Você está na página 1de 154

Parte 1

Conjuntos finitos, enumeráveis e


não-enumeráveis Georg Ferdinand Ludwig
Philipp Cantor
(1845-1818) Rússia.

Para saber mais sobre os núme-

A descoberta de que há diversos tipos de infinito deve-se a Georg ros cardinais, consulte:

Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, será necessário distin-


Halmos, Paul R., Teoria Ingénua
guir os conjuntos, quanto ao número de elementos, apenas em três ca- dos Conjuntos, Editora Polı́gono,
São Paulo, 1970.
tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeráveis e os conjuntos
não-enumeráveis.
A noção de conjunto enumerável, como veremos, está estritamente
ligada ao conjunto N dos números naturais. Por isso iniciamos o curso
com uma breve apresentação da teoria dos números naturais a partir dos
axiomas de Peano, que exibem os números naturais como números ordi-
nais, isto é, objetos que ocupam lugares determinados numa sequência
ordenada. Depois, empregaremos os números naturais para a contagem
Giuseppe Peano
dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como (1858-1932) Itália.
números cardinais.
Dedekind definiu o conjunto N dos números naturais a partir da teoria
dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos.
É apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem
e tudo o mais decorre daı́. Não interessa o que os números são, mas
apenas as suas propriedades.
Julius Wihelm
Richard Dedekind
(1831-1916) Braunschweig,
hoje Alemanha.

Instituto de Matemática - UFF 1


Os números naturais

1. Os números naturais

Toda a teoria dos números naturais pode ser deduzida dos três axi-
omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.
São dados, como objetos não-definidos, um conjunto, que se de-
signa pela letra N, cujos elementos são chamados números naturais, e
uma função s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o número natural s(n) é
chamado o sucessor de n.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
(I) s : N −→ N é injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), então m = n.
(II) N − s(N) consiste de um único elemento, ou seja, existe um
único número natural que não é sucessor de outro número natural. Este
número, chamado um, é representado pelo sı́mbolo 1.
Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um único m ∈ N
tal que s(m) = n.
Uma demonstração na qual o axi-
(III) (Princı́pio de Indução) Se X ⊂ N é tal que 1 ∈ X e, para todo oma (III) é empregado, chama-se
uma demonstração por indução.
n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, então X = N. Ver exemplo 1.1.

Exemplo 1.1 Demonstrar por indução que s(n) 6= n para todo n ∈ N.


Solução: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .
(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular
s(1) 6= 1.
(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.
Como s é injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto é, s(n) ∈ X.
Então, pelo princı́pio de indução, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n
para todo n ∈ N. 

Não menos importante do que de-


As definições por indução baseiam-se na possibilidade de se iterar monstrar proposições usando o
princı́pio de indução é saber de-
uma função f : X −→ X um número arbitrário, n, de vezes. finir objetos por indução.

Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma função.


A cada n ∈ N podemos associar, de modo único, uma função fn : X −→ X
tal que:

Instituto de Matemática - UFF 3


Análise na Reta

Numa exposição sistemática da f1 = f e fs(n) = f ◦ fn .


teoria dos números naturais, a
existência do n−ésimo iterado fn Usando as iteradas da função s : N −→ N vamos definir por indução
de uma função f : X −→ X é
um teorema, chamado Teorema
a adição de números naturais.
da Definição por Indução.

Definição 1.1 Sejam m, n ∈ N. O número natural sn (m) é chamado a


A operação de adição de
soma de m e n e é designado por m + n. Isto é,
números naturais é uma função
que a cada par de números m + n = sn (m) .
naturais (m, n) ∈ N × N faz
corresponder o número natu- A operação que consiste em somar números naturais é denominada adição,
ral sn (m) designado m + n e
chamado a soma de m e n. e é designada pelo sı́mbolo +.
Isto é,
+:N×N −→ N Assim,
(m, n) 7−→ m + n = sn (m)
• m + 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).

• m + s(n) = ss(n) (m) = s(sn (m)) = s(m + n),


ou seja,
m + (n + 1) = (m + n) + 1 .

Proposição 1.1 A adição de números naturais possui as seguintes pro-


priedades:
(a) Associatividade: m + (n + p) = (m + n) + p .
(b) Comutatividade: m + n = n + m .
(c) Tricotomia: dados m, n ∈ N, exatamente uma das seguintes três alter-
nativas ocorre: ou m = n , ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe
q ∈ N tal que n = m + q.
(d) Lei de cancelamento: m + n = m + p =⇒ n = p .

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N números naturais arbitrários e seja
X = {p ∈ N | m + (n + p) = (m + n) + p} .
Então 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que
m + (n + s(p)) = m + s(n + p) = s(m + (n + p)) = s((m + n) + p)
= (m + n) + s(p) .

Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,


quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

4 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

(b) • Seja X = {m ∈ N | m + 1 = 1 + m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se


1 + s(m) = s(1 + m) = s(m + 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,
ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto é, m + 1 = 1 + m, qualquer que seja
m ∈ N.
• Seja Y = {m ∈ N | m + n = n + m}, onde n ∈ N.
Então, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que
n + s(m) = s(n + m) = s(m + n) = m + s(n)
= m + (n + 1) = m + (1 + n) = (m + 1) + n
= s(m) + n ,

ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, m + n = n + m quaisquer que


sejam m, n ∈ N.
(c) Seja m ∈ N e seja
X = {n ∈ N | n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .
(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m é o sucessor de
algum número n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que
1 + n0 = n0 + 1 = s(n0 ) = m .
(2) Seja n ∈ X. Então, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou
existe q ∈ N tal que m = n + q.
Vamos provar que s(n) ∈ X.
De fato,
• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m + 1 .
• se n = m + p =⇒ s(n) = s(m + p) = (m + p) + 1 = m + (p + 1) .
• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,
s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.
Logo,
m = n + q = n + (q0 + 1) = n + (1 + q0 ) = (n + 1) + q0 = s(n) + q0 .
Exercı́cio 1: Para provar que vale
Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que exatamente uma das três alterna-
tivas ao lado, verifique antes que
s(n) = m + r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `. n + p 6= n quaisquer que sejam
n, p ∈ N.
Logo, X = N, ou seja, dados m, n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe
p ∈ N tal que m = n + p, ou existe q ∈ N tal que n = m + q.

Instituto de Matemática - UFF 5


Análise na Reta

(d) Sejam m, n, p ∈ N tais que m + n = m + p.


Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal
que n = p + q, ou existe ` ∈ N tal que p = n + `.
Então, se p 6= n, temos que:
• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que é
uma contradição (ver o exercı́cio 1 acima).
ou
• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que é também uma
contradição.
Logo, p = n. 

A relação de ordem no conjunto dos números naturais é definida em


termos da adição.

Definição 1.2 Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor do que n (ou


A notação m ≤ n significa que m
que n é maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir
é menor do que ou igual a n.
p ∈ N tal que n = m + p.

Proposição 1.2 A relação < possui as seguintes propriedades:


(a) Transitividade: se m < n e n < p, então m < p.
(b) Tricotomia: dados m, n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas
seguintes:
m = n, ou m < n, ou n < m.
(c) Monotonicidade: se m < n então m + p < n + p para todo p ∈ N.

Prova.
(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1
e p = n + q2 .
Logo,
p = n + q2 = (m + q1 ) + q2 = m + (q1 + q2 ).
Então, m < p.
(b) Sejam m, n ∈ N. Então, ocorre exatamente uma das seguintes alter-
nativas:

6 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

• ou m = n;
• ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou seja n < m;
• ou existe q ∈ N tal que n = m + q, ou seja m < n.
(c) Sejam m, n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m + q.
Logo,
n + p = (m + q) + p = m + (q + p) = m + (p + q) = (m + p) + q ,
ou seja, m + p < n + p. 

Definiremos, agora, a multiplicação de números naturais.

Definição 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a função definida por A operação de multiplicação é
a função que a cada par de
fm : N −→ N números naturais associa o seu
p 7−→ fm (p) = p + m . produto:
·:N×N −→ N
O produto de dois números naturais é definido por: (m, n) 7−→ m·n
Multiplicar dois números naturais
• m · 1 = m, significa calcular o produto entre
eles.
• m · (n + 1) = (fm )n (m) . O produto de m e n é designado
por m · n ou por m n.
Assim, multiplicar um número m por 1 não o altera, e multiplicar m
por um número maior que 1, ou seja, por um número da forma n + 1, é
iterar n−vezes a operação de somar m, começando com m.
Por exemplo:
m · 2 = fm (m) = m + m;

m · 3 = (fm )2 (m) = fm (fm (m)) = fm (m + m) = m + m + m.

Observação 1.1 Pela definição acima, temos que


m · (n + 1) = m · n + m , ∀ m, n ∈ N
De fato, se n = 1, então
m · n + m = m · 1 + m = m + m = (fm )1 (m) = m · (1 + 1) .
Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0 ) = n. Logo,
m · n + m = m · (n0 + 1) + m = (fm )n0 (m) + m
= fm ((fm )n0 )(m) = (fm )s(n0 ) (m)
= (fm )n (m) = m · (n + 1) .

Instituto de Matemática - UFF 7


Análise na Reta

Proposição 1.3 A multiplicação de números naturais satisfaz as se-


guintes propriedades:
(a) Distributividade: m · (n + p) = m · n + m · p e (m + n) · p = m · p + n · p.
(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.
(c) Comutatividade: m · n = n · m.
(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.
(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n + p) = m · n + m · p} .
Já vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Então,
m · (n + (p + 1) = m · ((n + p) + 1) = m · (n + p) + m · 1
= (m · n + m · p) + m = m · n + (m · p + m)
= m · n + m · (p + 1) , ou seja, p + 1 ∈ X.

Logo, X = N. Isto é, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam


m, n, p ∈ N.
Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m + n) · p = m · p + n · p} . Então,
• 1 ∈ Y, pois (m + n) · 1 = m + n = m · 1 + n · 1.
• Se p ∈ Y, temos:
(m + n) · (p + 1) = (m + n) · p + (m + n) = m · p + n · p + m + n
= m · p + m + n · p + n = m · (p + 1) + n · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, (m + n) · p = m · p + n · p quaisquer


que sejam m, n, p ∈ N.
(b) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n · p) = (m · n) · p} . Então,
• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.
• Se p ∈ X, temos
m · (n · (p + 1)) = m · (n · p + n) = m · (n · p) + m · n
= (m · n) · p + m · n = (m · n) · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ X .
Logo, X = N, isto é, m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

8 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

(c) Seja X = {m ∈ N | m · 1 = 1 · m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que


(m + 1) · 1 = m · 1 + 1 · 1 = 1 · m + 1 · 1 = 1 · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ X.
Logo, X = N, isto é, m · 1 = 1 · m, ∀ m ∈ N.
Seja, agora, Y = {m ∈ N | m · n = n · m} , onde n ∈ N. Então, pelo que
acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.
Se m ∈ Y, temos
(m + 1) · n = m · n + 1 · n = n · m + 1 · n = n · m + n = n · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ Y.
Logo, Y = N, ou seja, m · n = n · m quaisquer que sejam m, n ∈ N.
(d) Sejam m, n ∈ N tais que m < n. Então, existe q ∈ N tal que n = m+q.
Logo,
n · p = (m + q) · p = m · p + q · p ,
ou seja, m · p < n · p.
(e) Sejam m, n, p ∈ N tais que m · p = n · p.
Então, m = n, pois, caso contrário, terı́amos que:
• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),
ou
• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . 

Definição 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o menor elemento de


X, ou o elemento mı́nimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.

Observação 1.2 • 1 é o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe


n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Então, n > 1.
• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, então 1 é o menor elemento de X.
Existe X ⊂ N sem menor ele-
• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, é único. De fato, se
mento?
p e q são menores elementos de X, então p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.

Definição 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o maior elemento de


X, ou o elemento máximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 9


Análise na Reta

Observação 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-


mento. Por exemplo, N não tem um maior elemento, pois se n ∈ N, então
n + 1 = s(n) ∈ N e n + 1 > n.
• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele é único.

Teorema 1.1 (Princı́pio da Boa Ordenação)


Todo subconjunto não-vazio A ⊂ N possui um elemento mı́nimo.

Prova.
Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N − A} .
Se 1 ∈ A, então 1 é o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, então 1 ∈ X.
Como A 6= ∅ e X ⊂ N − A, temos que X 6= N.
Logo, pelo princı́pio de indução, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,
1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.
Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.
Outra demonstração.
Suponha, por absurdo, que A não tem um menor elemento. Seja
X = {p ∈ N | p ≤ n , ∀ n ∈ A} .
Então:
(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀ n ∈ N.
(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀ n ∈ A.
Como A não tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para
todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p + qn .
Então, p < p + qn =⇒ p + 1 ≤ p + qn = n , ∀ n ∈ A =⇒ p + 1 ∈ X.
Pelo princı́pio de indução, temos que X = N, o que é um absurdo, pois,
como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,
n0 + 1 ≤ n0 . 

Teorema 1.2 (Segundo Princı́pio de Indução)


Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se
X contém todos os números naturais m tais que m < n, então n ∈ X.
Nestas condições, X = N.

10 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

Prova.
É obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrário, existiria algum número natural
n 6∈ X tal que n < 1.
Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n + 1 ∈ X.
De fato, se n + 1 6∈ X, existe p0 < n + 1 tal que p0 6∈ X.
Seja A = {q ∈ N | q < n + 1 e q 6∈ X}.
Então, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,
q0 < n + 1 e q0 6∈ X.
Se p < q0 , temos que p ∈ X, já que p < q0 < n + 1 e q0 é o menor
elemento não pertencente a X com esta propriedade.
Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipótese, que q0 ∈ X,
o que é uma contradição.
Assim, se n ∈ X, temos que n + 1 ∈ X.
Então, pelo Primeiro Princı́pio de Indução, X = N.
Outra demonstração.
Seja A = N − X. Se X 6= N, então A 6= ∅.
Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo
n ∈ A.
Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipótese, p ∈ X, o
que é uma contradição. Logo, X = N. 

Exemplo 1.2 Um número natural p é chamado primo quando p 6= 1 e


não pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.
O Teorema Fundamental da Aritmética diz que todo número natural maior
do que 1 se decompõe, de modo único, como um produto de fatores pri-
mos.
Podemos provar a existência desta decomposição utilizando o Segundo
Princı́pio de Indução.
De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo número natural m < n pode
ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.
Se n é primo, não há nada a provar.

Instituto de Matemática - UFF 11


Análise na Reta

Se n não é primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.


Pela hipótese de indução, p e q são produtos de fatores primos. Logo,
n = pq é também um produto de fatores primos.
Pelo Segundo Princı́pio de Indução, obtemos que todo número natural,
n > 1, é produto de números primos. 

Teorema 1.3 (Definição por Indução)


Para ver uma prova do Teorema Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor
de Definição por Indução, con-
f(1) e seja dada também uma regra que nos permite obter f(n) a partir do
sulte Fundamentals of Abstract
Analysis de A.M. Gleason, p. 145. conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Então, existe uma, e
somente uma função f : N −→ X que toma esses valores.

Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma função f : N −→ N por


indução, pondo f(1) = a e f(n + 1) = a · f(n).
Então, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.
Logo, f(n) = an . Definimos, assim, por indução, a n−ésima potência do
número natural a. 

Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a função definida indutivamente por


f(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) · (n + 1).
Então, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.
Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! é o fatorial de n. 

Exemplo 1.5 Definir por indução a soma de uma n−úpla de números


A multiplicação de uma n−úpla
de números naturais pode ser de- naturais.
finida, também, por indução como
fazemos para a adição no exem- Solução: Seja X o conjunto das funções tomando valores em N e seja
plo ao lado.
f : N −→ X a função definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que
f(1)(a) = a, e f(n + 1) : Nn+1 −→ N tal que
f(n + 1)(a1 , . . . , an+1 ) = f(n)(a1 , . . . , an ) + an+1 .
Então, f(1)(a) = a, f(2)(a1 , a2 ) = f(1)(a1 )+a2 = a1 +a2 , f(3)(a1 , a2 , a3 ) =
f(2)(a1 , a2 ) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.
Assim, f(n)(a1 , . . . , an ) = f(n−1)(a1 , . . . , an−1 )+an = a1 +. . .+an−1 +an .


12 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

2. Conjuntos finitos e infinitos

Definição 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.


Um conjunto X chama-se finito quando é vazio ou quando existe uma
bijeção ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.
No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,
dizemos que X tem n elementos.

Observação 2.1 Intuitivamente, uma bijeção ϕ : In −→ X significa uma


contagem dos elementos de X.
Pondo ϕ(1) = x1 , ϕ(2) = x2 ,. . . ,ϕ(n) = xn , temos X = {x1 , x2 , . . . , xn } .

Observação 2.2
• Cada conjunto In é finito e possui n elementos.
• Se f : X −→ Y é uma bijeção, então X é finito se, e só se, Y é finito.

Para verificar que o número de elementos de um conjunto está bem


definido, devemos provar que se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e
ψ : Im −→ X, então n = m.
Considerando a função f = ψ−1 ◦ ϕ : In −→ Im , basta provar que se
existe uma bijeção f : In −→ Im , então m = n. Podemos supor, também,
que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In .

Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto não vazio. Se existe uma


bijeção f : In −→ A, então A = In .

Prova.
Provaremos o resultado por indução em n.
Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.
Logo A = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para n e consideremos uma bijeção
f : In+1 −→ A.
A restrição de f a In fornece uma bijeção f 0 : In −→ A − {f(n + 1)}. Se
A−{f(n+1)} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A−{f(n+1)} = In .

Instituto de Matemática - UFF 13


Análise na Reta

Então, f(n + 1) = n + 1 e A = In+1 .


Se, porém, A − {f(n + 1)} 6⊂ In , então n + 1 ∈ A − {f(n + 1)}. Neste caso,
existe p ∈ In tal que f(p) = n + 1, e f(n + 1) = q ∈ In .
Definimos, então, uma nova bijeção g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se
x 6= p e x 6= n + 1, g(p) = q e g(n + 1) = n + 1.
Agora, a restrição de g a In nos dá uma bijeção g 0 : In −→ A − {n + 1}.
Como A − {n + 1} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A − {n + 1} =
In , ou seja A = In+1 . 

Corolário 2.1 Se existir uma bijeção f : Im −→ In então m = n. Con-


seqüentemente, se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X
então m = n.

Prova.
Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im .
Logo, m = n, pelo teorema anterior.
Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im é uma bijeção tal que Im ⊂ In .
Portanto, Im = In . 

Corolário 2.2 Não existe uma bijeção f : X −→ Y de um conjunto finito


X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Sendo X finito, existe uma bijeção ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.
Seja A = ϕ−1 (Y).
Então, A é uma parte própria de In e a restrição de ϕ a A fornece uma
bijeção f 0 : A −→ Y.
X −−−→ Y
f
x x

ϕ
 0
ϕ
In −−−→ A
g

A composta g = (ϕ 0 )−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria então uma bijeção de In


sobre sua parte própria A, o que é uma contradição pelo teorema anterior.
Logo, não existe a bijeção f : X −→ Y. 

14 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Teorema 2.2 Se X é um conjunto finito então todo subconjunto Y ⊂ X é


finito. Além disso, o número de elementos de Y é menor do que ou igual
a o número de elementos de X e é igual se, e somente se, Y = X.

Prova.
Designaremos por #(A) o número
Seja f : In −→ X uma bijeção e seja f 0 : A −→ Y a restrição de f a
de elementos de um conjunto A.
A = f−1 (Y) ⊂ In .
Se provarmos que A é finito, que #(A) é menor do que ou igual a n e é
igual a n se, e somente se, A = In , teremos que Y é finito, que #(Y) = #(A)
é menor do que ou igual a #(In ) = #(X), e é igual se, e somente se A = In ,
ou seja, se, e somente se, Y = X.
Basta, então, provar o teorema no caso em que X = In .
Se n = 1, então Y = ∅ ou Y = {1}.
Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e só se, Y = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para In e consideremos um sub-
conjunto Y ⊂ In+1 .
Se n + 1 6∈ Y, então Y ⊂ In . Logo, pela hipótese de indução, Y é um
conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n + 1.
Se, porém, n + 1 ∈ Y, temos que Y − {n + 1} ⊂ In . Logo, Y − {n + 1} é um
conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.
Se Y − {n + 1} 6= ∅, existe uma bijeção ψ : Ip −→ Y − {n + 1}.
Definimos, então, a bijeção ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ip
e ϕ(p + 1) = n + 1.
Segue-se que Y é finito e que #(Y) = p + 1 ≤ n + 1.
Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos então Y = In .
Se #(Y) = n, existe uma bijeção f : In −→ Y.
Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In . 

Corolário 2.3 Seja f : X −→ Y uma função injetiva. Se Y é finito, então


X também é finito, e o número de elementos de X não excede o de Y.

Prova.
Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) é uma bijeção.

Instituto de Matemática - UFF 15


Análise na Reta

Como f(X) ⊂ Y e Y é finito, temos que f(X) é finito e #(f(X)) ≤ #(Y).


Logo, o conjunto X é finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). 

Corolário 2.4 Seja g : X −→ Y uma função sobrejetiva. Se X é finito,


então Y é finito e o seu número de elementos não excede o de X.

Designamos por IA : A −→ A a Prova.


função identidade do conjunto A.
Como g : X −→ Y é sobrejetiva, existe uma função f : Y −→ X tal que
g ◦ f = IY , ou seja, g possui uma inversa à direita.
De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, então,
Exercı́cio 2: Prove que dada uma
função f : X −→ Y injetiva, existe f(y) = x.
uma função g : Y −→ X tal que
g ◦ f = IX , ou seja, f possui Além disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y 0 )
uma inversa à esquerda. Verifi-
que, também, que se g ◦ f = IX ,
então y = y 0 , ou seja, f é injetiva.
então g é sobrejetiva.
Então, pelo corolário anterior, Y é um conjunto finito e o seu número de
elementos não excede o de X. 

Definição 2.2 Um conjunto X é infinito quando não é finito. Ou seja,


X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, não existe uma bijeção ϕ : In −→ X.

Exemplo 2.1 O conjunto dos números naturais é infinito.


De fato, dada qualquer função ϕ : In −→ N, n > 1, tome
p = ϕ(1) + . . . + ϕ(n) .
Então, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In ), ou seja,
ϕ não é sobrejetiva.
Outra maneira de verificar que N é infinito é considerar o conjunto dos
números naturais pares
P = {2 n = n + n | n ∈ N}
e a bijeção ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2 n.
Como P é um subconjunto próprio de N, temos, pelo corolário 2.2, que N
é infinito. 

Observação 2.3 Como consequência dos fatos provados acima para


conjuntos finitos, segue que:
• se X é infinito e f : X −→ Y é injetiva, então Y é infinito.

16 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

• se Y é infinito e f : X −→ Y é sobrejetiva, então X é infinito. Segue da observação ao lado


que os conjuntos Z e Q, dos
• se X admite uma bijeção sobre uma de suas partes próprias, então X é números inteiros e dos números

infinito. racionais, respectivamente, são


infinitos, pois ambos contêm N.

Definição 2.3 Um conjunto X ⊂ N é limitado se existe p ∈ N tal que


n ≤ p para todo n ∈ X.

Teorema 2.3 Seja X ⊂ N não-vazio. As seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) X é finito;
(b) X é limitado;
(c) X possui um maior elemento.

Prova.
(a)=⇒(b) Seja X = {x1 , . . . , xn } e seja a = x1 + . . . + xn . Então a > xi
para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X é limitado.
(b)=⇒(c) Como X é limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.
Então, o conjunto
A = {p ∈ N | p ≥ n ∀ n ∈ X}
é não-vazio. Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p0 ∈ A que é o
menor elemento de A.
Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀ n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.
Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1 + q0 .
Assim, p0 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X. Então q0 ≥ n
∀ n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que é absurdo, pois q0 < p0 e p0 é o menor
elemento de A.
Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀ n ∈ X, ou seja, p0 é o maior elemento de X.
(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Então, p ∈ X e p ≥ n ∀ n ∈ X.
Logo, X ⊂ Ip e é, portanto, finito. 

Observação 2.4 Um conjunto X ⊂ N é ilimitado quando não é limitado, Note que: pelo teorema 2.3, an-
terior, X é infinito se, e somente
ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p. se, X é ilimitado.

Instituto de Matemática - UFF 17


Análise na Reta

Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-


mentos respectivamente. Então, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos.

Prova.
Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijeções.
Definamos a função f : Im+n −→ X ∪ Y pondo
f(x) = f1 (x) se 1 ≤ x ≤ m
f(m + x) = f2 (x) se 1 ≤ x ≤ n .

Como X ∩ Y = ∅, é fácil verificar que f é uma bijeção.


Logo, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos. 

Exercı́cio 3: Use o teorema 2.4 e


Corolário 2.5 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,
o Princı́pio de Indução para pro- com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente. Então X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e
var o corolário 2.5, ao lado.
possui n1 + . . . + nk elementos.

Corolário 2.6 Sejam Y1 , . . . , Yk conjuntos finitos (não necessariamente


disjuntos) com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente.
Então Y1 ∪ . . . ∪ Yk é finito e possui no máximo n1 + . . . + nk elementos.

Prova.
Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi } e seja ϕi : Yi −→ Xi
a função definida por ϕi (x) = (x, i).
Como ϕi é uma bijeção, temos que Xi é finito e possui ni elementos,
i = 1, . . . , k. Além disso, os conjuntos finitos X1 , . . . , Xk são disjuntos dois
a dois.
Logo, pelo corolário anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e possui n1 + . . . + nk
elementos.
Seja
f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk
a função definida por f(x, i) = x.
Como f é sobrejetiva, X1 ∪ . . . ∪ Xk finito e possui n1 + . . . + nk elementos,
temos que Y1 ∪. . .∪Yk é finito e possui no máximo n1 +. . .+nk elementos.


18 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Corolário 2.7 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos com n1 , . . . , nk elemen-


tos respectivamente. Então o produto cartesiano X1 × . . . × Xk é finito e
possui n1 · . . . · nk elementos.

Prova.
Basta provar o corolário para k = 2, pois o caso geral segue por indução
em k.
Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.
Se Y = {y1 , . . . , yn }, então X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn , onde Xi = X × {yi },
i = 1, . . . , n.
Como X1 , . . . , Xn são disjuntos dois a dois e todos possuem m elementos,
temos que X × Y é finito e possui m · n elementos. 

Corolário 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos res-


pectivamente. Então o conjunto F(X; Y) de todas as funções de X em Y é
finito e possui nm elementos.

Prova.
Seja ϕ : Im −→ X uma bijeção. Então, a função
H : F(X; Y) −→ F(Im ; Y)
f 7−→ f ◦ ϕ

é uma bijeção. De fato, a função


L : F(Im ; Y) −→ F(X; Y)
g 7−→ g ◦ ϕ−1

é a inversa da função H.
Logo, basta provar que F(Im ; Y) é um conjunto finito e que possui nm
elementos.
Seja a função
F : F(Im ; Y) −→ Y × . . . × Y (m fatores)
definida por
F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .
Como F é uma bijeção e Y × . . . × Y (m fatores) possui nm elementos pelo
corolário anterior, temos que F(Im ; Y) é finito e possui nm elementos. 

