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MAGALHÃES JUNIOR, A. G. . A Instituição Escolar e as Exigências da Contemporaneidade. Educare


(Fortaleza), v. 5, p. 15-26, 2013.

A INSTITUIÇÃO ESCOLAR E AS EXIGÊNCIAS DA


CONTEMPORANEIDADE

THE SCHOOL INSTITUTION AND THE DEMANDS OF CONTEMPORARY

Antonio Germano Magalhães Júnior1

Resumo

Historicamente, a instituição escolar passou por transformações associadas às


características sociais constituídas no tempo. Para compreender a escola na
contemporaneidade, é necessário saber que seus modelos são diretamente proporcionais
às características e valores sociais no tempo histórico. O objeto desta escritura é a escola
na contemporaneidade. O escopo é realizar uma reflexão sobre aspectos inerentes à
educação contemporânea, que precisam ser devidamente questionados para se poder
compreender melhor o papel da educação na sociedade do agora, reconhecendo a escola
como espaço de poder e verdade. O texto desenvolve uma reflexão, utilizando uma
revisão bibliográfica como procedimento metodológico, associada aos conhecimentos
que se granjeou pelo pesquisador na vivência como professor do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará, na área de formação de
professores. O escrito possibilita refletir sobre temas cotidianos da educação
contemporânea, estimulando uma tomada de decisão no que concerne à realidade
escolar.

Palavras-chave: Educação. Contemporaneidade e Reflexão.

Abstract

Historically the school institution passed by transformations associated


with social characteristics provided in time. To understandthe contemporary school, it's
1
Professor adjunto da UECE, leciona no programa de Pós-Graduação em Educação da UECE (PPGE).
Graduado em Pedagogia (UFC) e História (UECE). Mestre e Doutor em Educação (UFC). Pós-Doutor
(UFRN). E-mail: germano.junior@uece.br
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necessary know that school models are directly proportional to the characteristics
and social values in historical time. The object of this writing is the school in
contemporary. The intention is to develop a reflection on inherent
aspects in contemporary education that need to be properly challenged to
better understand the role of education in society now, recognizing the school as a
place of power and truth. The text develops a reflection using a literature review as
methodological procedure, combined with the knowledge gained by the
researcher on his experience as a professor of the Graduate Program in Education from
the Universidade Estadual do Ceará, in the area of teacher training. The
text allows a reflection on everyday topicsof contemporary education, encouraging a
decision regarding school reality.

Keywords

Education. Contemporary, Reflection.

Escrever sobre a educação na sociedade contemporânea não é tarefa das


mais fáceis, em razão da complexidade do tema e da diversidade de “caminhos” que
podem ser trilhados. Resolvi fazer uma reflexão, auxiliada por outros autores
pertinentes ao tema, procurando questionar e auxiliar, mediado pelo ato de perguntar, na
compreensão de algumas temáticas atualmente abordadas quando se resolve discutir
escola e educação. Estabelecerei relação entre a arquitetura escolar, a importância da
definição de uma filosofia educacional, o planejamento escolar, processo de ranking na
educação, entrelaçando com a descrição de aspectos da história da educação, as relações
de poder e verdade na existência da instituição escolar. Farei uma tessitura com muitos
“pontos e linhas”, objetivando fazer refletir não somente sobre problemas, mas também
acerca de possibilidades de transformação. Espero que auxilie na labuta de todos que
educam.

Sob espectro histórico, a instituição escolar passou por transformações


associadas às características sociais constituídas no tempo. Nos primórdios do
estabelecimento dos Estados, a escola servia para repassar os conhecimentos
necessários ao controle administrativo e religioso (CAMBI, 1999), logo, restrita a um
pequeno grupo privilegiado, que necessitava de conhecimento para adquirir e manter o
poder sobre os demais. Inicialmente, os responsáveis pelo ensino nas poucas escolas
foram os sacerdotes, o que era necessário para manter um vínculo entre o conhecimento
e a religião, constituindo uma relação entre o sagrado e o privilégio de “saber”. O
conhecimento estava relacionado com uma escolha da divindade, haja vista o fato de
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que não seriam todos que poderiam “saber”, mas somente aqueles pertencentes ou
escolhidos pelos controladores dos processos administrativos/decisórios. Quando utilizo
a expressão “saber”, me refero a ter conhecimento, ciência, informação ou notícia
(CUNHA, 1986).

