Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Milani
DOSSIÊ
desafios à Cooperação Sul-Sul
Carlos R. S. Milani*
O principal objetivo deste artigo é, com base nas limitações críticas apontadas à experiência
histórica da Cooperação Norte-Sul (CNS), analisar alguns dos dilemas com que se confrontam
as atuais estratégias de Cooperação Sul-Sul (CSS), concebidas e desenvolvidas por países como
Brasil, México, Índia, China, Turquia ou África do Sul. O autor defende a hipótese de que a
diferenciação entre CNS e CSS é fundamentalmente empírica, devendo, porém, também ser
pensada à luz do legado do ativismo multilateral de alguns desses países e do novo papel
econômico e político que desempenham no cenário internacional. O argumento é construído
no sentido de que, por terem sido (e ainda serem) beneficiários da CNS, tais países deveriam
atentar para os riscos de reprodução de um modelo de cooperação que eles próprios criticaram
no passado recente. O que haveria de singular e distintivo nas práticas de CSS desses países?
Quais seriam os riscos de que suas práticas de CSS sejam menos solidárias do que as promessas
anunciadas por seus dirigentes e representantes políticos?
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento internacional, Cooperação Norte-Sul, Cooperação Sul-Sul,
África do Sul, Brasil, China, Índia, México e Turquia.
A cooperação internacional para o desen- cas, de segurança nacional, por razões humanitá-
volvimento (CID) pode ser definida como um sis- rias ou morais, mas também por motivos econô-
tema que articula a política dos Estados e atores micos e ambientais.
não governamentais, um conjunto de normas di- No entanto, não devemos esquecer que o
fundidas (ou, em alguns casos, prescritas) por or- conjunto das relações entre os dois tipos de atores
ganizações internacionais e a crença de que a pro- (doadores e beneficiários) também é reflexo da eco-
moção do desenvolvimento em bases solidárias nomia política internacional, ou seja, das
seria uma solução desejável para as contradições e assimetrias e hierarquias existentes entre o centro
211
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
nesse momento histórico que se abandonou uma presa colonial, à emancipação política africana e
lógica de ajuda pontual a nações em situação de asiática, bem como à disputa ideológica Leste-Oes-
emergência em prol de uma dinâmica cada vez mais te confirmam que as noções de “cooperação inter-
permanente e institucionalizada de cooperação para nacional” e “desenvolvimento” acompanham a
a transformação das estruturas produtivas, admi- própria história do sistema econômico capitalista,
nistrativas, sociais e culturais das sociedades do projeto universalizante de modernização das
beneficiárias dos financiamentos e dos projetos de sociedades e do liberalismo multilateral nas rela-
assistência técnica. O que, no século XIX e mea- ções internacionais. Ambas as noções de “coope-
dos do século XX,1 fora iniciado enquanto ajuda ração internacional” e “desenvolvimento” encon-
alimentar de urgência e como expediente diplo- tram suas fundações no ideal de progresso econô-
mático de natureza temporária passou a se consti- mico e solidariedade social, bem como na necessi-
tuir em padrão normativo nas relações entre Esta- dade de construção de amplos consensos políti-
dos, agências internacionais e organizações não go- cos entre as nações. Gilberto Dupas lembra que a
vernamentais. Dito de outra forma, com a guerra busca do progresso justificou ações políticas com
fria se institucionalizou e se legitimou o base em um atestado de que nos estaríamos tor-
multilateralismo da cooperação para o desenvolvi- nando uma sociedade melhor, mais justa e, por
mento.2 Carol Lancaster afirma que “ao final da que não dizer, mais “civilizada”. No entanto, o
Segunda Guerra Mundial, a ajuda internacional, progresso se tornou um mito ao apontar a marcha
tal como a conhecemos nos dias de hoje, não exis- à frente, uma movimentação com direção definida,
tia (...). Se não tivéssemos vivido as ameaças da um desenvolvimento da ordem e a realização de
guerra fria, os Estados Unidos nunca teriam inici- um mundo cada vez mais próximo da perfeição,
ado seus programas de ajuda internacional” porém sem dizer o sentido desse movimento ou
(Lancaster, 2007, p.1-3, tradução nossa). A políti- explicitar a perspectiva daqueles que o comandam
ca de competição entre a URSS e os EUA e a ame- e a dos que são comandados (Dupas, 2006). Em
aça comunista foram, desse modo, fatores decisi- nome da cooperação internacional e da promoção
vos para o processo de institucionalização da CID. do desenvolvimento têm sido difundidas visões
Os antecedentes da CID relacionados à em- políticas, por vezes redutoras das contradições e
das assimetrias entre as classes sociais, as socie-
1
Não foram poucas as iniciativas de cooperação internaci- dades, as nações e a economia internacional, mas
onal que se viram diretamente influenciadas pelo contex-
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
to político da colonização e pela tentativa de, em nome do também têm sido perpetradas ingerências de natu-
desenvolvimento, transferir modelos econômicos,
institucionais ou até mesmo culturais das metrópoles reza cultural, social, econômica e política.
para as colônias. Em 1940, o British Colonial Development
and Welfare Act permitiu o financiamento de projetos de Neste artigo, pretendemos discutir as limi-
desenvolvimento social e acentuou a intervenção direta tações críticas apontadas à experiência histórica e
da Coroa britânica nos programas locais de educação. Isso
se deu, principalmente, graças à crença de que tais tipos às agendas mais recentes da Cooperação Norte-Sul
de investimentos, de natureza sociocultural, ajudariam a
preparar uma elite entre os colonizados (principalmente (CNS), a fim de lançarmos questionamentos acer-
africanos) que seria posteriormente chamada a integrar
os aparelhos administrativos na gestão das colônias. Ini- ca dos dilemas que poderão cruzar (ou que, talvez,
cialmente, nos anos 1920, haviam sido investidos valo- já estejam cruzando...) as estratégias de Coopera-
res estimados em um milhão de libras anuais, que chega-
ram a aproximadamente cinco milhões no ano de 1940 e ção Sul-Sul (CSS) concebidas e desenvolvidas por
120 milhões em 1945. Em 1947, a lei conhecida como
Overseas Development Act criou uma instituição, a Co- países como o Brasil, México, Índia, China, Tur-
lonial Development Corporation, cuja função era coorde-
nar tais projetos nas colônias britânicas, além da Overseas quia ou África do Sul.3 Defendemos aqui a hipóte-
Development Corporation, a fim de promover a coopera- se de que a diferenciação entre CNS e CSS é fun-
ção para o desenvolvimento em outros Estados sobera-
nos (Olutayo et al, 2008).
3
2
Houve cooperação entre o bloco soviético e países em Uma descrição mais detalhada do nosso atual projeto de
desenvolvimento (nos casos do Egito, da Índia, por exem- pesquisa, “Cooperação Sul-Sul e Agendas de Política
plo), porém a institucionalização foi mais avançada e Externa em Perspectiva Comparada: África do Sul, Bra-
organizada no campo liberal ocidental; é dela que fala- sil, China, Índia, México e Turquia”, com apoio do IPEA,
mos ao tratar da CID no momento pós-segunda guerra. pode ser encontrada em www.labmundo.org.
212
Carlos R. S. Milani
213
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
prioritária, para a Europa oriental e as chamadas cia da renda per capita como indicador exclusivo
“economias em transição”. Como resultado das do desenvolvimento (medindo, de fato, o cresci-
prioridades então definidas pelos principais doa- mento econômico), o PNUD lança o indicador do
dores bilaterais e multilaterais, reduziram-se os desenvolvimento humano (IDH) como o novo
projetos de ajuda alimentar e reforçaram-se os fi- parâmetro integrador das dimensões da saúde e da
nanciamentos setoriais e programáticos. Passou- educação com a lógica do crescimento (PNUD, 1990).
