quando um estudante está
motivado, a efetividade da atividade aumenta, e essa motivação pode chegar a
ser intrínseca ou extrínseca. No caso da primeira, referimo-nos a quando o que
motiva o aluno é a experiência em si ou o prazer de aprender, ou qualquer
atividade que lhe dê satisfação pessoal. Em contrapartida, o que a motivação
extrínseca busca é uma recompensa por ter realizado uma tarefa (Piaget 1952).
Esta pode ser matizada e subdividida em diferentes tipos dependendo de seu
grau de regulação, ou seja, a forma extrínseca menos motivante é quando ocorre
de uma forma externa, e se refere a uma atividade que se realiza apenas com o
objetivo de receber uma recompensa. Um exemplo dessa regulação externa é
quando o estudante recebe uma nota adicional por ter participado na atividade.
Outro dos tipos identificados é a realização de uma atividade em si, já que a ação
ou o resultado é aceito como o ponto principal. Por exemplo, quando um
estudante está realizando uma atividade que consiste em desenvolver um produto
– que pode ser uma aplicação para dispositivos móveis ou um videogame –, isso
o ajudará a conseguir um objetivo: se converter em programador. Os diferentes
tipos de motivação extrínseca se associam com os diferentes resultados e
experiências e podem ser compatíveis com objetivos.

Figura 1. Princípios e mecanismos da DGBL (Perrotta et al. 2013)


O desenho da pesquisa

Em uma pesquisa de aplicação geral, é usual partir de um conjunto de perguntas


de investigação, o que posteriormente nos permite pensar no desenho da
pesquisa. Isso nos levará a pensar em um conjunto de ferramentas e instrumentos
de pesquisa. Tanto métodos quantitativos como qualitativos, utilizando
entrevistas para medir as atitudes perante o jogo, as experiências etc., e a
observação para o rendimento, o comportamento depois de jogar, a tomada de
decisões e as reações emocionais durante o jogo foram utilizados no contexto
dos estudos da efetividade da DGBL. O método quantitativo parte da ideia de
evidenciar o nível em que se confirmaram e alcançaram os objetivos demarcados
com a aplicação de métodos objetivos. Os objetivos se expressam por meio de
condutas observáveis que serão mais tarde quantificadas. Esse método permite,
entre outros elementos, construir hipóteses e verificá-las. No entanto, não
permite obter informações sobre o contexto – dados sobre o clima
organizacional/institucional em que está imerso o programa, embora em teoria
sejam eficazes, só proporcionam informações sobre as variáveis que o
pesquisador considerou prévia e explicitamente em seu estudo como medidas
quantificáveis.

O método qualitativo, por sua vez, indica que os resultados devem ser calculados
com o desenvolvimento de processos de ensino/aprendizagem, com o fim de
melhorá-los. Por isso, é necessário avaliar desde a aprendizagem do aluno até o
trabalho do professor, os métodos utilizados, a distribuição das salas de aula, os
materiais didáticos, entre outros fatores. Um exemplo disso é o estudo de
Phillips et al. (2014), no qual se utiliza a entrevista como uma ferramenta para
obter informações sobre o uso de jogos em um entorno educativo. O ponto forte
desse método é a capacidade de tirar vantagem daqueles dados de origem,
sempre e quando eles sejam observados como uma parte de outros elementos
físicos e sociais da prática. A educação é uma realidade complexa e cambiante, e
não é possível separar variáveis independentes do contexto no qual aparecem.
Tampouco existe lugar para a generalização dos resultados a outros contextos,
porque eles não são sempre iguais. Perante a separação de diferentes variáveis e
das medições pontuais, é preciso atender a todos os elementos educativos. Seu
ponto fraco é a codificação dos dados; de fato, em sua revisão da literatura, All
et al. (2014) detectaram que a maioria dos estudos não codificam seus dados. O
método qualitativo é criticado pela fiabilidade dos dados e por uma falta de
progresso metodológico. Por exemplo, nos casos em que se aplicam
questionários para avaliar as atitudes dos participantes em relação a um jogo.
Esses casos foram questionados em virtude de sua fiabilidade e sua eficácia
(Wouters et al. 2009), tendo em vista que a opinião dos estudantes em relação à
aprendizagem e a motivação obtida são dados pouco fiáveis e que, ademais,
entram em conflito com outras medidas que poderiam ser mais diretas (Clark
2007). Conjecturas causais que são derivadas de situações únicas podem ser
questionadas empiricamente. A complexidade e a diversidade dos contextos nos
quais se joga, assim como dos eventos ocorridos dentro de um videogame são os
pontos que permitem questionar a fiabilidade de muitas pesquisas. É por isso que
se trata de evitar carências empregando-se métodos mistos que permitam
combinar paradigmas, a fim de ter a possibilidade de detectar outras
oportunidades que permitam acercar-se das problemáticas de investigação
(Moscoloni 2005). O uso de uma “triangulação” de métodos proporciona uma
opção mista como um elemento para se acercar do conhecimento de diversos
objetos de estudo. Contudo, é fácil notar que poucos estudos utilizam uma opção
mista. A avaliação quantitativa não deveria ser descartada, mas vale enfatizar
que se deveria determinar em que contextos pode ser aplicada e mediante quais
instrumentos, uma vez que um método quantitativo bem aplicado pode dar
informações fiáveis para avaliar quais são os aspectos que motivam os
participantes a aprender mediante a intervenção de jogos digitais (Wouters et al.
2009). E, no entanto, poderia considerar-se o uso de outras medições que ajudem
a entender o que ocorre quando jogamos, por exemplo, mediante o uso de
eletrodos para registrar a atividade eletrodérmica nos dedos, avaliar o ritmo
cardíaco ou a atividade muscular facial na mandíbula como um indicativo da
tensão sofrida durante o jogo (Iacovides et al. 2013). É necessário utilizar outras
alternativas para reunir mais informações, inclusive algo tão simples como um
diário de jogo que nos permita entender como os jogadores atuam, e, com esses
dados, poderiam ser trianguladas as informações sobre os eventos mais
significativos ocorridos durante uma sessão de jogo dedicada à aprendizagem.
Driessnack et al. (2007) já assinalaram que a triangulação se refere à
convergência de dados coletados e interpretados do mesmo fenômeno, cujos
métodos de coleta e de interpretação dos dados, sem dúvida, pode ser diferente.
A finalidade da avaliação

Na educação podem-se distinguir tradicionalmente dois tipos de avaliação:


formativa e somativa. Cada um deles responde à pergunta: Quando se deve
avaliar? A avaliação formativa se relaciona com uma avaliação progressiva e
contínua que representa um processo de feedback que dá informações com o
objetivo de melhorar o rendimento do aluno. Podemos ampliar que é um
processo de verificação pensado para a aprendizagem. A avaliação somativa, por
seu lado, determina o que um aluno aprendeu, obtendo um indicador de
qualidade que normalmente é uma nota numérica. Na avaliação formativa se
realizam vários intervalos ao longo de um curso para proporcionar informação
que permita melhorar: (a) a aprendizagem do aluno, (b) o conteúdo, e (c) o
processo de ensino/aprendizagem. Precisamente, Braden (1992) sugere utilizar a
avaliação formativa sempre e quando ela se realize durante todo o processo e de
maneira iterativa, o que faz sentido em atividades realizadas com jogos digitais.
Essa avaliação, realizada geralmente ao final de uma unidade, nível ou curso,
utiliza: (a) testes de múltipla escolha, (b) exposição individual ou em grupo, (c)
portfólios, (d) participação, (e) apresentação de um trabalho, entre outros
recursos. Os dois principais tipos de avaliação somativa, e que foram
identificados por Harpel (1978), estão orientados para a investigação e/ou a
gestão. As avaliações somativas orientadas para a pesquisa são utilizadas para
validar e melhorar os programas educativos, ao passo que as avaliações
somativas orientadas para a gestão pretendem avaliar se o programa alcançou
seu objetivo.

Tais processos de verificação da aprendizagem são mencionados na literatura


relacionada com a DGBL. Mayer (2012), parafraseando Bloom, menciona que a
avaliação deveria não só ser ampla em seu alcance, senão que necessita fazer
frente a propósitos formativos e somativos de avaliação. Nesse sentido, autores
como Vosinakis et al. (2011) utilizam a avaliação somativa para avaliar a
atividade de aprendizagem mediante a observação e utilizando questionários que
ajudam a avaliar o processo dos estudantes. Suas conclusões, relacionadas com o
trabalho colaborativo, dão lugar a uma série de recomendações que estão
diretamente relacionadas com as ferramentas de suporte que ajudam na
avaliação.
Por sua vez, Tsai et al. (2015) propõem uma avaliação formativa que, baseada
em um teste, proporciona resultados estatísticos que permitem observar a
eficácia da aprendizagem e da participação. Não obstante, advertem que os
diferentes tipos de feedback enviados aos alunos através dos jogos podem chegar
a afetar de maneira significativa o processo de aprendizagem. Nesses casos, nos
quais se utilizam métodos quantitativos e qualitativos, é possível observar que
ainda restam “espaços” por observar. O que argumenta a favor da utilização de
outros níveis de observação do participante, que podem ser seguidos
posteriormente com entrevistas ou questionários, a fim de identificar
sistematicamente como aconteceu o processo.

Stevens et al. (2008) identificam outros níveis de atividade que vale a pena
observar quando se estudam atividades realizadas em videogames: (1) o jogo;
(2) o cômodo; e (3) o mundo. O primeiro deles significa analisar as coisas que
ocorrem na interface do jogo. Essa atividade pode ser gravada em diferentes
momentos, a fim de observar o que ocorre nos níveis do jogo nas sequências de
ação. O ponto dois refere-se ao que acontece no cômodo em que se encontra o
usuário. Os dados reunidos podem ser codificados quantitativa ou
qualitativamente mais tarde.

Lieberoth e Roepstorff (2015) sugerem nesse ponto acrescentar os estados


corporais – os quais podem ser medidos com biossensores, um escâner cerebral,
ou mediante eye tracking –, utilizados como um indicador dos processos
cognitivos que não são observáveis diretamente.

Finalmente o ponto três refere-se a todos os elementos da vida real que de


alguma maneira estão relacionados com o jogo e vice-versa. Refere-se aos
conhecimentos e às experiências prévias que podem influenciar o jogador para
utilizar diferentes estratégias no jogo. Essa informação pode ser reunida durante
as sessões de jogo, nas conversas mantidas entre jogadores. O uso de outros
enfoques, como avaliar a atividade muscular facial, poderia ser de alguma ajuda
para detectar se o feedback enviado aos alunos através do jogo chegou a afetar
os jogadores. Observar o que ocorre em suas feições quando recebem as
mensagens de feedback pode ajudar a concluir se está diretamente relacionado.

Esses sistemas foram utilizados sobretudo medindo a interação do aluno com um


sistema e tentando identificar seu estado de empatia para proporcionar as
informações correspondentes. As expressões faciais e um seguimento dos olhos
servem para identificar o estado de alerta. No entanto, tanto a identificação
cognitiva como o estudo dos estados afetivos com base nos gestos são áreas
relativamente descuidadas (Vermun et al. 2013).

Ferramentas e instrumentos para a coleta de dados

Na investigação da DGBL as ferramentas de suporte como os questionários,


painéis de discussão, enquetes ou observações permitem obter diversos dados.
Enfrentamos então a questão: Qual é a melhor ferramenta para avaliar? A
escolha de um tipo ou outro se dará em função dos objetivos da matéria que
serão avaliados. A eficácia da DGBL, como meio de instrução, consiste em obter
efeitos de aprendizagem como uma influência direta nos conhecimentos, nas
habilidades, atitudes ou nos comportamentos prévios.

Os dados que nos permitirão avaliar os processos são reunidos utilizando-se


métodos mistos. Geralmente se avalia o conhecimento das matérias observando
os resultados alcançados com o uso de um pré-teste, e se existe alguma
alteração, com o pós-teste (Mayer et al. 2013b). Os instrumentos de avaliação
deveriam: ser variados; oferecer informação concreta do que se deseja; utilizar
distintos códigos icônicos, orais, escritos, e eles devem ser aplicáveis em
situações escolares normais, para medir a transmissão das aprendizagens e, se
possível, o uso de autoavaliações. Contudo, trata-se de um assunto complexo,
para o qual não existe uma receita única.
Campbell e Stanley (1963) sugerem utilizar na pesquisa: um pré-teste, um pós-
teste e um grupo controle como a melhor forma de avaliar a aprendizagem se se
tem em conta que um pré-teste oferece a oportunidade de medir o progresso.
Esse tipo de desenho metodológico se baseia na medição e na comparação de
uma variável resposta antes e depois da exposição do sujeito à intervenção
experimental. Os desenhos em que se utilizam testes antes e depois com um só
grupo permitem ao pesquisador manipular a exposição, mas não incluem um
grupo de comparação e cada sujeito atua sem controle. Outros estudos, como os
de Ryan e Deci (2000), mostram um desenho pré-teste e pós-teste, porém, sem
um grupo controle, o que, segundo Campbell e Stanley, não permite observar um
progresso claro. Os desenhos mais utilizados nos estudos de efetividade e
relacionados com a DGBL são, em sua maioria, quase-experimentais, nos quais
existe uma exposição, uma resposta e uma hipótese para poder contrastar, e
geralmente se utiliza a enquete como a ferramenta mais idônea para reunir
dados, ainda que sem aleatorização dos sujeitos em relação aos grupos de
tratamento e controle, ou onde não existe um grupo controle propriamente dito
(All et al. 2014).

Em pesquisas realizadas por O’Neill (2005) é possível comprovar que alguns


estudos empíricos não implementam provas prévias de conhecimentos. E,
segundo Clark (2007), a ausência dessas provas prévias pode chegar a ser um
problema, porque as diferenças nos resultados de aprendizagem poderiam
ocorrer em virtude das diferenças de conhecimentos entre indivíduos ou grupos
no começo da intervenção. Consequentemente, isso pode levar a que se obtenha
uma superestimação do efeito de instrução.

Que metodologia de pesquisa utilizar?

A literatura mostra diversas propostas que nos obrigam a enfrentar a pergunta:


Que metodologia de pesquisa deve ser utilizada para avaliar a efetividade da
DGBL? Obviamente busca-se saber os procedimentos correspondentes e que
sejam aplicáveis a um amplo espaço de atuação. É complicado generalizar
porque os contextos não são sempre iguais. O uso de uma metodologia de
avaliação comum e padronizada que ajude a avaliar todo um processo de
aprendizagem utilizando um jogo digital não só deveria servir para estudar e
comparar o que ocorre, como também deveria ser suficientemente flexível para
poder personalizá-la e permitir certos ajustes em diversos contextos. Isso pode
representar um verdadeiro desafio. Além do mais, deve-se considerar que,
enquanto se realizam os estudos de campo, tanto as perguntas de investigação
como os métodos podem tomar vida própria precisamente pelas condições de
cada caso. Contudo, as sugestões apresentadas por Mayer et al. (2013a) e
Lieberoth e Roepstorff (2015), centradas no uso de métodos mistos, são uma
opção que pode ser desenvolvida em diferentes etapas, incluindo desde a coleta
de dados até sua análise.

All et al. (2014) sugerem uma metodologia, na qual ademais seja possível
utilizar diferentes medidas objetivas de rendimento. Obviamente, o uso dos
métodos dependerá do orçamento dos pesquisadores, mas especialmente da sua
capacidade para analisar os novos dados obtidos.

Ao longo dos anos em que temos investigado como aplicar jogos digitais nas
salas de aula, encontramos diversas formas de trabalhar e temos buscado validar
os resultados obtidos, assim como reutilizar diversos instrumentos de avaliação.
Em pesquisas anteriores (Eguia-Gómez, Contreras-Espinosa e Solano-Albajes,
2011; 2012; 2014; Contreras-Espinosa, Eguia-Gómez e Solano-Albajes, 2011;),
pouco a pouco pudemos construir uma série de perguntas, desenhos de pesquisa,
ferramentas de avaliação, assim como algumas pautas e sugestões para realizar
pesquisas na área de DGBL:

1. Antes do jogo:

• Prestar atenção às experiências prévias, assim como às habilidades e


competências com as quais contam tanto o professor como o aluno em relação à
tecnologia.
• Observar a atitude tanto do professor como do aluno como um ponto-chave
para a investigação. No aluno, pode ser um fator para desenvolver a motivação
intrínseca e a extrínseca; no professor, a via para que as atividades com jogos se
realizem com normalidade.

• Observar o contexto: O grupo de estudantes, o compromisso da instituição, a


atitude do professor etc.

2. Durante o jogo:

• Avaliar o rendimento do jogo com base em pontuações, no tempo alcançado


pelos jogadores e/ou nos erros cometidos. Esse último ponto é necessário para
tentar prever problemas de forma personalizada.

• Avaliar a experiência vivida pelos usuários quanto ao fluxo, à imersão


alcançada e aos elementos do contexto que influíram na partida.

3. Depois do jogo:

• Observar o compromisso alcançado assim como a experiência obtida durante a


sessão de jogo.

• Avaliar a satisfação do jogador com o jogo; a usabilidade; teste de likeability ;


a ajuda proporcionada pelo professor (durante a sessão de jogo); a
interação/colaboração/cooperação com outros estudantes e a identificação dos
jogadores com o avatar.

4. Em relação à aprendizagem:

• Observar a aprendizagem a curto prazo, individual e em relação aos demais


estudantes.

• Avaliar a satisfação do jogador com a aprendizagem alcançada, e se ela foi


percebida pelo usuário.

• Avaliar as alterações nos conhecimentos, nas atitudes, habilidades e intenções


de comportamento.

• Avaliar as alterações percebidas no grupo com a ajuda do professor.

Ressaltamos que essas pautas e sugestões estão fundamentadas em pesquisas


realizadas em classes de ensino fundamental. É por isso que somos conscientes
de que elas não podem ser aplicadas a todos os casos porque, como explicado
antes, não se deveria generalizar. Contudo, a literatura mencionada nos ajuda a
compreender a situação e as etapas pelas quais está passando a pesquisa centrada
em DGBL. São momentos e situações necessárias para os quais confluem
diversos perfis e disciplinas, tentando encontrar uma linguagem comum para os
jogos digitais.

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4
DESENHANDO HEALTH GAMES PARA NÃO GAMERS

Ana Beatriz Bahia

Neste capítulo, abordo algumas das oportunidades e dificuldades encontradas ao


buscar promover a aprendizagem com jogos digitais em pessoas não
familiarizadas com eles. Portanto, não tematizo jogos voltados ao público
escolar, jovem e gamer.[46] Interessa-me pensar o jogo como um dispositivo de
experiência cultural que permeia a sociedade contemporânea. Especificamente,
enfoco jogos digitais que estão à margem do mercado dos jogos comerciais.
Jogos produzidos com finalidade educativa, mas que não se enquadram como
recurso didático, pois são voltados a contextos de educação não formal (Bahia
2008). Jogos destinados ao público adulto e, em grande medida, a uma parcela
significativa dos brasileiros – mais da metade da população – que faz uso tímido
dos dispositivos de tecnologia digital (Brasil 2014), nem sempre por falta de
acesso, mas de familiaridade com as formas de perceber e de conhecer ali
colocadas.

Baseada em experiência como game designer[47] em contexto de educação não


formal e para sujeitos não gamers, compartilho ideias que fundamentam minha
prática e relato um dos últimos trabalhos que realizei. Primeiramente, abordo
singularidades do campo do design de jogos digitais educativos, apontando os
entraves nesse setor de desenvolvimento de jogos (Alves 2008) e clamando por
jogos que promovam experiências com o sabor dos saberes educativos que
abordam (Klopfer, Osterweil e Salen 2009). Em segundo, aprofundo a discussão
com os serious games[48] (Mitgutsch e Alvarado 2012; Ulicsak 2010), relatando
a construção de um conceito de serious game. Esse jogo foi desenvolvido e
levado a teste, conforme antes relatado (Bahia et al. 2014). Aqui, compartilho
reflexões teóricas e procedimentos metodológicos adotados na etapa de pré-
produção e que se consolidaram num conceito de serious game de promoção de
saúde (health game) voltado a sujeitos não gamers.

Game design e os jogos digitais educativos

Tão importante quanto o conteúdo enunciado em um jogo é a sua forma, os


dispositivos de aprendizagem e de avaliação que norteiam o progresso da jogada.
No caso dos jogos digitais educativos, a densidade de tal forma demanda maior
atenção. Esse objetivo não se limita a oferecer ao jogador “imersão num
conteúdo”, implica descoberta dos sabores secretos de cada saber, pois:

Um jogo educativo deve colocar o jogador em contato com aquilo que há de


profundamente envolvente em um tema, ajudá-lo a construir uma alavanca para
alcançar conceitos e motivá-lo a se aprofundar. Ao fazer isso, (...) estará
compartilhando os prazeres que motivam os especialistas naquele assunto.
(Klopfer, Osterweil e Salen 2009)

Contrariando essa ideia, é comum encontrar jogos educativos que apenas


adicionam conteúdo curricular a uma mecânica de jogo divertida. Ou, ainda,
jogos que oferecem ao jogador uma representação pronta do conteúdo, em vez
de se apresentar como espaço para o jogador interpretar o conteúdo jogando
(Breuer e Bente 2010).

A recorrência de jogos digitais educativos pouco consistentes se deve, em grande


medida, a percalços de diálogo. Artistas, pedagogos, designers, cientistas da
computação e outros especialistas envolvidos nesse tipo de produção relutam em
largar os jargões de sua área de formação e têm dificuldade de compreender as
motivações político-sociais e as proposições filosófico-culturais dos colegas de
equipe. Como afirma Lynn Alves, “[professores e desenvolvedores de jogos]
falam línguas distintas, mas podem juntos aprender a construir um diálogo que
contemple essas diferenças” (2008, p. 8). Para dialogar, os profissionais
precisam se ouvir, tirar proveito das diferenças e atuar de forma colaborativa
num campo de trabalho que não reafirme fronteiras disciplinares.

A estrutura segmentada da indústria e do mercado de jogos digitais dificulta


ainda mais o diálogo. Como afirmam Isbister, Flanagan e Hash (2010), designers
de jogos educativos não mergulham nas “águas profundas” dos profissionais de
jogos comerciais. Contudo, designers de jogos comerciais também relutam
adentrar em searas desconhecidas, replicam as convenções estéticas e morais que
se repetem no mercado em que atuam, não se posicionando a respeito de boa
parte dos debates filosóficos e artísticos tecidos no último século (Vargas, Bahia
e Born 2013).

O diálogo seria fecundo não apenas para quem atua na indústria de jogos
digitais. O educador James Paul Gee (2003, 2004, 2005, 2008), por exemplo,
vem destacando inúmeros pontos de relação entre jogos digitais e aprendizagem.
Gee não se refere aos jogos digitais educativos, mas aos “bons jogos digitais”,
aludindo a jogos comerciais amplamente elogiados por gamers.

Em seu livro What video games have to teach us about learning and literacy (O
que os videogames têm a nos ensinar sobre aprendizagem e letramento), Gee
(2003) enfocou os princípios de aprendizagem que estão incorporados ao design
do jogo. Perguntou-se como os designers desses jogos conseguem que novos
jogadores se interessem e paguem por seus longos, complexos e difíceis jogos,
que aprendam a jogar jogando e que não se aborreçam ao serem requisitados a
colocar em prática o que aprendem na própria jogada. Respondeu em seguida
(Gee 2004) mostrando que a estrutura dos jogos digitais tem fundamento
semelhante ao da abordagem metodológica de aprendizagem baseada em
resolução de problemas. Existe uma didática implícita nos “bons jogos digitais”,
mesmo que diferente das comumente usadas em ambiente escolar (ibid.).
Portanto, Gee aconselha que todo educador, mesmo aquele que não tenha
interesse ou condição de levar os jogos digitais para a sala de aula, aproprie-se
de tais objetos culturais como referência para desenhar seus próprios dispositivos
de aprendizagem, sejam estes digitais e lúdicos ou não. O potencial educativo
dos jogos digitais está em como eles motivam e promovem a aprendizagem; eles
são metáforas perfeitas de sistemas educativos nos quais aprendizagem e
avaliação são inseparáveis.

As vias de diálogo esboçadas por Gee são apenas algumas das muitas que podem
ser trilhadas por educadores, designers e outros profissionais da indústria de
jogos digitais. Por vezes tais vias são utilizadas e o diálogo acontece. Paira a
dúvida se a equipe chega a aprofundar questões como: quais processos
cognitivos e comportamentais serão trabalhados no gameplay? Que imagens e
qual abordagem estética vamos adotar para promover os “sabores secretos”
daquele saber? Quais critérios e métricas de avaliação do status da jogada e do
progresso do jogador são compatíveis com o nosso público-alvo e coerentes com
os objetivos de aprendizagem? Como podemos reforçar e recompensar as ações
do jogador sem cair em contradição com a fundamentação pedagógica adotada?
Essas questões ajudam a conduzir o diálogo pela via do pensamento não regrado
por disciplinas, na qual a dimensão pedagógica se entrecruza com outras
dimensões do objeto a ser desenvolvido, buscando jogos que não se limitem a
ser recurso educativo, sejam dispositivos de experiência cultural, assim como
pretendem ser os jogos comerciais.

Em jogos digitais educativos, é especialmente importante considerar aspectos


relacionados ao contexto para o qual o jogo é desenvolvido. Muitas vezes, a
jogada ocorre em meio a uma aula, ou uma ação educativa, ou num ambiente de
educação a distância, ou em outra situação cuja proposta extrapole a própria
experiência de jogar. Ainda, é comum encontrar jogadores-educandos que não
têm perfil de gamer e que não costumam usar tecnologias digitais. Isso é mais
evidente quando a instituição educativa não é a escola e o jogo se destina a
situações de educação não formal. Em contextos desse tipo, com as ações de
Educação de Jovens e Adultos, reconhecemos aquela parcela (51%) da
população brasileira que não está usando internet (Brasil 2014),[49] apesar de
toda a popularização das tecnologias digitais que vemos em rápida expansão.
Sabemos que acesso não garante uso, muito menos apropriação efetiva, em
especial quando estamos falando em promover aprendizagem.
Se enfocarmos os jogos digitais em geral, é recomendado seguir as boas práticas
de game design – como desenhar jogos nos quais as ações do jogador e as
consequências dessas ações se mostrem discerníveis e integradas ao contexto do
jogo em sua totalidade – para promover “jogadas significativas” (Salen e
Zimmerman 2003). Mas é significativa para quem? De que jogador se está
falando? Ainda, tendo em vista os jogos digitais educativos, nem toda jogada
significativa aporta aprendizagem significativa, pois nem sempre os critérios de
avaliação que determinam o progresso da jogada são coerentes com os objetivos
pedagógicos, com os sabores secretos de um conteúdo e com o perfil do jogador
em foco.

Como desenhar jogos que proporcionem jogada-aprendizagem significativa?

Não conheço resposta ampla para essa questão. Cada jogo é um jogo. Contudo,
existem boas práticas que aprendemos desenhando e avaliando jogos educativos.
Compartilho algumas: para não correr o risco de tentar “reinventar a roda”,
iniciar pelo mapeamento de referências de jogos e de pesquisas acadêmicas
sobre jogos cujo objetivo e contexto de aprendizagem se assemelham aos
colocados em pauta; jogar jogos com soluções formais e temáticas que se
mostrem significativas para você; ler sobre jogos; dialogar com quem realiza
pesquisas e jogos; desenhar um conceito de jogo no qual os objetivos de
aprendizagem estejam representados na meta do jogador; dar forma ao conceito
num documento de game design que seja compreensível a todos da equipe;
definir um escopo de produção exequível com os recursos que se tenha, a fim de
evitar o redimensionamento do escopo durante o desenvolvimento; conversar
com pessoas de perfil coerente com o dos jogadores visados; descobrir que
bagagem e expectativas essas pessoas trazem em relação à educação e às
tecnologias digitais, assim como, que sentidos o jogo proposto teria na vida
dessas pessoas.

Por essa via de trabalho, é comum nos darmos conta de que, muitas vezes,
atribuímos demasiado valor a aspectos que não são desejados pelo público
jogador nem sequer são determinantes para proporcionar jogadas significativas
no contexto em questão. Lembro-me de uma situação: certa vez, observando
crianças que jogavam e conversavam sobre seus jogos prediletos,[50] notei que
elas qualificavam como “feios” os jogos que, desde o ponto de vista técnico,
eram mais bem elaborados do que os jogos que elas qualificavam como
“bonitos”. Pedi que me explicassem. Então, justificaram seus juízos de valor
estabelecendo comparação com o repertório de jogos e animações que
conheciam. Os jogos de que gostavam e que tinham uma estética diferencial,
difícil de comparar com a de outros jogos, eram destacados como melhores em
relação àqueles que, apesar de serem divertidos, tentavam seguir os
blockbusters, sem alcançar o mesmo primor técnico de produção.

Soando como arautos, aquelas crianças pediam jogos com densidade própria;
consistentes em relação àquilo que se propõem ser, considerando que o público
ao qual se destinam não é ingênuo, é um jogador crítico que usa suas referências
e valores em seu jogar. Isso reafirma a necessidade de considerar as
especificidades dos jogadores nos contextos de jogada no processo de game
design, até porque o ser do jogo só se realiza quando este é jogado.

Construindo um serious game

A fim de aprofundar a reflexão sobre o processo de design de jogos que


propiciem jogadas-aprendizagens significativas, reporto-me aqui aos serious
games, categoria de jogos educativos que me dedico a pesquisar, desenhar,
produzir e testar.

Serious games são jogos cuja razão de ser é educacional. Contudo,


diferentemente de outros jogos educativos, são desenhados para provocar um
impacto concreto na vida do jogador, uma mudança de atitude (Mitgutsch e
Alvarado 2012). Por isso, muitos serious games não abordam conteúdos em seus
limites disciplinares, enfocam aspectos comportamentais, ensejam debates sobre
valores e hábitos, problematizam o contexto sociocultural do público jogador
visado. O conteúdo é abordado de modo integrado à estrutura da jogada; a
aprendizagem é intrínseca ao jogar (Ulicsak 2010) – característica esta que Gee
(2004) identifica nos “bons jogos digitais”.

Há questionamento sobre o uso do termo serious game (literalmente, jogo sério).


Bogost (2007), por exemplo, defende o uso do termo persuasive game (jogo
persuasivo) para designar jogos cujo objetivo principal não seja instruir, mas
motivar o jogador a modificar seus comportamentos. O autor fundamenta sua
proposição com o conceito de “retórica processual”, argumentos autorais
apresentados por meio de processos e regras de comportamento que constituem
modelos dinâmicos, como são os jogos digitais, algo também encontrado em
serious games de design consistente.

Polêmicas à parte, a categoria serious game norteia o trabalho de pesquisadores e


estúdios de jogos digitais mundo afora.[51] Geralmente, é usada para jogos
voltados a contextos de educação não formal (Bahia 2008) e se desdobra em
subcategorias. Exemplo disso são os health games ou serious games for health,
voltados para a promoção de comportamentos saudáveis (Thompson 2012).
Existem festivais de premiação voltados a esse tipo de jogo, além de
organizações criadas para promover e debater tais iniciativas.[52] Em países
europeus e norte-americanos, health games são jogados por adultos (Grimes,
Kantroo e Grinter 2010) e crianças (Frederico 2012), em locais como escolas e
centros de saúde (Baranowski et al. 2008). No Brasil, por enquanto, as
iniciativas são tímidas.[53]

Participando disso, atuo como pesquisadora e game designer em iniciativa[54]


que, em sua primeira etapa, incluiu o desenho de uma solução tecnológica e
culminou no desenvolvimento e no teste da “Tecnologia de mudança de
comportamento: Nutrição em jogo” (Bahia et al. 2014). Em suma, a tecnologia é
um health game voltado ao público adulto e trabalhador da indústria; aborda o
tema nutricional “Frutas, legumes e verduras” (daqui em diante, abreviado para
FLV); é composto por 12 aplicativos disponibilizados quinzenalmente,
distribuídos ao longo de seis meses, que proporcionam uma experiência total de
cerca de quatro horas de jogada, além do uso de materiais complementares
impressos entregues ao final de cada seção.

No que tange aos requisitos funcionais e operacionais (ibid.), os quais foram


atendidos, vale destacar que a tecnologia integra tanto dispositivos de promoção
da aprendizagem como de avaliação da aprendizagem do jogador; essa avaliação
é realizada com base em três indicadores (conhecimento, estágio de mudança e
consumo alimentar); o tempo de experiência por aplicativo é padronizado (cerca
de 20 minutos), pois os trabalhadores são liberados para a ação educativa
durante a jornada de trabalho, não em intervalos de almoço; a aplicação não
prescinde de mediador, pois um dos objetivos é oportunizar experiências
significativas entre pessoas de cidades interioranas e de difícil acesso, onde as
ações de promoção de saúde não costumam chegar.

A implantação piloto[55] foi feita em 2013. Envolveu 200 industriários com


idade de 18 a 65 anos. Para fins de análise dos dados, foram considerados
128[56] jogadores do sexo masculino e com total assiduidade, dos quais 100
integravam o grupo de intervenção (que jogaram os 12 aplicativos) e 28 o grupo
de controle (jogaram apenas os aplicativos que contêm os recursos de avaliação
de progresso nos indicadores, ou seja, os dois primeiros aplicados no primeiro
mês e os dois últimos aplicados no sexto mês de intervenção). A análise
apresentou resultados positivos nos três indicadores e, ainda, progresso
significativo no indicador estágio de mudança (ibid.).

Reafirmando as dicas para desenho de jogos digitais educativos que antes


pontuei, a construção do conceito desse jogo foi resultado de diálogos e trabalho
colaborativo. Contou-se com equipe multidisciplinar vinculada ao Lec/UFSC,
coordenado pelo professor doutor Emílio Takase, que incluía alunos de áreas
diversas (psicologia, design, ciências da computação e sistemas da informação),
bolsistas do projeto. Assim, enquanto as nutricionistas sistematizavam os saberes
que seriam saboreados no jogo, mergulhamos num processo de pesquisa
bibliográfica e de campo que se estendeu por mais de seis meses, a fim de reunir
os subsídios teóricos e metodológicos que fundamentariam a construção do
conceito de jogo.

A seguir, sumarizo resultados dessa etapa de pré-produção, organizados em três


eixos: reconhecimentos dos sujeitos-jogadores (pesquisa com o público),
formulação do argumento de jogo (pesquisa bibliográfica e pesquisa de jogos de
referência) e consolidação do conceito de jogo.

Reconhecimento dos sujeitos-jogadores

Baseamo-nos na hipótese de que boa parte de público tinha pouca familiaridade


com dispositivos digitais. Acareamos a ideia em duas pesquisas de campo,
realizadas em indústria parceira, a primeira de caráter quantitativo e a segunda,
qualitativo.

Primeiramente, foi aplicado questionário a 445 industriários. Analisando os


dados, concluímos que a maioria (81,3%) utilizava computador semanalmente,
mas poucos usavam jogos digitais (em computador, celular ou console). Pouco
mais de um terço declarou jogar semanalmente (38,7%), em contraponto com
parcela expressiva que declarou nunca jogar (36,9%) ou jogar raramente (20%).
[57] Após realizar essa análise dos dados, sentimos a necessidade latente de
aprofundar informações, investigando que sentidos e significados essas pessoas
atribuíam às tecnologias e ao próprio jogo digital.

Então, num segundo momento, foi realizado grupo focal com dez industriários,
que refletiam a heterogeneidade dos dados demográficos (gênero e idade)
constatados por meio dos questionários. A dinâmica se iniciou com a aplicação
de uma hipermídia, especialmente desenvolvida para a ocasião, e terminou com
um debate sobre aquela experiência. O protótipo abordava um tema recorrente
nas ações educativas daquela indústria (segurança no trabalho) e interligava
diferentes formas de apresentar o conteúdo, das expositivas (texto, vídeo de
animação) às interativas (quiz, feedback construtivo, treino e interação com
minigame), e tinha duração de cerca de dez minutos. Quanto aos dados
coletados, o rosto dos usuários foram filmados por webcam enquanto eles
interagiam e foram gerados arquivos de log.[58]

As filmagens foram analisadas,[59] considerando categorias de expressão facial


(Ekman 2010) e os diferentes momentos da interação. Concluiu-se que a atenção
foi mantida, pois praticamente não houve desvio do olhar. Já as expressões
faciais foram interpretadas com base em cinco categorias: envolvimento
(diminuir frequência de piscadas), presente no quiz e no minigame; surpresa
(levantar o supercílio, abrir a boca ligeiramente, espanto positivo), presente na
tela do treino do minigame apenas; desafio (franzir a sobrancelha e/ou os lábios,
sentir-se desafiado), que teve ocorrência zero na tela de texto e máxima na tela
de treino para o minigame; desinteresse (bocejo), que ocorreu em um
participante apenas, na tela de texto; sorriso (levantar os cantos da boca com leve
abertura dos olhos), que teve menor ocorrência nas telas de texto e de feedback
do quiz (o que pode indicar concentração na leitura) e maior ocorrência nas telas
de animação e de minigame.

Os arquivos de log explicitaram a dificuldade do público em interagir com o


minigame, apesar de termos utilizado uma mecânica amplamente conhecida:
Tetris. Mas, para nossa surpresa, até mesmo os jogadores que não conseguiram
marcar ponto no minigame sorriram enquanto jogavam. Verbalmente, o grupo
expressou satisfação com toda a experiência, além de fazer ressalvas com a ideia
de jogar no contexto de trabalho. Logo, concluímos que deveríamos dosar com
cuidado a complexidade e a frequência de minigames, assim como o uso de
jogos blockbusters como referências no desenho da interface gráfica e na
construção narrativa.

Surpreendemo-nos também com a ampla receptividade do público em relação às


animações. Desconfiávamos que a linguagem de desenho animado que
estávamos apresentando poderia não ser bem recebida pelo público adulto
industriário.[60] Contudo, a análise mostrou que o nível de interesse pelo
minigame foi semelhante ao interesse pelas animações. Como um jogador
comentou e o grupo concordou: “Se fosse vídeo [filmagem] não seria tão legal!”.
Outros jogadores sugeriram: “Seria bom poder clicar e escolher o final do vídeo”
e “Eu gostaria de escolher e participar da história”. O grupo manifestou
satisfação em interagir com a hipermídia, mas deixou claro que se sentiu mais
confortável nos momentos de animação do que no minigame.

Então, que tipo de jogo digital esse público está preparado para jogar? A
pergunta me reporta a Paulo Freire (1996): o exercício da autonomia é um
conhecimento a ser construído gradativamente, baseado em experiências
estruturadas. Para oferecer experiências com maior grau de autonomia é preciso
reestruturar, aos poucos, os próprios conceitos de experiência educativa e de
jogo digital conhecidos por esse público.

Formulação do argumento de jogo

Além de buscar conhecer o público, realizamos pesquisa bibliográfica para


detalhar o campo problemático do tema mudança de comportamento alimentar,
assim como formular a base teórico-metodológica do jogo.

Diferentemente do que ocorreu em momentos históricos de escassez na produção


de alimentos, hoje, morre-se tanto por alimentação insuficiente como por
alimentação excessiva e equivocada (Flandrin e Montanari 1998). Definimos o
que comer sem dar a devida atenção ao valor nutricional e aos efeitos para a
saúde das escolhas que fazemos. Interpretando as restrições alimentares como
uma imposição por doença, ou pobreza, aprendemos a comer e a beber de tudo,
em qualquer lugar, a qualquer hora. Deixamos de encarar a alimentação como
um ato íntimo. Esquecemos que comida não é apenas fonte de nutrição.
“Alimentação é representação de fatores psicológicos e culturais (...),
compreende um universo de significados” (Boog 1997, p. 14). Comendo,
definimos identidade social, reconhecemo-nos como parte de uma coletividade.
Até mesmo por isso, os hábitos alimentares estão sempre em transformação.

Há fenômenos sociais que impulsionam mudanças. Um deles foi, no final da


Segunda Guerra Mundial, em meio à escassez de recursos, a necessidade de
produção de alimentos mais baratos e nutritivos, de fácil transporte e rápido
preparo. Atento às transformações culturais que tais produtos acarretariam, o
Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos montou o “Comitê de
Hábitos Alimentares”, reunindo nutrólogos, antropólogos, psicólogos e
educadores. A antropóloga Margaret Mead era a secretária executiva desse
grupo. A ideia era realizar ações de educação nutricional para promover uma
melhor alimentação entre a população. No Brasil, na mesma década de 1940, foi
criada a “visitadora de alimentação”, uma profissional de saúde que realizava
educação alimentar na cozinha da casa das pessoas (Boog 2004).

De lá para cá, oito décadas se passaram e ocorreram reviravoltas nos rituais de


alimentação. Contudo, a educação nutricional se mostra cada vez mais relevante,
em especial porque essa abordagem não se limita a informar e entregar
orientações gerais.

A Educação Nutricional não é uma ferramenta mágica para levar o educando a


“obedecer a dieta”; pelo contrário, ela deve ser conscientizadora e libertadora,
por isso deve buscar justamente o oposto: a autonomia do educando. (Boog
1997, p. 17)

Buscando suporte na psicologia, entendemos que promover um comportamento


alimentar mais saudável e autônomo é algo especialmente difícil.
Diferentemente do que se refere ao consumo de drogas ilícitas, por exemplo, a
alimentação não é um comportamento a ser eliminado, mas modificado. Motivar
alguém a adotar novas condutas alimentares esbarra em fatores nutricionais,
demográficos, sociais, ambientais e psicológicos (Toral e Slater 2007). Em
poucas palavras, é preciso desconstruir “mitos” sobre alimentação (Reis e
Nakata 2010) e desarmar as desculpas socialmente aceitas que justifiquem
escolhas alimentares pouco saudáveis.

Em nosso projeto, adotamos um modelo de mudança de comportamento


amplamente usado na área de nutrição clínica: o modelo transteorético
(Prochaska e Diclemente 1982). Segundo Bittencourt (2009), o nome advém do
fato de ser junção de diferentes teorias psicoterápicas, como a cognitivo-
comportamental, a gestalt-experiencial e a psicanalítica.

Prochaska e Diclemente (1982) elaboraram o modelo com base em pesquisa com


ex-fumantes, buscando entender como se deu o processo de mudança no hábito
dos sujeitos participantes. Identificaram a existência de estágios de mudança,
assim como processos cognitivos e comportamentais específicos para alavancar
a passagem de um estado a outro. Por fim, elaboraram uma estrutura sistêmica
que preconiza a existência de cinco estágios de prontidão à mudança: pré-
contemplação (o sujeito não acredita que deva mudar); contemplação (o sujeito
está consciente da importância da mudança); preparação (o sujeito toma a
decisão de mudar e planeja como fazer isso); ação (o sujeito coloca em prática
seus planos); manutenção (o sujeito mantém o novo comportamento). O modelo
facilita o planejamento e a realização de ações pró-mudança e pode ser utilizado
para diversos aspectos do comportamento humano, mas sempre visando um
problema específico.

Colocar o modelo em prática envolve três momentos (Bittencourt 2009).


Primeiro, avaliação do estado de prontidão para mudança, para saber em qual
estágio do modelo o sujeito se encontra. Segundo, intervenções pró-mudança,
trabalhando processos cognitivos e comportamentais específicos para cada
estágio. Dentre os cognitivos, destacam-se: conscientização sobre o problema do
comportamento atual; autoliberação para adotar comportamentos alternativos;
autoavaliação dos custos e benefícios da mudança; autorreavaliação de como o
comportamento afeta seu ambiente pessoal e físico; alívio dramático,
expressando-se em relação ao comportamento indesejado. Quanto aos processos
comportamentais, destacam-se: contracondicionamento, colocando um
comportamento alternativo no “lugar” de outro; controle de estímulos, evitando
situações que levem ao comportamento indesejável; e administração de
contingências, gerenciando recompensa e esforços. Para que a mudança de
estágio ocorra, recomendam-se intervenções periódicas ao longo de seis meses.
Terceiro, reavaliação do estado de prontidão, analisando se houve progressos e,
se for o caso, retomando o segundo movimento.

A falta de motivação para mudar não deve ser tomada como problema de
personalidade. Motivação é um processo dinâmico que oscila de acordo com o
momento de vida. Refere-se ao estado de prontidão para a ação e envolve
aspectos intrínsecos (como desejos, metas e necessidades do próprio sujeito) e
extrínsecos (como anseio por respostas positivas e receio de punições) ao sujeito.
Toral e Slater (2007) destacam as motivações intrínsecas como as mais
relevantes para a mudança de comportamento alimentar, até porque toda
mudança é intencional: para mudar é preciso querer mudar. Já Ludwig et al.
(2010) defendem que a motivação extrínseca tem maior eficácia, e sugerem
realizar ações em grupo: pertencendo a um grupo, sentimo-nos seguros e aptos a
mudar. Para além de suas diferenças, esses pesquisadores concordam ao afirmar
que adotar um discurso condenatório não é eficaz para a mudança, em especial
aqueles pautados em aspectos morais ou os relativos à imagem corporal. A
condenação pode ter efeito inverso, gerar reação defensiva do sujeito e bloquear
o estado de prontidão à mudança.

Concordante com essa posição está o Guia alimentar para a população brasileira
(Brasil 2006). Essa publicação traz orientações para promover a educação
nutricional. Incorporamos a leitura ao nosso argumento, em especial, o princípio
do referencial positivo, propondo enfatizar aspectos como as vantagens da
alimentação saudável, dicas práticas e culturas alimentares regionais; o princípio
da explicitação de quantidades, deixando claro não apenas recomendações
qualitativas (o que comer), mas quantitativas (quanto comer); e o princípio da
abordagem multifocal, considerando o ato da alimentação como parte do
cotidiano social do comensal.
Realizando um mapeamento de jogos com conteúdo nutricional, observa-se que
boa parte não segue os princípios do Guia (Brasil 2006) e prioriza a linguagem
técnico-acadêmica mesmo quando se dirige ao público infantil. Exemplo é o
Roda de alimentos (Njogos 2008), em que o jogador deve nomear os grupos
alimentares (leguminosas, leite e derivados, entre outros) dos alimentos
dispostos em um círculo fatiado, que representa os percentuais da recomendação
de consumo. A estrutura circular da imagem é uma atualização da “pirâmide de
alimentos”, presente em jogos como Zuzubalândia: O jogo da pirâmide dos
alimentos (Iguinho s.d.), pois resolve o problema da representação piramidal, de
posicionar no topo o grupo alimentar que deve ser menos consumido. Contudo,
segue abordando o alimento de uma perspectiva técnica, e não a alimentação do
público-alvo do jogo.

Os exemplos citados têm sua importância como iniciativas que promovem a


compreensão dos grupos alimentares, mas não numa via de educação nutricional
e de mudança de comportamento alimentar. Como afirma Maria Cristina Boog
(1997, p. 10), “(...) a Educação Nutricional não é transferência de informações
sobre valor nutritivo ou sobre técnica de preparo de alimentos, (...) o educador
deve ‘criar o desejo’ no educando de mudar a sua alimentação”, ou melhor, de
melhorá-la em relação ao ponto em que está, e não em relação a um ideal.

Há iniciativas de health games que enfocam processos cognitivos e


comportamentais de promoção da mudança alimentar. Contudo, a retórica
condenatória, não recomendada no Guia (Brasil 2006), é recorrente entre elas.
Exemplo é o FatWorld (Persuasive Games 2008), elaborado para promover a
alimentação saudável e a prática de atividade física entre crianças norte-
americanas. O jogo tem jogabilidade mais complexa do que os jogos
supracitados, envolve um avatar e traz uma série de recursos de interface que
exige do jogador certa familiaridade com jogos casuais, o que é coerente com o
perfil do público-alvo. Contudo, o avatar foi desenhado de forma pouco
empática. É uma figura grotesca, com abdome distendido, bochechas
desproporcionais, postura desconjuntada e olhos esbugalhados. O fatalismo do
personagem inicial – que passa por melhoras na medida em que o jogador
progride na jogada – é reafirmado no emblema do jogo: “Em forma ou gordo?
Viver ou morrer? Você decide” (Persuasive Games 2008).[61]
Seriam essas representações fecundas para proporcionar jogadas-aprendizagens
significativas?

Em nosso caso, avaliamos que não. Optamos por não representar os efeitos da
alimentação inadequada por meio da obesidade. Problemas de saúde decorrentes
da alimentação inadequada podem não gerar ganho de peso, assim como, nem
sempre, a melhora da alimentação e do quadro de saúde implicam perda de peso.
Apesar de a obesidade ser uma doença crônica e cada vez mais presente, também
entre as crianças (OMS 2002), o melhor é promover a mudança alimentar antes
de a doença se instalar. Ou seja, precisamos sensibilizar até mesmo aqueles que
sequer temem essa doença.

Consolidando o conceito de health game

Valendo-nos das pesquisas com o público, desenhamos uma estrutura de jogada


na qual o tempo dispendido em animações é equivalente ao demandado em
situações interativas. O jogo tem minigames dinâmicos, mas que exigem pouca
destreza com os periféricos (mouse e teclado). Por exemplo, um desafio de
corrida em que o avatar precisa coletar cestas de alimentos e evitar colidir com o
boss da vez (personagem a ser vencido naquele momento). A interface de jogo
tem recursos recorrentes em jogos digitais (ficha do avatar e painel de
atividades), mas as funcionalidades incluídas nesses recursos são compatíveis
com sujeitos não gamers que testaram o jogo durante o desenvolvimento.

Tendo em vista o interesse por animações narrativas, optou-se pelo gênero de


jogo de RPG (role-playing game, ou jogo de interpretação de papéis). Ao
interpretar um personagem (o avatar), o jogador dialoga com outros
personagens, incluindo uma mascote que exterioriza a consciência do avatar e
seus processos de tomada de decisão. Assim, o jogador vivencia as diferentes
facetas, dificuldades e recompensas do processo de mudança de comportamento
alimentar.

Adotando o princípio da abordagem multifocal do guia alimentar (Brasil 2006),


criamos situações dramáticas que têm como referência depoimentos de sujeitos
com perfil afim ao do nosso público-alvo. Oferecemos ao jogador opções de
customização de avatar que geram um personagem com sobrepeso, mas que está
longe de caracterizar um quadro de obesidade. Abordamos questões delicadas
relacionadas à percepção corporal, mas sem denegrir a imagem corporal do
avatar. Por exemplo, em certo momento, o avatar das mulheres-jogadoras se
depara com o problema de prisão de ventre – algo recorrente entre pessoas que
consomem poucos FLV, em especial entre mulheres. Como a regularização do
funcionamento do intestino é algo que ocorre rapidamente e em boa parte das
pessoas que adotam o consumo recomendado de FLV, abordar esse problema é
uma forma de promover a empatia e explicitar a relação entre mudança alimentar
e saúde.

Outro elemento estrutural do conceito que foi inspirado no guia (ibid.) é a


definição de quantidade e qualidade de consumo alimentar a ser promovido. Tal
princípio reafirma o modelo transteorético quando este preconiza que o
comportamento a modificar deve ser traduzido em uma meta clara e objetiva,
que possa ser agenciada pelo próprio sujeito, sem o auxílio de um especialista.
Foi por isso que o objetivo geral do projeto (promover a alimentação saudável)
passou por recortes metodológicos (promover o consumo de FLV) e foi
traduzido em termos concretos: comer três porções de fruta e três porções de
legumes ou verduras por dia.17 Isso define a própria meta que o avatar deve
realizar em cada dia de jogo.[62]

A missão geral do jogador é ajudar seu avatar a conquistar um melhor estado de


saúde, algo que se realiza de uma jogada a outra. O avatar realiza em seu dia a
dia mudanças pequenas e recorrentes que têm impacto em seus hábitos
alimentares. Faz isso enfrentando situações e personagens que representam as
barreiras à mudança. Ao vencer as barreiras, conquista as cobiçadas porções de
FLV que precisa consumir.

O progresso do avatar é explicitado em um sistema de recompensa de caráter


quantitativo e qualitativo. O avatar tem quatro atributos (conhecimento,
disposição, saúde e autocontrole) a serem desenvolvidos, cada qual em escala de
zero a dez. Também tem um placar geral, cuja pontuação pode chegar a 2 mil
pontos no último dia de jogo. O jogador marca pontos e desenvolve os atributos
à medida que vence os desafios. Quanto mais o jogo avança, mais pontos por
desafio o jogador marca. Quanto à progressão nos atributos, ela se dá de forma
coerente com a etapa do processo da mudança representado em cada dia de jogo.
Nos primeiros dias, o avatar desenvolve apenas disposição e conhecimento; a
partir do terceiro dia, começa a desenvolver saúde e autocontrole, atributos que
se evidenciam da metade para o final do jogo.

Além de se relacionar com o avatar, em alguns momentos pontuais, o jogador se


relaciona com um personagem-mentor, a nutricionista. Ela se encontra num
outro plano narrativo e faz a mediação entre o contexto institucional (da
indústria) e o que se passa na cidade virtual onde vivem o avatar e os demais
personagens. O enredo que envolve a nutricionista simula uma situação de
promoção de saúde na indústria. Mesmo não havendo pontuação nessa parte do
health game, o jogador tem metas a cumprir e, assim, fornece informações que
nos permitem avaliar o progresso de sua aprendizagem nos três indicadores da
tecnologia (conhecimento, estágio de mudança e consumo alimentar). A forma
como as informações são solicitadas e fornecidas pelo jogador não reduz o
recurso a um instrumento de verificação, pelo contrário, reafirma a coerência
narrativa e inclui feedbacks que promovem a tecedura de reflexões e o
engajamento por parte do jogador.