São muitos exemplos de sociedades que vincularam a institucionalização da


escola à religião e ao poder administrativo do Estado. No Egito antigo, as escolas
formavam a elite sacerdotal e administrativa, associando diretamente o conhecimento ao
sagrado. A necessidade deste relato está vinculada ao entendimento da constituição da
escola no tempo histórico. Não é objetivo desta escrita realizar uma descrição da
história da educação, mas auxiliar no entendimento da formação institucional escolar e
as características sociais de uma época particular. A escola foi, e ainda é, necessária na
implantação, consolidação, manutenção e até transformação dos modelos sociais de
determinada época, sendo modelada e cobrada em relação às necessidades em curso.

Nas primeiras escolas, os professores eram sacerdotes e sua relação com os


estudantes era constituída mediante princípios de verdade. Como havia um liame com o
sagrado, este não deveria ser questionado e o modelo da “salvação” estava no
cumprimento dos ditames propalados pelos representantes da instituição educacional. É
possível melhor compreender como a escola passou a ser representada feita “espaço”
dos que querem conhecer e que o saber exercitado em suas dependências está associado
à verdade. O professor representava o que conduz a verdade e “ilumina” os caminhos de
todos os que pretendem seguir os princípios do modelo instituído pelos que estão no
poder político/administrativo e religioso. O docente, mesmo sob o prisma da História,
não possuindo uma remuneração de destaque em relação aos outros ofícios no mesmo
tempo histórico, se constituiu como uma representação de prestígio social.

Os modelos de escola mudam com o tempo e devemos destacar os


intelectuais da Idade Média, associados diretamente ao surgimento e crescimento das
cidades (LE GOFF, 2003). O intelectual tinha como oficio escrever e ensinar,
constituindo um modelo que começa a romper com o controle quase exclusivo da igreja
em relação à transmissão do “saber”. Novos grupos sociais passam a ter acesso às
escolas, mas outras necessidades formativas estarão presentes, como o desenvolvimento
do comércio.
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Apresentei alguns exemplos vinculados à história da escola para demonstrar


a relação desta com as necessidades de um tempo particular, bem assim que a referida
instituição se transforma em certos aspectos, mas mantém características de tempos
anteriores, como no caso de se constituir como representante e transmissora de um
conhecimento reconhecido como “verdade”, o que é fundamental para melhor
compreender a importância desse instituto na sociedade humana, espaço destinado a
todos aqueles que almejam o poder mediados pelo conhecimento. É vedado não evocar
os estudos realizados por Michel Foucault (1998a e 1998b) a respeito da relação do
saber com o poder. Historicamente, os que querem alcançar e manter o poder procuram
exercitar e cultuar o conhecimento.

Depois de estabelecer relações entre a constituição das instituições


escolares, suas relações com o poder e o saber, bem como as particularidades dos
modelos caracterizadas pelas necessidades de um tempo, devo proceder no
cumprimento da particularidade do objetivo deste texto. O mundo contemporâneo pode
ser descrito por intermédio de muitos aspectos e referenciais. Escolhi algumas
características que acredito pertinentes para auxiliar na tarefa proposta. A velocidade
das transformações nos valores e tecnologias, associadas aos comportamentos sociais e
à instituição escolar, serão os “conceitos/caminhos” que utilizarei no desenvolvimento
de minhas ideias.