se a dar maior ênfase aos diálogos sobre políticas Foram considerados fundamentais na construção
públicas (“policy dialogues”), ao critério da do IDH: a expectativa de vida longa e com saúde, a
seletividade (com foco nas políticas econômicas) e alfabetização e o acesso aos diversos níveis de edu-
a programas de formação (“capacity-building”). É cação formal, bem como a disponibilidade de re-
evidente que a ideologia dos mercados livres e do cursos econômicos (renda) para ter-se uma vida
Estado mínimo serviu de tela de fundo para essa humanamente digna. Pode-se afirmar que, apesar
nova agenda da cooperação. de suas limitações (ao desconsiderar, entre outros
Portanto, a agenda da CID encontrava-se cla- aspectos, a problemática ecológico-ambiental) e das
ramente ampliada: de projetos e intervenções pon- distorções produzidas (por exemplo, a concorrên-
tuais os principais doadores passaram a privilegi- cia desenfreada entre Estados por melhores classifi-
ar programas (com metas e estratégias) e políticas, cações no ranking mundial do IDH), o desenvolvi-
aumentando significativamente a envergadura mento humano inaugurou uma tendência de fun-
temática e o raio de ação da cooperação para o de- do que nos parece crucial nas agendas da coopera-
senvolvimento. Da “ajuda internacional” passou- ção, porquanto contribuiu sobremaneira para
se à lógica de cooperação e parcerias (Degnbol- institucionalizar discursos multidimensionais e dis-
Martinussen; Engberg-Pedersen, 2008). Enquanto seminar visões mais abrangentes sobre o desenvol-
o espectro da agenda foi sendo ampliado, avan- vimento. É bem verdade que, ao mesmo tempo,
çando para questões relativas à reforma do Estado, corroborou uma noção mais nacionalizada e indivi-
a orientação estratégica foi de “focar” os projetos dual (sedimentada nas capacidades de cada pes-
em grupos de beneficiários (os mais vulneráveis, soa) do desenvolvimento, colocando para escanteio
os mais pobres, etc.), como sintetiza o Quadro 1. o debate estrutural e político sobre as desigualda-
Além disso, poderíamos dizer que três te- des entre países ou regiões e as diferenças de clas-
mas principais estiveram no centro das atenções da ses sociais na ordem internacional.
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
CID. Em primeiro lugar, após décadas de suprema- Em segundo lugar, poderíamos lembrar os
214
Carlos R. S. Milani
temas globais como tendência importante dos anos tantes destinados à CID ainda se situavam em pata-
1990/2000. As diferentes conferências da ONU mares muito aquém do necessário para que as ma-
colocaram em evidência a educação (Jomtien em zelas do subdesenvolvimento pudessem ser supe-
1990), a proteção ambiental (Rio de Janeiro em radas. Também foram reforçados a partir do lança-
1992), os direitos humanos (Viena em 1993), os mento do “Global Compact”, programa de parceri-
direitos reprodutivos e a demografia (Cairo em as entre Estados, organizações intergovernamentais
1994), os direitos da mulher e a problemática do (ONU) e empresas transnacionais. Aspecto crucial
gênero (Beijing em 1995), o desenvolvimento soci- dos ODM, e que se relaciona estreitamente com o
al (Copenhague, 1995), a gestão urbana e a conceito de desenvolvimento humano apresentado
internacionalização das cidades (Istambul em 1996), anteriormente, a agenda de cooperação por eles de-
bem como a discriminação racial (Durban, 2001). fendida visa a melhorar principalmente as condi-
Permitiram o debate sobre um mosaico de posi- ções de desenvolvimento do indivíduo. O foco, uma
ções e realidades do Norte, do Sul, do Ocidente e vez mais, deixa de ser o âmbito nacional, estrutural
do Oriente, entre mundos culturais e religiosos e coletivo, direcionando-se para o bem-estar indivi-
diversos, além de difundirem essas agendas em dual, em pleno acordo com o ideário liberal.
diferentes geografias do planeta. Apesar de muito Após os atentados de 11 de setembro de
amplas e frequentemente presas à necessidade de 2001, ocorreram algumas importantes inflexões na
produzir consensos excessivamente abrangentes política vigente em matéria de CID: muitos gover-
sobre temas delicados e profundos do ponto de nos e agências, a reboque das decisões e necessi-
vista cultural, filosófico e político, as conferências dades do governo norte-americano, passaram a
da ONU contribuíram para expandir as estratégias priorizar as estratégias de segurança e o combate
de monitoramento, ensejando a criação de redes contra as diferentes manifestações de terrorismo
transnacionais, envolvendo inclusive movimentos transnacional. A política da segurança ganhou ter-
sociais e organizações não governamentais, que reno diante de ideia de cooperação técnica, econô-
passaram a funcionar como verdadeiros radares mica, intelectual e cultural, ameaçando o próprio
da cooperação para o desenvolvimento. ideal do multilateralismo. Com a implementação
Um terceiro aspecto que poderíamos desta- de uma agenda mais repressiva e de controle, al-
car nas agendas da CID nos anos 1990/2000 diz gumas questões correlatas à CID, por exemplo com
respeito aos Objetivos do Milênio, popularmente respeito às remessas de migrantes a suas comuni-
215
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
aproximadamente 404 bilhões em 2013, segundo porém com menos autonomia política e maior de-
as previsões do Banco Mundial.8 pendência de recursos governamentais.
Em paralelo à securitização das agendas, a No caso das fundações oriundas das gran-
qualidade e a eficácia da ajuda internacional pas- des corporações, devemos salientar o papel da
saram a ser objeto de crescente preocupação dos Fundação Bill e Melinda Gates, que tem um capi-
doadores. Duas declarações (Paris em 2005 e Acra tal de 70 bilhões com um orçamento anual plane-
em 2008) enfatizaram a noção de eficácia da ajuda jado de 6 bilhões de dólares, tendo-se tornado ator-
internacional para o desenvolvimento, buscando chave na governança dos problemas de saúde glo-
analisar seu impacto em relação ao que se bal (vacinas, por exemplo). Ademais, novos fun-
convencionou chamar de ajuda fantasma. Para que dos e mecanismos têm sido desenvolvidos: GAVI
a CID seja eficaz, deve dar prioridade ao desenvol- (Global Fund against AIDS), UNITAID (criado em
vimento de capacidades nacionais, garantir a apro- 2006, para combater a disseminação do HIV/AIDS,
priação pelos países em desenvolvimento da malária e da tuberculose), Mecanismo de De-
(“ownership”), coordenar os programas e projetos senvolvimento Limpo (no âmbito do Protocolo de
dos diversos doadores bilaterais e multilaterais com Kyoto), GEF (Global Environmental Facility, cria-
os objetivos das políticas públicas dos países do no bojo da Rio-92), entre outros. Também há
beneficiários (“alignment”), reforçar a responsabili- doadores estatais emergentes, com discursos e pro-
dade mútua, implementar ferramentas de gestão por jetos de CSS que pretendem ser distintos em suas
resultados e, finalmente, harmonizar as práticas e práticas da experiência da CNS.
estratégias dos Estados-doadores (“harmonization”). Ou seja, o cenário da cooperação é bastante
Isso foi o que afirmaram, em linhas gerais, ambas mais complexo e multifacetado. Tornam-se cada
as declarações. vez mais porosas as fronteiras entre a solidarieda-
Com relação ao surgimento dos chamados de pública e privada. Países beneficiários passam
“novos atores”, rompeu-se definitivamente o mo- também a definir suas agendas enquanto países
nopólio dos Estados na CID. Klein e Harford (2005) doadores, tal como tem ocorrido no caso do Bra-
referem-se a um verdadeiro “mercado para a aju- sil, da África do Sul, da Índia, do México, da Tur-
da” (2005), uma vez que atores e mecanismos pri- quia ou ainda da China. A fragmentação também
vados trazem a tradição, a ética e as práticas do faz parte das críticas possíveis: 80 mil novos pro-
mercado para o mundo da cooperação. É evidente jetos a cada ano, financiados por pelo menos 42
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
que atores não-governamentais (as fundações nor- países doadores por meio de 197 agências bilate-
te-americanas, as agências europeias como a NOVIB rais e 263 organizações multilaterais (Kharas, 2010,
ou a OXFAM) atuavam na CID desde, pelo menos, p.4). Também resulta desse cenário a necessidade
os anos 1950. No entanto, ao final dos anos 1980, ainda maior de coerência e coordenação: somente
parece mudar o lugar do não-governamental nos o Camboja teria recebido cerca de 400 missões de
esquemas da cooperação internacional; paradoxal- doadores por ano, em média, ao passo que a Nica-
mente, ganham maior visibilidade e aumentam em rágua teria recebido 289 missões e o Bangladesh,
número, muito embora também passem a aderir 250 (Severino; Ray, 2009, p.6). Não menos rele-
mais diretamente às agendas governamentais e aos vante é a crítica feita por Kharas (2010) no sentido
interesses do mercado. Mais visíveis, porém com de que as boas experiências no nível de projetos
menos liberdade para experimentos locais e naci- não repercutem, automática e necessariamente, no
onais; mais financiadas nos anos 1980 e 1990, plano macroeconômico. Outro problema destaca-
do na agenda atual: a AOD e as políticas de comér-
8
Dados a partir do Banco Mundial (Outlook for Remittance
Flows 2011-2013), publicados em maio de 2011 pela cio, de investimento e migrações geram
Migration and Remittances Unit (Migration and interdependências que ainda são pouco analisa-
Development Brief 16). Conferir também os dados dis-
poníveis em www.migrationinformation.org. das nos estudos acadêmicos e no debate político.