Instituto de Matemática - UFF 19


Análise na Reta

3. Conjuntos enumeráveis

Definição 3.1 Um conjunto X é enumerável quando é finito ou quando


existe uma bijeção f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumerável e
pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeração de X:
X = {x1 , . . . , xn , . . .} .

Exemplo 3.1 O conjunto P dos números naturais pares e o conjunto


I = N − P dos números naturais ı́mpares são conjuntos infinitos enu-
meráveis.
De fato, as funções
ϕ1 : N −→ P ϕ2 : N −→ I
e
n 7−→ ϕ1 (n) = 2 n n 7−→ ϕ2 (n) = 2 n − 1

são bijeções. 

Exemplo 3.2 O conjunto Z dos números inteiros é infinito enumerável.


De fato, a função ϕ : Z −→ N definida por

2 n se n ≥ 1
ϕ(n) =
−2n + 1 se n ≤ 0

é uma bijeção. Logo, ϕ−1 : N −→ Z é uma enumeração de Z. 

Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contém um subconjunto infinito


enumerável.

Prova.
Basta provar que existe uma função f : N −→ X injetiva, pois, assim,
f : N −→ f(N) é uma bijeção, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-
nito enumerável de X.
Para cada subconjunto A não-vazio de X podemos escolher um elemento
xA ∈ A.
Vamos definir por indução uma função f : N −→ X.
Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) já foram definidos.
Seja An = X − {f(1), . . . , f(n)}.

20 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos enumeráveis

Como X não é finito, An não é vazio.


Defina, então f(n + 1) = xAn .
A função f : N −→ X é injetiva.
Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, então f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n − 1)} e
f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n − 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). 

Corolário 3.1 Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma


bijeção f : X −→ Y de X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Se uma tal bijeção existir, pelo corolário 2.2, X não é finito.
Reciprocamente, se X é infinito, X contém um subconjunto infinito enu-
merável A = {a1 , . . . , an , . . .}.
Seja Y = (X − A) ∪ {a2 , a4 , . . . , a2n , . . .}.
Então Y é uma parte própria de X, pois
X − Y = {a1 , a3 , . . . , a2n−1 , . . .}.
Além disso, a função f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e
f(an ) = a2n , n ∈ N, é uma bijeção de X sobre Y. 

Observação 3.1 Como consequência do teorema anterior, temos que:


Um conjunto é finito se, e somente se, não admite uma bijeção sobre uma
parte sua própria.
Obtém-se, assim, uma caracterização dos conjuntos finitos que independe
do conjunto N.

Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N é enumerável.

Prova.
Se X é finito, então X é enumerável, por definição.
Suponhamos que X é infinito.
Vamos definir por indução uma bijeção f : N −→ X.
Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram
definidos satisfazendo as seguintes condições:

Instituto de Matemática - UFF 21


Análise na Reta

(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;


(b) Se Bn = X − {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn .
Como Bn 6= ∅, pois X é infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de
Bn . Então, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =
X − {f(1), . . . , f(n + 1)}.
Como f : N −→ X é crescente, f é injetiva.
Além disso, f é sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X − f(N), terı́amos
que
x ∈ X − f(N) ⊂ X − {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,
para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ N
seria infinito e limitado, o que é absurdo. 

Exemplo 3.3 O conjunto dos números primos é infinito (fato conhecido)


e enumerável. 

Corolário 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijeção


crescente ϕ : N −→ X.

Corolário 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.

Corolário 3.4 Se f : X −→ Y é uma função injetiva e Y é enumerável,


então X é enumerável.

Prova.
Como f(X) ⊂ Y é enumerável e f : X −→ f(X) é uma bijeção, temos
que X é enumerável. 

Corolário 3.5 Se f : X −→ Y é uma função sobrejetiva e X é enu-


merável, então Y é enumerável.

Prova.
Como f : X −→ Y é sobrejetiva, f possui uma inversa à direita, ou seja,
existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY . Então, g é injetiva. Logo, Y é
enumerável. 

Teorema 3.3 Se X e Y são conjuntos enumeráveis, então o produto


cartesiano X × Y é enumerável.

22 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Prova.
Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeráveis, existem funções f : X −→ N
e g : Y −→ N injetivas.
Seja f × g : X × Y −→ N × N definida por f × g(x, y) = (f(x), g(y)). Como
f e g são injetivas, f × g também é injetiva.
Basta, então, provar que N × N é enumerável. Para isso, definimos a
função h : N × N −→ N, pondo h(m, n) = 2m · 3n . Pela unicidade da
decomposição em fatores primos, f é injetiva e, portanto, N × N é enu-
merável. 

Corolário 3.6 O conjunto Q dos números racionais é enumerável.

Prova.

p Designamos Z? = Z − {0} .
Sabemos que Q = p ∈ Z e q ∈ Z? , e que Z × Z? é enumerável.
q
p
Como a função f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) = é sobrejetiva,
q
segue-se do corolário 3.5 que Q é enumerável. 

Corolário 3.7 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos enumeráveis. Então a



[
reunião X = Xn é enumerável. Ou seja, uma reunião enumerável de
n=1

conjuntos enumeráveis é enumerável.

Prova.
Tomemos, para cada m ∈ N, uma função fm : N −→ Xm sobrejetiva, e
definamos a função f : N × N −→ X pondo f(m, n) = fm (n). Como f é
sobrejetiva e N × N é enumerável, tem-se que X é enumerável. 

Observação 3.2 Uma reunião finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos


enumeráveis é enumerável.

Observação 3.3 Se X1 , . . . , Xk são conjuntos enumeráveis, seu pro-


duto cartesiano X1 × . . . × Xk é enumerável.
Y

Porém, nem sempre, o produto cartesiano X = Xn de uma seqüência
n=1

de conjuntos enumeráveis é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 23


Análise na Reta

4. Conjuntos não-enumeráveis

Veremos, agora, que existem conjuntos não-enumeráveis. Mais ge-


Ao lado, estamos designando ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um
card(X) o número cardinal do
conjunto cujo número cardinal é maior do que o de X.
conjunto X. Quando X é um con-
junto finito, card(X) é o número
• Não vamos definir o que é o número cardinal de um conjunto. Diremos,
de elementos de X, que anterior-
mente designamos #(X). apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijeção
f : X −→ Y.
• Assim, dois conjuntos finitos têm o mesmo número cardinal, se, e so-
mente se, têm o mesmo número de elementos. E se X é infinito enu-
merável, então card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,
Y é infinito enumerável.
• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir
uma função injetiva f : X −→ Y, mas não existir uma função sobrejetiva
g : X −→ Y.
• Como todo conjunto X infinito contém um subconjunto enumerável, tem-
se que card(N) ≤ card(X), ou seja, o número cardinal de um conjunto
infinito enumerável é o menor dos números cardinais dos conjuntos infini-
tos.
• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das
Para ver as demonstrações dos seguintes alternativas:
fatos citados ao lado e obter mais
card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .
informações sobre números car-
dinais de conjuntos, veja o livro: • Se existirem uma função injetiva f : A −→ B e uma função injetiva
Teoria Ingênua dos Conjuntos de
Paul Halmos. g : B −→ A, existirá também uma bijeção h : A −→ B.

Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)


Sejam X um conjunto arbitrário e Y um conjunto contendo pelo menos dois
elementos. Então, nenhuma função ϕ : X −→ F(X; Y) é sobrejetiva.

Prova.
Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma função e seja ϕx : X −→ Y o valor da função
ϕ no ponto x ∈ X.
Construiremos uma função f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.

24 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx (x), o que é possı́vel, pois
Y tem pelo menos dois elementos.
Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx (x) para todo x ∈ X.
Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ não é sobrejetiva. 

Observação 4.1 Sejam y1 , y2 ∈ Y tais que y1 6= y2 , e seja ψ : X −→


F(X; Y) a função definida por ψx (x) = y1 e ψx (z) = y2 se z 6= x.
Então ψ é injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).
Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-
junto cujo número cardinal é maior do que o de X

Corolário 4.1 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos infinitos enumeráveis.


Y

Então, o produto cartesiano Xi não é enumerável.
i=1

Prova.
Basta considerar o caso em que todos os Xn são iguais a N. De fato,
para cada n ∈ N, existe uma bijeção fn : N −→ Xn . Então, a função
Y∞ Y∞
F: Ni −→ Xi
i=1 i=1
(x1 , x2 , . . . , xn , . . .) 7−→ (f1 (x1 ), f2 (x2 ), . . . , fn (xn ), . . .) ,

é uma bijeção, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a função


Y∞
H: Ni −→ F(N; N)
i=1
hx : N −→ N
x = (x1 , . . . , xn , . . .) 7−→
i 7−→ xi

é uma bijeção e F(N; N) não é enumerável pelo teorema anterior, o con-


Y

junto Ni não é enumerável. 
i=1

• O argumento usado na demonstração do teorema acima, chama-se


método da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.
Os elementos de F(N; Y) são as seqüências de elementos de Y.
Para provar que nenhuma função ϕ : N −→ F(N; Y) é sobrejetiva, escre-

Instituto de Matemática - UFF 25


Análise na Reta

vemos ϕ(1) = s1 , ϕ(2) = s2 , . . . etc., onde s1 , s2 , . . . são seqüências de


elementos de Y, ou seja,
s1 = (y11 , y12 , y13 , . . .)
s2 = (y21 , y22 , y23 , . . .)
s3 = (y31 , y32 , y33 , . . .)
.. ..
. .

Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn , onde


ynn é o n−ésimo termo ynn da diagonal.
Então a seqüência s = (y1 , y2 , y3 , . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois
o n−ésimo termo yn da seqüência s é diferente do n−ésimo termo da
seqüência sn .
Assim, nenhuma lista enumerável pode esgotar todas as funções em
F(N; Y).

Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Então, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das
seqüências cujos termos são 0 ou 1 não é enumerável. 

• Seja P(A) o conjunto cujos elementos são todos os subconjuntos do


conjunto A.
Vamos mostrar que existe uma bijeção
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .
Para cada X ⊂ A, consideremos a função caracterı́stica de X:
ξX : A −→ {0, 1}

1, se x ∈ X
7 → ξX (x) =
x −
0, se x 6∈ X

A função
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})
X 7−→ ξX

é uma bijeção, cuja inversa associa a cada função f : A −→ {0, 1} o con-


junto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.

Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-
nhuma função ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) é sobrejetiva. Logo, nenhuma

26 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

função ψ : A −→ P(A) é sobrejetiva. Mas existe uma função injetiva


f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.
Então, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.
No caso particular em que A = N, temos que
card(N) < card(P(N))

ou seja, P(N) não é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 27


Parte 2

O conjunto dos números reais

Neste capı́tulo, adotaremos o método axiomático para apresentar os


números reais. Isto é, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o
conjunto R dos números reais como um corpo ordenado completo.
Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado
completo? Ou melhor: partindo dos números naturais, seria possı́vel, por
meio de extensões sucessivas do conceito de número, chegar à construção
dos números reais? A resposta é afirmativa e a passagem crucial é dos
racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos
números reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos são
coleções de números racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-
pleto cujos elementos são as classes de equivalência de seqüências de
Cauchy de números racionais.
Provada a existência, surge uma outra pergunta relevante: será que
existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?
A resposta é negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem
apenas pela natureza de seus elementos, mas não pela maneira como os
elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questão
da unicidade é a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,
existe um único isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma única bijeção
f : K −→ L tal que f(x + y) = f(x) + f(y) e f(x · y) = f(x) · f(y). Como, além
disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),
K e L são indistinguı́veis no que diz respeito as propriedades de corpos
ordenados completos (ver exercı́cios 55 e 56).

Instituto de Matemática - UFF 29


Corpos

1. Corpos

Um corpo é um conjunto K munido de duas operações:


Adição + : K × K −→ K Multiplicação · : K × K −→ K
(x, y) 7−→ x + y (x, y) 7−→ x · y ,

que satisfazem as seguintes condições, chamadas axiomas de corpo:

Axiomas de corpo para a adição:


(1) Associatividade: (x + y) + z = x + (y + z) , para todos x, y, z ∈ K.
(2) Comutatividade: x + y = y + x , para todos x, y ∈ K.
(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado
zero, tal que x + 0 = x, para todo x ∈ K.
(4) Simétrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e
chamado o simétrico de x, tal que x + (−x) = 0.
A soma x + (−y) será indicada
Observação 1.1 apenas por x − y e chamada
a diferença entre x e y. A
operação (x, y) 7−→ x−y chama-
•0+x=x e (−x) + x = 0 , para todo x ∈ K.
se subtração.

• x − y = z se, e só se, x = y + z. De fato,


x − y = z ⇐⇒ x + (−y) = z ⇐⇒ x + (−y) + y = z + y
⇐⇒ x + 0 = y + z ⇐⇒ x = y + z .

• O zero é único, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, então θ = 0. De


fato,
x + θ = x ⇐⇒ θ = x − x = 0 .
• Todo x ∈ K possui apenas um simétrico. De fato,
x + y = 0 =⇒ y = 0 + (−x) = −x .
• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .
• Lei de cancelamento: x + z = y + z =⇒ x = y. De fato,
x + z + (−z) = y + z + (−z) =⇒ x + 0 = y + 0 =⇒ x = y .

Axiomas de corpo para a multiplicação:


(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.
(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.

Instituto de Matemática - UFF 31


Análise na Reta

(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e cha-


mado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.
(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento
designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.

Observação 1.2
• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.
• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.
x
• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 = . A operação
y
x x
A multiplicação de x por y 7 → , x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisão e o número
(x, y) − é o
será designada, também, pela y y
justaposição xy.
quociente de x por y.
x
• Se y 6= 0, = z ⇐⇒ x = yz. De fato,
y
x
= z ⇐⇒ (xy−1 )y = zy ⇐⇒ x(y−1 y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .
y

• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, então x = y.


• Se xy = x para todo x ∈ K, então, tomando x = 1, temos y = 1. Isto
prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.
• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.
Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos
depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.
• se xy = 1, então, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,
xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1 (xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .
Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.

Por fim, as operações de adição e multiplicação num corpo K acham-


se relacionadas pelo axioma:
(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.

Observação 1.3
• (x + y) · z = x · z + y · z para todos x, y, z ∈ K.
• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,
x · 0 + x = x · 0 + x · 1 = x · (0 + 1) = x · 1 = x ,

32 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

logo, x · 0 = 0.
• se x · y = 0 então x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, então x−1 · (x · y) =
x−1 · 0. Logo, y = 0.
Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, então x · y 6= 0.
• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .
De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,
(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).
Logo,
(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .
Em particular, (−1) · (−1) = 1.

2. Exemplos de corpos

Exemplo 2.1 O conjunto Q dos números racionais, com as operações


p p0 pq 0 + p 0 q p p 0 p · p0
+ 0 = e · = , é um corpo.
q q qq 0 q q0 q · q0

p p0
De fato, lembrando que = 0 ⇐⇒ pq 0 = p 0 q, vamos provar primeiro
q q
que a soma e a multiplicação de números racionais estão bem definidas.
p p p0 p0
Sejam = 1 e 0 = 10 . Então
q q1 q q1

p p0 pq 0 + p 0 q p1 q10 + p10 q1 p1 p10


• + 0 = = = + , pois, como pq1 = p1 q e
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
p 0 q10 = p10 q 0 , segue-se que
(pq 0 + p 0 q)(q1 q10 ) = pq 0 q1 q10 + p 0 qq1 q10
= (pq1 )(q 0 q10 ) + (p 0 q10 )(qq1 )
= p1 qq 0 q10 + p10 q 0 qq1
= (p1 q10 + p10 q1 )(qq 0 ) .

p p0 pp 0 p1 p10 p1 p10
• · 0 = = = · , pois
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
(pp 0 )(q1 q10 ) = p1 qp10 q 0 = (p1 p10 )(qq 0 ) .

Instituto de Matemática - UFF 33


Análise na Reta

0
• O elemento neutro da adição é , para todo p 0 6= 0, pois
p0
p 0 pp 0 + 0q 0 pp 0 p
+ 0 = 0
= 0
= .
q p qp qp q

1 p0
• O elemento neutro da multiplicação é = 0 , p 0 ∈ Z? , pois
1 p
p 1 p·1 p
· = = .
q 1 q·1 q
p −p p
• seja ∈ Q. Então é o simétrico de , pois
q q q
p −p p · q + (−p) · q 0
+ = = = 0.
q q q·q q·q
p q p
Exercı́cio 1: Verificar as propri- • Seja ∈ Q, com p 6= 0. Então é inverso de , pois
edades comutativa, associativa e
q p q
a distributividade das operações p q p·q
· = = 1.
definidas no exemplo 2.1 sobre os q p q·p
números racionais.


Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operações de adição e


multiplicação definidas nas tabuadas abaixo é um corpo.
+ 0 1 · 0 1
0 0 1 0 0 0
1 1 0 1 0 1
Exercı́cio 2: Verificar a associ-
atividade e a distributividade das Pela definição, a adição e a multiplicação são comutativas; o elemento
operações definidas no exemplo neutro da adição é o 0; o elemento neutro da multiplicação é o 1; o
2.2 sobre Z2 .
simétrico do 0 é o 0 e do 1 é 1; o inverso do 1 é 1. 

Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} é um corpo com as


operações de adição e multiplicação definidas por
(x, y) + (x 0 , y 0 ) = (x + x 0 , y + y 0 )
(x, y) · (x 0 , y 0 ) = (xx 0 − yy 0 , xy 0 + x 0 y) ,

De fato, a comutatividade e a associatividade da adição seguem-se direto


do fato que Q é um corpo.
O elemento neutro da adição é (0, 0) e o simétrico de (x, y) é (−x, −y).
A comutatividade da multiplicação sai direto da definição e da comutativi-
dade da multiplicação de números racionais.

34 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

O elemento neutro da multiplicação é (1, 0), pois


(x, y) · (1, 0) = (x · 1 − y · 0, x · 0 + 1 · y) = (x, y) .
 
x −y
O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) é 2 2
, 2 2
, pois
x +y x +y Exercı́cio 3: Verificar a proprie-
dade associativa da multiplicação
x2 + y2 6= 0 e e propriedade distributiva das
    operações definidas no exemplo
x −y x2 y2 −xy xy 2.2 sobre Q(i).
(x, y) · , = + , + 2
x + y2 x2 + y2
2 x2 + y2 x2 + y2 x2 + y2 x + y2
 
x2 + y2 0
= 2 2
, 2 = (1, 0)
x +y x + y2

• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que


◦ iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;
◦ ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0 − 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;
◦ (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x + iy .
O corpo Q(i) chama-se o corpo dos números complexos racionais. 

p(t)
Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funções racionais r(t) = , onde
q(t)
p e q são polinômios com coeficientes racionais, sendo q(t) não identica-
mente nulo, com as operações de adição e multiplicação definidas abaixo
é um corpo.
p(t) p 0 (t) p(t) · q 0 (t) + p 0 (t) · q(t) p(t) p 0 (t) p(t) · p 0 (t)
+ 0 = · 0 = .
q(t) q (t) q(t) · q 0 (t) q(t) q (t) q(t) · q 0 (t)

Observação 2.1 Num corpo K tem-se:


x2 = y2 =⇒ x = ±y .
Com efeito,
x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0
=⇒ (x − y)(x + y) = 0
=⇒ x − y = 0 ou x + y = 0
=⇒ x = y ou x = −y
=⇒ x = ±y .

Instituto de Matemática - UFF 35


Análise na Reta

3. Corpos ordenados

Um corpo ordenado é um corpo K no qual existe um subconjunto


P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-
guintes propriedades:
(1) A soma e o produto de elementos positivos são elementos posi-
tivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x + y ∈ P e x · y ∈ P.
(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das três alternativas seguintes
ocorre:
ou x = 0 ; ou x ∈ P ; ou −x ∈ P .
• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos
K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,
onde P, −P e {0} são subconjuntos de K disjuntos dois a dois.
Os elementos de −P chamam-se negativos.
• Num corpo ordenado, se a 6= 0 então a2 ∈ P.
De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,
a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.
Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 é sempre positivo e,
portanto, −1 ∈ −P.
Logo, num corpo ordenado, −1 não é quadrado de elemento algum.


p
Exemplo 3.1 Q é um corpo ordenado no qual P = pq ∈ N .
q

p p0
• De fato, se , ∈ P, então pq, p 0 q 0 ∈ N e, portanto,
q q0

p p0 pq 0 + p 0 q
◦ + 0 = ∈ P, pois
q q qq 0
(pq 0 + p 0 q)(qq 0 ) = (pq)q 02 + (p 0 q 0 )q2 ∈ N .
p p0 pp 0
◦ · 0 = ∈ P, pois pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) ∈ N.
q q qq 0
p p 0
• Seja∈ Q. Então, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja, = = 0
q q q
p −p p
ou ∈ P ou = − ∈ P. 
q q q

36 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

Exemplo 3.2 Q(t) é um corpo ordenado no qual



p(t) Lembre que o coeficiente lı́der de
P= pq é um polinômio cujo coeficiente lider é positivo . um polinômio é o coeficiente do
q(t)
seu termo de maior grau.

De fato:
p(t) p 0 (t)
• Se , ∈ P, então os coeficientes an e bm dos termos de maior
q(t) q 0 (t)
grau de pq e p 0 q 0 , respectivamente, são positivos.
Logo,
◦ o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq 0 + p 0 q)qq 0 =
pqq 02 + p 0 q 0 q2 é positivo, pois cj = an q 0 2i + bm q2i ou cj = an q 0 2i ou
cj = bm q2i , onde qi e qi0 são os coeficientes dos termos de maior grau
de q e q 0 , respectivamente.
◦ o coeficiente do termo de maior grau de pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) é
an bm > 0.
p(t)
• Se ∈ Q(t), então ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente
q(t)
do termo de maior grau de pq é positivo ou o coeficiente do termo de
p(t) p(t) p(t)
maior grau de pq é negativo. Logo, ou = 0 ou ∈ P ou − ∈P
q(t) q(t) q(t)


Exemplo 3.3 O corpo Z2 não é ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo


ordenado 1 é positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos é um
elemento positivo. 

Exemplo 3.4 O corpo Q(i) não é ordenado, pois i2 = −1, e num corpo
ordenado −1 é negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de
zero é positivo. 

Definição 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x é menor do que


y, e escrevemos x < y, se y − x ∈ P, ou seja, y = x + z, z ∈ P. Podemos,
também, dizer que y é maior do que x e escrever y > x.

Observação 3.1
• Em particular, x > 0 se, e só se, x ∈ P e x < 0 se, e só se, −x ∈ P, ou
seja, x ∈ −P.

Instituto de Matemática - UFF 37


Análise na Reta

• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x + (−y) ∈ P.

Proposição 3.1 A relação de ordem x < y num corpo ordenado satis-


faz as seguintes propriedades:
(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;
(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes
alternativas:
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Monotonicidade da adição: Se x < y, então x + z < y + z para todo
z ∈ K.
(4) Monotonicidade da multiplicação: Se x < y, então xz < yz para
todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.

Prova.
(1) Se x < y e y < z, então y − x ∈ P e z − y ∈ P. Logo, (y − x) + (z − y) =
z − x ∈ P, ou seja, x < z.
(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
ou y − x = 0 , ou y − x ∈ P , ou y − x ∈ −P ,
ou seja,
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Se x < y então y − x ∈ P. Logo, (y + z) − (x + z) = y − x ∈ P, ou seja
x + z < y + z, para todo z ∈ K.
(4) Se x < y e z > 0, então y − x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y − x)z = yz − xz ∈ P,
ou seja xz < yz. Se, porém, x < y e z < 0, então y − x ∈ P e −z ∈ P,
donde (y − x)(−z) = xz − yz ∈ P, ou seja, xz > yz.
• Em particular, x < y é equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou
seja, −x > −y, já que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.
• Se x < x 0 e y < y 0 então x + y < x 0 + y 0 .
De fato, por (3), se x < x 0 , então x + y < x 0 + y, e se y < y 0 , então
x 0 + y < x 0 + y 0 . Logo, por (1), x + y < x 0 + y 0 .
• Se 0 < x < x 0 e 0 < y < y 0 , então xy < x 0 y 0 .
De fato, por (4), x · y < x 0 y e x 0 y < x 0 y 0 , e por (1), xy < x 0 y 0 .

38 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

• se x > 0 e y < 0, então xy < 0.


De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.

• Se x > 0 então x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.


x x
• Se x > 0 e y > 0, então > 0, pois = xy−1 e y−1 > 0.
y y
1 1
• Se x < y, x > 0 e y > 0, então < .
y x
1 1 y−x
De fato, como y − x > 0 e xy > 0, então x−1 − y−1 = − = > 0,
x y xy
ou seja, x−1 > y−1 . 

Definição 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x é menor ou igual a


y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os
elementos do conjunto P ∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se não-negativos.

• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e só se, x ≤ y e y ≤ x.


• Com exceção da tricotomia, que é substituı́da pelas propriedades:
Reflexiva: x ≤ x,
Anti-simétrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,
todas as outras propriedades acima demonstradas para a relação x < y
são válidas, também, para a relação x ≤ y.
• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o
subconjunto de K formado por estes elementos é infinito, e se identifica
de maneira natural ao conjunto N dos números naturais.
Indiquemos por 1 0 o elemento neutro da multiplicação de K e defina-
mos por indução a função f : N −→ K, pondo
f(1) = 1 0 e f(n + 1) = f(n) + 1 0 .
Por indução, podemos verificar que f(m + n) = f(m) + f(n) e que se
m < n então f(m) < f(n). De fato:
• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m + n) = f(m) + f(n)}.
Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, então
f(m + (n + 1)) = f((m + n) + 1) = f(m + n) + 1 0
= f(m) + f(n) + 1 0 = f(m) + f(n + 1) .

Instituto de Matemática - UFF 39


Análise na Reta

ou seja, n + 1 ∈ X. Logo, X = N.
• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Então:
◦ 1 ∈ Y, pois f(1) = 1 0 ∈ P ,
◦ se n ∈ Y, então n + 1 ∈ Y, pois f(n + 1) = f(n) + 1 0 ∈ P.
Logo, Y = N.
Temos, assim, que se m < n então f(m) < f(n), pois, como existe
Exercı́cio 4: Verifique que
f(mn) = f(m)f(n) , ∀ m, n ∈ N . p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,
f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.
Portanto, f : N −→ f(N) = N 0 ⊂ K é uma bijeção, onde N 0 é o
subconjunto de K formado pelos elementos 1 0 , 1 0 + 1 0 , 1 0 + 1 0 + 1 0 , . . . que
preserva a soma, o produto e a relação de ordem. Podemos, então, iden-
tificar N 0 com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em
vez de 1 0 .
Em particular, um corpo ordenado K é infinito e tem caracterı́stica
zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o número de
parcelas 1.
Considere o conjunto Z 0 = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n | n ∈ N}.
Então, Z 0 é um subgrupo abeliano de K com respeito à operação de
adição.
De fato, 0 ∈ Z 0 e se x ∈ Z 0 então −x ∈ Z 0 . Resta verificar que se
x, y ∈ Z 0 então x + y ∈ Z 0 .
• Se x, y ∈ N então x + y ∈ N ⊂ Z 0 .
• Se x, y ∈ −N então (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z 0 .
• Se x ∈ N e y ∈ −N então, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou
Exercı́cio 5: Verifique que se
m, n ∈ N 0 e m − n > 0 então
x + y = x − z = 0 ∈ Z 0 , ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou
m − n ∈ N0 . x + y = x − z < 0 e, portanto, x + y ∈ −N.