Vivemos em um mundo em que os valores sociais constituídos no convívio


social no tempo são objeto de transformações constantes (BAUMAN, 2007).
Convivemos na presença da propaganda constante da necessidade de romper com
valores que balizaram as relações sociais há centenas de anos. Um exemplo é o
estabelecimento dos laços matrimoniais que tinham como princípio o “até-que-a-morte-
os-separe”. Hoje a expressão “ficar” virou conceito de relação de convivência a dois.
Muitas pessoas, regidas por um hedonismo extremo, buscam conviver somente
enquanto durar o prazer, sem mediarem com a compreensão de que a convivência social
está associada ao controle dos desejos, se tenciona conviver com o outro. Não é possível
ter a plenitude de vontades atendidas durante a existência, de cada qual, pois é
necessária uma mediação entre prazer, desejos, convivência e sofrimento. O leitor,
porém, pode se perguntar o que tudo isto tem de relação com a escola e a
contemporaneidade. Acredito que tudo. Valores tidos como verdades são questionados a
cada dia e em seu lugar se procura instituir a prática de desejos em busca de prazeres. A
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escola, historicamente foi reconhecida como local de “sacrifício”, disciplina, verdades


inquestionáveis, professores que afirmavam e pouco estimulavam o questionamento,
hoje é propagandeada em outdoors como espaço de lazer, descrevendo sua arquitetura
lúdica, enaltecendo os equipamentos tecnológicos, não mencionando a qualificação dos
professores, a filosofia institucional, o trabalho educativo com os estudantes que
possuem dificuldades em aprender. São novas expressões associadas a modelos de uma
sociedade do agora.

A escola na contemporaneidade, em sua maioria, parece enaltecer os que


tiram os primeiros lugares em concursos, exibindo, nos meios de propagação coletiva,
rosto e símbolos, que passam a ser representados como modelos de sucesso. Fico
pensando por que as escolas não divulgam quantos de seus estudantes se inscreveram e
quantos foram aprovados. Acredito que tal propiciaria melhor julgamento do trabalho
realizado pelas instituições se houvesse à mão dados mais consistentes em relação a
inscrições e resultados e não somente a divulgação dos primeiros colocados em
concursos.

No passado, somente os mais abastados e alguns escolhidos poderiam


frequentar as poucas escolas. Depois da Revolução Industrial, ocorreu uma
disseminação dos ideais de massificação escolar e sucedeu um crescente aumento do
ingresso de estudantes de seriados agrupamentos sociais nas instituições educacionais
(CAMBI, 1999). Diferentes grupos possuíam, também, diversificadas características e
valores, mas posso perceber é que a escola passa a representar um espaço de ascensão
social. Os que não tinham o privilégio do nascimento em uma família recheada de bens
poderiam, por intermédio da educação sistematizada, alcançar melhoria social. Não é
um modelo que se aplica a todos os que tentam por via da referida instrução a
mobilidade social, mas muitos conseguiram e ainda logram. É concebido o fato de que
não basta somente efetuar a matricula em um estabelecimento escolar para adquirir
conhecimento e competência, pois há condicionantes que precisam ser lembrados para
melhor se compreender as reais condições de uma instituição escolar, que possa
contribuir com a melhoria das circunstâncias sociais de uma população.

A existência de uma sociedade em conflito de valores, na qual o hedonismo


se contrapõe a “verdades”, regulando a convivência social, motiva a necessidade de
melhor compreender o papel da escola na contemporaneidade. Existem consenso e leis
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que obrigam a frequência de todos, independentemente da posição social, nas escolas, o


que não havia no inicio do século XIX. Mesmo cientes da existência de modelos
distintos de escolas para diferentes grupos sociais, a necessidade de escolarização é uma
realidade mundial. Vivemos um desafio da melhoria das performances de escolarização
e do cumprimento da exigência de inserção de todos nas escolas. São muitos os desafios
da universalização da educação, principalmente em um país com as dimensões do
Brasil. Problemas de infraestrutura, falta de professores devidamente formados,
oportunidades de trabalho adequadas, renda, participação da família no processo
educacional, qualidade efetiva do labor levado a efeito nas instituições, constituem
alguns dos desafios a superar.