216
Carlos R. S. Milani
É nesse contexto crítico da CNS (e do capitalismo) nar, iludir, mas também abusar, desviar da realida-
que se evidencia, cada vez mais, a relevância apon- de, enganar” (Rist, 1996, p. 9). Samuel Huntington
tada da CSS no sistema da cooperação internacio- (1970, p.186) afirmou que seriam quatro as fontes
nal para o desenvolvimento. intelectuais da crítica à CID: o nacionalismo (a CID
como ingerência), o socialismo (a CID como ex-
pressão hegemônica do capitalismo), o
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O tradicionalismo (a defesa das tradições contra a
DESENVOLVIMENTO: interpretações e modernização desenvolvimentista) e o anti-
leituras críticas ocidentalismo (o embate contra o etnocentrismo
da cooperação). O Quadro 2, a seguir, esquematiza
As perspectivas sobre a cooperação para o essas posições, sobretudo a partir das Relações
desenvolvimento não são consensuais. Existem Internacionais.
visões favoráveis e outras mais críticas quanto à A posição do liberalismo pode ser conside-
sua natureza, seus objetivos e resultados, ou ain- rada ambivalente. Por um lado, adotando a pre-
da quanto aos efeitos econômicos, tecnológicos, missa de que os agentes (indivíduos, Estados) são
sociais, culturais, ambientais e políticos por ela racionais e, portanto, capazes de cooperar, alguns
engendrados. Ambos os tipos de visões comparti- liberais adotariam a noção de regime para interpre-
lham da ideia de que a força do discurso sobre o tar a CID,9 apresentando como seu princípio mai-
desenvolvimento é proporcional à sedução por ele or a prática da cooperação econômica como uma
exercida, sedução no sentido de “agradar, fasci- política racional. Com base no dever moral de aju-
Macro: Promove a integração (comercial, econômica), CID como interferência dos Estados e governos no
9
Lembramos aqui o conceito de regime proposto por mentos principais: princípios (como o mundo deve fun-
Stephen Krasner, segundo o qual o regime é uma forma cionar), normas (para orientar os comportamentos, defi-
de construção da ordem internacional que se inicia quan- nir direitos e deveres), regras (ferramentas de resolução
do seus membros respeitam ou se referem a seus aspec- dos conflitos, têm caráter mais instrumental) e procedi-
tos principais, suas normas e princípios. Os regimes são mentos de tomada de decisão (sistema de votação, por
variáveis intermediárias e externas (intervening variables) exemplo). Vide: KRASNER, Stephen D. Structural cau-
entre fatores de causalidade primária (poder, interesse es- ses and regime consequences: regimes as intervening
tratégico) e elementos relativos a resultados e comporta- variables. International organization, v.36, n.2, 1982;
mentos dos atores internacionais. O regime é, assim, mais LITTLE, Richard. International Regimes, BAYLIS, John;
que um conjunto de regras, pressupondo um nível eleva- SMITH, Steve (Org.) The globalization of world politics.
do de institucionalização; ele é integrado por quatro ele- Oxford: Oxford University Press, 2001. p.299-316.
217
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
dar os países menos desenvolvidos, a cooperação base na emoção do que na razão (Moyo, 2010).10
seria portadora de um ideal de justiça social e de Os construtivistas tenderiam a enfatizar que
abertura para o “outro”, estando fundamentada em a CID seria, ela própria, um padrão resultante das
uma verdadeira ética do desenvolvimento relações de socialização entre os Estados. Por meio
(Gottsbacher; Lucatello, 2008). A cooperação para da interação cooperativa gera-se conhecimento com-
o desenvolvimento resultaria da crescente neces- partilhado e criam-se instituições e regras
sidade, para os Estados, de responderem aos pro- facilitadoras da prática e da aprendizagem da coo-
blemas gerados pela “interdependência complexa” peração para o desenvolvimento. David Halloran
(Keohane; Nye, 2000) e, nesse sentido, de produ- Lumsdaine, um dos mais destacados teóricos des-
zirem bens públicos globais ou regionais (Kaul et sa corrente, assinala que a teoria realista do poder
al, 1999, 2003). A CID seria uma forma de gestão e os argumentos fundados nos interesses econô-
dos riscos sociais, agora cada vez mais globais e pro- micos e políticos seriam incapazes de abarcar as
duziria alguns benefícios que, segundo o convicções humanitárias e de explicar por que os
neoinstitucionalismo liberal, seriam notáveis: (i) re- governos cooperam e prestam ajuda internacional
dução dos custos de transação para negociar e man- na promoção do desenvolvimento (Lumsdaine,
ter acordos; (ii) estabelecimento do ideal da recipro- 1993). Muitos estudos sobre as práticas da coope-
cidade e do princípio da previsibilidade; (iii) circula- ração dos países nórdicos empregaram essas lentes
ção de informação para tornar as preferências mais teóricas a fim de interpretar a influência dos valores
transparentes; (iv) definição de padrões de compor- da tradição social-democrata na política de ajuda
tamento e institucionalização de mecanismos de san- internacional por eles desenvolvida. Olav Stokke
ção, além da obtenção de vantagens coletivas. empregou a expressão “humane internationalism”
Outros analistas e pensadores ultraliberais para referir-se aos determinantes da política de aju-
(Friedrich Von Hayek, Milton Friedman, Peter Bauer, da internacional da Dinamarca, Canadá, Países Bai-
Frances Moore Lappé) sustentariam a hipótese de xos, Noruega e Suécia (Stokke, 1989).
que a ajuda internacional deveria ser considerada Contraponto do internacionalismo liberal e
como um obstáculo que retarda o desenvolvimento construtivista, a visão realista da CID tenderia a
das nações e a auto-organização dos mercados. Se- ressaltar que nem todas as formas de cooperação
ria uma prática de intervenção estatal que tem tor- são inerente e necessariamente benignas, razão pela
nado os pobres ainda mais pobres, beneficiado de- qual é importante distinguir entre cooperação como
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
terminadas elites governantes dos países recepto- uma forma particular de interação instrumental e
res da ajuda e reduzido o ritmo de crescimento de os fins perseguidos pela interação cooperativa.11
suas economias. A afirmação de que a ajuda inter- 10
Em 2000, a China anulou uma dívida de 1,5 bilhão de
diferentes países africanos; em 2003, anulou mais 750
nacional poderia remediar a pobreza, segundo a milhões. Em 2006, assinou acordos comerciais no valor
economista africana Dambisa Moyo, não passaria de 60 bilhões. Entre 2000 e 2005, os fluxos de investi-
mentos diretos chineses dirigidos à África totalizaram
de um mito: haveria, ao contrário, uma relação de 30 bilhões, em setores como cobre e cobalto (República
Democrática do Congo e Zâmbia), ferro e platina (África
causa e efeito entre a ajuda internacional e as maze- do Sul) e madeira (Gabão, Camarões e Congo-Brazaville).
Mas a maioria dos investimentos chineses foi para a
las do desenvolvimento africano, muito embora a Nigéria e o Sudão (petróleo, construção do oleoduto).
autora deixe de articular a CID com as variáveis re- Angola é o principal fornecedor de petróleo para a China
(20%, em 2006, do total importado pela China). Em
lativas ao capitalismo, à colonização e suas heran- 2006, 64% das exportações de petróleo do Sudão foram
para a China. Dados a partir de Moyo (2010).
ças. Em seu livro, a autora sustenta seu argumento 11
Como lembra James Robinson, a cooperação é um tipo
com base no modelo chinês de investimentos no particular de interação que não é nem conflitiva, nem
harmoniosa. Trata-se, sociologicamente, de uma das for-
continente africano, criticando as visões excessiva- mas mais freqüentes de interação, porém seu grau de
complexidade merece análise aprofundada. Na teoria
mente românticas sobre os benefícios da CID, política, a saída encontrada para o dilema de cooperar ou
não diante da diferença de interesses produziu pensa-
construídas por pessoas ou instituições mais com mentos e tradições distintas, de Maquiavel, Grotius,
Hobbes, Locke a Kant (Robinson, 2008, p.71-82).