Exercı́cio 6: Verifique que xy ∈ • Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 então x + y = x ∈ Z 0 .


Z 0 quaisquer que sejam x, y ∈
Z0 . Podemos, assim, identificar Z 0 com o grupo Z dos números inteiros.

m
Seja, agora, Q 0 = m ∈ Z e n ∈ Z? . Então, Q 0 é um subcorpo

n
de K, pois:

40 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

◦ 0, 1 ∈ Q 0 ,
m m −m
◦ se ∈ Q 0 então − = ∈ Q 0.
n n n
m n
◦ se ∈ Q 0 ? então ∈ Q 0.
n m
m m0 m m0
◦ se , 0 ∈ Q 0 então + 0 ∈ Q 0 . De fato, como
n n n n
 
0 m m0 mnn 0 m 0 nn 0
nn + 0 = + = mn 0 + m 0 n ,
n n n n0

temos que
m m0 mn 0 + m 0 n
+ 0 = ∈ Q0 ,
n n nn 0
pois, como já vimos, mn 0 + m 0 n ∈ Z e nn 0 ∈ Z? .
• Q 0 é o menor subcorpo de K.
Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por
adições sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os
simétricos, deve conter Z e por divisões em Z, deve conter o conjunto das
m
frações , m ∈ Z e n ∈ Z? .
n
Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o
corpo Q dos números racionais.
Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo
natural, as inclusões
N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K.

Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contém todas as frações do tipo


p
, onde p e q são polinômios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,
q
Q ⊂ Q(t). 

Proposição 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)


Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 então
(1 + x)n ≥ 1 + nx

Prova.
Faremos a demonstração por indução em n.
Johann Bernoulli
(1667-1748) Suı́ça.

Instituto de Matemática - UFF 41


Análise na Reta

Para n = 1 a desigualdade é óbvia.


Se (1 + x)n ≥ 1 + nx, então
Exercı́cio 7: Mostre que se n ∈
N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, então (1 + x)n+1 = (1 + x)n (1 + x) ≥ (1 + nx)(1 + x)
a desigualdade de Bernoulli é es- = 1 + nx + x + nx2 = 1 + (n + 1)x + nx2
trita, isto é,
(1 + x)n > 1 + nx . ≥ 1 + (n + 1)x .

Observação 3.2 (Sobre a Boa Ordenação)


Existem conjuntos não-vazios de números inteiros que não possuem um
menor elemento.

Exemplo 3.6 O conjunto Z não possui um menor elemento.


De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0 , pois n0 − (n0 −
1) = 1 > 0. 

Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n | n ∈ Z} dos inteiros pares não possui


um menor elemento.
De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0 . 

Exemplo 3.8 Se X ⊂ N é um conjunto infinito de números naturais,


então −X = {−n | n ∈ X} é um conjunto não-vazio de números inteiros
que não possui um menor elemento.
Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.
Então, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que é absurdo, pois, como X é infinito,
X não é limitado superiormente. 

Mas, se um conjunto não-vazio X ⊂ Z é limitado inferiormente, então


X possui um menor elemento.
Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Então, x − a > 0 para todo
x ∈ X, ou seja x − a ∈ N para todo x ∈ X.
Seja A = {(x − a) | x ∈ X}.
Como A ⊂ N, temos, pelo Princı́pio da Boa Ordenação, que existe
n0 ∈ A tal que n0 ≤ x − a para todo x ∈ X.

42 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Então, x0 − a ≤ x − a para todo


x ∈ X.
Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.

4. Intervalos

Num corpo ordenado, existe a importante noção de intervalo.


• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos
limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:
◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K | a ≤ x ≤ b} ;
◦ Intervalo fechado à esquerda: [a, b) = {x ∈ K | a ≤ x < b} ;
◦ Intervalo fechado à direita: (a, b] = {x ∈ K | a < x ≤ b} ;
◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K | a < x < b} ;
• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados
de origem a como sendo os conjuntos:
◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;
◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;
◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a, +∞) = {x ∈ K | a ≤ x} ;
◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a, +∞) = {x ∈ K | a < x} ;
◦ (−∞, +∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.

Observação 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] é conveniente


admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do único
ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.

Observação 4.2 Todo intervalo não-degenerado é um conjunto infinito.


a+b
Com efeito, se a, b ∈ K e a < b então a < < b, pois
2
a+b b−a a+b b−a
−a= > 0, e b− = > 0.
2 2 2 2
a+b a + xn
Faça x1 = , e defina por indução, xn+1 = .
2 2

Instituto de Matemática - UFF 43


Análise na Reta

Então, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.


Como a função ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , é uma bijeção,
ϕ(N) é um conjunto infinito enumerável.

Fig. 1: Construção da sequência x1 , x2 , . . . , xn , . . ..

Definição 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou


módulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e
−x, se x < 0. Assim,


x , se x > 0


|x| = 0 , se x = 0



−x , se x < 0

Observação 4.3 Tem-se


|x| = max{x, −x} ,
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.

Proposição 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes


afirmações são equivalentes:
(1) −a ≤ x ≤ a ;
(2) x ≤ a e −x ≤ a ;
(3) |x| ≤ a.

Prova.
Temos que
−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x e x≤a
⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x
⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .

Corolário 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se


|x − a| ≤ b se, e só se, a − b ≤ x ≤ a + b .

44 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Prova.
De fato, |x − a| ≤ b se, e só se, −b ≤ x − a ≤ b, ou seja, a − b ≤ x ≤ a + b
(somando a). 

Observação 4.4 Todas as afirmações da proposição e do seu corolário


são verdadeiras com < em vez de ≤.
Em particular,
x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ a − ε < x < a + ε ⇐⇒ |x − a| < ε .
Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, é formado
pelos pontos x ∈ K cuja distância, |x − a|, de a é menor do que ε. Na figura ao lado, representa-
mos os elementos do conjunto em
questão, no caso, a, x ∈ (a −
ε, a + ε), por um ponto cheio. Os
pontos sem preenchimento repre-
Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.
sentam pontos que não perten-
cem ao conjunto em questão.

Proposição 4.2 Para elementos arbitrários de um corpo ordenado K,


valem as relações:
(1) |x + y| ≤ |x| + |y| ;
(2) |x · y| = |x| · |y| ;
(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x − y| ;
(4) |x − y| ≤ |x − z| + |z − y| .

Prova.
(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que
−(|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
Logo, |x + y| ≤ |x| + y|.

(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2 , pois se |x| = x, então |x|2 = x2 , e se


|x| = −x, também |x|2 = (−x)2 = x2 . Logo,
|xy|2 = (xy)2 = x2 y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .
Então, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.
(3) Por (1), |x| = |x − y + y| ≤ |x − y| + |y|, ou seja, |x − y| ≥ |x| − |y|.
De modo análogo, |y − x| ≥ |y| − |x|.
Como |y − x| = |x − y|, temos que −|x − y| ≤ |x| − |y|.

Instituto de Matemática - UFF 45


Análise na Reta

Assim,
−|x − y| ≤ |x| − |y| ≤ |x − y| .
Logo, pela proposição 4.1,
| |x| − |y| | ≤ |x − y| .
A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definição de valor
absoluto.
(4) Por (1), |x − y| = |x − z + z − y| ≤ |x − z| + |z − y| . 

Definição 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.


• X é limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo
x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade é uma cota
superior de X.
• X é limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo
x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a, +∞). Cada a com esta propriedade é uma cota
inferior de X.
• X é limitado quando é limitado superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Exemplo 4.1 No corpo Q dos números racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferiormente, pois N ⊂ [1, +∞), mas não
é limitado superiormente.
p p
De fato, se ∈ Q, então |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 > , pois
q q
p |p|q + q − p
|p| + 1 − =
q q
e
(|p|q + q − p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq
≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .

Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das frações racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0, +∞) e
n < t para todo n ∈ N, já que o coeficiente do termo de maior grau de
t − n é 1 > 0 

46 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) N ⊂ K é ilimitado superiormente;
(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.
1
(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 < < a.
n

Prova.
(a)=⇒(b) Como N é ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,
b b
existe n ∈ N tal que n > . Logo, na > a · = b.
a a
(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Então
1
0< < a.
n
(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, então b < 1 e, portanto, b não é cota
superior de N.
1 1
Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 < < . Logo, b < n e não é,
n b
portanto, uma cota superior de N. 

Definição 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K é arquimediano se


N ⊂ K é ilimitado superiormente.

Exemplo 4.3 O corpo Q dos números racionais é arquimediano, mas o


corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, não é arquimediano.


5. Números reais

Definição 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto


limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X
quando b é a menor das cotas superiores de X em K.

Assim, b ∈ K é o supremo de X se, e só se, b satisfaz as duas


condições abaixo:

Instituto de Matemática - UFF 47


Análise na Reta

S1: b ≥ x para todo x ∈ X.


S2: Se c ∈ K é tal que c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b.
A condição S2 é equivalente à condição:
S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.

Observação 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, é único.


De fato, se b e b 0 em K cumprem as condições S1 e S2, então, b ≤ b 0 e
b 0 ≤ b, ou seja, b 0 = b.
O supremo de um conjunto X será denotado por sup X.

Observação 5.2 O conjunto vazio ∅ não possui supremo em K, pois


todo elemento de K é uma cota superior do conjunto vazio e K não possui
um menor elemento.

Definição 5.2 Um elemento a ∈ K é o ı́nfimo de um subconjunto Y ⊂ K


limitado inferiormente quando a é a maior das cotas inferiores de Y.

Assim, a ∈ K é o ı́nfimo de Y se, e só se, a satisfaz as duas


condições abaixo:
I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.
I2: Se c ∈ K é tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, então c ≤ a.
A condição I2 é equivalente à condição:
I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.

Observação 5.3 O ı́nfimo de um conjunto X, quando existe, é único, e


será denotado por inf X

Observação 5.4 O conjunto ∅ não possui ı́nfimo em K, pois todo ele-


mento de K é uma cota inferior do conjunto vazio e K não possui um maior
elemento.

Exemplo 5.1
• Se X ⊂ K possui um elemento máximo b ∈ X, então b = sup X. De fato:
(1) b ≥ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b, pois a ∈ X.

48 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

• Se X ⊂ K possui um elemento mı́nimo a ∈ X, então a = inf X. De fato:


(1) a ≤ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, então c ≤ a, pois a ∈ X.
• Se b = sup X ∈ X, então sup X é o maior elemento de X, pois b ≥ x para
todo x ∈ X e b ∈ X.
• Se a = inf X ∈ X, então inf X é o menor elemento de X, pois a ≤ x para
todo x ∈ X e a ∈ X.
Em particular, se
◦ X é finito, então o sup X e o inf X existem e pertencem a X.
◦ X = [a, b], então sup X = b e inf X = a.
◦ X = (−∞, b], então sup X = b.
◦ X = [a, +∞), então inf X = a. 

Exemplo 5.2 Se X = (a, b), então inf X = a e sup X = b.


Com efeito, b é uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,
a+b a+b
existe x =∈ X, por exemplo, tal que c < . Se a < c < b, então
2 2
c+b c+b
∈Xec< . Assim, b = sup X.
2 2
De modo análogo, podemos provar que a = inf X.
Observe que, neste exemplo, sup X 6∈ X e inf X 6∈ X. 

1
Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das frações do tipo , n ∈ N.
2n
1
Então, sup Y = e inf Y = 0.
2
1 1 1 1
• Como ∈ Y e n < para todo n > 1, n ∈ N, temos que é o maior
2 2 2 2
elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.
1
• Sendo ≥ 0 para todo n ∈ N, 0 é cota inferior de Y.
2n
Seja b > 0 em Q. Como Q é um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal
1 1
que n0 > − 1. Logo, n0 + 1 > .
b b
Pela desigualdade de Bernoulli, temos que

Instituto de Matemática - UFF 49


Análise na Reta

1
2n0 = (1 + 1)n0 ≥ 1 + n0 > ,
b
1
ou seja, b > . Assim, 0 = inf X. 
2n0

Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de números ra-


cionais não possuem ı́nfimo ou supremo em Q.

Lema 5.1 (Pitágoras)


Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2.

Prova.
p
Suponhamos, por absurdo, que existe ∈ Q tal que
q
 2
p
= 2,
q

ou seja p2 = 2q2 .
O fator 2 aparece um número par de vezes na decomposição de p2 e de
q2 em fatores primos.
Como p2 possui um número par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um
número ı́mpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradição. 

Exemplo 5.4 Sejam



X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y = x ∈ Q | y > 0 e y2 > 2 .

Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X é um subconjunto


limitado.
Sendo Y ⊂ [0, +∞), Y é limitado inferiormente.
Mostraremos que X não possui um supremo em Q e que Y não possui um
ı́nfimo em Q.
(1) O conjunto X não possui elemento máximo.

2 − b2
Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como > 0 e Q é arquimediano,
1 + 2b
1 2 − b2
existe n ∈ N tal que < .
n 1 + 2b
1
Faça r = . Então 0 < r < 1 e
n

50 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

(b + r)2 = b2 + 2rb + r2 < b2 + 2rb + r


2 − b2
= b2 + (2b + 1)r < b2 + (2b + 1)
2b + 1
= b2 + 2 − b2 = 2 .

Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que


b + r > b.Logo, X não possui maior elemento.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,
existe n ∈ N tal que
1 b2 − 2
0<r= < .
n 2b
Logo,
(b − r)2 = b2 − 2br + r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2
e
b2 − 2 b 1 b 1
b−r>b− = b − + = + > 0,
2b 2 b 2 b
ou seja, b − r ∈ Y e b − r < b. Assim, X não possui menor elemento.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, então x < y.
De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >
0 =⇒ y − x > 0, ou seja, y > x, pois y + x > 0.
• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que não existem sup X e inf Y em Q.
◦ Suponhamos, primeiro, que existe a = sup X, a ∈ Q. Então, a > 0
e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.
Se a2 > 2, então a ∈ Y. Como a não é o menor elemento de Y, existe
b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz
ser a = sup X.
Assim, se existir a = sup X, a2 = 2 e a ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema
de Pitágoras.
◦ Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Então, b > 0,
pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.
Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que é absurdo
por (2).

Instituto de Matemática - UFF 51


Análise na Reta

Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, então b ∈ X. Como b não é o maior elemento de


X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que
contradiz ser b = inf Y.
Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema de Pitágoras. 

Observação 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo


ordenado K no qual todo subconjunto não-vazio limitado superiormente
possui supremo, existirá neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.
De fato, K, sendo ordenado, contém Q e, portanto, contém o conjunto
X, que é limitado superiormente. Então, existirá a = sup X em K, cujo
quadrado deverá ser igual a 2.

Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado não arquimediano.


Então, N ⊂ K é limitado superiormente, mas não possui supremo.
De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Então, n + 1 ≤ b para todo
n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 é uma cota superior
de N menor do que b. 

Definição 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo


subconjunto de K não-vazio e limitado superiormente possui supremo em
K.

Observação 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto


Y ⊂ K não-vazio limitado inferiormente possui ı́nfimo em K.
De fato, considere X = −Y = {−y | y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de
Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Então, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou
seja, −b é uma cota superior de X e, portanto, X é limitado superiormente.
Sendo K completo, existe a = sup X.
Vamos mostrar que −a = inf Y:
◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.
◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, então −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,
a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.

Observação 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado
completo é arquimediano.

52 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Exemplo 5.6
• Q não é completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q não-vazio
e limitado superiormente não possui supremo em Q.
• Q(t) não é completo, pois Q(t) não é arquimediano. 

Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Análise Matemática.

Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo


dos números reais.

Observação 5.8 Existe em R um número positivo a tal que a2 = 2, que



é representado pelo sı́mbolo 2, e é único.
De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, então
a2 − b2 = 0 =⇒ (a − b)(a + b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.
Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.
Além disto, a ∈ R − Q.

Definição 5.4 O conjunto I = R − Q é o conjunto dos números irracio-


nais.

Exemplo 5.7 2 ∈ I .

Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um único


número real b > 0 tal que bn = a. O número b chama-se raiz n−ésima

de a e é representado pelo sı́mbolo n a.
Consideremos os conjuntos:
X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a} e Y = {y ∈ R | y > 0 e yn > a}
O conjunto Y é limitado inferiormente pelo zero.
O conjunto X não é vazio, pois 0 ∈ X, e é limitado superiormente. De fato:
• se a ≤ 1, então 1 é cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que
zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].
• se a > 1, então an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se
zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).
Como R é completo, existe b = sup X. Vamos provar que bn = a.

Instituto de Matemática - UFF 53


Análise na Reta

(1) X não possui elemento máximo.


Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,
x + d ∈ X e x + d > x.
Afirmação: Dado x > 0 existe, para cada n, um número real positivo An ,
que depende de x, tal que (x + d)n ≤ xn + An d seja qual for 0 < d < 1.
Vamos provar esta afirmação por indução em n.
Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que
(x + d)n+1 = (x + d)n (x + d) ≤ (xn + an d)(x + d)
= xn+1 + An dx + dxn + An d2
= xn+1 + (An x + xn + An d)d
< xn+1 + (An x + xn + An )d ,

já que 0 < d < 1. Tomando An+1 = An x + xn + An , temos que


(x + d)n+1 ≤ xn+1 + An+1 d.
Dado x ∈ X, isto é, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que

a − xn
0 < d < min 1, .
An

Então,
An (a − xn )
(x + d)n ≤ xn + An d < xn + = a,
An

ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X não possui elemento


máximo.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y − d)n > a,
ou seja, y − d ∈ Y e y − d < y.
d d
Seja 0 < d < y. Então, 0 < < 1, ou seja, −1 < − < 0.
y y

Pela desigualdade de Bernoulli, temos


 n  
n n d n d
(y − d) = y 1 − ≥y 1−n = yn − ndyn−1 .
y y

yn − a
Se tomarmos 0 < d < min y, n−1 , teremos que
ny
(yn − a)
(y − d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1 = yn − yn + a = a ,
nyn−1

54 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

ou seja, y − d > 0 e (y − d)n > a.


(3) Se x ∈ X e y ∈ Y então x < y.
De fato, como xn < a < yn , x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn
e, portanto,
yn − xn = (y − x)(yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 ) > 0 .
Como
yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 > 0, Exercı́cio 8: Prove que
yn − xn = (y − x) yn−1 + yn−2 x
`

temos que y − x > 0, ou seja, x < y. + . . . + yxn−2 + xn−1 ,


´

quaisquer que sejam x, y ∈ R e


Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = sup X, então n ∈ N.

bn = a.
Se bn < a, temos que b ∈ X, o que é absurdo, pois
b = sup X e, portanto, o elemento máximo de X, o que contradiz (1).
Se bn > a, então b ∈ Y, pois b > 0.
Exercı́cio 9: Mostrar que Y 6= ∅
Como, por (2), Y não possui um elemento mı́nimo, existe c ∈ Y tal que e bn = a, onde b = inf Y .

c < b.
Exercı́cio 10: Mostrar que existe
um único b > 0 em R tal que
Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c é uma cota superior de X
bn = a (ver observação 5.9).
menor do que b = sup X, o que é absurdo. Logo, bn = a. 

Observação 5.9 Dado n ∈ N, a função f : [0, +∞) −→ [0, +∞) definida


por f(x) = xn é sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo
a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e é injetiva, pois se 0 < x < y, então,
pela monotonicidade da multiplicação, 0 < xn < yn .
Logo, f é uma bijeção de [0, +∞) sobre si mesmo, e sua inversa

f−1 : [0, +∞) −→ [0, +∞) é dada por y −→ n y, a única raiz n−ésima
não-negativa de y.

Observação 5.10 (Generalização do Lema de Pitágoras)


Dado n ∈ N. Se um número natural m não possui uma raiz n−ésima
natural, também não possui uma raiz n−ésima racional.
 n
p
De fato, sejam p, q números naturais primos entre si tais que = m.
q
Então, pn = m qn .

Instituto de Matemática - UFF 55


Análise na Reta

Como pn e qn são primos entre si e qn divide pn , temos que q = 1, ou


p
seja, ∈ N, o que é absurdo.
q
√ √ √
Então, dados m, n ∈ N, se n
m 6∈ N então n
m ∈ I = R − Q, ou seja, n
m
é um número irracional.

Exemplo 5.9
√ √
• 2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja, 2 6∈ N.
√ √
• 3 3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3 3 6∈ N.
√ √
• 3 6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3 6 ∈6 N. 

Mostraremos, agora, que os números irracionais se acham espa-


lhados por toda parte entre os números reais e que há mais números
irracionais do que racionais.

Definição 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo


intervalo aberto (a, b) contém algum ponto de X.

Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z é denso em R.


De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Então, existe n0 ∈ Z
tal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,
(a, b) ∩ Z ⊂ {n0 , . . . , n0 + (m0 − n0 )} ,
que é um conjunto finito.
Como já provamos que (a, b) é um conjunto infinito, temos que o conjunto
(a, b) ∩ (R − Z) é, também, infinito e, em particular, é não-vazio. 

Teorema 5.1 O conjunto Q dos números racionais e o conjunto R − Q


dos números irracionais são densos em R.

Prova.
Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.
Afirmativa 1: Existe um número racional em (a, b).
1
Como b − a > 0, existe p ∈ N tal que < b − a.
p

m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

56 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Como R é arquimediano, A é um conjunto não-vazio de números inteiros,


limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por
um número inteiro.
Então, pelo Princı́pio de Boa Ordenação (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal
que m0 ≤ m para todo m ∈ A.
m0 − 1
Logo, como m0 − 1 < m0 , temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p
m0 − 1
Temos, também, que a < < b, pois, caso contrário,
p
m0 − 1 m
≤a<b≤ 0,
p p
m0 m −1 1
o que acarretaria b − a ≤ − 0 = , uma contradição.
p p p
m0 − 1 m −1
Logo, a < < b, ou seja, 0 ∈ (a, b) ∩ Q.
p p

Afirmativa 2: Existe um número irracional em (a, b).


Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b
ou a < b < 0.

1 b−a 2
Seja p ∈ N tal que < √ , ou seja, < b − a.
p 2 p

2m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

Como R é arquimediano, A é não-vazio, limitado inferiormente por


bp
√ ∈ R. Então, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo
2

2 (m0 − 1)
m0 − 1 < m0 , m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p

2 (m0 − 1)
Além disso, > a, pois, caso contrário,
p
√ √
2 (m0 − 1) 2 m0
≤a<b≤ .
p p
√ √
2 2 (m0 − 1)
Então, b − a ≤ , o que é absurdo. Assim a < < b e
p p
m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).

Instituto de Matemática - UFF 57


Análise na Reta


2(m0 − 1)
Logo, ∈ (R − Q) ∩ (a, b).
p

• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal

1 b 2
que < √ , ou seja, < b.
p 2 p
√ √
2 2
Como a < 0 < < b, temos que ∈ (R − Q) ∩ (a, b). 
p p

Teorema 5.2 (Princı́pio dos Intervalos Encaixados)


Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma seqüência decrescente de intervalos
In = [an , bn ] limitados e fechados.
\
Então a interseção In não é vazia. Mais precisamente,
n∈N
\
In = [a, b] ,
n∈N

onde a = sup an e b = inf bn .

Prova.
Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn , pois In+1 = [an+1 , bn+1 ] ⊂
[an , bn ] = In . Segue-se, então, que
a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,
pois an ≤ bm quaisquer que sejam m, n ∈ N.
De fato, se m = n, an ≤ bn . Se n < m, an ≤ am ≤ bm , e se n > m,
an ≤ bn ≤ bm .
Sejam A = {an | n ∈ N} e B = {bn | n ∈ N}. Então A e B são subconjuntos
limitados de R, já que: a1 é uma cota inferior e bm é uma cota superior de
A, para todo m ∈ N; e b1 é uma cota superior e am é uma cota inferior de
B, para todo m ∈ N.
Sejam a = sup A e b = inf B.
Como, para todo m ∈ N, bm é uma cota superior de A e am é uma cota
inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am .
Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.
Então, [a, b] ⊂ In , pois an ≤ a ≤ b ≤ bn , para todo n ∈ N.

58 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

\
Portanto, [a, b] ⊂ In .
n∈N
\
Precisamos ainda provar que In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe
n∈N

x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.


Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x é cota superior de A e, portanto, x ≥ a,
o que é uma contradição.
De modo análogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo
n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y é uma cota inferior de B. Logo,
b ≥ y, o qual é absurdo.
\
Temos, então, que [a, b] = In . 
n∈N

Teorema 5.3 O conjunto R dos números reais não é enumerável.

Prova.
Precisamos, antes, provar a seguinte:
Afirmação: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um
número real x0 , existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal
que J ⊂ I e x0 6∈ J.
De fato:
• se x0 6∈ I, tome J = I.
• suponha que x0 ∈ I. Se
ha + b i
◦ x0 = a, tome J = ,b ;
2
a+b
h i
◦ x0 = b, tome J = a, ;
2
h a+x i
0
◦ a < x0 < b, tome J = a, .
2
• Seja X = {x1 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de R.
Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.
Seja I1 um intervalo limitado, fechado e não-degenerado tal que x1 6∈ I1 .
Supondo que é possı́vel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,
fechados e não-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos

Instituto de Matemática - UFF 59


Análise na Reta

obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e não-degenerado tal que In+1 ⊂


In e xn+1 6∈ In+1 .
Isto nos fornece uma seqüência decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de
intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para
todo n ∈ N.
Como xn 6∈ In , para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.
Logo x ∈ R − X, ou seja, R não é enumerável. 

Corolário 5.1 Todo intervalo não-degenerado de números reais é não-


enumerável.

Prova.
[
• Primeiro vamos provar que R = (n, n + 1], isto é, dado x ∈ R existe
n∈N

n ∈ N tal que n < x ≤ n + 1.


Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A é um subconjunto não-vazio de Z
limitado inferiormente, A possui um elemento mı́nimo n0 .
Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.
• Precisamos, também, verificar que a função f : (0, 1) −→ R definida por
f(x) = (b − a)x + a é uma bijeção sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:
◦ se 0 < x < 1, então a < (b − a)x + a < b .
◦ se f(x) = f(y), então (b − a)x + a = (b − a)y + a, donde (b − a)x =
(b − a)y, ou seja, x = y.
y−a
◦ se y ∈ (a, b), então x = ∈ (0, 1) e f(x) = y.
b−a

• Portanto, se provarmos que (0, 1) não é enumerável, então todo intervalo


não-degenerado é não-enumerável.
Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) é enumerável.
Então, o intervalo (n, n + 1] também seria enumerável, pois a função fn :
(0, 1] −→ (n, n + 1] definida por f(x) = x + n é uma bijeção para todo
n ∈ N.
[
Mas, assim, R = (n, n + 1] seria enumerável por ser uma reunião
n∈N

60 J. Delgado - K. Frensel
enumerável dos conjuntos enumeráveis (n, n + 1]. 

Corolário 5.2 O conjunto dos números irracionais não é enumerável.