Escolhi alguns dos referidos fatores para refletir, neste comentário, acerca
da escola. Primeiramente devo lembrar que, no mesmo tempo histórico, há diferentes
modelos de escola, e suas características variam bastante em aspectos como estruturas
físicas, professores, modelos educacionais, estado social dos estudantes e docentes,
entre outros tantos que caracterizam esses institutos. O que passo a descrever e
questionar pode servir para melhor compreender as instituições educacionais, quando se
procura observar e refletir o seu funcionamento na sociedade do agora.

Dou continuidade à reflexão pela admissão às instituições educacionais. Não


preciso relatar em detalhes que existe, logo de início, uma determinação na escolha dos
estabelecimentos, associado ao status econômico e social dos estudantes. As particulares
existem para os que podem pagar ou para os que conseguem, com o seu desempenho
diferenciado, resultados que motivem os dirigentes dos estabelecimentos pagos a
concederem bolsas de estudos que poderão repercutir em propagandas futuras para
enaltecimento desses casos, mesmo que não seja mencionado, quase nunca, o esforço
pessoal dos estudantes e sua família na constituição da sua vida escolar. Sabe-se que
muitas escolas “captam” estudantes de instituições públicas para que depois possam
utilizar seus resultados como publicidade. Partindo do caso mencionado, é possível
alcançar a ideia de que não existe uma relação determinante entre estudar em uma
escola particular e obter bons resultados, até porque é preciso melhor definir o que seria
obter bons resultados. O Brasil, em particular, vive um momento de valorização dos
exames como parâmetro de tomada de decisão no concernente a políticas educacionais.
Não sou contra ter os resultados de exames como uma referência para se tomar
decisões, mas impõe-se ter o cuidado para não se viver uma “fixação” no que diz
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respeito a resultados, principalmente sabendo que, em se tratando de educação, esses


preceitos não ocorrem de imediato e sem um trabalho efetivo com investimento e
planejamento adequados.

Quando uma família vai efetivar a matrícula de um de seus componentes em


uma escola, deve ter a ciência do que pretende em relação ao trabalho da instituição. O
conceito de bons resultados deve ser associado aos valores familiares e às finalidades a
serem alcançadas. É sabido o fato de que, no caso das escolas públicas, não se tem
muito o que escolher no tocante a particularidades de valores, até porque, na maioria das
vezes, o estudante é matriculado de acordo com a existência de vagas e os pais não
ficam conhecendo nem a filosofia do estabelecimento escolar. Para comprovar o que
estou relatando, basta fazer algumas indagações: Os pais conhecem os professores de
seus filhos? Sabem a formação deles? Conhecem a matriz curricular que será trabalhada
e as atividades que seu filho terá que realizar? Quantos pais participam efetivamente das
atividades das escolas? Qual o valor que os pais creditam aos afazeres escolares? Eles
acompanham ou estudam com seus filhos? Possuem hábitos de leitura e estudo? Não é
necessário citar pesquisas acadêmicas para aferir a existência de uma relação direta
entre melhoria da aprendizagem dos estudantes e participação da família nas atividades
da escola. As famílias que normalmente comparecem às reuniões de pais são aquelas
cujos filhos possuem menos dificuldades escolares. Acredito que, caso se pretenda
melhorar resultados de ensino e aprendizagem, deve-se efetivamente trabalhar em uma
participação maior da família na educação dos seus iguais.

A arquitetura das escolas normalmente está constituída para um modelo de


ensino que valoriza primordialmente a aula expositiva. As escolas praticamente são o
conjunto das salas de aula. Com exceção de algumas, que valorizam outros espaços
possibilitadores de aprendizagem, a maior parte do tempo que os estudantes passam ali
é dentro das salas de aula, escutando aula. Existe uma valorização exacerbada da
aprendizagem mediante escuta, mesmo que esta metodologia não seja a mais eficiente
no ato de aprender (MEIRIEUR, 1998). Há de se considerar que somente assistir a aulas
não é o melhor caminho para melhorar os resultados de aprendizagem. Muitos pais e
estudantes ficam entusiasmados com a quantidade de aulas que uma escola oferece. O
estudante permanece a maior parte do tempo na escola ouvindo o professor falar. A
aprendizagem está diretamente associada ao processo de interação e manipulação do
que se pretende aprender (MEIRIEUR, 1998). As escolas deveriam investir em espaços
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e tempos destinados aos estudantes, para estudarem individualmente e em grupos,