218
Carlos R. S. Milani
Quando cooperam, os Estados são racionais, opor- tes, o autor identifica seis tipos de ajuda externa,
tunistas e estratégicos a fim de melhorarem a sua sendo que todas dizem respeito à transferência de
própria condição; agir de modo diferente seria não fundos financeiros, bens e serviços de uma nação
apenas ingênuo, mas perigoso para a sua sobrevi- para outra: (i) ajuda humanitária; (ii) ajuda para a
vência e bem-estar (Nelson, 1968). Ademais, as subsistência; (iii) ajuda militar; (iv) ajuda-suborno
regras da CID não definem, de forma clara e obri- (“bribery”); (v) ajuda para obter prestígio; (vi) aju-
gatória, as sanções para os agentes impunes; os da externa para o desenvolvimento econômico
ganhos efetivos com a cooperação promovida po- (Morgenthau, 1962, p.301).
dem ser até mesmo superiores ao que se mantém Outro contraponto, a nosso ver não menos
com a opção de não cooperar (ênfase nos ganhos relevante, à interpretação liberal sobre o papel da
absolutos), porém a distribuição desses ganhos é CID nas relações internacionais origina-se da cor-
desigual (ênfase realista nos ganhos relativos). rente marxista, de alguns teóricos da dependência
Como sublinharia Huntington (1970, e de defensores da teoria crítica (Amin, 1976;
p.175), a obrigação moral diz respeito a ajudar os Halliday, 2007; Hayter, 1971; Molnar, 1975;
pobres dos países menos desenvolvidos e não os Kubalkova; Cruickshank, 1989). Tais autores lem-
seus governos, o que faz com que muitos dos pro- brariam que a CID pode ser explicada à luz do
gramas da cooperação canalizados por meio de materialismo histórico enquanto tentativa de pre-
organizações privadas possam, na concepção do servação do capitalismo, servindo como ferramen-
autor, cumprir mais eficazmente esse dever moral ta de manutenção e legitimação da hegemonia dos
em comparação com estruturas burocráticas pú- países centrais do sistema internacional. Antigas
blicas, que tenderiam a ser movidas por interesses colônias, agora emancipadas, poderiam ser
de política externa. Entre os tipos de benefícios mantidas em relações de dependência e de garan-
que projetos e financiamentos trariam para o país tia do funcionamento da economia internacional.
doador, poderíamos lembrar o acesso a insumos A ajuda prestada seria condicionada ao respeito
estratégicos (minério, produtos agrícolas, etc.), a de uma gramática mais ampla do capitalismo: não
obtenção de votos favoráveis no sistema multilate- nacionalizar empresas estrangeiras sem que se defi-
ral, a contenção de inimigos ideológicos (a exemplo nam medidas de compensação, não estabelecer re-
do comunismo durante a Guerra Fria), a promoção gras rígidas acerca da repatriação dos lucros das
de interesses ligados ao comércio exterior e investi- multinacionais, implementar políticas de ajustamen-
219
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
ções Internacionais. Por que e como o contexto do- que a República Federal da Alemanha, ao se tor-
méstico conta na compreensão das dinâmicas da CID? nar um importante doador a partir dos anos 1960,
Fundamentalmente porque a política exter- passou a exigir contrapartidas relativas à sua segu-
na e suas agendas de cooperação para o desenvol- rança nacional. Com base na doutrina Hallstein, o
vimento estão cada vez mais conectadas às demais governo federal alemão demandava (e isso perdu-
políticas públicas (domésticas). No Brasil e no rou até os anos 1980) que os países beneficiários
mundo, a política externa tem sido, em tempos de sua ajuda não reconhecessem a República De-
mais recentes, entendida e analisada à luz das pre- mocrática Alemã. Taiwan também fez esse mesmo
ferências e interesses de uma pluralidade de ato- jogo diplomático em relação à China, embora sua
res. Diplomatas e militares passaram a ter de se estratégia tenha se tornado muito menos eficiente
acostumar com a companhia, embora por vezes depois da visita de Nixon a Pequim e diante dos
tímida e nem sempre assídua, de burocratas do montantes investidos pelo governo chinês a partir
setor da saúde (ou da cultura, da educação, do dos anos 1990 no campo da cooperação para o
desenvolvimento agrário, etc.), de deputados e desenvolvimento.
senadores (e seus assessores legislativos), prefei- Desde os anos 1990, outras críticas têm sido
tos e governadores, operadores econômicos, líde- formuladas fora do campo das Relações Internaci-
220
Carlos R. S. Milani
onais. Embora não pretendamos, neste capítulo, a necessidade de diálogo com e entre os diferentes
abarcá-lo em toda a sua abrangência, o debate so- povos e o respeito a suas formas de racionalidade
bre o desenvolvimento tem sido retomado no con- (Rist, 1996; Said, 2007).
texto dos precários resultados sociais dos proces- Uma terceira visão, de linhagem crítica pós-
sos de globalização e dos impasses que surgem em moderna, adverte para a impossibilidade do cará-
todas as perspectivas (econômica, social, cultural, ter universal do desenvolvimento, fruto de uma
política e ambiental), o que coloca em xeque os utopia iluminista que acabou favorecendo os inte-
pressupostos e os instrumentos que vêm dando resses das classes dominantes. Nesse sentido, exis-
suporte à compreensão e à intervenção sobre a re- te hoje um movimento ascendente na Europa da
alidade do desenvolvimento (Dupas, 2006; escola pós-desenvolvimentista, segundo a qual,
Chesnais, 1994; Moraes, 2006; Sachs, 2005). O assim como o progresso, o desenvolvimento pode
“desenvolvimento” e o “progresso” prometidos trazer consequências sobre a vida e a liberdade dos
pelos discursos da CID mostraram-se limitados, homens, camuflando os interesses de diversos gru-
excludentes e perversos, tal como o ilustra o au- pos de poder que se beneficiam desse mesmo pro-
mento das desigualdades sócio-econômicas e da cesso. Defendem o pós-desenvolvimento e a pes-
exclusão social no plano mundial. Esse contexto quisa sobre modos de satisfação (épanouissement) e
expressa uma crise que resulta da inserção desi- felicidade coletivas que não busquem apenas o bem-
gual dos indivíduos, classes e grupos na socieda- estar material, responsável pela desestruturação do
de nacional e das nações no sistema internacional, meio ambiente e de uma boa parte das relações
bem como do não cumprimento das promessas sociais. Ressaltam assim, a natureza essencialmente
do desenvolvimento. plural do desenvolvimento que se desenharia de
Das diversas abordagens contemporâneas da forma sensivelmente diferente no Norte e no Sul
crise do desenvolvimento, quatro se destacam. A (Latouche, 2004; Escobar, 1994; Rist, 1996). Fi-
primeira interpretação da crise do desenvolvimen- nalmente, uma quarta abordagem diz respeito à
to emana daqueles que a associam ao modo capita- corrente crítica contra-hegemônica que assume os
lista de produção e à sua lógica de acumulação. desafios da construção dos valores universais em
Portanto, sua superação passa, necessariamente, novas bases. A falta de respostas às questões rela-
pela superação desse modo de produzir, distribuir cionadas com as desigualdades sociais e a conti-
e se apropriar tanto dos resultados da produção nuidade do tratamento das questões do desenvol-
221
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
É evidente que muitos dos pontos explora- efetividade, transparência e seletividade, revelan-
dos por essas abordagens se entrecruzam, como a do, assim, três tipos de ajuda internacional que,
questão ambiental e a retomada do debate sobre as segundo eles, poderiam ser consideradas menos
dimensões e as especificidades dos territórios. Se- efetivas: a ajuda ligada (“tied aid”), segundo a qual
gundo Cássio Hissa, embora a questão ambiental o beneficiário deve comprar bens ou serviços do
adquira perfil importante nos meios de comunica- país doador; a ajuda alimentar, pelos efeitos de
ção em geral, as abordagens dessa temática ainda substituição que provoca no setor produtivo local;
tendem a privilegiar o paradigma disciplinar, im- a assistência técnica, que pode acabar por engor-
pedindo ou, às vezes, dificultando a expressão das dar as contas bancárias dos consultores seleciona-
“vozes do mundo”, bem como de suas diversida- dos em detrimento das reais necessidades nacio-
des epistemológicas e ontológicas, desconsiderando, nais de desenvolvimento. Outro aspecto impor-
enfim, a diversidade de saberes onde a vida se tante por eles mencionado é a ausência de reação e
desenvolve (Hissa, 2008). Acrescenta-se a este olhar avaliação dos beneficiários às agências bilaterais e
a análise da ecologia política que combina uma multilaterais sobre os resultados e os impactos das
crítica ao desenvolvimento ambientalmente insus- práticas. As agências bilaterais mais transparen-
tentável com a necessidade de retomar o debate tes, segundo os autores, seriam as do Reino Uni-
sobre os conflitos distributivos (Martinez-Allier, do, Suécia e Estados Unidos, enquanto as menos
2007). A ecologia política parte do princípio de transparentes seriam as do Luxemburgo, Nova
que os problemas ambientais não afetam a todos Zelândia e Finlândia. Quanto às multilaterais mais
os indivíduos e grupos sociais uniformemente e transparentes, ressaltam a AID (do Grupo Banco
afirma que a concentração de riqueza é também o Mundial) e os três bancos regionais de desenvol-
resultado do controle sobre determinados recur- vimento para Ásia (BAfD), África (BAsD) e Améri-
sos ambientais (Milani, 2008b). ca Latina (BID). As multilaterais menos transpa-
Ainda deveríamos lembrar críticas de outra rentes seriam o UNFPA, o GEF, o BERD, a Comis-
natureza, desta vez apontadas por vários pesqui- são Europeia e o Nordic Development Fund (p.35).