Por exemplo, com referência ao indicador consumo alimentar, tomamos como


base um método amplamente usado para avaliar consumo em nutrição clínica: o
recordatório de 24 h[63] (Costa et al. 2006). Em nutrição clínica, a efetividade
do método depende da predisposição do entrevistado a rememorar o que comeu,
assim como da capacidade do entrevistador de estabelecer um diálogo
motivador. Então, nosso desafio consistia no modo de impregnar o recordatório
digital com a dimensão dialógica da entrevista em seção clínica. Para isso,
criamos um álbum de fotos a ser montado, reproduzindo cada refeição realizada
no dia anterior (Bahia et al. 2014).

A interface foi pensada para ajudar o jogador a: visualizar o seu dia alimentar em
uma linha do tempo que funciona como menu de navegação pelo álbum;
contextualizar cada refeição, pois a tela de montagem do prato tem cenário
dinâmico, que reflete informações relatadas pelo jogador sobre o contexto da
refeição (quando, onde, com quem e fazendo o que); refazer o prato da refeição,
pois a montagem das refeições tem mecânica e interface semelhante a
minigames de culinária, mas as 150 opções de alimentos foram baseadas na
tabulação de seis meses de cardápio e em fotografias de pratos de restaurante de
uma indústria.

Cada comida incluída pelo jogador gera um registro no log, que descreve a
quantidade de porções de FLV consumidas. Então, o sistema gera um valor para
o indicador consumo alimentar para esse usuário, que será cruzado com outro
valor de consumo coletado desse mesmo usuário no sexto mês de intervenção.
Os processos de avaliação nos demais indicadores seguem abordagem
semelhante.

Alguém poderia questionar: não seria mais simples fornecer um formulário


listando o nome dos alimentos que interessam para a análise e pedir ao jogador
que assinalasse o que comeu, em vez desse recordatório digital? Seria mais fácil,
mas dificilmente teríamos um recurso efetivo de avalição. Isso porque a
efetividade de um processo de avaliação depende de sua proximidade com o
processo de aprendizagem, e vice-versa (Gee 2004).

Quando a meta de aprendizagem é uma mudança de comportamento, tal


proximidade é evidenciada. A avaliação é realizada sem ser nomeada como tal.
Como defende Gee (2004), avaliar é uma prática “natural” que permeia as ações
e aprendizagens humanas. Estamos constantemente julgando nossos progressos
naquilo que fazemos, procurando estimar quão efetivas são tais práticas na
direção daquilo que buscamos. Avaliando, temos condições de planejar e adotar
ações diferentes, empenhar-nos em fazer melhor. Melhor? Sim, em relação aos
critérios adotados para nortear e avaliar o que estamos fazendo, pois toda
aprendizagem e avaliação são baseadas em um “sistema apreciativo”,[64] um
conjunto de valores e critérios composto por fatores cognitivos, emocionais e,
também, comportamentais.

Os critérios avaliativos que utilizamos foram desenhados tendo em vista o


cenário científico, institucional e nacional de promoção da saúde no qual o
referido jogo se insere. Até mesmo os valores utilizados no processo de
avaliação foram pensados contextualmente, não apenas levando em conta
contribuições de pesquisas científicas recentes, como a análise de dados
coletados com o público. Assim, buscou-se acarear as convenções, amadurecer a
estratégia avaliativa e conferir maior coerência e consistência ao jogo.

É sabido que avaliar critérios de avaliação, até sua última instância, coloca-nos
diante de um caleidoscópio infinito de valores, evidencia a impossibilidade de
compreender o que está sendo avaliado em uma suposta completude. Como
ponderou Douglas Hofstadter (2001, p. 209) com o teorema da incompletude:
“Você não pode defender seus padrões de raciocínio indefinidamente. Chega um
ponto onde a fé toma o comando”. Porém, não nos deixemos atordoar.
Reconhecer a parcialidade dos critérios e valores adotados em nosso processo
avaliativo não privou nosso público de uma experiência de aprendizagem
significativa, por mais paradoxal que isso seja. A parcialidade apenas evidencia
o caráter multifacetado e transbordante de todo conhecer. Como diz uma máxima
de John Dewey (1997), o objeto e a recompensa de toda aprendizagem são a
própria capacidade de crescimento contínuo do sujeito.

Para concluir o relato, vale dizer que o jogo “Nutrição em jogo” se mostrou
atrativo e amigável ao público não gamer que tínhamos em vista. No total das
jogadas realizadas (cerca de 1.500), não chegaram a 30 as situações em que um
jogador levantou a mão para solicitar ajuda. Todos os que iniciaram as jogadas
as concluíram e o placar de pontuação dos jogadores foi alto (variou de 1.650 a
2.000). A evasão foi baixa, se considerarmos o tempo da aplicação-piloto (seis
meses) e a rotatividade daquele ambiente de trabalho. Trata-se de uma conquista
resultante, entre outras coisas, das pesquisas de pré-produção aqui apresentadas.

Considerações finais

Jogar é uma experiência cultural. Portanto, é interessante que os jogos digitais


por nós jogados e desenhados dialoguem com outras experiências que vivemos,
que estejam embrenhados na trama plural e sempre mutante da cultura. Schell
(2015) chega a propor que conceitos de jogos sejam criados com base em
experiências significativas que o game designer vivencie em seu cotidiano,
adaptando-as para dispositivo que proporcione experiência semelhante aos
jogadores. Essa ideia de compartilhamento de experiências significativas ecoa
nas reflexões de Klopfer, Osterweil e Salen (2009), quando propõem que jogos
educativos sejam concebidos para trazer à tona os secretos sabores de cada
saber; sabores que os especialistas de cada conteúdo já experimentaram, mas que
nem se dão conta de que se trata de algo a ser compartilhado com os jogadores-
educandos.

Dar forma a jogos educativos que tenham sabor nem sempre é fácil. Gee fornece
uma pista, tomando como referência jogos comerciais: os bons jogos digitais são
sistemas que motivam, promovem e avaliam a aprendizagem, simultaneamente
(Gee 2005). Esse sistema se mostra nas regras do mundo do jogo, nos
dispositivos de progressão da jogada e de recompensas ao jogador, além de
tantos outros elementos ligados à resolução de problemas que o jogador enfrenta
jogando. Entretanto, é comum encontrarmos jogos digitais educativos nos quais
a lógica do sistema não está alinhada com o propósito educacional, jogos nos
quais os critérios de aprendizagem-avaliação implícitos ao sistema não são
coerentes com os fundamentos teórico-metodológicos da iniciativa educativa a
ser realizada, jogos cujo objetivo educacional nem sequer está representado na
meta do jogador. Tais características, infelizmente, geram um descolamento de
camadas na experiência da jogada, dissipando a densidade do jogo.

Desenhar conceitos de jogos educativos que proporcionem experiência cultural e


aprendizagem significativas é busca constante de quem atua na área. Cada saber
tem seu sabor; cada contexto educacional tem suas especificidades; cada
conceito de jogo tem consistência própria. Portanto, não dispor de “tecnologia de
ponta” não é problema. Importante é definir um escopo compatível com os
recursos que se tem (econômicos, humanos, de tempo e de infraestrutura), buscar
soluções simples. Isso não significa contentar-se com soluções simplórias, mas
agenciar expectativas e buscar uma forma consistente de colocar um conceito em
vias de fato. Assim, independentemente da tecnologia utilizada, é possível
desenvolver jogos digitais que se apresentem como “conhecimento de ponta”.

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5
OS DESAFIOS E AS POSSIBILIDADES DE UMA PRÁTICA
BASEADA EM EVIDÊNCIAS COM JOGOS DIGITAIS NOS
CENÁRIOS EDUCATIVOS

Isa de Jesus Coutinho

Lynn Alves

A escolha do tema se deu pelo desafio de discutir uma das grandes inquietações
de professores, pesquisadores e especialistas sobre que evidências de
aprendizagem os jogos digitais trazem e como podemos identificar suas
contribuições nos cenários educativos. Cenário educativo aqui compreendido
como o espaço escolar formal.

De forma elementar, o termo evidência significa busca pela clareza, veracidade e


o destaque que as informações adquirem em distintos contextos. Do ponto de
vista científico, trata-se de um conjunto de informações utilizadas para confirmar
ou negar uma teoria ou hipótese por meio de pesquisas.

Para que uma informação constitua evidência, deve ser considerada uma série de
critérios. Em primeiro lugar, a determinação de sua relevância. Uma afirmação,
uma hipótese ou uma proposição deverá ser apresentada e, para tanto, são
necessários dados para sustentá-la. A evidência potencial também deverá ser
suficiente, ou seja, analisada junto com outras informações, a fim de determinar
seu lugar na sustentação da afirmação. Por fim, devemos tomar decisões sobre a
veracidade das informações, que aqui podemos resumir como a necessidade de
evidências que corroborem as suposições (Thomas e Pring 2007).
Na tabela abaixo, sintetizamos os critérios indicados acima.

Tabela 1. Critérios para avaliar as evidências

CRITÉRIO
Relevância Suficiência Veracidade Estabelecer que a informação pode se constituir a favor (ou
Fonte: Thomas e Pring (2007).

Do ponto de vista prático, a busca por evidências, além de permitir uma


discussão epistemológica sobre determinada informação, também contribui para
subsidiar a tomada de decisão sobre uma condição ou intervenção. Uma prática
baseada em evidências, em particular de efetividade, seja ela de caráter
educativo, de saúde ou de qualquer outro tipo, está pautada na constatação de
que os objetivos propostos foram alcançados e, como consequência, de que seus
resultados foram relacionados a essa prática ou a outra situação controlada,
provocaram um resultado relevante na vida das pessoas e do seu entorno por um
longo período de tempo. Todos esses aspectos devem remeter, ainda, à relação
custo-benefício. Isto é, à obtenção de resultados que possam ser ampliados e
dimensionados (Kazdin e Weiss 2003). Além disso, as evidências podem
assumir formas e valores distintos em variados contextos e lugares, o que
sinaliza a necessidade de uma avaliação crítica nos processos de pesquisa e
investigação, com o cuidado de não se limitar apenas à validade metodológica
das evidências, mas estabelecer a possibilidade de sua aplicação prática.

Os jogos digitais, por sua natureza complexa e multifacetada, atrelada a suas


características de elemento dinâmico e híbrido, tornam complexa a metodologia
para sua análise e, como consequência, a busca por evidências de efetividade em
qualquer âmbito. Como destaca Aarseth (2003), os jogos digitais consistem num
conteúdo não efêmero de caráter artístico, interdisciplinar, composto de palavras,
sons e imagens, o que configura um grande número de razões e tipos de
investigações a ser desenvolvido, com resultados e desfechos diversos. As
distintas maneiras de compreender e interagir com tais artefatos lúdicos e as
situações dinâmicas e plurais que se apresentam nos processos educativos, que,
ao contrário das ciências ditas naturais, são pouco comparáveis ao isolamento
laboratorial, tornam desafiadora a prática baseada em evidências.

Este capítulo tem como objetivo estimular a discussão sobre aspectos relativos a
evidências de aprendizagens mediadas pelos jogos digitais e suas implicações
nos cenários de educação formal. Partiremos de rápida explicitação conceitual
do termo evidência, desde o enfoque filosófico ao científico, seguida da
experiência da medicina, ampliando nosso olhar para a educação. Um breve
contexto sobre jogos digitais, evidências de aprendizagem e aspectos
metodológicos será apresentado com base em possibilidades e limitações. Esses
e outros pontos estarão detalhados ao longo do texto, com o cuidado de
reconhecer que a discussão que aqui propomos tem se tornado crescente, e como
tal, não nos cabe dar a palavra final. Além disso, as limitações dos estudos
existentes, em razão da “novidade” do tema, especificamente a relação das
evidências com os jogos digitais, têm fomentado o direcionamento para um
percurso bastante desafiador e complexo.

O que são evidências?

Como relembram Pereira e Veiga (2014), qualquer observação constitui uma


evidência, seja de maneira sistemática ou não. A busca por evidências também
significa a busca pela verdade, pela crença ou veracidade de uma proposição.
Para a filosofia, que também dialoga com as afirmações anteriores, a suficiência
da informação é um dado relevante na força ou no valor da evidência. Isso
significa em que medida a evidência pode ser considerada forte, frágil ou
conclusiva, ou seja, o que pode ir além da informação. Complementando esses
aspectos, Thomas e Pring (2007) alertam para a necessidade de considerar o
contexto social e interpretativo em que as evidências se apresentam, o que
determina não apenas sua qualidade, mas também sua validade.

Ao analisar o percurso do termo evidência ao longo dos tempos, Silva et al.


(2014) identificam na filosofia analítica contemporânea duas escolas sobre a
natureza conceitual do termo evidência. A escola evidencialista e a escola
confiabilista. A primeira considera a posse da evidência como crença, já que a
justificação do conhecimento é interna, subjetiva, mediada pelos sentidos e,
como tal, de um conteúdo mental, e a filosofia é sua principal base teórica. A
segunda, a confiabilista, acredita na busca por evidência mediante um processo
externo. A crença, para ser justificada, precisa de um percurso confiável, que
apresente resultados fidedignos e justificados, em que prevaleça o rigor
científico.

A prática baseada em evidência, em particular na medicina, fundamenta-se na


escola confiabilista. A medicina baseada em evidências (MBE) conduz sua
prática para a busca de fontes confiáveis que as justifiquem (evidências
externas), em detrimento das crenças internas. Para tanto, concentra seu
investimento investigativo em métodos que lhe ofereçam critérios de
cientificidade e confiabilidade, como, por exemplo, os ensaios clínicos
randomizados, a revisão sistemática e as metanálises. Em linhas gerais, tem uma
prática clínica baseada na informação acadêmica norteada pelas melhores
evidências científicas disponíveis.

Para Silva et al. (2014), complementando as afirmações anteriores, a MBE tem


como critério a busca da maior certeza para determinadas hipóteses, apoiada em
evidências externas, cuja análise é feita com rigor previamente estabelecido.
Nesse contexto, o conceito de evidência adquire um sentido objetivo,
direcionado para a verdade e isento de possíveis distorções. Dito de outro modo,
tem uma conotação ideal e puramente científica, uma maneira de justificar ou
validar as proposições.

Por outro lado, os autores alertam para o fato de que, ao fundamentar seus
processos mais representativos na bioestatística, os resultados serão sempre
probabilísticos, o que significa, de fato, a necessidade de uma postura crítica por
parte do médico, não restrita apenas ao aspecto metodológico das evidências,
mas extensiva à possibilidade de aplicação prática em uma determinada situação
clínica. Uma espécie de diálogo entre “a arte da experiência construída” e a
ciência revelada, pois a evidência isoladamente não é suficiente para a tomada
de decisão.

A utilização do termo evidência e suas conotações tem se expandido para várias


áreas da saúde, da economia, da educação, do direito, da assistência social e dos
negócios. A educação baseada em evidências (EBE) ou “o que funciona em
educação” são terminologias alargadas desse cenário. Nessa lógica, novos
desafios se apresentam, na pretensão de explorar o efeito de intervenções e
práticas nos cenários educativos, buscando estimar os seus efeitos, estejam eles
no âmbito das tecnologias, e aqui situo os jogos digitais, ou em qualquer tipo de
método que explore a melhor evidência disponível.

Educação baseada em evidências

O processo educativo tem como questão central a aprendizagem e seu correlato


mais próximo, o ensino. Diante disso, a EBE, como orienta Oliveira (2014),
refere-se a conclusões baseadas em resultados de estudos científicos, ou seja, a
descoberta, as causas e os fenômenos que podem melhorar os aspectos
educacionais, como, por exemplo, uma criança aprender de forma mais rápida ou
com mais facilidade.

A EBE também pode ser compreendida como o conjunto de “(...) experiências


científicas e empíricas obtidas respectivamente por meio de estudos sólidos e
instrumentos como testes, avaliações e conhecimentos sobre as melhores
práticas” (ibid., p. 11). Ainda sobre a EBE, Oliveira identifica a busca por
argumentos racionais, com base científica, para promover uma educação de
melhor qualidade.

O autor também pondera e reconhece seu aspecto controverso, da filosofia à


ciência, no sentido da veracidade científica para determinar as relações de causa
e efeito, em particular na educação. Chama atenção para a importância de tal
debate e deixa clara a validade dos esforços e das conclusões provisórias que a
ciência tem a comunicar aos educadores e ao país. Além disso, alerta que o
movimento da EBE tem suscitado o surgimento de diversas fontes de referência
sobre vários temas do mundo da educação, desde a avaliação de macropolíticas
até detalhes do processo de aprendizagem.
Para Thomas e Pring (2007), que consideram na EBE a importância da natureza
e do valor da evidência para aprimorar a prática educativa, há muitos tipos de
evidências disponíveis aos profissionais na sustentação das ideias e suposições
que surgem na prática docente. Dão como exemplo as observações de
documentos, os discursos reflexivos e os variados tipos de pesquisa. Para esses
autores, o que difere a prática baseada em evidência na educação de outras áreas,
como a jurídica, as ciências naturais e as humanidades, é o tipo de raciocínio que
estimula a busca, a reunião e a discriminação de evidências intuitivas, que reside
no conhecimento pessoal e tácito. Um tipo de conhecimento que provém dos
sentidos.

Slavin (1984) faz uma distinção central entre evidências de pesquisa e


evidências oriundas da experiência profissional ou pessoal. Muito embora, ao
reconhecer a existência de vários tipos de evidências, faça uma observação
quanto àquelas oriundas de pesquisas, por seus critérios mais delineados e sua
importância como caráter fidedigno em relação aos outros tipos. Destaca, ainda,
que, em educação, pouco se tem investido nesse caminho, o que poderia ser uma
estratégia para estudos que buscam estabelecer conexões causais e especialmente
para avaliações de inovações educacionais.

Jogos digitais e evidências de aprendizagem

O debate sobre a EBE tem se centrado em particular no que “funciona em


educação”. Muito embora não seja de nosso interesse aprofundar esse tema nem
defender essa premissa, identificamos que, dentre os desafios educacionais que a
contemporaneidade apresenta, trata-se de buscar provar, evidenciar e solidificar
as contribuições das tecnologias, em especial dos jogos digitais, como
mediadoras ou potencializadoras de aprendizagem, ou seja, o que funciona na
relação jogos digitais e aprendizagem.
Um crescente número de pesquisadores tem se concentrado no estudo dos jogos
digitais. A aprendizagem é o foco da maioria de suas investigações, a exemplo
de Moita et al. (2013), Petry et al. (2013), Prensky (2012), Eguia-Gómez et al.
(2012), Gee (2004; 2010), Alves (2005; 2008a; 2008b; 2009; 2012; no prelo),
Perrotta et al. (2013), Tobias, Fletcher e Wind (2014), All, Castellar e Looy
(2014), Alves et al. (2014), entre outros. Esses estudiosos, por sua vez,
consideram os aspectos da interação com os jogos digitais e trazem concepções,
princípios e percepções sobre tais artefatos lúdicos.

Ao analisarmos algumas das produções sobre o tema, identificamos duas


tendências que parecem direcionar tanto os estudos estrangeiros quanto os
nacionais. A primeira parece estar pautada na necessidade de identificar quais
evidências de aprendizagem devem ser exploradas para estabelecer a efetividade
dos jogos, como os trabalhos de Perrotta et al. (2013); Tobias, Fletcher e Wind
(2014); All, Castellar e Looy (2014); Espinosa, Eguia-Gómez e Hildebrandt
(2013); Eguia-Gómez et al. (2012); Marques, Silva e Marques (2011); Souza,
Rios e Alves (2010); Neves et al. (2010).

A segunda tendência decorre da anterior e versa sobre o crescimento no


desenvolvimento de metodologias na exploração de evidências. Dentre elas, os
estudos iniciados por Konzack (2002) e Aarseth (2003), considerados os
pioneiros no assunto. Esses autores, embora não estivessem focados na
aprendizagem, contribuíram para investigações futuras, como as realizadas por
Consalvo e Dutton (2006), Freitas e Oliver (2006), Malliet (2007), Mohamed et
al. (2010), Savi (2010), Medeiros e Schimiguel (2012), Dias et al. (2013), Petry
et al. (2013), que, de forma geral, vêm se constituindo como um campo em
expansão. Outra referência é Alves (2015), que apresenta e discute a trajetória
metodológica das investigações realizadas pelo grupo de pesquisa Comunidades
Virtuais, a fim de analisar as evidências da aprendizagem mediada pelos games.
A investigação desse grupo tem uma base qualitativa que analisa os indícios
dessa aprendizagem pela escuta dos sujeitos, pela observação da interação com
os jogos digitais, bem como pela análise de conteúdo dos jogos pesquisados.
As publicações estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, seguidos por
Canadá, Reino Unido, Bélgica, Dinamarca e Austrália, centram-se nos estudos
de base quantitativa, com maior foco nas revisões sistemáticas. As revisões
sistemáticas são tipos de publicações que integram os resultados de análises de
dados de pesquisas primárias, publicadas ou não, que incluem também anais e
livros, desde que organizados com métodos científicos claros e rigorosos. O
objetivo desse tipo de estudo é levantar o que vem sendo pesquisado sobre
determinado tópico e, assim, direcionar novas pesquisas primárias nas áreas em
que haja uma lacuna na base de evidências.

A metanálise, que analisa estatisticamente os resultados das revisões


sistemáticas, quando possível, também tem sido uma metodologia bastante
utilizada por pesquisadores do tema. O objetivo desse tipo de método é
identificar o poder estatístico de cada estudo e sua interferência no resultado
final.

Diferentemente dos anteriores, os estudos randomizados controlados ainda são


pouco explorados. Esse método, por meio de situações experimentais, tem o
propósito de testar a eficácia de uma dada abordagem, intervenção ou prática ou
os efeitos secundários de um tratamento. Dentre as produções pesquisadas,
destacamos algumas delas.

Perrotta et al. (2013) desenvolveram um estudo de revisão sistemática sobre


jogos digitais e aprendizagem, envolvendo 485 publicações distribuídas entre
pesquisas, livros e literatura especulativa, no período de 2006 a 2012. O objetivo
foi investigar o impacto e os tipos de valores educativos proporcionados pelos
games nos contextos educativos. Os principais resultados revelaram a
capacidade dos jogos digitais de desenvolver o raciocínio lógico, proporcionar
um controle maior do aprendizado pelo aluno e melhorar a autoestima,
potencializada pelo entusiasmo e engajamento (Annetta et al. 2009; Fengfeng
2008; Kebritchi, Hirumi e Bai 2010; Liu, Chen e Huang 2011; Papastergiou
2009; Vos, Van der Meijden e Denessen 2011; Yang 2012). Foram identificadas
contribuições na resolução de problemas e na aquisição de novos conhecimentos
(Brom, Preuss e Klement 2011; Chuang e Chen 2009; Huizenga et al. 2009;
Papastergiou 2009). Os estudos ainda apontaram o potencial do jogo na
abordagem de vários temas, inserindo-os de maneira descontraída em situações
importantes para a formação do aluno como cidadão (Chuang e Chen 2009;
Kebritchi, Hirumi e Bai 2010).

Tobias, Fletcher e Wind (2014), com o objetivo de investigar o crescente corpo


de evidências empíricas sobre a eficácia do uso de jogos de computador para
fornecer instrução, focaram sua análise nas publicações que discutiam a
transferência da aprendizagem mediada pelos jogos para situações externas, tais
como melhoria nos processos cognitivos, nas atividades de vida cotidiana e na
integração entre o tempo de jogo e os objetivos curriculares. Para esses autores,
que investigaram 95 estudos, de 1997 até 2011, as conclusões identificaram que
o desenho instrucional do jogo, ou seja, seu projeto, pode ser uma alternativa que
propicie aprendizagens, desde que estejam de acordo com o que as pessoas
possam aprender e precisem saber, integrando aspectos motivadores ao desenho
instrucional adequado às situações do dia a dia.

All, Castellar e Looy (2014), ao analisar as metodologias utilizadas para avaliar


a eficiência e a eficácia da aprendizagem baseada em jogos digitais,
principalmente naqueles voltados para uma área específica de conhecimento,
fizeram um levantamento de 54 produções literárias desenvolvidas de 2000 até
2012. Essas produções incluíram estudos de desenhos variados, com prevalência
da abordagem quantitativa, em sua maioria localizados em ambientes de
educação formal de aprendizagem. As principais conclusões identificaram como
um dos pontos críticos a ausência de métricas e testes estatísticos que
permitissem apurar a eficiência e eficácia da aprendizagem mediada pelos jogos
digitais.

Esses autores consideraram, ainda, os estudos de caso controle, nos quais


identificaram uma importante fragilidade, principalmente na definição do tipo de
atividade para o experimento. Tal problemática é considerada por eles como
possível fator de confusão na interpretação das evidências apresentadas pelas
pesquisas. Dados similares também foram encontrados por Perrotta et al. (2013),
ao apontar incoerências conceituais relativas aos jogos digitais, imprecisão na
seleção das amostras e no contexto em que a pesquisa foi realizada, além de falta
de dados referentes ao processo de realização do estudo.

Os estudos qualitativos, principalmente aqueles que utilizam estudos de caso,


observação participante, grupo focal e análise do discurso, são os mais
frequentes entre os estudos europeus, em particular de Espanha e Portugal, o que
também ocorre no Brasil. A seguir, apresentaremos alguns deles.

Espinosa, Eguia-Gómez e Hildebrandt (2013) e Eguia-Gómez et al. (2012), em


um estudo realizado com alunos espanhóis, concluíram que a interação com os
jogos pode indicar maior motivação dos estudantes para o aprendizado. De
acordo com os autores, tal fato pode estar relacionado às novas experiências, que
estimulam e provocam a colaboração e as conexões pessoais, além de constituir
estratégia interessante para o desenvolvimento de competências, não só pela
motivação que os jogos podem gerar, mas, também, pelo tempo de diversão que
proporcionam aos educandos. De igual modo, Marques, Silva e Marques (2011),
com alunos do ensino básico de uma escola portuguesa que atende da pré-escola
ao nono ano, apresentaram dados que evidenciam melhor desempenho em
tarefas que exigiam atenção e concentração, assim como nas atividades do dia a
dia, além da escola.

Uma pesquisa exploratória desenvolvida por Souza, Rios e Alves (2010), em


uma escola de Salvador, na Bahia, com o jogo Búzios: Ecos da liberdade,[65]
envolvendo alunos da quinta série do ensino fundamental, revelou dentre as
possibilidades dos jogos nos cenários educativos sua contribuição como veículo
de informações e conceitos que podem possibilitar a construção de diversos
sentidos, dentre eles o de valorização da cultura e da própria realidade cotidiana
dos educandos. Para os pesquisadores, é um tipo de fruição cultural e de resgate
social. Outra experiência brasileira, com alunos de graduação e professores,
coordenada por Neves et al. (2010), com o jogo Tríade: Liberdade, igualdade e
fraternidade,[66] contribuiu para a conclusão de que o jogo pode ser um aliado
no ensino e aprendizagem de história.

Ao analisarmos as produções descritas, identificamos que a busca de evidências


de aprendizagem mediada pelos jogos digitais tem sugerido um movimento
originado por pesquisadores de diversos âmbitos, na tentativa de encontrar a
melhor evidência possível, independentemente do percurso metodológico ou do
contexto. Essas produções, embora ainda com resultados inconclusivos e
controversos, como identificam Perrotta et al. (2013) e All, Castellar e Looy
(2014), estão suscetíveis em suas concepções metodológicas, pois o grande
desafio ainda é definir, caracterizar e validar as diversas formas de avaliar um
jogo digital diante de sua atividade complexa e multifacetada.

Nesse aspecto, na tentativa de delinear caminhos sobre as possibilidades de


análise de tais artefatos lúdicos, encontramos roteiros, perspectivas, taxonomias,
parâmetros, apontamentos, todos com o propósito de conhecer, avaliar e, por
fim, consolidar as reais contribuições dos jogos digitais para a aprendizagem.
Seja por questões epistemológicas, conceituais ou práticas, na maioria das vezes,
ora eles se distanciam, ora se aproximam.

Não é de nosso interesse, neste momento, aprofundarmo-nos nesse tema, mas


consideramos alguns problemas que atingem os percursos nacionais e
internacionais.

Fazendo ressalva sobre a validade das investigações sobre as metodologias de


avaliação e análise dos jogos que vêm sendo desenvolvidas, é possível
identificar aspectos que ainda precisam ser ampliados, investigados ou
descobertos, considerando a constante disseminação de tal conhecimento, como,
por exemplo, a necessidade de reprodutibilidade do que vem sendo pesquisado e
construído. Isso significa, de fato, a extensão para outras realidades além daquela
de origem. Uma vez indisponíveis para outros contextos, torna-se difícil
conhecer sua confiabilidade e cientificidade, aspectos necessários em uma
prática baseada em evidências. Uma fragilidade na discriminação de indicadores
para orientar uma prática ou uma intervenção, ponto principal quando se
pretende estabelecer processos avaliativos.

Mais ainda, a construção de uma cultura de avaliação tem convidado os


investigadores a fundamentar seus estudos em teorias já consolidadas no cenário
científico, no intuito de validar suas propostas. No caso dos jogos digitais, como
lembra Aarseth (2003), a característica interdisciplinar parece não permitir um
único caminho de análise, o que, de fato, sugere a contribuição de diferentes
campos de conhecimento, na tentativa de compreendê-los e, assim, analisá-los.

Diante disso, no sentido de estimular uma discussão sobre a cultura de avaliação


dos jogos e, como consequência, contribuir para os fundamentos desse campo
em construção, defendemos uma prática baseada em evidências com os jogos a
partir de três possibilidades.

A primeira converge para a compreensão do jogo digital como algo além de uma
ferramenta tecnológica, um espaço criativo, em que curiosidades possam ser
suscitadas e, ao mesmo tempo, mobilizadoras de outras. O que isso significa?
Significa a busca, o desejo, a mobilização interna, que se evidencia em ações,
atitudes, mudança de comportamento e deslocamento da aprendizagem para
situações do dia a dia.

A segunda se origina da primeira, porém, é mais sistematizada. A melhor


evidência pode estar atrelada ao que Gee (2004; 2010) define como
autogerenciamento da aprendizagem atrelado à cognição situada. A primeira
remete ao processo de autonomia do sujeito ao buscar o próprio conhecimento,
ao passo que a segunda traz a identificação com o universo do aluno/jogador,
numa espécie de mistura do que é vivido com seu dia a dia, bem como com os
processos de identificação com os conhecimentos adquiridos ou descobertos no
processo de jogar. Neste ponto, identificamos a importância de a prática
educativa mediada pelos jogos digitais estar em consonância com as atividades
curriculares, no sentido de compreendê-los como um tipo de linguagem.
Por fim, a terceira, que também envolve as anteriores, embora com rigor
metodológico, discrimina, acompanha, registra, sistematiza e dissemina esse tipo
de conhecimento, não se limitando apenas a dados probabilísticos; é mais
voltada à interlocução entre a arte da docência, atrelada ao conhecimento do
jogo e de suas interfaces, e a especificidade da ciência.

Essas possibilidades, uma vez discutidas e dimensionadas nos cenários


educativos, poderão ajudar na construção de uma prática educativa baseada em
evidências, pois tanto facilitam a validação do que é trazido pelos sujeitos, e aqui
cabe analisar seu discurso e suas impressões, quanto validam em atividades
experimentais ou semiexperimentais a efetividade da aprendizagem mediada
pelos jogos, em consonância com os parâmetros educacionais vigentes.

Considerações finais

A prática baseada em evidências não é algo novo e restrito a uma área específica
de conhecimento, embora a medicina seja seu maior campo de representação. O
que talvez seja novo é a necessidade de buscarmos dados relevantes e de certa
significância para provar e justificar nossos dilemas, necessidades e
possibilidades. Por se fundamentar em dados estatísticos validados, são
reconhecidos como os melhores resultados possíveis ou as melhores evidências.
No caso dos jogos digitais e de suas interações nos processos educativos,
podemos ponderar que há evidências e evidências e, ao mesmo tempo, não há
evidências para tudo o que se busca avaliar.

Mais ainda, os estudos experimentais ou semiexperimentais, comuns nas práticas


baseadas em evidências, podem se tornar mais dispendiosos que aqueles
conduzidos em cenários educativos de forma isolada, já que requerem mais rigor
metodológico, mais tempo de observação para avaliar os resultados de uma
determinada intervenção. Além disso, as questões educacionais são plurais, não
destinadas a aspectos determinísticos ou experimentais.

O que queremos dizer se resume na sabedoria do pesquisador, principalmente


nos aspectos educacionais, e aqui situamos o jogo digital e suas interlocuções, na
discriminação da melhor evidência possível com base em um conjunto de
observações, registros, interlocuções, atividades de jogar e de observar quem
joga, como orienta Aarseth (2003), atrelados ao conjunto de variáveis que possa
contribuir para certo tipo de teste ou de indicador que aponte outros tipos de
evidências, além daquelas que já sentimos, nas quais acreditamos e que podemos
validar.

Contudo, é preciso deixar claro que o movimento aqui proferido pela prática
baseada em evidência não visa privilegiar um determinado tipo de evidência ou
de pesquisa contra as outras fontes, incluindo aí as experiências pessoais. Busca,
sim, um movimento de construção de pesquisas com critérios de sistematização
que privilegiem não apenas as práticas baseadas em evidências, mas as
evidências informadas por interagentes/jogadores no processo de interação. O
que significa a validação de suas narrativas, suas impressões e suas inferências a
respeito do processo de jogar e de suas implicações para além do jogo.
Entretanto, acredita-se que o esforço cotidiano dos pesquisadores em educação
para construir sentidos para os jogos digitais pode contribuir para a efetivação de
práticas mediadas por esses artefatos nos espaços escolares, com base na
necessidade de uma aprendizagem lúdica e divertida.

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6
ENSINO DE HISTÓRIA E VIDEOGAME:
PROBLEMATIZANDO AVALIAÇÃO DE JOGOS BASEADOS
EM REPRESENTAÇÕES DO PASSADO

Helyom Viana Telles

Lynn Alves

Introdução

A discussão teórica que subsidiou a elaboração deste capítulo foi suscitada pelos
resultados parciais de uma pesquisa de pós-doutorado, financiada pela Fapesb-
Capes, que tem como objetivo a análise do jogo Assassin’s Creed II e a
avaliação das suas possibilidades para o ensino de história. Nosso objetivo, aqui,
é demonstrar a existência – e fomentar a discussão – de alguns problemas
epistemológicos específicos relacionados à avaliação de jogos digitais
desenhados para oferecer ao usuário a interação com representações do passado
nas mais diferentes formas midiáticas, a saber: texto, simulação, narrativa e
elementos audiovisuais. É curioso notar que, em contraste com a centralidade
dada a essas questões epistemológicas pelos historiógrafos, esses problemas
ordinariamente não têm sido abordados nas avaliações que os pesquisadores
oriundos do campo da mídia produziram sobre os jogos.

O emprego de um longo título neste capítulo é parte de um esforço para tentar


reduzir a enorme ambiguidade que preenche o campo discursivo que pensa a
relação entre história e videogames. O termo videogame, em si, já é
consideravelmente ambíguo, uma vez que pode ser utilizado para designar tanto
um software como o equipamento ou console que executa as instruções
programadas no software. Defini-lo é, portanto, a primeira tarefa. Entendemos
por videogame, jogo digital ou jogo eletrônico, um software desenhado para fins
de entretenimento em uma ou mais plataformas (console, computador,
smartphone etc.). Ou seja, jogar um videogame implica interagir com esse
software e/ou com outros jogadores por meio dele. O software, portanto, não é o
jogo. O jogo é o que se faz com o software e a partir dele.[67] Diga-se de
passagem, muito pode ser feito com um mesmo software e de várias maneiras
diferentes ou, visto de outro ângulo, muito pode deixar de ser feito com um
determinado software, em razão das limitações técnicas. Nem todos os jogadores
chegam ao final de um jogo (ou escolhem um mesmo final para ele) ou o jogam
do mesmo modo, ou com o mesmo grau de dificuldade. Para muitos deles, jogar
um bom jogo consiste em fazer uso de códigos de trapaça. A diversidade de
possibilidades nos modos de interação com esses softwares lúdicos é uma
importante característica que distingue a experiência de jogo lograda com o
videogame das experiências lúdicas alicerçadas em outros suportes, como os
jogos de tabuleiro, por exemplo.

Diversas também são as fontes que inspiram e orientam a construção de


representações sobre o passado, nos jogos eletrônicos, a exemplo de discursos
científicos, práticas artísticas, literatura, oralidade, cinema, imaginário etc. Isso é
algo muito positivo, uma vez que um livro didático de história, por exemplo, não
é capaz de fornecer ao leitor a interação com formas de mídia mais sofisticadas,
do tipo do vídeo e do cinema.

Já faz algumas décadas que o campo científico da historiografia reconheceu que


a história, como discurso, perdeu o monopólio da produção da descrição legítima
do passado. Esse descentramento abriu espaço para a valorização de outras
formas discursivas, como a memória. Nesse sentido, a posição da adjetivação de
“histórico” para um jogo digital, em vez de lhe conferir valor epistemológico
pode, até mesmo, empobrecê-lo.
Dito de outro modo, não há motivo para supor, aprioristicamente, que as
representações do passado presentes em um determinado jogo digital se
originam, necessariamente, de uma forma de discurso histórico, uma vez que são
inúmeras as maneiras de conhecermos o passado (Lowenthal 1998). Ao
contrário, sustentamos que a problematização e busca pela identificação da fonte
dessas representações devem ser exatamente uma etapa constitutiva do processo
de avaliação desse jogo e, como é impossível partir de onde queremos chegar, é
preciso evitar adjetivar aprioristicamente tais jogos como “históricos” ou history
games.

Por outro lado, é preciso reconhecer que a discussão sobre a caracterização


histórica de um videogame é uma preocupação recorrente na literatura que os
historiadores têm produzido sobre o tema, sobretudo, quando a intenção em tela
é avaliar a possibilidade da utilização dele para mediar processos de ensino e
aprendizagem de história. Nessa abordagem, um jogo histórico é compreendido
como um produto devidamente qualificado para desempenhar esse papel
mediador. Essas questões serão discutidas detalhadamente mais adiante. Por ora,
é preciso notar que a avaliação de jogos para o ensino de história traz à tona
discussões específicas, inerentes à teoria da história e à didática da história.

As aporias da avaliação de videogames para fins educacionais

O início da produção intelectual que propunha a ideia do uso de jogos digitais


para fins de ensino e aprendizagem remonta ao final do século XX, com o
trabalho de Abt (1970). Segundo Egenfeldt-Nielsen (2010), ainda que, nas
últimas décadas, os debates e publicações sobre o assunto tenham se expandido,
o uso da aprendizagem baseada em jogos eletrônicos na educação formal ainda é
visto como algo de natureza difícil e exótica por muitos professores, seja pelos
problemas envolvidos na observação dos resultados, seja pela complexidade que
envolve os processos de avaliação nessa área. Trata-se, portanto, de um campo
de inovação que ainda encontra pouco espaço de penetração nas escolas,
contrastando com o seu crescimento nos debates acadêmicos.[68]
Para Egenfeldt-Nielsen (ibid.), as possibilidades de uso de jogos digitais na
aprendizagem são variadas: é possível falar em uma aprendizagem por meio de
jogos, em aprender com jogos e aprender fazendo jogos. No primeiro caso, trata-
se do uso de jogos de computador desenvolvidos para dar conta de um conteúdo
educacional específico. No segundo caso, trata-se da adaptação de jogos não
educativos com a finalidade de ensinar ou demonstrar conceitos ou métodos. Por
fim, o desenvolvimento de jogos é um projeto que permite a sistematização do
conhecimento sobre determinado tópico. O jogo a ser desenvolvido pode ou não
ter uma finalidade educativa. O mais importante aqui são as competências, os
conhecimentos e as habilidades adquiridas ao longo do desenvolvimento do
projeto.

Ainda segundo Egenfeldt-Nielsen, o desenvolvimento de estudos sobre


avaliação de jogos pode auxiliar no processo de disseminação da aprendizagem
baseada em games, uma vez que a sistematização dos diferentes atributos
associados à aprendizagem com jogos oriente o desenvolvimento de produtos
específicos mais adequados para atender às necessidades dos sistemas
educacionais, o que até então não tem acontecido. Além disso, as pesquisas
sobre avaliação de jogos podem contribuir para orientar os professores
interessados em aderir a esse tipo de inovação sobre as possibilidades concretas
de interação com os jogos digitais para fins de aprendizagem, a fim de explicitar
as vantagens do seu uso e aumentar as compatibilidades entre os jogos e as
metas educacionais. Isso pode tornar mais simples a utilização de jogos digitais
pelos educadores e lhes fornecer escalas para a construção de sistemas de
avaliação com o objetivo de dar suporte a processos de ensino e aprendizagem
com jogos. Dito de outro modo, espera-se que a avaliação de jogos possa indicar
o que o design de um determinado jogo potencialmente ofereceria aos
educadores e se os objetivos educacionais foram alcançados com a sua
mediação.[69]

Vários tipos de índices ou medidas podem ser empregados no processo de


avaliação dos jogos. Tendo em vista o ensino fundamental, Medeiros e
Schimiguel (2012) propõem um modelo de avaliação de jogos eletrônicos
educacionais que toma como referência a metodologia Lori, desenvolvida pela e-
Learning Research and Assessment Network (eLera), juntamente com critérios
de avaliação da metodologia GameFlow, resultando em sete critérios de
avaliação: qualidade do conteúdo, envolvendo a presença de veracidade e
detalhe; aderência das atividades aos objetivos da aprendizagem e às
características dos alunos; motivação do jogador; imersão ou envolvimento do
jogador; clareza de objetivos; feedback e adaptação da mecânica do jogo à
habilidade do jogador; informação visual.

Outro modelo de avaliação, proposto por Savi et al. (2010), tem como foco os
jogos digitais com objetivos educacionais bem definidos para os professores
utilizarem como material de ensino. O objetivo é medir a percepção dos alunos
sobre o nível de motivação proporcionado pelo jogo, bem como a experiência de
interação e o seu impacto na aprendizagem. Os autores tomam como referência
três modelos de avaliação: o modelo de avaliação de treinamentos de Kirkpatrick
(1994); o modelo Arcs (Attention, Relevance, Confidence, Satisfaction),
proposto por Keller (2009); e a taxonomia de objetivos cognitivos proposta por
Bloom (1956).

Ainda que Medeiros e Schimiguel (2012) e Savi et al. (2010) ofereçam critérios
válidos para processos de avaliação de jogos digitais, é preciso apontar alguns
problemas. Nesses textos, não há uma definição ou discussão das características
dos jogos digitais. Tampouco existe menção à influência que o suporte do jogo
eletrônico (computador ou console) desempenha no processo de ensino e
aprendizagem com jogos. Além disso, em ambos os modelos, tanto os elementos
culturais como os processos de interação entre jogadores são desconsiderados.
Por fim, trata-se de análises genéricas, que não levam em conta os problemas e
as condições específicas do ensino de cada disciplina.

Em razão dessas lacunas, vale a pena discutir o trabalho de Apperley e Beavis


(2013), que apresentam um modelo avaliativo resultante de um projeto de três
anos de pesquisa no qual trabalharam com professores de inglês no estado
australiano de Victoria. O objetivo era produzir um mapa que orientasse a
observação e a análise dos jogos e da jogabilidade, além de orientar o
planejamento de um currículo interessado nas relações entre jogos digitais,
literacias multimodais e letramento midiático. Apperley e Beavis tentaram
articular conceitos como contexto, contextualização e design. Basearam-se na
associação estabelecida por Gee (2003) entre alfabetização (como prática
socialmente situada) e jogos digitais. Nos processos de aquisição de linguagem,
o contexto modela a construção do sentido. Dessa perspectiva, a noção de
contextualização implica tomar o jogo e a alfabetização como formas situadas de
conhecimento. O design é um termo de mediação que estabelece as conexões
entre os aspectos baseados nos quais os jogos digitais são concebidos como texto
(aspecto que fornece um modelo para o planejamento do currículo) e como ação.

Tomar os jogos como ação é considerar a sua ergodicidade (Aarseth 1997),


implica observar aspectos como o design (a definição das regras do gameplay),
as situações (a interação como ambiente do jogo e as interações entre os
jogadores) e as ações ou decisões dos jogadores (entendidas como a interação
entre eles e o software, que pode atuar como adversário ou juiz).

Tratar os jogos como texto envolve observar e descrever quatro níveis: o


conhecimento dos jogadores sobre os jogos (tomados como artefatos culturais
conectados a outras formas estéticas e tecnológicas); o mundo em torno do jogo
(os contextos locais e globais mais amplos, onde os jogos se dão, os espaços
físicos e virtuais, as informações e experiências compartilhadas etc.); o “eu”
como jogador (autorreflexividade sobre o posicionamento do jogador em relação
ao jogo, enfocando questões como ideologia, valores, identidade, gênero e raça);
aprendizagem por meio dos jogos (possibilidades inerentes ao jogo, no sentido
de estimular aprendizados e disseminar informações).

Ao tomar o ato de jogar como uma prática cultural, a proposta apresentada por
Apperley e Beavis (2013) se alinha com o giro cultural (Viana-Telles 2014), o
redirecionamento epistemológico que trouxe para o primeiro plano, nas
pesquisas sobre jogos digitais, a dimensão do jogador (Crawford 2011; Hamari e
Tuunanen 2014; Pearce 2008), mais precisamente, as diferenças entre os
jogadores, a fim de desconstruir a ideia de um jogador universal. Essa
perspectiva auxilia a evidenciar que outros elementos, além do design
educacional, têm um peso decisivo no processo de recepção de um videogame e
podem modificar os resultados da aprendizagem que se esperava obter com ele.
A Figura 1 oferece uma representação dos aspectos abarcados pelo modelo de
Apperley e Beavis.

O modelo descrito tem como mérito a problematização da complexa relação


entre os jogadores, o design do jogo e a cultura lúdica que os envolve. Também é
interessante o esforço dos autores para desenvolver uma métrica de avaliação de
jogos digitais comprometida com as necessidades específicas suscitadas pelo
processo de aprendizagem da língua inglesa. É possível que essa linha de
reflexão ofereça resultados mais efetivos do que propostas de avaliação
construídas genericamente. A discussão que faremos a seguir oferece bons
argumentos para sustentar essa tese.

Figura 1. Game como texto, game como ação


* O termo “serious games” não costuma ser traduzido para o português pelos
pesquisadores da área.

Fonte: Apperley e Beavis (2013).

A historiografia e a avaliação de videogames: História, passado e


tempo presente

À primeira vista, poder-se-ia imaginar que a relação da historiografia com os


jogos e simulações digitais fosse situá-los em planos bem distantes, pois o
raciocínio histórico deveria se direcionar para produzir uma reconstituição
precisa do passado, lastreada por fontes e documentos. Por sua vez, os jogos
eletrônicos comerciais, segundo Kusiak (2002), são produzidos para atender às
demandas de consumidores da indústria cultural, que estão em busca de
entretenimento. No campo da produção de softwares para o mercado de jogos
eletrônicos, a diversão e a jogabilidade são mais relevantes do que a aderência à
precisão e a objetividade histórica. Desse modo, os produtores se orientam pela
lógica de que a sua audiência espera ser entretida, em vez de instruída.

A segregação entre o histórico e o ficcional remonta à Poética de Aristóteles. No


entanto, a espessura desse limite variou com o tempo. Na Idade Média, tratava-
se de uma parede bastante permeável. Apenas no Renascimento houve uma
reorientação decisiva da história para o verídico (Burke 1997). Na atualidade, o
desenvolvimento da crítica pós-moderna implicou um novo posicionamento da
história em face da poética. Segundo Ginzburg (1991), o trabalho do historiador
é um tipo de “ficção controlada”. Ficção, aqui, assume o significado criativo de
figulus, a ação do oleiro, no sentido de que o trabalho do historiador implica um
tipo de criação, produzida com base em suas fontes. Ginzburg reposiciona a
ficção na esfera do verossímil, distanciando-a do verbo fingere (mentir, simular).
Desse modo, ela não se opõe ao verdadeiro, posto que o oposto do verdadeiro é
o falso. Uma vez que o ficcional se referencia em alguma dimensão do real, Iser
(2002) propõe abandonar a oposição fictício e real em favor da tríade real,
fictício e imaginário, entendida como constituinte do texto ficcional.

A reabilitação da ficção diante do conhecimento histórico estimulou os


historiadores a se interessarem pelo emprego de modelos narrativos oriundos da
literatura em seus textos, além de buscarem a aproximação com outras formas de
narrativa sobre o passado, como a memória, por exemplo. Em consequência
dessa guinada epistemológica, a historiografia também se tornou mais modesta
em suas pretensões de apreender o passado. Segundo White (1991), não é
possível sustentar que os eventos passados sejam objeto exclusivo do
conhecimento histórico, ainda que a sua historicidade resida em sua condição de
vinculação ao passado.[70] Via de regra, os eventos passados pertencem ao
conhecimento do tipo arquivístico, podendo ser estudados por uma miríade de
disciplinas. A sua historicidade deriva do modo como são representadas pela
história, a saber, a forma de uma narrativa escrita. E, uma vez que a posse de
informações sobre o passado é a condição elementar para que um discurso sobre
o passado seja produzido, o discurso histórico não produz uma informação nova
sobre ele, mas apenas interpretações sobre as informações disponíveis,
interpretações que podem assumir inúmeras formas, indo de simples crônicas às
complexas filosofias da história. Mais explicitamente ainda, o discurso da
história sobre o passado é apenas um ponto de vista sobre o passado. Não é
lícito, portanto, sobrepor história e passado. O ponto em comum existente em
formas de representação como história e o romance literário é o seu modo
narrativo. Esse argumento, nos termos apresentados por White, opõe narrativa e
teoria, colocando a primeira no centro das discussões sobre a epistemologia da
história e diluindo as fronteiras entre o texto histórico e o literário, entre a
realidade e a ficção.

O efeito dessa argumentação no campo historiográfico foi conferir à teoria


literária o papel de uma importante ferramenta epistemológica para o historiador,
pois ela possibilita a análise da função dos elementos figurativos no discurso
histórico, auxiliando a separar forma e conteúdo no seu interior e a desconstruir
a ideia de que a sua lógica interna era exclusivamente orientada pelos fatos.
Desse modo, a história passou a ser pensada e arguida com base em um elemento
essencial, a linguagem.
A difusão do conhecimento histórico assimilou essa crítica epistemológica,
conferindo um estatuto positivo a outras linguagens e formas de expressão do
conhecimento sobre o passado – a exemplo do teatro, do cinema, da literatura e
dos quadrinhos –, estimulando variadas pesquisas sobre a sua utilização, tanto no
ensino como na pesquisa histórica. Mais precisamente, no momento em que o
fictício veio a ser compreendido como algo que radica no real e orbita a esfera
do verossímil, cresceu o entendimento de que os mundos ficcionais poderiam
estimular a aprendizagem da história. A educação histórica passou a ser
compreendida como algo que se dá dentro e fora da instituição escolar e para a
qual contribuem, definitivamente, a mídia, a memória, e o imaginário
(Bergmann 1990).

O debate sobre os jogos históricos

Quando os historiadores indagam sobre a natureza ou o conteúdo histórico de


um videogame, o que isso quer dizer? Ora, trata-se de saber se o jogo em
questão é bom para estimular a reflexão histórica. No entanto, as respostas para
essa questão são tão diversas quanto as diferentes concepções da história e a
compreensão do papel que os jogos desempenham em seu aprendizado. No
entanto, de modo geral, as teorizações dos pesquisadores costumam incluir uma
reflexão sobre o conceito de história, já que essa é uma questão central para o
métier do historiador.

Por exemplo, no final dos anos 1970, Rigelow (1978), ao escrever sobre a
importância das simulações e dos jogos – de tabuleiro e RPG – para o ensino de
história, afirmava que a simulação é a matéria-prima do pensamento histórico.
Mais recentemente, McCall (2012) afirmou que a principal contribuição dos
jogos digitais que oferecem simulações históricas é superar as limitações a que o
raciocínio é submetido quando expresso unicamente por meio de um suporte
textual, a fim de compreender a complexidade envolvida nos processos
históricos.
O problema do pensamento complexo também é destacado na abordagem de
Carvalho e Penicheiro (2009). Para além da memorização de datas e fatos, isso
significa adquirir empatia e compreensão em relação a um determinado contexto
histórico. Mais precisamente, essa simulação digital deve ter ferramentas que
estimulem o jogador a enfrentar os mesmos problemas vivenciados pelos
homens de um determinado período, além de experimentar soluções semelhantes
às encontradas no passado. Um critério essencial para esse tipo de jogo é
oferecer ao jogador a experiência de uma narrativa não linear que permita a
exploração de um ambiente digital.