trabalhando com situações-problema que necessitem aplicação do que estão estudando.
O tempo em práticas em laboratórios deveria ser aumentado, espaços de convivência em
que os professores e estudantes conversassem de uma forma menos formal, mas
centrada em problemas, poderiam fazer parte da arquitetura e das atividades
curriculares. O modelo de ensino das instituições educacionais está muito centrado na
escuta e no papel unidirecional das informações transmitidas pelos professores. Em um
mundo em que a mídia é cada vez mais utilizada como ferramenta de interação e
conectividade, ainda se vive em uma aula da escuta. Como os estudantes, que utilizam a
Internet para participar e opinar sobre tudo, suportam aulas de monólogos centrados na
transmissão de informações? Os professores são cobrados para serem comunicadores,
utilizando estratégias para manter o “público” atento as suas exposições. Em muitos
casos, valem piadas associadas ao conteúdo, uma linguagem corporal diversificada e
estimulante, tudo o que possa manter o estudante atento. Não sou contra o professor ser
um bom comunicador, mas a essência da relação com o estudante deve ser o
conhecimento a ser adquirido. Muitas aulas são verdadeiros espetáculos, mas destinados
à aquisição de informações. Devo estabelecer o diferente entre informação e
conhecimento. Informações são um conjunto de dados devidamente organizados,
analisados e processados. Conhecimento, porém, é a capacidade de estabelecer relações,
avaliar, segundo critérios estabelecidos, exige processo de manipulação e aplicação das
informações. Muitos estudantes controlam informações que aprenderam nas aulas e nos
materiais didáticos, mas não sabem para que servem nem como os empregar em uma
situação cotidiana. Muita vez repetem o que foi dito, mas são incapazes de explicar o
que estão afirmando. Certa vez perguntei a um estudante o que caracterizaria o inicio do
período republicano no Brasil em relação aos aspectos políticos. A resposta foi uma
descrição de fatos que realmente tinham significado com o que eu havia solicitado, mas
logo perguntei o que era uma república e o mesmo estudante não conseguiu articular as
informações para constituir a resposta necessária. Parece que ele detinha várias
informações sobre o período republicano brasileiro, mas não lograva explicar o que era
uma república. Não quero alongar com exemplos que todos os leitores conhecem,
considerando o cotidiano escolar, mas é necessário tomar decisões sobre o que fazer em
relação ao modelo de escola hoje em curso.
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Quando se trata de modelos educacionais, é necessário saber qual a filosofia


que norteia referido modelo. Como mencionei que vivemos atualmente uma valorização
do que chamo a escola de resultados, destacando o enaltecimento dos que ficam em
primeiro nas listas, lembro que tais resultados passam a ser utilizados como estimulo
aos que nela nem aparecem. Acredito ser importante descrever esta situação utilizando
uma descrição relativa aos resultados que algumas escolas públicas alcançam no
ranking, estabelecido atualmente. As escolas públicas que tiram os melhores resultados
são as que possuem sistemas de seleção para ingresso de estudantes, mas não seria
difícil trabalhar e aprimorar os que já são enquadrados como bons. Não estou afirmando
que estas mesmas escolas não fazem um bom trabalho, mas os estudantes que elas
recebem, normalmente, não são aqueles que possuem problemas de aprendizagem ou
quaisquer outros que possam dificultar os resultados nos exames. Fico pensando o que
está sendo feito com os que não conseguem ser selecionados. Certo dia, em uma
conferência que ministrei sobre avaliação do ensino e aprendizagem, alguém da plateia
perguntou se eu era contra ou a favor da reprovação. Respondi com duas perguntas. Se
reprovar os estudantes trabalharei, especificamente, as dificuldades que ele possui,
possibilitando a melhoria da aprendizagem e o auxiliando na superação de suas
dificuldades? E se o aprovar, mesmo o aluno não alcançando os objetivos previamente
instituídos, trabalharei estas dificuldades de forma específica, permitindo que possa
seguir na sua formação sem o acúmulo de dificuldades que poderá produzir problemas?
São perguntas que ficam sem resposta porque, normalmente, nossa decisão é pela
reprovação ou aprovação e não no que deveria ser realizado para sanar os problemas de
aprendizagem. O que ocorre, normalmente, é a realização de exames e não avaliação.
Quando se aplica um instrumento de avaliação, que pode ser uma prova, estudo dirigido
ou forma qualquer de coleta de dados sobre o conhecimento dos estudantes,
considerando os resultados, há de se tomar decisões do que deve ser feito para sanar os
problemas detectados e não somente registrar os resultados e entregar para os estudantes
e suas famílias (LUCKESI, 2008). É necessária uma escola que trabalhe a eliminação da
dificuldade e não o enaltecimento do acerto!

