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Aula 1-CremildaMedina - Amayo. Por Una America Indígena
Aula 1-CremildaMedina - Amayo. Por Una America Indígena
Série: Número 7
Ano: 1999.
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* Este artigo é resultado das leituras feitas nos dois últimos anos preparando
aulas para meus alunos de graduação, pós-graduação e especialização latu-
sensu. A eles, por suas constantes perguntas e generosas inquietações, dedico
este trabalho.
2
I. INTRODUÇÃO.
1
McNeill: 50-51.
2
Aníbal Quijano é provavelmente o mais importante introdutor da problemática do eurocentrismo no
debate acadêmico latino-americano da atualidade. Uma lista de alguns de seus trabalhos sobre o tema
podem-se encontrar na nota 5 de seu artigo da bibliografia (v. Quijano: 117).
3
Desse grande livro, apresentado por Viola e feito por pesquisadores na maioria
dos Estados Unidos e da Europa, podemos tirar alguns exemplos.
3
Mintz: 116.
4
Viola: 14. Vale destacar que entre as últimas plantas mencionadas, três são do Novo Mundo (milho, fumo
e quinina) e dois do Velho (chá e cana de açúcar) ainda que nenhuma da Europa.
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II.I. SAÚDE.
II.I.1. O AZTECA.
Um azteca podia ser escolhido para fazer o serviço militar depois dos 15 anos.
Na sociedade azteca o sucesso no campo de batalha era o meio principal de
ascensão social e por isto muitos moços desejavam ser guerreiros. Mas o
campo de batalha era um lugar perigoso, onde normalmente se usavam flechas,
dardos, fundas e clavas com afiadas bordas de obsidiana que podiam produzir
ferimentos terríveis. Para o tratamento dos feridos o exército azteca tinha um
corpo de especialistas que recompunham os ossos quebrados, recolocavam em
seu lugar as articulações e limpavam e suturavam as feridas.
Os aztecas eram muito cuidadosos com sua higiene pessoal. Tomavam banho
regularmente em rios e lagos, além de muitos banhos de vapor. A maioria das
casas da capital Tenochtitlan tinha banheiro, uma pequena estrutura circular
esquentada por um forno na parede externa. Ali se entrava e se jogava água nas
paredes para gerar vapor. Os banhos de vapor eram usados por higiene e
também para tratar de resfriados, febres e problemas nas articulações. Os
aztecas também eram cientes da importância da higiene bucal e por isso
limpavam regularmente seus dentes com um pó de carvão vegetal e sal.
II.I.2. O ESPANHOL.
5
Verano e Ubelaker: 222.
6
Ibid: 223.
6
Em outra parte dessa obra, lê-se que preferir um médico indígena era prática
comum nos Vice-Reinados do México e do Peru. Ficamos também sabendo que:
II.2. MINERAÇÂO
7
Ibid: 216-17; itálico nosso. A Árvore da Quina e o Arbusto da Coca são típicos da Amazônia Andina. O
primeiro é a Árvore Nacional do Peru (assim como no Brasil é o Pau Brasil). A coca tem uma estrutura
complexa e por isso sua folha tem grande utilidade médica. Quase todos seus derivados químicos, que são
dezenas, são positivos, como os anestésicos usados por exemplo na cirurgia ocular. Tem apenas um
derivado químico negativo, a cocaína, e por isto a planta inteira, autêntica maravilha botânica essencial na
cultura andina, é perseguida e ameaçada de destruição.
8
Sem dúvida isso era consequência do conhecimento da imensa farmacopéia que os médicos da América
Indígena tinham à disposição. Já dissemos que os médicos aztecas utilizavam até 1.200 plantas diferentes.
Obviamente isto decorria da extrema biodiversidade do território que habitavam. O México na atualidade é
um dos seis países do mundo (e o único no Hemisfério Norte) que por sua grande riqueza biológica são
chamados de megadiversos (v. “Mapa - Países de Megadiversidad del Planeta - Según Russell
Mittermeier”. In Amazonía sin Mitos: 18). Por sua parte, os trepanadores Incas e pré-Incas tinham acesso
à extraordinária farmacopéia da Amazônia, a área de maior biodiversidade da terra.