sadores e intelectuais a partir de um olhar sobre Também revelam que os dez principais doadores
os procedimentos, as regras estabelecidas e a pró- (EUA, Japão, AID, Comissão Europeia, França,
pria realidade do “jogo interno” da cooperação para Reino Unido, Alemanha, Holanda, Suécia e Cana-
o desenvolvimento. Segundo Easterly e Pfutze dá) representam cerca de 79% do total da ajuda,
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
(2008), os dados estatísticos sobre as despesas de ao passo que as 20 menores agências correspondem
cada agência (bilateral e multilateral) são pouco a 6,5%. Ademais, alguns países têm duas agênci-
transparentes, principalmente quanto aos custos as responsáveis pela ajuda, a exemplo dos EUA e
administrativos (dos doadores e dos beneficiários) do Japão.12 No caso particular dos EUA, a frag-
e sobre como os fundos são gastos. Além disso, mentação é estimulada pela presença de mais de
há uma fragmentação dos esforços de cooperação 50 agências burocráticas diferentes. No caso de
internacional para o desenvolvimento: muitas pe- Luxemburgo (dados de 2004), o orçamento era de
quenas agências, alta setorialização nas dimensões 141 milhões de dólares repartidos entre 87 países
enfocadas e nos setores do desenvolvimento e, por
12
No estudo realizado pelos autores, as agências que me-
via de consequência, falta de coordenação. Um ter- lhor bem se classificaram no quesito financiamento a
ceiro aspecto analisado pelos autores diz respeito países de renda baixa foram o Nordic Development Fund
e o BAfD (constrangimento geográfico), e entre as bila-
ao direcionamento dos fundos para governos cor- terais se sobressaíram Luxemburgo e Reino Unido. As
que se saíram pior nesse quesito foram os EUA e a Grécia.
ruptos e por meio de canais institucionais pouco No que diz respeito à ajuda ligada, à ajuda alimentar e à
assistência técnica, entre as agências bilaterais, Irlanda,
efetivos. Com base nessas críticas, os autores pro- Noruega, Reino Unido, Portugal e Suíça se saíram muito
põem uma classificação de agências e práticas, bem, mas EUA, Grécia e Itália são os países que mais
usam esses tipos de ajuda internacional, consideradas
buscando expressar o que entendem por pouco efetivas pelos autores.
222
Carlos R. S. Milani
e 30 setores temáticos distintos, donde resultou desenvolvimento das comunidades locais e à luta
que 67 países e 15 setores receberam menos de contra a pobreza, esquecendo o fato de que a pro-
1% do total da ajuda (Brainard, 2007, p.40). Um moção da democracia de fora para dentro raramente
dos resultados desse processo de fragmentação é produz resultados conclusivos. Nesse sentido, al-
o excessivo número de missões de diagnóstico, guns autores apontam que aspectos imateriais e
monitoramento e avaliação realizadas pelas agên- sociopolíticos do desenvolvimento têm sido ex-
cias financiadoras: os 31 governos dos países mais cessivamente privilegiados pelos financiamentos
pobres (principalmente africanos) teriam recebido em detrimento de aspectos materiais e produtivos
10.837 missões de assistência técnica no ano de (Etienne, 2007). Por exemplo, a AOD destinada à
2005 (Etienne, 2007, p.897). agricultura foi reduzida em 50% entre 1986 e 1991,
Outro aspecto mencionado na literatura é a e em 30% entre 1996 e 2001 (p.899). Sob a presi-
heterogeneidade dos fluxos financeiros da CID, que dência de James Wolfensohn, o Banco Mundial
dificulta a avaliação de sua efetividade. Tipos dife- teve de ceder às pressões de diferentes ONG
rentes de ajuda externa têm, de maneira muito ambientalistas e cessou de financiar projetos de
improvável, efeitos econômicos semelhantes. A grandes barragens, usinas hidrelétricas e projetos
comparação entre países-doadores torna-se difícil de irrigação (p.900).
pelo fato de que os montantes não são desagrega- Não menos importante é o fato de que os
dos (por setores, por países), ou o são muito rara- Estados doadores podem não cumprir suas obri-
mente: por exemplo, a luta contra a expansão do gações, sem que isso implique quaisquer sanções:
HIV/AIDS influenciou diretamente a alocação de não atingem a meta dos 0,7% do PIB destinados à
recursos, mas o mesmo não ocorreu com a educa- CID, podem promover a redução dos montantes
ção primária. Isso significa que não basta fazer pro- alocados, realizar mudanças em termos de priori-
messas e assumir compromissos de aumentos da dades, etc. Como lembra Dominguez (2011), os
ajuda externa, haja vista que o fundamental seria Estados doadores não respeitam seus compromis-
definir focos em setores e regiões (Mavrotas; sos, apesar das penalidades defendidas pela Co-
Nunnenkamp, 2007, p.591). Focar em educação missão Brandt, em 1980; persistem em associar
primária faz sentido para países de renda baixa, interesses políticos e comerciais à ajuda prestada
mas não parece constituir prioridade para (por exemplo, cerca de 30% da CID, descontada a
beneficiários de renda média e em estágio mais cooperação técnica, permanece “ligada” à compra
223
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
cados de maneira universal. Esses dois princípios com as mudanças na ordem internacional e a “emer-
partem do pressuposto de neutralidade do desen- gência” de novos Estados promotores da bandeira
volvimento e da ciência e de que o avanço da CSS, parece impor-se um olhar mais cuidado-
tecnológico traria necessariamente o progresso para so, analítico e empírico sobre essa realidade da
todos. A “crença” na neutralidade da ciência e na cooperação. O que mudaria com a Cooperação Sul-
“universalidade” dos indicadores de desenvolvi- Sul nas relações econômicas, políticas e culturais
mento continua a orientar a elaboração de políti- entre Estados e sociedades em desenvolvimento?
cas de desenvolvimento tanto no Norte como no Quais seriam as tendências atuais dessa agenda
Sul. Desconsidera-se a existência de valores soci- Sul-Sul de cooperação para o desenvolvimento no
ais e interesses econômicos implícitos na produ- caso dos seis países selecionados?