Prova.
Como Q é enumerável e R = Q ∪ (R − Q), então R − Q não é enu-
merável, pois, caso contrário, R seria enumerável por ser reunião de dois
conjuntos enumeráveis. 

Instituto de Matemática - UFF 61


Parte 3

Sequências e séries de números


reais

A noção de limite tem um papel central no estudo da Análise Ma-


temática, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a
limites direta ou indiretamente.

Instituto de Matemática - UFF 63


Seqüências

1. Seqüências

Definição 1.1 Uma seqüência de números reais é uma função definida


no conjunto N dos números naturais e tomando valores no conjunto R dos
números reais.
Se x : N −→ R é uma seqüência de números reais, o valor x(n) será
representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−ésimo termo
da seqüência x.
Escreveremos (x1 , x2 , . . . , xn , . . .) ou (xn )n∈N ou (xn ) para indicar a
seqüência x.

Observação 1.1
• Não se deve confundir a seqüência x com o conjunto de seus termos:
x(N) = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} ,
que pode ser finito, pois a seqüência x : N −→ R não é necessariamente
injetiva.

Definição 1.2 Quando a seqüência a : N −→ R for injetiva, ou seja,


xn 6= xm , se n 6= m, diremos que x é uma seqüência de termos dois a
dois distintos.

Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência (xn )n∈N é


• limitada superiormente quando existe um número real b tal que xn ≤ b
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.
• limitada inferiormente quando existe um número real a tal que a ≤ xn
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a, +∞) para todo n ∈ N.
• limitada quando é limitada superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.
• ilimitada quando não é limitada.

Observação 1.2
• Todo intervalo [a, b] está contido num intervalo centrado em 0 da forma
[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤
c, já que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.

Instituto de Matemática - UFF 65


Análise na Reta

• Assim, uma seqüência é limitada se, e só se, existe c ∈ R?+ tal que
|xn | ≤ c para todo n ∈ N.
• Então, (xn )n∈N é uma seqüência limitada se, e só se, (|xn |)n∈N é uma
seqüência limitada.

Definição 1.4 Uma subseqüência da seqüência x = (xn )n∈N é a restrição


da função x : N −→ R a um subconjunto infinito N 0 = {n1 < n2 <
. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se x 0 = (xn )n∈N 0 ou (xnk )k∈N ou
0
(xn1 , xn2 , . . . , xnk ) para indicar a subseqüência x = x|N 0 .

Observação 1.3 Lembremos que um subconjunto N 0 ⊂ N é infinito


se, e só se, é ilimitado, isto é, para todo m ∈ N existe n ∈ N 0 tal que
m < n. Neste caso, dizemos que N 0 contém números naturais arbitraria-
mente grandes.
Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N 0 , então
N − N 0 é finito e, portanto, N 0 é infinito. Dizemos, neste caso, que N 0
contém todos os números naturais suficientemente grandes.

Observação 1.4 Toda subseqüência de uma seqüência limitada é limi-


tada

Note que: Uma seqüência cres-


Definição 1.5
cente ou não-decrescente é limi-
• Uma seqüência (xn )n∈N é crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,
tada inferiormente pelo seu pri-
meiro termo. ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a
seqüência é não-decrescente.
Note que: Uma seqüência de-
crescente ou não-crescente é li- • Uma seqüência (xn )n∈N é decrescente quando xn > xn+1 para todo
mitada superiormente pelo seu n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a
primeiro termo.
seqüência é não-crescente.
• As seqüências crescentes, não-decrescentes, decrescentes e não-crescentes
são chamadas seqüências monótonas.

Observação 1.5 Uma seqüência monótona (xn )n∈N é limitada se, e só
se, possui uma subseqüência limitada.
Com efeito, vamos supor que x = (xn )n∈N é não-decrescente e (xn )n∈N 0
é uma subseqüência limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b

66 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

para todo n ∈ N 0 . Como N 0 é ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N 0 tal que


m > n.
Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.

Analisaremos agora alguns exemplos de seqüências.

Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é uma seqüência


constante. Então, ela é limitada não-decrescente e não-crescente. 

Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada inferiormente, ilimitada superiormente e monótona crescente. 

Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ı́mpar. Essa


seqüência é limitada e não é monótona. Observe que a seqüência se
1 + (−1)n
 nπ 
define, também, pelas fórmulas xn = ou xn = sen2 .
2 2 

1 1 1
 
Exemplo 1.4 Se xn = para todo n ∈ N, então x = 1, , . . . , , . . .
n 2 n
é uma seqüência limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para
todo n ∈ N.

n(1 + (−1)n+1 )
Exemplo 1.5 Seja x = (xn )n∈N , onde xn = para todo
2
n ∈ N. Então xn = 0 para n par e xn = n para n ı́mpar, ou seja, x =
(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela é ilimitada superiormente, limitada inferiormente e
não é monótona, mas seus termos de ı́ndice ı́mpar x2n−1 = 2n − 1 formam
uma subseqüência monótona crescente ilimitada superiormente e seus
termos de ı́ndice par x2n = 0 formam uma subseqüência constante. 

Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a seqüência xn = an , n ∈ N.


• se a = 0 ou a = 1, então xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo
n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn )n∈N é constante.

• Se 0 < a < 1, então an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,
(xn )n∈N é decrescente e limitada.
• Se −1 < a < 0, então a seqüência não é monótona, pois seus termos
são alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,
pois |an | = |a|n , com 0 < |a| < 1.

Instituto de Matemática - UFF 67


Análise na Reta

• Se a = −1, então a seqüência (an )n∈N é (−1, 1, −1, 1, . . .) e é, portanto,


limitada, mas não é monótona.
• Se a > 1, então a seqüência (an )n∈N é monótona crescente e ilimitada
superiormente.
De fato:
◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a·an > 1·an , ou seja, an+1 > an
para todo n ∈ N.
◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Então, pela desigualdade de Ber-
b−1
noulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n > .
h
Logo, an ≥ 1 + nh > b.
• se a < −1, a seqüência não é monótona, pois seus termos são al-
ternadamente positivos e negativos, e não é limitada superiormente nem
inferiormente.
De fato:
◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2 )n formam uma sub-
seqüência monótona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.

a2n
◦ Os termos de ordem ı́mpar x2n−1 = a2n−1 = formam uma
a
subseqüência decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n )n∈N
é uma seqüência crescente ilimitada superiormente. 

Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an =
1−a
para todo n ∈ N.
Então, (xn )n∈N é uma seqüência crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn
1
para todo n ∈ N; e é limitada, pois 1 < xn < para todo n ∈ N.
1−a
1
1 1 1 1 − n+1 1
Em particular, se a = , temos que 1+ +. . .+ n = 2 < =2
2 2 2 1 1
1− 1−
2 2
para todo n ∈ N. 

68 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
Exemplo 1.8 Seja an = 1 + + + . . . + , n ∈ N. A seqüência
1! 2! n!
(an )n∈N é crescente e é limitada, pois
1 1 1
an < 1 + 1 + + + . . . + n−1 < 1 + 2 = 3 ,
2 2·2 2
para todo n ∈ N. 

 1
n
Exemplo 1.9 Seja bn = 1 + , n ∈ N. A fórmula do binômio de
n
Newton (que pode ser provada por indução) nos dá
 1
n
bn = 1+
n
1 n(n − 1) 1 n(n − 1)(n − 2) 1
= 1+n· + · 2+ · 3
n 2! n 3! n
n(n − 1) . . . 2 · 1 1
+... + · n,
n! n

ou seja,

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 − .
n! n n n

j
Como 1 − > 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn é uma
n
soma de parcelas positivas. Além disso,cada parcela cresce com n, pois
j j
   
1− > 1− , 1 ≤ j ≤ n − 1, e, também, o número de parcelas
n+1 n
cresce com n.
Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn )n∈N é uma seqüência
crescente.
Observe ainda que (bn )n∈N é uma seqüência limitada, pois
Importante: Provaremos depois
1 1 1
0 < bn < 1 + 1 + + + ... + < 3, que as seqüências (an )n∈N e
2! 3! n! (bn )n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9
convergem para o número e.
para todo n ∈ N. 

Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,


a+b
1 sua média aritmética 2
é ob-
Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 = (xn + xn+1 ), para todo tida somando-se ao número a a
2 metade da distância b−a de a a
2
1 3 5 11
 
b−a
n ∈ N. A seqüência que se obtém é 0 , 1 , , , , , ... . b, ou subtraindo-se 2
de b.
2 4 8 16

Instituto de Matemática - UFF 69


Análise na Reta

Segue-se que os termos desta seqüência são:

x1 = 0 ,

x2 = 1 ,
1 1
x3 = 1 − = ,
2 2
1 1 1
x4 = 1− + =1− ,
2 4 4
1 1 1 1 1 1 1
 
x5 = 1− + − = + = 1+ ,
2 4 8 2 8 2 4
1 1 1 1 1 1
1 1

x6 = 1− + − + =1− − =1− + 2 ,
2 4 8 16 4 16 4 4
etc

Provaremos alguns fatos para obter a fórmula geral dos termos de ordem
par e de ordem ı́mpar.
1
Afirmação 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 · , para todo n ∈ N.
2n−1
De fato:
1
◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1 − 0 = 1 = (−1)2 · .
20
◦ Suponhamos que a afirmação seja válida para n. Então
1 1
xn+2 − xn+1 = (xn + xn+1 ) − xn+1 = (xn − xn+1 )
2 2
1 1 1
= − (xn+1 − xn ) = − (−1)n+1 · n−1
2 2 2
1 1
= (−1)n+2 · n = (−1)(n+1)+1 (n+1)−1 .
2 2
Note que:
• Se n é par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 · < 0.
2n−1
• Se n é ı́mpar, xn < xn+1 , e, portanto, xn < xn+2 < xn+1 , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 > 0.
2n−1

Fig. 1: Posicionamento dos pontos da seqüência (xn )n∈N .

70 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
 
Afirmação 2: x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 para todo n ∈ N.
2 4 4
De fato:
0+1 1 1
◦ Se n = 1, x3 = = = · 1.
2 2 2
◦ Suponhamos a afirmação verdadeira para n.
Então, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2 , temos que
1
x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 + (x2n+2 − x2n+1 )
2
1
 1 1
 1 (−1)2n+2
= 1 + + . . . + n−1 + ·
2 4 4 2 22n
1 1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + · n
2 4 4 2 4
1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + n .
2 4 4 4
1 1

Afirmação 3: x2n = 1 − + ... + para todo n ∈ N, n ≥ 2.
4 4n−1
De fato:
1
◦ Se n = 2, x4 = 1 − .
4
◦ Suponhamos que a igualdade seja válida para n.
Então, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n , temos que
1 1
x2n+2 = x2n − (x2n − x2n+1 ) = x2n + (x2n+1 − x2n )
2 2
1 1
 (−1)2n+1 1 1
 1
= 1− + . . . + n−1 + 2n−1
= 1 − + . . . + n−1
− n
4 4 2·2 4 4 4
1 1 1

= 1− + . . . + n−1 + n .
4 4 4
• Assim, como
1
1 1 1 1 − n+1 1 4
1 + + . . . + n−1 + n = 4 < = ,
4 4 4 1 1 3
1− 1−
4 4
para todo n ∈ N, temos que
1 4 4
0 ≤ x2n+1 < · = < 1,
2 3 6
para todo n ≥ 0, e
4 2
 
1 ≥ x2n >1+ 1− = , para todo n ≥ 1.
3 3

Instituto de Matemática - UFF 71


Análise na Reta

Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada, sendo (x2n+1 )n∈N uma subseqüência crescente e (x2n )n ∈ N uma
subseqüência decrescente. 

Exemplo 1.11 Seja xn = n
n para todo n ∈ N.
A seqüência (xn )n∈N é decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,
1 n 1 n
   
como 1 + < 3 para todo n ∈ N, 1 + < n para todo n ≥ 3.
n n
(n + 1)n
Logo, < n, ou seja, (n + 1)n < nn+1 .
nn

n+1

Assim, n + 1 < n n para todo n ≥ 3.
√ √ √
Como 1 = x1 < 2 = x2 < 3 3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 = 3 3 para todo n ∈ N,
concluı́mos também que (xn )n∈N é limitada. 

2. Limite de uma seqüência

Definição 2.1 Dizemos que o número real a é limite da seqüência (xn )n∈N
de números reais, e escrevemos
a = lim xn ,
n→∞

quando para cada número real ε > 0 é possı́vel obter um número natural
n0 tal que
|xn − a| < ε ,
para todo n > n0 .
Simbolicamente, temos que
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀ n > n0
n→∞

ou seja,
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a − ε, a + ε) , ∀ n > n0
n→∞

Assim, a = lim xn se, e só se, todo intervalo aberto de centro a


n→∞

contém todos os termos xn da seqüência, salvo, talvez, para um número


finito de ı́ndices n.

72 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Observação 2.1
• Quando lim xn = a, dizemos que a seqüência (xn )n∈N converge para a
n→∞

ou tende para a e escrevemos, também, xn −→ a.


• Uma seqüência que possui limite chama-se convergente. Caso contrário,
chama-se divergente, ou seja, uma seqüência (xn )n∈N é divergente se,
para nenhum número real a, é verdade que lim xn = a.
n→∞

• lim xn 6= a se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe
n→∞

n1 > n0 com |xn1 − a| ≥ ε0 .

Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)


Se a = lim xn e b = lim xn , então a = b.
n→∞ n→∞

Prova.
1
Suponhamos a 6= b e seja ε = |b − a| > 0. Temos que:
2
• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩
(b − ε, b + ε), terı́amos que:
|b − a| = |b − x + x − a| ≤ |b − x| + |x − a| < ε + ε = 2ε = |b − a| .
• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n > n0 .
Logo, xn 6∈ (b − ε, b + ε) para todo n > n0 . Então lim xn 6= b. 
n→∞

Teorema 2.2 Se n→∞


lim xn = a então toda subseqüência de (xn )n∈N con-
verge para a.

Prova.
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn )n∈N . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N
tal que |xn − a| < ε para todo n > n0 .
Como o conjunto N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é ilimitado, existe k0 ∈ N
tal que nk0 > n0 .
Logo, nk > nk0 > n0 e |xnk − a| < ε para todo k > k0 . 

Corolário 2.1 Se lim xn = a então, para todo k ∈ N, lim xn+k = a.


n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 73


Análise na Reta

Prova.
De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) é uma subseqüência de (xn )n∈N e,
portanto, converge para a.

Observação 2.2
• O limite de uma seqüência não se altera quando dela se omite um
número finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantém
Exercı́cio 12: Se (xn+k )n∈N
converge para a, para algum k ∈ quando se omite um número infinito de termos desde que reste ainda um
N, então xn −→ a.
número infinito de ı́ndices.
• Se (xn )n∈N possui duas subseqüências com limites distintos então (xn )n∈N
é divergente.
• Se (xn )n∈N converge e a subseqüência (xnk )k∈N converge para a, então
xn −→ a.

Teorema 2.3 Toda seqüência convergente é limitada.

Prova.
Seja a = lim xn e tome ε = 1. Então, existe n0 ∈ N tal que xn ∈
n→∞

(a − 1, a + 1) para todo n > n0 .


Sejam A = {a − 1, a + 1, x1 , . . . , xn0 }, M = max A e m = min A. Então
m ≤ xn ≤ M para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é limitada.

Observação 2.3 A recı́proca do teorema anterior não é verdadeira. Por


exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) é limitada, mas não é conver-
gente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn )n∈N possui
duas subseqüências que convergem para limites diferentes.

Observação 2.4 Se uma seqüência não é limitada, ela não é conver-


gente.

Teorema 2.4 Toda seqüência monótona limitada é convergente.

Prova.
Suponhamos que (xn )n∈N é não-decrescente, isto é, xn ≤ xn+1 para todo
n ∈ N.
Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn | n ∈ N}.

74 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Vamos mostrar que a = lim xn .


n→∞

Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε não é cota superior do conjunto dos


termos da seqüência. Logo, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn0 ≤ a. Como
xn ≥ xn0 , para todo n ≥ n0 , temos
a − ε < xn0 ≤ xn ≤ a < a + ε para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a.
n→∞

De modo análogo, podemos provar que se (xn )n∈N é não-crescente, então


lim xn = inf{xn | n ∈ N}.
n→∞

Corolário 2.2 Se uma seqüência monótona (xn )n∈N possui uma sub-
seqüência convergente, então (xn )n∈N é convergente.

Prova.
Pela observação 1.5, temos que a seqüência monótona (xn )n∈N é limi-
tada porque possui uma subseqüência convergente e, portanto limitada.
Então, pelo teorema anterior, (xn )n∈N é convergente.

Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto à convergência.

Exemplo 2.1 Toda seqüência constante, xn = a, n ∈ N, é convergente


e tem limite a.

Exemplo 2.2 A seqüência de termo geral xn = n, n ∈ N, não é conver-


gente porque não é limitada.

1 + (−1)n+1
Exemplo 2.3 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn = , n ∈ N,
2
é divergente porque possui duas subseqüências (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N que
convergem para limites diferentes.

1
Exemplo 2.4 A seqüência tem limite zero.
n n∈N

1
De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que < ε.
n0
1 1
Então, −ε < < < ε, para todo n > n0 . 
n n0

Instituto de Matemática - UFF 75


Análise na Reta

Exemplo 2.5 A seqüência (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) não é


convergente porque possui uma subseqüência, (x2n−1 )n∈N , ilimitada.

Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a seqüência (an )n∈N . Então:


• Se a = 1 ou a = 0, a seqüência constante (an )n∈N converge e tem limite
1 e 0, respectivamente.
• Se a = −1, a seqüência (−1, 1, −1, 1, . . .) é divergente, pois possui duas
subseqüências, (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N , que convergem para limites dife-
rentes.
• Se a > 1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois é crescente e ilimitada
superiormente.
• Se a < −1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois não é limitada supe-
riormente nem inferiormente.
• Se 0 < a < 1, a seqüência (an )n∈N é decrescente e limitada, logo,
convergente. Além disso, lim an = 0.
n→∞

1 1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > para todo n ≥ n0 ,
a ε
  n 
1
pois a seqüência é crescente e ilimitada superiormente, já
a n∈N
1
que > 1. Logo, −ε < an < ε ∀ n ≥ n0 .
a
• Se −1 < a < 0, lim an = 0, pois lim |an | = lim |a|n = 0, já que
n→∞ n→∞ n→∞

0 < |a| < 1.

lim xn = 0 ⇐⇒ lim |xn | = 0.


Observação 2.5 n→∞
n→∞

Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a seqüência (xn )n∈N , onde


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

é convergente porque é crescente e limitada superiormente. Além disso,


1
lim xn = .
n→∞ 1−a

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an | < ε(1 − a) para todo n > n0 .
1 |an+1 |

Logo, xn − = < ε para todo n ≥ n0 .

1−a |1 − a|

76 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

1
O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, lim xn = , apesar
n→∞ 1−a
de (xn )n∈N não ser monótona para −1 < a < 0. 

1 1 1 1
 n
Exemplo 2.8 Sejam an = 1 + + + . . . + + . . . e bn = 1 + ,
1! 2! n! n
para todo n ∈ N.
Como as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes e limitadas, elas
são convergentes.
Mostraremos depois que lim an = lim bn = e, onde e é a base dos
n→∞ n→∞

logaritmos naturais.

Exemplo 2.9 Seja (xn )n∈N a seqüência dada por


xn + xn+1
x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 = , n ∈ N.
2
Já vimos que:
 n  
1
1 1 1
 1 1 −  2  1
4
 
x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 =  = 1 − ,
2 4 4 2  1  3 4n
1−
4

e
1 1
 1
 1

x2n = 1 − + . . . + n−1 = 2 − 1 + + . . . + n−1
4 4 4 4
1
 1 − 4n  4 1
  2 4 1
= 2− = 2 − 1 − = + · n.
1  n 3 4 3 3 4
1−
4

Então a subseqüência (x2n−1 )n∈N é crescente limitada superiormente e a


subseqüência (x2n )n∈N é decrescente limitada inferiormente.
2
Afirmação 1: lim x2n−1 = .
n→∞ 3
1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que < ε, para todo n > n0 ,
4n
1 1
pois lim = 0, já que 0 < < 1 .
n→∞ 4n 4
2 2
1
Logo, x2n+1 − = < ε para todo n > n0 .

3 n 3 4
2
Afirmação 2: lim x2n = .
n→∞ 3

Instituto de Matemática - UFF 77


Análise na Reta

1 3
Dado ε > 0 , ∃ n0 ∈ N tal que n
< ε para todo n ≥ n0 .
4 4
2 4 1

Assim, x2n − = · n < ε para todo n ≥ n0 .

3 3 4
Afirmação 3: Se lim x2n+1 = lim x2n = a então lim xn = a.
n→∞ n→∞ n→∞

De fato, dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1 , n


par, e |xn − a| < ε se n > n2 , n ı́mpar.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então, |xn − a| < ε para todo n > n0 , pois n >
n0 ≥ n1 e n > n 0 ≥ n2 .
Pelas 3 afirmações acima, temos que a seqüência (xn )n∈N é convergente
2
e lim xn = . 
n→∞ 3

Exemplo 2.10 Como a seqüência ( n n)n∈N é decrescente a partir do

terceiro termo e é limitada inferiormente por 0, temos que ( n n)n∈N é con-

vergente. Mostraremos depois que lim n n = 1 .
n→∞

3. Propriedades aritméticas dos limites

Teorema 3.1 Se n→∞


lim xn = 0 e (yn )n∈N é uma seqüência limitada, então

lim (xn yn ) = 0.
n→∞

Prova.
Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn | < c para todo n ∈ N.
ε
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn | < para todo n > n0 . Logo,
c
ε
|xn yn | < c · = ε para todo n > n0 .
c
Isso mostra que lim (xn yn ) = 0. 
n→∞

sen(nx)
Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, n→∞
lim = 0, pois a seqüência
n
1
(sen(nx))n∈N é limitada já que | sen(nx)| ≤ 1, e a seqüência con-
n n∈N
verge para zero. 

78 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Observação 3.1 Se n→∞


lim yn = b e b 6= 0, então existe n0 ∈ N tal que

yn 6= 0 para todo n > n0 .


De fato, seja ε = |b| > 0. Então existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b − |b|, b + |b|)
para todo n > n0 , ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0 . Logo,
yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0 , se b > 0, ou yn < b + |b| =
b − b = 0 para todo n > n0 , se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0 , se
b 6= 0.

 
xn
No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a seqüência
yn n∈N

a partir de seu n0 −ésimo termo, onde n0 ∈ N é tal que yn 6= 0 se n ≥ n0 .

Teorema 3.2 Se n→∞


lim xn = a e lim yn = b, então:
n→∞

(1) lim (xn + yn ) = a + b ; lim (xn − yn ) = a − b ;


n→∞ n→∞

(2) lim (xn · yn ) = a · b ;


n→∞

xn a
(3) lim = , se b 6= 0.
yn b

Prova.
(1) Dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|xn − a| < para n > n1 ,
2
ε
|yn − b| < para n > n2 .
2
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,
|(xn + yn ) − (a + b)| = |(xn − a) + (yn − b)|
≤ |xn − a| + |yn − b|
ε ε
< + =ε
2 2
para todo n > n0 .
Se prova, de modo análogo, que (xn − yn ) −→ (a − b) .
(2) Como xn yn − ab = xn yn − xn b + xn b − ab = xn (yn − b) + (xn − a)b,
lim (xn − a) = lim (yn − b) = 0 e (xn )n∈N é limitada, por ser convergente,
n→∞ n→∞

temos que lim xn (yn − b) = lim (xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.
n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 79


Análise na Reta

Logo, pelo item (1),


lim (xn yn − ab) = lim xn (yn − b) + lim (xn − a)b = 0 .
n→∞ n→∞ n→∞

Assim, lim xn yn = ab .
n→∞

b2
(3) Pelo item (2), lim yn b = b2 . Então, dado ε = , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 2
b2 b2
yn b > b2 − = > 0 para todo n > n0 .
2 2
1 2
Segue-se que 0 < < para todo n > n0 .
yn b b2
 
1
Logo, a seqüência é limitada.
yn b n∈N

Assim,
 
xn a xn b − yn a
lim − = lim =0
n→∞ yn b n→∞ yn b

pelo teorema 3.1, pois lim (xn b − yn a) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e


n→∞
 
1
(2), e é limitada.
yn b n≥n0

a
Logo, lim xn yn = .
n→∞ b 

Observação 3.2 Resultados análogos aos itens (1) e (2) do teorema


anterior valem, também, para um número finito qualquer de seqüências.
Mas, o resultado não se aplica para somas, ou produtos, em que o número
de parcelas, ou fatores, é variável e cresce acima de qualquer limite.
1 1
Por exemplo, seja sn = + . . . + (n parcelas).
n n
Então, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, lim sn = 1.
n→∞

1 1
Assim, lim sn 6= lim + . . . + lim = 0 + . . . + 0 = 0.
n→∞ n→∞ n n→∞ n


Exemplo 3.2 Seja a seqüência (xn )n∈N , onde xn = n
a , a > 0.
√ √
n
• Se a = 1, n
a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim a = 1.
n→∞
√ √
Sejam b = n+1
aec= n
a, ou seja, bn+1 = cn = a .

80 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites


• Se a > 1, então n a é decrescente e limitada.

De fato, b = n+1 a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b < c, ou seja, n+1 a < n a, e n a > 1 para todo n ∈ N.

• Se 0 < a < 1, então n a é crescente e limitada.

De fato, b = n+1 a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b > c, ou seja, n+1 a > n a e n a < 1 para todo n ∈ N.

Como, para todo a > 0, a seqüência ( n a)n∈N é monótona e limitada,

temos, pelo teorema 2.4, que existe lim n a = `.
n→∞

n
Afirmação: lim a = ` > 0.
n→∞
√ √ √
Se a > 1, lim n
a = inf{ n a | n ∈ N} ≥ 1, pois ( n a)n∈N é decrescente e 1
n→∞

é uma cota inferior.


√ √ √
Se 0 < a < 1, lim n a = sup{ n a | n ∈ N} ≥ a, pois ( n a)n∈N é crescente
n→∞

e n a ≥ a para todo n ∈ N.

Afirmação: lim n a = 1.
n→∞

1 1 1
Consideremos a subseqüência (a n(n+1) )n∈N = (a n − n+1 )n∈N . Pelo teorema
2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:
1
1 1
− 1 an `
` = lim a n(n+1) = lim a n n+1 = lim 1 = = 1.
n→∞ n→∞ n→∞ a n+1 `



Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que n→∞
lim n n = 1.

Como ( n n)n∈N é uma seqüência decrescente a partir de seu terceiro

termo e n n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que
√ √
` = limn→∞ n n = inf{ n n | n ≥ 3} ≥ 1 .
1
Tomando a subseqüência ((2n) 2n )n∈N , obtemos que
h 1
i2 1
h 1 1
i
`2 = lim (2n) 2n = lim (2n) n = lim 2 n · n n
n→∞ n→∞ n→∞
1 1
= lim 2 · lim n = 1 · ` = ` .
n n
n→∞ n→∞

Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. 