7
não tinham capacidade para aquecer o mineral à temperatura adequada. Então o Huayra
indígena, um forno para fundir metais construído nas montanhas de modo a aproveitar os
fortíssimos ventos de Potosí (a denominação do forno homenageia o vento), foi usado e
assim se obteve o primeiro “boom” produtivo. Os índios construíam os fornos e também
eles fundiam o metal. Mas isso não impediu que um espanhol, dizendo-se seu inventor,
estampasse o Huayra sobre seu brasão ... 9
9
Lockhart e Schwartz: 101; itálico nosso.
10
“O ano 1492 marca o início da história mundial eurocêntrica, da convicção de que uns poucos países
europeus centrais e ocidentais estavam destinados a conquistar e governar o globo, a euro-megalomania”
(Hobsbawm 1998: 413).
8
II.3. CULTURA
A contribuição mais importante das Américas ao Velho Mundo foi distribuir pelo globo
uma cornucópia de produtos selvagens e cultivados, especialmente plantas, sem as quais
o mundo moderno tal como o conhecemos não seria concebível. Pode-se argumentar que
isso não tem nada a ver com cultura. Mas o que cultivamos e comemos, sobretudo
quando há um novo tipo de víveres desconhecido em nosso cotidiano, ou mesmo uma
forma completamente nova de consumo, deve influenciar, pode até transformar, não só o
nosso consumo, mas o modo como vivenciamos outros assuntos. Considerem-se apenas
os víveres básicos. Quatro dos sete produtos agrícolas mais importantes no mundo de
hoje são de origem americana: a batata, o milho, a mandioca e a batata doce. (Os outros
11
três são o trigo, a cevada e o arroz).
Mas, e os produtos do Novo Mundo que não foram meros substitutos de coisas já
consumidas no Velho Mundo, mas abriram novas dimensões, novos estilos sociais?
Chocolate, tabaco, cocaína? Ou que se tornaram ingredientes básicos de novidades como
o chiclete, a Coca-Cola (mesmo que tenha tirado a cocaína de sua composição original) e
a tônica do gim-tônica? E as significativas contribuições à farmacopéia médica do mundo,
como o quinino, durante muito tempo a única droga capaz de controlar a malária? E os
girassóis que Rembrandt e Van Gogh pintaram, os amendoins sem os quais a
sociabilidade ocidental moderna seria incompleta,- para não mencionar seu uso mais
prático como fonte importante de óleos vegetais?. 12
11
Hobsbawm 1998: 411; itálico nosso. Essa nota foi extraída do capítulo 26: O Velho Mundo e o Novo:
Quinhentos anos de Colombo escrito, segundo seu autor , “para um seminário sobre o quinto centenário,
ocorrido em Sevilha em 1992, e versa sobretudo acerca do impacto do Novo Mundo sobre o Velho,
demonstrando que ele foi criado não pelos conquistadores, mas pelos conquistados, não pelos dirigentes,
mas pelos povos” (Ibid.: 405). Acima Hobsbawm mencionou trigo, cevada e arroz. E é oportuno informar
aqui que nenhum desses valiosos produtos é originário da Europa.
12
Hobsbawm 1998: 412. Esse historiador lembra a razão pela qual o quinino entrou na história mundial.
Mas é bom lembrar que os médicos andinos desde tempos pré-colombianos faziam uso dele. Mas para
controlar a malária depois dos anos 1850 entrou na história do capitalismo pois foi essencial para o
desenvolvimento dos comprimidos no nível de produção de massa. Ou seja que foi um elemento
importante para o estabelecimento da indústria farmacêutica moderna.
13
Ibid: 413; a itálica é nossa.
9
... o que quero enfatizar é que esses produtos não foram simplesmente “descobertos”
pelos europeus, e menos ainda procurados deliberadamente, da maneira como os
conquistadores procuravam ouro e prata. Eram produtos conhecidos, colecionados,
sistematicamente cultivados e processados pelas sociedades indígenas. Os
conquistadores e os colonos aprenderam a prepará-los e usá-los nessas sociedades
locais. Na verdade, teria sido difícil ou talvez impossível sobreviver, caso os colonos não
tivessem aprendido com os nativos. Até hoje a grande festa simbólica [dos Estados
Unidos], o dia de Ação de Graças, registra a dívida dos primeiros colonos para com os
índios, que a civilização branca subsequente, em troca, se encarregou de expulsar. O Dia
de Ação de Graças é comemorado com uma refeição preparada basicamente com
alimentos do Novo Mundo, que os colonos aprenderam a manusear com os índios,
14
culminando, como sabemos, no peru.