A resolução historicamente contextualizada de problemas também é destacada


por Fogu (2009), ao propor, como exemplo de jogo historicamente válido, uma
simulação que colocasse o jogador no papel de administrador de um campo de
concentração nazista na Segunda Guerra Mundial. Contudo, Fogu vai além da
reflexão sobre as características simulacionais do gameplay. O autor aponta a
necessidade de que esse jogo atue como uma plataforma que possibilite a
interação dos usuários em tempo real com arquivos históricos, na forma de
documentos hipermídia, existentes fora do próprio jogo. A análise que
conduzimos sobre o jogo Assassin’s Creed II aponta que ele preenche alguns
desses critérios, mas é reprovado em outros. Sua simulação reconstrói inúmeros
elementos da cultura material do século XV e coloca o jogador no cenário das
intrigas e dos conflitos políticos do período, além de disponibilizar um banco de
dados com retratos, biografias e explicações sobre costumes e locais do
Renascimento italiano. A sua narrativa ficcional é contextualizada
historicamente, misturando personagens fictícios com personagens históricos.
No entanto, seu caráter estritamente linear estrangula grande parte das
possibilidades de exploração da simulação digital. Trata-se efetivamente de um
mundo que é aberto ao jogador, unicamente quando os desafios sinestésicos
propostos pelos designers são alcançados. Ou seja, é preciso apertar a sequência
correta de botões corretos, com a intensidade e a velocidade adequadas, percurso
que pode se tornar lento e cansativo.

A polêmica sobre Civilization III de Sid Meier


A tese com a qual Squire (2004) obteve o doutorado em filosofia afirma que
jogar Civilization III [71] leva ao aprendizado da história mundial. Um
entusiasta do jogo, Squire afirma que é possível encontrar nele 233 conceitos
que abrangem o período compreendido entre a invenção da escrita e o
surgimento da democracia. Contudo, a ênfase de Squire recai sobre as
possibilidades cognitivas e socializantes abertas pelo jogo, no sentido de levar o
jogador a explorar as interdependências entre geografia, história, economia e
política, conexões dificilmente realizáveis por outros meios. O autor afirma que
o jogo também permite a investigação de padrões de mudança em grandes
dimensões, oferecendo outro ponto de vista sobre a história, que passa a ser vista
não como narrativa, mas como um processo resultante da interseção de variados
sistemas.

Contudo, Fogu (2009) tece críticas severas a Civilization III e à tese de Squire
(2004). Considera o jogo anacrônico e ideologicamente comprometido em alto
grau. Em razão disso, não seria recomendável para o ensino de história e jamais
poderia ser considerado um jogo histórico. A maior surpresa de Fogu reside na
elisão desses problemas na análise de Squire sobre o jogo, razão pela qual é
possível situá-lo entre os “descontentes de Civilization”.

Ainda que seja um entusiasta da inovação tecnológica e do uso de jogos de


computador na educação, Whelchel (2007) não é mais leniente que Fogu (2009)
na avaliação de Civilization III. Whelchel concorda com Squire (2004), que o
jogo oferece uma concepção não teleológica da história, além de auxiliar na
compreensão da importância das variáveis geográfica e ambiental para o
desenvolvimento cultural e material e para a disseminação da tecnologia. No
entanto, é forçado a denunciar a existência de uma problemática concepção
linear de desenvolvimento, além de um arraigado etnocentrismo ou
eurocentrismo, que aplica, para os persas, a mesma periodização histórica da
Europa Ocidental.

Ora, é um conhecimento elementar da história que nem todos os povos


atravessaram a Idade Média ou experimentaram instituições feudais. Alinhado
com a crítica de Fogu (2009), Whelchel (2007) nota que o jogo leva a uma
compreensão preconceituosa sobre os melhores tipos de governo e sistemas
políticos, conferindo à democracia capitalista largas vantagens. Afirma que,
igualmente grave, é a reificação de processos culturais altamente complexos,
como as identidades nacionais, que não aparecem como decorrência – e
contingência – do processo histórico, mas são selecionadas antes mesmo que ele
comece. Whelchel (2007) afirma que não faz sentido que os jogadores possam
escolher serem britânicos desde o período neolítico do jogo, quando apenas
recentemente o significado da identidade britânica foi definido. Por fim, o jogo
desconsidera o papel das epidemias nos processos históricos e, o mais grave,
simplifica os conflitos bélicos sob a rubrica da “guerra total”, o que torna
impossível compreender o papel da interpretação cultural no processo de
conquista da América pelos espanhóis, já que a guerra, para os astecas, era uma
prática ritualizada. Apesar de todos esses problemas, Whelchel pensa que a
utilização do jogo no ensino de história é possível, baseando-se na crítica a suas
imprecisões.

Outro entusiasta de Civilization, Chapman (2012), assim como Squire, é oriundo


do campo dos estudos sobre mídia. Chapman afirma que os videogames são uma
nova forma de textos históricos e é preciso compreender a sua linguagem
específica. Sua proposta de avaliação de jogos eletrônicos envolve privilegiar o
nível formal sobre a dimensão do conteúdo, a fim de apreender sua estrutura
específica. Se um jogo é parcial, isso a rigor não é um problema, pois toda
representação é baseada em seleções e reduções. Além disso, nos videogames,
há um nível específico de negociação aberto entre os jogadores e designers que
não está disponível em outros textos, a exemplo das produções transmidiáticas.
Segundo o autor, operando nessa dimensão, novos sentidos podem ser atribuídos
a qualquer jogo.

Chapman parece não apenas supor que todos os jogadores de Civilization


tenham competência para atuar como “produsuários”[72] de um jogo – e atuar
no sentido de produzir algoritmos e hipermídias que redirecionem o conteúdo do
jogo – como claramente subestima o papel decisivo que o quadro epistêmico
compartilhado com a comunidade de designers desempenha na seleção e no
ordenamento do conhecimento compartilhado pelo software, sobretudo no que
diz respeito ao nível ideológico. Se há tantos problemas no jogo, podemos
indagar: por que motivo um professor de história faria uso de um livro didático
que considerasse estar, simultaneamente, epistemologicamente incorreto,
factualmente distorcido e ideologicamente comprometido? A posição do jogo
eletrônico é claramente mais delicada, pois a aprendizagem baseada em games
ainda é um tema controverso. Não há realmente nenhuma boa razão para que se
considere nulo o conteúdo de um jogo quando pretendemos utilizá-lo para fins
educacionais. Aliás, é exatamente aqui que essa dimensão faz toda a diferença.
O argumento de Chapman termina por escamotear uma questão central: por que
motivo os processos históricos retratados são tão discrepantes em relação aos
utilizados pelo campo científico da historiografia? A resposta a essa pergunta
permite desqualificar a associação proposta por Chapman entre o uso da história
em Assassin’s Creed e Civilization III. No primeiro caso, houve um esforço
crescente de estabelecer um diálogo profícuo com a comunidade acadêmica de
historiadores, para afiançar o realismo que a série de jogos Assassin’s Creed
incorporou como elemento significativo de distinção mercadológica.

Chapman (2012) e Squire (2004) compartilham do distanciamento das principais


questões teóricas e epistemológicas tratadas pela historiografia. A tese de Squire
consiste em um trabalho de doutorado em filosofia, no qual, estranhamente, a
filosofia da história está ausente. Squire se concentra na recepção positiva e na
experiência que estudantes entediados com o ensino formal tiveram com o jogo.
É exatamente por isso que toma como dada a noção de história universal no
momento em que ela está a se dissolver ou dizer muito pouco sobre o passado.
[73] Trata-se apenas de uma discussão educacional. Seu ponto forte é elucidar
como o jogo promove o engajamento e a motivação do estudante. É
pedagogicamente rico, mas historiograficamente pouco relevante. O jogo é
avaliado unicamente em termos não significativos para o campo historiográfico.
É por isso que não vê nenhum problema em fazer afirmações curiosas como a de
que pensar historicamente consiste essencialmente em identificar padrões de
mudança. A afirmação de Squire de que apenas especialistas em história
identificariam problemas conceituais no jogo é um indício de que, para o autor,
essa não é uma referência epistemológica relevante para sua avaliação de
Civilization III. Essa postura problemática nos oferece uma importante lição
sobre avaliação de jogos digitais: a necessidade de que o avaliador desenvolva
uma postura autorreflexiva, capaz de objetivar e identificar a matriz
epistemológica e o lugar de onde é feita a sua crítica, uma vez que isso
certamente influenciará os resultados da sua avaliação. Se pretendemos avaliar
um jogo para uso educacional em uma dada disciplina e temos apenas um
conhecimento superficial dessa mesma disciplina, estamos teoricamente
qualificados para fazer essa avaliação ou necessitamos buscar suporte para levar
a cabo a tarefa? O mesmo pode ser dito dos valores que determinado jogo pode
vir a mobilizar. Essas reflexões nos levam a propor que a objetivação do lugar do
avaliador deve ser parte fundamental do processo de avaliação de um jogo
digital.

Civilization III parece confundir desenvolvimento técnico e fluxos comerciais


com história. As simulações do jogo incorporam noções etnocêntricas do século
XIX, como progresso e civilização, além da noção positivista de estados do
desenvolvimento humano, utilizada por Auguste Comte para, arbitrariamente,
reduzir a diversidade humana a um padrão único, o do desenvolvimento
científico e industrial europeu. O jogo pode levar à incorporação acrítica de
valores alinhados com o imperialismo do século XIX e a globalização do século
XX. Talvez, alinhar-se com esse posicionamento ideológico não seja
problemático para um norte-americano, já que o jogo faz apologia de conquistas
tecnológicas e instituições dos Estados Unidos. Contudo, poderíamos afirmar o
mesmo para um jogador de um país periférico? É por compreender esses
problemas que Fogu (2009) faz duras críticas ao jogo e à tese entusiasta de
Squire (2004) sobre ele.

A discussão ora apresentada sugere a importância de discutir a natureza e refletir


sobre a existência de uma compatibilidade entre os quadros epistêmicos da
comunidade de designers e da comunidade de pesquisadores ou professores que
fará uso de um determinado jogo e que, em última instância, poderá validá-lo ou
não.

Perguntas que os historiadores costumam fazer


A discussão apresentada atesta o mérito de duas questões que, para Kee (2011), o
historiador deve fazer a um jogo eletrônico, a fim de verificar se ele pode ser um
meio eficaz de comunicação do conhecimento histórico: que concepção de
história ele tem? Como um conjunto de eventos é narrado ou representado? Para
Kee, no campo acadêmico do ensino de história canadense, há três principais
concepções de história: a melhor história possível; a história disciplinar; a
história pós-moderna. No primeiro caso, trata-se do uso de modelo narrativo de
uma evolução linear narrativa que objetiva fornecer aos jovens conhecimento de
fatos e eventos. As críticas referentes a esse modelo dizem respeito à elisão de
que o discurso histórico é apenas uma visão do passado. A história disciplinar
incorpora essa crítica, sustentando a necessidade de os estudantes criticarem as
interpretações sobre o passado. A pós-moderna vai além da crítica ao discurso
histórico, sustentando a necessidade de que os estudantes sejam iniciados na
prática da pesquisa histórica. Além disso, Kee afirma que o historiador precisa
indagar sobre o gênero, a narrativa e a mecânica simulacional do jogo em tela.

Outra importante contribuição para a avaliação de jogos de simulação no ensino


de história é a oferecida por McCall (2011), que propõe cinco critérios de
análise: problematizar as imprecisões; determinar se os estudantes podem
compreender os conceitos principais; distinguir entre uma narrativa
historiográfica e a simulação historicamente válida; reconhecer as simulações
como ferramentas para o estudo do passado; considerar a facilidade e o tempo
requerido para jogar. McCall define os jogos de simulação como aqueles que
oferecem modelos de cenários, relacionamentos e sistemas do mundo real,
possibilitando ao jogador “o mergulho em interpretações dinâmicas do passado”.
Eles vão além de outros tipos de jogos, aptos a transmitir unicamente
conhecimento factual, por conter unicamente representações de situações do
mundo real.

É preciso que a abordagem de McCall se direcione para o uso dos jogos em sala
de aula. O processo de avaliação de um videogame que acreditamos ter potencial
para uso no ensino tem início quando ele é jogado pelo professor, com o objetivo
de se familiarizar com ele. O professor deve procurar entender como a simulação
do aspecto da realidade a ser estudado se dá. Nessa abordagem, a compreensão
da lógica da simulação não busca encontrar nela uma precisão radical, pois
nenhuma linguagem pode oferecê-la. A ideia é verificar se o centro da
jogabilidade modela o mundo real para atender às metas curriculares da
disciplina. Com isso, é possível sustentar a utilização de um jogo, ainda que ele
contenha lacunas interpretativas, pois, nesse caso, os estudantes podem ser
instigados a criticar essas interpretações, já que, usualmente, não se sentem à
vontade para desafiar as posições dos professores. Outra vantagem dos jogos de
simulação é sua capacidade de apresentar papéis históricos, metas e métodos
para atingir os objetivos com uma precisão idealizada. No entanto, é
fundamental discernir entre uma simulação historicamente válida e a narrativa
historicamente válida.

McCall conclui, oferecendo uma categorização de jogos que toma como


referência o tempo necessário para uma utilização significativa do jogo em uma
sala de aula, afirmando que esse critério é tão importante quanto a razoabilidade
das interpretações que ele oferece.[74] Indo do mais simples ao mais complexo,
temos: simulações baseadas em jogos simplificados e breves de navegadores
(com duração de cerca de 30 minutos); jogos complexos de navegadores e jogos
de simulação simples (entre 45 minutos e duas horas); jogos de simulação
comerciais (entre duas e seis horas).

Considerações finais

A discussão sobre avaliação de jogos digitais é central para a efetividade do seu


uso educacional. Como pudemos perceber, esse é um trabalho complexo e exige
que o avaliador exercite permanentemente sua autorreflexividade, explicitando,
primeiramente, sua concepção, bem como sua vinculação a um determinado
quadro epistêmico disciplinar. Ou seja, o avaliador deve se situar no processo de
avaliação, oferecendo uma justificativa racional, não apenas para a escolha de
um jogo em particular como também para o uso dos critérios de avaliação em
tela. Ainda mais importante, é perceber que uma avaliação rigorosa das
possibilidades educacionais de um jogo exige que o avaliador o jogue. Nesse
sentido, a própria experiência de jogo do avaliador precisa ser objetivada e posta
em discussão.
Na avaliação do conteúdo do jogo, também é importante levar em consideração
os interesses dos designers, as expectativas do mercado de jogadores, além do
próprio processo de produção dos jogos. Este último aspecto pode contribuir
para dissolver a dicotomia usualmente concebida entre jogos educativos e
comerciais. Se, na divisão intelectual de trabalho responsável pela produção de
um jogo digital, a comunidade de designers incorpora uma participação decisiva
de pesquisadores vinculados à comunidade especializada em produzir
representações consideradas cientificamente válidas do aspecto da realidade que
esse determinado jogo pretende simular, ainda que seja concebido como um
produto desenvolvido para o mercado de entretenimento, ele pode apresentar
inúmeros elementos que o tornam útil para fins educacionais.

Pode ser interessante para o campo de pesquisa da avaliação de jogos eletrônicos


tomar como objeto de investigação o processo de construção de pautas
avaliativas pelos diferentes campos sociais envolvidos na sua produção e
recepção – designers, acadêmicos e agências de ensino, jogadores etc. – a fim de
apreender como sua lógica cultural e sua matriz epistemológica influenciam e
definem escalas, padrões, princípios e modelos avaliativos.

O esforço de exploração e análise dos jogos eletrônicos no ensino de história


precisa levar em consideração questões epistemológicas específicas inerentes ao
campo da historiografia, assim como discussões relacionadas ao ensino e à
didática da história. Um problema central para a relação entre a comunidade de
historiadores e designers é a problematização do conceito de história subjacente
a um jogo digital.

Também consideramos importante indagar como o imaginário, o fictício e o real


se articulam no interior de um determinado jogo, no sentido de oferecer uma
forma específica de experiência com representações sobre o passado.
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7
JOGO-SIMULADOR KIMERA: AVALIAÇÃO BASEADA EM
PERSPECTIVAS

André Luiz Andrade Rezende

Tania Maria Hetkowski

Josemeire Machado Dias

Introdução

O jogo-simulador Kimera: Cidades Imaginárias[75] é um híbrido de game e de


simulador que se articula como um simulacro, em que as crianças têm a
possibilidade de pensar e representar os lugares vividos e/ou imaginados na rua,
no bairro ou na cidade, explorando dinâmicas nesse potencial digital. Logo, o
Kimera oferece aos jogadores a oportunidade da construção epistêmica sobre
lateralidade, escala, cartografia, coordenadas geográficas, dentre outras noções
que perpassam diferentes temáticas escolares e diversas dinâmicas de seu
cotidiano e de sua imaginação.

Nesse sentido, compreendemos que os jogos-simuladores são ambientes que


agregam os princípios dos games, incluindo narrativas, roteiro, quests,
personagens, interfaces gráficas, banda sonora, entre outros elementos
comumente encontrados nos jogos comerciais, mas que também possuem os
princípios dos simuladores, como liberdade de imersão, comparação de
resultados, gráficos para simular cenário atual ou cenário anterior, hierarquia de
memória, coerência de cache e opensource, espaço como um virtus, que
potencializa a atividade voluntária – nele, não há intenções de representar a vida
real –, e podem funcionar como “simulacro” de um mundo imaginário. O
jogador (uma criança, no caso) pode criar uma ordem própria sobre o
entendimento do espaço da cidade (Hetkowski et al. 2012, p. 45).

Para materializar o jogo-simulador Kimera, houve a necessidade de


estruturarmos equipes multirreferenciais no Geotec,[76] pois seu
desenvolvimento envolvia diversas expertises: pesquisadores e profissionais de
design, áudio, marketing, transmídia, programação, roteiro, pedagogia, entre
outras, a fim de enfatizar temáticas curriculares, resguardar as perspectivas de
um jogo digital e

criar possibilidades para relacionar e representar os espaços vivido, percebido e


imaginado; construir cidades híbridas, explorando elementos reais, imaginários,
fantasiosos, pretendidos e desejados a partir dos recursos disponibilizados no
ambiente; explorar outras dinâmicas que perpassam o entendimento sobre os
espaços que as crianças vivenciam, constroem, criam, imaginam ou desejam
“explorar e/ou fazer parte”. (Ibid., p. 38)

Para tanto, as equipes avaliaram as condições, a expertise, as tecnologias, os


métodos de desenvolvimento e as condições técnicas e logísticas para validação
do jogo nas escolas. Foi definido que o Kimera seria single player, com
elementos gráficos de simulação 2D, linguagem flash, cômodo aos sistemas
operacionais Windows e Linux, teria composição de cinematics, APIs e
bibliotecas utilizadas, englobaria constituição de missões (quests), personagens
não jogáveis (non-player characters), tabuleiro definido com o mapa de uma
cidade, entre outros elementos que compõem os games.

Baseadas nessa composição, as equipes depararam com a necessidade de ampliar


os potenciais do jogo-simulador e, assim, foram desenvolvidas as extensões K-
Amplus (Santiago 2012) e K-Maps (Toledo 2015).[77] O K-Amplus é um
software conversor de mapas que usa padrões abertos adotados pelo Open
Geospatial Consortium (OGC). Funcionará em consonância com o keyhole
markup language (KML), padrão de mapas reconhecido pelo OGC e utilizado
pelo Google em suas ferramentas cartográficas, o que viabilizará a importação
de mapas criados pelo Google Earth para o jogo-simulador Kimera.

Baseado na proposta do K-Amplus, o K-Maps permite a integração do Google


Maps ao Kimera, usando os conversores para substituir o tabuleiro do jogo, antes
em flash, em coordenadas cartográficas extraídas de imagens de satélite, as quais
possibilitam o entendimento dos espaços por meio da visualização das rotas, dos
terrenos e da hibridização de ambos.

Dessa forma, nasceu a preocupação do Geotec em estruturar o processo de


avaliação do jogo-simulador por meio de análises e perspectivas de alguns
especialistas, que apontaram os limites e as potencialidades do Kimera,
permitindo ao grupo (re)discutir, (re)avaliar, (re)dimensionar e ampliar seu
desenvolvimento, porém, a partir de então, baseado em referências mais
assertivas para as equipes e para o sucesso do jogo-simulador em meio às
crianças da rede pública de ensino.

Percurso metodológico da avaliação do jogo-simulador Kimera

O espaço empírico dessa investigação se encontra demarcado nas fronteiras


(zona de espacialização fictícia) do jogo-simulador Kimera: Cidades
Imaginárias, no qual se tornou necessário estruturarmos uma forma de avaliar o
jogo e as pretensas características pontuadas e planejadas pelas equipes do
Geotec. Porém, todo jogo digital deve ser validado, nesse caso por crianças de 8
a 12 anos da rede pública de ensino, e avaliado por especialistas que possam
indicar sua melhoria em diversos aspectos: elementos gráficos, narrativa,
interface, conceito, jogabilidade, áudio, animação, entre outras características
que serão apresentadas neste capítulo.
Com o objetivo de compreender essa dinâmica de avaliação, buscamos
interlocutores como Petry et al. (2013) e Dias et al. (2013), autores que resgatam
proposições de técnicas e estratégias para análise de jogos digitais e avançam no
sentido de delinear caminhos para a avaliação dos jogos digitais. Assim, há
necessidade, no Geotec, de avaliar os jogos digitais de uma perspectiva que
extrapole o caráter meramente técnico ou de entretenimento, pois os jogos
digitais vêm se constituindo como possibilidade nas distintas áreas do
conhecimento (geografia, história, psicologia, biologia, saúde, entre outras) e, no
percurso de desenvolvimento do Kimera, tornou-se fundamental a elaboração de
metodologias para avaliá-los.

Ante o exposto, no sentido de fundamentar a adoção de um determinado método,


tornou-se necessário compreender alguns modelos, que perpassam desde a
avaliação da ergonomia e usabilidade de soluções de software em geral, indo ao
encontro das questões relativas (mecânica, jogabilidade etc.) aos jogos digitais.
Como exemplo, pode-se citar Nielsen (1993), Konzack (2002), Aarseth (2003),
Norman (2006), Clanton (1998), Federoff (2002), Desurvire, Caplan e Toth
(2004), Cybis, Betiol e Faust (2010) e Savi (2010).

A estruturação teórica delineada nesta seção tem como objetivo referenciar


algumas estratégias e técnicas de análise, que se iniciam nos sistemas
computacionais e evoluem para os jogos digitais. As análises de alguns autores
não consideram a estrutura complexa (narrativa, jogabilidade, gameplay etc.) do
jogo e o tratam como “sistema computacional”. Em contraponto, existem
pesquisadores (Petry et al. 2013; Aarseth 2003; Konzack 2002) que concebem os
jogos digitais para além da trivialidade que se apresenta em bits e bytes.

A preferência por um determinado modelo perpassa o alinhamento dos objetivos


da investigação (o que se busca responder) com os resultados
produzidos/esperados por meio da aplicação das diferentes possibilidades de
avaliação. Para exemplificar, pode-se citar a seguinte situação: com base nas
percepções de Nielsen (1993), é possível verificar no jogo-simulador Kimera:
Cidades Imaginárias, indícios que o sustentem como potencial geotecnológico?
Apesar da articulação das dez características relacionadas à usabilidade,
defendidas por Nielsen, elas não conseguem alicerçar a estruturação de uma
resposta contundente a esse questionamento.

Os modelos apresentados abrangem uma vasta gama de conceitos presentes no


universo dos jogos digitais, em que se abarcam desde a análise da usabilidade até
o gameplay. Entretanto, nesta pesquisa, as questões norteadoras não estão
relacionadas diretamente ao jogo digital. Melhor dizendo, perpassam-no, como
conteúdo didático-pedagógico, a exemplo da temática relativa ao entendimento
de espaço, e avançam, no sentido de propor um redimensionamento do jogo,
concebendo-o como uma possibilidade geotecnológica. Diante do contexto
delineado, as estratégias e técnicas citadas nesta seção têm como finalidade
conceber e aprofundar novas proposições acerca dos jogos digitais.

Desse modo, optou-se pela avaliação de jogos educacionais digitais baseada em


perspectivas. Esse modelo foi adaptado pelo Geotec da técnica de leitura de
software PBR (perspective-based reading, leitura baseada em perspectivas). De
forma resumida, o método (procedimentos analíticos para avaliação de jogos
educacionais digitais) consiste em avaliar o jogo, fundamentando essa avaliação
em, no mínimo, quatro “olhares diferenciados”. Essa delimitação intenciona
obter informações dirimidas por especialistas, aqui denominados colaboradores,
avaliadores, sujeitos colaboradores e/ou experts do design, da geografia, da
pedagogia e de games. Desse modo, ao findar a análise, as considerações e
sugestões suscitam especificidades sobre a temática em foco. Do contrário (com
muitos especialistas em muitas áreas), teríamos avaliações que abordariam
inúmeras áreas do jogo, sem um foco definido.

Foram estabelecidas perspectivas/parâmetros de análise que efetivamente nos


proporcionassem contribuições à verificação das proposições suscitadas nesta
investigação, a saber: aprendizagem escolar; geotecnologias; game design;
entendimento de espaço.
A análise sobre o viés da aprendizagem escolar pretendeu verificar a
possibilidade do jogo-simulador Kimera: Cidades Imaginárias como estratégia
didático-pedagógica. Assim, o perfil desse especialista seria o de um profissional
da educação com experiência/vivência em jogos digitais no contexto escolar. Da
perspectiva das geotecnologias, buscou-se analisar o jogo-simulador Kimera
como uma possibilidade geotecnológica. A formação do especialista participante
abarcaria diferentes áreas do conhecimento, mas com enfoque nas
geotecnologias. Em continuidade, o profissional de game design colaborou com
a análise do jogo-simulador Kimera como jogo digital com fins educacionais. A
expertise desse avaliador consistiu no direcionamento às questões relacionadas
ao desenvolvimento (mecânica e jogabilidade) do jogo. Por fim, fomos
contemplados com o ponto de vista sobre o entendimento de espaço, ou seja,
tornou-se necessário identificar as concepções que podiam ser articuladas no
jogo-simulador Kimera. O perfil desse especialista abrange vários campos de
atuação, com destaque para as relações humanas que permeiam e se constituem
no espaço geográfico.

Os perfis estabelecidos para análise, das diferentes perspectivas, fundamentaram


a identificação dos profissionais em questão. A Tabela 1 apresenta de forma
resumida os sujeitos especialistas colaboradores desta pesquisa.

Em busca de aprofundamento e proximidade com o fenômeno pesquisado,


utilizamos um questionário (on-line), com o objetivo de compreender os
aspectos e as percepções desses especialistas em relação ao jogo-simulador
Kimera.

Tabela 1. Características dos especialistas colaboradores

PERSPECTIVA FORMAÇÃO ESCOLARIDADE PROFISSÃO


Aprendizagem escolar Educação Doutorado Professor
Geotecnologias Geografia Doutorado Professor
Game design Game design Doutorado Professor
Entendimento de espaço Geografia Doutorado Professor
Fonte: Autores, 2015.

Cabe ressaltar que as perguntas do questionário foram estruturadas para


responder aos objetivos (geral e específico) desta investigação. Antes de
enviarmos esse questionário aos sujeitos especialistas partícipes da pesquisa,
tivemos o cuidado de testar as perguntas no Geotec. A estratégia adotada visou
dirimir eventuais dúvidas/problemas relacionados aos procedimentos de
instalação do jogo e à elaboração das questões. Esta última, de extrema
importância, já que os resultados coletados, mediante a aplicação desse
dispositivo, podem possibilitar a inferência das proposições defendidas nesta
pesquisa. O resultante desse processo está descrito a seguir, respeitados os
posicionamentos e conhecimentos dos profissionais envolvidos na propositiva.

Considerações acerca das análises dos especialistas

Esta seção apresenta de forma resumida o resultado da coleta de dados realizada


com quatro especialistas (aprendizagem escolar, game design, entendimento de
espaço e geotecnologias), que jogaram, analisaram e avaliaram o jogo-simulador
Kimera: Cidades Imaginárias, fundamentando suas análises em suas respectivas
especialidades e perspectivas. Dessa maneira, intencionou-se alicerçar a
confirmação e/ou contestação de o Kimera ser uma proposição geotecnológica
para o entendimento de espaço ou apenas mais um jogo digital com fins
educativos. Para tanto, buscou-se registrar, por meio de questionário
individualizado, nomeados dispositivos de coleta, a experiência na
interação/exploração dos experts mencionados anteriormente no jogo-simulador.
Essa articulação teve como objetivo retroalimentar o processo de
desenvolvimento desse artefato cultural.

A perspectiva do especialista em aprendizagem escolar


No que se refere à aprendizagem escolar, foi registrado que o jogo-simulador
Kimera: Cidades Imaginárias, como os demais jogos existentes, é capaz de
estimular atenção, curiosidade, coordenação motora etc. Ademais, é passível de
ser utilizado nas disciplinas escolares (geografia, história, ciências, português),
desde que apresente relação com elas. Foram mencionados, também, como
potencial do jogo-simulador Kimera, estudos relativos ao ensino de história, em
particular aos conteúdos de mitologia. Essa condição se justificou pela
aproximação entre o nome do jogo e a presença de dois personagens (Kimera e
Kaus) que se assemelham, no sentido conceitual, aos seres mitológicos gregos,
conhecidos na literatura como quimeras.[78] Além disso, o avaliador dessa área
sugeriu a abordagem de temáticas atuais e em destaque que permeassem e/ou
perpassassem temáticas e reflexões sobre o meio ambiente e a sustentabilidade.

Na sequência desse percurso, foram externadas as percepções do especialista


sobre os conceitos intrínsecos ao Kimera, que podem ser potencializados em sala
de aula, junto com os alunos do ensino fundamental I: desmatamento,
reciclagem, poluição, saneamento básico, violência, saúde pública, educação e
mobilidade urbana. Finalizando a avaliação da perspectiva da aprendizagem
escolar, mediada pelo jogo-simulador Kimera: Cidades Imaginárias, o
colaborador da pesquisa registrou e apontou como sugestão a alternância entre as
trilhas sonoras, com base em cada novo desafio proposto ao aluno/jogador,
estratégia que poderá tornar o jogo mais estimulante e prazeroso para os alunos
jogadores em situação escolar.

A perspectiva do especialista em game design

A análise o jogo-simulador Kimera, da perspectiva do especialista em game


design, registrou dificuldade em caracterizá-lo como educativo, pois compreende
que todos os jogos digitais ensinam algo, independentemente de serem
denominados educativos ou não. Em seguida, apontou os pontos fortes e fracos
no que se refere à mecânica e à jogabilidade do Kimera, enfatizando a
necessidade de aperfeiçoamento da usabilidade do jogo. Além do uso do mouse,
questionou a possibilidade de movimentar pelo teclado (setas e/ou conjunto de
letras) os eixos X (horizontal) e Y (vertical) do mapa, explorando as coordenadas
cartográficas no tabuleiro do jogo e, consequentemente, o entendimento de
objetos gráficos em 2D ou 3D disponibilizados na plataforma do jogo. Destacou,
também, a necessidade de um feedback efetivo a cada interação do sujeito
jogador, em cada nível e em cada partida jogada. Para esse profissional, o
funcionamento abraçaria a seguinte lógica: no final de cada ação realizada no
jogo, como a construção de uma edificação, por exemplo, haveria uma resposta
(em áudio, imagem, animação, entre outras) que indicasse ao jogador suas
interações, parabenizando-o ou criticando-o pelas consequências do ato
(jogadas).

Na análise da jogabilidade, o colaborador registrou que os ícones não são


intuitivos. Ele sugeriu uma revisão geral na tela de abertura do jogo, que poderia
ser configurada no formato full screen, bem como foi suscitada a possibilidade
de adicionar outros elementos gráficos como plantas, flores, árvores, folhagens,
arbustos e gramado. Para isso, o especialista mencionou a criação de uma fase de
aprendizagem e/ou demonstração para os alunos jogadores explorarem essa tela.

O avaliador pontuou a ausência de instruções quando da utilização do modo livre


(K-Amplus e K-Maps) do jogo-simulador para a construção de cidades. Ambos
os plugins se encontram dentro do Kimera e têm como objetivo converter os
mapas extraídos do Google Maps em imagens para o tabuleiro do jogo. Essas
imagens, reais, podem possibilitar ao jogador converter (em KML) mapas de sua
cidade, de seu bairro e de sua rua, e interagir com as rotas cartográficas que
vivencia e experiencia no dia a dia. Porém, a ausência de tutoriais para a
exploração dessas extensões desestimula o jogador a explorá-las.

A análise do especialista ratificou pontos abordados no viés da mecânica do


jogo: movimentação nos eixos (X,Y) do mapa por meio de setas e a falta de
repostas efetivas à interação do jogador, sugerindo que essa dinâmica estivesse
mediada pelos personagens principais (Luka e Belle) do mundo de Kimera.
Também foi pontuada a dificuldade de associar determinadas funções aos ícones
presentes no Kimera, em particular aqueles dispostos na tela inicial. Diante da
incompletude em personificar “pessoas sem casa”, “pessoas com casa”, “pessoas
com emprego” e “construções”, adotamos a identificação textual das respectivas
representações. Podemos conferir na Tabela 2 as funcionalidades e/ou
indicadores do jogo em que houve lacunas na construção da relação simbólica.

Tabela 2. Ícones não intuitivos

ÍCONES DA TELA INICIAL


Fonte: Jogo-simulador Kimera: Cidades Imaginárias.

Para entrar no mundo de Kimera, o jogador precisa plantar uma semente ao norte
(jequitibá-rei), a fim de construir a cidade e avançar nos três níveis do jogo,
porém, isso não fica explícito no início, quando da criação de uma fase de
demonstração e/ou aprendizagem sobre lateralidade. Finalmente, o colaborador
traz sugestões de requisitos específicos, inerentes aos objetos gráficos, como as
imagens no formato livre portable network graphics (PNG) e seu tratamento com
a técnica chamada anti-aliasing, que materializa melhorias gráficas, suavizando
as “bordas serrilhadas” das figuras. Esta última observação se aplica às
animações presentes no universo de Kimera, bem como destaca que as
animações produzidas, para simular o processo de construção, deveriam ser
diferenciadas de acordo com o tipo: moradia, infraestrutura, lazer, educação e
comércio, para imprimir mais atratividade na dinâmica de construção da cidade.

A perspectiva do especialista em entendimento de espaço

No que se refere ao entendimento de espaço, o especialista em geografia


registrou que o jogo-simulador Kimera se constitui como potencial, baseado na
articulação dos “componentes de estruturação espacial”. Como exemplo, o
colaborador referenciou a utilização da bússola para identificação de direção e
dos pontos cardeais, o que, em certa medida, pode criar oportunidade para a
compreensão das coordenadas geográficas. Também enfatizou que, no decorrer
da dinâmica do jogo, apresentaram-se componentes do cotidiano das crianças e
dos adolescentes, abordando elementos como habitação, população, economia,
educação ambiental e saúde. O avaliador argumentou também que, diante desse
contexto, o jogo-simulador pode ampliar a percepção espacial e as atitudes
desses sujeitos no convívio social, dinâmicas que perpassam e/ou permeiam o
lócus onde vive esse jogador/aluno.
Na análise referente ao entendimento de espaço, nosso colaborador destacou que
as ações desenvolvidas no universo do Kimera conseguem acomodar bases
conceituais como lugar, paisagem e noções de distância. Suscitou, além disso, a
utilização do jogo-simulador Kimera na apreensão da “relação espacial” de
forma bidimensional (física e humana). Referenciou, também, a díade como uma
estruturação apropriada ao enriquecimento do campo lúdico, ressaltando o tempo
como componente-chave, que se materializa no fazer (construções) do jogador
sobre o “tabuleiro”, e aludiu à presença de noções de escala, fundamentadas nas
categorias dimensionais. Nosso colega especialista sublinhou a potencialidade
do Kimera para abordagem de conceitos de geografia, habitação (associada ao
tempo), urbanidade (centro e periferia) e educação ambiental. Esta última, no
intento de oferecer às crianças oportunidade para a compreensão de valores e
práticas do desenvolvimento sustentável, para o futuro de suas famílias e seus
descendentes.

Em relação às sugestões a serem agregadas ao jogo-simulador, no intento de


contribuir para o entendimento de espaço, o especialista registrou que o jogo
pode ampliar as questões espaciais, a fim de que as crianças vivenciem esse
universo virtual, possibilitando, assim, aguçar a percepção e a compreensão de
sua realidade, e destacou que as extensões do K-Amplus e K-Maps podem ser
ferramentas promissoras, mas elas precisam de uma interface mais amigável.
Registrou que se mantenham atualizadas temáticas como poluição (tratamento
de lixo e água), saúde, elementos urbanos e violência. Nesse contexto, nosso
avaliador, especialista em entendimento de espaço, sugeriu alterar e/ou
contextualizar o termo “bandido”, uma vez que, no jogo Kimera, que apresenta
elementos e situações sociais, essa terminologia pode ser entendida pelas
crianças e alunos-jogadores de maneira equivocada.

A perspectiva do especialista em geotecnologias

Iniciando o processo de análise da perspectiva das geotecnologias, o especialista


analisou o jogo-simulador Kimera: Cidades Imaginárias e registrou se tratar de
um potencial geotecnológico a ser explorado, em particular, na articulação de
conceitos como noções de lateralidade, escala, topologia, organização
socioespacial e alfabetização cartográfica. Compreendeu também que o universo
de Kimera demonstra perspectivas para auxiliar no entendimento dos conteúdos
citados.

A alfabetização cartográfica e a organização socioespacial foram mencionadas


da perspectiva do entendimento de espaço, por meio dos “componentes de
estruturação espacial” e da análise do espaço geográfico, no viés bidimensional
(físico e humano). Nosso colaborador registrou que determinados conceitos
podem ser apreendidos no jogo-simulador, a exemplo dos princípios de uso do
sistema de informações geográficas (SIG). Ademais, apresenta possibilidades de
introdução às noções de diferentes sistemas de projeção, cartesianas ou
geográficas.

No que tange aos sistemas de projeção, nosso colega citou duas abordagens,
visando explorar os princípios de distância por meio de coordenadas cartesianas
e/ou geográficas: a primeira se apresenta em unidades métricas (quilômetro ou
metro), já a segunda é expressa em graus decimais. Dessa análise, seguiu-se a
sugestão do especialista para se materializar, em certa medida, um sistema de
coordenadas (métricas e geográficas). Com esse sistema, seria possível
acomodar diversas áreas do conhecimento, como a geográfica, a matemática, a
física, a tridimensional, entre outras. Para tanto, a criação de vetores (áreas,
pontos e linhas) e a visualização vertical e horizontal nos mapas disponibilizados
no universo de Kimera potencializariam a exploração das coordenadas
cartesianas e geográficas.

Nosso avaliador também destacou que a simulação de escala no jogo


desempenha um papel importante na introdução dos conceitos em questão. No
entanto, a inclusão de coordenadas nos mapas do Kimera poderá oportunizar o
cálculo de proporcionalidade. Assim, fica explícita a importância da importação
e da leitura de arquivos do Google Earth dentro do jogo-simulador[79] e, para
colaborar com essa ideia de plugin, nosso colaborador demonstrou a necessidade
de classificar, por cores, as áreas apresentadas no mapa, por exemplo: área com
coloração clara representando terraços marinhos; áreas planas e de baixa altitude
representadas por outros elementos, e assim sucessivamente, destacando a
possibilidade de estabelecer a direção “norte” de forma real nos mapas
visualizados nos tabuleiros do Kimera.

Para finalizar, pontuou como perspectivas singulares do Kimera as propostas de


extensão e de plugins para converter imagens do Google Earth para dentro do
jogo-simulador, potencializando todos os conceitos pontuados por nosso
avaliador em geotecnologias.

Considerações finais

A adoção do modelo baseado em perspectivas permitiu a coleta de informações


direcionadas e especializadas, pois os especialistas, todos jogadores com
experiência em suas áreas específicas, traduziram suas análises sobre o jogo-
simulador Kimera, no sentido de colaborar com sua expansão no que se refere a
ícones, áudio, elementos gráficos, jogabilidade, interface, conversores,
coordenadas, entre outros itens indicados neste capítulo. São elementos que
podem ser (re)significados e (re)dimensionados pelas equipes (de design,
programação, marketing, transmídia e pedagógica) no fazer do Kimera, pois
compreendemos que “ouvir” um gamer é de fundamental importância para
melhorar um jogo digital, pois esse sujeito pode detectar limitações e demonstrar
possibilidades não percebidas pelas equipes, em razão do nível de imersão nos
processos de desenvolvimento e criação do jogo.

Assim, o modelo baseado em perspectivas é flexível e pode ser realizado com


perguntas simples sobre cada aspecto (como já explanado), mas também podem
ser utilizados critérios definidos pela literatura, como as dez heurísticas de
Nielsen (1993), os princípios de design de Norman (2006), as recomendações de
Cybis, Betiol e Faust (2010), além dos critérios de Savi (2010), que podem ser
proveitosos, a depender do contexto do jogo em análise. O conhecimento desses
critérios, principalmente dos de Nielsen e de Norman, é importante, e esses
critérios consagrados na área de avaliação de jogos digitais podem ser
decompostos ou combinados na composição das perspectivas (Dias et al. 2013),
como no caso aqui estudado.

Assim, a estratégia de avaliação do Kimera produziu dois contextos distintos,


porém complementares e sinérgicos: o primeiro está relacionado com o fazer
(bits e bytes) do jogo, ou seja, com a possibilidade de corporificar a resultante
das análises dos especialistas pelo movimento cíclico de produção do jogo, que
podem ser agregadas com o objetivo de intensificar o entendimento de espaço
com os sujeitos-alunos de 8 a 12 anos da rede pública de ensino; o segundo está
imbricado no viés do pensar, pois consiste em aspectos relacionados aos
processos cognitivos de ensino e de aprendizagem, reverberando diretamente a
concepção do jogo-simulador para instigar e provocar o grupo Geotec, os
professores e os alunos das escolas parceiras a fazer uma reflexão crítica sobre a
materialidade concebida para o Kimera; sobre o planejamento da composição do
jogo-simulador; sobre a produção dos elementos gráficos, das cinematics e das
interfaces; sobre a condução conceitual e temática; e sobre os potenciais e as
proposições cartográficas anunciadas pelo jogo-simulador.

Este capítulo nos fez perceber a importância da continuidade do


desenvolvimento das expansões e dos plugins no aprofundamento de pesquisa
pelos membros do Geotec no que se refere às dimensões da técnica, da logística,
dos recursos humanos, dos conteúdos, dos elementos gráficos, das linguagens,
das interfaces, entre outros potenciais do Kimera, e, consequentemente, no
ensino e na aprendizagem do espaço mapeado, concebido e vivido pelos sujeitos
jogadores, neste caso, os alunos da educação básica da rede pública.

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8
DESIGN METODOLÓGICO PARA AVALIAR O GAME ANGRY
BIRDS RIO E EVIDÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO EM SALA DE
AULA

Filomena M.G.S. Cordeiro Moita

Introdução

Com o desenvolvimento acelerado das tecnologias digitais de informação e


comunicação (TDICs), podemos verificar sua presença em nosso cotidiano em
praticamente todas as atividades que realizamos, que são facilitadas ou afetadas
por equipamentos digitais. Públicos de todas as idades são atraídos pelas
facilidades oferecidas por tablets, notebooks, smartphones e seus aplicativos.
Entre esses públicos, destacam-se crianças e jovens, nativos digitais (Prensky
2010), cuja maioria utiliza esses artefatos de última geração com facilidade no
dia a dia. Além disso, de acordo com o autor, estamos a caminho da era do
indivíduo com sabedoria digital[80] e, certamente, as diferenças entre nativos e
imigrantes digitais serão cada vez menos relevantes. Porém, há alguns espaços,
como as escolas, aonde ainda não se chegou a uma adaptação para incorporar as
tecnologias digitais a sua estrutura, por falta de infraestrutura, equipamentos,
formação dos docentes e, principalmente, profissionais motivados para
reformular métodos de ensino. Estudos realizados pelo biólogo Scott Freeman
(2014), da Universidade de Washington, revelam que as metodologias de ensino
tradicionais continuam predominando. Os resultados dessa pesquisa, com 225
estudos sobre métodos de ensino, apontam que metodologias de ensino que
ajudam os alunos a serem participantes ativos do processo de aprendizagem, em
vez de apenas ouvintes, reduzem as taxas de reprovação e impulsionam as notas
em cerca de 6%.
Essas questões que afetam o ensino e a aprendizagem de forma geral têm um
impacto maior quando somadas a outros fatores, como a dificuldade de ensinar e
aprender conteúdos que exigem raciocínio lógico, percepção e abstração. Um
exemplo são as disciplinas matemática[81] e física, em que a maioria dos
conteúdos é abstrata e compreendida de maneira equivocada por muitos alunos,
que consideram esses conceitos difíceis e complicados. Essas disciplinas são
consideradas como de alto índice de reprovação em todos os níveis e
modalidades de ensino.

Pesquisas como as de Moita (2007; 2012) e Gee (2010) revelam que os alunos
de diferentes faixas etárias são familiarizados com as TDICs e, principalmente,
com os games, o que nos leva a inferir que, se fizermos ligações entre os
conteúdos pedagógicos e a tecnologia do dia a dia, teremos uma produtividade
maior e, certamente, sucesso no processo de ensino e aprendizagem, uma vez
que levaremos para a sala de aula algo que eles gostam de executar, o que os
motiva a aprender de maneira diferente e divertida, sem cobranças além da
possibilidade de simulação.

Dessa perspectiva, este capítulo apresenta uma avaliação do game Angry Birds
Rio que, apesar de ser possuidor de narrativa simples e aparentemente de
entretenimento para crianças, é um game com sucesso entre jovens e adultos, o
que nos leva a considerar sua importância como interface lúdica e educativa
mediadora do processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos e
físicos em sala de aula, em turmas do ensino médio, em escolas públicas da
cidade de Campina Grande, na Paraíba.

A matemática e a física: Conteúdos que requerem contextualização

A matemática, assim como a física e outras disciplinas da área de exatas, é


representada por uma estrutura hierárquica na qual a dependência entre os
conteúdos é grande e desenvolvida gradualmente. Essa estrutura, para Corso
(2008), obriga o aluno a dominar os conceitos básicos para que, posteriormente,
possa se apropriar dos mais avançados. Está, nessa situação, a causa da
dificuldade/resistência encontrada por muitos ao mencionar o estudo matemático
desde o ensino fundamental.

No caso da matemática, a forma mecanizada e memorizada como ela vem sendo


ensinada, em detrimento do seu potencial de contextualização – visto que é
encontrada em diversas situações corriqueiras – pode ser apontada como
contribuição para o temor que os alunos têm da disciplina (ibid.). A autora
ressalta, ainda, que é necessário estabelecer conexões entre o conhecimento
informal e o científico e incentivar o envolvimento com o objeto de estudo,
pensando em possibilidades, correlacionando conceitos e usufruindo das
estratégias de resolução de problemas. Diante desse contexto, o currículo,
pensado para atender às necessidades básicas de um cidadão a ser formado por
uma instituição de ensino, deve incorporar o contexto cultural, econômico e
social da comunidade em que ele está inserido.

Cardoso (2009) acredita que seja função do professor de matemática enfatizar a


generalidade e a abstração, o pensamento lógico-dedutivo e o respeito à
linguagem formal. Cabe a esse profissional não apenas dominar os conceitos,
mas também ter uma visão geral do currículo, da pedagogia do conhecimento
específico, do potencial cognitivo dos alunos, entre outros aspectos.

Tal como a matemática, a física, no ensino fundamental e médio, não raras


vezes, é considerada uma disciplina difícil, e isso decorre do fato de que alguns
docentes não contextualizam os conteúdos para a realidade do aluno e citam
exemplos que não estão presentes no cotidiano, o que resulta, muitas vezes, em
bloqueio do entendimento do conteúdo ministrado. Por esse motivo, a
contextualização é um fator que pode facilitar a compreensão de conceitos
matemáticos e físicos, e isso justifica a utilização de recursos inerentes ao
cotidiano dos alunos.
Assim, para conseguir o interesse do aluno, é preciso que lhe seja apresentado,
além do conhecimento, um objetivo pertinente e de forma contextualizada. Essa
contextualização pode ser usada tendo como recurso as TDICs, além de
interfaces como os games. O contato precoce com jogos (analógicos ou digitais)
desenvolve na criança um senso de experimentação que a guia diante das
novidades, visto que as descobertas proporcionadas por essa diversão
condicionam sua mente a elaborar formas de explorar o novo (Veen e Vrakking
2009). De acordo com Johnson (2006), para os usuários dos jogos, não é o
conteúdo que está em causa, mas a forma como se está pensando.

Grando (2000) ressalta a importância de a escola valorizar as competências


desenvolvidas pelos alunos, também provocadas pelos jogos, e de criar situações
competitivas de aprendizagem, desencadeadas ludicamente, com o intuito de que
o aluno perceba suas capacidades, seus limites e suas competências e se
relacione de forma positiva com a matemática.

Os jogos, a escola, a matemática e a física

A escola, ao se valer dos mais diversos recursos disponíveis, dos quais os mais
utilizados são os livros didáticos, as aulas expositivas e, por vezes, as aulas
extraclasse, durante as quais os alunos visitam o conteúdo abordado e têm
contato direto com ele, busca por ferramentas que facilitem a construção efetiva
do conhecimento. Porém, existem outras tecnologias, mais próximas do
cotidiano dos alunos, que podem ser utilizadas e darão mais resultados
significativos, pois haverá mais intimidade dos envolvidos com elas.

Já vai longe o tempo em que falar de jogos lembrava férias e lazer. Hoje, tal
como os jogos analógicos de tabuleiro, os games podem incrementar a
aprendizagem e transformá-la em algo divertido. Moita (2007) reforça que, ao
lidar com uma geração que aprende de forma descontínua, com a capacidade de
realizar diversas pesquisas ao mesmo tempo, que tem uma forma diferenciada de
aprender, sentir, pensar e agir, é necessário considerar essas características
durante as atividades escolares. Gee defende a ideia dos jogos como uma forma
de dotar as crianças de experiências incorporadoras de princípios cruciais para o
desenvolvimento cognitivo humano e, ainda, como ferramenta com capacidades
efetivas e positivas de promover a educação, porque “incrementa um potencial
de aprendizagem ativo e crítico” (2003, p. 13). O autor assevera que elementos
visuais, como imagens, símbolos, gráficos e diagramas, são particularmente
significativos, porquanto possibilitam diferentes tipos de alfabetização visual,
como na leitura de imagens de um painel de propaganda.

Nesse sentido, apresenta-se o termo gamification (ou gamificação), como,


segundo Schäfer e Lopes (2011), a aplicação da lógica, da mecânica, das
dinâmicas, técnicas e regras comuns aos games a diferentes aspectos do
cotidiano, caracterizando, portanto, esses ambientes como gamificados. Uma
sala de aula pode se tornar um ambiente gamificado ao se apropriar da
ludicidade e da dinamicidade possibilitadas pelos jogos, que estimulam o
aprendizado autônomo e divertido. Concordando com esse pensamento de
Schäfer e de Lopes, Moita (2007) afirma que o ambiente do game não é de mera
reprodução de ideias, mas de criação, de simulação, lazer, autonomia, construção
de valores, ética e afetividade.

No processo de desenvolvimento do game dito comercial, estão envolvidos


aspectos como design de games, usabilidade e interface. Frosi e Schlemmer
ponderam que os profissionais (professores, coordenadores, pedagogos) esperam
um “aplicativo que seja capaz de contribuir para o desenvolvimento dos
objetivos do contexto educacional” (2010, p. 116), já os alunos, pelo fato de o
jogo carregar consigo o conceito inerente de diversão, veem-no apenas como
fonte de entretenimento. O desinteresse desse grupo é provocado, muitas vezes,
pela forma como foi arquitetada a apresentação dos conteúdos, incapaz de incitar
a investigação, a descoberta, o desafio e a diversão (ibid.).
Os jogos comerciais são, por vezes, considerados impróprios como recursos
pedagógicos, mas é possível verificar, com frequência, elementos de
aprendizagem na construção dos roteiros dos games, mesmo que não tenham
sido pensados para tal fim. Nesses casos, cabe ao educador enxergar
oportunidades de uma interação maior entre seus alunos e incentivar o
processamento de informações antes limitadas aos recursos tradicionais.

Savi et al. (2010) enunciam que o grau de contribuição de um jogo para a


educação e que a decisão de utilizá-lo ou não se baseiam apenas na suposição de
seus benefícios, ou seja, não há uma avaliação fundamentada em conceitos
técnicos e pedagógicos a que seja possível submeter um game. O mesmo autor
propõe um modelo de avaliação, utilizado na metodologia deste trabalho, que
procura validar aspectos como a motivação para utilizar o jogo como ferramenta
de aprendizagem com a percepção de diversão.

No contexto da matemática, Grando defende que o processo de formação


conceitual necessário, aliado à proposta dos jogos, “possibilita à criança a
construção de relações quantitativas ou lógicas, que se caracterizam pela
aprendizagem em raciocinar e demonstrar, questionar o como e o porquê dos
erros e acertos” (2000, p. 16). Nessa visão sobre a aplicação de jogos, é possível
desenvolver um nível de dedução, gerado pela formulação lógica do problema,
que permite observá-lo e verificar o comportamento de seus elementos, o que
culmina na elaboração de soluções plausíveis.