ção do conhecimento científico e tecnológico, bem
como, as consequências de sua aplicação em con-
textos histórico-culturais específicos. Deixa-se de COOPERAÇÃO SUL-SUL E POLÍTICA EXTER-
lado, entretanto, a contribuição dos estudos soci- NA EM PERSPECTIVA COMPARADA: propos-
ais da ciência na definição de estratégias de desen- ta de uma agenda de pesquisas
volvimento (Latour, 2004). Permeia essa visão a
concepção de que a produção “científica” do co- As agendas de política externa de vários
nhecimento leva sempre à eficiência e nega a im- países em desenvolvimento integram, hoje, estra-
portância de outras formas de conhecimento e sa- tégias de cooperação sul-sul (CSS) por intermédio
beres construídos ao longo da história, por dife- de alianças forjadas no seio de organizações mul-
rentes sociedades. tilaterais (comerciais, financeiras, de segurança), de
A partir de reflexões críticas acerca desses espaços regionais de integração, mas igualmente por
“mitos universais”, alguns estudiosos avançam na meio de projetos de financiamento e cooperação téc-
construção de novos princípios e conceitos que nica em áreas desde a saúde pública, educação fun-
discutem e desconstroem antigas verdades cientí- damental e não formal, intercâmbio universitário,
ficas, baseadas no modelo cartesiano-newtoniano, meio ambiente, desenvolvimento agrícola, coopera-
e buscam dar conta da intrínseca interconectividade ção tecnológica e desenvolvimento científico, ges-
das relações da sociedade com a natureza e da com- tão pública, até projetos de desenvolvimento pro-
plexidade dos processos de desenvolvimento dutivo, industrial e de infraestruturas. Tais países
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
(Hissa, 2008; Nicolescu, 2001; Morin, 1999). Es- são considerados potências emergentes (África do
ses autores realizam um esforço de crítica Sul, Brasil, China, Índia, México ou Turquia), mas
epistemológica e buscam construir novas bases do também são chamados “new powers” (Narlikar,
conhecimento que valorizam o diálogo entre as 2010), “grandes países periféricos” (Dupas, 1998)
diversas áreas do, visando a integrar o que foi frag- ou “rising states” (Alexandroff; Cooper, 2010). To-
mentado e a tornar complexo o que foi simplifica- dos são países de renda média que começam a
do, entre outros, pela retórica da CID. tornar qualitativamente mais densa a sua partici-
Muitas dessas interpretações e leituras crí- pação no sistema de cooperação internacional para
ticas foram construídas com base nos efeitos e nas o desenvolvimento, não mais apenas enquanto
promessas não cumpridas da experiência históri- beneficiários, mas também como doadores (Hirst,
ca da CNS, inclusive por intelectuais e pesquisa- 2009). Atuam em parceria com outros países em
dores oriundos dos próprios países em desenvol- desenvolvimento de diferentes regiões do mundo,
vimento – os quais têm apontado que desenvolvi- podendo agir por meio da cooperação bilateral (o
mento e subdesenvolvimento seriam, de fato, as que os torna mais diretamente capazes de contro-
duas faces de um mesmo processo global e histó- lar a agenda) ou da cooperação multilateral (junto
rico de desenvolvimento do capitalismo. Agora, a bancos de desenvolvimento ou fundos criados
224
Carlos R. S. Milani
para esse fim), como esquematiza o Quadro 3. Se- Community, UNASUL/União das nações sul-ame-
gundo dados de 2011, a cooperação desenvolvida ricanas, Fórum IBAS, grupo BRICS, Shanghai
por países não membros da OCDE ainda é peque- Cooperation Organization, G-20). É evidente que
na relativamente aos principais doadores (Estados os países selecionados apresentam diferenças em
Unidos, Japão, Alemanha, França), porém repre- termos de desenho institucional de suas políticas
sentou cerca de 9,3 bilhões de dólares (US) em de CSS, de comportamento multilateral, tamanho
2009, ou seja, 6,4% do total dos fluxos de coope- de suas respectivas economias, inserção regional,
ração pública, sendo que alguns deles, a exemplo modelo produtivo e de desenvolvimento, assim
da Arábia Saudita (3,2 bilhões de USD) e da China como de suas respectivas políticas domésticas, em
(1,9 bilhões de USD), superaram doadores tradici- alguns casos mais pluralistas do que em outros.
onais que são membros do Comitê de Ajuda para Por conseguinte, torna-se cada vez mais relevante
o Desenvolvimento (OCDE, 2011). pensar em perspectiva comparada, tanto teórica
Além disso, a relevância adquirida pela CSS quanto empiricamente, essa realidade da política
nas políticas externas desses países é concomitante externa de algumas potências emergentes, e isso
ao papel que passam a desempenhar na agenda em função (i) da dupla inserção que possuem nas
política e econômica internacional, particularmente agendas de cooperação para o desenvolvimento
nos processos de reforma da governança global (Ban- enquanto beneficiários e doadores; (ii) da constru-
co Mundial, FMI, OMC, G-20 financeiro) e de ção (ou relevância maior atribuída a essa agenda)
reconfiguração de alianças regionais e coalizões inter- de uma diplomacia da cooperação sul-sul, por meio
regionais (SADC/Southern African Development de discursos, instituições, projetos, montantes a
Quadro 3: Síntese das políticas de CSS (países selecionados)
Temas! Va lor Agência responsável e data Foco geográfico Temas prioritários Ênfase:
estimado (US) de criação Multilateral
Países Bilateral
África do 143 mi. (2010) South African Development África. Processos de paz e M>B
Sul Partnership Agency (2012), construção da
sob o Ministério de Relações democracia
Internacionais e Cooperação.
Brasil Entre 400 mi. Agência Brasileira de América Latina, Saúde, agricultura, M>B (mas
e 1,2 bi Cooperação (ABC, 1987), África e CPLP. educação, gestão B" )
(2010) sob o MRE/Itamaraty. pública
Fontes: Compilação a partir de dados de AMEXID (www.amexcid.gob.mx); Ayala e Perez (2009); GHSi (2012); IPEA/ABC (2010); Latt
(2011); OCDE (www.oecd.org/dac); German Development Institute website; TIKA website.
* Dados disponíveis somente para cooperação técnica.
225
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
partir dos anos 1990/2000; (iii) da relevância es- debate sobre a CSS nas agendas da política exter-
tratégica desses países na geopolítica regional e glo- na, reafirma-se a noção de que as decisões sobre
bal; (iv) do legado histórico em termos de participa- concepção e implementação das políticas são obje-
ção, entre os anos 1950 e 1970, nos debates sobre as to da barganha entre atores institucionais e não
relações centro-periferia, não alinhamento, terceiro governamentais no plano doméstico. A política
mundo e nova ordem econômica internacional; e (v) burocrática (Allison, 1971) e a legitimação das agen-
das semelhanças e diferenças que apresentam para das e atores da CSS (Pinheiro; Milani, 2012) são
fins de uma démarche comparativa (Beasley et al, modelos analíticos que permitem entender, no pla-
2002), conforme esboçamos no Quadro 3. no doméstico, como e por que são tomadas deci-
É importante ressaltar que pensar a CSS no sões sobre CSS. Finalmente, ao analisar a CSS
âmbito das respectivas políticas externas desses desses países à luz de seus respectivos interesses
países já aponta para uma segunda opção de natu- de política externa, afastamos pressupostos mais
reza teórica e metodológica: as estratégias de CSS idealistas sobre as motivações dos agentes, o que
não são dissociadas das decisões relativas à inser- não significa, evidentemente, que suas estratégias
ção internacional desses Estados (projeção de po- de cooperação não possam adotar e desenvolver
der político) e à internacionalização de seus res- critérios, normas ou, inclusive, responder a de-
pectivos capitalismos no cenário geopolítico e eco- mandas de controles democráticos (prestação de
nômico (projeção de poder econômico regional e contas, transparência) quanto a seus modos de
global). No caso da África do Sul, por exemplo, a funcionamento, sempre dependendo, no entanto,
cooperação bilateral é canalizada principalmente da trajetória das relações entre Estado e sociedade
pelo Fundo African Renassaince (cerca de 40 mi- em cada contexto analisado.