Para se poder trabalhar as dificuldades dos estudantes, é necessário um


planejamento mais sistemático e eficiente. Em uma pesquisa recente realizada por uma
orientanda de mestrado, entrevistando professores universitários em um curso de
licenciatura, foi verificado que não se dava o devido valor ao planejamento das aulas e
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aos processos de avaliação. Muitos professores nem entregam os programas das


disciplinas que ministram e os estudantes relataram que muitas aulas são o mero
cumprimento de comentários sobre textos selecionados, sem uma justificativa associada
aos objetivos que deverão ser alcançados e a relação com o restante da matriz curricular
do curso. Reflito acerca de quais escolas fazem o trabalho com seus professores para
que eles planejem juntos, procurando inter-relacionar os conteúdos que ministram.
Quantos professores saberiam explicar a relação entre os conteúdos que ministram e os
objetivos a serem alcançados na série em que estão ministrando suas aulas? Quantas
escolas, com professores de uma disciplina específica, planejam juntos, mesmo
ensinando em séries diferentes, para melhorar a sistemática e sequenciamento lógico
dos teores a serem trabalhados? Será que os estudantes são informados sobre o que vão
estudar no inicio do período letivo, demonstrando a importância dos conhecimentos a
serem adquiridos e os desafios que podem encontrar nas suas vidas? São muitas as
indagações, mas, que se precisa fazer, a fim de serem rompidos os entraves que
dificultam a existência e o trabalho eficiente de uma instituição educacional.

Ao se considerar a necessidade de posição no ranking a que estão


sobmetidos os estudantes e suas escolas, nota-se que a mudança no modelo de
instrumento não se trata de avaliação e sim de exames. E a expansão da oferta de vagas
no ensino superior, também, alterou a sistemática de funcionamento de grande parte dos
estabelecimentos educacionais. O surgimento de mais instituições de ensino superior fez
com que os conhecidos cursinhos entrassem em crise. Os estudantes que podiam pagar
estes cursos preparatórios passaram a ter maior facilidade de ingresso com a diminuição
da concorrência. Isto não ocorreu para todos os cursos e instituições, mas houve uma
diminuição drástica na procura pelos cursinhos. Muitos que podiam pagar um desses,
agora, pagam um curso superior. Tais estabelecimentos, no entanto, se transformaram,
passaram a preparar alunos para programas específicos, ainda muito concorridos e cujos
resultados servem para modelar a publicidade de algumas escolas. E estas tencionam
convencer que a aprovação de alguns de seus estudantes, os quais, na maioria das vezes,
não seguiam os mesmos modelos de formação do restante dos seus frequentadores,
representa o trabalho realizado pela instituição. A maioria dos aprovados nos cursos
mais seletivos do Brasil possui formação totalmente diferenciada, com professores
preparados quase exclusivamente para auxiliar na preparação, acesso a materiais
especialmente prontos para a finalidade anteriormente relatada, e tempo, muito tempo,
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dedicado a estudar e não somente assistir às aulas. Os colégios que mais aparecem com
estudantes vestindo suas camisetas em jornais que propagandeiam o “sucesso” das
aprovações possuem todo um sistema paralelo de formação. Reflexiono se existe todo
um aparato específico para os estudantes com dificuldade. Há professores devidamente
formados para tratar das dificuldades dos estudantes? Existe material específico, com a
qualidade necessária para auxiliar na aprendizagem dos que mais precisam? É
necessário trabalhar para atender a maioria e não somente aos que possuem mais
habilidades. Tenho um parente que trabalha especificamente com a preparação de
estudantes que irão se submeter a concursos. Em uma conversa sobre os modelos de
ensino e aprendizagem, questionei-o, acentuando que ensinar para quem possui
facilidade no ato de aprender não é um desafio tão extremo, mas lecionar e auxiliar na
aprendizagem dos que têm dificuldade é realmente tarefa hercúlea.