De acordo com os parâmetros curriculares nacionais (Brasil MEC 1999), a física


no ensino médio deve contribuir para formar uma cultura efetiva, que leve o
aluno a conseguir interpretar fatos, fenômenos e processos naturais e a
dimensionar a interação do ser humano com a natureza, logo, sentir-se parte dela
e da sua transformação. Para isso, é importante que os alunos entendam o
conhecimento físico como um processo histórico em contínua transformação,
associado a outras formas de expressão e produção humanas. Nesse sentido, é
preciso ensinar física estabelecendo conexões entre o conhecimento informal e o
científico e compreendendo o objeto de estudo, para que se possam pensar
possibilidades de relacionar conceitos e estratégias para a solução de um
problema (Moita et al. 2012).

Para que os jogos comerciais possam ser aplicados em sala de aula, é necessário
que sejam analisados técnica e pedagogicamente. Assim, decidimos pela análise
técnica e pedagógica do game Angry Birds Rio.

O game Angry Birds Rio: Análise técnica e pedagógica

A história que ambienta o jogo é singela. Trata-se de um grupo de pássaros


furiosos após terem sido capturados e enviados por contrabandistas ao Brasil. Ao
chegar, encontram outras aves presas em gaiolas, em meio a caixas, correntes,
vidro, concreto, madeira e outros materiais. Em cada fase do game, os pássaros
furiosos, usando um estilingue, lançam-se nessas estruturas, na tentativa de
destruí-las e salvar as outras aves. Foi esse contexto que analisamos com um
instrumento de avaliação elaborado pela equipe do grupo de pesquisa TDAC,
[82] baseado nos estudos de Gee (2003), Schuytema (2008) e Savi et al. (2010).

O instrumento desenvolvido analisou quantitativamente o jogo, tomando por


base níveis de 0 a 3, no qual o zero se refere à inexistência do aspecto avaliado
no jogo e o 3 aponta uma forte conexão entre o aspecto e o jogo. Cada nível foi
relacionado a uma descrição detalhada de sua relação com o aspecto avaliado.

Foram avaliados os aspectos identidade, produção, riscos, boa ordenação dos


problemas, desafios e consolidação, sentidos contextualizados, ferramentas
inteligentes e conhecimento distribuído, equipes transfuncionais, frustração
prazerosa, interface com o usuário e fluxo. A pontuação obtida pelo jogo em
cada aspecto será descrita a seguir.
Quanto à identidade, as figuras carismáticas dos pássaros, aliadas à fantasia e à
temática do jogo, possibilitam ao jogador identificar os personagens, entretanto,
a jogabilidade em terceira pessoa ainda desfavorece a plena conexão entre
jogador e personagem. Por isso, a pontuação do jogo nesse critério foi de 2,5.

O aspecto de produção no Angry Birds Rio é irrelevante, pois o jogo não permite
que o jogador escolha níveis de customização ou qualquer outra modificação. O
roteiro do game é predeterminado e não existe alteração de acordo com as
escolhas do usuário. O nível escolhido pela avaliação foi zero.

A respeito da análise dos riscos no game, o jogador recebe um ótimo incentivo


para se arriscar no Angry Birds Rio. Apesar de não contar com passwords, cada
novo nível superado é liberado para que o jogador possa voltar quantas vezes
desejar, como um checkpoint. Além disso, as novas aves que vão surgindo
funcionam como evoluções que aumentam o arsenal de pássaros e diminuem a
quantidade de tentativas necessárias para derrubar as edificações. Bônus, como
frutas escondidas, e bombas que destroem grande parte do alvo de uma só vez
também são encontrados. Por isso, a pontuação para esse aspecto foi 3.

O Angry Birds Rio apresenta níveis e mundos. Os problemas aumentam


gradativamente, de acordo com o nível em que o jogador está. A resolução dos
problemas (destruição de edificações com um número determinado de pássaros)
dá um feedback para problemas posteriores, o que estimula a criatividade e a
capacidade cognitiva dos jogadores para identificar uma boa ordenação dos
problemas. A avaliação desse item foi nível 3.

No aspecto desafios e consolidação, os desafios apresentados foram


considerados satisfatórios, visto que surgiram novos níveis de dificuldade que
motivam o jogador a continuar a experiência e a se desenvolver gradativamente.
Entretanto, as fases do jogo não apresentam muita variação. A avaliação desse
aspecto resultou em nível 2.
No aspecto sentidos contextualizados, o Angry Birds Rio é sucinto. Não utiliza
muitas palavras e as contextualiza sempre que necessário. Os resultados
alcançados, a destruição ou não das estruturas ou a falta de pássaros para
continuar o jogo, são adequadamente contextualizados. Entretanto, a fantasia do
game não corresponde à realidade da maioria do público (uso de pássaros para
destruir edificações, contrabando de aves). A avaliação desse critério foi de nível
2,5.

Quanto aos aspectos ferramentas inteligentes e conhecimento distribuído,


observou-se que a jogabilidade do Angry Birds Rio não utiliza muitas
ferramentas inteligentes. O jogador não acompanha a força elástica do estilingue
nem a densidade dos pássaros ou do material de que são feitas as estruturas.
Dentro da proposta do jogo, o conhecimento distribuído e as ferramentas
inteligentes são satisfatórios. Esse critério alcançou nível 2 na avaliação.

Não existe a opção de jogo multiplayer no Angry Birds Rio, contudo, os


pássaros formam uma equipe em que cada um tem uma função específica, de
acordo com o tipo de material que consegue destruir com mais facilidade. Isso
favorece o conceito de equipe transfuncional, que atingiu nível 1 na avaliação.

A frustração prazerosa está intimamente ligada a outros dois critérios: riscos e


desafios e consolidação. A dificuldade dos desafios no jogo é gradativa, aumenta
de acordo com o avanço nas fases. Contudo, há incentivos e recompensas
constantes, como os novos pássaros que chegam a níveis mais difíceis e os
checkpoints. Esse equilíbrio entre dificuldade e desafio estimula a continuação
do jogo, mesmo quando se perde uma partida. Esse critério foi avaliado como
nível 3.

A interface com o usuário é intuitiva. Os controles, as configurações e os


comandos de replay, apesar de não conter elementos textuais, são facilmente
compreendidos e não interferem na janela do mundo do jogo. De acordo com os
parâmetros do instrumento avaliativo, o nível é 3.

Para Schuytema (2008), o fluxo é caracterizado quando o jogador se encontra


imerso de tal maneira no ambiente de jogo que perde a noção do tempo. Esse é o
principal objetivo do designer de games diretamente ligado à imersão e aos
demais aspectos de jogabilidade que caracterizam um bom jogo. Por esse
motivo, entre outros pontos importantes, também foi escolhido como critério de
avaliação do Angry Birds Rio.

O fluxo encontrado no game é o principal motivo de seu sucesso. A fantasia


singela e simplificada, os controles intuitivos e as recompensas alcançadas após
uma dificuldade, que aumenta a cada novo nível, dão ao Angry Birds, em todas
as suas versões, a sensação de fluxo, que a avaliação desenvolvida considerou
como de nível 3.

Tabela 1. Demonstrativo da avaliação do Angry Birds Rio

CRITÉRIO PONTUAÇÃO
Identidade 2,5
Produção 0,0
Riscos 3,0
Boa ordenação dos problemas 3,0
Desafios e consolidação 2,0
Sentidos contextualizados 2,5
Ferramentas inteligentes e conhecimento distribuído 2,0
Equipes transfuncionais 1,0
Frustração prazerosa 3,0
Interface com o usuário 3,0
Fluxo 3,0
Total 25,0
Fonte: Resultado da análise produzida pelo grupo TDAC.

Assim, no fim da análise inicial com o instrumento avaliativo, o game Angry


Birds Rio atingiu a pontuação total de 25. Em comparação com a pontuação
máxima (36 pontos), atingiu cerca de 76%, sem levar em consideração critérios
de peso. Foi considerado pela equipe, portanto, um bom jogo para ser aplicado
em sala de aula. Veja o resultado na Tabela 1.

Após a avaliação técnica e pedagógica do game Angry Birds Rio, no âmbito dos
aspectos destacados – desafio, fluxo, boa ordenação dos problemas, ferramentas
inteligentes e produção –, é possível afirmar que esse é um “bom videogame” e,
certamente, um contexto para boas aprendizagens (Gee 2010).

Metodologia

Depois de proceder à avaliação técnica e pedagógica do game, partimos para


analisá-lo da perspectiva da aprendizagem de conteúdos curriculares da área da
matemática ou da área da física, que passamos a descrever.

Análise e aplicação com conceitos matemáticos: Algumas


evidências

Uma análise do jogo, a fim de averiguar quais os conteúdos matemáticos cuja


aprendizagem se pretenderia facilitar, apontou os conceitos de razões
trigonométricas, com base em triângulos formados pelos pontos de lançamento
do pássaro e em funções do segundo grau, reconhecidas pelo formato de
parábola gerado pela trajetória do pássaro quando lançado. Esses dois conteúdos
foram selecionados para criar um foco norteador durante a pesquisa, ou seja,
para nos aprofundarmos nos conteúdos e aplicar em sala de aula com alunos do
9º ano do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio em escolas públicas
da cidade de Campina Grande, Paraíba.

Esses foram os conteúdos inicialmente selecionados, embora, em uma análise


mais abrangente, tenhamos verificado que podemos trabalhar até mesmo
conteúdos de graduação em matemática, como derivada e integral, por exemplo.

Com o material pesquisado, elaboramos um manual com orientações para que o


professor possa utilizar esse contexto em suas aulas e motivá-lo a encontrar
semelhança com outros momentos da sua prática pedagógica com esse ou outro
game. A seguir, apresentamos uma tela de ilustração da possibilidade de usar o
game no ensino de matemática, que faz parte das videoaulas desenvolvidas para
ensinar razões trigonométricas.

Os resultados da análise apontam que esse game, como recurso tecnológico para
o ensino de matemática, assume o papel dinâmico de instigador de habilidades
importantes como aceitação de riscos e formas de lidar com perdas, além do
desenvolvimento cognitivo para a resolução de problemas, características que
esperamos nos alunos. Também pode provocar interesse e motivação para o
estudo de um conteúdo novo, com um objetivo pertinente, apresentado de forma
diferente, lúdica e que faça parte do contexto sociocultural dos aprendizes
(Rubinstein 2005).

Para McGonigal (2011), como as crianças e os adolescentes devotam cada vez


mais tempo aos games e estão envolvidos nesse mundo fantástico, eles
questionam quando o mundo real – como é o caso das escolas – lhes
proporcionará um ambiente em que possam estar focados, engajados,
participando a cada momento do que estão aprendendo. Além disso, a autora
afirma que o mundo real não oferece os desafios que os games proporcionam.

No nosso caso específico, o game Angry Birds Rio alcança esse envolvimento e
ajuda aqueles que têm dificuldades no estudo de conteúdos ligados à
matemática, como a necessidade de abstrair e de relacionar contextos naturais
com os conceitos sistematizados.

Análise e aplicação com conceitos físicos: Algumas evidências

Em uma análise do game sobre os conteúdos físicos passíveis de serem


ensinados e aprendidos, verificamos que esse recurso é muito abrangente, como,
por exemplo, no movimento retilíneo uniforme, no movimento uniformemente
variado, no lançamento de projéteis, nas leis de Newton, na lei de Hooke, entre
outros.

Dentre os conteúdos citados, escolhemos iniciar a pesquisa com o lançamento de


projéteis (lançamento horizontal e lançamento oblíquo), porque, durante a
pesquisa com os conteúdos de matemática, estes últimos foram destacados pelos
professores de física como os que normalmente suscitam dúvidas e certo grau de
dificuldade tanto para quem vai ensinar quanto para quem vai aprender, já que
trabalhar com um movimento que acontece em duas dimensões não é tão fácil de
compreender, principalmente no ensino médio, visto que os alunos estão
acostumados a estudar movimentos em uma única dimensão.

Aplicamos o game a 20 alunos de ambos os sexos do 1º ano do ensino médio,


numa escola pública da cidade de Campina Grande. As respostas coletadas por
questionário confirmaram as pesquisas realizadas por Alves (2007), Gee (2010)
e Moita (2012), entre outros, de que a tecnologia aliada à educação pode dar
resultados positivos. A interação com ferramentas tecnológicas possibilita mais
assimilação do conteúdo, visto que os games criam oportunidades para, entre
outras questões, a simulação. Então, utilizar corretamente esses meios de
informação e comunicação pode ser de grande valia para o ensino de certos
conteúdos comumente ensinados de forma estática e abstrata.

Quando solicitamos aos alunos que descrevessem alguns conteúdos de física que
aprenderam ao jogar o Angry Birds Rio e ao enfrentar as dificuldades, eles não
demonstraram problema em responder. Destacamos aqui a dificuldade de usar o
estilingue para acertar os inimigos sem ver a possível trajetória que o pássaro
traçaria. Essa dificuldade pode indicar falta de conhecimento sobre o game ou
necessidade de aperfeiçoar a coordenação motora. Esta é uma habilidade que
pode ser melhorada com o uso dos games.

As respostas dos sujeitos de nossa pesquisa reafirmaram a necessidade de usar


novas metodologias em sala de aula, entre elas, os games, já que seu uso revelou
satisfação dos alunos e até interesse dos docentes em aprendê-los e utilizá-los em
suas futuras disciplinas, pois verificaram o entusiasmo e o aproveitamento dos
estudantes.

Considerações finais

A matemática e a física, assim como outras disciplinas da área de ciências


exatas, exigem dos alunos certo grau de abstração, porém, nem todos conseguem
imaginar um exemplo ou conceito dado pelo professor, porque aprendem com
modelos pedagógicos mecânicos, arcaicos, sem participar efetivamente da aula.
Como consequência, sentem-se desmotivados e até cunham “mitos” de que essas
são disciplinas difíceis e de que eles não são “capazes” de aprendê-las, o que
gera um sentimento negativo sobre o desempenho escolar que se reflete em altos
índices de evasão e repetência.

Depois de avaliar o game Angry Birds Rio e sua utilização no ensino e na


aprendizagem de conceitos matemáticos e físicos, podemos concluir que essa é
uma boa interface para modificar o fazer pedagógico em nossas salas de aula. No
caso específico da aplicação em matemática, nossas conclusões, como
mencionado anteriormente, são de que esse game, como recurso tecnológico,
assume o papel dinâmico de instigador de habilidades importantes como a
aceitação de riscos e as formas de lidar com as perdas, além do desenvolvimento
cognitivo para a resolução de problemas.

No caso da aplicação em física, concluímos que muitos estudantes não


compreendem o movimento em duas dimensões, por achar que é complexo,
quando, na verdade, é simples, se for observado por meio de um game que
permita simular o ir e vir quantas vezes forem necessárias até que se entenda o
conceito.

Utilizar um game comercial no ensino da física e ou da matemática é uma


atividade que pode ser vista por muitos como impossível ou não produtiva, em
virtude de uma visão “arcaica” de que os games não trazem nenhum benefício
para os jogadores e são considerados por alguns como perda de tempo. Isso
aponta para a necessidade de um olhar crítico e mais compreensivo dos
professores, para que percebam que seus alunos precisam compreender como
pode ser simples o conteúdo de física se eles observarem determinado fato de
seu cotidiano relacionando-o com o que foi ensinado na aula. Dessa perspectiva,
ressaltamos, ainda, como evidências destacadas pelo estudo, a emergência de os
docentes aprenderem as questões técnicas, operacionais, para manusear as
tecnologias digitais. Seu empoderamento nesses conhecimentos facilitará a
inclusão dos games no planejamento das aulas. Como recursos dinâmicos e
motivadores, os games podem proporcionar diversão, enquanto facilitam a
aprendizagem, que se torna prazerosa, eficaz e conduz ao conhecimento de
forma lúdica e por vontade própria.

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9
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM PROCESSOS
GAMIFICADOS: DESAFIOS PARA APROPRIAÇÃO DO
MÉTODO CARTOGRÁFICO

Eliane Schlemmer

Daniel de Queiroz Lopes

O contexto

Vamos imaginar que estamos em 2025, quando parte significativa das


instituições educacionais já não se encontra geograficamente localizada, mas sim
liquefeita, distribuída em um contexto de ubiquidade, constituindo-se por
diferentes espaços de aprendizagem híbridos e multimodais. A estrutura dessas
instituições, a forma de organizar o currículo, as metodologias, as práticas e os
processos de mediação pedagógica teriam mudado radicalmente, assim como a
forma de acompanhar e avaliar a aprendizagem. Os estudantes passaram a ser
acompanhados em seus diferentes percursos de aprendizagem, de acordo com
objetivos que são definidos com eles antes e durante esse percurso, considerando
o que desejam aprender na relação com as necessidades de conhecimento para
viver e conviver em um mundo em constante e acelerado desenvolvimento. Esse
percurso de aprendizagem passou a ser desenvolvido a qualquer tempo e em
qualquer lugar, num imbricamento de espaços físicos e digitais em que diferentes
tecnologias analógicas, digitais e híbridas coexistem. Nesse contexto descrito, a
presença pode se dar de forma física ou por avatar, personagem, holograma, e as
relações mediadas por todo o tipo de tecnologia.
Essa provocação inicial, que descreve um cenário educacional futurístico num
ano específico, não necessariamente pretende determinar quando nem se esse
cenário irá ou não se consolidar. A ideia de apresentarmos esse contexto como
um cenário possível é de gerar alguns campos de tensão e questionamentos com
o que apresentaremos neste capítulo. Ao mesmo tempo, a intenção de descrever
um cenário, mesmo que apenas na forma de texto, é de utilizarmos uma
estratégia comum dos games para envolver o jogador na situação de/em jogo.

Nesse caso, o que estaria em jogo num cenário de aprendizagens que ocorrem
cada vez mais mediadas por tecnologias digitais on-line? Como professores e
instituições educacionais poderiam se pensar nesse contexto complexo de
multimodalidade, fluidez e ubiquidade sem perder de vista o protagonismo que
caracteriza seus projetos político-pedagógicos e suas práticas curriculares?

Sem a intenção de encerrar tais questionamentos, apresentaremos uma


experiência teórica, metodológica e tecnológica envolvendo processos
gamificados inspirados no método cartográfico como estratégia para dar conta
do problema do acompanhamento e da avaliação das aprendizagens em
contextos de hibridismo tecnológico e multimodalidade. Entendemos que tais
contextos estão mais facilmente sujeitos à pulverização dos espaços de
participação e registro e, portanto, podem dificultar o exercício da docência e da
discência no que diz respeito tanto à mediação pedagógica quanto à avaliação. O
desafio que nos tem motivado a experienciar a docência por meio de processos
gamificados está em considerar tanto o modo organizativo e estruturado que é
engendrado pelas dinâmicas dos games quanto a necessária abertura à
imprevisibilidade inerente ao processo de ensinar e de aprender.

Os sujeitos da aprendizagem

Com o objetivo de estabelecer diferenciações entre os sujeitos que nasceram


num mundo digital e os nascidos num mundo pré-digital, alguns estudiosos e
pesquisadores (Tapscott 1998; Howe e Strauss 2000; Prensky 2001; Oblinger
2003; Veen e Vrakking 2009) têm utilizado diferentes denominações
(Schlemmer, no prelo). Ao demarcar distinções entre a geração atual e as que a
precederam, a maior parte desses autores trata do tema da cultura digital de uma
perspectiva geracional. Para além da classificação e da tipificação de
comportamentos e hábitos de diferentes gerações, ao observarmos crianças e
jovens que, em diferentes épocas, vêm se desenvolvendo cada vez mais em
interação com tecnologias – analógicas e digitais –, é possível perceber
mudanças profundas nos modos como se apropriam e se inserem na cultura.
Desenvolveram uma forma de pensar e organizar o pensamento com base em
meios não só analógicos, mas também digitais, e essa combinação (construída
nessa coexistência) tem possibilitado um nível de ação e de interação muitas
vezes extremamente dinâmico e instantâneo. A rede social é expandida pela
presença em diferentes massively multiplayer on-line role-playing games
(MMORPGs) e mídias sociais, que se fazem e desfazem, dependendo dos
interesses. Em razão dessa forma de agregação em rede, fluída, a relação com
sistemas hierarquizados nem sempre é tranquila.

Considerando o exposto, Schlemmer (no prelo) afirma que adjetivações


atribuídas tanto às gerações quanto à cultura evidenciam, muitas vezes, um
pensamento binário, visões dicotômicas, percepções polarizadas, se
considerarmos que cada vez mais vivemos e convivemos em espaços híbridos,
multimodais, ubíquos, em que coexistem diferentes tecnologias, modalidades,
culturas. Estamos falando de uma sociedade intercultural,[83] multicultural[84] e
multiétnica que se desenvolve e, ao mesmo tempo, impulsiona o
desenvolvimento de diferentes tecnologias analógicas e digitais.
Simultaneamente, podemos estar interagindo num espaço analógico, presencial
físico e num espaço digital virtual, com objetos tanto analógicos quanto digitais
e com uma combinação destes. É nesses novos espaços que os sujeitos, em
movimentos nômades,[85] interagem, constroem conhecimentos e aprendem, o
que nos faz pensar que uma nova compreensão de cultura e de sociedade possa
estar emergindo, de uma perspectiva de coexistência, de respeito mútuo,
solidariedade interna, reconhecimento do outro como legítimo outro na
interação. Portanto, não se trata de encontrar uma nova denominação para essa
cultura e/ou sociedade que está emergindo, a fim de não cairmos novamente nas
armadilhas de um pensamento binário e reducionista, mas, sim, de pensarmos
com base na complexidade.
Então, mais do que classificar, interessa-nos compreender o que essas mudanças
podem significar para o contexto da educação, em especial para o tema da
avaliação das aprendizagens. Assim, é possível questionar: quais são os
tensionamentos e desafios das práticas avaliativas, considerando esses sujeitos, o
avanço das tecnologias digitais e as modificações nos espaços educacionais
rumo a uma perspectiva híbrida e multimodal?

Práticas de avaliação em novos contextos: Tensionamentos e


desafios

A cultura digital emergente sugere um cenário no qual o viver e o conviver


ocorrem cada vez mais em espaços híbridos, multimodais, ubíquos, em que
coexistem diferentes tecnologias, modalidades e culturas. É nesses espaços que
os atuais sujeitos da aprendizagem, em movimentos nômades, constroem
conhecimento, aprendem. Nesse contexto, a tarefa de avaliar as aprendizagens
oferece novos desafios e adquire outras complexidades, que exigem novos
procedimentos e instrumentos mais articulados ao desenvolvimento de um
sujeito conectado a novas interfaces informacionais que requerem a coordenação
de ações individuais e coletivas. Portanto, avaliar nesse contexto não se apoia em
processos comparativos, massificantes, classificatórios ou, ainda, punitivos, mas,
sim, em um processo de acompanhamento individual e coletivo, relacionado a
percursos pessoais, a fim de orientar e possibilitar a tomada de consciência sobre
a aprendizagem e seus objetivos.

As críticas relacionadas aos modos de avaliação tradicionais são frequentes,


principalmente aos que se baseiam em testes e provas que avaliam conteúdos
ensinados com base na memorização e na reprodução da informação. Além
disso, os sistemas de notas geralmente não oferecem referentes para que o
sujeito reoriente e corrija os rumos da aprendizagem. Esses sistemas de notas
oferecem apenas um marco para um conteúdo dado como finalizado e definem
quem pode passar para o próximo conteúdo a ser ensinado. Além disso, é
importante lembrar que o mais comum é que a avaliação seja realizada
individualmente, sem consulta a qualquer material. A questão é: por que a
avaliação é realizada dessa forma?

Algumas das críticas que podemos lançar a esse tipo de processo avaliativo e
que pretendemos tensionar em relação à gamificação podem ser sintetizadas nos
seguintes aspectos: propostas instrucionais padronizadas, massificadas, centradas
no conteúdo, na informação, com base nas quais os sujeitos se situam como
cumpridores de tarefas e roteiros; propostas cujo planejamento desconsidera o
contexto, as características e as necessidades – afetivas e cognitivas – dos
sujeitos, bem como as especificidades da área do conhecimento e suas relações
com as demais áreas.

Percebe-se, claramente, um descompasso entre o que as atuais teorias de


aprendizagem e os resultados de pesquisas inter e transdisciplinares apontam e o
que se observa nas práticas de avaliação das aprendizagens em sala de aula. Esse
descompasso pode estar ocorrendo em razão do desconhecimento ou da falta de
atribuição de significado às novas teorias e aos resultados de pesquisas no que se
refere à avaliação das aprendizagens ou, ainda, podem estar limitados pelo
contexto institucional que responde a sistemas de avaliação em pequena e larga
escala orientados mais por políticas do que por epistemologias.[86]

Então, como pensar a avaliação no contexto de uma cultura que é híbrida e


multimodal? Como ela pode ser reconfigurada, considerando a cultura pós-
massiva e das redes de sociabilidade?

Ao considerarmos o contexto inicialmente apresentado, que nos instiga a refletir


sobre quem são os sujeitos da aprendizagem e quais são os tensionamentos e
desafios das práticas de avaliação expostos, entramos no mundo dos games e da
gamificação, buscando compreender o que é possível aprender com essas
possibilidades e baseados nelas.
Games e gamificação

O jogo está presente na vida dos seres humanos desde os tempos primitivos e
tem sido estudado (Schlemmer 2014) como elemento do desenvolvimento
humano (Piaget 1964), presente na raiz da cultura (Vygotsky 1994) como uma
das manifestações do plano simbólico e da sociabilidade. Para além da dimensão
simbólica, segundo Huizinga (1993), o jogo “é função de vida” (p. 10),
“atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total” (p. 16).

Para Veen e Vrakking (2009), o sucesso obtido por jogadores em um game[87]


possibilita um sentimento profundo de confiança e eleva a autoestima, o que
contribui para que os jogadores se tornem confiantes quando tiverem de abordar
um problema que pareça complexo. Uma vez solucionado o problema, os
sujeitos experimentam uma sensação positiva, e isso ajuda a se motivarem ainda
mais para o próximo desafio. Quando os games acontecem em rede, os jogadores
aprendem de forma colaborativa e cooperativa, definem estratégias e
compartilham dicas para jogar melhor.

Os jogos se tornam significativos para os jogadores, principalmente porque


possibilitam viver uma experiência capaz de atribuir sentido às informações. Ao
entrar em um game, o sujeito é desafiado a explorar, a realizar missões, o que o
coloca no controle do processo, no qual, por meio de sua ação e interação (no e
com o próprio ambiente do jogo, com um NPC[88] ou outros jogadores – o que
resulta em atividade constante), enfrenta problemas, descobre caminhos e
soluções, define estratégias, toma decisões, enfim, vive experiências, e tudo isso
de forma divertida, favorecendo a imersão e o engajamento. Um jogo precisa
considerar: nível de imersão (estado de flow), agência e diversão.
O que atrai tanto os jogadores é o desafio. Sentir-se desafiado a resolver um
problema e chegar ao próximo nível é o que os instiga, pois possibilita que
ampliem o seu EXP, ou seja, seu nível de experiência. Então, o que as práticas de
avaliação podem absorver disso? Como podemos construir estratégias de
acompanhamento e avaliação das aprendizagens que possibilitem acompanhar os
sujeitos enquanto vivenciam experiências?

Relacionado ao desafio, ao sentimento de engajamento, de pertencimento, estão


a DGBL (digital game-based learning – aprendizagem baseada em jogos), as
narrativas interativas e a gamificação. No que se refere à DGBL, podemos
identificar pelo menos três abordagens:

• jogos educacionais (jogos criados com objetivos educacionais para trabalhar


conteúdos específicos com os estudantes);

• jogos cujo objetivo da criação não é educacional, mas podem ser explorados
em diferentes contextos de aprendizagem, tal como os jogos comerciais: Age of
Empire e Civilization, para estudar história; Globetrotter XL e Carmen Sandiego
para geografia; Spore para biologia; Guitar Hero para música; Brain Age para
matemática, entre tantos outros;

• softwares que permitem que o sujeito crie seus próprios jogos, tais como o
Scratch (linguagem de programação desenvolvida pelo grupo de Lifelong
Kindergarten no Media Lab do MIT); o ARIS Games (plataforma open-source
para a criação de jogos para celular, usando o GPS e QRCodes), Gamemaker;
Construct 2, e Microsoft Kodu (uma linguagem de programação que as crianças
podem usar para criar jogos para a plataforma de jogos Xbox), dentre outros.
(Schlemmer 2014, pp. 77-78)

Outra perspectiva interessante, vinculada à DGBL, mas que não se reduz a ela, é
a construção de narrativas interativas, utilizando também as denominadas novas
mídias,[89] o que possibilita ao sujeito criar sua própria narrativa, ao mesmo
tempo em que participa dela, provocando, assim, um nível maior de
envolvimento, de imersão. Dessa perspectiva, uma história pode se desdobrar em
diversas outras, que podem estar acontecendo em tempos e espaços paralelos.

Já a gamificação, conceito criado em 2002 pelo britânico Nick Pelling, mas que
se dissemina a partir de 2010, pela ampla utilização em diversos contextos, tais
como marketing, educação, estratégia militar e negócios, consiste basicamente
(Schlemmer 2014) em utilizar a forma de pensar dos games, os estilos e as
estratégias de games e os elementos presentes no design de games, tais como
mecânicas e dinâmicas (M&D), em contextos não game, como meio para
engajar os sujeitos na resolução de problemas (Zichermann e Linder 2010;
Zichermann e Cunningham 2011; Deterding et al. 2011; Kapp 2012). No âmbito
da educação, ele pode estar presente em diferentes áreas e níveis educacionais
(Domínguez et al. 2013).

A gamificação se ocupa, então, de analisar os elementos que estão no design de


jogo e o tornam divertido, adaptando-os para aplicações que, normalmente, não
são consideradas jogos, criando, desse modo, uma camada de jogo em uma
aplicação, um processo ou um produto, no lugar de ser, na origem, um jogo.

O fenômeno gamificação é emergente e deriva diretamente da popularização e


popularidade dos games e de suas capacidades intrínsecas de instigar a ação,
resolver problemas e potencializar aprendizagens nas diversas áreas do
conhecimento. Além disso, é importante mencionar que os games são
amplamente aceitos pelas atuais gerações que cresceram interagindo com esse
tipo de entretenimento. Dessa forma, a gamificação se justifica de uma
perspectiva sociocultural, uma vez que pressupõe a utilização de elementos
tradicionalmente encontrados nos games, como narrativa, sistema de feedback,
sistema de recompensas, conflitos, cooperação, competição, objetivos e regras
claras, níveis, tentativa e erro, diversão, interação, interatividade, entre outros.
Esses elementos são inseridos em atividades não diretamente associadas aos
games, com a finalidade de tentar obter o mesmo grau de envolvimento e
motivação que normalmente se encontra nos jogadores quando em interação com
bons games (Fardo 2013).

O conceito de gamificação não implica criar um game que aborde o problema e


recrie a situação dentro de um mundo digital virtual, mas, sim, usar as
estratégias, os métodos e os conceitos para resolver os problemas encontrados
nos mundos digitais virtuais em situações do mundo real (presencial físico)
(ibid.).

Dado que uma das potencialidades fundamentais dos games está em propiciar
aos sujeitos viver uma experiência, pois possibilita que diversas informações
estejam integradas ao plano da experiência, ou seja, permite construir situações
baseadas em informação que possam ser contextualizadas, experienciadas pelos
sujeitos, não é difícil imaginar o potencial das estratégias gamificadas para trazer
o jogo para o contexto da educação.

Quando falamos em gamificação, precisamos pensar nas mecânicas dos games


(que são responsáveis pelo funcionamento dos componentes do game, que
permitem ao gamer ter um controle total sobre os níveis do game e, desse modo,
orientar suas ações), assim como nas dinâmicas dos games (que são as interações
do gamer com as mecânicas do jogo, que determinam o que cada gamer está
fazendo em resposta à mecânica do sistema em atividades individuais ou com
outros gamers) (Zichermann e Cunningham 2011). É fundamental que, ao
gamificarmos um processo, sejam considerados os benefícios que compõem o
game, isto é, os aspectos que o tornam desafiador, divertido, gratificante ou que
despertem outra emoção esperada pelos designers de games.

Gamificação: Muito além de PBL


É importante salientar que a gamificação não se reduz à perspectiva points,
badges, and leaderboards (PBL),[90] o que representa a parte mais simples dos
games. Tal perspectiva é fácil de ser realizada, é escalável e de baixo custo, por
isso, disseminou-se rapidamente. Embora esteja presente no design de muitos
games para motivar comportamento e direcionar os sujeitos para determinadas
ações, os PBL não tornam algo chato em algo mais emocionante, pois falham
principalmente no que se refere ao engajamento dos sujeitos. Muitos autores,
como Chou[91] (2015), referem que os pontos, as medalhas e o quadro de
ranking são importantes como bônus, dependendo do contexto. Segundo eles,
existe uma diferença entre motivação extrínseca (você está envolvido em razão
de um objetivo ou recompensa) e a motivação intrínseca (a atividade em si é
divertida e emocionante, com ou sem uma recompensa).

A perspectiva dos PBL é denominada por Chou de “casca de uma experiência de


jogo”, é uma visão reducionista da gamificação e, muitas vezes, presta um
desserviço à área, uma vez que pessoas com conhecimento superficial sobre a
metodologia e a filosofia da gamificação acabam por acreditar que gamificar
algo consiste basicamente em criar um sistema de pontuação, distribuição de
medalhas e quadro de ranking, reduzindo a gamificação a um modismo, algo
superficial e de baixo poder de inovação.

Quando questionados por que gostam tanto de jogar, os jogadores não se referem
aos PBL, mas aos desafios, às missões, às estratégias, conforme já apontaram
Veen e Vrakking (2009). São essas possibilidades que podem contribuir
significativamente para a imersão, agência e diversão do sujeito, pois é preciso
que ele mergulhe em uma experiência, a fim de compreendê-la, ou seja,
vivenciá-la. Nesse sentido, Chou ajuda ao mencionar que, no lugar de começar a
pensar a gamificação com base nas mecânicas de jogo, é preciso começa a
pensar: 1) em como se espera que os sujeitos se sintam (inspirados, orgulhosos,
com medo, ansiosos); 2) em quais objetivos eu tenho (ou a instituição tem) com
a experiência – somente depois disso é que se começa a pensar em que tipo de
elementos e mecânicas podem ajudar a garantir que o sujeito se sinta daquela
forma e que atinja os objetivos pretendidos; 3) que os elementos de jogo são
apenas um meio para um fim, e não um fim em si mesmos.
Ao focar no sujeito, no modo como desejamos que ele se sinta naquele processo
gamificado, a compreensão da gamificação passa a pressupor o entendimento do
sujeito, de seus anseios na relação com o ambiente, o contexto em que ele se
encontra, portanto, das limitações extrínsecas (do meio externo) e intrínsecas
(automotivadas). Dessa perspectiva, Chou (2015) entende que a maior
contribuição que a gamificação apresenta é a oposição ao tradicional modelo de
design focado em funcionalidade para o design focado no aspecto humano, ou
seja, a mudança de um modelo orientado ao desenvolvimento de tarefas no
menor tempo possível para um modelo que parta do conhecimento dos sujeitos,
considerando seus sentimentos, suas inseguranças e suas opiniões. É um
processo de design que instiga a motivação humana no lugar da pura eficiência.

Essa compreensão da gamificação pode provocar mudanças culturais


significativas para a educação. A gamificação na educação se propõe, então, a
utilizar mecânicas, dinâmicas, estilo e pensamento de jogos em contextos
educacionais como meio para a resolução de problemas e engajamento dos
sujeitos da aprendizagem. Um exemplo de uso da gamificação na educação pode
ser encontrado quando se faz uso de elementos de design de jogos para
ressignificar e desenhar, de outra perspectiva, o currículo, as práticas e os
processos de mediação pedagógica. Ainda no que se refere à gamificação na
educação, podemos pensar essa proposta de pelo menos duas perspectivas:

enquanto persuasão – estimulando a competição, tendo um sistema de


pontuação, de recompensa, de premiação etc., o que, do ponto de vista da
educação, reforça uma perspectiva epistemológica empirista; e enquanto
construção colaborativa e cooperativa – instigada por desafios, missões,
descobertas, empoderamento em grupo, o que, do ponto de vista da educação,
nos leva à perspectiva epistemológica interacionista-construtivista-sistêmica
(inspirados, por exemplo, por elementos presentes nos massively multiplayer on-
line role-playing games – MMORPGs). (Schlemmer 2014, p. 77)

Desse modo, na origem da gamificação de um processo, estão a compreensão do


problema e o contexto, o que envolve compreender a cultura dos sujeitos, do
ambiente e os objetivos pessoais do jogador. Dessa perspectiva, é possível
pensar no conjunto de M&D que será utilizado para desenvolver a gamificação,
o que permitirá identificar em qual perspectiva ela se situa, podendo, em um
mesmo processo gamificado, haver a combinação de ambas.

Vinculada à DGBL e à gamificação está a perspectiva explicitada, por exemplo,


por movimentos como games for change, cujo objetivo consiste na utilização de
jogos eletrônicos para o desenvolvimento social. Segundo McGonigal (2011), as
pessoas preferem jogos de cooperação. Se olharmos para o que acontece nos
jogos, veremos que muitas pessoas não querem competir, querem trabalhar com
seus amigos para atingir um objetivo comum, ou seja, estar junto. Nesse
contexto, é possível destacar três critérios fundamentais quando pensamos em
um projeto de gamificação: 1) provocar a cooperação entre os sujeitos; 2)
instigar a troca de informações e compartilhamento entre os sujeitos; 3) propiciar
o aprender fazendo.

Ainda segundo McGonigal, se os jogadores estão dispostos a realizar desafios


que envolvam obstáculos, muitas vezes desnecessários, isso significa que os
jogos têm a capacidade de mobilizar. Nesse caso, então, poderiam ser utilizados
como instrumento para a transformação social. Baseada nessa constatação, a
autora criou projetos enfocando a perspectiva social, tais como: Evoke (2010)
para soluções inovadoras crowd-source, para nações em desenvolvimento;
Superstruct (2008) para simular crises globais em relação à fome e às doenças;
World without oil (2007) para incentivar a consciência para o combustível
alternativo. Da mesma forma, foram desenvolvidos jogos para fontes alternativas
de energia, gestão da dívida e nutrição.

Dessa forma, a presença dos games e da gamificação vem crescendo em


importância, conforme as pesquisas evidenciam sua contribuição para:

1) um maior envolvimento efetivo dos sujeitos nos processos de ensino e de


aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, da autoria, da
colaboração, da cooperação, bem como instigando a identificação e resolução de
problemas e o pensamento crítico; 2) a ampliação das possibilidades da
construção de sentidos – significação de conceitos, de forma divertida; 3) o
desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo, por meio da vivência de diferentes
experiências. (Schlemmer 2014, p. 78)

Tanto a DGBL quanto a gamificação se propõem a empoderar os sujeitos e


podem ser potencializadas quando associadas a dispositivos móveis e sem fio,
mídias sociais, web ubíqua, sistemas de geolocalização, realidade misturada[92]
(RM) e realidade aumentada[93] (RA). Nesse contexto, falamos de hibridismo,
de multimodalidade e de ubiquidade, conceitos que serão explicitados a seguir.

Hibridismo, multimodalidade e ubiquidade

O nosso viver e conviver ocorrem cada vez mais em espaços híbridos,


multimodais, ubíquos, em que coexistem diferentes tecnologias, modalidades e
culturas. É nesses espaços que os atores humanos, em movimentos nômades, que
envolvem ação e interação, tecem relações em um imbricamento com outros
atores humanos e não humanos, em diferentes tempos, na construção de um
mundo de significados.

O híbrido é compreendido com base em Latour (1994) como constituído por


múltiplas matrizes, misturas de natureza e cultura, portanto, a não separação
entre cultura/natureza, humano/não humano etc. No contexto deste capítulo,
trata-se de ações e interações entre atores humanos e não humanos, em espaços
de natureza analógica e digital, em um imbricamento de diferentes culturas
(digitais e pré-digitais), constituindo-se em fenômenos indissociáveis, redes que
interligam naturezas, técnicas e culturas.
Dessa forma, para Latour, os híbridos emergem como intermediários entre
elementos heterogêneos – objetivos e subjetivos, individuais e coletivos. São
formas que “se conectam ao mesmo tempo à natureza das coisas e ao contexto
social, sem, contudo, reduzir-se nem a uma coisa nem a outra” (ibid., p. 11).
Essa intermediação é possível, segundo o autor, pois tais elementos não são
estanques.

Portanto, o híbrido é aqui compreendido quanto à natureza dos espaços


(analógico e digital), quanto à presença (física e digital), quanto às tecnologias
(analógicas e digitais) e quanto à cultura (pré-digital e digital).

No que se refere ao multimodal, entendem-se distintas modalidades educacionais


imbricadas, ou seja, modalidade presencial física e modalidade on-line, podendo
combinar electronic learning (e-learning), mobile learning (m-learning),
pervasive learning (p-learning), ubiquitous learning (u-learning), immersive
learning (i-learning), gamification learning (g-learning) e digital game-based
learning (DGBL).

Para Saccol, Schlemmer e Barbosa (2011), ubiquitous learning (aprendizagem


ubíqua) se refere a processos de aprendizagem que podem ocorrer com o uso de
dispositivos móveis, conectados a redes de comunicação sem fio, sensores e
mecanismos de geolocalização, capazes de colaborar para integrar os aprendizes
a contextos de aprendizagem e a seu entorno, permitindo formar redes
presenciais físicas e digitais virtuais entre pessoas, objetos, situações ou eventos.
O conceito ubiquitous learning, para além da mobilidade, indica que as
tecnologias digitais potencializam a aprendizagem situada, disponibilizando ao
sujeito uma gama de informações “sensíveis” a seu perfil, suas necessidades, seu
ambiente e a demais elementos que compõem seu contexto de aprendizagem em
qualquer lugar e a qualquer momento. A essa possibilidade, podem estar
vinculadas tecnologias de localização (GPS, sistemas de navegação, sistemas de
localização de pessoas, jogos móveis); tecnologias de identificação (RFID e
QRCode); sensores, entre outras.
Relacionadas à mobilidade e à ubiquidade estão também a “realidade misturada”
e a “realidade aumentada”, que combinam uma cena presencial física, vista por
um sujeito, com uma cena digital virtual. No caso da realidade aumentada, o
digital acrescenta informação à cena presencial física, ampliando-a, ou seja,
“aumenta a cena”, potencializando o conhecimento a respeito de objetos, lugares
ou eventos. Tanto a RM quanto a RA têm conceitos diferentes e diversos tipos de
configuração, porém, ambas consistem, basicamente, no reconhecimento de um
objeto, nomeado “marcador”, projetado em um ambiente presencial físico, uma
câmera que capta esse objeto e um software específico capaz de receber as
informações enviadas pela câmera, interpretá-las e projetar a informação digital
virtual sobre o objeto do espaço presencial físico.

Desse modo, é importante considerar que o hibridismo e a multimodalidade


comportam diferentes formas de presença, dando oportunidade, até, à presença
simultânea em espaços distintos, por exemplo, quando um sujeito está presente,
de forma presencial física, em um ambiente educacional no mundo presencial
físico (biblioteca, sala de aula, auditório, entre outros), agindo e interagindo com
diferentes atores humanos e não humanos que também estão fisicamente
presentes nesse espaço e, simultaneamente, está presente de forma digital virtual,
por meio de um avatar, em um mundo digital virtual em 3D ou, ainda, por meio
de um personagem em um game on-line, agindo e interagindo com outros atores
também humanos e não humanos que, assim como ele, estão presentes de forma
digital virtual. É preciso considerar também a presença digital virtual por meio
de um perfil nas mídias sociais ou a telepresença por meio de videoconferência e
webconferência.

Tudo isso, lembrando que, ao falar de mobilidade, pervasividade e ubiquidade,


de certa forma, já estamos falando do híbrido e do multimodal, pois são
perspectivas que hibridizam a natureza dos espaços (analógico e digital), a
presença (física e digital), as tecnologias (analógicas e digitais). Ainda quanto à
gamificação e à aprendizagem baseada em jogos, elas podem ou não envolver
contextos de hibridismo e multimodalidade, dependendo de como são
desenvolvidas. Porém, a ideia de hibridismo e de multimodalidade apresenta
múltiplas possibilidades de inscrição e participação, introduz um campo
problemático no que diz respeito ao acompanhamento e avaliação das
aprendizagens. A pulverização dos espaços de participação e registro pode gerar
dificuldades tanto para professores quanto para estudantes. A gamificação,
apesar de criar condições que, de certa forma, organizam ou distribuem esses
espaços de ação e participação de forma coordenada e intencional, por si só,
pode não ser suficiente para que seja possível acompanhar processos que,
dependendo da abertura do campo de possibilidades de um jogo, são
imprevisíveis. E como seria possível considerar o aspecto de imprevisibilidade
inerente ao processo de ensinar e de aprender?

O método cartográfico como inspiração

No contexto das pesquisas que desenvolvemos no grupo de pesquisa Educação


Digital (GPe-dU/Unisinos/CNPq), temos explorado metodologias de pesquisa e
intervenção que possam inspirar novas práticas, alinhadas à necessidade de
compreender o fenômeno das aprendizagens na sua complexidade – social,
política, cognitiva, afetiva e tecnológica. Dentre esses projetos, temos o “Escola
aumentada: Cartografias digitais para as aprendizagens e a cidadania” e o
“Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais”, ambos
financiados pela Capes e pelo CNPq. Sob diferentes enfoques e em diferentes
contextos, esses projetos exploram a ideia de hibridismo da perspectiva da
atenção cartográfica. Foi no contexto desses projetos que o método cartográfico
de pesquisa e intervenção passou a ser objeto de estudo.

O método cartográfico proposto por Deleuze e Guattari (1995) tem sido


explicitado e investigado no Brasil por Kastrup (2007; 2008), Passos, Kastrup e
Escóssia (2009). Resumidamente, segundo Kastrup (2007), a cartografia é um
método que visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. Em
linhas gerais, trata-se sempre de investigar um processo de produção, sem buscar
estabelecer um caminho linear para atingir um fim. “A cartografia procura
assegurar o rigor do método sem abrir mão da imprevisibilidade do processo de
produção do conhecimento, que constitui uma exigência positiva do processo de
investigação ad hoc” (ibid., p. 19). Sua construção caso a caso não impede que
se procure estabelecer algumas pistas que têm em vista descrever, discutir e,
sobretudo, coletivizar a experiência do cartógrafo. A atenção cartográfica é
definida como concentrada e aberta, caracterizando-se por quatro variedades: o
rastreio, o toque, o pouso e o reconhecimento atento.

Apesar de o método proposto por Kastrup estar orientado para a prática da


pesquisa em ciências humanas, pensamos na potência desse método para
acompanhar processos de aprendizagem em contextos de hibridismo e de
multimodalidade, bem como na possibilidade de apropriação do método por
professores e estudantes em seus próprios percursos de aprendizagem. Nesse
sentido, elaboramos algumas experiências para serem realizadas em contextos de
formação e capacitação de professores e alunos (Lopes e Valentini 2012; Lopes,
Sommer e Schmidt 2014) – no ensino fundamental – e da própria sala de aula –
disciplinas realizadas em cursos de graduação. Dessa forma, nosso interesse tem
sido explorar alguns elementos relacionados à cultura digital e aos novos
regimes de ação, participação e socialização da experiência. Para tanto, no
contexto das escolas, delineamos algumas experiências envolvendo a atenção
cartográfica com suporte das mídias digitais, da geolocalização e da marcação
digital (QRCodes) para provocar uma experiência de cartografia local de
pessoas, objetos e lugares do espaço público. No contexto da graduação (ensino
superior), procuramos produzir e provocar experiências de aprendizagem
inspiradas nos movimentos da atenção cartográfica. Diferentemente de uma
cartografia clássica (mapeamento), a ideia foi provocar experiências estéticas
e/ou informacionais para a produção de sentidos sobre o lugar onde
vivemos/transitamos/habitamos – no caso das escolas – e sobre os tópicos de
aprendizagem das atividades acadêmicas da graduação – no caso do ensino
superior. O objetivo dessa experiência seria ativar a sensibilidade e a cognição
como funções da inteligência, o registro e o compartilhamento como funções da
sociabilidade. Neste capítulo, vamos nos deter mais especificamente na
experiência realizada no ensino superior.

Conforme já mencionamos, a inspiração no método cartográfico para


desenvolver uma prática pedagógica intervencionista e gamificada focou
principalmente nos movimentos da atenção proposto por Kastrup e outros.
Salientamos que não nos propusemos uma transposição do método na concepção
desses autores, mas, sim, uma experimentação dos movimentos da cartografia na
gamificação. Nesse caso, a metáfora das pistas e do rastreio serviu de inspiração
para concebermos a composição das trilhas, bem como a própria progressão no
jogo. Rastreio (varreduras do campo), toque (acionamento do processo de
seleção), pouso (parada – zoom) e reconhecimento atento (percepção do
contexto global das missões) foram considerados achievements,[94] ao mesmo
tempo em que poderiam ser entendidas como skills (habilidades) para a própria
jogabilidade e sociabilidade. O fato de as dinâmicas dos jogos envolverem a
evolução por etapas ou fases e de se situarem com base na resolução de
problemas pode ser considerado um limitador do ponto de vista conceitual para a
compreensão da atenção cartográfica, principalmente no que se refere à noção de
rizoma. Discutiremos esse aspecto mais adiante.

A seguir, apresentamos uma vivência vinculada à gamificação no contexto do


hibridismo e da multimodalidade no ensino superior.

Gamificação: A metodologia na prática

A vivência apresentada a seguir está mais diretamente vinculada ao contexto da


pesquisa “Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais”, já
mencionada.

Atividade acadêmica cognição em jogos digitais[95]

O objetivo da atividade acadêmica consistia em possibilitar que os sujeitos se


apropriassem dos principais conceitos de teorias da cognição, que deveriam ser
identificados no processo de jogar, bem como de subsidiar o desenvolvimento de
jogos a serem criados no contexto da atividade.
A proposta metodológica foi inspirada no método cartográfico de pesquisa e
intervenção (Passos, Kastrup e Escóssia 2009), no sentido de experimentar uma
prática pedagógica intervencionista e a gamificação, associadas à metodologia
de projetos de aprendizagem adaptada ao ensino superior (Schlemmer 1999,
2001, 2002 e 2005; Schlemmer e Trein 2009), na vinculação com os conceitos
de flipped classroom e Byod,[96] da perspectiva da construção de espaços de
convivência híbridos e multimodais. A metodologia envolveu ainda seminários
com a participação de especialistas, de acordo com a teoria abordada, os desafios
e o desenvolvimento dos projetos de aprendizagem. A avaliação da
aprendizagem priorizou a compreensão e o caráter formativo. As sucessivas
produções de cada sujeito foram acompanhadas/avaliadas em termos de
qualidade crescente.

A motivação para gamificar essa atividade surgiu da percepção de um problema


que se refere ao distanciamento entre as práticas pedagógicas atualmente
desenvolvidas no contexto do ensino superior e a forma como os sujeitos
aprendem, considerando os meios com os quais interagem. Analisando o
contexto, o desejo foi de que os sujeitos se sentissem instigados, provocados,
curiosos, com sede de aprender, e que isso pudesse acontecer de uma forma
divertida. Compreendido o problema e o contexto, realizou-se então um diálogo,
a fim de conhecer melhor os sujeitos, suas necessidades e expectativas.[97] 1)
Após esse momento, foi apresentado e colocado em discussão o objetivo da
atividade; 2) Após essas duas etapas, é que se começou a pensar que tipos de
elementos e mecânicas poderiam ajudar a garantir que o sujeito se sentisse da
forma desejada e que permitiriam atingir os objetivos pretendidos por ele e pela
instituição; 3) Um dos elementos definidos foi o de que a gamificação se daria
em um contexto híbrido e multimodal,[98] envolvendo a mecânica de pistas em
QRCode, pistas em RA,[99] pistas vivas (on-line e presenciais físicas) e
conquista de poderes (conhecimentos). Outro elemento definido foi o projeto
que poderia envolver o desenvolvimento de qualquer jogo ou, ainda, situação
gamificada, podendo ser de natureza analógica, digital ou híbrida. Acordou-se
que a avaliação se daria no acompanhamento do processo de aprendizagem de
cada sujeito ao percorrer as diferentes fases, as quais possibilitariam conquistar
poderes (conhecimentos construídos). A possibilidade de conquistar mais
poderes ocorreria à medida que os sujeitos: ampliassem os observáveis na ação
de jogar (em razão da atribuição de sentidos à teoria em estudo); buscassem e
indicassem referências relevantes (textos, áudios, vídeos, jogos, aplicativos etc.);
evidenciassem condutas de autonomia e autoria nos processos de interação e
construção do projeto; criassem redes de interações no grupo e entre os grupos;
propusessem questões, socializassem reflexões e realizassem críticas;
compartilhassem os conhecimentos, colaborassem e cooperassem entre si;
identificassem o interesse e envolvimento dos sujeitos-teste com o jogo ou
situação gamificada criada. Isso culminou em outro elemento: trabalhar com
achievements, que poderiam ser liberados em razão do próprio desenvolvimento
dos sujeitos na atividade gamificada. Assim, foram pensados os seguintes
achievements: observador,[100] explorador,[101] ator,[102] tecelão,[103]
cartógrafo,[104] problematizador,[105] colaborador[106] e cooperador.[107]

Dessa forma, evidenciam-se os critérios fundamentais, quando pensamos em um


projeto de gamificação: 1) provocar a cooperação entre os sujeitos; 2) instigar a
troca de informações e o compartilhamento entre os sujeitos; 3) propiciar o
aprender fazendo, conforme apresentado anteriormente. Desse modo, a
gamificação foi sendo construída, resultando em nove fases, a saber: Fase I – O
explorador – Caça à teoria; Fase II – O observador – Buscando pistas ao jogar;
Fase III – O explorador – Desvendando mistérios da área de games na relação
com a educação; Fase IV – O tecelão – Tecendo as observações; Fase V – O ator
– Construindo os concepts; Fase VI – O cartógrafo – Mapeando o caminho; Fase
VII – O ator – Construindo o mapa e o jogo; Fase VIII – O explorador –
Desvendando mistérios das teorias; Fase IX – O tecelão – Tecendo com a teoria.