Instituto de Matemática - UFF 81


Análise na Reta

Exemplo 3.4 Seja n→∞


lim yn = 0.
 
xn
• Se a seqüência é convergente ou, pelo menos, limitada, então
yn n∈N

lim xn = 0, pois
n→∞
 
x
lim xn = lim yn n = 0.
n→∞ n→∞ yn

Portanto, se lim yn = 0 e a seqüência (xn )n∈N diverge ou converge para


n→∞
 
xn
um limite diferente de zero, então a seqüência é divergente e
yn n∈N

ilimitada.
• Suponhamos agora que lim xn = lim yn = 0. Neste caso, a seqüência
n→∞ n→∞
 
xn
pode ser convergente ou não. Por exemplo:
yn n∈N

1 1 x
◦ se xn = e yn = , a 6= 0, então n = a −→ a.
n an yn
 
(−1)n 1 xn
◦ se xn = e yn = , então a seqüência é diver-
n n yn n∈N
xn
gente, pois = (−1)n .
yn
 
1 1 xn
◦ se xn = e yn = 2 , então a seqüência não converge,
n n yn n∈N
xn
pois = n. 
yn

Teorema 3.3 (Permanência do sinal)


Se lim xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0 .
n−→∞

Prova.
a a a
Dado ε = > 0, existe n0 ∈ N tal que a − < xn < a + para todo
2 2 2
a a
n ≥ n0 . Logo, xn > a − = > 0 para todo n ≥ n0 . 
2 2

Observação 3.3 De modo análogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal


que xn < 0 para todo n ≥ 0.

82 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Corolário 3.1 Sejam (xn )n∈N e (yn )n∈N seqüências convergentes. Se


xn ≤ yn para todo n ∈ N, então lim xn ≤ lim yn
n→∞ n→∞

Prova.
Suponhamos, por absurdo, que lim xn > lim yn .
n→∞ n→∞

Então, lim (xn − yn ) = lim xn − lim yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal


n→∞ n→∞ n→∞

que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0 . o que contradiz a


hipótese.

Observação 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, não se pode ga-


rantir que lim xn < lim yn .
n→∞ n→∞

1 1 1
Por exemplo, tome xn = 0 e yn = , ou xn = 2 e yn = .
n n n

Corolário 3.2 Se (xn )n→∞ uma seqüência convergente. Se xn ≥ a para


todo n ∈ N, então lim xn ≥ a .
n→∞

Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)


Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e lim xn = lim yn = a , então
n→∞ n→∞

lim zn = a.
n→∞

Prova.
Dado ε > 0, existem n1 , n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo
n ≥ n1 e a − ε < yn < a + ε para todo n ≥ n2 .
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo
n ≥ n0 .
Logo, lim zn = a. 
n→∞

1 1 1 1
 n
Exemplo 3.5 Sejam an = 1 + + + . . . + e bn = 1 + , n ∈ N.
1! 2! n! n
Já provamos antes que as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes
e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.
Então, lim bn ≤ lim an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para
n→∞ n→∞

todo n > p,

Instituto de Matemática - UFF 83


Análise na Reta

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 −
n! n n n
1 1 1 1 2
     
≥ 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 p−1
   
+ 1− ... 1 − .
p! n n

Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima


tende para ap .
Logo, lim bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim bn ≥ lim ap .
n→∞ n→∞ p→∞

Obtemos, então, que


1 n 1 1 1
   
Notação: no seguinte, escrevere- lim 1 + = lim 1 + + + . . . + = e.
n→∞ n n→∞ 1! 2! n!
mos as seqüências na forma (xn )
mais simples do que (xn )n∈N e 
os limites lim xn , também, na
n→∞
forma mais simples lim xn , desde
que não surjam ambigüidades.

4. Subseqüências

O número real a é o limite da seqüência x = (xn ) se, e só se, para


todo ε > 0 o conjunto
x−1 (a − ε, a + ε) = { n ∈ N | xn ∈ (a − ε, a + ε) }
tem complementar finito em N.
Para subseqüências, temos o seguinte resultado:

Teorema 4.1 Um número real a é o limite de uma subseqüência de


(xn ) se, e só se, para todo ε > 0, o conjunto dos ı́ndices n tais que xn ∈
(a − ε, a + ε) é infinito.

Prova.
(=⇒) Seja a = lim0 xn , onde N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Então,
n∈N

para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk ∈ (a − ε, a + ε) para todo k > k0 .
Como o conjunto {nk | k > k0 } é infinito, existem infinitos n ∈ N tais que
xn ∈ (a − ε, a + ε).
(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1 ∈ (a − 1, a + 1).

84 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Suponhamos, por indução, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de


1 1
 
modo que xni ∈ a − , a + , para i = 1, . . . , k.
i i
1

 1 1

Seja ε = > 0. Como o conjunto n ∈ N | xn ∈ a − ,a +
k+1 k+1 k+1
1 1
 
é infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1 > nk e xnk ∈ a − ,a + .
k+1 k+1
1
Então, N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é infinito e como |xnk − a| <
k
para todo k ∈ N , temos que lim xnk = a, ou seja, a é o limite de uma
k→∞

subseqüência de (xn )n∈N . 

Definição 4.1 Um número real a é valor de aderência da seqüência Terminologia: na literatura,


(xn ) quando a é o limite de uma subseqüência de (xn ). ponto de acumulação, valor de
acumulação, valor limite, ponto
limite e ponto aderente são
sinônimos de valor de aderência.
Observação 4.1 Como um subconjunto de N é infinito se, e só se, é
ilimitado, temos que as seguintes afirmações são equivalentes:
• a ∈ R é valor de aderência da seqüência (xn ) ;
• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e
xn ∈ (a − ε, a + ε) ;
• todo intervalo de centro a contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente
grandes.

Observação 4.2 Se lim xn = a, então a é o único valor de aderência


de (xn ). Mas a recı́proca não é verdadeira.
Por exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) só possui o zero como valor
de aderência, mas é divergente, já que é ilimitada.

Exemplo 4.1 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como


valores de aderência. 

Exemplo 4.2 Seja {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos números ra-


cionais de termos dois a dois distintos.
Como todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), a ∈ R e ε > 0, contém uma infi-
nidade de números racionais, pois Q é denso em R, temos que o conjunto
{n ∈ N | rn ∈ (a − ε, a + ε)}

Instituto de Matemática - UFF 85


Análise na Reta

é infinito e, portanto, a é valor de aderência de (rn ). Ou seja, todo número


real a é valor de aderência da seqüência (rn ). 

Exemplo 4.3 A seqüência (xn ), xn = n, não possui valor de aderência,


pois toda subseqüência de (xn ) é ilimitada.

• Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais, onde γ ≤ xn ≤ β


para todo n ∈ N.
Seja Xn = {xn , xn+1 , . . .}. Então,
[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .
Sendo an = inf Xn e bn = sup Xn , temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn ,
pois, como Xn+1 ⊂ Xn , temos
an = inf Xn ≤ xj e bn = sup Xn ≥ xj ,
para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n + 1.
Ou seja, an é cota inferior de Xn+1 e bn é cota superior de Xn+1 .
Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn .
Além disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer
que sejam n, m ∈ N, pois:
◦ se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,
◦ se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .
Logo,
γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .
Existem, portanto, os limites
a = lim an = sup an = sup inf Xn ,
n∈N n∈N

e
b = lim bn = inf bn = inf sup Xn .
n∈N n∈N

Dizemos que a é o limite inferior e b é limite superior da seqüência


Notação: em alguns livros de
Análise, pode ser encontrada
limitada (xn ), e escrevemos
a notação lim xn em vez de a = lim inf xn e b = lim sup xn .
lim sup xn e lim xn em vez de
lim inf xn . Temos, também, que sup an ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup an
n∈N n∈N

é uma cota inferior do conjunto {bm | m ∈ N}.

86 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Logo, sup an ≤ inf bn , ou seja,


n n

a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .

1 1
Exemplo 4.4 Seja a seqüência (xn ), onde x2n−1 = − e x2n = 1 + ,
n n
n ∈ N. Então,

1 1 1 1

◦ X2n−2 = 1+ ,− ,1 + ,− ,... ,
n−1 n n n+1

1 1 1 1

◦ X2n−1 = − ,1 + ,− ,1 + ,... ,
n n n+1 n+1

1 1 1 1

◦ X2n = 1 + , − ,1 + ,− ,... ,
n n+1 n+1 n+2
1 1
Assim, inf X2n−2 = inf X2n−1 = − e sup X2n−1 = sup X2n = .
n 1+n
Logo, a = lim inf xn = sup inf Xn = 0 e b = lim sup xn = inf sup Xn = 1.
n n

Como (x2n−1 ) e (x2n ) são subseqüências convergentes de (xn ), e


lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n , segue-se que 0 e 1 são seus únicos valo-
res de aderência. 

Teorema 4.2 Seja (xn ) uma seqüência limitada. Então, a = lim inf xn é
o menor valor de aderência de (xn ) e b = lim sup xn é o maior valor de
aderência de (xn ).

Prova.
Vamos provar primeiro que a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ).
Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = lim an , existe n1 > n0 tal que
an1 ∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1 = inf Xn1 e a + ε > an1 , existe n ≥ n1 tal
que a − ε < an1 ≤ xn < a + ε.
Provamos, então, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε). Logo, pelo teorema 4.1, a é valor de aderência de
(xn ).
Vamos, agora, provar que a é o menor valor de aderência de (xn ).
Seja c < a. Como a = lim an , existe n0 ∈ N, tal que c < an0 ≤ a. Ou seja,
c < an0 ≤ xn , para todo n ≥ n0 ,
pois an0 = inf{xn0 , xn0 +1 , . . .}.

Instituto de Matemática - UFF 87


Análise na Reta

Tomando ε = an0 − c, temos que c + ε = an0 . Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,


xn 6∈ (c − ε, c + ε) para todo n ≥ n0 .
Assim, c não é valor de aderência de (xn ).
A demonstração de que b = lim sup xn é o maior valor de aderência de
(xn ) se faz de modo análogo. 

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Como a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ), (xn ) possui uma sub-
seqüência que converge para a. 

Corolário 4.2 Uma seqüência limitada de números reais (xn ) é conver-


gente se, e só se, lim inf xn = lim sup xn , isto é, se, e só se, (xn ) possui
um único valor de aderência.

Prova.
(=⇒) Se (xn ) é convergente e lim xn = c, então c é o único valor de
aderência de (xn ).
Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .
(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn .
Como lim an = lim bn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
a − ε < an0 ≤ a ≤ bn0 < a + ε.
Mas, an0 ≤ xn ≤ bn0 para todo n ≥ n0 . Logo,
a − ε < an0 ≤ xn ≤ bn0 < a + ε ,
para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a . 

Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn , onde (xn ) é uma
seqüência limitada.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para
todo n > n0 . Além disto, a é o maior e b é o menor número com esta
propriedade.

88 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Prova.
Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais que
xn < a − ε. Estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N infinito.
Então, a subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≤ a − ε,
pois xn < a − ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c < a e a é o
menor valor de aderência de (xn ).
Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε para todo n > n2 .
De modo análogo, suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais
que xn > b + ε. Então estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N
infinito. A subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≥ b + ε,
já que xn > b + ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c ≥ b + ε > b
e b é o maior valor de aderência de (xn ). Logo, existe n2 ∈ N tal que
xn < b + ε para todo n > 1.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então a − ε < xn < b + ε para todo n > n0 .
1
• Seja a < a 0 e tome ε = (a 0 − a). Então, a + ε = a 0 − ε.
2
Sendo a um valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices
n tais que a − ε < xn < a + ε = a 0 − ε. Logo, nenhum número real a 0 > a
goza da propriedade acima.
1
• Seja b 0 < b e tome ε = b − b 0 . Então, b 0 + ε = b − ε.
2
Como b é valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices n
tais que b 0 + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum número real b 0 < b
goza da propriedade. 

Corolário 4.3 Se c < lim inf xn , então existe n1 ∈ N tal que c < xn para
todo n > n1 . Analogamente, se d > lim sup xn , então existe n2 ∈ N tal
que xn < d para todo n > n2 .

Prova.
Se c < a = lim inf xn , então c = a − ε, com ε = a − c > 0. Então,
pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε = c para todo n > n1 .
De modo análogo, podemos provar a afirmação com respeito ao
lim sup xn = b, tomando ε = d − b > 0. 

Instituto de Matemática - UFF 89


Análise na Reta

Corolário 4.4 Dada uma seqüência limitada (xn ), sejam a e b números


reais com as seguintes propriedades:
◦ se c < a, então existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1 ;
◦ se b < d, então existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.
Nestas condições a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.

Os corolários acima apenas repetem, com outras palavras, as afir-


mações do teorema 4.3.
• Sem usar as noções de limites inferior e superior de uma seqüência
limitada vamos provar que:

Toda seqüência limitada de números reais possui uma sub-


Veja, também, o exercı́cio 15.
seqüência convergente.

Prova.
Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja
A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ı́ndices n} .
Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento
de A pode ser maior do que b.
Assim, A 6= ∅ e é limitado superiormente por b.
Portanto, existe c = sup A.
Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c é valor de aderência da
seqüência (xn ).
Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c − ε < t ≤ c. Logo, há uma infinidade de
ı́ndices n tais que c − ε < xn .
Por outro lado, como c + ε 6∈ A, existe apenas um número finito de ı́ndices
n tais que xn ≥ c + ε.
Assim, existe um número infinito de ı́ndices n tais que c − ε < xn < c + ε.

Observação 4.3 c = lim sup xn .


• Sejam Xn = {xn , xn+1 , . . .} e bn = sup Xn , n ∈ N . Por definição,
lim sup xn = inf bn .
Afirmação: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c é uma cota inferior do
conjunto {bn | n ∈ N}.

90 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn , então


t ≥ xm para todo m ≥ n.
Logo, A ⊂ (−∞, bn ), ou seja, c = sup A ≤ bn .
• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = inf bn , temos que
n∈N

c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.


Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1 .
Então, α ≥ bn para todo n ≥ n1 . Mas, α = inf bn , ou seja, α ≤ bn para
n∈N

todo n ∈ N.
Assim, α = bn = sup Xn para todo n ≥ n1 .
1
Tome ε = (α − c) . Então, para todo n ≥ n1 , existe m > n tal que
2
1
α − ε < xm , ou seja, xm > (α + c) > c .
2
1
Portanto, o conjunto dos ı́ndices n tais que (α + c) < xn é ilimitado,
2
logo, infinito.
1 1
Então (α + c) ∈ A e (α + c) > c = sup A , o que é uma contradição.
2 2
Logo, c = sup A = α = lim sup xn .

5. Seqüências de Cauchy

Definição 5.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) é de Cauchy quando


para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn | < ε quaisquer que
sejam m, n > n0 .

Teorema 5.1 Toda seqüência convergente é de Cauchy.

Prova.
ε
Seja a = lim xn . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| < e
2
ε
|xn − a| < , quaisquer que sejam m, n > n0 .
2
ε ε
Logo, |xm − xn | ≤ |xm − a| + |xn − a| < + = ε para todos m, n > n0 . 
2 2

Instituto de Matemática - UFF 91


Análise na Reta

Antes de provarmos a recı́proca do teorema acima, vamos demons-


trar dois lemas importantes.

Lema 5.1 Toda seqüência de Cauchy é limitada.

Prova.
Seja ε = 1 > 0. Então, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | < 1, quaisquer
que sejam m, n ≥ n0 .
Em particular, |xm − xn0 | < 1, ou seja, xn0 − 1 < xn < xn0 + 1 para todo
n ≥ n0 .
Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto
{xn0 − 1, xn0 + 1, xn1 , . . . , xn0 −1 } .
Então, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn ) é limitada.

Lema 5.2 Se uma seqüência de Cauchy (xn ) possui uma subseqüência


convergindo para a ∈ R, então lim xn = a.

Prova.
ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | ≤ quaisquer que sejam
2
m, n > n0 .
Como a é limite de uma subseqüência de (xn ), existe, pelo teorema 4.1,
ε
n1 ∈ N, n1 > n0 , tal que |xn1 − a| < .
2
Logo,
ε ε
|xn − a| ≤ |xn − xn1 | + |xn1 − a| < + = ε,
2 2
para todo n > n0 .
Com isto, provamos que a = lim xn .

Teorema 5.2 Toda seqüência de Cauchy de números reais converge.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de Cauchy.
Pelo lema 5.1, (xn ) é limitada e, portanto, pelo corolário 4.1, (xn ) possui
uma subseqüência convergente. Então, pelo lema 5.2, (xn ) é conver-
gente.

92 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Observação 5.1 (Método das aproximações sucessivas)


Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a seqüência (xn ) satisfaz a seguinte
condição:
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | , para todo n ∈ N.

Então, |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 | , para todo n ∈ N .

De fato, se n = 1, a desigualdade é válida, e se |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 |,


então
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | ≤ λn |x2 − x1 | .
Assim, para m, p ∈ N arbitrários, temos:

|xn+p − xn | ≤ |xn+p − xn+p−1 | + . . . + |xn+1 − xn |

≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . . + λn−1 ) |x2 − x1 |

= λn−1 (λp−1 + λp−2 + . . . + λ + 1) |x2 − x1 |


1 − λp λn−1
= λn−1 |x2 − x1 | ≤ |x2 − x1 | .
1−λ 1−λ

λn−1
Como lim |x2 − x1 | = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 1 − λ

λn−1
0≤ |x2 − x1 | < ε para todo n > n0 .
1−λ

Logo, |xn+p − xn | < ε para todo p ∈ N e todo n > n0 , ou seja, |xm − xn | < ε
quaisquer que sejam m, n > n0 .
Então, (xn ) é de Cauchy e, portanto, converge.

Aplicação: Aproximações sucessivas da raiz quadrada


Seja a > 0 e seja a seqüência definida por x1 = c, onde c é um
 
1 a
número real positivo arbitrário, e xn+1 = xn + , para todo n ∈ N.
2 xn

Se provarmos que a seqüência é convergente e lim xn = b > 0,


então teremos que
 
1 a 1 a
 
b = lim xn+1 = lim xn + = b+ .
2 xn 2 b
a
Logo, b = , ou seja, b2 = a.
b

Instituto de Matemática - UFF 93


Análise na Reta

Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:


r
1 a a
 
Lema 5.3 Para todo x > 0, tem-se x+ > .
2 x 2

Prova.
r √
1 a a a 2 a a2
 
x+ > ⇐⇒ x + > √ ⇐⇒ x2 + 2a + 2 > 2a, o que é
2 x 2 x 2 x
a2
verdadeiro, pois x2 ≥ 0 e ≥ 0.
x2
r
a a
• Pelo lema, temos que xn > , para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 > ,
2 2
a
ou seja, < 1 para todo n > 1 .
2 xn xn+1

1
Afirmação: |xn+2 − xn+1 | ≤ |xn+1 − xn | para todo n > 1.
2
De fato, como
   
1 a 1 a
xn+2 − xn+1 = xn+1 + − xn +
2 xn+1 2 xn
 
1 a 1 1
= (xn+1 − xn ) + −
2 2 xn+1 xn
 
1 a xn − xn+1
= (xn+1 − xn ) + ,
2 2 xn+1 xn

temos que

|xn+2 − xn+2 | 1 a 1
≤ ,
= −
|xn+1 − xn | 2 2 xn xn+1 2
a
pois 0 < < 1.
2 xn xn+1

• Pela observação 5.1, (xn ) é de Cauchy e, portanto, convergente, e


r
a
lim xn = b > 0, pois xn > , para todo n > 1.
2

6. Limites infinitos

Definição 6.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para mais infi-
nito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo número real A > 0
dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0 .

94 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

Exemplo 6.1 Se xn = n, então lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe


n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0 .

Exemplo 6.2 Seja a seqüência (an ), onde a > 1.


Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1 + h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal
A−1
que n0 > . Logo, pela desigualdade de Bernoulli,
h
an = (1 + h)n ≥ 1 + nh > 1 + n0 h > A ,
para todo n > n0 .
Logo, lim an = +∞ se a > 1. 

• Mais geralmente, uma seqüência não-decrescente (xn ) ou é conver-


gente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.
De fato, se (xn ) é não-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que xn0 > A. Logo, xn ≥ xn0 > A para todo n ≥ n0 .

Observação 6.1 Se lim xn = +∞, então (xn ) é ilimitada superiormente,


mas é limitada inferiormente.

Observação 6.2 Se lim xn = +∞, então toda subseqüência de (xn )


também tende para +∞.

lim np = +∞, pois (1p , 2p , . . . , np , . . .)


Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, n→∞
é uma subseqüência da seqüência (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .


Exemplo 6.4 A seqüência ( p n)n∈N , para todo p ∈ N, tende para +∞,

pois é crescente e ilimitada superiormente, já que ( p np )n∈N = (n)n∈N é

uma subseqüência ilimitada superiormente da seqüência ( p n)n∈N .

Exemplo 6.5 A seqüência (nn )n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para
todo n ∈ N e a seqüência (n) tende para +∞.

Definição 6.2 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para −∞, e es-
crevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que
xn < −A para todo n > n0 .

Observação 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn ) = −∞ .

Instituto de Matemática - UFF 95


Análise na Reta

Observação 6.4 Se lim xn = −∞ então (xn ) é ilimitada inferiormente,


mas é limitada superiormente.

Exemplo 6.6 A seqüência ((−1)n n)n∈N não tende para +∞ nem para
−∞, pois ela é ilimitada superiormente e inferiormente.

Exemplo 6.7 A seqüência (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) é ilimitada superiormente


e limitada inferiormente, mas não tende para +∞, pois possui uma sub-
seqüência (x2n−1 = 0) que não tende para +∞ por ser constante.

Teorema 6.1 (Operações aritméticas com limites infinitos)


(1) Se lim xn = +∞ e a seqüência (yn ) é limitada inferiormente, então
lim(xn + yn ) = +∞ .
(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, então
lim(xn yn ) = +∞ .
1
(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Então lim xn = 0 ⇐⇒ lim = +∞ .
xn

(4) Sejam (xn ) e (yn ) seqüências de números positivos. Então:


(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se lim yn = 0,
xn
então lim = +∞ .
yn
xn
(b) se (xn ) é limitada e lim yn = +∞, então lim = 0.
yn

Prova.
(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos
que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0 .
Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0 e, portanto
lim(xn + yn ) = +∞ .
A
(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn > para todo n > n0 . Logo,
c
A
xn yn > c = A para todo n > n0 . Portanto, lim xn yn = +∞ .
c
(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
1 1
0 < xn < para todo n > n0 . Logo, > A para todo n > n0 . Assim,
A xn
1
lim = +∞.
xn

96 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

1
Suponhamos, agora, que lim = +∞ .
xn
1 1
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que > para todo n > n0 .
xn ε

Então −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0 .


Logo, lim xn = 0.
c
(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn < .
A
xn c
Então, > = A para todo n > n0 .
yn c/A
xn
Logo, lim = +∞ .
yn

(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe
b
n0 ∈ N tal que yn > para todo n > n0 .
ε
xn b x
Então, 0 < < = ε para todo n > n0 e, portanto, lim n = 0 .
yn b/ε yn

Observação 6.5 ∞ − ∞ é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn ).
Pode ser que a seqüência (xn + yn ) seja convergente, tenda para +∞,
tenda para −∞ ou não tenha limite algum.

Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , então lim xn = +∞ ,


lim yn = −∞ e lim(xn + yn ) = a.

√ √
Exemplo 6.9 Se xn = n + 1 e yn = − n, então lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, mas
√ √ √ √
√ √ ( n + 1 − n)( n + 1 + n)
lim (xn + yn ) = lim ( n + 1 − n) = lim √ √
n→∞ n→∞ n→∞ n+1+ n
1
= lim √ √ = 0.
n→∞ n+1+ n

Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, então lim xn = +∞, lim yn = −∞


e lim(xn + yn ) = lim(n2 − n) = +∞ , pois n2 − n = n(n − 1) > n se n ≥ 2.
E, portanto, lim(n − n2 ) = −∞ .

Instituto de Matemática - UFF 97


Análise na Reta

Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, então lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, mas a seqüência (xn + yn ) = ((−1)n ) não possui limite
algum.


Observação 6.6 é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e

 
xn
lim yn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da seqüência .
yn
Pode ser que essa seqüência convirja, que tenha limite +∞ ou que não
tenha limite algum.

Exemplo 6.12 Se xn = n + 1 e yn = n − 1, então lim xn = lim yn = +∞,


e
xn n+1 1 + 1/n
lim = lim = lim = 1.
yn n−1 1 − 1/n

Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, então lim xn = lim yn = +∞ e


xn
lim = lim n = +∞ .
yn

Exemplo 6.14 Se xn = (2 + (−1)n )n e yn = n , então, lim xn = +∞ ,


 
xn
lim yn = +∞ , mas a seqüência = (2 + (−1)n ) não possui limite.
yn

Exemplo 6.15 Se xn = a n , a > 0 e yn = n , então lim xn = +∞


xn
lim yn = +∞ e lim = lim a = a .
yn

an
Exemplo 6.16 Se a > 1 , então lim = +∞ , para todo p ∈ N .
np
Como a > 1, a = 1 + h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,
X n n−j j X n j
n   p+1  
n n
a = (1 + h) = 1 h ≥ h
j=0
j j=0
j
n(n − 1) 2 n(n − 1) . . . (n − p) p
= 1 + nh + h + ... + h .
2! p!

Daı́,
an 1 h 1 1 h2
 
≥ + + 1 − + ...
np np np−1 2 n np−2
1 1 p−1 n 1 p
       
p−1
+ 1− ... 1 − h + 1− ... 1 − hp .
(p − 1)! n n p! n n

98 J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas

Como
   2    
1 h 1 1 h 1 1 p−1
lim + p−1 + 1− + ... + 1− ... 1 − hp−1
n→∞ np n 2 n np−2 (p − 1)! n n
   
n 1 p p
+ 1− ... 1 − h = +∞ ,
p! n n

an
temos que lim = +∞ , qualquer que seja p ∈ N.
n→∞ np

Isto significa que as potências an , a > 1, crescem com n mais rapida-


mente do que qualquer potência de n de expoente fixo. 

an
Exemplo 6.17 Mas, n→∞
lim = 0, a > 0.
nn
a 1
De fato, seja n0 ∈ N tal que < .
n0 2
 n
an
 a n a 1
Então, 0 < n = ≤ < ; para todo n ≥ n0 .
n n n0 2n

an 1 an
Logo, 0 ≤ lim ≤ lim = 0 , ou seja, lim = 0.
nn 2n nn

n!
Exemplo 6.18 Para todo número real a > 0, tem-se lim = +∞ .
an
n0
De fato, seja n0 ∈ N tal que > 2. Logo, para todo n > n0 , temos que
a
n! n ! n +1 n + (n − n0 ) n !
n
= n00 0 ... 0 > 0n 2n−n0 ,
a a a a a0

n! n0 ! n n n!
ou seja, n
> n
2 . Como lim 2 = +∞, temos que lim = +∞ .
a (2a) 0 an

Isso significa que n! cresce mais rápido do que an , para a > 0 fixo.