lhões de USD em 2008) e aproximadamente 70% Historicamente, não seria tarefa simples es-
se destina aos países da SADC. No caso da China, tabelecer com precisão as origens da CSS, haja vista
sua política de CSS incluiu, em 2009, doações (cer- a variedade de projetos, modalidades de ação e
ca de 41%), empréstimos sem juros (30% do total) ênfases de cada país. De todas as formas, acredita-
e empréstimos subsidiados (29%), sendo que 63% mos que qualquer esforço nesse sentido deve apon-
de sua cooperação se dirigiu a países de baixa ren- tar para os anos 1950, mais concretamente em 1955
da localizados majoritariamente na África (45,7% com a realização da I Conferência de Países da Ásia
dos financiamentos), Ásia (32,8%) e América Lati- e da África em Bandung (Indonésia), como ponto
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
na (12,7%), de acordo com as prioridades chine- central e marco histórico relevante para o desen-
sas em matéria energética e alimentar. A coopera- volvimento posterior dessa forma de cooperação
ção econômica indiana, coordenada pelo Departa- entre países em desenvolvimento. A questão cen-
mento de Assuntos Econômicos do Ministério das tral discutida em Bandung visava a influenciar as
Finanças, é primordialmente canalizada a países mentalidades das elites dirigentes nos países do
de seu entorno regional e, em segundo lugar, à Terceiro Mundo, muitos deles recentemente eman-
África. A cooperação técnica indiana, coordenada cipados, no sentido de deixar de lado suas dife-
pela Divisão de Cooperação Técnica e Econômica renças em prol de uma plataforma comum de de-
do MRE, segue o mesmo padrão em termos de núncia das calamidades do colonialismo. São os
orientação geográfica (Zimmermann; Smith, 2011). primeiros passos da cooperação política entre pa-
Existem, portanto, fatores sistêmicos globais íses com características semelhantes, inseridos na
e regionais (geopolíticos, econômicos, relativos à periferia do sistema internacional. Além disso, tam-
experiência multilateral de cada um desses países) bém decorreram desses primeiros passos algumas
que explicam as prioridades das agendas de CSS posturas diplomáticas e geopolíticas de distância
dos países mencionados, mas há igualmente uma equilibrada em relação às duas superpotências. A
dimensão doméstica a ser lembrada. Ao inserir o “inspiração” para o movimento dos não alinhados
226
Carlos R. S. Milani
surgiu em Bandung, sendo que a fundação do MNA países do Sul podem (e devem, vão afirmar alguns
se deu somente em 1961, durante a Conferência discursos de política externa) cooperar com ou-
de Belgrado. tros países do Sul.13 A CSS afirma e busca intro-
Haveria, evidentemente, alguns eventos duzir uma nova visão do desenvolvimento econô-
importantes que poderiam ser lembrados como mico dos países em desenvolvimento (quanto ao
marcos relevantes na história da CSS, por exem- papel do Estado, em matéria de alianças entre pa-
plo: a Primeira Conferência das Nações Unidas íses do Sul, quanto ao principio da não interven-
sobre Comércio e Desenvolvimento (1964); a cria- ção, à defesa da horizontalidade dos programas de
ção do G-77 nas Nações Unidas e a Nova Ordem cooperação, etc.) e garantir uma inserção interna-
Econômica Internacional; a Conferência de Buenos cional diferenciada de alguns países do Sul no
Aires e seu Plano de Ação sobre Cooperação Téc- diálogo com os países desenvolvidos (Chisholm,
nica entre Países em Desenvolvimento (1978); a L.; Steiner-Khamsi, 2009). Boa parte do argumen-
instalaçao, em 1992, da agência turca de coopera- to político que sustenta a CSS se fundamenta no
ção e desenvolvimento (TIKA); o reestabelecimento, pressuposto de que países em desenvolvimento
com a mudança terminológica, da Unidade de podem e devem cooperar a fim de resolver os seus
Cooperação Sul-Sul no âmbito do Programa das próprios problemas políticos, econômicos e soci-
Nações Unidas para o Desenvolvimento (1996); a ais com base em identidades compartilhadas (ex-
celebração do Primeiro Fórum de Cooperação Chi- colônias, status econômico, experiência histórica,
na-África em Beijing (2000); o Fórum Índia-Brasil- etc.), esforços comuns, interdependência e reci-
África do Sul (IBAS) em 2003; a celebração do ano procidade. Como argumenta Bruno Ayllón Pino
da África para a cooperação turca em 2005; o lan- (2011, p.274), a CSS destaca-se como fenômeno
çamento pelo Brasil de seu primeiro relatório, pre- internacional que atua em duas dimensões,
parado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA) e pela Agência Brasileira de Co- uma dimensão política que contempla uma mo-
dalidade de cooperação entre países que que-
operação (ABC), sobre cooperação para o desen- rem reforçar suas relações bilaterais e coligar-se
volvimento (2010); a fundação da Agência Mexi- multilateralmente para ganhar poder negocia-
dor nos temas e agenda global. A outra dimensão
cana de Desenvolvimento e Cooperação (AMEXID)
mais técnica em que dois ou mais países adqui-
em 2011; o lançamento, em 2012, do Programa de rem capacidades individuais e coletivas através
Cooperação Técnica Descentralizada Sul-Sul do de intercâmbios cooperativos em conhecimen-
227
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
a cooperação técnica como aquela que “constitui ceito de ajuda oficial para o desenvolvimento (AOD)
importante instrumento de desenvolvimento, au- da OCDE, uma vez que salientam poderem ser cha-
xiliando um país a promover mudanças estrutu- madas de cooperação somente as atividades cujos
rais nos seus sistemas produtivos, como forma de recursos são investidos a fundo perdido e não com,
superar restrições que tolhem seu natural cresci- pelo menos, 25% de concessão (sem necessidade
mento. Os programas implementados sob sua égide de retorno), como define o CAD da OCDE.
permitem transferir conhecimentos, experiências
de sucesso e sofisticados equipamentos, contribu-
indo assim para capacitar recursos humanos e for- CONSIDERAÇÕES FINAIS
talecer instituições do país receptor, para possibi-
litar-lhe salto qualitativo de caráter duradouro”.14 Como os seis países selecionados concebem
Segundo o IPEA (2010, p.17), a cooperação inter- e implementam suas políticas externas de CSS?
nacional para o desenvolvimento seria Por meio dessas políticas, assumem liderança re-
gional e os eventuais custos dessa liderança? Com-
a totalidade de recursos investidos pelo governo partilham poder decisório com outros países em
federal brasileiro, totalmente a fundo perdido,
no governo de outros países, em nacionais de desenvolvimento no seio de estruturas multilate-
outros países em território brasileiro, ou em or- rais? O que aprenderam a partir das práticas mais
ganizações internacionais com o propósito de con-
tradicionais da CNS? Qual é a experiência acumu-
tribuir para o desenvolvimento internacional, en-
tendido como o fortalecimento das capacidades lada no campo da CSS nos seis países seleciona-
de organizações internacionais e de grupos ou dos? Com base em que desenhos institucionais
populações de outros países para a melhoria de
suas condições socioeconômicas. concebem e implementam essa agenda? Quais se-
riam as áreas temáticas (cooperação técnica, saú-
Ambas as agências ressaltam a importância de, educação, segurança pública, meio ambiente)
estratégica que a CSS tem assumido nas agendas da e regiões prioritárias (África, América Latina)?
política externa brasileira, e se distanciam do con- Quais seriam as contradições entre interesses pú-
Como os países Perfil da política externa Dimensão histórica (variável contextual e formativa): como as
selecionados concebem de CSS dos seis países estratégias de CSS foram integradas às agendas de política externa?
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
e implementam suas selecionados na ordem Qual é a experiência de cada país em termos de CNS?
políticas externas de pós-1989: África do Sul, (história diplomática e história da política externa, autonomia política
CSS? Brasil, China, Índia, e construção de coalizões, experiência multilateral).
México e Turquia
Por meio de suas
políticas de CSS, Dimensão geopolítica (variável contextual e constitutiva): quais são as
Natureza da cooperação: motivações econômicas e os fundamentos geopolíticos para as políticas
assumem liderança doação, empréstimo,
regional, aceitam pagar de CSS?
cooperação técnica; (relação com a segurança coletiva regional e global, relação com
custos dessa liderança e montantes investidos;
compartilham decisão processos de integração regional, com o comércio, acesso a mercados e
setores e políticas os investimentos públicos, relação com a internacionalização das
com outros países em públicas; ênfase em
desenvolvimento? empresas de cada país selecionado)
cooperação multilateral
ou bilateral Dimensão institucional (variável independente): existe uma agência
Desafiam ou colocam em
xeque o sistema responsável pela cooperação sul-sul?
tradicional da CNS? (aparato institucional, processo decisório, política burocrática,
Normas da cooperação: ministérios e agências, entidades subnacionais, aspectos da liderança)
padrões, valores e
O que aprenderam a conceitos propostos pela
partir das práticas mais política de CSS; estudo Dimensão da política doméstica (variável independente): quais são os
tradicionais da CNS? principais atores e agendas das políticas de CSS?
de projetos
(legitimação social, atores não institucionais, opinião pública)
emblemáticos
Fonte: elaboração própria.
14
Disponível em http://www.abc.gov.br/ct/introducao.asp.
Acesso em 08 de janeiro de 2012.