Considerações finais

Estabelecendo uma primeira relação entre a avaliação das aprendizagens e as


mecânicas da gamificação, entendemos que a avaliação não pode ser reduzida à
PBL, o que configura a perspectiva da persuasão, representando, do ponto de
vista da educação, um retrocesso epistemológico. Muito além disso, da
perspectiva da gamificação, entendemos que a avaliação pode e precisa ser
pensada como construção e processo focado no sujeito, no acompanhamento do
seu percurso de aprendizagem, instigando os sujeitos por meio de desafios,
missões, descobertas, empoderamento em grupo. Dessa forma, entendemos que,
do ponto de vista educacional, a gamificação pode oferecer subsídios
epistemológicos importantes.

Essa proposta, inspirada pelo método cartográfico de pesquisa, como


metodologia de acompanhamento e avaliação da aprendizagem em processos
gamificados e games, de uma perspectiva intervencionista e desenvolvida em um
contexto híbrido, multimodal e ubíquo, propicia acompanhar os sujeitos em seus
diferentes percursos de aprendizagem, envolvendo tecnologias analógicas e
digitais, modalidade presencial física e on-line, instigando-os a desenvolver suas
próprias missões e projetos que, da perspectiva de Byod, podem se prolongar
para muito além do tempo definido para a educação formal. O fato de o sujeito
possuir um dispositivo móvel e estar conectado cria condições de possibilidade
para que ele continue engajado no processo, independentemente do tempo e do
espaço. Assim, o processo de acompanhamento e avaliação pode, em diferentes
momentos, estar “situado” e ainda imbricado. Através das pistas, desenhadas e
planejadas de forma a proporcionar a hibridização dos espaços analógicos e
digitais, foi possível estabelecer um contexto multimodal, o que é desejável
quando se fala em imersão, agenciamento e engajamento.

Nas vivências anteriormente citadas, a efetivação de um espaço de convivência


híbrido e multimodal ocorreu: 1) da integração de diferentes tecnologias
analógicas e digitais, que favoreceram diferentes formas de comunicação e de
uma perspectiva multimodal (modalidade presencial física combinada com
modalidade on-line, incluindo mobile learning, ubiquitous learning e
gamification learning); 2) do fluxo de comunicação e interação entre os sujeitos
presentes nesse espaço híbrido e multimodal; e 3) do fluxo de interação entre os
sujeitos e os diferentes meios, ou seja, o próprio espaço híbrido e multimodal. A
gamificação possibilitou um tipo de interação em que os diferentes sujeitos
(estudante e professor) estavam engajados, realizando trocas de informações,
compartilhando experiências em um processo de aprender fazendo. Esse fazer é
fundamental para que o sujeito atribua sentidos, aprenda, justamente por estar
vivenciando uma experiência, “estar na situação”, o que lhe propicia poder falar
“de dentro”, de seu próprio processo de aprendizagem.
Desse modo, ao falar “de dentro”, do que está sendo vivenciado, experienciado,
o sujeito vai se tornando parte desse híbrido, atribuindo sentidos, significando,
produzindo movimentos, como um dos atores humanos que vai se associando a
outros atores humanos e não humanos, na constituição de diferentes redes que
vão sendo tecidas da perspectiva multimodal.

Mais especificamente, no que se refere aos movimentos propostos por Kastrup


(2007; 2008) e outros para o método cartográfico, o desenvolvimento dessa
experiência de gamificação permitiu que avaliássemos a potência do método e as
inadequações que percebemos na nossa própria experiência de gamificar. A
questão que nos pareceu mais desafiadora foi a de garantir a imprevisibilidade e
abertura rizomática próprias do método e da atenção cartográfica. O desenho de
fases de um jogo nem sempre consegue garantir essa abertura, pois se trata de
um contexto limitado e cujo controle não se desenvolve totalmente na
reconfiguração do campo de saber de quem aprende. As reconfigurações
possíveis se dão na dimensão circular ou linear do próprio sucesso ao completar
as missões. Nesse sentido, um objetivo posto a priori sempre parece limitado do
ponto de vista da cartografia, mas não limitante do ponto de vista das
aprendizagens. O que é aprendido abre possibilidades, mas, na dinâmica do jogo,
não necessariamente imprevisível, posto que é condição para avançar de fase.
Nesse caso, parece importante considerar que é preciso investir em dinâmicas de
jogo que fortaleçam e valorizem as narrativas dos jogadores (como no caso dos
RPGs). A metáfora das pistas para a concepção das trilhas foi inspiradora para os
designers do jogo, mas, para que se convertam em inspiração para quem joga,
percebemos a necessidade de que os players possam deixar “rastros”, pois estes
podem se converter em “pistas” para outros players. Uma estratégia interessante
seria inserir na dinâmica do jogo os cadernos de notas como um objeto/item que
se carrega e que se pode deixar em algum lugar – como em alguns jogos de RPG
on-line e off-line. Outra estratégia seria inserir atores humanos e/ou bots dotados
de IA que registrassem e relatassem acontecimentos, produzindo pistas para que
o roteiro das trilhas fosse crescente e inserisse, a todo instante, novos desafios
baseados na reconfiguração do campo de saber produzido pelos próprios
jogadores. Essa perspectiva de valorizar, no contexto da gamificação, formas de
registro e compartilhamento de narrativas pessoais – produção dinâmica de
pistas – seria uma possibilidade interessante para que tanto professores quanto
alunos pudessem cartografar seus processos de aprendizagem – afinal,
cartografar, da perspectiva aqui apresentada, é acompanhar processos.
É possível dizer que as últimas pesquisas desenvolvidas pelo GPe-
dU/Unisinos/CNPq nos possibilitaram refletir e teorizar sobre as seguintes
problematizações: onde estão as bordas, os limites entre o mundo analógico e o
mundo digital, entre as diferentes tecnologias e modalidades? Entre os distintos
tipos de presença? Entre as diferentes identidades com as quais os sujeitos se
apresentam em espaços diversos, sejam eles analógicos ou digitais? E entre os
diferentes contextos, tais como o profissional, o acadêmico, o pessoal e o social?
Parece-nos que a perspectiva é de convergência, coexistência, imbricamento, de
forma que essas bordas, esses limites se tornem permeáveis; as fronteiras se
dissipem, tendendo ao desaparecimento; tudo parece estar cada vez mais
hibridizado; os mundos, as diferentes tecnologias, as identidades e o viver e
conviver, em que os sujeitos em movimentos nômades vão tecendo suas redes e
constituindo seus saberes.

No entanto, embora muitas tecnologias novas tenham surgido e algumas teorias


também, a atribuição de sentido por aqueles que realizam a avaliação – o que
possibilitaria a inovação nesse contexto – parece não acontecer no tempo e com
a mesma intensidade que precisamos para que possam ser significativas e
efetivamente relevantes para os sujeitos que vivem e convivem num mundo
híbrido, e para quem já não faz sentido a separação entre um mundo analógico e
um mundo digital, pois se trata de um continuum em que diferentes tecnologias
coexistem no universo das interações.

“Onde estou?” Depende... Se nos referimos à presença física, geograficamente


localizada, digo que estamos em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, e o GPS é
capaz de mostrar a nossa exata localização atual. No entanto, podemos também
estar nos referindo a outras formas de presença, como a digital virtual. Assim,
estamos também no Facebook, nos mundos virtuais em 3D, no Hangout, nos
games, em um contexto cada vez mais ubíquo e no qual tudo isso está em
contínuo movimento, em um processo de imbricamento. Ou seja, o viver e o
conviver na atualidade ocorrem, cada vez mais, em contextos híbridos e
multimodais, em que diferentes tecnologias analógicas e digitais estão presentes,
integrando espaços presenciais físicos e on-line, constituindo, dessa forma,
novos espaços para o conhecer.

Mas, então, o que está acontecendo? O “jogo” mudou? Com o acesso facilitado a
diferentes informações, aplicativos, jogos, pessoas de diferentes lugares e
culturas, oportunidades criadas pela internet, os sujeitos da atualidade constroem
múltiplas identidades, criam famílias, mundos, transcendendo o lugar de onde
são ou onde estão. Tudo pode ser remixado, combinado, misturado,
transformado e, em instantes, um conteúdo pessoal pode se transformar em
memes globais, pode viralizar e ganhar dimensões inimagináveis, ignorando
fronteiras, bordas e limites entre o mundo digital e o mundo analógico, entre as
diferentes tecnologias e modalidades, entre os distintos tipos de presença,
favorecendo movimentos nômades.

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10
JOGOS DIGITAIS, APRENDIZAGEM E DESEMPENHO
ESCOLAR: O QUE PENSAM OS GAROTOS QUE JOGAM?

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

Rodrigo Clementino de Carvalho

Introdução

É crescente a valorização da ideia de que a criança é detentora de um


conhecimento próprio, construído com base na interação dela com o meio e com
os outros sujeitos. Essa concepção, com forte contribuição da sociologia da
infância, passa a valorizar as perspectivas das crianças, sobretudo como sujeitos
sociais ativos e construtores de conhecimentos (Montadon 2001; Quinteiro 2002;
Sirota 2001). Essa abordagem de estudo defende a ideia de criança como um ator
social que constrói conhecimentos baseado em suas vivências em sociedade e,
mais ainda, capaz de produzir cultura, ao longo de sua existência e crescimento
(Pereira 2013).

Dentre as diversas definições de cultura, pode ser destacada a conceituação de


Valsiner (apud Alves e Gnoato 2003, p. 112), que concebe cultura como
“organização estrutural de normas sociais, rituais, regras de conduta e sistemas
de significado compartilhados pelas pessoas que pertencem a certo grupo
etnicamente homogêneo”. As crianças, como sujeitos sociais, poderiam
organizar os elementos culturais aos quais têm acesso e construir uma cultura
diferenciada, a cultura infantil. Falar em cultura infantil, portanto, é destacar o
papel ativo da criança na sua atuação sobre o meio e em suas relações sociais,
pois ela apreende elementos da sua cultura e os adapta para construir seu espaço
cultural, como a cultura de pares, que é aquela compartilhada entre crianças e
que participa da constituição de modalidades culturais futuras (Corsaro 2002).

Sarmento (2003) defende a ideia de que as crianças constroem uma cultura


diferenciada, baseadas nas relações que estabelecem entre si, com os adultos e
com o meio, sendo essa cultura infantil tão antiga quanto a própria infância. Para
o autor, a cultura produzida pelas crianças se constitui historicamente e é afetada
pelas mudanças das condições sociais ao longo do tempo, reverberando, por sua
vez, nas interações estabelecidas pelas crianças. Qvortrup (2011) apresenta uma
visão que destaca a capacidade criativa da criança e defende que ela constrói a
própria infância como categoria social. Postula, ainda, que a criança participa da
constituição da sociedade, pois estaria em interação, transformando-a e sendo
transformada por ela.

Sendo a criança construtora da sociedade e produtora de cultura, supõe-se que


ela tenha uma perspectiva própria de mundo a respeito dos diferentes elementos
com os quais entra em contato. Assim, se esse contato for constante e duradouro,
a criança pode produzir opiniões mais consistentes acerca da sua relação com o
elemento em questão. Considerando-se que muitas crianças estão inseridas em
sociedades industrializadas e imersas no fenômeno da globalização
contemporânea, elas têm contatos intensos com as tecnologias digitais e são
afetadas por elas (Scherer 2009). Como exemplo dessas tecnologias, temos os
jogos digitais, artefatos cada vez mais comuns no cotidiano das crianças. Os
jogos digitais, portanto, possibilitam que elas alterem os modos de vivenciar a
infância e influenciem as concepções dos adultos em torno desse novo tipo de
vivência e de infância contemporânea, o que se pode inferir do estudo de Alves e
Gnoato (2003), que demonstram como as crianças se apropriam da televisão,
também um artefato tecnológico, modificando suas relações.

O jogo digital surgiu nos Estados Unidos em 1958, em plena Guerra Fria, com o
objetivo de mostrar à população os avanços tecnológicos até então conquistados,
sobretudo em relação ao armamento nuclear (Zanolla 2007). Desde então, os
jogos digitais alcançaram níveis cada vez mais altos de popularidade, gerando
diferentes concepções a respeito de suas influências na vida dos jogadores,
consideradas positivas ou não. Dentre os possíveis malefícios provocados pelos
jogos, sobretudo quando utilizados de modo inadequado e em demasia,
destacam-se os distúrbios musculares e ósseos, os problemas de sono, o aumento
de comportamentos agressivos (Alves e Carvalho 2011), a obesidade, o
sedentarismo, o baixo rendimento acadêmico (Vara Robles et al. 2009), a
possibilidade de dependência do jogador em relação ao aparelho e de
comprometimento da saúde mental do sujeito (Abreu et al. 2008).

Por outro lado, os jogos digitais são vistos também por seus aspectos positivos.
Nesse sentido, podem favorecer a socialização de usuários, principalmente na
modalidade on-line; motivar os sujeitos a praticar atividades físicas, funcionar
como recurso terapêutico em diferentes circunstâncias e atuar como
instrumentos facilitadores de aprendizagem de diferentes conteúdos (Alves e
Carvalho 2011), o que permite pensar a possibilidade dos games como recursos
pedagógicos, visando à transmissão de informações de modo efetivo.

Nessa ótica, os jogos digitais podem ser ferramentas propiciadoras de


aprendizagem, pois contribuem para o desenvolvimento cognitivo e estimulam,
entre outros aspectos, a capacidade do indivíduo de definir objetivos e solucionar
problemas, enfrentar situações inesperadas e frustrantes, conhecer outras culturas
por meio de games produzidos em países diferentes, desenvolver habilidades
cooperativas e formação moral por meio de jogos que simulem a vida cotidiana
etc. (Valderrama 2012).

Além disso, os jogos digitais podem estimular nos jogadores capacidades como
criatividade, raciocínio, imaginação, orientação espacial, concentração,
desenvolvimento de habilidades motoras e de linguagem (Tisseron, apud Castro
e Morales 2013), que podem se refletir em desempenhos escolares satisfatórios.
Alguns jogadores concordam com essa perspectiva, como mostra o estudo de
Cruz, Ramos e Albuquerque (2012), em que os participantes mencionaram como
aprendizagens resultantes dos jogos digitais a aquisição de conteúdos escolares e
não escolares, o desenvolvimento de estratégias, de raciocínio, de criatividade,
de lógica, de atenção, de concentração, de imaginação e de habilidades motoras.
Essa pesquisa aponta, ainda, que muitos participantes aprovam a utilização de
jogos nas aulas, mas uma quantidade significativa se opõe a essa ideia, por não
conseguir visualizar potenciais educativos nos jogos ou conceber educação e
diversão como aspectos dissociados.

Sabe-se que a utilização de jogos digitais de forma habitual não prejudica o


desempenho acadêmico dos jogadores (Celis e Escobar 2011) e muitos deles
reconhecem que não sofrem tais prejuízos (Alonqueo Boudon e Rehbein Felmer
2008; Suzuki et al. 2009), podendo haver a presença, até, de melhoras no
desempenho escolar do estudante (Durkin e Barber 2002). Porém, a literatura
também anuncia que, quando a exposição do indivíduo aos videogames e a
outras mídias é exagerada, pode haver prejuízos no desempenho escolar, seja por
interferência no desenvolvimento cognitivo, seja utilização de tempo destinado
às atividades escolares, resultando em baixo rendimento (Vara Robles et al.
2009).

Para que se conheça o nível de interferências benéficas ou não dos jogos digitais
na vida e no desempenho escolar das crianças, é necessário que elas sejam
ouvidas, pois são elas que podem falar com mais propriedade de suas relações
com os jogos digitais e do quanto essa interação reverbera em diferentes âmbitos
de suas vidas. Considerando esse aspecto, a presença de potenciais educativos
nos jogos digitais e a concepção da criança como produtora de cultura, foi
desenvolvida uma pesquisa com os objetivos de analisar a compreensão de
garotos acerca das influências dos jogos digitais em seu desempenho escolar e a
opinião deles acerca da inserção dos jogos no espaço escolar como ferramentas
de aprendizagem.

Método
Esta pesquisa teve como base a orientação qualitativa dos fenômenos (Lüdke e
André 1986; Macedo; Galeffi e Pimentel 2009) e se localiza no paradigma
interpretativo da ciência. Esse paradigma, crítico da perspectiva positivista,
também se funda em evidências científicas, mas essas se consolidam com base
num outro rigor (Macedo, Galeffi e Pimentel 2009). Nesse caso, as evidências,
ou seja, a empiricidade dos fenômenos, a confiabilidade dos resultados e a
explicitação do método se colocam à disposição para contribuir com as práticas
educativas, mas sem a pretensão de colocar a ciência como a “última voz”, até
porque ciência, cultura e política se dão de maneiras indissociáveis (André
2001).

Os participantes de nosso estudo foram cinco meninos entre 11 e 13 anos (que


serão, alternadamente, também nomeados de “garotos”). A pesquisa se
desenrolou, majoritariamente, no contexto natural, ou seja, em locais onde os
garotos normalmente se encontravam para jogar. O critério de escolha se baseou
nos laços de vizinhança existentes entre eles e um dos pesquisadores. Esses
meninos foram escolhidos no referido espaço empírico por serem usuários
contumazes de videogames. O critério de idade foi estabelecido nessa faixa
etária por proporcionar discursos mais elaborados sobre a vida escolar, sobretudo
em relação ao desempenho, e pelo fato de esses sujeitos serem recém-saídos da
fase da infância e, em tese, terem propriedade para falar desse período.

Os cinco meninos eram de famílias de classe média e é válido ressaltar que a


pesquisa não visa a generalizações, pois a quantidade de participantes e a
especificidade dos contextos em que os sujeitos estão inseridos impede tal
procedimento. Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado pelo comitê de
ética da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), os pais das
crianças assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a
participação dos filhos na pesquisa e os garotos consentiram em colaborar com o
desenvolvimento do estudo. Para a preservação da identidade dos sujeitos, as
falas aqui apresentadas estarão identificadas somente pelas iniciais dos nomes
dos participantes.
Os dados foram coletados em encontros nas residências dos participantes, de um
caráter informal e descontraído, visando criar um contexto agradável de
interação entre pesquisadores e participantes, no qual estes pudessem se sentir à
vontade para expressar opiniões, crenças e conhecimentos a respeito dos jogos
digitais e de suas reverberações na vida cotidiana e escolar. Para permitir a
criação de um vínculo entre os envolvidos na pesquisa, a aproximação com os
jogadores foi gradual. Nos encontros, havia pelo menos dois participantes que
interagiam entre si e com um jogo digital, enquanto dialogavam com os
pesquisadores e respondiam às perguntas que eles faziam. Algumas dessas
perguntas eram formuladas previamente e outras surgiram ao longo da interação
e em decorrência dos temas da conversação.

Além da realização de entrevistas semiestruturadas, que permitiam ao


participante expressar opiniões e vivências relacionadas aos jogos digitais, foi
utilizada como método de interação e de coleta de dados a observação
participante, que permitiu um maior envolvimento dos pesquisadores nas
relações com os meninos em seu ambiente natural, fazendo com que se
sentissem mais à vontade para expressar suas ideias. Os registros dos discursos,
gravados em áudio e, posteriormente, transcritos, foram lidos de forma flutuante
e agrupados em cinco categorias de análise, definidas com base nos temas mais
presentes nos discursos, visando responder aos objetivos do estudo. Com a
definição das categorias de análise, as falas foram relidas de modo exaustivo, a
fim de apreender os conteúdos nelas presentes.

Resultados

A análise dos dados se deu da perspectiva da análise de conteúdo de Bardin


(1977), que permitiu a inferência de conhecimentos e a proposição de
explicações com base nos discursos trazidos pelos sujeitos. As categorias de
análise, além de nortear o processo analítico, permitiram melhor visualização e
organização dos dados e propiciaram a apreensão dos sentidos dos enunciados
dos sujeitos quanto aos jogos digitais e as interferências em suas vidas. Foram
propostas como categorias de análise: a) características da jogabilidade e dos
jogos utilizados; b) influências dos jogos digitais na vida cotidiana dos usuários;
c) interferências dos jogos digitais na aprendizagem e no desempenho escolar
dos jogadores; d) opiniões dos garotos sobre os jogos na escola; e) características
da relação entre os garotos e suas escolas.

Sobre a jogabilidade e as preferências em relação aos jogos, primeira categoria


de análise, os entrevistados disseram jogar entre uma e oito horas diárias,
sobretudo nos fins de semana e os tipos de jogos preferidos eram os de
estratégia, RPG (jogo de interpretação de papéis), Moba (arena de batalha
multiplayer on-line) e ação e aventura, com destaque para League of Legends,
Minecraft, GTA (Grande Roubo de Carros) e Spore, os mais acessados e
mencionados pelos garotos.

League of Legends traz duas equipes que combatem entre si, visando destruir a
base inimiga ou controlar partes do mapa onde ocorrem as batalhas, já Minecraft
se passa em um universo de blocos em 3D, constituídos de elementos da
natureza, no qual o jogador pode elaborar construções ou enfrentar criaturas para
sobreviver. GTA, por sua vez, refere-se a jogos em que o sujeito deve cumprir
missões e evitar ser apanhado por policiais ou morrer, a fim de conseguir
recompensas e progredir no game. Por fim, Spore é um jogo que simula a
evolução da vida na Terra, em que o jogador deve controlar desde um ser vivo
em sua forma mais simples até organismos em estágio máximo de evolução e em
nível grupal.

Acerca das interferências dos jogos na vida dos jogadores, segunda categoria de
análise, os participantes apontaram a estimulação do autocontrole e de “coisas da
mente”, a ocorrência de entretenimento e relaxamento após a partida, o
surgimento de novas amizades e o alívio de estresse e raiva em jogos violentos
como benefícios dos games na vida deles. Sobre as influências negativas que os
jogos digitais podem provocar, foram apontados conflitos familiares,
estimulação de comportamentos violentos e de dependência nos usuários,
apelidos insultuosos de colegas e familiares e problemas visuais. Conflitos
familiares foi o fator mais relatado, estando na fala de um participante, que disse
ser sua família intolerante aos jogos por atribuir a eles a causa de qualquer
comportamento ou estado emocional seu que fosse inadequado, como
desobediência e cansaço.

Sobre as influências dos jogos na aprendizagem e no desempenho escolar dos


participantes, referente à terceira categoria de análise, foram relatados como
pontos negativos aspectos não inerentes aos jogos, mas, sim, problemas como a
conexão de internet insatisfatória, que impede o acesso aos jogos, e os
comportamentos inadequados de outros jogadores, que irritam os participantes e
podem interferir na concentração e na aprendizagem deles. Quanto aos pontos
positivos, foram mencionadas a estimulação de “coisas da mente”, que poderiam
corresponder às capacidades cognitivas, e as oportunidades de relaxamento.
Esses fatores foram associados por alguns garotos ao bom rendimento
acadêmico, como se pode notar no recorte literal em uma das falas de um dos
participantes:

E: Hoje, eu estudo uma hora e meia e jogo uma partida de LOL [League of
Legends], estudo mais uma hora e jogo uma partida de LOL. Se você for
fazendo assim, você descansa o seu cérebro, aí, você não fica com coisas
acumuladas na cabeça: “Ai, qual é aquela pergunta? Qual é não sei o quê?” (...)
Minha mãe me ajudava antigamente [nesse controle de horários destinados aos
jogos e aos estudos], hoje ela deixa eu me virar (...). [O jogo] seria parte do meu
descanso, só que também ajuda [a estudar].

As interferências dos games no desempenho escolar dos garotos, segundo eles,


são poucas ou nulas no que diz respeito a prejuízos. Outra questão trazida pelos
meninos foram as contribuições diretas de conteúdos de jogos digitais na
aprendizagem e nas provas escolares, que podem ser detectadas na fala a seguir:

E.: Português mesmo, quando você está na história do Champion [personagem


de League of Legends], você vê vírgula, ponto de exclamação, dois pontos, aí, te
ajuda, pelo menos eu acho (...) Em matemática... Se você atualizar uma coisa
[dentro dos jogos] que dura seis dias, você vai ter que calcular o tempo que você
tem pra isso [atualizar um elemento do jogo], pra você poder juntar dinheiro pra
poder comprar outra coisa. Aí, você calcula os dias, o tanto de dinheiro que você
tem que conseguir e o tempo. Aí, você vê quantos ataques você tem que fazer
por dia, por hora, por minuto. E, aí, você vai aprendendo.

A disciplina de inglês também foi mencionada pelos garotos, justamente por esse
idioma ser predominante nos jogos digitais, o que termina por facilitar o
aprendizado. Conteúdos de ciências, para os participantes, também poderiam ser
aprendidos com games que expusessem e nomeassem partes do corpo humano e
que representassem a evolução de diferentes espécies de vida, assim como temas
de história poderiam ser transmitidos por jogos que retratassem eventos
históricos, como a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Francesa.

A respeito da presença dos jogos na escola, quarta categoria de análise, os


garotos relataram ser quase inexistente e, quando os games estão inseridos no
ambiente escolar, eles são fáceis, pouco atrativos e seus conteúdos não
despertam interesse. Um garoto resumiu seu descontentamento com os tais
games, afirmando que jogo educativo não é legal, pois o termo relativo à
educação já mostra isso. Para resolver essa situação, os garotos sugeriram a
criação de jogos educativos atrativos ou a utilização de jogos comerciais em sala
de aula, desde que os professores instruíssem o que deveria ser observado e feito
no jogo, evitando o risco de os garotos se afastarem do propósito da aula. A
maioria mencionou, ainda, que os jogos digitais no ambiente escolar estão
restritos aos laboratórios de informática e, muitas vezes, o acesso aos games está
bloqueado.

Foi proposta como quinta categoria de análise a qualidade da relação dos


participantes com suas escolas, pois tal relação implica o nível de aprendizagem
e o rendimento acadêmico dos sujeitos. Todos os participantes disseram que
apresentam, em geral, boa relação com a escola e que têm bons desempenhos
escolares, mas não expressaram estar satisfeitos com certas situações
vivenciadas no ambiente escolar. Um dos garotos resumiu suas impressões, ao
afirmar ser possível que a escola melhore, mas que ela não ficará tão interessante
quanto ele espera. Já outro participante desenvolveu seu argumento, trazendo o
que os jogos têm e sua escola não:

T: Assim... A escola é muito rígida, ela foca uma educação que nunca vai existir.
“Ah, você não pode falar isso, sei lá o quê” [com entonação irônica] (...) “Ah,
isso não se faz, você não pode sei lá o quê”, que é muito desnecessário. No jogo,
você tem uma liberdade melhor, é claro que tem as regras e tal, mas... É muito
rígida a escola.

Para que os resultados sejam visualizados, apresentamos, em síntese, uma tabela


das opiniões dos garotos no que diz respeito às contribuições positivas e
negativas dos jogos digitais no cotidiano e na vida escolar.

Tabela 1. Interferências positivas e negativas dos jogos eletrônicos no cotidiano


e na vida escolar, segundo os participantes

INTERFERÊNCIAS POSITIVAS
Estimulação de autocontrole e de “coisas da mente”.
Oportunidades de lazer e relaxamento.
Estabelecimento de novas amizades tanto virtuais quanto no contexto real.
Alívio de sentimentos desagradáveis, como estresse e raiva.
Contribuição significativa dos games na aprendizagem de conteúdos, tanto escolares como nã
Interferências dos jogos no desempenho escolar nulas ou poucas.
Contato com informações presentes nas aulas e exigidas nas avaliações escolares.
É importante ressaltar que muitos dos aspectos negativos não estão relacionados
diretamente à opinião dos garotos, mas, sim, ao que eles percebem como
opiniões dos adultos sobre a relação deles com os jogos. Como exemplo, há as
situações em que os pais atribuem o mau humor ou a preguiça do menino ao ato
de jogar.

Discussão

Na ótica da cultura de pares, que pode abarcar uma cultura pré-adolescente,


nota-se a presença de opiniões, crenças e conhecimentos próprios dos jogadores,
que foram ou não modificados conforme as necessidades dos sujeitos, com
destaque para a ressignificação de “viciado”, que passou de sinônimo de
dependência para equivalente a alta frequência de acesso aos jogos, o que remete
à ideia da criança e do adolescente como sujeitos ativos na construção do
conhecimento mediante a relação com o meio e com os sujeitos a ele
pertencentes (Corsaro 2002; Sarmento 2003).

Algumas concepções dos garotos, porém, podem ser meras repetições de falas
dos adultos que conseguiram espaço na cultura desses pré-adolescentes, com
destaque para o que disse um participante sobre a utilização exagerada de jogos
digitais ser causadora de problemas visuais, embora se saiba que somente o uso
de games não provoca problemas visuais permanentes, podendo a exposição aos
jogos, quando adequada, trazer benefícios para a saúde visual (Alves et al.
2009). A presença da cultura infantil, permeada por elementos característicos de
cultura digital, foi notada, ainda, nas interações entre os participantes e nos
discursos deles, marcados por abreviações e estrangeirismos referentes a jogos
digitais, algumas vezes incompreensíveis para os pesquisadores, que, exceto
durante a interação direta com os garotos, viviam fora daquele contexto no dia a
dia.
Sobre as concepções dos garotos em relação às influências dos jogos digitais no
seu cotidiano, foram predominantes as visões positivas, ratificando, portanto, os
resultados encontrados por autores que desenvolveram pesquisas valorizando o
“olhar” dos jogadores acerca das influências dos jogos digitais em suas vidas
(Alonqueo Boudon e Rehbein Felmer 2008; Suzuki et al. 2009). Os participantes
também reconhecem as interferências negativas que os games podem causar,
como a exposição a conteúdos violentos, o que converge com os resultados
encontrados por Castro e Morales (2013) e Suzuki et al. (2009).

Entretanto, a utilização de jogos violentos parece ser um meio de aliviar


condições desagradáveis do cotidiano, como a raiva e o estresse mencionados
pelos participantes, pois esse tipo de jogo permite os comportamentos violentos
dos jogadores no ambiente virtual, sem que eles sofram punições, assim, essa
modalidade de game pode servir como válvula de escape (Alves 2003), porém, é
necessário que os jogadores não tornem os jogos digitais os únicos meios de
refúgio para seus problemas, pois isso poderia favorecer o surgimento de uma
relação de dependência (Abreu et al. 2008).

Os temas da violência e da dependência, constantemente associados aos jogos


digitais, podem causar outro problema relativo aos games, que são as relações
parentais turbulentas, que poderiam surgir da perspectiva negativa dos pais em
relação aos jogos digitais, por considerá-los culpados pelos comportamentos
inadequados dos filhos (Zanolla 2007). Essas relações turbulentas, segundo os
participantes, causam-lhes estresse, o que pode interferir no rendimento escolar.
Aqui, então, é possível observar que a visão negativa dos pais sobre os jogos
pode impactar (negativamente) os filhos muito mais do que propriamente aquilo
que os pais identificam como origem dos malefícios.

Sobre o desempenho escolar e os jogos digitais, foi unânime entre os


participantes a ideia de que essa relação é satisfatória. Os games até
contribuiriam para melhores rendimentos acadêmicos, o que converge com os
resultados do estudo de Durkin e Barber (2002), que apontaram os jogos não
como causadores de problemas acadêmicos, mas, sim, como aspectos do melhor
engajamento do sujeito na escola. Relacionado ao sucesso acadêmico, o
autocontrole foi lembrado por alguns garotos como passível de estimulação
pelos jogos digitais, o que também é apontado por Salguero, Río e Vallecillo
(2009). A capacidade de autocontrole bem-estabelecida permitiria ao sujeito
controlar o direcionamento de seus comportamentos entre deveres escolares e
atividades de lazer, assim como possibilitaria, em situações de avaliação de
aprendizagem, o controle da ansiedade, que poderia se refletir em melhores
desempenhos na atividade.

Os games também podem ter potenciais educativos explícitos ou implícitos,


trazidos pelos participantes, o que aponta para a existência de um currículo
cultural por trás dos jogos, em que circulam conteúdos que são aprendidos pelos
jogadores de modo agradável e que influenciam a vida deles em diferentes
instâncias. Tais currículos são espaços educativos não restritos à escola (Moita
2007). A visão dos garotos a respeito da aprendizagem de conteúdos por meio de
jogos coincide com os resultados encontrados por Cruz, Ramos e Albuquerque
(2012), em que conteúdos de inglês, história, geografia e matemática foram
lembrados pelos participantes como passíveis de serem apreendidos nos games.

Com base na concepção de aprendizagem agradável por meio de games e no


potencial educativo que eles têm, pode-se pensar na possibilidade de os jogos
digitais serem utilizados em aulas como recursos pedagógicos ou que seja
empregada na escola a abordagem da gamificação (Fadel et al. 2014), em que
elementos de jogos são aplicados em contextos de não jogo, podendo as escolas
investir em práticas que simulem ambientes de jogos, dinâmicos e atrativos, e
que potencializem a aprendizagem dos sujeitos, por meio de técnicas como
pontuações e recompensas, ranqueamento, apresentação de atividades em níveis
de dificuldade e utilização de narrativas e conteúdos estéticos atrativos, a fim de
motivar o aluno a participar das atividades propostas (Alves, Minho e Diniz
2014).

Os jogos a serem utilizados em sala de aula não precisam ser somente aqueles
com finalidades educativas explícitas, criados para propiciar a aprendizagem de
conteúdos escolares. Podem ser empregados jogos comerciais, porque são mais
atrativos. Segundo os participantes da pesquisa, os jogos comerciais podem ser
educativos (Mendes, apud Ramos 2008), justamente por possibilitar relações
com os conteúdos escolares, além de propiciar cenários, narrativas, entre outros
elementos, que, a depender da habilidade do professor, podem ser aproveitados.

Havendo jogos nas aulas, eles devem compor o método de ensino do professor,
não se limitando a ser apenas um meio de entreter o aluno e elevar a motivação
dele em aulas cansativas. Com isso, evita-se reverberar ainda mais a ideia de que
educação e diversão não podem estar associadas (Cruz, Ramos e Albuquerque
2012). Os professores também podem se voltar às práticas gamificadas, que não
demandam a presença de jogos físicos, mas trazem seus elementos para a sala de
aula, simulando um ambiente de jogo, envolvendo os alunos e favorecendo a
ocorrência de aprendizagem dinâmica e prazerosa.

Para que os jogos digitais e as práticas gamificadas funcionem como recursos


pedagógicos, é necessário que os professores interajam minimamente com os
jogos, para ter acesso a elementos inerentes aos games que possam ser úteis às
aulas, garantindo um espaço escolar mais prazeroso, motivador e que consiga
envolver o aluno nas atividades propostas. Esse engajamento do aluno está
ausente, também, em aulas mais “modernas”, que fazem uso de novas
tecnologias, como o uso de projetores multimídia (datashows) para mostrar
conteúdos, o que, segundo um dos participantes, não consegue deixar as aulas
mais estimulantes, pois são meramente expositivas.

As práticas gamificadas, ao contrário das aulas expositivas convencionais, não


colocam o aluno em posição passiva na aquisição de conhecimentos e em seus
processos de aprendizagem. Pelo contrário, a gamificação da aula preza pela
participação ativa do aluno, permitindo a ele solucionar problemas equivalentes
àqueles da situação real e proporcionando uma aprendizagem com sentido, ao
passo que, para o professor, possibilita a elaboração de estratégias de ensino que
respondam às demandas dos estudantes (Alves, Minho e Diniz 2014), o que
aproximaria o universo escolar do mundo dos alunos (Ramos 2008) e da sua
cultura. Assim, portanto, não havendo adaptação do discurso pedagógico ao
universo diferenciado da criança, o sucesso escolar do sujeito fica comprometido
(Sarmento 2003).

O bem-estar proporcionado pelos jogos, mencionado pelos participantes,


também deve ser destacado, pois os aspectos afetivos do sujeito são grandes
interferentes nos processos de aprendizagem, o que remete à perspectiva
walloniana de enfoque da afetividade e de sua relação com as dimensões
cognitivas e motoras, necessárias para um processo de ensino-aprendizagem
satisfatório. É importante que os docentes atentem para os impactos emocionais
de suas atitudes no desempenho acadêmico dos alunos (Leite 2012).

Considerações finais

É possível notar, em termos gerais, que os garotos reconhecem os benefícios dos


jogos digitais em seu cotidiano e, em especial, em seus processos de
aprendizagem e desempenhos escolares, levantando a possibilidade de os jogos
serem utilizados nas escolas ou de a dinâmica dos jogos ser aplicada em
contextos escolares, como ocorre em práticas gamificadas, nas quais os
conteúdos escolares são transmitidos aos alunos de modo semelhante ao que
ocorre nos ambientes dos games. Supõe-se que tais práticas tornariam o processo
de ensino-aprendizagem mais dinâmico e atraente para o aluno.

É possível, também, com base em tudo o que foi exposto, evidenciar a


importância de os profissionais da educação repensarem suas práticas
pedagógicas no que tange à qualidade do ensino oferecido, assim como à
dinâmica escolar, que necessitaria melhorar o diálogo, principalmente ouvindo
mais os estudantes, sejam eles adolescentes ou crianças. Nesse cenário, emerge a
necessidade de considerar as perspectivas das crianças e dos adolescentes em
estudos que visem beneficiá-los de alguma forma. Essa perspectiva é o ponto de
partida para serem pensadas e desenvolvidas práticas voltadas ao público
infantojuvenil, como estratégias de ensino mais condizentes com as demandas
desse público e, portanto, mais efetivas. Portanto, essa parece ser uma evidência
importante para nortear as práticas educativas, sobretudo aquelas que dizem
respeito aos jogos digitais nos contextos escolares.

Sugere-se que, em estudos posteriores, sejam contempladas também as meninas


e mais garotos de idades variadas e/ou inseridos em contextos socioeconômicos
diferentes daquele em que ocorreu esta pesquisa, assim como em contextos
escolares diversos, como a rede pública.

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11
O JOGO DA HISTÓRIA: APRENDIZAGENS
SIGNIFICATIVAS E JOGOS ELETRÔNICOS NUMA ESCOLA
MUNICIPAL DO INTERIOR DA BAHIA

Marcelo Souza Oliveira

Lucas Araújo da Paixão

Educação histórica e jogos digitais

A educação histórica é uma área de estudos que se preocupa com o significado


que a história tem para professores e, principalmente, para os alunos. Segundo
Barca (2001), a educação histórica busca, por meio de pesquisas, afastar-se do
ensino factual e dos estudos lineares, fundamentando os pilares para uma história
mais qualitativa.

Essa tamanha preocupação da educação histórica está diretamente ligada aos


mais variados problemas no processo de ensino e aprendizagem de história, em
que um dos mais evidentes é a inadequação do método tradicional utilizado
comumente pelos docentes. Nesse sentido, Martins (2008), em artigo para a
Revista Nova Escola, apresenta como outras dificuldades o que eles classificam
como mitos pedagógicos, como, por exemplo, o mito da “decoreba”, momento
em que o aluno pratica a reprodução do material didático e a linearidade no
ensino de história, pois há falta do contexto histórico acerca do tema abordado,
ou seja, o aluno não tem noção do todo e, assim, a temática é trabalhada como
um fato isolado.
Esse aprendizado mecânico e a história ministrada de forma factual e
quantitativa, que não se presta à análise, e sim à memorização de fatos e eventos,
estão tão distantes do universo de significação dos jovens que sua importância é
mínima para eles (Penteado 2011), que, além disso, ficam impossibilitados de
construir seu conhecimento histórico. Barca (2012) afirma, em linhas gerais, que
a educação histórica, na tentativa de modificar essa realidade, sustenta-se de
estudos sobre o saber histórico e seus conceitos substantivos e de segunda
ordem.

Um dos principais conceitos é o de consciência histórica, definido por Jörn


Rüsen como uma relação estrutural entre passado, presente e futuro, que,
segundo Germinari (2011), não se constrói somente no âmbito escolar, mas
também em outros espaços da sociedade. Isso se dá, certamente, porque os
indivíduos normalmente já trazem consigo uma ideia da história.

Barca (2001) observa que as crianças já chegam à escola com um conjunto de


ideias ligadas à história e que o meio familiar, a comunidade local e a mídia
representam fontes significativas para a formação da consciência histórica do
sujeito, entretanto, essas ideias são baseadas no senso comum e o professor é o
responsável por torná-las mais elaboradas. De acordo com esse pensamento, a
cultura desempenha importante papel na formação do conhecimento histórico.

Desse modo, pode-se relacionar a ideia de aprendizagem significativa, conforme


menciona Ausubel, com as questões ligadas à educação histórica. A
aprendizagem é bem mais significativa quando o novo conteúdo é incorporado
às estruturas de conhecimento de um aluno, adquirindo significado para ele com
base na relação que tem com seu conhecimento prévio (Pelizzari et al. 2002).

Isso significa dizer que, para que o aluno aprenda história e pense criticamente
essa história, é necessário que ele relacione o conteúdo de sala de aula com o
conhecimento prévio, adquirido principalmente dos elementos midiáticos de sua
cultura, como, por exemplo, jogos eletrônicos e filmes. O conhecimento
adquirido na aula é “incorporado” ao conhecimento trazido pelo aluno, oriundo
de experiências vivenciadas e/ou observadas pelo indivíduo em sua comunidade
ou meio familiar, bem como em algumas mídias.

Pensando nisso, dentre os mais variados recursos capazes de tornar o


aprendizado mais significativo, destacam-se, na presente proposta, os jogos
eletrônicos, pois seu valor educativo não é somente um componente secundário
na função primariamente lúdica e, de acordo com Penicheiro e Carvalho (2009),
existe uma agregação de elementos científicos capazes de simular a sociedade e
a criação de jogos atrativos e de grande valor educativo e comercial.

Diante de desdobramentos tão inusitados, é de se imaginar que qualquer


professor fique preocupado com a possibilidade de o conhecimento histórico se
desvirtuar. Esse risco, na verdade, não existe. Primeiro, porque o jovem tem
plena consciência de que o jogo é apenas uma brincadeira imaginativa. Não o
confunde com a realidade. Depois, porque, para promover alterações na história,
ele precisa conhecer e dominar informações prévias, estas, sim, fiéis aos
acontecimentos. Em outras palavras, quanto maior o conhecimento histórico do
jovem, maior será sua liberdade de criar alternativas em torno dele (Arruda
2009). Nesse sentido, Penicheiro e Carvalho (2009, p. 410) completam,
afirmando que “os jogos propõem estratégias exploratórias que potenciam a
reflexão sobre a natureza do conhecimento histórico e o desenvolvimento de
ideias de segunda ordem, fundamentais para o desenvolvimento da compreensão
histórica”.

Assim, diante de tantos “prós”, atualmente, há uma expectativa grande de que a


tecnologia traga soluções rápidas para a melhoria da qualidade da educação,
sobretudo no ensino de história. Porém, se a educação dependesse somente de
tecnologias, já se teriam encontrado soluções há muito tempo (Sancho et al.
2006). O fato é que, em muitas escolas municipais, por exemplo, não há a
mínima estrutura para implantar uma metodologia que utilize jogos eletrônicos
como ferramenta de ensino e aprendizagem. Souza e Pires (2007) descrevem
outros problemas nesse processo, como, por exemplo, o despreparo da maioria
dos docentes.

Além disso, essas escolas municipais contam com grande número de jovens em
situação de vulnerabilidade social, oriundos de zona rural ou mesmo de
subúrbios. Desse modo, a utilização de uma metodologia acessível para
implantar o ensino de história por meio dos jogos eletrônicos nesses ambientes
seria fundamental para oferecer uma nova alternativa de vida a esses estudantes.

Bergmann (2010) completa, afirmando que a educação está diante de um


desafio: inserir as tecnologias de informação e comunicação (TICs) na escola, a
fim de promover uma possível alfabetização tecnológica, democratizando o
acesso a elas por alunos e comunidade e, consequentemente, melhorando a
qualidade do ensino.

Um dos principais problemas observados no ensino de história é a inadequação


do método tradicional comumente empregado pelos docentes com os alunos. É
fundamental a busca por recursos que possam tornar o aprendizado mais
significativo e, pela sua dimensão lúdica, os jogos eletrônicos são instrumentos
capazes de uma importante contribuição. Porém, em algumas escolas, os alunos,
distantes de tais avanços metodológicos em sua aprendizagem, são apresentados
a métodos pouco convidativos, talvez em virtude da limitação de recursos e da
ausência de metodologias eficazes, o que afasta esses estudantes das TICs e os
forma sem manifestar sua consciência histórica, dificultando o processo de
construção do seu conhecimento histórico.

O objetivo principal deste capítulo é instrumentalizar a aprendizagem


significativa em história com base em metodologias acessíveis de utilização dos
jogos eletrônicos como recurso lúdico no processo de ensino e aprendizagem em
turmas do 6º ano do ensino fundamental (5ª série) da Escola Municipal Professor
Raimundo Mata (em Catu, na Bahia), contribuindo para a manifestação da
consciência histórica e a construção do conhecimento histórico de indivíduos em
situação de vulnerabilidade social e combatendo a falta de interesse dos
estudantes na disciplina.

Considerações metodológicas

Para facilitar a execução do projeto, a metodologia foi dividida em quatro


grandes etapas: 1) revisão bibliográfica, estudo dos principais conceitos que
envolvem a pesquisa e escolha dos jogos utilizados; 2) planejamento, execução e
coleta de dados da Oficina 1 (teste) com alunos do Instituto Federal Baiano –
campus de Catu; 3) planejamento, execução e coleta de dados da Oficina 2
(principal) com alunos da Escola Municipal Professor Raimundo Mata; 4)
compilação e análise de dados, redação do relatório de pesquisa e divulgação dos
resultados.

Durante a primeira etapa, foi realizado o levantamento bibliográfico, articulando


os conceitos de aprendizagem significativa (Moreira e Masini 1982; Moreira
1998), vulnerabilidade social, inclusão digital, além de diversas pesquisas acerca
da educação histórica e dos jogos eletrônicos. Autores como Arruda (2009),
Barca (2001), Penicheiro e Carvalho (2009) e Bergmann (2010) foram
fundamentais para tal pesquisa. Esses estudos foram utilizados, principalmente,
para definir de que modo ocorreriam as oficinas, os tipos de jogos que seriam
utilizados nessas atividades e como seria feita a coleta de dados. Considerando o
aporte teórico obtido, foram escolhidos seis jogos para trabalhar conceitos
substantivos e abstratos em história durante as oficinas: Age of Empires, Age of
Empires II, Freedom Fighters, Kingdoms of Amalur – Reckoning (K.O.R.),
SimCity 4 e Spore. Para a coleta de dados, foi escolhido o diário de bordo, no
qual os estudantes escreveram tudo o que foi relevante para eles durante o
processo e esses relatos foram considerados na análise de dados.

Na segunda etapa, foi proposta uma oficina “teste” com a finalidade de verificar
a possibilidade de utilizar o método na escola municipal. Desse modo, foi
sugerido aos alunos do 1º ano do ensino médio do IF Baiano – campus de Catu –
que participassem dessa oficina. Um formulário de autorização para pesquisa foi
entregue aos 13 estudantes participantes, para que fosse preenchido pelos pais.
Além disso, os alunos receberam o diário de bordo, que foi preenchido por eles
mesmos no decorrer da oficina. Nessa atividade, foi utilizado apenas um
notebook e um datashow, já pensando na falta de recursos da escola municipal.
Foram utilizados três dos seis jogos definidos na primeira etapa: Kingdoms of
Amalur – Reckoning, SimCity 4 e Spore. Com o primeiro, estudou-se o conceito
de sujeito histórico; com o segundo, discutiram-se ideias ligadas a urbanização,
economia e política; e com o Spore, debateu-se acerca do conceito abstrato de
consciência histórica. Nesse método, os estudantes foram sendo chamados um a
um para jogar, enquanto as ideias eram discutidas entre os ministrantes e os
alunos. A atividade ocorreu em uma das salas do instituto, durante quatro aulas,
em horários alternativos às aulas de história, nos dias 8 e 11 de outubro de 2014.
Após a coleta e análise dos diários de bordo, iniciaram-se os preparativos para a
terceira etapa da metodologia, referente à oficina na escola Raimundo Mata.

Tendo a oficina teste trazido resultados parciais satisfatórios, na terceira etapa,


foi planejada e executada a oficina na Escola Municipal Professor Raimundo
Mata. A coleta de dados (diário de bordo) e a carga horária (quatro aulas) foram
mantidas, porém, as oficinas foram executadas no horário da aula de história,
nos dias 10 e 11 de fevereiro de 2015, das 9h50 às 11h30. Participaram da
atividade 29 alunos do 6º ano do ensino fundamental, com idade entre 10 e 15
anos. A oficina exigiu os mesmos recursos da fase anterior (notebook e
datashow), porém, modificaram-se os jogos, que foram: Age of Empires, Age of
Empires II, Freedom Fighters. A oficina foi realizada na sala de aula, já que a
escola não tem laboratório de informática, e foi dividida em dois dias. No
primeiro dia, houve apenas exposição e discussão dos conceitos que seriam
trabalhados no dia seguinte com os jogos. No segundo dia, foram utilizados os
três games e os estudantes voluntários eram chamados a jogar, um de cada vez,
enquanto os colegas que assistiam faziam comentários, perguntas e anotações.
Ao final da atividade, foram recolhidos os formulários preenchidos pelos pais e
os diários de bordo dos alunos. Esses dados foram considerados na análise dos
dados.
A quarta etapa foi destinada à compilação dos resultados da pesquisa por meio
da análise e da discussão dos dados coletados e da redação do relatório de
pesquisa. A análise dos resultados levou em consideração os autores estudados e
o exame e a avaliação das informações adquiridas nos registros obtidos com base
nos diários de campo recolhidos ao fim da Oficina 1 e da Oficina 2. Esses dados
foram organizados para tornar a análise o mais detalhada possível. Para tanto, foi
realizada uma tabulação e uma seleção severa dos resultados, com
acompanhamento estreito do orientador. Por fim, foram escritos os textos,
contendo os resultados da pesquisa.

Jogos na sala de aula: Discutindo experiências

Oficina 1: Despertando a consciência histórica em estudantes do


IF Baiano – campus de Catu

As aulas apresentadas pelos ministrantes, já citadas na metodologia,


demonstraram significativa adequação e eficácia aos objetivos desejados,
confirmando também a hipótese levantada, qual seja, a de que os jogos
eletrônicos podem complementar e dinamizar o ensino de história quando forem
utilizados instrumentos e referenciais teóricos adequados.

Após leitura e análise dos diários de bordo dos alunos que participaram da aula,
notou-se que houve um aprimoramento em relação ao primeiro momento.
Aprimoramento que vai desde a observação e interpretação do que é história – e
não só apenas de conceitos substantivos, mas também de ideias um pouco mais
complexas, como a compreensão de diversas perspectivas da história – até a
ideia de sujeito histórico.

Durante a oficina, houve integração e conversas sobre o que os alunos já


entendiam de história, sobre o que costumavam jogar, sobre o que aprenderam
durante o ensino fundamental e como se adaptaram durante esse percurso, tudo a
fim de explorar ao máximo seu conhecimento prévio. Durante os primeiros
minutos de conversa, foi possível perceber que vários conceitos sobre a história
eram anacrônicos ou distorcidos, por exemplo, a ideia de que história é uma
sequência de fatos lineares que nunca poderiam acontecer de outra forma.

Parte do que foi discutido revelou que, em boa parte das vezes, os alunos
absorvem muita informação proveniente de mídias comuns e distintas, como
filmes, revistas, animes, histórias em quadrinhos, desenhos e videogames,
informações que são canalizadas de maneira coerente e que poderiam ajudar a
esclarecer com mais facilidade certos conceitos, aplicando-se as devidas
metodologias de aula. Observou-se que a pretensão de teste inicial foi alcançada.

Os jogos Spore, SimCity 4 e Kingdoms of Amalur – Reckoning, todos da EA


Games, foram de muita importância para alcançarmos nossos objetivos. No
primeiro jogo, Spore, os estudantes perceberam a relação entre as ações e os
efeitos que elas provocam no futuro, algo que, para a formação da consciência
histórica dos alunos, é indispensável, uma vez que a ideia de consciência
histórica é entendida como uma relação estrutural entre passado, presente e
futuro. Em relação ao Spore, um estudante, a quem será atribuído o nome fictício
de João, para preservar sua identidade, afirmou:[108]

O jogo Spore falava sobre a evolução e como as escolhas afetavam o futuro de


praticamente todas as raças, também mostrava como era forte o poder militar
sobre as civilizações; a importância da religião e da diplomacia também foram
mostradas no jogo.