Atualmente trabalho especificamente com a formação de professores e


encontro desafios que não seriam difíceis de serem transpostos se fossem tomadas
decisões que realmente estivessem associadas a princípios de competência e
responsabilidade. Inicialmente, destaco o fato de que a carreira docente não é uma das
que atraem aqueles estudantes que estampam seus rostos nos jornais, representando o
sucesso da aprovação das escolas em que estudavam. Não quero afirmar que no
magistério somente ingressem os que não conseguiram formação em outras profissões.
Sou professor de dois cursos de licenciatura e há oito semestres realizo uma consulta
aos estudantes, perguntando quem realmente escolheu a profissão magistério ou está
cursando uma licenciatura porque foi mais fácil à aprovação. Os resultados variam um
pouco a cada semestre, mas nunca ficam acima de cinquenta por cento os que realmente
querem o magistério. Com esta afirmativa, mesmo se tratando de uma situação local e
específica, sem a devida condição de generalização, fico pensando sobre o restante que
está realizando formação no magistério e não quer ser professor. É possível verificar o
índice de concludentes nos cursos de magistério, em especial os de Matemática, Física,
Química e Biologia, cuja quantidade de estudantes que se formam é muito inferior aos
admitidos. Sabe-se que as áreas citadas anteriormente são as de maior carência de
professores no Brasil. Hoje se discute a urgência de formar professores para suprir a
demanda de formação necessária em um país enorme como o Brasil.

Como mencionei, são muitos os desafios, e as soluções passam por muitas


decisões a serem tomadas, pois muitas requerem ações de longo prazo e investimentos
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que não podem ser cobrados em forma de qualidade em educação a curto prazo; mas se
pode fazer muito e agora. Ciente de que a escola representou e ainda representa uma
instituição inserida nas relações de constituição, manutenção e transformação do poder,
ela é ferramenta fundamental na melhoria social. A escola precisa fazer parte das “redes
de discussão” social, questionando seu valor e possibilidades na luta pela sociedade que
se pretende. Precisa-se valorizar o conhecimento e não ficar preocupado somente em
criar uma relação social eminentemente hedonista, um culto ao prazer extremo e
perpétuo. É necessário valorizar o esforço e a dedicação de todos os que precisam do
conhecimento para serem mais e melhores. Não se há de “cultuar” os primeiros e
esquecer que depois deles está a maioria e que estes devem ser ajudados a superar suas
dificuldades, não para serem os primeiros, mas para constituírem uma sociedade melhor
e mais igual. Propõe-se valorizar o ato de crescer junto e não segregar pela diferença.
Mesmo não sendo solidário com a política de ranking, quero saber quais as escolas
cujos seus estudantes mais conseguem ser iguais no sucesso de aprender e ser melhores
seres humanos. Fica esta escritura, auxiliando a refletir, para todos os que querem,
precisam e lutam por uma educação mais universalmente de qualidade.

Bibliografia

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2007.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora UNESP, 1999.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
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LE GOFF, Jacques, Os intelectuais na Idade Média. Trad. Marcus de Castro. Rio de


Janeiro: José Olympio, 2003.

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2008.


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MEIRIEUR, Philippe. Aprender....sim, mas como? Trad. Vanise Dresch. 7. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.

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