7. Séries numéricas

• A partir de uma seqüência de números reais (an ) formamos uma nova


seqüência (sn ), cujos termos são as somas:
sn = a1 + . . . + an , n ∈ N,
X

que chamamos as reduzidas da série an .
n=1

Instituto de Matemática - UFF 99


Análise na Reta

A parcela an é chamada o n−ésimo termo ou termo geral da série.


Se existe o limite
s = lim sn = lim (a1 + . . . + an ) ,
n→∞ n→∞

dizemos que a série é convergente e que s é a soma da série. Escreve-


mos, então,
X

s= an = a 1 + a2 + . . . + an + . . . .
n=1

Notação: Usaremos também a Se a seqüência das reduzidas não converge, dizemos que a série
notação
P
an para designar a P

an é divergente ou que diverge.
X
série an .
n=1
Observação 7.1 Toda seqüência (xn ) pode ser considerada como a
seqüência das reduzidas de uma série.
De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,
assim, teremos:
s1 = x1 ,
s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,
.. ..
. .
sn = x1 + (x2 − x1 ) + . . . + (xn − xn−1 ) = xn .

X

Assim, a série x1 + (xn+1 − xn ) converge se, e só se, a seqüência (xn )
n=1

converge. E, neste caso, a soma da série é igual a lim xn .


P
Teorema 7.1 Se an é uma série convergente, então, lim an = 0.

Prova.
Seja s = lim sn , onde sn = a1 + . . . + an .
Então, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1 , temos que
lim an = lim(sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = 0.

Exemplo 7.1 A recı́proca do teorema acima é falsa.


X

1 1
De fato, basta considerar a série harmônica . Seu termo geral
n n
n=1

tende para zero, mas a série diverge.

100 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Com efeito, para todo n ≥ 1, temos


1
1 1 1 1 1 1  1 1

s2n = 1 + + + + + + + + ... + + ... +
2 3 4 5 6 7 8 2n−1 + 1 2n
1 2 4 2n−1 1
> 1 + + + + ... + n = 1 + n ,
2 4 8 2 2

Logo, a subseqüência (s2n ) tende a +∞. Como a seqüência (sn ) é cres-


cente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a série
X∞
harmônica diverge. 
n=1

X

1 1 1
• Como consequência, para 0 < r < 1, a série diverge, pois >
nr n r n
n=1
Lembre que: nr = er log n <
para todo n > 1. elog n = n .

X

Exemplo 7.2 A série geométrica an é
n=0

◦ divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an não


tende para zero.
◦ convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a seqüência das reduzi-
das é
1 − an+1
sn = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

1 X

1
que tende para . Isto é, an = , se |a| < 1.
1−a 1−a
n=0

Observação 7.2 Das propriedades aritméticas dos limites de seqüências,


resulta que:
P P P
• se an e bn são séries convergentes, então a série (an + bn ) é
P P P
convergente e (an + bn ) = an + bn .
P P P
• se an é convergente, então a série (ran ) é convergente e (ran ) =
P
r an , para todo r ∈ R.
P P P
• se as séries an e bn convergem, então a série cn cujo termo
X
n X
n−1
P P P
geral é cn = ai bn + an bj converge e cn = ( an ) ( bn ).
i=1 j=1

Instituto de Matemática - UFF 101


Análise na Reta

De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das


P P
séries an e bn .
Como sn −→ s e tn −→ t, temos que
P P X
n
( an ) ( bn ) = s · t = lim sn tn = lim ai bj .
n→∞ n→∞
i,j=1

X
n X
n
Afirmação: c` = ai bj , para todo n ∈ N.
`=1 i,j=1

X
1 X
1
◦ Se n = 1, c` = c1 = a1 b1 = ai bj .
`=1 i,j=1

◦ Suponhamos, por indução, que


X X X
n n
! n
!
c` = ai bj .
`=1 i=1 j=1

Então,

X X X X
n+1 n n
! n
!
c` = c` + cn+1 = ai bj + cn+1
`=1 `=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n+1 n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X
n
! n+1
! n+1
= ai bj + an+1 bj
i=1 j=1 j=1

X X
n+1
! n+1
!
= ai bj .
i=1 j=1

◦ Veremos depois que, em casos especiais,


P P P
( an ) ( bn ) = pn ,
X
n
onde pn = ai bn+1−i = a1 bn + a2 bn−1 + . . . + an b1 .
i=1

X

1
Exemplo 7.3 A série é convergente e sua soma é 1.
n(n + 1)
n=1

102 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

1 1 1
De fato, como = − , a reduzida de ordem n da série é
n(n + 1) n n+1
1
  1 1 1 1
 1
sn = 1 − + − + ... + − =1− .
2 2 3 n n+1 n+1
P 1
Logo, = lim sn = 1.
n(n + 1)

P
Exemplo 7.4 A série (−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + . . . é divergente, pois
seu termo geral não tende para zero. Suas reduzidas de ordem par são
iguais a zero e as de ordem ı́mpar são iguais a um.

X
∞ X

Observação 7.3 A série an converge se, e somente se, an
n=1 n=n0

converge, onde n0 ∈ N é fixo.


De fato, as reduzidas da primeira série são sn = a1 + . . . + an e as da
segunda série são tn = an0 + an0 +1 . . . + an0 +n−1 , ou seja, tn+1 = sn0 +n −
sn0 −1 . Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.

• Isto significa que a convergência de uma série se mantém quando dela


retiramos ou acrescentamos um número finito de termos.

P
Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A série an converge se, e
somente se, a seqüência das reduzidas é limitada, ou seja, se, e somente
se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . . + an < k para todo n ∈ N.

Prova.
Como an ≥ 0 para todo n, a seqüência (sn ) é monótona não-decrescente.
Logo, (sn ) converte se, e somente se, (sn ) é limitada.

Corolário 7.1 (Critério de comparação)


P P
Sejam an e bn séries de termos não-negativos. Se existem c > 0
e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0 , então a convergência de
P P P
bn implica a convergência de an , enquanto a divergência de an
P
acarreta a de bn .

Prova.
Sejam sn0 = an0 + . . . + an e tn0 = bn0 + . . . + bn para todo n ≥ n0 .

Instituto de Matemática - UFF 103


Análise na Reta

P
◦ Se a série bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k
para todo n ∈ N. Logo, a seqüência crescente (sn0 ) converge, pois sn0 < k
para todo n ≥ n0 .
X X

Assim, a série an converge, e, portanto, an é uma série conver-
n≥n0 n=1

gente.
P
◦ Se a série an diverge, a seqüência (sn ) de suas reduzidas,
tende a ∞. Como sn0 = sn − sn0 −1 , temos que a seqüência (sn0 ) tende a ∞.
P 1
Então a série bn diverge, pois tn ≥ tn0 ≥ sn0 , para todo n ≥ n0 , já que
c
bn ≥ an c para todo n ≥ n0 .

X

1
Exemplo 7.5 Se r > 1, a série é convergente.
nr
n=1

1
Como os termos da série são positivos, a seqüência (sn ) de suas re-
nr
duzidas é crescente.
Então, para provar que (sn ) converge, basta mostrar que (sn ) possui uma
subseqüência limitada.
Para m = 2n − 1,
1 1
 1 1 1 1

s2n −1 = 1 + r + r + r + r + r + r + . . .
2 3 4 5 6 7
 
1 1
+ n−1 r
+ ... + n r
(2 ) (2 − 1)
2 4 2n−1
< 1+ + + . . . +
2r 4r (2n−1 )r
X
n−1 
2 i

= ,
2r
i=0

1 1
pois = n−1 .
(2n − 1)r (2 + 2n−1 − 1)r

2 X 2 ∞  n
Como r > 1, temos r < 1. Logo, a série converge e é, portanto,
2 2r
n=0

limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subseqüência


(s2n −1 )n∈N é limitada.

104 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.3 (Critério de Cauchy para séries)


P
Uma série an é convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,
existe n0 ∈ N tal que
|an+1 + . . . + an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Prova.
P
Seja (sn ) a seqüência das reduzidas da série an .
Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p , basta aplicar à seqüência (sn ) o
critério de Cauchy para seqüências.

P
Definição 7.1 Uma série an chama-se absolutamente convergente
P
quando a série |an | é convergente.

Exemplo 7.6 Toda série convergente cujos termos não mudam de sinal
é absolutamente convergente.

P
Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a série geométrica an é absolutamente
convergente.

Mas nem toda série convergente é absolutamente convergente.

X

(−1)n+1
Exemplo 7.8 A série é convergente, mas não é absoluta-
n
n=1

mente convergente.
Já provamos que a série
X (−1)n+1 X
∞ ∞

1

n
= ,
n
n=1 n=1

P (−1)n+1
é divergente. Vamos mostrar agora que a série é convergente.
n
◦ Suas reduzidas de ordem par são:
1 1
  1 1
s2 = 1 − ; s4 = 1 − + − ;...;
2 2 3 4
1
  1 1  1 1

s2n = 1 − + − + ... + − ;...
2 3 4 2n − 1 2n

Instituto de Matemática - UFF 105


Análise na Reta

 
1 1
Como − > 0, para todo j > 1, temos que a subseqüência (s2n )
j−1 j
é crescente.
Além disso, (s2n ) é limitada superiormente.
Com efeito, existe c > 0 tal que
1 1 1
s2n = + + ... +
2×1 3×4 (2n − 1) × (2n)
1 1
< 1+ 2
+ ... + < c,
3 (2n − 1)2
P 1
para todo n ∈ N, pois a série é convergente e, portanto, limitada.
n2
Logo, existe lim s2n = s 0 .
◦ Suas reduzidas de ordem ı́mpar são:
1 1
s1 = 1 ; s3 = 1 − − ;...;
2
1 1 3 1 1

s2n−1 = 1 − − + ... + − ;...
2 3 2n − 2 2n − 1

Então a subseqüência (s2n−1 ) é decrescente.


Além disso, como, para todo n ∈ N,
1 1 1
s2n−1 = 1 − − − ... −
2×3 4×5 (2n − 2)(2n − 1)
1 1 1
> 1− 2
− 2 − ... −
2 4 (2n − 1)2
 
1 1 1
> 1− 1 + 2 + 2 + ... + .
2 3 (2n − 1)2
P 1
e a série é convergente, temos que a subseqüência (s2n−1 ) con-
n2
verge, pois (s2n−1 ) é limitada inferiormente.
Seja s 00 = lim s2n−1 .
1
Como s2n+1 − s2n = −→ 0, temos que s 0 = s 00 . Logo, a seqüência
2n + 1
X

(−1)n
(sn ) converge, e s = s 0 = s 00 = .
n
n=1

P P
Definição 7.2 Se a série an é convergente, mas a série |an | é
P
divergente, dizemos que an é condicionalmente convergente.

106 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.4 Toda série absolutamente convergente é convergente.

Prova.
P
Se a série |an | converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
|an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como
|an+1 + . . . + an+p | ≤ |an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
P
temos, pelo critério de Cauchy para séries, que a série an converge.

P
Corolário 7.2 Seja bn uma série convergente com bm ≥ 0 para todo
n ∈ N.
Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an | ≤ kbn para todo n > n0 , então a
P
série an é absolutamente convergente.

Prova.
Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que
ε
|bn+1 + . . . + bn+p | = bn+1 + . . . + bn+p < ,
k
quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.
Tome n2 = max{n1 , n0 }. Então,
|an+1 | + . . . + |an+p | ≤ k (bn+1 + . . . + bn+p ) < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Corolário 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an | ≤ kcn , onde 0 < c < 1
P
e k > 0, então a série an é absolutamente convergente.

Prova.
P
Basta aplicar o corolário anterior, já que a série geométrica cn con-
verge se 0 < c < 1.

Observação 7.4 Tomando k = 1 no corolário anterior, temos que


|an | ≤ cn se, e somente se, n |an | ≤ c.
p

Mas, se n |an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então sup{ n |an | | n ≥ n1 } ≤ c


p p

para todo n1 > n0 .

Logo, lim sup n |an | ≤ c < 1.


p

Instituto de Matemática - UFF 107


Análise na Reta

E reciprocamente, se lim sup n |an | < 1, então existe n0 ∈ N e 0 < d < 1


p

tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .


p

De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Então, pelo corolário 4.3,
existe n0 ∈ N tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .
p

Corolário 7.4 (Teste da raiz)


P
|an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então a série
p
n
Se existe c tal que an é
absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup n |an | < 1, então a série
p
P
an é absolutamente convergente.

P
|an | < 1, então a série
p
Corolário 7.5 Se lim n
an é absolutamente
convergente.

Observação 7.5 Se existe uma infinidade de ı́ndices n para os quais


P
|an | ≥ 1, então a série
p
n
an é divergente, pois seu termo geral não
tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n |an | > 1 ou
p

lim inf n |an | > 1.


p

P
|an | = 1 e lim an = 0, a série
p
Observação 7.6 Se lim n
an pode
convergir ou não.
P1 P 1
Por exemplo, para ambas as séries e
temos que lim an = 0 e
n n2
r  2
1 1 1
lim |an | = 1, pois lim √
p
n n
n
= 1 e, portanto, lim 2
= lim √n
= 1.
n n n
P1 P 1
No entanto, a série diverge e a série converge.
n n2

X

Exemplo 7.9 Consideremos a série nr an , onde a, r ∈ R. Temos
n=1
√ r √ r
lim n |nr an | = lim n |a| = |a| lim n n = |a|.
p n

n→∞ n→∞

Logo, a série converge se |a| < 1 e r ∈ R é arbitrário.


Como |nr an | ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da
série não tende para zero.
P r n
Logo, a série n a diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.

108 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

an
Se |a| > 1 e r < 0, temos que lim −r = +∞. Logo, neste caso, a série
n→∞ n
P r n
n a também diverge.
P 1
• Se a = 1 e r < −1. a série converge, pois −r > 1.
n−r
P 1
• se a = 1 e −1 ≤ r < 0, a série diverge, pois 0 < −r ≤ 1.
n−r
P (−1)n
• se a = −1 e r < −1, a série é absolutamente convergente, pois
n−r
P 1
converge.
n−r
P (−1)n
• Se a = −1 e −1 ≤ r < 0, a série é condicionalmente con-
n−r
vergente, como veremos depois, usando o critério de Leibniz (corolário
7.9).

Exemplo 7.10 Seja a série 1+2a+a2 +2a3 +a4 +. . .+2a2n−1 +a2n +. . .,


cujos termos de ordem par são b2n = 2a2n−1 e os de ordem ı́mpar são
b2n−1 = a2n−2 .
• Se |a| = 1, temos que lim |bn | 6= 0, pois, neste caso, |b2n | = 2 e |b2n−1 | =
1. Assim, a série diverge quando |a| = 1.
√ |a|
|b2n | = lim = |a| , e
p
2n 2n
• Como lim 2 2n
|a|
p

|a|
|b2n−1 | = lim |a|2n−2 = lim = |a| ,
2n−1
p 2n−1
p
lim
|a|
2n−1
p

temos que a série converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.
Portanto, a série converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.

Teorema 7.5 (Teste da razão)


P P
Sejam an uma série de termos não nulos e bn uma série conver-
|a | b
gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que n+1 ≤ n+1
|an | bn
P
para todo n > n0 , então an é absolutamente convergente.

Prova.
Seja n > n0 . Então,

Instituto de Matemática - UFF 109


Análise na Reta

|an0 +2 | b |an0 +3 | b |an | b


≤ n0 +2 , ≤ n0 +3 , . . . , ≤ n .
|an0 +1 | bn0 +1 |an0 +2 | bn0 +2 |an−1 | bn−1

Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos


|an | bn
≤ ,
|an0 +1 | bn0 +1

|a |
ou seja, |an | ≤ k bn , onde k = n0 +1 . Então, pelo corolário 7.2, a série
bn0 +1
P
an é absolutamente convergente.

|an+1 |
Corolário 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e ≤c
|an |
P
para todo n ≥ n0 , então a série an é absolutamente convergente.
|an+1 | P
Ou seja, se lim sup < 1, a série an converge absolutamente.
|an |

Prova.
P
Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a série geométrica cn
converge se 0 < c < 1.

|an+1 | P
Corolário 7.7 Se lim < 1 então a série an é absolutamente
|an |
convergente.
P
Exemplo 7.11 Seja a série nan . Como
|(n + 1)an+1 |
n + 1
lim = lim |a| = |a| ,
|na |n n
P
temos que a série an converge se |a| < 1.
Neste caso, o teste da raiz e da razão levam ao mesmo resultado, pois,
como já vimos, lim n n |a|n = |a| .
p

Exemplo 7.12 Considere a série


1 + 2a + a2 + 2a3 + a4 + . . . + 2a2n−1 + a2n + . . .
|an+1 | |a| |a |
Para n par, = , e, para n ı́mpar n+1 = 2|a|.
|an | 2 |an |

|an+1 |
Logo, lim sup = 2|a| e, pelo teste da razão, a série converge se
|an |
1
|a| < .
2

110 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

|bn | = |a|, onde bn é o termo geral da série.


p
n
Mas, como vimos antes, lim
Logo, pelo teste da raiz, a série converge se |a| < 1.

Veremos, depois, que o teste da raiz sempre é mais eficaz do que o


da razão, pois
|a |
|an | ≤ lim sup n+1
p
n
lim sup
|an |

|an+1 |
, então existe também lim n |an | e, mais ainda,
p
e, se existe lim
|an |
esses limites coincidem.

X

xn
Exemplo 7.13 Seja a série , onde x ∈ R.
n!
n=0

|x|n+1 n! |x| X

xn
Como · n = −→ 0, temos que a série é absoluta-
(n + 1)! |x| n+1 n!
n=0

mente convergente para todo x ∈ R.

|an+1 |
Observação 7.7 Quando lim = 1 nada se pode afirmar, ou seja,
|an |
P
a série an pode convergir ou divergir. Por exemplo,
P1 |an+1 | n+1
• a série harmônica diverge e lim = lim = 1;
n |an | n

P 1 |an+1 | n+1
 2
• a série converge e lim = lim = 1.
n2 |an | n

|an+1 | P
Observação 7.8 Quando ≥ 1 para todo n ≥ n0 , a série an
|an |
diverge, pois seu termo geral não tende para zero.
P
Mas, ao contrário do teste da raiz, não se pode concluir que a série an
|an+1 |
diverge apenas pelo fato de se ter ≥ 1 para “uma infinidade de
|an |
valores de n”.
P
Com efeito, se an é uma série convergente qualquer e an > 0 para todo
n ∈ N, a série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . . também é convergente,
0 0
pois s2n = 2sn e s2n−1 = 2sn − an e, portanto,
0 0
P
lim s2n = lim s2n−1 = 2s = 2 an ,

Instituto de Matemática - UFF 111


Análise na Reta

onde sn0 e sn são as reduzidas de ordem n das séries a1 + a1 + a2 + a2 +


P
. . . + an + an + . . . e an , respectivamente.
Mas, se bn é o termo geral da série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . .,
bn+1
temos que = 1 para todo n ı́mpar.
bn

Teorema 7.6 Seja (an ) uma seqüência limitada de números reais posi-
tivos. Então,
an+1 √ √ a
lim inf ≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup n+1 .
an an
an+1 √
Em particular, se existir lim , existirá, também, lim n an e os dois limi-
an
tes serão iguais.

Prova.
Vamos provar que
an+1 √
lim inf ≤ lim inf n an .
an

Suponhamos, por absurdo, que



a = lim inf an+1 an > lim inf n
an = b .
Então, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,
√ a
b = lim inf n an < c < lim inf n+1 = a .
an
an+1
Pelo corolário 4.3, existe p ∈ N tal que > c para todo n ≥ p. Assim,
an
ap+1 ap+2 a
>c, > c ,... , n > c ,
ap ap+1 an−1

para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,


a √ √
obtemos que n > cn−p , ou seja, n an > c k para todo n > p, onde
n

ap
ap
k= . Logo,
cp
√ √
√ √
inf { an+1 , . . . } ≥ inf
n n+1
n
an , n+1
c k, c k, . . .

pois,

√ √ √ √
n n+1 m
inf c k, c k, . . . ≤ c k < m am ,

√ √
n n+1
para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf c k, c k, . . . é uma cota

112 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

√ √
inferior do conjunto { n
an , n+1
an+1 , . . . } , para todo n > p.
Assim, temos que
√ √
n

n
an ≥ lim inf c k = lim c k = c ,
lim inf n


o que é absurdo, pois estamos supondo que lim inf n an < c.
A desigualdade
√ an+1
lim sup n
an ≤ lim sup
an

prova-se de modo análogo.

Exemplo 7.14 Consideremos a seqüência (xn ), onde


x2n−1 = an bn−1 e x2n = an bn , n ∈ N,
ou seja, x = (a, ab, a2 b, a2 b2 , a3 b2 , . . .), onde a, b ∈ R − {0} , a 6= b.
xn+1 x
Como = b, se n é ı́mpar, e n+1 = a, se n é par, temos que não
xn xn
x
existe lim n+1 , pois a =
6 b.
xn

Mas,
√ 1
• lim 2n−1
x2n−1 = lim(an bn−1 ) 2n−1
n n−1
= lim a 2n−1 b 2n−1
1 1 1 1
= lim a 2 + 2(2n−1) b 2 − 2(2n−1)
√  1
√  1

= a lim a 2(2n−1) b lim b− 2(2n−1)

= ab
√ √
2n
√ √
• lim 2n
x2n = lim an bn = lim a b = a b
√ √
Logo, lim n
xn = a b .

Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista
o limite da razão.

1 1 √
Exemplo 7.15 Seja xn = √
n
. Tome yn = . Então, xn = n yn .
n! n!

Como
yn+1 1 1
lim = lim n! = lim = 0,
yn (n + 1)! n+1

Instituto de Matemática - UFF 113


Análise na Reta


temos que lim n
yn também existe e
√ y
lim n yn = lim n+1 = 0 .
yn

Logo, lim xn = lim n
yn = 0.

n nn √
Exemplo 7.16 Seja xn = √
n
e considere yn = . Então, n yn = xn .
n! n!

Como
yn+1 (n + 1)n+1 n! (n + 1)(n + 1)n n! 1
 n
= · n = = 1+ −→ e ,
yn (n + 1)! n n!(n + 1)nn n

temos que existe lim n
yn e
√ yn+1
lim xn = lim n
yn = lim = e.
yn

Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)


P
Seja an uma série cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma
seqüência limitada. Seja (bn ) uma seqüência não-crescente de números
P
positivos com lim bn = 0. Então a série an bn é convergente.

Prova.
Vamos mostrar, primeiro, por indução, que, para todo n ≥ 2,
X
n
a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + . . . + an bn = si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn ,
i=2

ou seja,

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )(b2 − b3 )


+ (a1 + a2 + a3 )(b3 − b4 )
+ . . . + (a1 + . . . + an ) bn .

De fato
• Se n = 2, a1 b1 + a2 b2 = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )b2 .
• Suponhamos que a igualdade é verdadeira para n. Então,

114 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn + an+1 bn+1
X
n
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn + an+1 bn+1
i=2
Xn
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn (bn − bn+1 ) + sn bn+1 + an+1 bn+1
i=2
X
n+1
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn+1 bn+1 .
i=2

Como a seqüência (sn ) é limitada, existe k > 0 tal que |sn | ≤ k para todo
n ∈ N.
Temos também que a reduzida de ordem n da série de termos não-
X

negativos (bn−1 − bn ) é b1 − bn+1 , que converge para b1 .
n=2

X
∞ X

Logo, a série sn−1 (bn−1 −bn ) é convergente, pois a série (bn−1 −bn )
n=2 n=2
converge e
|sn−1 (bn−1 − bn )| ≤ k(bn−1 − bn ) , para todo n ≥ 2.
X

Então a série an bn é convergente, pois lim sn bn = 0, ou seja, a redu-
n=1

X
n
P
zida si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn de ordem n da série an bn converge.
i=2

Corolário 7.8 (Critério de Abel)


P
Se a série an é convergente e (bn ) é uma seqüência não-crescente e
P
limitada inferiormente, então a série an bn é convergente.

Prova.
Como a seqüência (bn ) é não-crescente e limitada inferiormente, existe
lim bn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.
Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) é uma seqüência não-crescente.
P
Então, pelo teorema de Dirichlet, a série an (bn − b) é convergente e,
P P
portanto, a série an bn também é convergente, já que a série b an
converge.

Instituto de Matemática - UFF 115


Análise na Reta

Corolário 7.9 (Critério de Leibniz)


P
Se a seqüência (bn ) é não-crescente e lim bn = 0, então a série (−1)n bn
é convergente.

Prova.
P
Pelo teorema de Dirichlet, a série (−1)n bn converge, pois as reduzidas
P
da série (−1)n são limitadas por 1.

P (−1)n
Exemplo 7.17 A série é convergente para todo r > 0, pois a
nr
1
seqüência é decrescente e tende para zero.
nr
P (−1)n
Logo, a série é condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,
nr
P 1
pois já provamos que a série não converge quando r ≤ 1.
nr

X

cos(nx) X sen(nx)
Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as séries e ,
n n
n=1

são convergentes.
1
Como a seqüência é decrescente e tende para zero, basta mostrar
n
que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +
P P
sen(2x) + . . . + sen(nx) das séries cos(nx) e sen(nx) são limitadas.
Temos que 1 + sn e tn são, respectivamente, a parte real e imaginária do
número complexo
1 − (eix )n+1
1 + eix + . . . + einx = .
1 − eix

Logo, como eix =


6 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que

1 − eix n+1
2
≤ , para todo n ∈ N.

1−e ix |1 − eix |


Ou seja, a seqüência 1 + eix + . . . + einx n∈N
é limitada e, portanto, as
seqüências de suas partes reais e imaginárias são, também, limitadas.

P
Observação 7.9 Dada uma série an , definimos

116 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas


an se an > 0
pn =
0 se an ≤ 0 .

O número pn é chamado parte positiva de an .


Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o número

0 se an ≥ 0
qn =
−a se a < 0 . n n

Então, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e


an = pn − qn ; |an | = pn + qn ; |an | = an + 2qn ; |an | = 2pn − an .
P
• Se an é absolutamente convergente então, para todo k ∈ N, temos:
X
∞ X
k X
k X
k
|an | ≥ |an | = pn + qn .
n=1 n=1 n=1 n=1
P P
Logo, as séries pn e qn são convergentes, pois suas reduzidas for-
X

mam seqüências não-decrescentes limitadas superiormente por |an |.
n=1
P P
E, reciprocamente, se as séries pn e qn são convergentes, então a
P
série an é absolutamente convergente.
P
• Mas, se a série an é condicionalmente convergente, então as séries
P P
pn e qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas séries con-
P
verge, a série an também converge.
P
Suponha, por exemplo, que a série qn converge.
P
Então, a série |an | converge, pois
X
k X
k X
k X
∞ X

|an | = an + 2 qn −→ an + 2 qn .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
P P
O caso em que a série pn converge, prova-se que a série |an | con-
verge de modo análogo usando a relação |an | = 2pn − an , para todo
n ∈ N.