Com o SimCity 4, os alunos conseguiram relacionar vários conceitos


substantivos, dos quais tinham conhecimento, mas que não conseguiam definir
nem exemplificar. Os conceitos de política, economia e cultura, que são
importantes no processo de construção do conhecimento histórico, foram
identificados no jogo com êxito pelos estudantes, gerando até outros debates,
como a construção de uma sociedade com base em decisões coletivas.

Durante a utilização do terceiro e último jogo, Kingdoms of Amalur –


Reckoning, os estudantes puderam relacionar as ações do jogo com o conceito
de sujeito histórico, em que o indivíduo tem potencial para influenciar e até
modificar a história de acordo com suas decisões. Sobre esse ponto de vista, o
estudante a quem se atribui o nome fictício de Márcio, explicou:

K.O.R. relata a história de um reino que quer dominar todo os outros reinos.
Entretanto, todo soberano que tenta reinar, sempre tem alguém para derrotar. No
jogo, o protagonista tem a missão de socializar com outras raças para tentar ser
grande e derrotar a tirania.

A utilização dos jogos também levou os estudantes a passar a aprender a história


significativamente, utilizando seus conhecimentos históricos prévios e
despertando sua consciência histórica. Assim, considera-se que os alunos de fato
aprenderam história, uma vez que não apenas reproduziram informações, mas
utilizaram seu pensamento crítico e sua consciência histórica para absorver
novos conhecimentos, o que os distanciou do aprendizado mecânico, que, em
história, presta-se apenas à memorização e reprodução de conteúdos.

Além disso, a utilização de apenas um notebook e um datashow não


comprometeu o processo de uma aprendizagem significativa, baseada no uso
lúdico e qualitativo dos jogos eletrônicos durante as oficinas. Pelo contrário, isso
tornou a experiência mais interessante, permitindo maior interação entre os
ministrantes e os alunos, fato que levou a discussões mais produtivas.

Oficina 2: Aprendizagens significativas e jogos eletrônicos na


Escola Municipal R. Mata

Observando os dados parciais da Oficina 1, foi executada a Oficina 2 na Escola


Municipal Professor Raimundo Mata. É importante deixar claro que, assim como
na análise dos dados da primeira oficina, todos os nomes dos estudantes são
fictícios, a fim de preservar sua privacidade.

Com base nos dados coletados, foi possível compreender que todos os estudantes
que participaram das atividades na Escola Raimundo Mata eram habitantes de
regiões periféricas do município e também da zona rural. Talvez exatamente por
isso muitos alunos dessa turma nunca haviam tido contato com jogos eletrônicos
e/ou TICs, como é possível observar na afirmação da estudante Carina, de 11
anos: “Eu tô achando meio estranho, porque é a primeira vez (...)”.

Dessa forma, o jogo, além de instrumento de ensino e aprendizagem


significativa em história, serviu também como meio de inclusão digital.
Diferentemente da oficina realizada no IF Baiano – campus de Catu, onde, além
do maior amadurecimento da turma de 1º ano do ensino médio, todos os alunos
já haviam jogado ou tinham costume de jogar, tendo acesso quase que irrestrito a
TICs e a uma variedade imensa de outras mídias, o que lhes permitia um aporte
de conhecimento histórico maior, tornando evidente a situação de
vulnerabilidade social dos alunos da escola municipal.

No primeiro dia de oficina, estes últimos demonstraram o que sabiam dos


conceitos que seriam trabalhados nos jogos e também se apropriaram de algumas
visões acerca desses conceitos, que, para eles, eram novas. Durante as
discussões, procurou-se a todo o momento trazer exemplos e levantar
questionamentos relacionados ao dia a dia desses jovens, para facilitar a
compreensão dos conceitos, uma vez que inicialmente não se utilizaram os jogos
e era preciso dinamizar a aula de algum modo.
Os primeiros questionamentos foram relacionados à disciplina de história. Os
alunos não demoraram a demonstrar que não gostavam de história ou não se
interessavam pela disciplina, por ser transmitida de maneira linear e factual, ou
seja, exigindo que decorassem nomes, datas e acontecimentos. Alguns alunos
também citaram o fato de ter de ler textos enormes e a obrigação de fazer muitas
atividades. Isso significa dizer que praticavam o aprendizado mecânico, em que
o conhecimento histórico prévio que possuíam (ainda que pouco) não era
utilizado durante as aulas.

Ao definirem história, demonstraram estar intimamente ligados a ideias do senso


comum, principalmente em construir barreiras e assegurar que a história estava
relacionada a algo que aconteceu há muito tempo e/ou estava muito distante da
realidade deles, algo que o jogo poderia ajudar a desmistificar. Esses aspectos
podem ser notados nos discursos de Gabriel e de Claudia, ambos de 10 anos, que
concordaram ao afirmar que: “a história é uma coisa que já aconteceu a muito
tempo atrás”.

Outro aspecto interessante a ser observado é que, exatamente por essa distância
que o aluno tem da história e pela não adequação do método tradicional de
ensino à realidade dos jovens, normalmente os estudantes não conseguem
observar a importância do estudo da história, assim como sua importância no
entendimento da realidade local e da sociedade. Em linhas gerais, tem-se a ideia
de que o estudo do passado é a única serventia da história. Essa ciência seria
necessária apenas para “relembrar coisas do passado” ou para “aprender o que já
se passou”, como afirmam os alunos Ítalo e Carla, de 10 e 11 anos,
respectivamente.

A barreira do aluno em relação aos acontecimentos é novamente abordada pelos


estudantes, no sentido de perceber a utilidade do estudo da história, como é
possível notar no relato de Diego, de 11 anos: “[A história] serve pra saber o
passado das pessoas que viveram a muito tempo e a muitos séculos atrás”.
Ainda em relação à importância de estudar história, aproximadamente 30% dos
estudantes parecem achar que esse aprendizado é de fato importante para eles.
Todavia, ao atentar para as anotações das alunas Fabiana e Carina, de 12 e 11
anos, respectivamente, é notável a dificuldade delas em relação ao conteúdo e à
maneira como ele é transmitido pelo professor: “[A história serve] pra aprender o
que a professora ensina e cada coisa que ela fala”; “[A História serve] para
aprender a origem de cada coisa, eu acho um pouco complicado para aprender,
mais é importante”.

Em seguida, foi perguntado aos alunos de que modo eles se imaginavam fazendo
parte da história. Para provocá-los, foram utilizadas três imagens de
sujeitos/personagens históricos e se procurou saber se conheciam alguns
daqueles rostos. Primeiro, foi mostrada a foto de Zumbi dos Palmares. Uma
minoria o reconheceu e/ou sabia quem ele era. Depois, foi mostrada a foto do
cantor e compositor Bob Marley. A turma inteira soube identificá-lo e dizer
quem ele era. Por último, mostrou-se a foto de um grupo de alunos
desconhecidos, mas que o ministrante da aula afirmou serem sujeitos históricos
e, logicamente, ninguém sabia quem eram aqueles jovens.

Então, perguntou-se aos estudantes de que modo eles se imaginavam fazendo


parte da história e a maioria demonstrou a ideia de que só são participantes da
história ou sujeitos históricos aqueles que, de algum modo, ganham destaque e
notoriedade na sociedade, fato notável nos seguintes relatos:

Eu imagino ter criado algo muito importante para as pessoas (...). (Alexandro, 11
anos)

Eu me imagino sendo um bom governante. (Jefferson, 15 anos)

Sendo a primeira mulher a ir pra Lua. (Leiliane, 11 anos)

Na segunda aula da primeira parte da oficina, iniciaram-se as discussões sobre os


conceitos que seriam abordados com os jogos. De alguns conceitos, como
urbanização, os alunos nunca tinham ouvido falar. De outros, como cultura, até
demonstraram ter alguma ideia, porém, não sabiam definir. Política foi o único
termo que conseguiram conceituar, entretanto, as ideias estavam ainda ligadas ao
senso comum, à questão da eleição, do voto e de quem governa, o que é possível
assimilar nos seguintes relatos:

Políticas são as pessoas que governam o país. (Diego, 11 anos)

Política é um lugar de votação. (Raissa, 10 anos)

Política é uma eleição que as pessoas votam. (Everton, 11 anos)

Em relação ao conceito de cultura, os estudantes demonstraram estar ainda mais


distantes do sentido científico que essa ideia apresenta. É claramente perceptível
nos discursos de três alunas que elas não chegaram nem perto de um conceito,
ainda que estivesse relacionado ao senso comum:

Cultura é música. (Leiliane, 14 anos)

Cultura é a origem de nós e das coisas. (Luana, 10 anos)

Cultura é a origem de povos que tem cada um a sua mania e preserva. (Carina,
11 anos)

Outro aspecto que ficou claro ao final desse primeiro dia de oficina foi o fato de,
mesmo com a discussão de todos esses conceitos substantivos e de todas essas
ideias, muitos estudantes demonstrarem falta de atenção e/ou ficarem dispersos e
distantes da discussão que se desenrolava. O método da primeira parte da aula
(sem essa intenção) causou esse efeito, pois, somente com a aula expositiva,
muitos se mostraram desinteressados. Além disso, a imaturidade da turma pode
ter contribuído para isso, já que o que estava sendo debatido, ainda que com
exemplos do dia a dia e numa linguagem simplificada, parecia distante demais
da realidade deles, a ponto de não se interessarem.

Já durante o segundo dia de oficina, no qual foram utilizados os jogos Age of


Empires, Age of Empires II e Freedom Fighters, os alunos foram muito mais
participativos, mostrando-se bem mais curiosos em relação à história e a seus
conceitos. Para facilitar a compreensão dos estudantes, a todo momento,
retomava-se algum tema ou conceito discutido no primeiro dia, a fim de
relacioná-los aos jogos junto com os jovens. Desse modo, eles vieram a assimilar
melhor os conceitos, ainda que não jogassem ou ficassem apenas observando os
colegas jogarem. Observando o relato dos alunos a seguir, a história parece ter
ficado mais próxima de sua realidade:

Eu entendi que o jogo é muito interessante para a gente aprender como a nossa
cidade funciona e de que ela precisa. Os personagens tão pegando madeira e
comida, procurando água, construindo casas e outras coisa pra população.
(Raissa, 10 anos)

Primeiro a gente pegou comida pro povo vim e depois pegou madeira pra
construir casa, porque o povo queria isso. Eu achei legal porque antigamente eles
já fazia isso. (Cícero, 15 anos)

Eu entendi que eles precisam de comida pra sobreviver e de água e hospital,


igual a gente. (Leiliane, 14 anos)

Nas falas de Cícero e de Leiliane, é possível, ainda, observar outro aspecto


interessante. Mesmo ao trabalhar jogos que abordavam um período histórico
(Age of Empires trata de História Antiga e Age of Empires II trata de Idade
Média), os estudantes conseguiram entender os conceitos que foram trabalhados
e discutidos, dentro do jogo, e ainda os transportaram para o período histórico
em que vivem, para o seu cotidiano. Ou seja, os games contribuíram para que a
história e seus conceitos fossem trazidos de um passado distante e inatingível
para o presente, para o dia a dia desses alunos.
A mudança de percepção dos estudantes em relação à história e aos conceitos
trabalhados foi evidente. Um exemplo é o do aluno Alexandro, de 10 anos, que
apresenta uma utilidade para a história muito próxima do que muitos
historiadores ministram em sala de aula. Ele afirma: “A história é uma ciência
que serve para relembrar o passado e desse jeito poder entender o presente”.

Quando questionados novamente sobre o modo como se imaginavam fazendo


parte da história, observou-se a influência do jogo Freedom Fighters, em que um
simples encanador, com suas ações, ajuda a mudar os rumos da Guerra Fria. Ou
seja, foi trazida a ideia de sujeito histórico, de que todos têm potencial para
mudar a história, considerando o fato de que todos estão presentes num contexto
histórico. Em relação a esse questionamento, os estudantes responderam: “Faço
parte da história porque tudo o que a gente faz vira História” (Diego, 11 anos);
“Todo mundo faz parte da história” (Isabela, 12 anos).

Também se observou uma evolução evidente na forma como os estudantes


entendem a política. Nota-se que já não a enxergam através do senso comum,
pelo contrário. Por meio dos jogos, buscaram uma definição mais coerente e
também autêntica desse conceito, o que se percebe nas afirmações a seguir:

Política é quando alguém se junta pra discutir o que tem de errado na


comunidade. (Gabriel, 10 anos)

[Política] é quando o povo se reúne pra ver se a cidade está bem. (Claudia, 10
anos)

[Política] é um debate entre as pessoas, falando como a cidade e o país está e


como deve fazer pra melhorar a vida da população. (Luane, 10 anos)

Ainda em relação ao conceito de política, é possível observar que houve também


uma mudança significativa na compreensão dos estudantes sobre quem é um
político. Nesse sentido, a estudante Geovana, de 11 anos, levanta a hipótese
coerente de que “todos nós somos políticos porque não é só quem se candidata
que são políticos”.

Já em relação à cultura, alguns dos alunos, a exemplo de Ítalo, de 10 anos,


conseguiam apresentar uma definição desse conceito, e tal definição se mostrou
muito próxima das explicações de antropólogos, por exemplo, salvo as devidas
proporções, pois se fala de um aluno de 10 anos, Ítalo, em situação de
vulnerabilidade social, estudante de uma escola municipal mal-estruturada: “(...)
resultado de todo conhecimento humano, é uma mistura de costumes e
experiências”.

Outra mudança dos alunos ocorreu em relação ao conceito de urbanização. A


turma inteira não tinha o menor conhecimento sobre esse conceito, porém,
depois das discussões, provocações e também das experiências e aprendizagens
com os jogos eletrônicos, essa situação se modificou. Enquanto alguns jogavam
e faziam as “cidades” do jogo Age of Empires crescerem, os ministrantes
ajudavam os outros estudantes a relacionar as discussões da primeira parte da
oficina com o game. A partir daí, muitos estudantes conseguiram apreender as
primeiras ideias relacionadas à urbanização e outros jovens conseguiram até
definir o conceito com suas próprias palavras e percepções.

Alunos como Alexandro, de 11 anos, e Cláudia, de 10 anos, trouxeram suas


ideias a respeito do conceito de urbanização: “Urbanização é o crescimento da
cidade, o qual vai diminuindo o campo”; “[Urbanização] é quando um ambiente
rural se transforma em urbano. Ocorre quando as pessoas vai a cidade procurar
trabalho”.

Outro fato interessante, relacionado à diferença de postura dos estudantes em


relação ao jogo e à ausência do jogo, está relacionado à observação de um dos
alunos, Éverton, de 11 anos, durante o primeiro dia. Somente com a aula
expositiva, ele se mostrou disperso e sem o menor interesse na atividade. Já com
os jogos, sentou-se em uma das carteiras mais próximas e observou atentamente
os colegas jogarem, além de levantar questionamentos e fazer algumas
anotações. Logo, pediu para jogar também. Jogou, aprendeu e se divertiu
bastante.

Ao fim da oficina, os quatro alunos que mais se destacaram e participaram


durante a atividade foram presenteados com cadernos da série Assassin’s Creed,
como incentivo ao estudo de história. Assim, a experiência se mostrou
extremamente enriquecedora.

Considerações finais

Dessa forma, com base na análise dos resultados e no aporte teórico, conclui-se,
primeiramente, que os jogos eletrônicos podem ser utilizados como recurso
lúdico no processo de ensino e aprendizagem de história, mesmo que não
tenham sido produzidos com fins pedagógicos. Para tanto, devem ser tomados
certos cuidados com a metodologia utilizada, por exemplo, deixando claro que
os games são simulações da realidade e que se utilizam tanto de elementos
“reais” quanto ficcionais. Assim, é preciso que se tenha um aporte teórico e
metodológico adequado e também que se faça a seleção coerente dos jogos, com
foco no tema discutido em sala de aula. Além disso, os jogos eletrônicos podem
auxiliar na manifestação da consciência histórica dos indivíduos, bem como na
construção de seu conhecimento histórico, observando que esse aprendizado
ocorre indiretamente, com base em analogias e relações com outras mídias ou
com o que foi visto, estudado e debatido em sala de aula.

O jogo também se mostrou mais do que um instrumento de ludicidade dentro das


aulas de história. Serviu também ao processo de inclusão digital de muitos
alunos em situação de vulnerabilidade social, visto que, para a maioria dos
estudantes da escola Raimundo Mata, as oficinas do projeto representaram o
primeiro contato com as TICs. Desse modo, o jogo eletrônico ajudou a promover
a alfabetização tecnológica, a democratização do acesso às TICs para esses
alunos, melhorando a qualidade do ensino de história. Além disso, os jogos
auxiliaram na melhor compreensão dos conceitos e, sobretudo, do processo de
tornar esses conceitos e a história em si mais próximos dos estudantes,
transformando algo que, para eles, era distante da realidade em algo que passou
a refletir seu cotidiano.

Assim, a continuação desta pesquisa se dará em duas vertentes. A primeira


continuará trabalhando conceitos históricos nas turmas da escola Raimundo
Mata. Pretende-se ajudar a escola a instalar um espaço para que os jovens
possam ter acesso às TICs. O notebook e o datashow utilizado no projeto,
financiados pela Pró-Reitoria de Pesquisa do IF Baiano e pelo CNPq, deverão
ser doados à escola ao final da última etapa do projeto, a da utilização de jogos
eletrônicos como complemento das aulas das turmas do 6º ano da Escola
Municipal Professor Raimundo Mata durante dois bimestres letivos, de maneira
sequencial. O objetivo é perceber se a utilização dessa metodologia por um
período maior de tempo e de aulas manterá os resultados obtidos numa oficina,
como já foi feito. Da mesma forma, pretendem-se inserir as TICs no cotidiano da
turma, incentivando professores de outras disciplinas a utilizá-las da perspectiva
teórica e metodológica desta pesquisa. A outra vertente é a construção de um
jogo que abordará temas relacionados à história local (Catu, Bahia), contribuindo
para a (re)construção da memória do município e, logicamente, facilitando o
processo de ensino e aprendizagem. O protótipo do game deverá ser concluído
até o final de março de 2016 e será testado nas escolas estaduais e municipais do
município, bem como no IF Baiano – campus de Catu.

Ainda que não existam processos metodológicos infalíveis, com esta proposta,
visa-se contribuir para a possível resolução de alguns dos diversos problemas
que ainda existem no ensino de história.

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12
GAMIFICAÇÃO EM APLICATIVOS MÓVEIS PARA EDUCAR
EM HÁBITOS DE VIDA SAUDÁVEIS

[109][110]

Carina S. González González

Nazaret Gómez del Río

Raquel Martín González

Yeray del Cristo Barrios Fleitas

Introdução

Em 2004, a OMS declara a obesidade como a epidemia do século XXI, ao


alcançar proporções mundiais, afetando principalmente os países desenvolvidos
e em vias de desenvolvimento, embora já não seja um problema exclusivo dos
países de renda elevada e comece a estar presente em países com menos
recursos, apresentando-se em todas as faixas etárias, desde a infância até a idade
adulta (World Gastroenterology Organization [WGO] 2011; World Health
Organization [WHO] 2004). Essa enfermidade ocasiona graves problemas de
saúde: é o quinto fator de risco de morte no mundo, provocando cerca de três
milhões de mortes por ano, e é responsável por cerca de 58% dos casos de
diabetes, 21% das cardiopatias isquêmicas, e entre 8% e 42% de alguns tipos de
câncer, e esses riscos crescem proporcionalmente ao aumento de peso corporal
(WHO 2014; WGO 2011; WHO 2012). A obesidade foi aumentando de forma
progressiva nas últimas décadas, em particular a obesidade na população infantil
se converteu em um dos problemas mais graves de saúde pública, estimando-se
que cerca de 42 milhões de crianças menores de 5 anos estavam com sobrepeso
ou obesas em 2010, das quais 35 milhões vivem em países desenvolvidos
(Agencia Española de Seguridad Alimentaria 2005; WHO 2014; Ezzati e Riboli
2013).

A obesidade é definida como “um acúmulo anormal ou excessivo de gordura no


corpo que prejudica a saúde” e sua etiologia é multifatorial; nela intervêm
múltiplos fatores genéticos e ambientais (WHO 2003). Fundamentalmente, é o
resultado do desequilíbrio entre o consumo e o gasto energético durante um
longo período de tempo. Isso se confirma pela escassa proporção de pacientes
diagnosticados com obesidade ocasionada por alguma doença genética ou por
transtornos hormonais. Também têm papel importante os fatores de risco que
demonstraram sua influência no desenvolvimento e na manutenção da
obesidade, como a obesidade dos pais, o baixo nível educativo e socioeconômico
dos pais, desfrutar de poucas horas de sono, o elevado peso ao nascer ou a
lactância materna exclusivamente artificial (Klünder-Klünder et al. 2011;
González et al. 2012; Estudio de Prevalencia de la Obesidad infantil 2011).

Definitivamente, o aumento no número de casos de obesidade infantil no mundo


é consequência direta das mudanças nos estilos de vida e do desenvolvimento
social e laboral vivenciado pela maioria das populações: os alimentos
tradicionais foram substituídos por alimentos mais ricos em calorias, gorduras e
açúcares, além de se favorecer uma má alimentação baseada em guloseimas
(indústria alimentícia), aperitivos, sal, e pobre em frutas, verduras, hortaliças,
legumes e peixe (Cussó e Garrabou 2007; Agencia Española de Seguridad
Alimentaria y Nutrición 2008). Ademais, realiza-se pouca ou nenhuma atividade
física, entre outras razões, em virtude do maior nível de urbanização e
mecanização, da evolução dos sistemas de transporte, das mudanças nas políticas
sociais e sanitárias, do planejamento urbano, que deixa pouco espaço para zonas
verdes, e do longo tempo que os alunos passam realizando atividades de lazer
sedentárias diante do computador ou da televisão. Na Espanha, as mudanças de
estilo de vida e o desenvolvimento do Sistema Nacional Sanitário, provocaram,
junto com outros fatores, o aparecimento de novos problemas sanitários. Dessa
forma, as enfermidades não transmissíveis, como a obesidade, substituíram as
doenças infecciosas (Seedo 2000).

O Programa de Videogames Ativos para o Tratamento Ambulatorial da


Obesidade (ProViTao) surge como uma ferramenta que ajuda os profissionais da
saúde no tratamento da obesidade infantil e da diabetes, além de servir como
uma ferramenta de prevenção, posto que se pretende educar e promover a
aprendizagem de hábitos de vida saudáveis. Em virtude da escassa adesão ao
tratamento ambulatorial que costumam ter as crianças, gamificamos todo o
programa educativo para aumentar sua motivação e, dessa forma, sua resposta e
sua aderência ao tratamento. Esse programa gamificado é acessado por meio de
um aplicativo móvel denominado Provitao App. Introduzimos videogames
ativos no programa, alguns desenvolvidos pelo grupo de pesquisa para as sessões
de intervenção grupais presenciais, tais como Tango:H, outros minijogos para
celulares geolocalizados e videogames comerciais, como o Wii Fit Plus, para a
realização de jogos ativos no domicílio. Neste capítulo são apresentados o
problema da obesidade infantil e o uso da gamificação como estratégia de
intervenção para educar em hábitos de vida saudáveis. Também se expõe um
exemplo de aplicativo para celular em que se implementam algumas estratégias
para poder realizar um programa de intervenção gamificado.

Gamificação e hábitos de vida saudáveis

As intervenções não farmacológicas devem ser a base dos tratamentos da


obesidade, especialmente no caso das crianças, em que são considerados o
tratamento de primeira linha (Han; Lawlor e Kimm 2010). Os objetivos a
alcançar incluem as mudanças de longo prazo no estilo de vida, especialmente
nos hábitos alimentares e de exercício físico. E, geralmente, só quando elas são
profundas, observam-se alterações de longo prazo no peso (Weigel et al. 2008).

Segundo a revisão de ensaios controlados de intervenções no estilo de vida,


apesar das múltiplas limitações metodológicas, as intervenções comportamentais
em estilos de vida baseadas na família, com objetivos de mudança de dieta,
atividade física e padrões de pensamento, podem provocar uma diminuição
significativa e clínica do sobrepeso em crianças e adolescentes Oude Luttikhuis
et al. 2009). Embora essa revisão inclua acompanhamentos de 6 e 12 meses, são
desejáveis estudos de acompanhamento com prazos maiores. Com base em uma
revisão de ensaios efetuados com adultos com sobrepeso e obesidade, com
acompanhamento das mudanças no peso em um período mínimo de dois anos,
conclui-se que as intervenções modernas voltadas para a mudança de estilo de
vida provocam uma diminuição de peso modesta, porém sustentável no tempo,
com significação clínica, pois tem um impacto positivo em complicações como a
diabetes e a hipertensão (Powell, Calvin e Calvin Jr. 2007). As intervenções
revisadas combinam mudanças específicas na dieta, restrição de calorias,
exercício e assessoramento mediante o uso de técnicas comportamentais.
Algumas dessas técnicas incluem a automonitorização, modelado, reestruturação
ambiental e apoio grupal e individual. Além de ser eficaz, esse tipo de
intervenções leva à aceitação dos participantes, com baixas taxas de abandono e
comprometimento na presença às sessões. Há alguns fatores que, segundo os
autores, favorecem a manutenção a longo prazo das mudanças alcançadas. Em
primeiro lugar, que as metas traçadas sejam simples e impliquem alterações
pequenas de peso, isso facilita sua consecução e sua manutenção, e esse pequeno
êxito pode favorecer a sensação de autoeficácia e promover tanto a manutenção
da alteração de peso, como a aceitação de novas alterações. Além disso, a
eficácia a longo prazo das intervenções esteve relacionada com a manutenção do
contato com os participantes durante todo o período de acompanhamento,
tornando obsoleta a ideia de que uma intervenção na modificação de estilo de
vida possa ocorrer em um tempo limitado e manter seus benefícios por toda a
vida. Uma das complicações de manter a atenção profissional é seu custo. Nesse
sentido, contatos mínimos, telefônicos ou em grupo, mensais ou bimestrais,
pareceram efetivos para manter a diminuição do peso (Powell, Calvin e Calvin
Jr. 2007).

Os sentimentos de autonomia vinculados à alimentação saudável e ao exercício


físico se relacionam positivamente com a perda de peso a curto e a longo prazos.
Isso implica o estabelecimento de lócus de controle interno e autorregulação em
relação ao controle do peso. O controle de peso também é predito pela
consideração do exercício físico como intrinsecamente reforçador, interessante e
uma fonte de satisfação e pelos sentimentos de confiança em sua realização
(Teixeira et al. 2012).

A autoeficácia é um objetivo a ser estabelecido nas intervenções para aumentar a


atividade física, segundo uma revisão de trabalhos sobre as variáveis mediadoras
da eficácia das intervenções destinadas a promover a atividade física em crianças
e adolescentes. Embora a generalização dos resultados deva ser considerada com
precaução, porque a maioria dos trabalhos examinados foi implementada na
população feminina, a autoeficácia foi a única variável cognitiva que atuou como
mediadora na relação entre a alteração na atividade física e o peso. A expectativa
de resultados se comportou como mediadora apenas em um trabalho, mas se
relacionou com as alterações na atividade física, assim como nas atitudes, nas
barreiras percebidas e na satisfação da atividade física. Entre as variáveis
comportamentais, só o compromisso com o planejamento atuou como mediador
e, entre as interpessoais, nenhuma desempenhou esse papel (Lubans, Foster e
Biddle 2008).

Outro fator importante para o êxito da intervenção com crianças com obesidade
é a inclusão dos pais nos programas. Constatou-se, por exemplo, que a
motivação dos pais nas fases iniciais de tratamento, especialmente sua confiança
em conseguir modificar comportamentos relacionados com o estilo de vida, pode
reduzir os abandonos do tratamento e melhorar seus resultados (Gunnarsdottir et
al. 2011). Foram até mesmo concebidas intervenções em que se trabalha apenas
com os pais. Por exemplo, West et al. (2010) intervêm com os pais para melhorar
suas habilidades e sua confiança no manejo dos comportamentos de seus filhos
relacionados com o peso. Comparados com um grupo sem intervenção,
evidenciam-se melhoras no peso dos filhos, os comportamentos-problema
relacionados com o peso, a autoeficácia dos pais e a diminuição de práticas
parentais inefetivas de forma imediata e no acompanhamento por 12 meses.

Além de incluir a autoestima, hábitos alimentares e atividade física, evidenciou-


se que os programas grupais de exercício podem ser uma ferramenta útil e que se
faz necessário o envolvimento dos pais para a eficácia dos tratamentos da
obesidade (Weigel et al. 2008). Ainda assim, a intervenção deve perseguir
mudanças de comportamento, porque os conhecimentos não as garantem
(Baranowski et al. 2008). Isso é coerente com a teoria da autodeterminação, a
qual sustenta que o sentimento de autonomia e de vontade autodefinida durante
as mudanças, a sensação de desafio efetivo e ótimo e sentir-se conectado de
forma significativa com outras pessoas têm um valor intrínseco para o self e são
essenciais para o bem-estar e a persistência comportamental (Teixeira et al.
2012).

Pode-se promover e trabalhar a mudança de dois enfoques, não necessariamente


excludentes entre si. Por um lado, pode-se favorecer a execução de
comportamentos desejáveis e a diminuição de frequência dos indesejáveis, com
base nos paradigmas comportamentais clássicos, administrando reforçadores de
forma contingente. Desse enfoque, os comportamentos são manejados de acordo
com motivações extrínsecas. Por outro lado, como acabamos de ver, a motivação
intrínseca pode favorecer que a mudança perdure, de modo que procurar
sentimentos de autonomia, competência e reconhecimento social e evidenciar o
impacto positivo da mudança de comportamento se convertem em objetivos da
intervenção. Ambos os tipos de enfoque são facilmente combináveis no desenho
de programas de intervenção. E se atende a ambos quando se concebem
programas que utilizam o jogo para promover estilos de vida saudáveis.

A pesquisa apresenta resultados positivos com o uso de videogames que


promovem hábitos de vida saudáveis (Baranowski et al. 2008; González et al.
2016). Nos estudos conduzidos por Baranowski et al. (2008), os objetivos
variam entre mudanças na dieta, aumento da atividade física, a combinação entre
esses dois fatores e outras mudanças de hábitos relacionados à saúde (por
exemplo, o controle da asma ou da diabetes). Os desenhos e a metodologia
utilizados são muito variados. Os videogames diferem, por exemplo, em
aspectos como a contextualização ou não em uma narrativa, na interatividade e
se o/a jogador(a) assume papéis. Variam ainda as teorias comportamentais que
orientam o enfoque (isto é, aprendizagem por tentativa e erro com reforçadores,
direção ou meta, teoria social cognitiva, ação mediante a prática, teoria da
regulação do self) e os métodos utilizados para favorecer a mudança (isto é,
aumentar o conhecimento, aumentar a preferência associando estímulos
positivos, prática, modelado, estabelecimento de metas, resolução de problemas,
recompensas, comunicação persuasiva e apoio social). Apesar dessa
variabilidade, em geral os videogames conseguiram aumentar os conhecimentos,
alterar atitudes e comportamentos. Os autores sustentam que os videogames
poderiam influir no comportamento por dois mecanismos: incluindo o
procedimento de alteração de conduta no jogo, por exemplo, estabelecendo
metas; ou mediante uma história que inclua os conceitos de mudança. Destacam
a utilidade da história, que pode contextualizar um videogame. A narrativa
favorece captar e manter o interesse do estudante/jogador e ainda permite
modelar os comportamentos desejáveis por meio das personagens. As
personagens guiadas pelo jogador encaram os desafios graças à mudança de
hábitos, favorecendo a mudança de hábitos real do jogador. Quando a história se
apresenta em uma estrutura episódica, favorece a atenção e permite fortalecer as
mensagens de mudança de comportamentos, inter-relacionando-as, ao aparecer
em diferentes histórias. A imersão, que favorece a motivação intrínseca, e a
interatividade, que são características dos videogames, permitem que a história
seja vivida em primeira pessoa e fomentam as aprendizagens mediante as
habilidades de planejamento, tomada de decisões e relações de causa e efeito.
Some-se a isso a poderosa ferramenta do feedback que pode ser oferecida em
diferentes formatos e de maneira imediata. Uma dificuldade desse tipo de
ferramenta é que sua concepção é um processo custoso em termos temporais e
varia muito em termos econômicos (Baranowski et al. 2008).

A gamificação é uma tendência em alta na atualidade, que está demonstrando


sua utilidade em contextos educativos e de promoção da saúde. É entendida
como o desenho de atividades não lúdicas utilizando elementos do desenho de
jogos para estimular comportamentos que podem ser considerados “jogáveis”,
em contextos que normalmente não o são (Deterding et al. 2011). Foi aplicada
alcançando resultados no desenho de ferramentas para melhorar as aptidões
físicas e aumentar a atividade física (McCallum 2012, apud Morford et al. 2014).
Dessa forma, existem aplicativos e webs que permitem compartilhar e reforçar
comportamentos vinculados à atividade física, tratando de torná-la mais
divertida. Esse tipo de aplicativos permite ganhar pontos, superar níveis,
alcançar vitórias e ganhar insígnias por atividades sociais e físicas. Além disso,
alguns aplicativos e comunidades incluem um leque mais amplo de hábitos
saudáveis, possibilitando o estabelecimento de metas semanais ou quinzenais
individuais e bonificando (reforçando) os comportamentos saudáveis – por
exemplo, não ceder às tentações geradas pelo estresse, ingerindo alimentos
hipercalóricos, mas levar a cabo uma conduta saudável, como tomar um copo de
água ou sair para passear (Morford et al. 2014).

Foram concebidos programas de intervenção baseados na gamificação para


promover hábitos saudáveis desde o contexto escolar (González et al. 2015).
Esse é o caso, por exemplo, do FIT Game, um programa destinado ao aumento
de consumo de verduras e frutas na cantina escolar (Jones, Madden e Wengreen
2014). Nele, a cada dia era estabelecido como objetivo o consumo de uma fruta
ou verdura. Os dias em que não se escolhia nenhum constituíam a situação de
controle experimental (aumenta o consumo de forma diferenciada quando se
promove?). O programa tinha um contexto narrativo, com heróis (FIT) que
deviam capturar os vilões (VAT, equipe de aniquilação de vegetais). E foi
proposto um formato com três fases de competição versus outras escolas,
embora elas fossem fictícias. A escola ganhadora ajudaria os heróis. A fase de
competição, fictícia, durou sete dias. Cada dia um professor lia um roteiro muito
breve (de menos de um minuto) em que se informava os progressos. Ganhavam-
se as fases pela ingestão de maior quantidade das frutas ou verduras
selecionadas, quando comparada à ocorrida nos outros colégios. Quando
alcançavam ou superavam os critérios de consumo estabelecidos pelos
pesquisadores, os alunos eram informados de que haviam ganhado e a escola era
recompensada com uma insígnia, colocada na tela do projeto.

Finalizada a fase competitiva, se o colégio fosse vitorioso, começava a fase de


ajudar os heróis. Antes da refeição, os professores liam para seus alunos uma
história de três minutos que ressaltava o papel dos estudantes para alcançar os
objetivos (comendo frutas ou verduras). Quando o objetivo era alcançado ou
superado, os professores liam um episódio no dia seguinte. Cada episódio
começava com a felicitação ao colégio por seu êxito, avançava na narrativa e
geralmente acabava em um momento de suspense. Quando o objetivo não era
alcançado, a leitura animava os estudantes a comer mais do que normalmente do
alimento selecionado, porque os heróis o necessitavam. Cada grama acima do
critério de consumo era bonificado com uma unidade monetária do jogo, que se
colocava em sua tela. A cada quatro dias, os estudantes votavam como gastar
esse “dinheiro” ou a direção da narrativa. Buscou-se um aumento no consumo de
verduras e frutas vinculado à intervenção (restringindo-se aos dias em que havia
objetivos), embora o ponto de início do consumo grupal de verduras e frutas no
colégio não fosse baixo. Uma limitação relevante é que, ao ser realizado de
modo grupal, este estudo não capta as melhoras individuais; ainda assim,
carecemos de informação de acompanhamento (Jones, Madden e Wengreen
2014).

Outro programa de intervenção educativa baseada na gamificação, desenvolvido


durante o curso escolar 2013-2014 pelo grupo de pesquisa Ited nas ilhas
Canárias, Espanha, demonstrou ser eficaz nos comportamentos de aprendizagem
de hábitos saudáveis (González et al. 2016). Esse programa era destinado a
crianças com sobrepeso e desenvolvido em contexto escolar, não formal, e nas
casas delas, integrando o uso de videogames ativos, jogos motores, programa
formativo e gamificação de todas as atividades da intervenção. Entre seus
resultados, vale destacar que podem ser observadas diferenças significativas nos
índices de qualidade da dieta na prova de estilos de vida saudável Kidmed entre
o grupo controle e o grupo experimental. Também foram realizadas medições
biométricas que mostraram pouca diferença entre o princípio e o final da
intervenção, indicativo de que isso pode ser devido ao curto período de
intervenção (oito semanas) e à concepção da atividade física com níveis
moderados de esforço. No entanto, o principal objetivo desse programa
formativo não era alcançar uma diminuição no IMC, mas sim mudar os
comportamentos pouco saudáveis em direção a outros padrões de estilo de vida
saudável, por exemplo, incluindo a atividade física no cotidiano. Nesse sentido,
pode-se concluir que a realização da atividade física por meio de jogos motores e
videogames ativos é fundamental para o êxito do programa formativo, uma vez
que introduz a atividade física de forma natural para a criança. Por outro lado, na
avaliação da experiência, as emoções das crianças foram altamente positivas,
tanto antes como depois de cada sessão. Isso poderia ser decorrente do fato de
que a principal motivação que elas têm para seguir o programa é a do jogo em si
mesmo, o qual não é entendido como um complemento à formação tradicional.
Nesse estudo, também se pode ver a influência da estrutura lúdica das atividades
formativas mediante as justificativas das emoções das crianças, as quais indicam
que, em sua maior parte, se devem a razões pessoais e à estrutura da atividade.
Outro resultado favorável desse estudo foi a alta adesão à realização de
atividades em casa (95,6%), em virtude do programa de gamificação integral,
que inclui pontos, níveis e tabelas de classificação, e as crianças podem avançar
semanalmente de acordo com o cumprimento de regras e com o calendário
estabelecido.

Os resultados desses estudos indicam que se pode aumentar a motivação das


crianças por meio do programa de intervenção educativa gamificada no contexto
escolar e, ao mesmo tempo, o grau de cumprimento das atividades planejadas
para serem realizadas em casa. Isso permitiria uma melhora no estilo de vida das
crianças por meio de um programa de intervenção baseada na atividade física
moderada desenvolvida de forma natural com jogos motores e videogames
ativos.

Na próxima seção vamos descrever a estrutura do Programa de Videogames


Ativos para o Tratamento Ambulatorial da Obesidade (ProViTao), que unifica
algumas das propostas, ferramentas e métodos anteriormente descritos, da
perspectiva teórica sobre as intervenções eficazes no tratamento da obesidade.

ProViTao

O programa de intervenção ProViTao para o tratamento da obesidade infantil


propõe uma intervenção familiar com um enfoque multidisciplinar, na qual
confluem as bases teóricas de áreas como medicina, nutrição, educação,
fisioterapia, psicologia e engenharia informática. Combina-se o trabalho com
crianças e pais, com três períodos de intervenção coincidentes com o calendário
escolar e acompanhamento de longo prazo. Ao longo das três fases de
intervenção, procura-se conseguir que as crianças controlem seus
comportamentos relacionados com os hábitos de vida saudáveis com a
orientação dos seus pais. Esse programa está baseado em uma proposta anterior
que combinava jogos motores e videogames ativos, desenhada e validada pela
equipe de pesquisa para crianças com sobrepeso no contexto escolar (González
et al. 2016). O ProViTao adapta esse programa para o tratamento ambulatorial da
obesidade infantil e trabalha com os pacientes do Hospital Universitário de
Canárias.
Na fase inicial, promove-se a aquisição de hábitos de vida saudáveis, sendo os
profissionais aqueles que aportam informações, propõem, orientam e
supervisionam atividades e jogos, que são intensificados não só por meio de
reforço social, como também mediante o ganho de pontos transferidos a uma
classificação geral, com temática narrativa determinada, que se traduz em passar
para o estágio seguinte a cada tantos pontos. É propiciado um ambiente de
cooperação e/ou competição nas atividades presenciais e se favorecem as
sensações de autoeficácia e competência, ao oferecer, por exemplo, atividades
físicas divertidas e que podem ser realizadas com as habilidades dos
participantes, regulando o esforço requerido. Nas sessões presenciais,
combinam-se: as informações trazidas; jogos manipulativos ou que requeiram
movimento em equipe e jogos em duplas com a plataforma Tangible Goals:
Health (Tango:H; González-González et al. 2013), destinados a consolidar as
aprendizagens daquela sessão; e jogo motor, que também se contextualiza nos
conteúdos da sessão. Durante a primeira fase, para favorecer que os meninos e as
meninas identifiquem como a atividade física que realizam nas sessões
presenciais afeta seu estado de ânimo, pede-se a eles que identifiquem como se
sentem na chegada e na saída, selecionando a emoção entre dez opções, e sua
intensidade, em uma escala de um a cinco, expressando os motivos desse estado
emocional. Essas alterações emocionais não só podem ver-se mediadas pelo que
implica intrinsecamente a atividade física, pois a experiência social pode
desempenhar um papel importante. Durante essa fase, também devem ser
realizadas duas sessões semanais de exercício físico em casa, utilizando a Wii
Balance Board com o videogame Wii Fit Plus, favorecendo a realização da
atividade física no contexto familiar. Além do feedback imediato que oferecem
as atividades (pontuação em Tango:H, Wii; conhecimento dos pontos ganhos nas
outras atividades presenciais), suas pontuações são transladadas ao ranking
geral, que se torna público ao grupo nas sessões presenciais.

Na segunda fase, os participantes recebem ajuda e pautas para conceber um


projeto pessoal – individual – de mudança de hábitos. Consiste em programar
uma atividade física que eles se comprometem a realizar. São trabalhados
aspectos como a resistência à mudança diante da abertura à experiência e a
percepção de autoeficácia, orientando um processo ativo de descobrimento dos
recursos do entorno próximo para implementar comportamentos saudáveis e das
próprias inquietudes em relação a eles. A equipe de trabalho exerce, portanto, as
funções de orientação, apoio e reforço, enquanto os participantes experimentam,
colocando em prática seus recursos para dinamizar sua própria mudança. Busca-
se propiciar a participação dos pais no processo de concepção do projeto
vocacional, além de se implementar com eles um processo de intervenção com
encontros mensais e formação on-line. Nessa fase, são favorecidas a segurança, a
autoestima e a autonomia na mudança de comportamentos. O sistema de
incentivos mantém o fio condutor, mas vai avançando em direção a um sistema
de reforço diferido no tempo, com o ganho de insígnias. Também é realizado
mensalmente um encontro grupal com as crianças, mas se mantém contato
semanal por videoconferência com um monitor do projeto e com pequenos
grupos de participantes, além de dispor de plataforma de contato na aplicação.
As atividades com os meninos e as meninas incluem debater sobre vídeos e
áudios relacionados com a mudança ou a resistência a ela, dinâmicas de
promoção de autoestima dentro do grupo, dramatizações/jogos de papéis,
descobrir seu entorno usando aplicações informáticas e narrativas.

Na terceira fase, os participantes devem levar a cabo o projeto que conceberam


(uma atividade física programada) e se abandona a classificação, optando por
reforçadores sociais e a promoção e identificação das sensações individuais de
competência e eficácia. Nas sessões mensais, são abordadas habilidades
cognitivas e sociais, voltadas para a resolução de problemas com os parceiros,
dada a elevada frequência em que estes se relacionam com a obesidade infantil
(Lawrence 2010). O projeto implica um acompanhamento a longo prazo.

Atualmente, estão sendo analisados os resultados do primeiro ano de intervenção


realizada durante o período escolar de 2014-2015, e em janeiro de 2016 foi
iniciada a segunda fase da intervenção com um novo grupo de crianças, neste
caso, no contexto escolar.

A ferramenta utilizada para dar suporte ao programa de intervenção gamificado


se denomina Provitao App, conforme descrita na próxima seção.
Provitao App

Provitao App (Figura 1) é uma ferramenta de apoio para o tratamento da


obesidade infantil, concebida com base em três pilares: a automatização de
tarefas e o comportamento inteligente, interfaces usáveis e adaptáveis às
necessidades de cada usuário e a gamificação para aumentar a motivação e
melhorar a experiência do usuário.

Figura 1. Algumas interfaces do Provitao App


As interfaces do aplicativo estão concebidas para se adaptar ao perfil do usuário,
de modo que as funções e informações que lhe são apresentadas se veem
alteradas por variáveis como a idade, o gênero, ou o papel que tal usuário
desempenha no sistema. Por exemplo, um usuário com o papel de médico tem
acesso à lista de pacientes ativos, ao passo que um paciente, de sua posição,
veria uma agenda em que estão listados os contatos de seus médicos e amigos.

Existem quatro tipos diferentes de papéis de usuários no sistema: pacientes


(meninos e meninas com problemas de obesidade associados ao projeto); família
(pais, mães ou tutores legais); profissionais da área médica (médicos,
enfermeiros e nutricionistas que participam no projeto), ou equipe da pesquisa
(analistas e pesquisadores) (Figura 2).

Figura 2. Diferentes papéis de usuário no Provitao App




Além de adaptar os elementos visuais da interface conforme o papel do usuário,
o aplicativo utiliza a informação de seu perfil para automatizar as tarefas que
cada tipo de usuário pode fazer no sistema. O objetivo dessa automatização de
tarefas é guiar o usuário no tratamento, assim como ajudar os profissionais a
realizar seu acompanhamento. A informação que proporciona o perfil do usuário
pode ajudar também a inferir dados quando se cruzam com outros obtidos de um
teste. Desse modo, a equipe da pesquisa fará uso da plataforma principalmente
com o fim de monitorar o comportamento do paciente. Busca-se, ademais, que
pacientes e profissionais mantenham uma comunicação mais frequente. Por isso,
foram implementadas duas ferramentas de comunicação: um chat adaptado para
o uso por menores de idade e um gerador de questionários. Ambas as
ferramentas permitem a interação direta entre pacientes e profissionais,
aumentando o contato entre eles (Figura 3).

Vale acrescentar que o jogo se situa no desenvolvimento da infância, a qual


compreende etapas muito significativas do ponto de vista lúdico, em todos os
campos que integra o ser humano: cognitivo, motor, afetivo, da personalidade,
social e cultural (Navarro 2015). Por isso, podemos dizer que o jogo é a forma
mais adequada de enfrentar tarefas que possam lhes parecer maçantes ou
tediosas, nesse caso, as recomendadas por um médico para adquirir hábitos de
vida saudáveis. Nesse sentido, Provitao App permite que as crianças possam
aprender jogando, enquanto melhora sua aprendizagem e sua aderência ao
tratamento. Isso é alcançado por meio de duas estratégias fundamentais: (a)
introdução de mecânicas de jogo (gamificação das tarefas), e (b) introdução de
minijogos para aprender hábitos de vida saudáveis.

As mecânicas de gamificação que se implementam no Provitao App são as


conhecidas como PBL (points, badges and leaderboards), assim como a
colaboração e o feedback positivo por meio de mensagens. Dessa forma, inclui-
se um sistema de estágios e pontos que tentam motivar o paciente a se esforçar
para levar a cabo as tarefas que lhe foram atribuídas durante o tratamento a fim
de subir de nível. Subir de nível implica atingir uma nova categoria dentro da
hierarquia de estágios disponíveis e isso não é possível até que não sejam
acumulados pontos de experiência suficientes. Há três formas de atingi-los:
fazendo um uso contínuo do software, levando a cabo tarefas que reconhecem
méritos próprios ou permitindo que outros o ajudem no tratamento. Em outras
palavras, configuramos a consecução de objetivos com foco na superação
pessoal do paciente, e não em “inflar” o ego, o que suporia estar em uma
categoria superior à de outro usuário. Para evitar o desânimo, foram eliminadas
da concepção original as listas de usuários com mais pontuação. Em seu lugar,
foi incluída uma série de mensagens positivas preparadas para motivar o usuário
a ser melhor a cada dia.

Figura 3. Ferramentas de comunicação implementadas no Provitao App


Relacionado aos minijogos que se incluem no Provitao App, podemos destacar
dois jogos adaptados a plataformas móveis para o desenvolvimento de hábitos de
vida saudáveis. O primeiro se denomina “O conta-passos” e se trata de um
podômetro gamificado (Figura 4). O médico encarregado do paciente atribui
uma distância semanal que o paciente deve percorrer seja caminhando, seja
trotando. Essa distância se divide em vários trechos separados por pontos de
controle independentes que, uma vez que tenham sido alcançados, a criança não
deve voltar a percorrer. O exercício se ambienta em um mundo fantástico
mediante o uso de uma narrativa dinâmica, na qual o papel assumido pela
criança é o de um caçador que tem por missão recuperar todos os dragões que
escaparam do castelo de sua majestade. Cada passo da criança a acerca mais do
dragão que persegue nesse momento. Se ela decide abandonar ou se se detecta
uma velocidade muito baixa antes de chegar a um ponto de controle, perderá
toda a distância percorrida desde o último controle superado até esse momento.
Uma vez superados todos os pontos de controle, a criança conseguiria capturar o
dragão, o que se traduz em muitos pontos de experiência em seu perfil e uma
insígnia de reconhecimento a um atributo em concreto (vigor, constância,
velocidade etc.).

O segundo aplicativo não é exatamente um jogo, mas se comporta de maneira


similar. Chama-se “A busca do tesouro” e consiste num mapa compartilhado por
todos os usuários que faz uso da geolocalização móvel para mostrar todos os
pontos de interesse relacionados com os hábitos de vida saudáveis existentes a
seu redor. O paciente deve explorar seu entorno e encontrar novos pontos de
interesse, tais como restaurantes de comida saudável, locais para atividades
esportivas ou parques onde se possa correr. Cada posição marcada é partilhada
pela comunidade, de modo que outros usuários poderão acercar-se para descobrir
e validar a qualidade da fonte. Quanto mais pessoas se interessem por nossa
nova localização, mais aumenta o multiplicador de pontos obtidos por tal
façanha. Finalmente, isso se traduz em aumento da experiência acumulada e na
obtenção de insígnias e vitórias, ao mesmo tempo em que mapeamos os lugares
saudáveis do mundo que nos rodeia.
Figura 4. Minijogo “O conta-passos”
Conclusões e linhas abertas

Neste texto foi apresentada a problemática da obesidade infantil e as


dificuldades para prevenir e tratar essa enfermidade. Nesse sentido, os
videogames e as mecânicas de jogos (que, introduzidas em contextos de não
jogo, se denominam gamificação) podem ser utilizados como ferramentas
poderosas para ajudar no tratamento da obesidade infantil, assim como na
educação e na promoção de hábitos de vida saudáveis. Além disso, os aplicativos
móveis estão onipresentes na vida cotidiana tanto das crianças como de seus
pais, suas mães, assim como dos profissionais que os atendem. Por isso, foi
desenvolvido um programa de intervenção educativa para o tratamento da
obesidade infantil sustentado em um aplicativo móvel: Provitao App.

Essa ferramenta móvel inclui todas as tarefas que o paciente deve realizar, assim
como as ferramentas de monitorização e acompanhamento que utilizam os
profissionais médicos, e ferramentas de comunicação bidirecional para manter o
contato entre eles. Além disso, para aumentar a motivação e a adesão ao
tratamento, inclui um sistema de gamificação baseado em PBL, a colaboração
entre pacientes e um sistema de feedbacks positivos de superação pessoal. Ainda
estão incluídos minijogos, a fim de explorar as capacidades dos dispositivos
móveis, tais como o acelerômetro ou a geolocalização. Por outro lado, as tarefas
a realizar são automatizadas para facilitar e simplificar o trabalho dos
profissionais e da família. Tudo isso se mostra de forma personalizada e
adaptada a cada usuário, tomando como base a informação de seu perfil e seu
histórico com o aplicativo.

Provitao App pretende converter-se em uma plataforma propulsora de


aplicativos web externos, ou seja, um sistema que reúne jogos e aplicativos
similares às AppStore de Android ou IOS para celulares. Dessa forma, a
plataforma poderia seguir crescendo sem necessidade de que seu código-fonte
tivesse que ser modificado a cada nova versão. Na Universidade de La Laguna
continuam a ser desenvolvidos jogos e ferramentas que agreguem valor ao
Provitao App, assim como se planeja sua próxima experimentação com uma
amostra de usuários reais com idades compreendidas entre 8 e 12 anos,
selecionados aleatoriamente de seis escolas diferentes da ilha de Tenerife,
durante o primeiro semestre de 2016.

Esse aplicativo é gratuito e se encontra disponível em espanhol, embora esteja


preparado tecnicamente para uma fácil internacionalização futura em outros
idiomas.

Como conclusões relativas à implementação de videogames que promovam


hábitos de vida saudáveis, pensamos ser necessário que tenham um acentuado
caráter social e que contribuam para o desenvolvimento de emoções positivas.
Acreditamos que, além de serem utilizados como uma forma de ajuda ao
tratamento ambulatorial da obesidade, seria interessante integrar esses
programas nas escolas, pois pensamos que se deve educar e motivar mudanças
de comportamento desde uma tenra idade, e que a dinâmica de jogos é a mais
natural e próxima das crianças.