228
Carlos R. S. Milani
Tais questionamentos integram a nossa atual agen- ETIENNE, Gilbert. Les dérives de la coopération Nord-
Sud, vers la fin des chimères ? Politique Etrangère, Paris,
da de pesquisa, por meio da qual visamos a pro- Institut Français des Relations Internationales, n.4, p.891-
904, 2007.
duzir resultados que nos permitam um conheci-
GHSi. Global Health Strategies initiatives Shifting
mento mais aprofundado e comparativo da reali- paradigm: how the BRICS are reshaping global health
and development. 2012. Disponível em: http://
dade da CSS (vide Quadro 4). ghsinitiatives.org/downloads/ghsi_ brics_report.pdf.
GOTTSBACHER, M.; LUCATELLO, S. (Org.) Reflexiones
sobre la ética y la cooperación internacional para el
desarrollo: los retos del siglo XXI. México D. F.: Instituto
(Recebido para publicação em 07 de abril de 2012) Mora, 2008.
(Aceito em 09 de julho de 2012)
HALLIDAY, F. Repensando as relações internacionais.
Porto Alegre: UFRGS, 2007.
HARVEY, D. A brief history of neoliberalism. Chicago:
University of Chicago; Center for International Studies,
REFERÊNCIAS 2005.
HAYTER, Teresa. Aid as imperialism. Londres: Penguin
ALEXANDROFF, A. S.; COOPER, A. F. (Org.) Rising states, Books, 1971.
rising institutions: challenges for global governance. Wa-
shington, D. C.: Brookings Institution Press, 2010. HIRST, M. Países de renda média e a cooperação Sul-Sul:
entre o conceitual e o político. In: LIMA, M. R. S.; HIRST,
ALLISON, Graham. The essence of decision: explaining M. (Org.). Brasil, Índia e África do Sul: desafios e oportu-
the Cuban missile crisis. Boston: Little Brown, 1971. nidades para novas parcerias. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
AMIN, Samir. O desenvolvimento desigual: ensaio sobre HISSA, Cássio E. V. Saberes ambientais: desafios do co-
as formações sociais do capitalismo periférico. Rio de Ja- nhecimento disciplinar. Belo Horizonte: Ed. da UFMG,
neiro: Forense Universitária, 1976. 2008.
AYALA, Citlali; PEREZ, Jorge A. (Org.) México y los paí- HUNTINGTON, Samuel P. Foreign Aid for What and for
ses de renta media en la cooperación para el desarrollo: ¿ Whom. Foreign Policy, n. 1, 1970 (inverno de 1970-1971),
Hacia dónde vamos? México: Instituto Mora, 2009. p. 161-189.
BEASLEY, R.; KAARBO, J.; LANTIS, J.; SNARR, Michael IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. ABC.
T. (Org.) Foreign policy in comparative perspective: Agência Brasileira de Cooperação Cooperação brasileira
domestic and international influences on state behavior. para o desenvolvimento internacional 2005-2009. Brasília:
Washington: CQ Press, 2002. 2010.
BRAINARD, Lael. Organizing US Foreign Assistance to KAUL, I.; CONCEIÇÃO, P.; LE GOULVEN, K.; MENDOZA,
meet 21st century challenges. In: LAEL, Brainard (Org.) R. U. (Org.). Providing global public goods: managing
Security by other means: foreign assistance, global poverty, globalization. Oxford/New York: Oxford University Press;
and American leadership. Washington D.C.: The PNUD, 2003.
Brookings Institution Press, 2007. cap. 2.
229
APRENDENDO COM A HISTÓRIA ...
LATOUR, B. Politiques de la nature: comment faire entrer OLUTAYO, A. O.; OLUTAYO, M. A. O.; OMOBOWALE,
les sciences en démocratie. Paris: Découverte; Poche, 2004. A. O. ‘TINA’, AIDS, and the underdevelopment problem
in Africa. Revista de Economia Política, Rio de Janeiro,
LATT, J. Mexico as an emerging donor. EDC 2020, 7th v.28, n.2, p.239-248, abr./jun. 2008
Framework Programme, 2011. Disponível em: http://
www.edc2020.eu/fileadmin/publications/EDC2020_- PANKAJ, A. K. Revisiting foreign Aid theories.
_ Po l i c y _ B r i e f _ N o _ 1 8 _ - _ M exico_as_an International Studies, v.42, n.2, p.103-121,. 2005.
__Emerging_Donor_.pdf
PINHEIRO, L.; MILANI, Carlos R. S. Política externa bra-
LIMA, M. Regina Soares de. Instituições democráticas e sileira: as práticas da política e a política das práticas. Rio
política exterior. Contexto Internacional, [S.l.], v.22, n.2, de Janeiro: Editora da FGV, 2012.
jul./dez. p.265-303, 2000.
PINO, B. Ayllón. Agentes transformadores da cooperação
LUMSDAINE, D. H. Moral vision in international politics, para o desenvolvimento: poderes emergentes e Coopera-
the foreign aid regime 1949-1989. Princeton: Princeton ção Sul-Sul. Relaciones Internacionales (La Plata), v.40,
University Press, 1993. p.99-119, 2011.
MARTINEZ-ALLIER, J. O ecologismo dos pobres. São RIST, G. Le développement: histoire d’une croyance
Paulo: Editora Contexto, 2007. occidentale. Paris: Presses de Sciences Po, 1996.
MAVROTAS, G.; NUNNENKAMP, P. Foreign aid ROBINSON, J. La posibilidad de cooperación. In:
heterogeneity: issues and agenda. Review of World GOTTSBACHER, M.; LUCATELLO, S. (Org.). Reflexiones
Economics, v.143, n.4, dez. p.585-595, 2007. sobre la ética y la cooperación internacional para el
desarrollo: los retos del siglo XXI. Cidade do México: Ins-
MILANI, Carlos R. S. Ecologia política, movimentos tituto Mora, 2008. p. 68-91.
ambientalistas e contestação transnacional na América
Latina. Caderno CRH: Centro de Recursos Humanos da SACHS, I. Desenvolvimento e cultura. Desenvolvimen-
UFBA, Salvador, v.21, n.53, p. 287-301, 2008. to da cultura. Cultura do desenvolvimento. Organização
e Sociedade, Salvador, Escola de Administração da UFBA,
MOLNAR, M. Marx, Engels et la politique internationale. v.12, n. 33, 2005.
Paris: Gallimard (Idées),1975.
SAID, E. W. Orientalismo: o oriente como invenção do
MORAES, R. C. Estado, desenvolvimento e globalização. ocidente. São Paulo: Companhia da Letras, 2007.
São Paulo: UNESP, 2006.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed.
MORGENTHAU, H. A Political Theory of Foreign Aid. Record, 2001.
American Political Science Review, v.56, n.2, jun. p.301-
309, 1962. SEVERINO, J.-M.; RAY, O. The end of ODA: death and
birth of a global public policy. Working Paper Series, [S.l.],
MORIN, E. Por uma reforma do pensamento. In: PENA- Center for Global Development, n.167, mar. 2009, 28 p.
VEGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. O pen- Disponível em: www.cgdev.org
sar complexo. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 21-34.
SOUSA SANTOS, B.; MENESES, M. P. (Org.).
MOYO, D. L’Aide fatale. Paris: JC Lattès, 2009. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
MYRDAL G. Asian drama: an inquiry into the poverty of STOKKE, O. (Org.). Western middle powers and global
nations. New York: Pantheon, 1968. poverty: the determinants of aid policies of Canada,
NARLIKAR, A. New powers: how to become one and Denmark, the Netherlands, Norway and Sweden. Uppsala:
how to manage them. New York: Columbia, 2010. Scandinavian Institute of African Studies (em coopera-
ção com o Norwegian Institute of International Affairs/
NELSON, J. Aid influence and foreign policy. New York: Oslo), 1989.
The Macmillan Company, 1968.
ZIMMERMANN, F.; SMITH, K. More Money, More Actors,
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. More Ideas for Development Co-operation. Journal of
São Paulo: Ed. Triom, 2001. International Development, v.23, n.5, 2011. Doi: 10.1002/
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012
jid.1795.
OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômicos. Development co-operation report 2011. Pa-
ris: 2011.
230
Carlos R. S. Milani
LEARNING WITH HISTORY: critique to the L’HISTOIRE NOUS ENSEIGNE: les critiques
experience of the North-South Cooperation and de l’experience de cooperation Nord-Sud et les
present challenges to the South-South defis actuels de la cooperation Sud-Sud
Cooperation
231