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 7.19 Já sabemos que a série = 1− + − +
n 2 3 4
n=1

. . . é condicionalmente convergente. Então, a série das partes positivas

Instituto de Matemática - UFF 117


Análise na Reta

P 1 P 1
pn = 1 + 0 + + 0 + . . . e a série das partes negativas qn = 0 + +
3 2
1
0+ + . . . divergem.
4

8. Aritmética de séries

Vamos investigar, agora, se as propriedades aritméticas, tais como


associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as
séries.
P
• Associatividade: Dada uma série an convergente, ao inserirmos
parênteses entre seus termos, formamos uma nova série cuja seqüência
(tn ) das reduzidas é uma subseqüência da seqüência (sn ) das reduzidas
P
da série an .
Como (sn ) é uma seqüência convergente, (tn ) também o é, ou seja,
X

a nova série é convergente e sua soma é igual a s = an .
n=1

Por exemplo, a reduzida tn da série


(a1 + a2 ) + (a3 + a4 ) + (a5 + a6 ) + . . .
é igual a s2n .
• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma série conver-
gente, obtemos uma nova série, em relação à qual a série original pode
ser obtida por associação de seus termos. Assim, a seqüência das re-
duzidas (sn ) da série original é uma subseqüência das reduzidas (tn ) da
nova série. Então, (sn ) pode convergir sem que (tn ) convirja.
P
Por exemplo, dada a série an convergente, podemos dissociar
seus termos da forma an = an + 1 − 1. Então, a nova série
a 1 + 1 − 1 + a2 + 1 − 1 + a3 + 1 − 1 + . . .
diverge, pois seu termo geral não converge para zero.
P
Mas, quando a série an é absolutamente convergente e dissocia-
mos seus termos como somas finitas an = a1n + . . . + akn de parcelas com
o mesmo sinal, a nova série obtida converge e converge para a mesma
soma.

118 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escre-


vermos cada an como uma soma finita de números não-negativos, obte-
P
mos uma nova série bn , com bn ≥ 0, cuja seqüência das reduzidas
(tn ) é uma seqüência não-decrescente, que possui como subseqüência a
P
seqüência (sn ) das reduzidas da série an .
Como a subseqüência (sn ) é limitada superiormente, por ser conver-
gente, então (tn ) é, também, limitada superiormente. Logo, (tn ) converge
e converge para o mesmo limite da subseqüência (sn ). Ou seja, a nova
P P P
série bn converge e tem soma bn = an .
P
Seja, agora, uma série an absolutamente convergente.
Se pn e qn são, respectivamente, a parte positiva e a parte nega-
P P
tiva de an , temos que as séries pn e qn têm todos os termos não-
negativos, são convergentes, e
P P P
an = pn − qn .
Como toda dissociação dos an em somas finitas de parcelas com
P P
o mesmo sinal determina uma dissociação em pn e outra em qn ,
temos, pelo visto acima, que esta dissociação mantêm a convergência e
P P
o valor da soma das séries pn e qn .
P
Logo, a nova série é convergente e tem a mesma soma que an .

P P
Exemplo 8.1 Sejam an e
bn séries convergentes com somas s e
P
t, respectivamente. Já sabemos que a série (an + bn ) = (a1 + b1 ) +
(a2 + b2 ) + . . . converge para s + t.
Vamos provar que a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociação
P
dos termos da série (an + bn ) converge e sua soma é s + t.
Observamos, primeiro, que esta afirmação não decorre do provado acima,
P P
pois não estamos supondo que an e bn sejam absolutamente con-
vergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo sinal.
P P
Sejam sn e tn as reduzidas das séries an e bn respectivamente.
Então, a série a1 +b1 +a2 +b2 +a3 +b3 +. . . tem como reduzidas de ordem
par r2n = sn +tn e como reduzidas de ordem ı́mpar r2n−1 = sn−1 +tn−1 +an .
Como lim an = 0 , segue-se que lim r2n = lim r2n−1 = s + t . Logo, lim rn =
s + t , ou seja, a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . . converge e tem soma s + t.

Instituto de Matemática - UFF 119


Análise na Reta

P
• Comutatividade: Dada uma série an , mudar a ordem de seus termos
significa considerar uma bijeção ϕ : N −→ N para formar uma nova série
P
bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) , para todo n ∈ N.

P
Definição 8.1 Uma série an é comutativamente convergente quando,
P
para toda bijeção ϕ : N −→ N, a série bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) ,
P P
é convergente e an = bn .

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 8.2 A série = 1− + − + . . . é convergente,
n 2 3 4
n=1
Provaremos depois que a soma s
da série do exemplo 8.2 é igual a mas não é absolutamente convergente.
log 2 , usando a série de Taylor da
função logaritmo. X

(−1)n+1 1
Seja s = . Multiplicando os termos da série por , obtemos
n 2
n=1

s X

(−1)n+1 1 1 1 1 1
= = − + − + ...
2 2n 2 4 6 8 10
n=1

Então,
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ...,
2 2 4 6 8 10
pois, quando incluimos zeros entre os termos de uma série, não alteramos
a sua convergência e nem a sua soma.
P P
• De fato, se sn e tn são as reduzidas da série an e da série bn ,
obtida acrescentando zeros entre os termos an , temos que, dado n0 ∈ N,
existe m0 ∈ N, m0 ≥ n0 , tal que tm0 = sn0 .
Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0 , então |tn − s| < ε para todo
m ≥ m0 , pois para todo m ≥ m0 existe n ≥ n0 tal que t m = s n.
Então, somando termo a termo as séries
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ... ,
2 2 4 6 8 10
e
1 1 1 1 1 1 1 1 1
s=1− + − + − + − + − + ...,
2 3 4 5 6 7 8 9 10
obtemos a série
3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+0+ − + +0+ − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
Pela propriedade associativa, podemos retirar os termos zeros de uma

120 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

série sem alterar sua convergência nem a sua soma. Logo,


3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+ − + + − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
P
• Precisamos ainda provar que os termos da série (an + bn ), onde
P 1 1 1
an = 0 + + 0 − + 0 + + . . .
2 4 6
e
P 1 1 1 1 1
bn = 1 − + − + − + ...
2 3 4 5 6
P
são os termos da série bn , depois de eliminarmos os zeros, só que
numa ordem diferente!
(−1)n+1 (−1)n+1
◦ De fato, como a2n−1 = 0, a2n = e bn = , temos:
2n n
a2n−1 + b2n−1 = b2n−1
e
(−1)n+1 (−1)2n+1 (−1)n+1 + (−1)2n+1
a2n + b2n = + = .
2n 2n 2n
−2 (−1)n+1
Logo, a2n + b2n = = se n é par, e a2n + b2n = 0 se n é ı́mpar.
2n n
• Provamos, assim, que os termos da série
1 1 1 1 1 1 1 1
1+ − + + − + + − + ...
3 2 5 7 4 9 11 6
3s
cuja soma é , são os mesmos da série original, cuja soma é s, apenas
2
com uma mudança de ordem.
Assim, uma reordenação dos termos de uma série convergente pode al-
terar o valor da sua soma!

Teorema 8.1 Toda série absolutamente convergente é comutativamente


convergente.

Prova.
P
• Suponhamos, primeiro, que an é uma série convergente com an ≥ 0
para todo n.
Seja ϕ : N −→ N uma bijeção e tomemos bn = aϕ(n) .
P P P
Vamos provar que a série bn é convergente e que bn = an .

Instituto de Matemática - UFF 121


Análise na Reta

Sejam sn = a1 + . . . + an e tn = aϕ(1) + . . . + aϕ(n) as reduzidas de ordem


P P
n das séries an e bn , respectivamente.

Afirmação 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm .


De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Então
{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . , m} .
Logo,
X
n X
m
tn = aϕ(i) ≤ aj = sm .
n=1 i=1

Afirmação 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn .


X
m X
m
De fato, dado m ∈ N, temos que sm = ai = bϕ−1 (i) .
i=1 i=1

Seja n = max ϕ−1 (1), . . . , ϕ−1 (m) . Então,
 −1
ϕ (1), . . . , ϕ−1 (n) ⊂ {1, 2, . . . , n} .

Logo,
X
m X
n
sm = bϕ−1 (i) ≤ bj = tn .
i=1 j=1

P
Afirmação 3: lim sn = lim tn = s , ou seja, bn é convergente e
P P
bn = an .
De fato, como s = lim sm = sup sm e t = lim tn = sup tn , temos que
m∈N n∈N

sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.


Assim, pelas afirmações (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para
todo m ∈ N.
Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.
P
• No caso em que a série an é absolutamente convergente, temos que
P P P
an = pn − qn , onde pn e qn são a parte positiva e a parte negativa
de an , respectivamente.

Afirmação 4: Toda reordenação (bn ) dos termos an da série original dá


lugar a uma reordenação (un ) para os pn e uma reordenação (vn ) para
os qn , de tal modo que cada un é a parte positiva e cada vn é a parte
negativa de bn .

122 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

De fato, se bn = aϕ(n) , sendo ϕ : N −→ N uma bijeção, temos que:



un = pϕ(n) = aϕ(n) = bn , se aϕn = bn > 0
u = p = 0, se a = b ≤ 0 .
n ϕ(n) ϕn n

e

vn = 0 = qϕ(n) = −aϕ(n) = −bn , se aϕ(n) = bn < 0
v = 0 = q
n ϕ(n) = 0 , se aϕ(n) = bn ≥ 0 .

P P
• Pelo provado anteriormente, as séries un e vn convergem, sendo
P P P P
un = pn e vn = qn .
P P P P
Logo, a série bn é absolutamente convergente e bn = un − vn .
P P P P P P
Além disso, an = pn − qn = un − vn = bn .

P
Teorema 8.2 Seja an uma série condicionalmente convergente. Dado
P
qualquer número real c, existe uma reordenação (bn ) dos termos de an ,
P
de modo que bn = c.

Prova.
Sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an . Como a série
P
an é condicionalmente convergente, temos que lim an = 0, e, portanto,
P P
lim pn = lim qn = 0, mas pn = +∞ e qn = +∞.
P
Vamos reordenar os termos da série an da seguinte maneira:
Sejam
◦ n1 ∈ N o menor ı́ndice tal que p1 + . . . + pn1 > c .
◦ n2 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 < c .
◦ n3 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 > c .
◦ n4 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 − qn2 +1 − . . . − qn4 < c .
P P
Esses ı́ndices existem, pois pn = +∞ e qn = +∞.
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série tal que
as reduzidas tn da nova série tendem para c.

Instituto de Matemática - UFF 123


Análise na Reta

De fato, para todo i ≥ 3 ı́mpar, temos


X
ni X
ni+1
X
ni X
ni−1
tni +ni+1 = pj − q` < c < pj − q` = tni−1 +ni ,
j=1 `=1 j=1 `=1

0 < tni−1 +ni − c < pni , e 0 < c − tni +ni+1 < qni+1 ,

X
ni X
ni−1
pois ni é o menor inteiro tal que pn − q` > c e ni+1 é o menor
j=1 `=1

X
ni X
ni +1

inteiro tal que pj − q` < c.


j=1 `=1

Sendo lim pni = lim qni+1 = 0 , temos que lim tni +ni+1 = lim tni−1 +ni = 0 .
Além disso, dado n ∈ N, existe i ı́mpar, tal que
◦ ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni−1 +ni ,
ou
◦ ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni+1 +ni+2 .
Logo, lim tn = c, ou seja, a nova série tem soma c.

P
Observação 8.1 Podemos reordenar uma série an condicionalmente
convergente de modo que a série reordenada tenha soma +∞ ou −∞.
De fato, sejam
◦ n1 ∈ N tal que p1 + . . . + pn1 > 1 + q1 ,
◦ n2 ∈ N tal que n2 > n1 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 > 2 + q2 ,
◦ n3 ∈ N tal que n3 > n2 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 − q2 + pn2 +1 + . . . + pn3 > 3 + q3 .
P
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série an ,
de modo que as reduzidas tn da nova série satisfazem:
tni +(i−1) > i + qi ≥ i e tni +i > i , para todo i ∈ N .

Além disso, se n ≥ ni + (i − 1) , existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou


n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j .
Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1 +j = tnj +j + pnj +1 + . . . + pnj+1 .

Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A

124 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

para todo n ≥ ni0 +(i0 −1) .

Portanto, as reduzidas da nova série tendem para +∞.


P
Para provar que existe uma reordenação dos termos da série an de
modo que a nova série tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argu-
mento acima.
P
Corolário 8.1 Uma série an é absolutamente convergente se, e so-
mente se, é comutativamente convergente.

X X
Teorema 8.3 Se an e bn são séries absolutamente convergen-
n≥0 n≥0

tes, então
P P P
( an ) ( bn ) = cn ,
onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 para todo n ≥ 0.

Prova.
Já sabemos que, para todo n ≥ 0,
X X X
n
! n
! n
ai bj = ai bj = x0 + x1 + . . . + xn ,
i=0 j=0 i,j=0

onde
X
n X
n−1
xn = ai bn + an bj
i=0 j=0

= a0 bn + a1 bn + . . . + an bn + an bn−1 + . . . + an b0 .
P P P
E, portanto, ( an ) ( bn ) = xn .
P
Pela dissociação dos termos xn , obtemos a série ai bj , cujos termos
são ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn+1 .
P
Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k + 1)2 da série |ai bj | é
X X X X X
k k
! k
! ! !
|ai | |bj | = |ai | |bj | ≤ |an | |bn | ,
i,j=0 i=0 j=0 n≥0 n≥0
P
ou seja, a subseqüência das reduzidas de ordem (k + 1)2 da série |ai bj |
é limitada.
P
Logo, a seqüência das reduzidas da série |ai bj | é convergente, por ser

Instituto de Matemática - UFF 125


não-decrescente e limitada, já que possui uma subseqüência limitada.
P
Assim, a série ai bj é absolutamente convergente.
P
Reordenando e depois associando os termos da série ai bj , obtemos a
P X
nova série cn , onde cn = a0 bn + . . . + an b0 = ai bj .
i+j=n
P
Como a série ai bj é absolutamente convergente, temos que
X X X X X
! !
an bn = xn = ai bj = cn .
n≥0 n≥0 n≥0 n≥0

126 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Parte 4

Topologia da reta

Nesta parte estudaremos as propriedades topológicas do conjunto


dos números reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e conti-
nuidade de funções reais de variável real.

1. Conjuntos abertos

Definição 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x é um ponto interior


de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.
Isto significa que todos os pontos suficientemente próximos de x ainda
pertencem ao conjunto X.

Observação 1.1 x é um ponto interior do conjunto X se, e só se, existe


ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ X.
De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x − a, b − x} > 0.
Então, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,
(x − ε, x + ε) ⊂ X.

Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.

Observação 1.2 x é um ponto interior de X se, e só se, existe ε > 0 tal
que |y − x| < ε =⇒ y ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 127


Análise na Reta

De fato,
|y − x| < ε ⇐⇒ −ε < y − x < ε ⇐⇒ x − ε < y < x + ε ⇐⇒ y ∈ (x − ε, x + ε).

Definição 1.2 O interior do conjunto X, representado por int X, é o con-


junto dos pontos x ∈ X que são interiores a X.

Observação 1.3
• int X ⊂ X.
• X ⊂ Y então int X ⊂ int Y.
• Se int X 6= ∅, X contém um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito
não-enumerável.
Logo, int X = ∅, se X é finito ou infinito enumerável.
Em particular int N = int Z = int Q = ∅.
• O conjunto R − Q dos números irracionais, apesar de ser infinito não-
enumerável, também possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contém
um número racional.

Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a, +∞), então


int X = X.
De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No
segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,
dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x + 1) ⊂ X.
Logo, X ⊂ int X, ou seja, X = int X.

Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c, +∞) e Z = (−∞, d]. Então,
int X = (c, d) , int Y = (c, +∞) , int Z = (−∞, d) .
De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ int X.
Além disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,
temos que c 6∈ int X.
Do mesmo modo, d 6∈ int X, pois para todo intervalo aberto (a, b) que
contém d, temos que (d, b) 6⊂ X. Então, int X ⊂ (c, d). Logo, int X = (c, d).
Analogamente, podemos provar os outros casos e, também, que
int(c, d] = int[c, d) = (c, d).

128 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Definição 1.3 Dizemos que um subconjunto A ⊂ R é um conjunto aberto


quando todos os seus pontos são interiores, isto é, quando int A = A.
Assim, A ⊂ R é aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um
intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.

Exemplo 1.3 O conjunto vazio é aberto, pois um conjunto X só deixa


de ser aberto se existir algum ponto de X que não está em seu interior.

Exemplo 1.4 A reta R é um conjunto aberto.

Exemplo 1.5 Um intervalo é um conjunto aberto se, e só se, é um in-


tervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a, +∞), (−∞, b)
são os únicos tipos de intervalos que são conjuntos abertos (ver exemplo
1.2).

Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto não-vazio é não-enumerável.


Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos
de R não são abertos.

Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos números irracio-


nais é aberto, pois todo intervalo aberto contém um número racional.

Teorema 1.1 A interseção de um número finito de conjuntos abertos é


um conjunto aberto.

Prova.
Sejam A1 , . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja
A = A1 ∩ . . . ∩ An .
Se x ∈ A, então x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai , bi ) tal que
x ∈ (ai , bi ) ⊂ Ai .
Sejam a = max{a1 , . . . , an } e b = min{b1 , . . . , bn }.
Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi , temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi .
Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai , bi ) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.

Instituto de Matemática - UFF 129


Análise na Reta

Teorema 1.2 Se (Aλ )λ ∈ L é uma famı́lia arbitrária de subconjuntos


abertos na reta R, então a reunião:
[
A= Aλ
λ∈L

é um conjunto aberto.

Prova.
S
Se x ∈ A = λ∈L Aλ , então existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 .

Como Aλ0 é aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que


x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0 .
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0 ⊂ A.

Observação 1.4 Se (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) 6= ∅, então


(a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) = (a, b),
onde a = max{a1 , a2 } e b = min{b1 , b2 }.
De fato, como existe x ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), temos
a1 < x < b1 e a2 < x < b2 .
Logo, a1 < b1 , a1 < b2 e a2 < b1 , a2 < b2 .
Então, a = max{a1 , a2 } < b = min{b1 , b2 }, ou seja, (a, b) é realmente um
intervalo.
Se y > a, então y > a1 e y > a2 , e se y < b, então y < b1 e y < b2 .
Logo, se y ∈ (a, b), então y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ).
E, reciprocamente, se y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), então y > a1 , y > a2 e
y < b1 , y < b2 . Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .

Observação 1.5 A interseção de uma infinidade de conjuntos abertos


pode não ser um conjunto aberto.
 1 1
Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto aberto An = − ,
n n
T
e seja A = n∈N An .

Então, A = {0} e, portanto, A não é aberto.


De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.
1
Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 < < |x|, ou
n0

130 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

 
1 1
seja, x 6∈ An0 = − , .
n0 n0

Logo, se x 6= 0, então x 6∈ A.

Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, então


∞ 
1 1
\ 
A= a− ,b + = [a, b] .
n n
n=1

1 1
De fato, se x ∈ [a, b], então a − ≤ a ≤ x ≤ b < b + para todo n ∈ N,
n n
∞ 
1 1
\ 
ou seja, x ∈ a− ,b + . Assim [a, b] ⊂ A.
n n
n=1

1 1
Se x > b, existe n0 ∈ N tal que < x − b, ou seja, x > b + . Então
n0 n0
  ∞ 
1 1 1 1
\ 
x 6∈ a − ,b + e, portanto, x 6∈ a− ,b + .
n0 n0 n n
n=1

1
De modo análogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que < a − x, ou seja,
n0
 
1 1 1
x < a − . Logo, x 6∈ a − , a + e, portanto, x 6∈ A.
n0 n0 n0
∞  ∞ 
1 1 1 1
\  \ 
Então, a − ,b + ⊂ [a, b]. Logo, a − ,b + = [a, b].
n n n n
n=1 n=1

Exemplo 1.9 Seja X = {x1 , . . . , xn } um conjunto finito de números reais,


com x1 < x2 < . . . < xn .
Então, R−X = (−∞, x1 )∪(x1 , x2 )∪. . .∪(xn−1 , xn )∪(xn , +∞) é um conjunto
aberto.
Ou seja, o complementar de um conjunto finito de números reais é um
conjunto aberto.

Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos números inteiros


é aberto, pois
[
R−Z= (n, n + 1)
n∈Z

é uma reunião de conjuntos abertos.

Instituto de Matemática - UFF 131


Análise na Reta

Observação 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R é união de intervalos


abertos.
De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Logo,
[ [
A= {x} ⊂ Ix ⊂ A ,
x∈A x∈A
[
ou seja, A = Ix .
a∈A

Lema 1.1 Seja (Iλ )λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos, todos con-
tendo o ponto p ∈ R.
[
Então, I = Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L

Prova.
Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ , bλ ). Então, aλ < bµ quaisquer que se-
jam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ .
Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.
Então, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.
Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer
que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto
{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.
[
Afirmação: (a, b) = Iλ .
λ∈L
[
Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que Iλ ⊂ (a, b).
λ∈L

Suponhamos que x ∈ (a, b).


Então, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0 , µ0 ∈ L
tais que aλ0 < x < bµ0 .
[
Se x < bλ0 , então x ∈ (aλ0 , bλ0 ) ⊂ Iλ . Se x ≥ bλ0 , então aµ0 < bλ0 ≤
λ∈L
[ [
x < bµ0 , ou seja, x ∈ (aµ0 , bµ0 ) ⊂ Iλ . Logo, (a, b) ⊂ Iλ . 
λ∈L λ∈L

132 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)


Todo subconjunto aberto não-vazio A ⊂ R se exprime, de modo único,
como uma reunião enumerável de intervalos abertos dois a dois disjuntos.

Prova.
Para cada x ∈ A, seja Ix a reunião de todos os intervalos abertos que
contêm x e estão contidos em A. Cada Ix , pelo lema anterior, é um inter-
valo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Se I é um intervalo aberto qualquer que contém x e está contido em A,
então, I ⊂ Ix . Isto é, Ix é o maior intervalo aberto que contém x e está
contido em A.
Afirmação 1: Se x, y ∈ A, então Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.
• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy , ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Então, pelo
lema anterior, I = Ix ∪ Iy é um intervalo aberto contido em A que contém
os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy . Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy , temos
que I = Ix = Iy .
[
Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A = Ix e Ix ∩ Iy = ∅
x∈L

se x, y ∈ L e x 6= y.
[
Afirmação 2: Se A = Jλ é uma união de intervalos abertos dois a
λ∈L

dois disjuntos, então L é enumerável.


• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩ Q.
Como Jλ ∩ Jλ 0 = ∅ se λ 6= λ 0 , temos que r(λ) 6= r(λ 0 ) se λ 6= λ 0 .
Ou seja, a função
r : L −→ Q
λ 7−→ r(λ)

é injetiva. Logo, L é enumerável, pois Q é enumerável.

Unicidade
[
Seja A = Jm , onde os Jm = (am , bm ) são intervalos abertos dois a
m∈N

dois disjuntos.

Instituto de Matemática - UFF 133


Análise na Reta

Afirmação 3: am e bm não pertencem a A.


De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap , bp ). Então,
pondo b = min{bm , bp }, terı́amos que (am , b) ⊂ Jm ∩ Jp o que é absurdo,
pois Im ∩ Ip = ∅.
De modo análogo, podemos provar que bm 6∈ A.

Afirmação 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) é um intervalo


aberto, então I ⊂ Jm . Ou seja, Im é a reunião de todos os intervalos
abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm , ou melhor, Im = Ix
é o maior intervalo aberto contido em A que contém x, onde x ∈ Jm .
• De fato, am < a < b < bm , pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b
(ver figura 3), terı́amos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que é
absurdo.

Fig. 2: a ≥ am .

Fig. 3: bm ≤ b.

Corolário 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B


são conjuntos abertos disjuntos, então um desses conjuntos é igual a I e
o outro é vazio.

Prova.
Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposições de A e B em intervalos aber-
tos disjuntos dariam origem a uma decomposição de I com pelo menos
dois intervalos, o que é absurdo, pela unicidade da decomposição, já que
I é um intervalo aberto.

2. Conjuntos fechados

Definição 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto


X ⊂ R quando a é limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A.

134 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

Observação 2.1
• Todo ponto a ∈ X é aderente a X.
Basta tomar a seqüência constante xn = a, n ∈ N.
• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.
1
Por exemplo, 0 é aderente ao conjunto X = (0, +∞), pois ∈ X, para todo
n
1
n∈Ne −→ 0.
n

Observação 2.2 Todo valor de aderência de uma seqüência (xn ) é um


ponto aderente ao conjunto X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}. Mas a recı́proca não
é verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn ) não é uma seqüência
constante, então a é o único valor de aderência da seqüência, mas todos
os pontos xn , por pertencerem a X, são pontos aderentes a X.

Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e só


se, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

Prova.
(=⇒) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X tal que xn −→ a.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo
n > n0 .
Assim, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
1 1
 
(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩ a − , a + . Então (xn ) é uma
n n
1
seqüência de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| < para todo
n
1
n ∈ N, e −→ 0.
n

Corolário 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e


só se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.

Prova.
Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0
tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I.

Instituto de Matemática - UFF 135


Análise na Reta

Corolário 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ R


um conjunto limitado superiormente. Então, a = inf X é aderente a X e
b = sup Y é aderente a Y.

Prova.
Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a + ε e b − ε < y ≤ b.
Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ e (b − ε, b + ε) ∩ Y = ∅.

Definição 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R é o conjunto X formado pelos


pontos aderentes a X.

Observação 2.3
• X ⊂ X.
• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .

Definição 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R é fechado quando


X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.

Assim, X ⊂ R é fechado se, e só se, para toda seqüência conver-


gente (xn ) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.

Observação 2.4 Se X ⊂ R é limitado, fechado e não-vazio, então sup X


e inf X pertencem a X.

Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) é o intervalo fechado


[a, b].
1 1
• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a + , b − ∈ (a, b), para n suficientemente
n n
1 1
grande, e a + −→ a, b − −→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).
n n
Por outro lado, se (xn ) é uma seqüência de pontos do intervalo (a, b) que
converge para c ∈ (a, b), então a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo
n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. 

Observação 2.5
• De modo análogo, podemos provar que

136 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

[a, b) = [a, b] ; (a, b] = [a, b] ;


[a, b] = [a, b] ; (a, +∞) = [a, +∞) ;
[a, +∞) = [a, +∞) ; (+∞, b) = (+∞, b] ;
(−∞, b] = (−∞, b] e (−∞, +∞) = (−∞, +∞) = R .

• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a, +∞) são conjuntos
fechados e R também o é.
• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} é um conjunto
fechado. Ou seja, todo conjunto unitário é fechado.

Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contém números


racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q não são conjuntos fecha-
dos.

Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu com-


plementar R − F é aberto.

Prova.
De fato, F é fechado

⇐⇒ todo ponto aderente a F pertence a F


⇐⇒ se a ∈ R − F então a não é aderente a F
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI∩F=∅
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI⊂R−F
⇐⇒ se a ∈ R − F então a pertence ao interior de R − F
⇐⇒ R − F é aberto.