Portanto, a formação em estilos de vida saudáveis deveria fazer parte do


currículo educativo das crianças pequenas, permitindo, assim, assegurar a
aquisição, no longo prazo, de comportamentos saudáveis e ajudando a prevenir
doenças não transmissíveis relacionadas com maus hábitos, o que resultará na
melhora da saúde da sociedade. Atualmente, a plataforma se encontra em sua
última fase de desenvolvimento e se planeja sua experimentação durante os
meses de fevereiro e junho de 2016, com uma amostra selecionada de seis
escolas públicas e privadas, cujos indivíduos tenham como hospital de referência
o Hospital Universitário de Canárias. Após sua finalização, o passo seguinte se
centrará em uma análise intensiva dos benefícios proporcionados pelo Provitao
App sobre seus usuários, a fim de validar as hipóteses propostas inicialmente.
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13
COMO PLANEJAR E AVALIAR INTERVENÇÕES COM
JOGOS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL?

Camila de Sousa Pereira-Guizzo

Introdução

A aplicação de pesquisas que buscam analisar uma prática ou intervenção no


contexto da educação especial requer, muitas vezes, delineamentos específicos,
já que a população-alvo é muito heterogênea. Essa diversidade demanda do
pesquisador ou dos profissionais o arranjo de diferentes procedimentos para
compor métodos capazes de avaliar uma intervenção.

O objetivo deste capítulo é discutir alguns métodos de pesquisa delineados para


o planejamento e a análise de intervenções com jogos digitais aplicados em
pessoas com deficiência. Entendendo que as práticas profissionais devem estar
embasadas metodologicamente (de modo semelhante à produção de
conhecimento científico), as análises deste capítulo podem auxiliar tanto
profissionais como pesquisadores.

Os tópicos a seguir buscam contextualizar a educação especial e os jogos digitais


como estratégias de intervenção, assim como discutir alguns delineamentos para
análise dessa tecnologia em pessoas com deficiência. Por fim, há recomendações
para profissionais e pesquisadores.
Educação especial e jogos digitais: Cuidados no planejamento de
intervenções

O censo demográfico brasileiro de 2010 revela que cerca de 45 milhões de


pessoas declararam ter algum tipo deficiência; esse número corresponde a 23,9%
da população (IBGE 2012). Na faixa etária de zero a 14 anos, 7,5% das crianças
têm pelo menos um tipo de deficiência (ibid.). Esse dado deve chamar a atenção
de profissionais e pesquisadores, considerando a necessidade de escolarizar e
desenvolver essas crianças, a fim de que se promovam o exercício de sua
cidadania, a garantia de seus direitos humanos e a possibilidade de que tenham
um futuro com mais oportunidades.

O histórico de exclusão de pessoas com deficiência na sociedade e no ensino


regular não pode ser esquecido. As legislações, por exemplo, foram criadas para
assegurar os direitos dessas pessoas e as ações de políticas públicas. Para ilustrar
alguns avanços:

• A Constituição Federal de 1988 esclarece os princípios de cidadania,


dignidade, valores do trabalho (art. 1) e construção de uma sociedade livre e
justa, reduzindo desigualdades e distinções (art. 3); garante direitos e deveres
(art. 5), incluindo educação, saúde, lazer e trabalho (art. 6 e art. 227); proíbe a
discriminação, por critério de admissão ou de salário, do trabalhador com
deficiência (art. 7); possibilita a integração social das pessoas com deficiência
(art. 24); reserva cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência (art.
37); promove assistência social na habilitação e reabilitação da pessoa com
deficiência (art. 203) (Brasil 2014).

• A acessibilidade amparada pela Lei 10.098/00, que fornece incentivos técnicos


para a eliminação de barreiras urbanísticas e arquitetônicas, para o transporte e
para a comunicação ( ibid .).

• O ambiente educacional – nas práticas e nas relações dentro e fora da


instituição de educação básica e superior – promotor da educação em direitos
humanos, respeitando as diferenças e garantindo a realização de práticas
democráticas e inclusivas (Brasil 2008).

Além das leis citadas, existem outras, que são importantes e representam uma
conquista para as pessoas com deficiência. Vale destacar um avanço importante
para a educação especial, que é a perspectiva da educação inclusiva, que passou
a constituir a proposta pedagógica da escola. A política nacional de educação
especial, da perspectiva da educação inclusiva, busca garantir:

Acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos


níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação
especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento
educacional especializado; formação de professores para o atendimento
educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão;
participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos
transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação
intersetorial na implementação das políticas públicas. (Ibid., p. 14)

Esses avanços vêm contribuindo para que os alunos com deficiência, transtornos
globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,
independentemente da faixa etária, possam contar com uma legislação que lhes
garanta o acesso ao ensino regular em todas as modalidades. Isso porque a
educação especial deve ser inserida na educação básica e na educação superior,
bem como na educação de jovens e adultos, na educação profissional e na
educação indígena, por meio de práticas com uma visão sistêmica e não
segregada, que fortaleça a inclusão educacional e, consequentemente, o
aprendizado e o desenvolvimento de todos.
Todavia, de acordo com Mendes (2000), estima-se que a oferta de serviços de
ensino especial no Brasil esteja entre 1% e 15% da demanda, mostrando que,
para atendê-la, são necessárias mais ações do que as já oferecidas. Nota-se que
esse desequilíbrio ainda persiste, evidenciando que os avanços em políticas
públicas e legislação não estão sendo suficientes para garantir a inclusão escolar
e social. Constata-se, portanto, a importância da disseminação de ações mais
efetivas para atender de fato a educação especial.

As intervenções no contexto da educação especial podem ser conduzidas em


escolas, hospitais ou associações e contar com diferentes estratégias e recursos.
Seguindo o avanço das intervenções mediadas pela tecnologia, cresceu também
a produção de games e o número de interessados nos jogos. Algo que antes era
visto como entretenimento, hoje, pode ser um aliado na prática do docente ou de
diferentes profissionais. Os jogos digitais (ou games) estão se constituindo cada
vez mais como tecnologia promissora para situações de aprendizagem ou
tratamento clínico.

Contudo, para o planejamento de qualquer intervenção, muitos desafios


precisam ser superados. Em geral, Kazdin (1982) pontua a importância de
identificar primeiramente o comportamento-alvo para obter clareza na etapa de
definição de objetivos. A escolha das estratégias e condições de avaliação desse
comportamento também são importantes tanto para a prática em si como para a
testagem da pesquisa aplicada, uma vez que instrumentos inadequados ou
inexperiência do profissional ou pesquisador podem interferir negativamente na
coleta de dados e no alcance das metas.

Essa constatação de Kazdin vale também para intervenções com jogos digitais.
O ponto de partida é identificar a necessidade ou a queixa para, então, estruturar
uma intervenção que contemple o jogo digital. Reconhecendo a necessidade do
público-alvo, os desafios presentes e o objetivo final, o profissional ou
pesquisador deve tomar decisões relacionadas ao planejamento da intervenção
(p. ex.: a quantidade de sessões, o espaço empírico, o jogo que melhor atenda
aos objetivos e os procedimentos de aplicação) e ao método de pesquisa (p. ex.:
instrumentos, coleta e tratamento de dados).

Na fase de aplicação da intervenção com o jogo digital, o acompanhamento


contínuo do processo é outro cuidado essencial para sua efetividade. Nessa
etapa, avaliam-se a adequação da intervenção, o progresso, o uso do recurso,
entre outros aspectos. Algumas sugestões são importantes:

Os games devem ser escolhidos em função das necessidades específicas dos


participantes, do contexto e dos objetivos da intervenção. As estratégias e os
procedimentos dessa atividade devem ser norteados pela abordagem teórico-
metodológica do profissional. Tratando-se do uso de jogos para fins
educacionais ou de tratamento, essas recomendações permitem explicitar a
importância de monitorar as atividades, verificar se de fato o indivíduo está
respondendo à intervenção e ao propósito relacionado com o uso do recurso
tecnológico, fornecendo feedbacks relevantes para o aprendizado e a finalidade
pretendida. (Pereira-Guizzo e Alves 2015, p. 283)

Outro aspecto relevante é o refinamento metodológico da pesquisa aplicada, a


fim de controlar a influência de variáveis estranhas (tais como história,
maturação etc.) sobre os resultados, no intuito de reduzir as ameaças à validade
do experimento e, com isso, assegurar mais rigor científico aos achados dos
efeitos da intervenção (Campbell e Stanley 1979). Esse cuidado é pertinente para
análises realizadas com o conjunto de dados de um grupo ou de um indivíduo.

Em pesquisas que envolvem a manipulação de variáveis, é possível encontrar


dois tipos de delineamento: de grupo e de sujeito único. No primeiro caso,
compara-se o desempenho num grupo de pessoas. No segundo, têm-se os dados
de um único indivíduo e o seu desempenho é comparado com ele mesmo, na
forma mais simples de estruturar o design metodológico (Lourenço, Hayashi e
Almeida 2009). Tendo em vista os diferentes procedimentos capazes de
fortalecer a validade de um experimento, o próximo tópico aborda alguns
métodos de pesquisa delineados para análise de intervenções com jogos digitais.

Alguns delineamentos para análise de intervenções com jogos


digitais

Este tópico discute alguns delineamentos concebidos para a análise de


intervenções com jogos digitais aplicados na área da educação especial. O foco é
essencialmente nos métodos supervisionados pela autora deste capítulo durante o
mestrado de duas alunas (Cunha 2011; Ferreira 2011), não discutindo, portanto,
o desenvolvimento dos jogos nem os efeitos das intervenções com os games.
[111]

Primeiramente, discute-se um exemplo de delineamento aplicado para verificar


uma intervenção com jogo digital do “tipo casual”, objeto da dissertação de
mestrado de Ferreira (2011). O objetivo do trabalho foi descrever as diferentes
formas de comunicação de crianças com paralisia cerebral, sem oralidade, para
que, posteriormente, pudesse ser verificado, sessão por sessão, o aumento da
frequência da comunicação durante a intervenção. A Figura 1 ilustra a
intervenção planejada com o jogo.

Figura 1. Representação do processo de intervenção com o jogo digital


Fonte: Ferreira (2011).

A intervenção buscou estimular o enfrentamento dos desafios presentes na


resolução do jogo, fazendo com que a criança vivenciasse diferentes
pensamentos e emoções, para que pudesse favorecer a expressão de diversas
formas de comunicação. Essa intervenção ocorreu em cinco sessões de
aproximadamente 30 minutos.

Para a aplicação dessa intervenção, o ambiente de coleta de dados da pesquisa de


Ferreira foi cuidadosamente organizado, a fim de garantir conforto e bem-estar
aos participantes. A filmadora foi colocada em uma posição fixa e estratégica,
para garantir a captura das imagens, mas, ao mesmo tempo, não causar
incômodo à criança, evitando, com isso, artificialidade em suas reações.

A observação em ambiente natural pode favorecer a validade da pesquisa pela


ausência de artificialidade, porém, o efeito intrusivo do observador pode
enviesar as condições de observação (Dessen e Murta 1997). Assim, para não
prejudicar o experimento, houve o cuidado de registrar os dados da intervenção
do estudo de Ferreira apenas após um período de encontros com as crianças para
testagem do equipamento eletrônico portátil, que hospedou o jogo digital,
possibilitando a familiaridade dos sujeitos da pesquisa com o ambiente de coleta
de dados e com a filmadora.

Além do arranjo do ambiente, outros cuidados são necessários em qualquer


intervenção quando se aplicam métodos de observação, tais como, a construção
de um registro do comportamento que se deseja observar para definição da
unidade de análise. Com essa preocupação, um registro de observação foi
elaborado para a pesquisa com base em outros estudos (Deliberato e Manzini
2000; Millikin 1996; Sameshima 2006), visando à identificação da ocorrência de
diferentes tipos de comunicação da amostra durante as atividades com os jogos
digitais.

As atividades foram filmadas com cada criança para facilitar o registro das
categorias de comunicação. A Tabela 1 mostra o registro de observação
elaborado para o estudo, ilustrando os exemplos e o espaço destinado para anotar
a ocorrência de cada categoria de comunicação durante a atividade com os jogos
digitais.

Tabela 1. Modelo do registro de observação de categorias de comunicação


durante intervenção com jogo digital, planejado para o estudo de Ferreira
(2011)*

CATEGORIAS DEFINIÇÃO
Não verbal Uso de gestos, indicações, expressões faciais e sorriso.
Não verbal com ajuda Utiliza recursos de comunicação alternativa, por meio de indicaçõe
Vocal Emite vocalizações, emite vogais e/ou entonação da voz.
Vocal com ajuda Emite vocalizações concomitantes ao uso de recursos de comunicação
Vocal e não verbal Uso de vocalizações em conjunto com gestos, indicações, expressões fa
* Este modelo pode ser usado para o planejamento de procedimento de coleta de
dados. Fonte: Ferreira (2011).

Com o apoio desse registro, pôde ser observado o aumento da frequência de


ocorrência da comunicação das crianças. O acompanhamento dessa prática
contribuiu para a visualização dos ganhos obtidos em cada sessão da
intervenção.

Como mencionado, outro exemplo metodológico está no estudo de mestrado de


Cunha (2011). Esse estudo possibilitou a análise de um jogo digital de memória
modelado para que as crianças com deficiência identificassem objetos e as
respectivas ações na temática “atividade de vida diária”.

Para análise de sua efetividade, o estudo de Cunha (2011) seguiu um


delineamento AB, sendo A a linha de base (avaliação) e B a intervenção
(atividade com o jogo digital). A linha de base foi realizada sem nenhuma
intervenção da pesquisadora na escolha de cartas de papel, que associavam
objetos e ações de atividade de vida diária (AVD). A pesquisadora não podia dar
nenhum feedback para a criança. Nesse momento, também não houve nenhuma
interação com o jogo digital de memória.

A pesquisadora registrava os acertos e erros na associação das cartas de papel


por meio de um instrumento preparado para essa finalidade. A Tabela 2 ilustra o
modelo do registro estruturado para o estudo em questão.

Tabela 2. Modelo do registro de acertos e erros na associação de objetos e ações,


planejado para o estudo de Cunha (2011)*
CARTAS ACERTO ERRO
Bola/jogando bola
Copo com água/bebendo água
Prato de comida/comendo
Cama/acordando na cama
Livro/lendo o livro
Escova de dente/escovando os dentes
Caixa de lenço/assoando o nariz
Sabonete/tomando banho
Lápis/desenhando
Camisa/vestindo a camisa
* Este modelo pode ser usado para o planejamento de procedimento de coleta de
dados. Fonte: Cunha (2011).

Após a mensuração da linha de base em três sessões, para verificação de padrão


e estabilidade nos resultados, foi identificada a necessidade da intervenção para
aumentar a capacidade de associação de objetos e ações de AVD. Em seguida, o
jogo digital de memória – construído com as informações sobre o perfil e as
necessidades do público-alvo – foi aplicado à criança com deficiência.

O jogo foi desenvolvido para um jogador e é composto por pares de cartas com
imagens complementares. Os pares de cartas serão distribuídos randomicamente,
sendo que, a cada vez que entrar no jogo, o jogador receberá as cartas em
posições diferentes. O jogo tem quatro fases, com níveis de dificuldades
crescentes, ficando sempre exposta nas telas a fase em que o jogador está,
juntamente com a opção de sair do jogo. (Ibid., pp. 49-50).

Esse jogo foi modelado para oferecer oportunidades de usar a memória em um


contexto temático de AVD. O efeito da intervenção se mostrou no aumento na
memorização das cartas correspondentes (objeto e ação) em oito sessões de
aproximadamente 30 minutos.

É interessante notar que esse jogo pode ser usado também pela família, com o
propósito de testá-lo em outras condições naturais de promoção de tarefas
relacionadas à AVD, já que as práticas parentais influenciam sensivelmente o
desempenho funcional e os hábitos de alimentação, vestuário, higiene e
comunicação dos filhos. Verificar a ocorrência de generalização de habilidades
treinadas em outros contextos e com outras pessoas (validade externa) é um
procedimento importante na pesquisa experimental.
Por fim, vale comentar que a fidedignidade do registro de observação foi outro
cuidado tomado no procedimento de coleta de dados das pesquisas de Cunha
(2011) e de Ferreira (2011). Quando a avaliação se baseia em métodos
observacionais, a fidedignidade pode ser obtida por diferentes caminhos como,
por exemplo, submetendo-se o registro a avaliadores externos ou juízes (Kazdin
1982). Assim, houve um índice de fidedignidade satisfatório nas pesquisas de
Cunha e Ferreira, obtido por meio da comparação dos resultados das
pesquisadoras com a observação realizada por avaliadores externos.

Considerações finais

Este capítulo promoveu algumas reflexões necessárias para o planejamento de


práticas ou intervenções com jogos digitais na educação especial. Ainda que os
delineamentos discutidos tenham limitações por não contemplarem todos os
tipos de deficiência, principalmente na questão da generalização dos resultados,
os pontos fortes já permitem reflexões interessantes sobre métodos de pesquisa.
Delineamentos experimentais com jogos digitais é uma produção de
conhecimento ainda incipiente no Brasil, que requer mais investimento de
pesquisa.

Além dos cuidados no planejamento de pesquisa experimental, este capítulo


mostrou que o profissional ou pesquisador pode contribuir para a aprendizagem
e o desenvolvimento da pessoa com deficiência, planejando e aplicando diversas
ações capazes de atender às necessidades desse público-alvo. Para isso, algumas
recomendações devem ser ressaltadas:

• Domínio do embasamento teórico.

• Método bem-delineado para controle de variáveis a fim de aumentar a força da


demonstração experimental.
• Método que contemple as necessidades educacionais ou de tratamento no
contexto dos participantes.

• Clareza do objetivo definido para a intervenção.

• Familiaridade com a aplicação do jogo digital em situações de aprendizagem


ou tratamento.

• Monitoramento do processo.

• Análise dos resultados.

• Ética em todas as etapas da pesquisa ou da prática profissional.

Também é importante destacar que os estudos com a população da educação


especial devem ser norteados pelos princípios éticos do Conselho Nacional de
Saúde em relação às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas
Envolvendo Seres Humanos. O vínculo entre método e ética em pesquisa deve
garantir: respeito aos direitos humanos, bem-estar aos sujeitos de pesquisa,
máximo de benefícios, não maleficência, procedimentos que assegurem
confidencialidade e privacidade, proteção e direitos dos indivíduos ou grupos
vulneráveis, entre outras exigências.

Portanto, além de um método bem-planejado para intervenções com jogos


digitais, o preparo de um profissional ou pesquisador é mais um item de grande
relevância nas práticas baseadas em evidências. A formação de profissionais ou
cientistas deve ser um compromisso de todos os envolvidos: discentes, docentes,
instituições de ensino e, ainda, instituição coparticipante no acesso e apoio ao
desenvolvimento de alguma etapa da investigação.

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14
OS JOGOS DIGITAIS E A APRENDIZAGEM NOS IDOSOS:
DESAFIOS E RECOMENDAÇÕES

[112]

Ana Isabel Veloso

Liliana Vale Costa

Introdução

Atualmente, assiste-se a uma enorme crise demográfica. Segundo as Nações


Unidas (2002; 2013), a população mundial envelhece em ritmo acelerado. Prevê-
se que o envelhecimento demográfico se agrave ainda mais, nos países
desenvolvidos, até 2050. Esse fenômeno está associado a mudanças na
sociedade, nomeadamente, ao aumento da expectativa média de vida, à
diminuição dos índices de mortalidade, à diminuição das taxas de natalidade e
fecundidade, à emancipação da mulher no trabalho, entre outras.

A essa realidade, acresce-se o fato de que as dificuldades de mobilidade e, por


consequência, também de comunicação que podem afetar as atividades sociais
emergem em idade mais avançada. Desse modo, urge adequar as tecnologias de
informação e comunicação (TICs) às mudanças do envelhecimento, uma vez que
estas poderão assumir um papel preponderante ao conectar diferentes pessoas
com vários interesses e estilos de aprendizagem, independentemente da sua
localização geográfica ou do seu limite temporal. As TICs podem proporcionar
ainda experiências positivas como a redução de sentimentos de solidão,
depressão e, por sua vez, reforçar o apoio social e a qualidade de vida entre os
indivíduos (Pires 2008).

No que concerne aos jogos digitais, vários estudos (Nouchi et al. 2012; Pires
2008) têm se debruçado sobre o efeito da sua utilização nas funções cognitivas
do idoso. Porém, há ainda uma ausência de informação sobre a integração dos
jogos como estratégia de aprendizagem e suas implicações nesse processo.

Para além disso, as estratégias de aprendizagem a serem adotadas nos jogos são,
ainda, mais relevantes no que diz respeito ao idoso, em virtude dos inúmeros
fatores decorrentes do processo de envelhecimento e de alguns estereótipos
enraizados na sociedade relativamente à (in)capacidade de aprender novas
matérias em idade mais avançada.

Diante do exposto, este capítulo apresenta um conjunto de recomendações para o


design de interfaces e estratégias de aprendizagem a ser aplicado ao
desenvolvimento de jogos digitais para os idosos.

Os jogos digitais para um envelhecimento ativo

Nos últimos anos, o setor de entretenimento tem alargado o mercado no que diz
respeito a novos públicos-alvo de jogos digitais. O número de jogadores de mais
de 50 anos tem aumentado ao longo do tempo (Costa 2013; Pearce 2008;
Quandt, Grueninger e Wimmer 2009), pois a indústria dos videogames
(Nintendo, cf. Nouchi et al. 2012) começa a responder às motivações e a
algumas especificidades no modo de interação para esse público-alvo.

Os jogos acabam por ser o reflexo do jogador, já que promovem a transição para
o mundo exterior e conferem expectativas das relações sociais para o cenário
virtual (Salen e Zimmerman 2003). Considerando que a sabedoria e a
experiência fazem parte da integridade do ego na idade adulta (Aiken 1998), os
jogos digitais devem promover atividades que reforcem a integridade nas
diferentes fases do desenvolvimento psicossocial propostas por Erikson. Ou seja,
se na maturidade, a partir dos 60 anos, há uma retrospecção do passado vivido,
então, sugere-se que os jogos fomentem os temas de memória, narrativa e
partilha de experiências. Essa teoria corrobora o modelo de atribuição de
significado ao jogo por parte do idoso em que os jogos devem apresentar: a)
propósito/valores; b) benefícios culturais ou educacionais (crescimento pessoal);
e c) contribuição para a sociedade (De Schutter e Vanden Abeele 2008).

Os jogos digitais tendem, ainda, a assumir fins terapêuticos (cognitivos, físicos,


psicológicos, entre outros), ajudando a aliviar a dor e proporcionando uma
sensação de bem-estar, prazer e produtividade (Allaire et al. 2013; Loureiro et al.
2010; Tanaka et al. 2012; Wiemeyer e Kliem 2012; Whitlock, McLaughlin e
Allaire 2012). Para além disso, os jogos apresentam grande potencial para
transmitir e atribuir significado a experiências de aprendizagem ativa, bem como
estabelecer a conexão entre regras, sistemas de recompensa e ação com boas
práticas (p. ex.: voluntariado numa comunidade, participação nas decisões
econômicas, políticas e sociais).

Previamente ao trabalho de campo junto com o público-alvo, foi necessário


compreender, a priori, alguns conceitos, como: a) os efeitos do envelhecimento e
o design de jogos digitais; e b) as relações de aprendizagem e os jogos digitais.

Os efeitos do envelhecimento e o design de jogos digitais

As perspectivas em relação ao envelhecimento se modificaram ao longo do


tempo. De acordo com Roebuck (1979), durante o século XIX, o envelhecimento
apresentava um critério essencialmente funcional. Como consequência,
determinava-se por idoso quem fosse frágil, física ou mentalmente incapacitado,
sem autonomia suficiente e que apresentasse modificações na aparência. Hoje,
sabe-se que o envelhecimento resulta de fatores biológicos/fisiológicos, bem
como de fatores psicossociais e socioeconômicos (Aiken 1995; Costa 2013;
Ferreira 2013; Paúl e Fonseca 2005; Veloso 2014).

Apesar de o processo de envelhecimento estar fortemente ligado às


características individuais de cada um, há mudanças que ocorrem em nível
biológico e psicossocial que são comuns e incontornáveis, como: a) o declínio
físico, pela perda de acuidade dos órgãos sensoriais e de funções do organismo;
b) perda de massa muscular e densidade óssea; c) fadiga; d) transformações na
aparência (perda do material proteico da pele, deterioração e enfraquecimento da
estrutura capilar, alteração da estatura e curvatura do corpo); e) diminuição do
tamanho da pupila, da quantidade de luz que entra na retina e da sensibilidade
ocular (redução da visão periférica e noturna e da diferenciação da cor) (Paúl e
Fonseca 2005; Vaz-Serra 2006). De um modo geral, essas vulnerabilidades
determinam a adequabilidade dos dispositivos tecnológicos à interação e ao
conteúdo veiculado.

Algumas mudanças que influenciam a concepção e o design de jogos digitais


são:

• O endurecimento do cristalino, que gera dificuldades para focar objetos


pequenos e “vista cansada” (Paúl e Fonseca 2005; Fisk et al . 2009). Portanto, os
elementos de jogo devem ter uma dimensão mínima, equilíbrio de cor e
iluminação, ajustes da profundidade de campo em relação à câmera e
posicionamento dos objetos no centro em vez das laterais da tela.

• A redução da acuidade auditiva, que afeta a capacidade de executar tarefas em


simultâneo e a memória de curto prazo. Essas mudanças acabam por determinar
a tipologia de jogo e os desafios a serem incluídos, bem como a separação entre
música ambiente e voz- off e identificação dos personagens (Anguera et al .
2013; Dye, Green e Bavelier 2009; Spence e Feng 2010; Barlet e Spohn 2012;
Costa 2013).

• A redução do campo lexical e semântico, que é afetado a partir dos 70 anos


(Helfer e Freyman 2008), demandando regras e narrativa de jogo que atendam a
mudanças na linguagem.

• A diminuição do número de células nervosas, que apresenta impactos diretos


na energia e na força do corpo, na flexibilidade das articulações e nos
movimentos. Desse modo, os jogos digitais devem ser ajustados à falta de
precisão e ao incremento dos níveis de ansiedade perante a novidade (Barlet e
Spohn 2012; Costa 2013).

Relativamente aos aspetos psicossociais, o idoso é, geralmente, apresentado


como um indivíduo socialmente isolado e afastado da comunidade, então, o
contato com sistemas interativos nos espaços domésticos e privados deve
promover a sua integração na comunidade e a aproximação com familiares e
amigos. Assim, a estimulação intelectual e as relações sociais gratificantes
podem exercer um benefício real no combate aos sintomas biológicos e
psicológicos do envelhecimento (Costa 2013). A Tabela 1 apresenta uma síntese
dos diferentes efeitos do envelhecimento e sua influência no design de jogos
digitais.

Como se pode constatar na análise da tabela, são vários os efeitos do


envelhecimento que um designer de jogos digitais deve considerar para torná-los
acessíveis a um público mais vasto, mesmo considerando que o processo de
envelhecimento é individual, que varia de pessoa para pessoa. O contexto do
jogador é o fator mais determinante quando se desenvolvem os componentes de
um jogo.
Tabela 1. Síntese dos efeitos do envelhecimento e sua influência no design de
jogos digitais

EFEITOS DESCRIÇÃO
Cognitivos Memória
Atenção – Declínio da atenção seletiva e divi
Linguagem e raciocínio – Dificuldade na compreensão e produção de discurso. – Dec
Físicos Visão
Audição – Perda auditiva periférica e dificuldade de perceber so
Tato – Diminuição da sensibilidade do tato a vibração e temperatura. – Mo
Sociais Suporte social (em alguns casos
Fonte: Adaptada de Costa (2013) e Veloso e Costa (2014).

As relações de aprendizagem e os jogos digitais

Ao longo do tempo, o processo de aprendizagem tem despertado o interesse da


comunidade científica. Se recuarmos até o ano de 1600, às teorias da tábua rasa,
propostas por Lock, e as compararmos com os avanços nas teorias
comportamentais (p. ex.: experiências de Lorenz com comportamentos inatos)
(Gee 2010), na neurociência (p. ex.: neuroplasticidade), na psicologia cognitiva e
na educação, verifica-se que a aprendizagem é não só um conceito abrangente
como também multidisciplinar.

Boyd e Apps, entre outros autores (citados em Knowles, Holton e Swanson


2005), definem aprendizagem como um ato ou processo no qual são adquiridas
mudanças no comportamento, competências e atitudes.

Relativamente à aprendizagem de adultos, novas disciplinas têm surgido: a


andragogia (aprendizagem em adultos), a geragogia ou gerontagogia
(aprendizagem em idosos) (Findsen e Formosa 2011; Lemieux e Martinez 2000).
Esses estudos têm como base o estudo de Knowles, Holton e Swanson, que
introduz, nos anos 1970, o conceito de andragogia: um “conjunto de princípios
da aprendizagem para adultos que quando aplicados permitem a construção de
processos de aprendizagem eficazes” (2005, p. 2). Os seis princípios são: 1)
correspondência do conteúdo às necessidades de aprendizagem (saber a priori “o
quê”, “por quê” e “como”); 2) atenção ao autoconceito do formando (fomentar a
autonomia e a autodireção); 3) atenção à experiência prévia do formando
(modelo mental, experiência); 4) direcionamento da aprendizagem para
problemas concretos e relacionados ao cotidiano; 5) orientação da aprendizagem
para problemas e atenção ao contexto do formando; 6) resposta às motivações
dos formandos para a aprendizagem (valores intrínsecos e recompensa pessoal).

Apesar de existir um conjunto de princípios que se estende aos adultos, para


tornar a aprendizagem mais eficaz, é interessante mencionar que o processo de
aprendizagem não é homogêneo e diferentes estilos de aprendizagem devem ser
considerados.

Os jogos baseados na aprendizagem podem facilitar a personalização do modo e


do ritmo de aprendizagem, bem como atender ao contexto de cada indivíduo,
diluindo os constrangimentos geográficos e temporais. Segundo Prensky (2001,
p. 145), os jogos baseados na aprendizagem consistem “num casamento de
conteúdo educacional e jogos”. Eles se diferenciam de: a) outros jogos, pelo
nível de aprendizagem que integram; b) outras plataformas de aprendizagem,
pela diversão e pela interatividade.

Em What makes things fun to learn? [O que torna as coisas divertidas de


aprender?], o autor Malone (1980) defende que os elementos principais que
motivam a aprendizagem são desafio, curiosidade e fantasia. Porém, o feedback
também é um elemento crucial para motivar a aprendizagem, uma vez que é
indicativo de progresso e pode determinar a repetição ou não de determinada
ação. Na próxima seção, apresenta-se o processo de concepção e
desenvolvimento da área de jogos da comunidade miOne, bem como a
interligação das decisões de design com os princípios de aprendizagem em
adultos, apresentados por Knowles, Holton e Swanson (2005).

Investigação empírica para a concepção e o desenvolvimento da


área de jogos da comunidade on-line miOne

Método
Este estudo segue uma abordagem qualitativa de investigação-ação, método em
espiral, com um ciclo de etapas – planejamento, ação e avaliação – em que os
participantes são envolvidos. O método foi adotado na concepção e no
desenvolvimento da área de jogos da comunidade on-line miOne, considerando
o contexto e os modos de interação do idoso com as diferentes tipologias de
jogos (Gray 2009).

Participantes

O estudo envolveu dois grupos: 1) GA – um grupo de nove idosos envolvidos na


concepção e no desenvolvimento da área de jogos, com idade entre 70 e 89 anos
(M = 80; SD = 6,66), que frequentam as Instituições Particulares de
Solidariedade Social (IPSS[113]), parceiras do projeto Seduce; 2) GB – um
grupo de dez idosos envolvidos na avaliação da área de jogos, com idade entre
61 e 80 anos (M = 69,5; SD = 5,4), que pertencem à Universidade de Apoio à
Terceira Idade (Uati), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb[114]). Todos
os participantes aceitaram participar da investigação, assinando o protocolo de
consentimento informado.

Ambos os grupos têm atividades semanais de utilização das TICs em contexto de


sala de aula. No GA, essas atividades integram sessões de jogos de computador,
com Wii e Kinect.

Apesar de apresentar comportamentos informacionais diferentes (no domínio da


avaliação, seleção e atribuição de significado à informação em diferentes
contextos) em relação ao GA, o GB inicia a utilização das TICs e o contato com
os jogos digitais. Essas diferenças parecem não ter impacto nos resultados
obtidos, dado que o desafio esteve na concepção da interface e todo o processo
foi testado iterativamente com o GA. A maior aptidão instrumental do GB para
avaliar e selecionar informação permitiu verificar se os mesmos artefatos teriam
uma boa aceitação por utilizadores em outro contexto, mas que partilhassem os
mesmos efeitos e dificuldades do envelhecimento e as mesmas condições de
utilização das TICs.

Concepção da área de jogos da comunidade miOne

Na concepção da área de jogos da comunidade miOne, conduziu-se a priori um


conjunto de sessões de jogos, com três objetivos: a) estimular os idosos para os
diferentes tipos de jogos digitais existentes; b) compreender as dificuldades de
interação com os jogos ao longo do tempo; c) familiarizar os idosos com os
conceitos de avatar, narrativa, objetivos de jogo e ambientes virtuais. Em cada
sessão, foram realizados diferentes exercícios com jogos digitais e os dados
foram recolhidos em um roteiro de observação e numa entrevista com um guia
semiestruturado. Essas sessões tiveram a duração de 90 minutos e foram
concretizadas in loco nas IPSS parceiras do projeto Seduce.

Processo de seleção dos jogos utilizados nas sessões iniciais com o


GA

Durante as sessões, o GA testou jogos que estimulam atenção e percepção (Sopa


de Letras ou Caça-palavras e Jogo das Diferenças), raciocínio lógico (Sudoku) e
memória (Jogo da Memória); jogos de entretenimento (Angry Birds, Space
Invaders, Super Mario) e jogos com componente social (Quatro em Linha).

De modo geral, verificou-se uma preferência dos participantes pelos jogos de


desafio cognitivo em relação aos restantes, assim, os jogos de memória e atenção
eram os prediletos. Essas observações corroboram o estudo de Costa (2013),
relativamente aos hábitos e ao contexto de jogo de 245 jogadores com idade
igual ou superior a 50 anos, pois nesse estudo os participantes associam: a) jogos
de memória à atenção, à memória e à linguagem (leitura e escrita); b) jogos de
estratégia à resolução de problemas e organização; c) as aventuras gráficas à
resolução de problemas, à memória espacial e temporal e ao cálculo. Os jogos
selecionados correspondem a diferentes desafios cognitivos da preferência deste
público-alvo. No entanto, pelo fato de os jogos não atenderem ao contexto e
especificidades do processo de envelhecimento (p. ex.: limite de tempo,
complexidade no domínio dos dispositivos, ausência de uma narrativa), é
necessária a adaptação dos mesmos para o público sênior.

Prototipagem e avaliação dos jogos da comunidade miOne

Com base nas observações do momento de interação das diferentes tipologias de


jogo, desenvolveu-se a área de jogos da comunidade miOne (Figura 1), que
apresenta três jogos de estímulo cognitivo, um jogo de tabuleiro multiplayer e
um jogo de interação gestual – o Jogo da Malha.

Figura 1. Interface de entrada de jogos da comunidade miOne


O Jogo da Malha foi realizado numa investigação anterior e publicado noutros
contextos (Terra e Veloso 2014; Veloso 2014; Veloso e Costa 2014). Destaca-se
que, apesar de os jogos apresentarem diferentes identidades visuais, as
estratégias de apoio ao usuário são transversais a todos eles, nomeadamente, as
opções de ver regras, pausar jogo, obter ajuda, mudar de nível e sair. Em relação
à avaliação dos jogos, esta foi feita com o GB, por meio da monitorização direta
da atividade, de questionário e de observação participante.

Sopa de Letras ou Caça-palavras

O jogo Sopa de Letras ou Caça-palavras tem grande potencial para treinar a


atenção, a memória espacial, a percepção e a identificação de palavras. De fato,
cada letra é identificada e examinada em detalhe antes de se verificar qualquer
padrão e decidir se é ou não alvo de procura (Rayner e Fisher 1987). O ambiente
do jogo assume o padrão de jornal como fundo e o desafio abrange as temáticas:
nomes de rios portugueses, distritos portugueses, países e frutas (sugeridas pelo
GA). As temáticas são geradas aleatoriamente.

No momento de avaliação do jogo, 80% (N = 8) do GB afirmaram:


compreender, na totalidade, as regras de jogo; considerar que os elementos do
jogo e a quantidade de informação estavam adequados ao contexto e à tela;
recomendar o jogo a um amigo, porque é fácil de jogar e promove grande
satisfação. Relativamente aos pontos fortes e fracos do jogo Sopa de Letras ou
Caça-palavras, as respostas foram unânimes (p. ex.: “Gostei muito. Vou para
casa jogar”). Só dois participantes manifestaram opiniões diferentes, mas
diretamente relacionadas com sua preferência pessoal (p. ex.: “Não gosto de
jogos, mas este é interessante”; “Prefiro palavras cruzadas”) (Veloso e Costa
2014).
Jogo da Memória

O Jogo da Memória é um jogo que os idosos do GA jogam frequentemente,


porque consideram que exercitar a memória é importante nas suas vidas. No
design desse jogo, optou-se pela utilização da madeira como textura de fundo, a
fim de promover a proximidade com o contexto tradicional – “jogar as cartas na
mesa”. O número de cartas depende do nível de jogo. O acesso aos níveis é
sequencial e depende de o nível anterior ter sido completado. Os vários níveis
têm como temática as dinastias de Portugal. Cada nível termina com mensagens
de reis e rainhas, congratulando o jogador e convidando-o a jogar o próximo
nível.

Segundo o GB, o jogo se apresenta acessível em termos de clareza, tema e


adequação de informação, elementos e ambiente do jogo (90% do GB, N = 9,
compreenderam, na totalidade, o jogo e o mecanismo de interação). No entanto,
a maior parte dos participantes não compreendeu o mecanismo de bloqueio de
níveis, então, falta legendar esses elementos de jogo. Relativamente aos pontos
fortes e fracos, as respostas foram unânimes em reconhecer que esse jogo
estimula a memória, promove o desafio e que a inclusão das dicas parece ter sido
uma boa opção. Um dos idosos destacou, em relação às dicas: “Apesar de serem
uma boa ideia, não usei”. O GB considera como aspectos piores o fato de o jogo
ser “viciante” e ter “muitos cliques” (Veloso e Costa 2014).

Sudoku

O Sudoku é benéfico no reforço do processo cognitivo de resolução de


problemas, atenção e memória de curto prazo. No design da interface, optou-se
por utilizar papel antigo e bambu como cenário, para criar o ambiente do enigma
japonês. Os níveis de jogo estão diretamente relacionados ao grau de dificuldade
do Sudoku e a progressão de nível depende do sucesso no nível anterior.
Na avaliação do Sudoku, o GB considerou que é muito claro na indicação das
regras, adequado nos elementos de jogo e na quantidade de informação.

Verificou-se, ainda, que os idosos (N = 5, 50%) que já jogavam o Sudoku em


papel apresentaram índices de satisfação muito elevados relativamente ao resto
do grupo (Veloso e Costa 2014).

Quatro em Linha

O jogo Quatro em Linha apresenta a particularidade de promover interações


sociais entre os membros da comunidade. Assim, a interface de entrada na área
desse jogo mostra, primeiro, a descrição do jogo e, depois, se o jogador escolher
por jogar sozinho ou com um amigo, aparece a opção de convidar jogadores da
lista de amigos. Os usuários convidados são notificados sobre o jogo e podem
aceitar ou ignorar o convite antes de o jogo ser iniciado. O feedback para o
jogador vencedor mostra quatro estrelas brancas no centro das peças da cor do
respectivo jogador.

No momento de avaliação, verificou-se que não havia grande familiaridade com


o jogo Quatro em Linha no Brasil, pois os níveis de satisfação total se situaram
num valor médio. Como desenvolvimentos futuros, pretende-se introduzir um
tutorial e melhorar a inteligência artificial na versão de jogador versus
computador.

Recomendações sobre princípios de aprendizagem aplicados ao


design de jogos digitais para promover um envelhecimento ativo
Esta seção sumariza as decisões de interface e as opções de aprendizagem
adotadas no envolvimento dos idosos na identificação de problemas, nas
condições de sua experiência de jogo com as interfaces existentes e as relaciona
com os princípios da aprendizagem em adultos apresentados por Knowles,
Holton e Swanson (2005). A Tabela 2 apresenta uma síntese dos problemas
identificados, as respostas aos problemas identificados na área de jogos da
comunidade miOne e as opções escolhidas para o design da interface.

Tabela 2. Síntese dos efeitos do envelhecimento e sua influência no design de


jogos digitais

JOGO
Sopa de Letras ou Caça-palavras a) problemas de interação
Memória a) monitorização do tempo e indicação do número de tentativ
JOGO AS PRINCIPAIS QUESTÕES IDE
Sudoku a) monitorização do tempo e identificação do número de ten
Quatro em Linha a) falta de clareza na indicação de quem é a vez de jogar; b) falta de identific
Considerações finais

Este capítulo descreve o processo de concepção, desenvolvimento e avaliação da


área de jogos da comunidade on-line miOne, considerando o contexto do idoso.

Relativamente à concepção da interface dos jogos para a comunidade miOne,


este estudo sugere que o estímulo das capacidades cognitivas e as interações
sociais são a alavanca para o idoso jogar. Revela também algumas
recomendações para o desenvolvimento de interfaces de jogos que visem ativar a
memória, o raciocínio lógico e a sensação de comunidade, tais como: a)
fomentar temas de memória e retrospecção do passado vivido, narrativa e
partilha de experiências; b) promover a familiaridade com o jogo por meio da
integração de elementos de jogo análogos ao ambiente real e ao contexto de
utilização; c) reforçar estímulos multimodais; d) promover interações entre os
membros da comunidade (p. ex.: jogos multiplayer) e, caso seja turn-based (jogo
vez a vez), indicar claramente de quem é a vez de jogar; e, ainda, e) apresentar
ajudas passo a passo ao usuário (p. ex.: instruções de jogo, minitutoriais e dicas).
Essas estratégias também estão ligadas aos princípios de aprendizagem para
adultos apresentados por Knowles, Holton e Swanson (2005).

Por fim, importa mencionar que a área de jogos da comunidade miOne ainda se
encontra em desenvolvimento e que o trabalho futuro passa pelo
desenvolvimento de outros jogos integrados num programa de aprendizagem
para idosos, pela maior dinamização das relações sociais e pela extensão dos
jogos a outras plataformas (p. ex.: dispositivos táteis).

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15
JOGOS VIRTUAIS COMO MEDIADORES EM EDUCAÇÃO
EM SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS CRÔNICAS

Fernanda W.R. Camelier

Helena Fraga Maia

Dados nacionais sobre a prevalência de hipertensão arterial


sistêmica e diabetes melito no Brasil

No Brasil, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) constituem o


problema de saúde de maior magnitude (Brasil 2011a). Essas doenças são
definidas como afecções de saúde que acompanham os indivíduos por longo
tempo, com momentos de piora, episódios agudos ou melhora sensível.
Impactam mais intensamente as camadas mais pobres da população e os mais
vulneráveis (Schmidt et al., 2011). Dentre as DCNT, destacam-se a hipertensão
arterial sistêmica (HAS) e o diabetes melito (DM) (Brasil 2011a).

As estimativas de prevalência de HAS no Brasil são obtidas por meio de


inquéritos populacionais de abrangência nacional. Entre eles, destacam-se a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a Vigilância de Fatores de
Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), o
Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de
Doenças e Agravos Não Transmissíveis (IDCRMR) e a Pesquisa Nacional de
Saúde (PNS).
De modo geral, observa-se o aumento da prevalência da HAS em todos os
inquéritos. Segundo os dados da pesquisa da Vigitel, de 2006 a 2010, a
prevalência se elevou de 21,6% (21,3%-22,0%) para 23,3% (22,3%-24,2%). Já a
PNS de 2013 revelou prevalência nacional de 21,4% (IC 95%, 20,8-22,0) e,
segundo a PNAD, no período de 1998 a 2008, a prevalência estimada de HAS
variou de 12,5% a 13,9%. Tais dados, de modo consistente, apontam para a
gravidade da situação na população adulta, para o impacto na saúde e na
qualidade de vida e também para o setor da assistência com repercussões
econômicas para o Sistema Único de Saúde.

Para crianças e adolescentes até 17 anos, as informações sobre a prevalência da


HAS provêm de estudos com alcance restrito a conglomerados menores, como
escolas, zonas de informação, ou maiores, como municípios ou estados. São
estudos realizados por pesquisadores ou grupos acadêmicos sobre a saúde do
escolar. Os diferentes critérios metodológicos entre os estudos favorecem a
divergência entre os dados com estimativas discrepantes, todavia não menos
preocupantes. Em estudo realizado no município de Fortaleza, Araújo et al.
(2010) entrevistaram crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, matriculados em
duas escolas da zona urbana e encontraram uma prevalência de 21,5% de HAS.
Concluíram também que os fatores de risco para hipertensão representam um
problema de saúde com alta prevalência entre os escolares de Fortaleza. Já
Campana et al. (2009), em segmento do estudo de coorte denominado “Estudo
do Rio de Janeiro”, avaliaram a pressão arterial (PA) de 115 indivíduos de 12 a
14 anos e encontraram uma prevalência de hipertensão de 39,1%. Os
pesquisadores sugeriram, após 17 anos de acompanhamento, que a PA de
indivíduos jovens mostrou relação significativa com as variáveis de risco
cardiovascular e a ocorrência de síndrome metabólica na fase adulta jovem.

Em 2011, uma investigação foi conduzida no município de Salvador, Bahia,


envolvendo crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, selecionados em escolas
localizadas em seis dos 12 distritos sanitários da cidade. Nesse estudo, Pinto et
al. (2011) detectaram prevalência de hipertensão de 4,8% (IC 95%: 3,55-6,05),
mais pronunciada entre os estudantes do sexo feminino e entre aqueles com
idade de 10 a 14 anos (10 a 14 anos: 5,6%; 7 a 9 anos: 2,7%). Também em
Salvador, mas em 2015, um inquérito foi conduzido com escolares de 14 a 19
anos para estimar perfil antropométrico, pressão arterial e fatores de risco
cardiovascular. Foram selecionadas três escolas da rede municipal e estadual de
ensino de um distrito sanitário e os indivíduos foram recrutados aleatoriamente.
Os resultados mostraram que 24,7% dos escolares, todos assintomáticos e sem
história de acompanhamento médico regular, apresentavam pressão arterial
elevada. De modo semelhante aos inquéritos nacionais, as meninas apresentaram
prevalência de 32,6%, bem superior ao observado para os meninos, que foi de
17,3% (Fraga-Maia e Kroth 2015).

Sobre a prevalência de DM, considerando apenas o tipo 2, os dados obtidos


também mostram variações entre as fontes, assim como verificado para a HAS.
De acordo com dados da Vigitel, de 2006 a 2010, a prevalência de diabetes
avançou de 5,3% (5,1%-5,5%) para 6,3% (5,8%-6,7%) e os dados da PNS de
2013 estimaram uma prevalência nacional de 6,2 (IC 95%, 5,9-6,6). Dados sobre
a prevalência em crianças e adolescentes do DM tipo 2, aqui referido, não são
estimados por essas fontes e podem ser significativamente subestimados em
estudos cuja população seja proveniente de unidades de saúde. Vale ressaltar que
essa parcela da população com DM tipo 2 é geralmente assintomática ou
apresenta poucos sintomas por longos períodos e que apenas 50% são
encaminhados a serviços especializados, em virtude da presença de glicose na
urina ou hiperglicemia em exame de rotina (Alves e Figueira 2010). Trata-se,
portanto, de um cenário preocupante e que justifica intervenções significativas
em promoção de saúde, tal como as propostas mais adiante neste capítulo.

Aspectos culturais e comportamentais como fatores de risco para


HAS e DM

Dentre os fatores de risco já conhecidos para o desenvolvimento dessas afecções,


encontram-se os modificáveis e relacionados ao estilo de vida. Entre eles, estão
dieta inadequada, com consumo excessivo de sal e açúcares (Vieira et al. 2008;
Muniz et al. 2012), tabagismo (Malcon et al. 2003; Horta et al. 2007; Abreu et
al. 2011), sedentarismo (Muniz et al. 2012), alcoolismo (Horta et al. 2007),
obesidade (Mazaro et al. 2011; Muniz et al. 2012; Reuter et al. 2012), níveis
séricos de colesterol elevado (Bezerra et al. 2011) e alto nível de estresse
(Bezerra et al. 2011). Tais fatores têm contribuído para a elevação da taxa de
morbimortalidade das doenças cerebrovasculares e cardiovasculares que são
sensíveis às ações de educação em saúde. Como a hereditariedade também se
encontra associada a tais patologias, deve ser considerada como fator de
destaque e nortear ações de promoção de saúde para filhos de hipertensos e
diabéticos. Sabe-se que a mudança de hábitos e estilo de vida constitui um dos
grandes desafios para o trabalho de promoção da saúde e depende de uma
complexa rede de fatores culturais, sociais e econômicos que podem intervir
negativamente no processo de educação (Alves e Figueira 2011). Contudo, a
adoção de hábitos de vida saudáveis, como resultante de processos de educação
em saúde, pode ser considerada a mais importante contribuição do setor de saúde
para a redução de morbimortalidade de usuários do sistema de saúde (Brasil
2011a).

O maior estudo brasileiro de saúde da criança e do adolescente é a coorte de


nascidos vivos nas três maternidades de Pelotas, que teve início em 1982 e já
chegou a acompanhar anualmente 6.011 crianças (Victora et al. 1989). Em abril
de 2014, Gonçalves et al. apresentaram dados do acompanhamento da coorte de
1993. Neste, a prevalência de obesidade aos 18 anos foi de 10% e 66% deles
sedentários, sendo que os meninos eram mais ativos do que as meninas. Também
na cidade de Pelotas, em outro inquérito com adolescentes, Horta et al. (2012)
estimaram frequência mais elevada de tabagismo entre as meninas, que não só
experimentam mais como seguem em uso continuado mais frequentemente que
os meninos. Afirmaram ainda que a relação entre uso na vida e uso continuado
se mostrou similar entre os sexos, numa razão de 2,6:1, ou seja, para cada 2,6
adolescentes que experimentam, um permaneceu consumindo. Observa-se
aumento da prevalência de tabagismo entre adolescentes e jovens, a despeito de
os males do tabagismo serem amplamente conhecidos e divulgados (Malcon et
al. 2003). Sabe-se que o hábito de fumar é uma das causas de aproximadamente
50 diferentes tipos de enfermidades, destacando-se, entre elas, as doenças
cardiovasculares (DCVs) (Abreu et al. 2011). Em relação à prevalência de
tabagismo entre adolescentes de Salvador, Bahia, foi realizado um estudo em
2003 com 3.180 escolares com idade entre 13 e 19 anos, cuja frequência
estimada foi de 9,6%, sendo maior no sexo masculino (14%) que no feminino
(6%). A experimentação e a influência dos pais foram associadas ao tabagismo
nos adolescentes (Machado-Neto e Cruz 2003).
Em Salvador, em 2015, no inquérito conduzido por Fraga-Maia e Kroth com
escolares de 14 a 19, os resultados apontam para a multiplicidade dos riscos para
o desenvolvimento da HAS e do DM, já que 15,5% dos indivíduos se encontram
com sobrepeso ou obesidade, 24,7% apresentam pressão arterial elevada, 28,7%
são sedentários e 72,3% referem tempo de tela – computador, celular ou
televisão – superior a duas horas diárias. Com relação ao padrão alimentar,
observou-se que 85,2% relataram consumo inadequado de biscoitos salgados ou
salgadinhos de pacote, 83,2%, consumo inadequado de biscoitos recheados,
60,4% de hambúrgueres ou embutidos. Em contrapartida, apenas 11,8%
referiram consumo adequado de frutas ou verduras e legumes. Os resultados
indicam a necessidade de intervenções eficazes que rapidamente promovam um
estilo de vida saudável, com ênfase na adoção de hábitos alimentares adequados
e no aumento dos níveis de atividade física.

A prevalência da obesidade, assim como de outros fatores de risco associados às


DCVs, tem crescido especialmente entre as classes mais desfavorecidas. Os
hábitos alimentares, mas sobretudo o sedentarismo, têm sido apontados como
fatores de destaque para tais agravos. O aumento do tempo sentado na frente da
televisão, do computador ou dos smartphones, chamado de tempo de tela
(screen-time), tem sido estudado como fator de risco importante para várias
condições, tais como as DCVs (Jakes et al. 2003), DM tipo 2 (HU et al. 2003),
obesidade (Banks et al. 2010), síndrome metabólica (Chang et al. 2008), bem
como ao maior risco de morte por DCVs, independentemente do nível de
atividade física (Stamatakis et al. 2011; Dunstan et al. 2010). A despeito de tais
evidências, neste projeto, não nos propusemos somar tempo de tela com
consequente inatividade física, mas inovar propondo um recurso tecnológico
como instrumento para o aprendizado do autocuidado em saúde.