14
Ibid: 413; a itálica é nossa.
15
Ibid: 414; itálica nossa.
10
tecnologia capaz de atingir essa meta, uma tecnologia desenvolvida com esse
objetivo. Em outras palavras a conquista foi consequência do triunfo da
tecnologia destrutiva. Constata-se isto a partir dos resultados que mostram,
por exemplo, que mais ou menos um século depois da chegada dos europeus, a
população da América Indígena encolheu de mais de cem milhões de habitantes
para menos de oito milhões. 16 Tais resultados são o indicador, sem sombra de
dúvidas, da ampla superioridade dessa tecnologia já que o Velho Mundo do
período ganhou sempre, todas as vezes em que atacou a população do Novo.
Essa superioridade baseava-se no domínio da tecnologia do aço, 17 fato
indiscutível. Acontece que a Europa da conquista, como se viu no perfil de
saúde do espanhol, era pobre em recursos e território fértil para doenças
endêmicas. Isso talvez ajude a explicar o estado de quase guerra permanente
nesse continente, já que ele possibilitava a pilhagem dos recursos do vencido.
Para os fins deste trabalho, basta apenas isso como explicação, pois este não é
o lugar para aprofundar o estudo sobre porque a história européia foi
extremamente violenta. Mas essa história é a base para explicar porque a
Europa do período da conquista já tinha incentivado e desenvolvido quase
exclusivamente a vertente destrutiva da tecnologia do aço. É inegável que
nessa vertente está a origem de uma gama impressionante de instrumentos
para a guerra.
16
Dobyns: 415
17
Apesar dos sofisticados conhecimentos metalúrgicos de muitas das civilizações indígenas americanas ,
nenhuma delas conhecia o aço. Ao mesmo tempo importa informar da possibilidade que que o aço seja um
invento originário da África, o que é bom tema para um outro trabalho.
18
Hobsbawm 1988: 36.
11
... o conceito de guerra justa é algo escabroso, naturalmente, mas também uma realidade.
Não quer dizer que todas as guerras sejam justas, longe disso. O que é certo é que muitas
delas, como a apocalíptica sangria enfrentada pelo Iraque e pelo Irã - com um saldo de 1
milhão de mortos -, são absurdas e poderiam ter sido evitadas. Assim foi a guerrinha
entre o Peru e o Equador, há alguns anos, à qual me opus ...
19
V. bibliografia: Vargas Llosa.
12
ilimitada apela Europa e os Estados Unidos. Com relação a este último país, isto
não é surpreendente pois afinal se trata da “super-Europa”, conforme a
denominação de Jean-Paul Sartre. Em segundo lugar, essa citação evidencia o
método usado pelo escritor em seus trabalhos fora da área da ficção. Por essa
citação fica claro que a derrota de Hitler foi obra exclusiva da Europa
democrática e dos Estados Unidos. E a URSS, como fica?. Apenas como algo
talvez ainda mais perverso que o governo de Hitler e que por isso se poderia
justificar até a possibilidade do recurso das armas contra ela. Mas qualquer
pessoa séria e medianamente informada sabe que a Europa, os Estados
Unidos e a URSS foram aliados contra Hitler e que a derrota dos nazistas teria
sido impossível sem o Exército Vermelho. 20
Agora: por que Mario Vargas Llosa escreve assim? Será que ele não possui
informação? Claro que a tem, mas a esconde. Por que? Porque usa
sistematicamente seu método baseado, como no exemplo acima, em meias
verdades. Esse é o método que produz a pior das mentiras pois interpõe
grandes dificuldades para restabelecer a verdade histórica, já que leva sempre
embutida a meia verdade.
20
V. Hobsbawm 1995: 17 e 43.
21
V.bibliografia: Eco.