Razões para intervir precocemente em promoção de saúde para


crianças e adolescentes
As evidências científicas produzidas por estudiosos da genética e da pediatria
apontam que as doenças dos adultos têm raízes muito evidentes em crianças
desde o período embrionário (Alves e Carneiro-Sampaio 2007; Alves e Figueira
2010). A magnitude dos achados permite recomendar que pediatras, obstetras e
clínicos em geral investiguem sistematicamente os fatores de risco e instituam
práticas de promoção de saúde e de prevenção de riscos para crianças, não só no
útero, por meio de intervenções dietéticas e hábitos de vida de gestantes, como
também nos primeiros meses e anos de vida das crianças.

Investigações sobre a aterosclerose como um problema pediátrico surgiram na


década de 1960 e são reiteradas em trabalhos mais recentes. A aterosclerose
pode ser definida como uma doença inflamatória crônica, caracterizada pelo
acúmulo de placas de gordura, colesterol e outras substâncias nas paredes das
artérias, com início na infância e evolução ao longo dos anos. Vários são os
pesquisadores que sugerem que a obesidade, a HAS, o DM e a dislipidemia são
os principais fatores de risco para o surgimento e desenvolvimento da
aterosclerose. Goharkhay et al. (2007) encontraram evidências de aumento dos
níveis de colesterol total e incidência de aterosclerose em filhos de mães com
hipercolesterolemia. Já Charakida et al. (2006), por meio de métodos não
invasivos, como as técnicas de ultrassom, identificaram lesões endoteliais que
caracterizam o surgimento de doença arterial funcional e estrutural na primeira
década de vida, configurando-as como a fase pré-clínica da aterosclerose. Tais
lesões podem ser consideradas marcadores da doença aterosclerótica e per si
justificar a adoção de medidas terapêuticas, como alteração no estilo de vida e na
alimentação e até mesmo medidas farmacológicas que poderiam surtir efeitos
benéficos na prevenção e restauração das alterações arteriais iniciais. Resultados
de investigações post mortem de soldados norte-americanos que lutaram nas
guerras da Coreia e do Vietnã já indicam a presença de aterosclerose, que variou
de acordo com a idade e com os fatores de risco cardiovascular, sendo a
obesidade, o tabagismo, os hábitos alimentares e o sedentarismo os mais
fortemente associados a essa doença (Webber et al. 2012).

Em 2008, nos Estados Unidos, Urbina et al. publicaram um consenso, fruto de


uma reunião científica de cardiologistas pediátricos. Nesse documento, os
autores afirmam que há provas convincentes em adultos de que hábitos de saúde
adversos, como sedentarismo, dieta rica em sal e estresse psicossocial,
aumentam o risco de desenvolver hipertensão. Por essa razão, as orientações
pediátricas defendem a adoção de um padrão saudável de exercícios,
favorecendo peso corporal ideal e uma dieta com baixo teor de sódio e alimentos
ricos em potássio, cálcio e magnésio. Recomendam ainda que se identifiquem
crianças de risco, ou seja, com história familiar ou com hipercolesterolemia, e
também o controle da pressão arterial com duas aferições por ano a partir do
terceiro ano de vida.

Jogos digitais como mediadores em educação, saúde e prevenção de


HAS e DM

A despeito das elevadas taxas de morbimortalidade por HAS e DM e da


progressiva adoção de fatores de risco pela população em geral, porém, com
maior destaque para aquela de baixa renda e baixa escolaridade, as estratégias de
educação em saúde no Brasil parecem tímidas, localizadas em unidades de saúde
e focadas especificamente nos que efetivamente procuram os serviços. Todavia,
os gastos em saúde e o grau de sofrimento dos acometidos pelos agravos
proporcionados pela falta de controle dessas doenças justificam a incorporação
de esforços em outras áreas de atuação, tais como a educação popular. Salienta-
se que é justamente para essa população desfavorecida de recursos financeiros
que o acesso ao tratamento das afecções é mais lento e permeado por barreiras
geográficas e de acesso a tecnologias de maior complexidade.

A parceria entre as áreas da saúde e da educação básica já é bem consolidada no


Brasil, entretanto, pode ser favorecida para ações mais diretivas relacionadas a
HAS e DM. Como o projeto de educação pretendido pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais está comprometido com o desenvolvimento de
capacidades que permitam ao aluno intervir na realidade, a fim de transformá-la,
ele propicia a incorporação de novos temas relacionados a aspectos da vida
cidadã, como a saúde, a ciência e a tecnologia, a cultura, entre outros. A
educação em saúde passa a ser um tema estratégico, ao se considerar que as
atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são estabelecidas na infância pela
identificação com valores observados em modelos externos ou grupos de
referência. Como o grau de escolaridade em si comprovadamente se associa ao
nível de saúde da população, a escola pode ser vista como lócus privilegiado de
ação interdisciplinar. Assim, a formação do aluno para o exercício da cidadania
compreende a motivação e a capacitação para o autocuidado e a compreensão da
saúde como direito e responsabilidade pessoal e social. As vivências de grupo
focadas na educação em saúde poderão ser mais efetivas, à medida que
propiciarem um entendimento dos conhecimentos técnicos, mesmo respeitando
os conhecimentos tradicionais da cultura popular.

A incorporação de jogos virtuais como mediadores de educação em saúde atende


ao desejo crescente de ter acesso a tecnologias e interagir de modo veloz,
desafiador e adequado à faixa etária de interesse. Crianças e adolescentes ávidos
por esses instrumentos podem já apresentar sinais subclínicos de doença
aterosclerótica e de elevação da glicemia capilar, fruto de fatores ambientais e
comportamentais muito difundidos na sociedade atual.

Ressalta-se que a produção de ambientes gamificados para a área de saúde vem


crescendo ao longo dos últimos cinco anos, merecendo destaque os jogos sobre
DM desenvolvidos para crianças, a exemplo do Medtronic MiniMed, Inc., que
disponibiliza aplicativos e games para essa faixa etária. Vale salientar, todavia,
que não foram localizados jogos virtuais que lidem com essa temática em língua
portuguesa e que, para lidar com a HAS, não foram localizados jogos virtuais em
nenhum idioma. Desse modo, configura-se como inovação tecnológica o
desenvolvimento de tais ambientes interativos.

Para Vygotsky (1984), o jogo representa a articulação entre o desejo, a


afetividade, a inteligência e os processos de apropriação do conhecimento e
avanço das zonas de desenvolvimento. Pelo jogo, pretende-se tornar a
aprendizagem prazerosa e fazer com que a criança ou o adolescente passe a
gostar cada vez mais de aprender assuntos relacionados a sua história familiar. A
programação visual e os desafios impostos pelos jogos incorporarão dinâmicas
desenvolvidas por profissionais de saúde e alunos dos cursos de saúde da
Universidade do Estado da Bahia (Uneb), no âmbito do Pró-Saúde, articulado ao
PET-Saúde, numa iniciativa do Ministério da Saúde, do Departamento de
Ciências da Vida da Uneb e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de
Salvador. Análises dos resultados desse programa apontam para um efetivo
aprendizado de tais construtos, mesmo no caso de crianças de 7 a 10 anos. Em
estudos prévios do nosso grupo, observamos que as crianças passaram a
identificar que a HAS é uma doença, que significa ter pressão alta e que o
coração é a bomba do corpo. Assimilaram também que ter dor de cabeça pode
ser sintoma de HAS tanto quanto ter tontura, que o hipertenso precisa praticar
atividade física regular, que a medicação precisa ser guardada em local seco e ser
ingerida todos os dias nos mesmos horários. Com relação ao diabetes, os
resultados foram consistentes em relação à necessidade de cuidados com os pés,
do uso das medicações nos mesmos horários diariamente, ao fato de que o
açúcar não deve ser utilizado e que as frutas e verduras devem fazer parte da
dieta daqueles que têm essa doença.

Propõe-se aqui um estudo da eficácia da mediação de um jogo virtual, cujo


delineamento é um estudo de intervenção aleatorizado e controlado. O objetivo
da mídia é possibilitar que as crianças explorem o ambiente e a narrativa e sejam
desafiadas a solucionar problemas relacionados com a temática HAS e DM,
exercitando habilidades cognitivas como memória, atenção, planejamento,
tomada de decisão e antecipação, construindo um significado para os temas
abordados e aprendendo a ter uma vida mais saudável. A intenção é que as
crianças possam socializar esses conhecimentos com os pais e a comunidade em
geral, atuando como doutoras mirins, orientando sobre os sintomas das doenças
citadas e os cuidados que os portadores devem tomar. Será desenvolvido um
jogo que possa ser executado nos sistemas operacionais Android e IOS para
tablets e smartphones, considerando que são os dispositivos mais utilizados por
crianças, adolescentes e professores, segundo uma pesquisa realizada pelo grupo
de pesquisa Comunidades Virtuais/Uneb em 2014, e adotados por alguns
programas educacionais propostos pelo governo federal. O game será em 2D,
desenvolvido especialmente para crianças de 7 a 10 anos que estejam cursando o
ensino fundamental I. Serão disponibilizadas também as orientações
pedagógicas para professores do ensino fundamental e demais funcionários das
escolas, objetivando o entendimento do ambiente e posterior sugestão de
inclusão nas práticas pedagógicas usuais.
Serão convidados a participar do estudo filhos de hipertensos e/ou diabéticos
matriculados e frequentando regularmente escolas da rede pública de ensino
municipal ou estadual e no território do distrito sanitário Cabula Beiru, área do
entorno do campus da Uneb em Salvador. Os estudantes serão alocados em dois
grupos distintos. A educação em saúde para o grupo 1 (intervenção) será
promovida na interação com o novo jogo virtual, com uso de tablets e, para o
grupo 2 (controle), também com tablets, mas com os conhecimentos e materiais
utilizados no Programa Saúde na Escola (PSE). O PSE integra a política
intersetorial da saúde e da educação, foi instituído em 2007 e está voltado para
crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira, com o
objetivo de promover saúde e educação integral. Todavia, esse programa não
enfoca construtos relacionados à prevenção dos fatores de risco para HAS e DM
na população mais exposta para agravos em razão da baixa renda e dos fatores
culturais relacionados a alimentação e outros hábitos.

A intervenção consistirá em sessões de educação em saúde com foco nos fatores


de risco comportamentais e ambientais para agravo por HAS e DM, conduzidas
por professores da Uneb vinculados ao curso de fisioterapia e alunos de iniciação
científica na área da saúde naquela instituição, treinados no programa
desenvolvido no PSE e adaptados para tablet e também para desempenho no
jogo virtual desenvolvido. A intervenção será realizada em grupos, cada um
formado por 15 participantes, um professor e dois estudantes da IC/Uneb, a
ocorrer em cada um dos grupos, semanalmente, por dez encontros consecutivos.
Inicialmente, será aplicado um instrumento para avaliação dos conhecimentos
sobre HAS e DM, seus sinais, sintomas, fatores de risco, tratamento e medidas
de autocuidado. Nos encontros subsequentes, serão conduzidas atividades
distintas em cada grupo. Para os estudantes do grupo denominado G1, serão
explicadas as regras do jogo, apresentados os personagens e propostos cinco
minutos de teste do jogo. Posteriormente, serão concedidos 45 minutos para que
os participantes possam jogar livremente. Após esse período, serão conduzidas
discussões sobre o que aprenderam e as impressões geradas pelo jogo.

Para os membros do grupo denominado G2, a intervenção será iniciada com a


apresentação de imagens no tablet, seguida por dinâmicas que favoreçam a livre
expressão dos alunos e por explicações sobre os conteúdos relativos a HAS nos
cinco primeiros encontros e sobre DM nos cinco consecutivos. Os alunos
poderão interagir com a plataforma eletrônica, colorindo os alimentos
considerados saudáveis e as condutas adequadas por meio de mídia já existente e
sugerindo novas imagens para expressar suas vivências sobre tais construtos. Por
fim, para ambos os grupos será novamente aplicado o instrumento de avaliação
dos conhecimentos sobre HAS e DM.

O processo de desenvolvimento do jogo digital envolverá uma equipe


multirreferencial de programadores, artistas, game designers, pedagogos e
profissionais da área de saúde. Também serão realizados testes do game com
alunos e professores, a fim de subsidiar sua versão final.

Métodos quantitativos para geração de evidências científicas na


área de jogos digitais

Nos últimos anos, houve avanços substanciais em tecnologia, e a utilização de


recursos oriundos da internet, dos videogames e smartphones tem sido aliada a
processos de educação e saúde em diversas condições (Bailin et al. 2014). Um
exemplo é a aprendizagem em ambiente hospitalar, denominada de classe
hospitalar, que utiliza jogos de entretenimento para amenizar a angústia, a
ansiedade, a desmotivação, a tristeza e o isolamento causados durante o período
de internação, e que podem contribuir para uma aprendizagem contextualizada e
significativa (Neves et al., 2015). Dentre outros avanços temos: o aumento do
conhecimento sobre uma condição ou doença e os respectivos tratamentos, como
demonstrado pela eficácia do jogo Re-Mission em adolescentes portadores de
doença oncológica que, pelo jogo, ampliaram o conhecimento sobre a doença e
as abordagens terapêuticas (Beale et al., 2007); a modificação do padrão
alimentar em escolares (Baranowski et al., 2003) e do estilo de vida de
crianças/adolescentes sedentários (Gao et al., 2015), como forma alternativa de
mudança de comportamento e estratégias de atividade física que possivelmente
podem impactar na prevenção de doenças futuras como HAS e DM e agir como
recurso coadjuvante no automanejo de indivíduos com doenças reumatológicas
(Li et al. 2012). A produção sobre o desempenho de jogos digitais cujos focos
sejam impactos na aprendizagem tem crescido; todavia, os estudos nem sempre
são delineados para gerar evidências científicas robustas e/ou não são rigorosos
ou não elegem o melhor delineamento para tal (Rosser Jr. et al. 2007; Martinez-
Gómez et al. 2012; Kremer et al. 2014).

Em recente publicação, Charlier et al. (2015) revisaram ensaios clínicos com o


objetivo de avaliar a eficácia de utilização dos serious games (jogos sérios) que
visam, dentre diversos objetivos, treinar profissionais e conscientizar a
população de modo geral para alguns conteúdos específicos. Os serious games
são aplicados para simular situações críticas que envolvam algum tipo de risco,
tomada de decisões ou, ainda, para desenvolver habilidades específicas. Podem
simular situações em que o uso de um conhecimento seja necessário para a
evolução no jogo. Esta meta-análise teve como propósito avaliar a melhora do
comportamento ou autocuidado em pessoas jovens com doenças crônicas. Os
autores pesquisaram artigos publicados entre janeiro de 1990 e janeiro de 2014
em quatro bases de dados e identificaram nove estudos em que a eficácia dos
jogos foi avaliada usando ensaios clínicos randomizados. Em seis deles,
encontraram uma melhora significativa do conhecimento no grupo de pré-teste
após comparação com o pós-teste; quatro estudos mostraram aumento
significativo do conhecimento no grupo de intervenção quando comparado com
o grupo controle após a intervenção. Dois estudos relataram significativa
melhora de autogerenciamento no grupo de intervenção em relação ao grupo
controle após a intervenção. Concluíram que essas intervenções para esse
público específico podem ser, de fato, muito eficazes, elevando o conhecimento
sobre a própria patologia e sobre o autocuidado para a saúde.

Considerações finais

Neste projeto, busca-se avançar no sentido de inovar tecnologicamente,


desenvolvendo jogos digitais voltados para a educação em saúde, visando ao
autocuidado e à capacitação de escolares para multiplicar conhecimentos sobre
HAS e DM no âmbito domiciliar e comunitário. Essas informações deverão
propiciar a aquisição de conhecimentos acerca dos fatores de risco para o
desenvolvimento dessas doenças. Espera-se que os novos jogos digitais
permitam aumentar significativamente a aprendizagem em saúde e que esta se
traduza em maior autonomia na prevenção de agravos por essas doenças e em
melhores indicadores de saúde.

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NOTAS

[1] L.R.G. Alves. “Games e educação: Desvendando o labirinto da pesquisa”.


Revista Faeeba , v. 22, pp. 177-186, 2013. Game Studies . Banco de teses e
dissertações sobre games no cenário acadêmico brasileiro, tendo como
interlocutores os pesquisadores da educação. Salvador: Uneb/Fapesb, 2010.

[2] BNDES. “GediGames. Relatório final – Mapeamento da indústria brasileira e


global de jogos digitais”, fev. 2014.

[3] Expressão utilizada por R. Barbier. A pesquisa-ação . Trad. Lucie Didio.


Brasília: Plano, 2002. (Pesquisa em Educação, v. 3)

[4] G. Thomas e R. Pring. Educação baseada em evidências: A utilização dos


achados científicos para a qualificação da prática pedagógica . São Paulo:
Artmed, 2007. J.P. Drummond (org.). Fundamentos da medicina baseada em
evidências: Teoria e prática . 2 ª ed. São Paulo: Atheneu, 2014.

[5] Os autores indicados neste prefácio estão nas referências finais dos artigos
indicados aqui.

[6] Neste livro, todas as traduções de citações e de figuras (tabelas, gráficos e


imagens)retiradas de obras estrangeiras são de responsabilidade dos autores dos
capítulos em que elas aparecem. (N.E.)
[7] Parte deste capítulo deriva de nossa atividade de pesquisa e produção em
2013 no GediGames: Grupo de Estudos e Desenvolvimento da Indústria de
Games, liderado pelo professor doutor Afonso Carlos Corrêa Fleury (Poli-USP).
O site do GediGames é http://www.gedigames.com.br. Além disso, sua atual
configuração também foi motivada pelos diálogos soteropolitanos com Lynn
Alves e Roger Tavares, aos quais sou profundamente grato.

[8] O filósofo e lógico francês Gilles-Gaston Granger, em seu livro Pour la


connaissance philosophique (1998), realiza uma distinção (baseada em Bertrand
Russell, 2006) entre objetos extensionais e objetos intencionais. Os objetos
extensionais seriam os fáticos, ligados à empiria, uma pedra, um corpo qualquer
etc.; os objetos intencionais seriam os noemáticos, tais como conceitos, números
etc.

[9] O corpo humano é objeto de estudo da medicina, da biologia, da psicofísica,


da história, da sociologia, da economia, da filosofia, da psicologia etc. Todas
essas disciplinas oferecem visões e versões igualmente ricas e díspares sobre um
único objeto.

[10] Podemos mencionar aqui, sinteticamente, Laurel (1991), Turkle (1984),


Heim (1994), Murray (2003) e Manovich (2001), por exemplo.

[11] Doxa , do grego, significando a opinião mais geralmente atribuída ao senso


comum, que está na base da formação dos preconceitos. Doxa e episteme se
contrapõem como estruturas cognitivas do sujeito humano.

[12] Trata-se da querela entre os pontos de vista ludologista e narratologista , que


não é o interesse central de nossa discussão aqui. Ambos os pontos de vista
trouxeram aspectos importantes acerca do objeto jogo, quando considerados com
base em suas contribuições epistemológicas e metodológicas.
[13] IGDA é a sigla para a Associação Internacional de Desenvolvedores de
Games, baseada nos Estados Unidos, com capítulos (regionais) ao redor do
planeta. No Brasil, temos capítulos em várias cidades: São Paulo, Curitiba, Porto
Alegre, Recife etc. O site da IGDA nos EUA é http://www.igda.org/ .

[14] Um ator fundamental, que progressivamente começou a ocupar um lugar no


vértice do triângulo da equação, corresponde ao jogador – célula viva que, em
diversas situações e momentos, converte-se em produtor independente ( indie
producer ). Nele, estão colocados os elementos de decisão do atual panorama dos
jogos digitais.

[15] Isso conforme o relatório parcial da doutora Arlete dos Santos Petry para a
pesquisa do GediGames.

[16] Aqui, cabe uma nota de caráter metodológico. Falamos em abordagens


disciplinares sobre objetos de pesquisa, organizando-as em multi disciplinares,
inter disciplinares e trans disciplinares. A delimitação epistemológica delas é
uma tarefa árdua, e os especialistas nem sempre convergem em suas conclusões.
A primeira, multi , indica-nos que temos uma abordagem dada por uma
multiplicidade de disciplinas, cada qual oferecendo sua visão particular sobre o
objeto, o que implica uma assembleia de vozes, às vezes, dissonantes. A
segunda, inter, conduz-nos a um processo de análise no qual o objeto é discutido
de inúmeros pontos de vista, buscando uma visão cooperativa entre todas as
abordagens ou disciplinas – geralmente realizado em equipes que trabalham
juntas e que se afetam mutuamente. Já a terceira, trans, com diferentes versões e
conceituações, nós particularmente a pensamos como a ultrapassagem positiva e
necessária dos estágios anteriores multi e inter. Ela pode ser encontrada em duas
situações: em primeiro lugar, em grupos de trabalho com múltiplas competências
técnicas e conceituais (donde provêm cargos como artista-técnico , por exemplo,
o profissional que transita entre a arte e a programação do jogo); em segundo
lugar, na existência de sujeitos com formações transdisciplinares , ou seja, que
recortam e atravessam inúmeras regionalidades. O exemplo histórico de
entendimento mais fácil e popular é Leonardo da Vinci (1452-1519).

[17] Ainda que essa ideia de abertura interdisciplinar postulada por Aarseth siga
o caminho do pensar e da pesquisa científica, a corrente ludologista não seguiu
esse pressuposto na prática ou no discurso.

[18] O que nos mostra Arlete dos Santos Petry (2014) .

[19] O jogo como atividade formadora da cultura humana (Huizinga 2008)


antecede historicamente o jogo digital , que surge na segunda metade do século
XX. Por outro lado, a filosofia da linguagem (Apel 2000), a psicanálise (Lacan
1998) e a linguística (Benveniste 2008) nos mostram que uma dada língua
somente é possível com base na capacidade geral do ser humano para a
linguagem.

[20] No Brasil, essa tarefa foi realizada por nós no projeto de pesquisa do
BNDES para a política da indústria de jogos, na forma de um vocabulário de
termos técnicos referentes à IBJD, disponível na internet:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produto
.

[21] Ágon, do grego, tendo como traduções possíveis, conflito e antagonismo.


Callois (1990) é um dos que trabalham exemplarmente esse conceito em relação
aos jogos, o homem e a cultura.

[22] MMORPG: jogo de RPG massivo multijogador on-line ; FPS: jogo de tiro
em primeira pessoa . Nesse sentido, ver o nosso “ Vocabulário de jogos digitais”
para o projeto GediGames do BNDES:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conheci
.

[23] World of Warcraft e Dungeons & Dragons são, por exemplo, jogos que se
apresentam como estruturas que se reorganizam a cada vez que o jogo é
retomado. Eles não têm um final de jogo no sentido tradicional, mas apresentam
estruturas seriadas e intercambiáveis. Exemplo mais dramático da ausência de
final de jogo e, mesmo assim, mantendo a estrutura de jogo, pode ser encontrado
nos chamados jogos do tipo sandbox , nos quais um universo de possibilidades é
colocado à disposição do jogador e, a partir daí, os dados são lançados.

[24] Não intencional, espontânea e, geralmente, não conscientizada e tematizada.

[25] Taxonomia (do grego antigo táxis , arranjo, e nomia , método) é a disciplina
acadêmica que define os grupos de organismos biológicos, com base em
características comuns e lhes dá nomes. A taxonomia se serve da ontologia para
organizar o mundo em um sistema coerente, resultando em um ecossistema com
seus atores.

[26] Uma máquina de estados é um recurso lógico no qual, dadas determinadas


condições cumpridas e/ou manifestadas, temos diferentes feedbacks ,
comportamentos ou eventos disparados dentro do universo do jogo.

[27] Nosso guia aqui é o trabalho de pesquisa realizado e publicado em livro por
Arlete dos Santos Petry (2014), já referido anteriormente. Vide as referências
bibliográficas para as obras dos filósofos mencionados.

[28] Voltando, mais uma vez, ao tema das regras, observamos que elas não são
simplesmente aquele conjunto externo de normas pelas quais iremos regular
nossa ação dentro de uma partida. Se assim fosse, o jogo perderia seu
característico estado de ânimo, seu vigor e se tornaria pura monotonia. Perderia a
característica da alternância de estados se pensarmos na definição dada por Kant
(2012).

[29] Do ponto vista do jogo digital, considerando o atual estado da IA possível,


podemos pensar o seguinte: ou ele estaria prejudicado como jogo, ou ele poderia
contar com a pressuposição heideggeriana, considerando a programação possível
da interatividade em um jogo que contemple possíveis ações de um jogador.
Trata-se aqui do elemento discutido pelos designers de oferecer ao jogador uma
experiência estética de jogo em contraponto às experiências e aos caminhos
escolhidos e formulados pelos próprios jogadores e que fogem do escopo
pensado ou delineado pelo design do jogo.

[30] Cf. A.S. Petry. “Narrativas fílmicas em videojogos?”. Texto apresentado no


XIII Encontro de Cinema, em Viana de Castela, Portugal, maio 2012.

[31] O conceito de reificação deriva da teoria marxista hegeliana e foi


interpretado por Luckács, que nos mostra que, em dado momento, um conceito
pode atingir a sua efetividade – a saber, tornar-se materialmente efetivo.

[32] Como objeto cultural, o jogo digital tem múltiplas faces, o que se reflete na
profícua classificação dos jogos, que abre um leque de gêneros. Por outro lado,
como atividade de produção, considerando o(s) sujeito(s) da produção, temos a
já discutida perspectiva de entrada e posições multi , inter e transdisciplinares ,
conforme nota anterior.

[33] Conforme trabalhado por Turkle (1984), que adota essa perspectiva,
principalmente dos anos de estudos em Paris e no acompanhamento do
Seminário , de Jacques Lacan. É o que Gadamer (2011) diz ter aprendido
também com Lacan.

[34] Nesse sentido, ver Bateman (2011) e Petry (2011).

[35] Infelizmente, o espaço deste capítulo não nos permite discutir a relevância
do trabalho de Gee e Turkle e todas as reflexões que nosso grupo de pesquisa
realizou ao redor dele, cotejando-o com a história do pensamento filosófico. Fica
para outra oportunidade.

[36] O G4C Brasil pode ser encontrado em http://gamesforchange.org.br/sobre-


2/quem-somos/.

[37] O site da Newzoo, com dados brasileiros atualizados é:


http://www.newzoo.com/infographics/infographic-the-brazilian-games-market/ .

[38] Uma das características dos jogos digitais é que eles somente se completam
em sua existência quando passam a ser jogados (Petry 2014).

[39] Ambos os projetos tiveram financiamento da Fapesp e podem ser


encontrados no site dessa fundação, com os números 2011/09778-9 e
2013/23888-7.

[40] Outros resultados desse estudo estão sendo publicados na Revista Signos do
Consumo (n. 2/2015) e estarão disponíveis em:
http://www.revistas.usp.br/signosdoconsumo/index .
[41] Tradução: Beatriz Marchesini.

[42] Four dimensional framework.

[43] Utilizados para a medição de parâmetros biológicos e químicos.

[44] Para identificar padrões cerebrais.

[45] Com o fim de avaliar o movimento do olho em relação à cabeça e ao ponto


em que se fixa o olhar.

[46] Em linhas gerais, gamer é alguém que é jogador de jogos digitais por opção
e faz isso com uma periodicidade que varia conforme motivações individuais.
Portanto, engloba grande diversidade de jogos e plataformas (PC, mobile e
consoles), de contextos de jogada (momentos de lazer, estudo e trabalho) e de
perfis de jogador (novato, casual, hardcore , profissional, retrogamer , entre
outros).

[47] O processo de game design não se confunde com modelagem do sistema de


jogo nem com produção da parte visual ou sonora do jogo. Basicamente, é a
construção de um argumento e conceito de jogo; definição de regras,
personagens, cenários e tudo o mais que integre o mundo do jogo. Envolve a
redação do GDD ( game design document ) para comunicar a toda equipe como
deve ser o jogo.
[48] Serious games são jogos educativos desenhados para provocar impacto
concreto na vida do jogador.

[49] A referida pesquisa mostrou que cerca de metade dos brasileiros usa a
internet (48%), mas 51% não usam. Entre os que usam, 76% acessam a rede
todos os dias; 65% têm até 25 anos e apenas 4% têm mais de 65 anos.
Desproporções semelhantes foram observadas nos indicadores escolaridade (a
maioria dos usuários tem ensino superior e a minoria tem até 4 ª série) e renda
familiar (a maioria dos usuários tem renda superior a cinco salários mínimos, a
minoria tem até um salário mínimo). Esses brasileiros usam a internet
diariamente para buscar informação (67%), diversão e entretenimento (67%),
sendo que apenas 24% usam a rede para estudo e aprendizagem. Os brasileiros
que não costumam utilizar a rede (51% da população pesquisada) justificam-se
por falta de interesse (43%) e falta de habilidade com o computador (41%). A
pesquisa constatou correlação entre essa falta de habilidade e baixa renda e idade
avançada.

[50] Refiro-me ao grupo focal realizado no projeto “Museu virtual da infância:


Espaço promotor da apropriação e produção culturais infantis” (Edital
MCT/CNPq 15/2007), proposto pela Unesc e realizado em parceria com o
estúdio Casthalia. Participaram quatro crianças que pouco se conheciam. Em
uma sala com apenas um computador, as pesquisadoras pediram que cada
criança mostrasse às demais os jogos on-line de que mais gostavam. Com
naturalidade, elas justificavam suas escolhas aos novos amigos, gerando um
debate rico que embasou as etapas seguintes da pesquisa.

[51] Indícios são Serious Game Society ( http://www.seriousgamessociety.org );


Serious Games Institute (http://www.seriousgamesinstitute.co.uk); Serious
Games Conference (http://2015conf.seriousgamesconference.org).

[52] Exemplos são: Games for Health (http://gamesforhealth.org); Games for


Health Europe ( http://www.gamesforhealtheurope.com ); Health Games
Research (http://www.healthgamesresearch.org).

[53] Exemplos de iniciativas brasileiras podem ser encontrados, ainda


discretamente, em congressos da área. Exemplos estão nos anais de 2014 do
SeGAH (Serious Games and Applications for Health, do IPCA/Portugal),
realizado na Universidade Federal Fluminense .

[54] A iniciativa é do Sesi-SC, onde atuei como bolsista de Desenvolvimento


Tecnológico e Industrial (CNPq). Para mais informações sobre o projeto, ver os
anais do SeGAH (Bahia et al . 2014).

[55] O projeto e os protocolos de pesquisa de campo foram submetidos ao


Comitê de Ética da Pesquisa com Seres Humanos da UFSC, que os aprovou
(número de aceite: 05079713.0.0000.0121).

[56] Dos 200 participantes totais, 50 eram do grupo de controle e 150 do grupo
de intervenção. Como cerca de 90% eram do sexo masculino, pois a implantação
foi realizada em uma indústria metalomecânica, foram analisamos apenas dados
de jogadores homens. Essa decisão deu consistência à amostragem, mas nos
forneceu percentuais de progresso na pesquisa menores do que se incluíssemos
as mulheres, pois se sabe que os homens consomem menos FLV do que as
mulheres (Brasil 2011).

[57] Durante a implantação-piloto, o distanciamento entre o público e os jogos


ficou evidenciado nas atitudes de um jogador apenas. Ele disse: “Jogo faz mal,
vicia!”. No primeiro aplicativo, ele se negou a colocar o fone de ouvido e
resolveu os desafios rapidamente. Não era forçado a jogar, poderia não ter
voltado. Mesmo assim, foi jogador assíduo e completou os 12 aplicativos.
Gradativamente, passou a usar o fone e a se empenhar na resolução dos desafios.
Nos últimos encontros, saía da sala sorrindo e interagia com nossa equipe.
[58] Logs de dados são arquivos de marcação que registram eventos relevantes
ocorridos ao longo da jogada, como escolhas feitas durante um diálogo
interativo, tempo dispendido para completar um minigame e tentativas realizadas
em busca da solução de um puzzle . Qualquer evento pode ser registrado, desde
que isso seja previamente estabelecido e incluído no código do jogo.

[59] A análise foi feita com o programa The Observer XT (Noldus) pelo
psicólogo André Thieme, no Lec/UFSC.

[60] Os fragmentos de animações que citamos integram a série “Saúde e


segurança do trabalho: Faça a escolha certa” (Biblioteca Digital da Saúde e
Segurança do Trabalho/Youtube), destinada a um público semelhante ao nosso.
Apesar do traço simples, as animações são curtas e têm certo humor, dada a
presença de dois personagens (anjinho e diabinho) que representam a
consciência ou imprudência do protagonista (trabalhador) diante de situações de
risco.

[61] Fit or fat? Live or die? You decide .

[62] Esse recorte foi feito porque menos de 10% da população brasileira atingem
a recomendação de consumo mínimo de FLV. O índice é mais baixo entre
pessoas que vivem no perímetro urbano, têm baixa renda e são do sexo
masculino (Brasil 2011), perfil compatível com nosso público-alvo. Tanto o guia
alimentar (Brasil 2006) como a Organização Mundial da Saúde (OMS 2002)
apontam que o consumo adequado de FLV previne doenças crônicas não
transmissíveis, como doenças cardiovasculares, câncer, obesidade e diabetes
mellitus.
[63] Trata-se de protocolo e instrumento para entrevista individual que permite
registrar a variedade e a quantidade dos alimentos consumidos pelo entrevistado
nas 24 horas anteriores, ou durante o dia anterior. São vantagens do
Recordatório, como método de coleta de dados, reportar apenas recordação
recente e referente a uma situação concreta – diminuindo a chance de haver
memórias ilusórias – e não induzir alterações de comportamento alimentar.

[64] Ideia proposta por Gee (2004) a partir da noção de “função apreciativa” de
Donald Schon.

[65] Desenvolvido pelo grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, com


financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb)
e apoio da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), esse jogo aborda a Revolta
dos Alfaiates, acontecimento histórico do final do século XVIII na Bahia.

[66] Jogo do tipo adventure , com características de RPG, desenvolvido pelo


grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, com o objetivo de possibilitar o
aprendizado de história, em especial a Revolução Francesa.

[67] Essa afirmação põe em jogo o próprio conceito de jogo. Em Petry (2013), é
possível encontrar uma síntese de como essa questão vem sendo enfrentada nos
mais diversos campos disciplinares. Para o propósito da presente discussão,
adotamos aqui a perspectiva posta por autores como Consalvo (2009) e Gadamer
(1997), a saber, a compreensão de que, sem o ato de jogar o jogo, jogo não há.
Ou seja, o jogo é um ato, uma performance.

[68] Alinhada com essa tendência, no grupo Comunidades Virtuais, há


atualmente uma pesquisa de doutorado sobre avaliação de jogos eletrônicos,
desenvolvida por Isa de Jesus Coutinho, vinculada ao Programa de Pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade da Uneb.
[69] Alves (2015) discute o design investigativo utilizado pelo grupo de pesquisa
Comunidades Virtuais nas investigações relacionadas com jogos digitais e
aprendizagem.

[70] É possível haver passado sem história; não há, porém, história sem passado.

[71] Civilization é o trabalho mais premiado de Sid Meier, designer canadense


que ocupa o segundo lugar no hall da fama da Academia de Artes e Ciências
Interativas. O primeiro lugar foi concedido a Shigeru Miyamoto, da Nintendo. O
prêmio foi um reconhecimento pela contribuição à indústria de jogos de
computador. A série Civilization foi produzida em parceria com Atari e Firaxis
Games. Nela, o jogador assume o desafio de gerir uma “civilização” do período
antigo até os dias atuais. O jogo envolve gerenciamento de recursos, estratégia,
pesquisa e diplomacia. A terceira edição permite um modo multiplayer e
disponibiliza recursos específicos para cada civilização.

[72] A noção de “produsuário” faz referência ao papel do usuário que, para além
do consumo, também atua construindo e publicando material, muitas vezes de
modo colaborativo (Bruns 2008).

[73] Em Vattimo (2007), a noção de fim da história é uma crítica epistemológica


que aponta a perda da consistência e da unidade da historiografia e, ao mesmo
tempo, é uma constatação de que o avanço e a expansão da mídia pulverizaram
os centros de produção de narrativas e, assim, determinaram a impossibilidade
de produção de uma história universal.

[74] O tempo gasto para percorrer a narrativa linear no jogo Assassin’s Creed II,
bem como os desafios oferecidos pelo gameplay do jogo são elementos que
podem desqualificá-lo para uso em sala de aula.

[75] O Kimera é uma proposição geotecnológica criada junto com a rede pública
de ensino e para ela, em especial para os alunos do ensino fundamental I, e um
legado do Geotec/Uneb para essa rede.

[76] Grupo de pesquisa Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade,


articulado com os Programas de Pós-graduação Gestão e Tecnologias Aplicadas
à Educação (Gestec) e Educação e Contemporaneidade/PPGEduC da
Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

[77] Em 2015, o grupo Geotec desenvolveu o K-Bots, um robô planejado e


programado para identificar as coordenadas cartográficas e se deslocar num
espaço geográfico delimitado.

[78] Figura ou besta mística com aparência híbrida de dois ou mais animais:
cabeça e corpo de leão, com duas cabeças anexas, uma de cabra e outra de
dragão.

[79] Conforme descrito resumidamente na Introdução deste capítulo, o Geotec já


vem desenvolvendo e implementando uma extensão ( plugin ) com integração
entre o K-Amplus e o Google Maps e o jogo-simulador Kimera, em uma
tentativa de possibilitar a análise e interpretação do espaço representado pelas
imagens de satélite e vivido pelos alunos, parceiros desses processos
geotecnológicos nas escolas da rede pública.

[80] “O aluno virou especialista”. Entrevista à revista Época . [Disponível na


internet: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI153918-15224,00-
MARC+PRENSKY+O+ALUNO+VIROU+O+ESPECIALISTA.html , acesso
em 11/7/2015.]

[81] O Brasil está numa desconfortável 57 ª posição no ranking mundial de


aprendizagem de matemática, em uma lista de 65 países contemplados pelo
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). [Disponível na internet:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2012/10/por-que-89-dos-estudantes-
chegam-ao-final-do-ensino-medio-sem-aprender-o-esperado-em-matematica-
3931330.html , acesso em 20/5/2015.]

[82] TDAC, grupo de pesquisa em Tecnologia Digital e Aquisição do


Conhecimento, cadastrado no CNPq e coordenado pela professora doutora
Filomena Moita.

[83] O sistema de relações, interações e trocas entre diferentes culturas.

[84] Coexistência/convivência de diferentes culturas no mesmo espaço social.

[85] Nesse movimento complexo, o instinto nômade é potencializado. “Tratamos


do instinto nômade, segundo Maffesoli (2012), para designar o nomadismo pós-
moderno relacionando ao daïmon dos gregos (criaturas do bem e do mal, que
apresentavam várias facetas). Assim, ao pensarmos as tecnologias digitais no
enlaçamento com o arcaísmo (formação de tribos), temos a ação desse espírito
criativo e sensual, ou seja, o daïmon . Com o avanço da técnica, com o
desenvolvimento científico e a racionalização totalitária da vida, evidenciamos
uma espécie de ‘desencantamento do mundo’, seres humanos individualizados,
dicotômicos, solitários. Mas com a tecnologia pós-moderna, que uniu o logos à
techné sob a ação desse daïmon , parece acontecer o contrário ‘o reencantamento
do mundo’, seres humanos coletivizados, plurais, num ‘estar juntos’ e em todos
os espaços” (Schlemmer e Backes 2015, p. 305).
[86] Nesse caso, não estamos considerando que as epistemologias também não
sejam orientadas por políticas, mas destacando que nem sempre os sistemas de
avaliação, ao tentar dar conta das escalas, centram seus processos em aspectos
epistemológicos importantes. A necessidade de padronizar e quantificar
resultados, submetendo todos a instrumentos únicos, pode ser importante
ferramenta diagnóstica, mas, dada sua especificidade, não pode resumir o
processo avaliativo. No entanto, é instrumento que se mostra bem ajustado, por
exemplo, às políticas de avaliação meritocráticas. Porém, epistemologia e
meritocracia não necessariamente andam de mãos dadas, e muitas vezes são
antagônicas.

[87] Apesar de considerarmos o jogo como uma dimensão simbólica mais ampla
no que diz respeito ao desenvolvimento da inteligência e da sociabilidade
humana, e o game como termo distinto e que se refere à materialidade e à
objetividade que constitui um jogo, ao longo do texto utilizaremos esses termos
como sinônimos. Temos claro, em termos conceituais, que nem todo jogo –
simbólico – é ou pode vir a ser um game , mas todo game , dentre outras
características, possui uma dimensão simbólica, ou seja, que se insere no
universo dos símbolos, significantes e significados que dão sentido à experiência
humana.

[88] Non-player character ( NPC ) é um personagem não jogável/manipulável


presente nos games , ou seja, ele não pode ser controlado por um jogador, mas se
envolve de alguma forma no enredo do jogo. Exerce um papel específico, cuja
finalidade é a simples interatividade com o jogador.

[89] De acordo com Ferreira (2006), esse termo se refere à soma de tecnologias
e métodos de comunicação, como forma de diferenciação dos clássicos canais de
comunicação como TV, rádio, imprensa, cinema, dentre outros.
[90] Points, badges and leaderboards ( PBL – pontos, distintivos/medalhas e
ranking ) é uma estratégia de gamificação bastante comum no universo dos
jogos. Distingue-se da problem-based learning (também abreviada por PBL ;
aprendizagem baseada em problemas), que é uma estratégia pedagógica para o
ensino e a aprendizagem e uma linha de pensamento cognitivista centrada na
resolução de problemas.

[91] Yu-kai Chou é um pioneiro na área da gamificação, é palestrante


internacional para entidades como a Universidade Stanford, TEDx, Accenture
etc. Ele é classificado como um guru top 3 de gamificação e é presidente do
Octalysis Group. Chou propõe um framework Octalysis que pode auxiliar no
momento de pensar a gamificação.

[92] De acordo com Azuma (1997), a RM pressupõe a coexistência de três


características essenciais: combinação de algo presencial físico e digital virtual;
interação em tempo real; e alinhamento e sincronização precisos dos objetos
digitais virtuais tridimensionais com o ambiente presencial físico.

[93] A RA consiste, então, na combinação de uma cena presencial física, vista


por um sujeito, com uma cena digital virtual, o que acrescenta informação à cena
presencial física, ou seja, aumenta a cena (Caudell e Mizell 1992).

[94] Na linguagem dos jogos achievements (conquistas) são objetivos que um


sujeito pode alcançar durante o jogo. Eles podem ser explícitos ou secretos, ou
seja, que o sujeito descobre durante o processo de jogar.

[95] Atividade acadêmica cognição em jogos digitais é uma atividade acadêmica


optativa, de 60 horas, que integra o currículo do curso superior de Tecnologia em
Jogos Digitais, da Unisinos. A atividade foi ofertada no primeiro semestre de
2014, com 28 estudantes matriculados, todos do sexo masculino, com idade
entre 18 e 37 anos. O detalhamento de todo esse processo está disponível em
http://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/1029/709 .

[96] Bring your own devices , traga seus próprios dispositivos, é uma tendência
que surge do mundo mobile e, no campo da educação, propõe dar liberdade para
que os estudantes possam trazer e usar seus próprios dispositivos móveis no
contexto educacional.

[97] Também foi disponibilizado no Google Formulários um questionário para


conhecer o perfil dos estudantes.

[98] Ou seja, seriam utilizadas diferentes tecnologias analógicas e digitais e


trabalharíamos para além da modalidade presencial física – encontros
presenciais físicos, semanais, para os quais todos poderiam trazer seus
dispositivos móveis ( Byod ) –, na modalidade on-line , por meio de uma
comunidade no Moodle e um grupo no Facebook.

[99] Utilizando o Aurasma.

[100] Observar a si, as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos e até


mesmo os colegas durante a ação de jogar, buscando compreender como essa
ação ocorre, quais as semelhanças e diferenças etc., ou seja, o objetivo era saber
o que era observável e significativo para os estudantes no que se referia à ação
de jogar.

[101] Desvendando as pistas, jogos + teorias + educação – busca por referências


– autonomia.
[102] Construção do concept , do jogo e do modelo de avaliação de jogos –
autoria criativa.

[103] Encontrando conexões – observador + explorador + ator, criação de redes.

[104] Mapeando o caminho – análise do processo, autoavaliação – reflexão.

[105] Instigador, que provoca questões, reflexões, críticas.

[106] Aquele que contribui com os demais com alguma referência.

[107] Aquele que cria junto com os demais.

[108] Todos os discursos dos sujeitos foram reproduzidos sem revisões


gramaticais.

[109] Tradução: Beatriz Marchesini.

[110] Este estudo foi parcialmente financiado pelo Programa de Videogames


Ativos para o Tratamento Ambulatorial da Obesidade (ProViTao), ref. OBE50,
da Fundação CajaCanarias, dentro da linha de pesquisa em saúde. Os autores
agradecem aos membros da equipe de pesquisa do ProViTao, ao Hospital
Universitário de Canárias, ao colégio Aneja, bem como às crianças e aos pais
participantes do projeto. Agradecem também às organizadoras do livro, Lynn
Alves e Isa de Jesus Coutinho, e a Isa Neves, pelo convite para compor esta
coletânea.

[111] A parte do desenvolvimento dos jogos digitais contou com apoio


financeiro do projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
da Bahia, sob a coordenação do engenheiro doutor Xisto Lucas Travassos. As
pesquisas discutidas neste capítulo foram autorizadas pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia/CEP-Sesab.

[112] O projeto Seduce (utilização da comunicação e da informação mediada


tecnologicamente em ecologias web pelo cidadão sênior – www.seduce.pt ) foi
financiado por FCT (PTDC/CCI-COM/111711/2009) e Compete (FCOMP-01-
0124-FEDER-014337) de Lisboa.

[113] Um agradecimento especial às IPSS parceiras do projeto Seduce


(www.seduce.pt), pela disponibilidade e recepção permitindo uma verdadeira
troca de saberes e valores.

[114] Um agradecimento muito especial também à Uneb (Brasil) na pessoa da


professora doutora Lynn Alves, pelo apoio incondicional e acolhimento no grupo
Comunidades Virtuais, e à coordenadora da Uati, Sônia Bamberg, e a toda a
equipe integrada.
SOBRE OS AUTORES

Ana Beatriz Bahia é doutora em Educação (UFSC). Cofundou e dirige o


estúdio Casthalia, onde desenvolve jogos digitais artísticos e educativos,
incluindo títulos recomendados pelo Ministério da Educação.

Ana Isabel Veloso é doutora em Ciências e Tecnologias da Comunicação


pela Universidade de Aveiro, onde leciona. Atua como vice-presidente da
Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos.

André Luiz Andrade Rezende, doutor em Educação e Contemporaneidade


(Uneb), é professor efetivo no IF Baiano.

Arlete dos Santos Petry é doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP).


Foi professora visitante na Universidade de Toronto e na pós-graduação da
ECA-USP, onde leciona na especialização em Educomunicação.

Camila de Sousa Pereira-Guizzo é doutora em Educação Especial


(UFSCar). Atua como professora-adjunta da Faculdade de Tecnologia Senai
Cimatec (BA), onde também é orientadora de pesquisa na pós-graduação.

Carina S. González González é doutora em Informática pela Universidade


de La Laguna (ULL), onde atua como diretora de Inovação e Tecnologia
Educativa e Cultura Digital Interativa. Coordena o mestrado em Criação de
Videogames, além de projetos de pesquisa e formação.
Daniel de Queiroz Lopes, doutor em Informática na Educação (UFRGS), é
professor e pesquisador na pós-graduação, no mestrado profissional e no
curso de Pedagogia da Unisinos.

Eliane Schlemmer, doutora em Informática na Educação (UFRGS), é


professora titular e pesquisadora da pós-graduação em Educação da
Unisinos, além de ser conceptora e desenvolvedora de softwares e ambientes
educacionais.

Fernanda W.R. Camelier é doutora em Ciências/Reabilitação (Unifesp),


com pós-doutorado na Universidade de Barcelona. Foi coordenadora do
Pró-Saúde/PET-Saúde (Ministério da Saúde/Uneb/SMS) e é professora-
adjunta da Uneb.

Filomena M.G.S. Cordeiro Moita, doutora em Educação (UFPB), fez


doutorado-sanduíche na Universidade de Lisboa. É docente (pós-
graduação) e pesquisadora da UEPB. Tem quatro softwares educativos
sobre gamesno ensino.

Helena Fraga Maia é doutora em Saúde Pública (UFBA). Professora-


adjunta da Uneb, foi tutora do PET-Saúde (Ministério da
Saúde/Uneb/SMS).

Helyom Viana Telles é doutor em Ciências Sociais (UFBA), com pós-


doutorado (Uneb) sobre jogos eletrônicos, história, memória e educação. É
pesquisador do grupo Comunidades Virtuais (Uneb).

Isa de Jesus Coutinho (org.) é mestre em Medicina e Saúde (EBMSP) e


doutoranda em Educação e Contemporaneidade (Uneb). Membro do grupo
Comunidades Virtuais, investiga as questões relacionadas à aprendizagem
com jogos digitais.

Jose Luis Eguia-Gómez é professor e pesquisador na Universidade


Politécnica de Catalunha (UPC), vinculado ao Departamento de Engenharia
da Escola Técnica Superior de Engenharia Industrial de Barcelona. Leciona
no curso de Videogames da UPC e integra o grupo Informática e
Engenharia. É assessor de tecnologia e design de videogames.

Josemeire Machado Dias é doutora em Educação e Contemporaneidade


pela Uneb, onde atua como professora e pesquisadora, principalmente nas
áreas de jogos educacionais, avaliação de jogos, interação humano-
computador, geotecnologias e educação.

Liliana Vale Costa é mestre em Comunicação Multimídia (Universidade de


Aveiro) e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas
Digitais na Universidade de Aveiro e na Universidade do Porto.

Lucas Araújo da Paixão é aluno de Química do IF Baiano, bolsista do


CNPq. Recebeu menção honrosa da Unesco por desenvolver projeto voltado
à inclusão digital por meio dos jogos eletrônicos.

Luís Carlos Petry é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde


ocupa o cargo de professor-assistente, sendo o autor do projeto didático-
pedagógico do curso superior de Tecnologia em Jogos Digitais, além de
orientador e pesquisador na pós-graduação. É consultor internacional da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Portugal.
Lynn Alves (org.) é doutora em Educação (UFBA), com pós-doutorado na
área de jogos eletrônicos e aprendizagem (Università degli Studi di Torino).
É docente e pesquisadora do Senai Cimatec (BA) e professora titular da
Uneb, onde coordena o grupo Comunidades Virtuais, com 12 jogos digitais
produzidos.

Marcelo Silva de Souza Ribeiro, doutor em Educação (Université du


Québec à Montreal, Canadá), é professor da Univasf e editor-chefe da
Revista de Educação do Vale do São Francisco. Faz parte do Centre de
Recherche Interuniversitaire sur la Formation et la Profession Enseignante
(Crifpe, Canadá) e do Núcleo de Estudos e Práticas sobre Infâncias e
Educação Infantil no Brasil.

Marcelo Souza Oliveira, doutor em História Social (UFBA), é professor


efetivo do IF Baiano, onde leciona História e desenvolve pesquisa e extensão
na área de educação científica e popularização da ciência, com o Projeto
Escola Itinerante.

Nazaret Gómez del Río é mestre em Investigação, Gestão e Qualidade de


Cuidados para a Saúde, com especialização em Educação para Saúde
(ULL). Desenvolve no doutorado pesquisa sobre educação de hábitos
saudáveis para crianças com sobrepeso e obesidade, por meio dos jogos
motores e das TICs.

Raquel Martín González é licenciada em Psicologia (ULL). Desenvolve no


doutorado pesquisa sobre o transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade e dislexia em adolescentes. Participa como psicóloga no
Programa de Videogames Ativos para o Tratamento Ambulatorial da
Obesidade (ProViTao).
Rodrigo Clementino de Carvalho, graduando em Psicologia (Univasf), com
bolsa Pibic/Univasf, é membro do Núcleo de Estudos e Práticas sobre
Infâncias e Educação Infantil e do grupo de pesquisa Educação e
Desenvolvimento.

Ruth S. Contreras-Espinosa, doutora, atua como professora na


Universidade de Vic – Universidade Central de Catalunha, onde é membro
e colaboradora do grupo Informática e Engenharia. Integra também o
Instituto de Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona e
colabora com o grupo Comunidades Virtuais (Uneb).

Tania Maria Hetkowski, doutora em Educação (UFBA), tem pós-doutorado


em Informática na Educação (UFRGS). É professora da Uneb, atuando na
pós-graduação em Educação e Contemporaneidade, além de coordenar a
pós-graduação em Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação.

Yeray del Cristo Barrios Fleitas é engenheiro computacional (ULL).


Desenvolveu pesquisa na área de aplicações móveis e gamificação no
Programa de Videogames Ativos para o Tratamento Ambulatorial da
Obesidade (ProViTao). É pesquisador do projeto E-Hospi.
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Capa: DPG Editora

Coordenação: Ana Carolina Freitas

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Jogos digitais e aprendizagem: Fundamentos para uma prática baseada em


evidências [livro eletrônico]/ Lynn Alves, Isa de Jesus Coutinho (orgs.). –
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Pesquisa educacional 5. Videogames – Design I. Alves, Lynn. II. Coutinho, Isa
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1. Games e educação: Avaliação baseada em evidências: Pesquisa


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Ortográfico da Língua Portuguesa adotado no Brasil a partir de 2009.

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