13
A difusão na Europa, Ásia e África dos produtos comestivéis da América... milho, batata,
batata doce, tomate, amendoim, mandioca, cacao e vários tipos de pimentas, feijões e
aboboras. Todos totalmente desconhecidos fora da América antes de Colombo. É
inimaginável italianos sem tomates, chineses sem batata doce, africanos sem milho e
irlandeses, alemães e russos sem batatas para comer. Tudo isto torna evidente a enorme
importância das culturas comestíveis americanas para o mundo. 22
Num outro livro, resultado de pesquisa séria, fica estabelecido que pelo menos
três tipos de feijão são dos Andes Centrais (território que vai do Sul do
Equador ao Norte da Bolívia). Estes são, de acordo com o nome científico:
Phaseolus Vulgaris, Phaseolus Lunatus e Canavalia SPP (duas espécies). 24 E
aqui temos que admitir que infelizmente não temos à mão um livro sobre a
história da agricultura na Mesoamérica. 25 Num livro destes sem dúvida
apareceriam os nomes dos outros feijões típicos dessa parte da América
Indígena que são visíveis pois estão em exposição permanente no Mercado
Azteca, reconstruído dentro do Museu Nacional do México, D.F.
Estes dados tornam lícito duvidar das afirmações de Eco relativas à origem dos
feijões na agricultura européia. Na verdade é provável que esse grande
romancista tenha confundido feijões com ervilhas e lentilhas. Mas nos
perguntamos, será possível que ele desconheça a história desses produtos ao
22
McNeill: 43; itálico nosso.
23
MacLaren e Suguira: 23; itálico nosso.
24
Amanecer en los Andes: 19. É tão obvio o reconhecimento da origem desses produtos que, por
exemplo, o Phaseolus Lunatus (em quechua, idioma dos Incas, palhar), nos Estados Unidos é conhecido
popularmente como Lima Beans (Feijão de Lima). O ruim é que o Lima Beans é um anão, comparado com
seu original andino que, com frequência, tem grãos que fácilmente superam, cada um, a dois centimetros de
comprimento e um de largura.
25
Mesoamérica é o território que vai desde o México até a Costa Rica. Essa é uma das duas partes da
América onde, historicamente, aconteceu a Revolução Agrícola. A outra, os Andes Centrais.
14
ponto de fazer essa confusão?. 26 Por outro lado, é também possível duvidar de
que as ervilhas e lentilhas tenham origem na muito modesta agricultura
européia, embora este não seja lugar para aprofundar esse tema. É mais
provável, no entanto, que tenham sido introduzidas na Europa pelos Árabes.
Esta opinião deriva de um dado proporcionado pelo próprio Eco. Ele afirma que
após o ano 1000 DC. é que esses produtos mostraram sua importância na
Europa. Ou seja, alguns séculos depois de os Árabes estarem influenciando a
Europa, com sua presença na Península Ibérica desde o Século VIII, para tirá-la
de sua Idade das Trevas (chamada assim pelo próprio Eco). 27
Tudo indica que, em relação aos feijões, o grande romancista e linguista italiano
usou o mesmo método do conquistador espanhol com relação ao Huayra, ou
seja, apropriou-se dos feijões, atribuindo aos europeus a criação dos mesmos, e
negando ao mesmo tempo os que verdadeiramente os criaram.
V. CONCLUSÃO.
26
Claro, cabe a possibilidade de que a tradução seja a causa dessa confusão. Acontece que o artigo do
jornal O Estado de SP foi traduzido do New York Times Magazine, que por sua vez talvez o tenha
traduzido do italiano, língua nativa de Eco.
27
Admira que nesse artigo, que trata da Europa mais ou menos de 900 a 1400 DC, Eco nunca mencione os
árabes. Igualmente, só uma vez menciona dois países não-europeus, apesar de estes terem sido muito
importantes no período. São a China, mencionada apenas pela seda (e não pela pólvora, apesar de que Eco
faz referência a ela), e a Índia, por suas especiarias.
15
VI. BIBLIOGRAFIA
Eco, H. “Era uma vez um milênio. Sem feijão, o homem nem teria saído da Idade
Média”. O Estado de S. Paulo (OESP). 13.06.1999: D2-D3.
Hobsbawm, E.J. A Era dos Impérios, 1875-1914. Editora Paz e Terra, Rio de
Janeiro, 1988.
Hobsbawm, E.J. A Era dos Extremos, breve século XX. 1914 - 1991.
Companhia das Letras, São Paulo, 1995.
McNeill, W.H. “American Food Crops in the Old World”. In Seeds of Change ... :
43-59.
Mintz, S.W. “Pleasure, profit and satiation”. In Seeds of Change ... : 112-130.
Verano, J.W. e Ubelaker, D.H. “Health and Disease in the Pre-Columbian World”.
In Seeds of Change... : 210-223.
16