Corolário 2.3 (a) R e o conjunto vazio são fechados.


(b) Se F1 , . . . , Fn são conjuntos fechados, então F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.
(c) Se (Fλ )λ∈L é uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados, então a
\
interseção F = Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L

Instituto de Matemática - UFF 137


Análise na Reta

Prova.
(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R são conjuntos abertos, temos que
R e ∅ são conjuntos fechados.
n
\
(b) Como R − (F1 ∪ . . . ∪ Fn ) = (R − Fi ) é um conjunto aberto, pois cada
i=1

R − Fi , i = 1, . . . , n, é aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.


\ [
(c) Como R − Fλ = (R − Fλ ) é um conjunto aberto, por ser a reunião
λ∈L λ∈L
\
dos conjuntos abertos da famı́lia (R − Fλ )λ∈L , temos que Fλ é um con-
λ∈L

junto fechado.

Observação 2.6 A reunião de uma famı́lia arbitrária de conjuntos fe-


chados pode não ser um conjunto fechado.
De fato, como todo conjunto X é a reunião de seus pontos, ou seja,
[
X = {x} , e os conjuntos {x} são fechados, basta considerar um con-
x∈X

junto X que não é fechado.

Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R é um conjunto fechado.


Isto é, X = X.

Prova.
Seja x ∈ R − X, ou seja, x não é aderente a X. Então, existe um intervalo
I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.

Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X é um conjunto aberto.

Logo, X é um conjunto fechado.

Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1 , . . . , xn } finito é fechado, pois


n
[
F = {xi } é a reunião finita dos conjuntos {xi }, i = 1, . . . , n, fechados,
i=1

ou porque R − F é aberto, como já vimos anteriormente.

[
Exemplo 2.4 Z é um conjunto fechado, pois R − Z = (n, n + 1) é um
n∈Z

138 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

conjunto aberto.

Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] não são conjuntos abertos nem


fechados.

Observação 2.7 Um conjunto X ⊂ R é aberto e fechado ao mesmo


tempo se, e só se, X = R ou X = ∅.
• De fato, já provamos que R e ∅ são conjuntos abertos e fechados ao
mesmo tempo.
Se X ⊂ R é aberto e fechado, então R − X é aberto e fechado. Logo,
R = X ∪ (R − X) é a reunião de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,
pelo corolário 1.1, X = ∅ ou X = R.

Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)


O conjunto de Cantor é um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reunião enumerável de intervalos abertos,
da seguinte maneira.

Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terço médio 13 , 23 . Depois, retira-




se os terços médios abertos 91 , 29 e 79 , 89 dos intervalos restantes 0, 13 e


   
2 
, 1 , sobrando, assim, os intervalos fechados 0, 19 , 29 , 31 , 32 , 79 e 79 , 1 .
       
3

Em seguida, retira-se o terço médio aberto de cada um desses quatro


intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de
Cantor é o conjunto K que consiste dos pontos não retirados.

Fig. 4: Construção do conjunto de Cantor.

Se indicarmos por I1 , I2 , . . . , In , . . . os intervalos abertos omitidos, temos


∞ ∞
!
[ [
K = [0, 1] − In = [0, 1] ∩ R − In .
n=1 n=1


[
Logo, K é um conjunto fechado, pois [0, 1] e R − In são conjuntos fe-
n=1

chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13 ,


2 1 2 7 8
, , , ,
3 9 9 9 9
etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa

Instituto de Matemática - UFF 139


Análise na Reta

da construção, são retirados apenas pontos interiores dos intervalos res-


tantes da etapa anterior.
Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto
infinito enumerável de K, mas, como veremos depois, K não é enumerável.
Vamos provar, agora, que K não contém nenhum intervalo aberto, ou seja,
int K = ∅.
De fato, na n−ésima etapa da construção de K, são retirados 2n−1 in-
1
tervalos abertos de comprimento 3n
, restando 2n intervalos fechados de
1
comprimento 3n
.

Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que


1
3n0
< `.
n0
2[
Se I ⊂ K, então I ⊂ Jk , onde Jk , k = 1, . . . , 2n0 , são os intervalos
k=1
1
fechados de comprimento 3n0
restantes da n0 −ésima etapa.

Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0 } (verifique!) tal que I ⊂ Jk0 , o que é absurdo,
1
pois 3n0
< `.

Definição 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos


que X é denso em Y quando todo ponto de Y é aderente a X, ou seja,
quando Y ⊂ X.

Observação 2.8 X ⊂ Y é denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y é limite de


uma seqüência de pontos de X.

Observação 2.9 X é denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q


são densos em R, pois, como já vimos, Q = R − Q = R.

Observação 2.10 Se J é um intervalo não-degenerado, então J ∩ Q e


J∩(R−Q) são densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma seqüência
(xn ) de pontos de J ∩ Q e uma seqüência (yn ) de pontos de J ∩ (R − Q)
que convergem para a (verifique!).

Observação 2.11

140 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se


(y − ε, y + ε) ∩ X 6= ∅.
• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, todo intervalo aberto que contém algum
ponto de Y contém, necessariamente, algum ponto de X.
Em particular, X ⊂ R é denso em R se, e só se, I ∩ X 6= ∅ para todo
intervalo aberto I.
Assim, dizer que X é denso em R a partir da definição acima, coincide
com a definição dada anteriormente.

Teorema 2.4 Todo conjunto X de números reais contém um subcon-


junto enumerável E denso em X.

Prova.
• Se X é finito, então X é denso em si mesmo, pois X = X.
• Suponhamos, agora, que X não é finito.
Dado n ∈ N, podemos exprimir R como união enumerável de intervalos
1
de comprimento :
n
[ h p p + 1
R= , .
n n
p∈Z

h p p + 1
Se X ∩ , 6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa interseção.
n n

Afirmação: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos é enumerável.



De fato, como o conjunto A = (p, n) ∈ Z × N | X ∩ np , p+1
 
n
6
= ∅ é enu-
merável e a função
ϕ : A −→ X
(p, n) 7−→ xpn

é injetiva, temos que E = ϕ(A) é enumerável.

Afirmação: E é denso em X.
Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja
x ∈ I ∩ X.

Instituto de Matemática - UFF 141


Análise na Reta

1
Sejam n0 ∈ N tal que < max{d(a, x), d(b, x) } e p0 ∈ Z tal que
n0
   
p0 p0 + 1 p0 p0 + 1
x∈ , . Então, , ⊂ I, pois, caso contrário, terı́amos
n0 n0 n0 n0
1 1
que > d(a, x) ou > d(b, x).
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 5: x ∈ n0
, n ∩ (a, b) .
0

 
p0 p0 + 1
Logo, como x ∈ , ∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0 n0 ∈ E, que
n0 n0
 
p p +1
também pertence a I, pois xp0 n0 ∈ 0, 0 ⊂ I.
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 6: xp0 n0 ∈ n0
, n ⊂ I = (a, b) .
0

Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contém um ponto de


X, também contém um ponto xpn ∈ E.
Logo, E é denso em X.

Observação 2.12 O conjunto enumerável E dos extremos dos interva-


los omitidos na construção do conjunto de Cantor K é denso em K.
1
Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤ . Assim, pelo menos um dos inter-
2
valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) está contido em [0, 1], pois, caso contrário, 2ε
seria maior que 1.
Suponhamos, então, que [x, x + ε) ⊂ [0, 1].
1
Seja n0 ∈ N tal que < ε. Como depois da n0 −ésima etapa da
3n0
construção de K restam apenas intervalos de comprimento menor que
1
, alguma parte do intervalo [x, x + ε) é retirada na n0 −ésima etapa, ou
3n0
foi retirada antes.
Além disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode
ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrário, x
seria retirado.

142 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Logo, y ∈ E ∩ [x, x + ε) ⊂ E ∩ (x − ε, x + ε).


Mostramos, assim, que (x − ε, x + ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.

3. Pontos de acumulação

Definição 3.1 Seja X ⊂ R. Um número a ∈ R é ponto de acumulação


do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e
raio ε > 0, contém algum ponto x ∈ X diferente de a.
O conjunto dos pontos de acumulação de X, também chamado o derivado
de X, será representado por X 0 .
Simbolicamente, temos que a ∈ X 0 se, e só se,
• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x − a| < ε
ou
• ∀ ε > 0 , (a − ε, a + ε) ∩ (X − {a}) 6= ∅ .

Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(1) a ∈ X 0 ;
(2) a = lim xn , onde (xn ) é uma seqüência de elementos de X, dois a dois
distintos;
(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos
de X.

Prova.
(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.
Suponhamos que foi possı́vel determinar pontos x1 , x2 , . . . , xn ∈ X tais que
1
0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| < , j = 2, . . . , n.
j

Existe, então, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde



1
ε = min , |xn − a| .
n+1

Instituto de Matemática - UFF 143


Análise na Reta

Com isso, construı́mos uma seqüência (xn ) de pontos de X dois a dois


1
distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| < ,
n
para todo n ∈ N.
(2) =⇒ (3) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X dois a dois distintos
que converge para a e seja I um intervalo aberto que contém a.
Então, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n ≥ n0 .
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ I. Assim I contém uma infinidade de pontos de X,
pois os termos xn da seqüência são dois a dois distintos.

(3) =⇒ (1) É trivial verificar esta implicação.

Corolário 3.1 Se X 0 6= ∅, então X é infinito.

Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um número infinito de ı́ndices n ∈ N e


lim xn = a, então X 0 = {a}, onde X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é o conjunto
formado pelos termos da seqüência (xn ).
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0 .
Então, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1 − a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal
que xn1 ∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrário, terı́amos xn = a para
todo n ≥ n0 . Logo, a ∈ X 0 .
|b − a|
Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < para
2
todo n ≥ n0 .
|b − a|
Logo, |xn − b| > para todo n ≥ n0 .
2
|b − a|
Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε = > 0, contém apenas
2
um número finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X 0 .
Assim, X 0 = {a}.

1 1
1 1
Em particular, X 0 = {0}, onde X = 1 , , . . . , , . . . , pois → 0 e 6= 0
2 n n n

1 1

para todo n ∈ N, e Y 0 = {a}, onde Y = a, a + 1, a, a + , . . . , a, a + , . . . ,
2 n
1
pois a seqüência cujos termos são yn = a para n ı́mpar e yn = a + ,
n

144 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.


• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, então X 0 = ∅, pois X = {a} é
um conjunto finito.

Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K é um ponto de


acumulação de K, ou seja, K ⊂ K 0 .
Suponhamos, primeiro, que x não pertence ao conjunto E das extremida-
des dos intervalos retirados. Como E é denso em X, dado ε > 0, existe
y ∈ E tal que y ∈ (x − ε, x + ε). Então, existe y ∈ K tal que 0 < |y − x| < ε.
Logo, x ∈ K 0 .
Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x é a extremidade direita do in-
tervalo (a, x) retirado na n0 −ésima etapa da construção do conjunto de
Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1 ]. Na etapa seguinte, será
omitido o terço médio do intervalo [x, b1 ], sobrando um intervalo [x, b2 ] ⊂
[x, b1 ]. Assim, nas outras etapas, sobrarão [x, b3 ] , [x, b4 ] , . . . , [x, bn ] , . . .,
com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e lim bn = x ,
1
pois |x − bn | = , para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K 0 .
3n0 +n−1
De modo análogo, podemos provar que se x ∈ E é a extremidade es-
querda de um intervalo retirado durante a construção do conjunto de Can-
tor, então x ∈ K 0 .
1 1
Observe, também, que 0, 1 ∈ K 0 , pois n
, 1 − n ∈ E ⊂ K, para todo
3 3
1 1
n ∈ N, e −→ 0 e 1 − n −→ 1.
3n 3
Assim, todo ponto de K é um ponto de acumulação de K.

Exemplo 3.3 Q 0 = (R − Q) 0 = R 0 = R, pois todo intervalo aberto de R


contém uma infinidade de números racionais e irracionais (por quê?).

Exemplo 3.4 (a, b) 0 = [a, b) 0 = (a, b] 0 = [a, b] 0 = [a, b] (verifique!).

Definição 3.2 Um ponto a ∈ X que não pertence a X 0 é um ponto iso-


lado de X.
Assim, a ∈ X é um ponto isolado de X se, e só se, existe ε > 0 tal que
(a − ε, a + ε) ∩ X = {a}.

Instituto de Matemática - UFF 145


Análise na Reta

Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z é um ponto isolado de Z, pois


(a − 1, a + 1) ∩ Z = {a}.

Observação 3.1 X não possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X 0 .


Em particular, Q e o conjunto de Cantor K não possuem pontos isolados,
pois Q ⊂ Q 0 = R e K ⊂ K 0 .

Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X 0 .


Ou seja, o fecho de um conjunto X é obtido acrescentando-se a X os seus
pontos de acumulação.

Prova.
Pela definição de ponto aderente e de ponto de acumulação, temos que
X ⊂ X e X 0 ⊂ X. Logo, X ∪ X 0 ⊂ X.

Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.


Então, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,
x ∈ (a − ε, a + ε) ∩ X.
Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X − {a} 6= ∅.

Assim, se a ∈ X, então a ∈ X ou a ∈ X 0 , isto é, X ⊂ X ∪ X 0 .

Observação 3.2 X e X 0 podem ter interseção não-vazia. Por exemplo,


se X = (0, 1), então X 0 = [0, 1].

Corolário 3.2 X é fechado se, e somente se, X 0 ⊂ X.

Prova.
X é fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X 0 ⇐⇒ X 0 ⊂ X.

Exemplo 3.6 Se K é o conjunto de Cantor, então K = K 0 , pois K é


fechado, ou seja, K 0 ⊂ K, e também K ⊂ K 0 , pelo exemplo 3.2.

Corolário 3.3 Um conjunto X ⊂ R é fechado sem pontos isolados se, e


somente se, X 0 = X.

146 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Corolário 3.4 Se todos os pontos do conjunto X são isolados, então X


é enumerável.

Prova.
Seja E ⊂ X um subconjunto enumerável denso em X, ou seja, X ⊂ E.

Seja x ∈ X. Então x ∈ E. Como x 6∈ X 0 , temos, também, que x 6∈ E 0 , pois


E ⊂ X.
Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X é enumerável.

Definição 3.3 Dizemos que a é ponto de acumulação à direita de X


quando (a, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Indicaremos X+0 o conjunto dos pontos de acumulação à direita de X.

Observação 3.3 a é ponto de acumulação à direita de X ⇐⇒ todo in-


tervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contém uma infinidade de pontos de
X ⇐⇒ a é ponto de acumulação de X ∩ [a, +∞) ⇐⇒ a é limite de uma
seqüência decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)
contém algum ponto de X.
Verifiquemos apenas que a é ponto de acumulação à direita de X se, e só
se, a é limite de uma seqüência decrescente de pontos de X.
• De fato, seja (xn ) uma seqüência decrescente de pontos de X que con-
verge para a e seja ε > 0.
Então, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0 , pois
a = inf{xn | n ∈ N}, já que (xn ) é decrescente e converge para a.
Além disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ X ∩ (a, a + ε), ou seja, X ∩ (a, a + ε) é infinito.
Suponhamos, agora, que a é ponto de acumulação à direita de X.
Seja x1 ∈ (a, a + 1) ∩ X. Suponhamos que seja possı́vel encontrar pontos
1
x1 , . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a + , j = 1, . . . , n.
j

1
Seja ε = min , xn − a > 0.
n+1
Então, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a + ε.

Instituto de Matemática - UFF 147


Análise na Reta

1
Logo, a < xn+1 < a + e xn+1 < a + xn − a = xn .
n+1

Isto completa a definição, por indução, da seqüência (xn ) decrescente de


1
pontos de X tal que a < xn < a + para todo n ∈ N.
n
Logo, lim xn = a.

Definição 3.4 Dizemos que a é ponto de acumulação à esquerda de X,


quando (a − ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.
Indicaremos por X−0 o conjunto dos pontos de acumulação à esquerda de
X.

Observação 3.4 a ∈ X−0 ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a − ε, a),


ε > 0, contém uma infinidade de pontos de X ⇐⇒ a é ponto de acumulação
do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a é limite de uma seqüência crescente de
pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contém algum ponto de X.

Exemplo 3.7 Se X = 1, 12 , . . . , n1 , . . . , então 0 é ponto de acumulação
à direita de X, mas não é ponto de acumulação à esquerda de X. 

Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) é ponto de acumulação à es-


querda e à direita de X, mas a é apenas ponto de acumulação à direita de
X e b é apenas ponto de acumulação à esquerda de X.

Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Já provamos que K = K 0 .


• O ponto 0 é apenas ponto de acumulação à direita e o ponto 1 é apenas
ponto de acumulação à esquerda de K.
• se a ∈ K é extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, então
a é apenas ponto de acumulação à esquerda de K.
De fato, se (a, x) é o intervalo aberto retirado na n0 −ésima etapa, vai
1
restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1 , a] de comprimento . E,
3n0
nas etapas seguintes, vão sobrar intervalos [b2 , a], [b3 , a], . . . , [bn , a], . . .,
1
tais que [bn+1 , a] ⊂ [bn , a] e a − bn = para todo n ∈ N.
3n0 +n+1
Assim, (bn ) é uma seqüência crescente de pontos de K tais que bn → a.
Logo, a ∈ K−0 .

148 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K+0 .


• Se a é extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, então a
é apenas ponto de acumulação à direita de K. A demonstração é análoga
à anterior.
• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, então a é ponto de acumulação à esquerda e
à direita de K.
De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que
(a − ε, a) ∩ X = ∅.
Então, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) é um dos intervalos abertos retirados.
Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que é absurdo.
Assim, a é ponto de acumulação à esquerda de K.
De modo análogo, podemos provar que a é ponto de acumulação à direita
de K.

Lema 3.1 Seja F ⊂ R não-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para


todo x ∈ R, existe Fx limitado, não-vazio, fechado e sem pontos isolados
tal que x 6∈ Fx ⊂ F.

Prova.
Como F 0 = F e F 6= ∅, temos que F 0 6= ∅. Logo, F = F 0 é infinito. Então,
existe y ∈ F tal que y 6= x.
Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).
Seja G = (a, b) ∩ F. Então, G é limitado e não-vazio, pois y ∈ G. Além
disso, G não possui pontos isolados.
De fato, se c é um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que
(c − ε, c + ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.
Então, para ε 0 = min{ε, b − c, c − a}, temos
(c − ε 0 , c + ε 0 ) ⊂ (a, b) ∩ (c − ε, c + ε)
e, portanto, (c − ε 0 , c + ε 0 ) ∩ F = {c}, o que é absurdo, pois F não possui
pontos isolados.
Se G é fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.
Suponhamos que G não é fechado.

Instituto de Matemática - UFF 149


Análise na Reta

Como G ⊂ [a, b] ∩ F, então ou a ∈ G 0 ou b ∈ G 0 .


Acrescentamos, então esse(s) ponto(s) a G para obter Fx .

Assim, x 6∈ Fx , Fx é fechado e não é vazio, pois Fx = G. Além disso, Fx não


possui pontos isolados.
De fato, já provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, então c não é ponto isolado
de G, e, portanto, não é ponto isolado de G.

Suponhamos que a ∈ G é ponto isolado de G. Então a ∈ G 0 , e, portanto,


a é ponto de acumulação de G, o que é absurdo.

De modo análogo, prova-se que b não é ponto isolado de G, caso b ∈ G.

Logo, Fx = G não possui pontos isolados.

Teorema 3.3 Se F é um conjunto não-vazio, fechado e sem pontos iso-


lados, então F é não-enumerável.

Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de F.
Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 não-vazio, limitado, fechado, e
sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.
Suponhamos que existem subconjuntos F1 , F2 , . . . , Fn , não-vazios, limita-
dos, fechados e sem pontos isolados tais que
Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F e xj 6∈ Fj , para todo j = 1, . . . , n.
Então, pelo lema, existe Fn+1 não-vazio, limitado, fechado e sem pontos
isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn .
Obtemos, assim, uma seqüência decrescente (Fn ) de conjuntos não-vazios,
fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo
n ∈ N.
Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn . A seqüência (yn ) é
limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 é limitado.
Logo, a seqüência (yn )n∈N possui uma subseqüência (ynk )k∈N conver-
gente.
Seja y = lim ynk .
k→∞

150 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Dado j ∈ N, temos que ynk ∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj , para todo


j ∈ N, pois Fj é fechado e ynk → y.
Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F
não é enumerável.

Corolário 3.5 Todo conjunto fechado não-vazio enumerável possui al-


gum ponto isolado.

Corolário 3.6 O conjunto de Cantor é não-enumerável.

4. Conjuntos compactos

Definição 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R é uma famı́lia


[
C = (Cλ )λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂ Cλ .
λ∈L

Uma subcobertura de C é uma subfamı́lia C 0 = (Cλ )λ∈L 0 , L 0 ⊂ L, tal que


[
X⊂ Cλ .
λ∈L 0

h1 3i
Exemplo 4.1 Seja X = , e seja C = {C1 , C2 , C3 } uma famı́lia de
3 4
subconjuntos de R, onde
 2 1  1 9 
C1 = 0, , C2 = ,1 e C3 = , .
3 3 2 10
Então, C é uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e
C 0 = {C1 , C2 } é uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).

Exemplo 4.2 C = (Cn )n∈Z , onde Cn = [n, n+1), n ∈ Z, é uma cobertura


de R que não possui uma subcobertura própria, pois os conjuntos Cn são
dois a dois disjuntos.


1 1

Exemplo 4.3 Seja X = 1, , . . . , , . . . . Então X é infinito e todos os
2 n
seus pontos são isolados, pois X = {0} e, portanto, X ∩ X 0 = ∅.
0

Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix ∩X = {x}.

Instituto de Matemática - UFF 151


Análise na Reta

[ [ [
Como X = {x} ⊂ Ix ⊂ X, temos que X = Ix , ou seja C = (Ix )x∈X é
x∈X x∈X x∈X

uma cobertura de X.
Mas C não possui uma subcobertura própria, pois se x ∈ X, então x 6∈ Iy ,
para todo y 6= x, y ∈ X, já que Iy ∩ X = {y}.

Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)


Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famı́lia (Iλ )λ∈L de
[
intervalos abertos tais que [a, b] ⊂ Iλ , existe um número finito deles
λ∈L

Iλ1 , . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]
por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.

Prova.
Seja
X = {x ∈ [a, b] [a, x] pode ser coberto por um número finito dos intervalos Iλ } .

Como X é limitado e não-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = sup X.

Afirmação: c ∈ X.
Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].
Então existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0 = (α, β).
Sendo α < sup X = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,
existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn .
Então, [a, c] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , pois [x, c] ⊂ (α, β) = Iλ0 . Logo, c ∈ X.

Afirmação: c = b.
Suponhamos que c < b. Então existe c 0 ∈ Iλ0 tal que c < c 0 < b.
Assim, [a, c 0 ] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , ou seja, c 0 ∈ X, o que é absurdo, pois
c 0 > c = sup X.
Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] está contido numa união finita dos
I λ .

Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)


Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma sub-
cobertura finita.

152 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Prova.
Seja C = (Aλ )λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ é aberto.
Seja x ∈ [a, b]. Então existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,
existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .
[
Logo, [a, b] ⊂ Ix . Pelo teorema anterior, existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b]
x∈[a,b]

tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ Ix2 ∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn .

Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)


Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Então toda cobertura
[
F⊂ Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura
λ∈L

finita.

Prova.
Sejam A = R − F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].
!
[
Logo, [a, b] ⊂ Aλ ∪ A. Como A é aberto, temos, pelo teorema
λ∈L

anterior, que existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn ∪ A .


Então, F ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn , pois F ∩ A = ∅.

Observação 4.1 As três formas do teorema de Borel-Lebesgue anteri-


ores são equivalentes.

Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n, n) )n∈N de R não possui


uma subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos abertos da
forma (−n, n) coincide com o maior deles e, portanto, não pode ser R.
Observe, neste caso, que R é fechado, mas não é limitado.

1 
Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta ,2
n n∈N

que não possui subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos
1 
da forma , 2 é o maior deles e, portanto, não pode conter (0, 1].
n
Neste exemplo, o intervalo (0, 1] é limitado, mas não é um conjunto fe-
chado.

Instituto de Matemática - UFF 153


Análise na Reta

Teorema 4.4 As seguintes afirmações a respeito de um conjunto K ⊂ R


são equivalentes.
(1) K é fechado e limitado.
(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura
finita.
(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulação per-
tencente a K.
(4) Toda seqüência de pontos de K possui uma subseqüência que con-
verge para um ponto de K.

Prova.
(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.
(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulação em K.
Vamos provar que X é finito.
Seja x ∈ K. Como x 6∈ X 0 , existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩ X = {x}
se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.
[
Como K ⊂ Ix , existem x1 , . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1 ∪. . .∪Ixn . Então,
x∈K

X ⊂ (Ix1 ∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1 , . . . , xn } .


Logo, X é finito.
(3) =⇒ (4) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de K.
Então X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é um conjunto finito ou infinito.
Se X é finito, então existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de
ı́ndices n ∈ N, ou seja, existe N 0 ⊂ N infinito tal que xn = a para todo
n ∈ N 0 . Logo, a subseqüência (xn )n∈N 0 é convergente.
Se X é infinito, existe a ∈ K que é ponto de acumulação de X. Então,
para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contém infinitos pontos
de X e, portanto, contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente grandes.
Logo, a é valor de aderência da seqüência (xn ) ou seja, a é limite de uma
subseqüência de (xn ).
(4) =⇒ (1) Suponhamos que K não é limitado superiormente. Então, para
todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.

154 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Seja (xn )n∈N 0 uma subseqüência de (xn ). Como N 0 ⊂ N é ilimitado, para


todo n ∈ N existe n 0 ∈ N 0 tal que n 0 > n.
Logo, xn 0 > n 0 > n. Então, a subseqüência (xn )n ∈ N 0 não é limitada
superiormente e, portanto, não é convergente.
Assim, a seqüência (xn )n∈N de pontos de K não possui uma subseqüência
convergente, o que é absurdo. Logo, K é limitado superiormente.
De modo análogo, podemos provar que K é limitado inferiormente. Então,
K é limitado.
Seja (xn ) uma seqüência convergente de pontos de K com lim xn = x.
Como (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um
ponto de K e lim xnk = x, temos que x ∈ K.
k→∞

Logo, K é fechado.

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais e seja
X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}.
Como X é limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Então, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X é fechado e limitado. Logo, pelo teorema


anterior, a seqüência (xn ) de pontos de X possui uma subseqüência con-
vergente.

Corolário 4.2 (Bolzano-Weierstrass)


Todo conjunto limitado e infinito de números reais possui um ponto de
acumulação.

Prova.
Seja X um conjunto limitado e infinito de números reais. Então, existem
a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Logo, X ⊂ [a, b]. Então, X é fechado, limitado, e X ⊂ X é infinito. Assim,


pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulação.

Instituto de Matemática - UFF 155


Análise na Reta

Definição 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R é compacto se toda


cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.

Observação 4.2 K é compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, por-
tanto todas) as afirmações do teorema 4.4.

Exemplo 4.6

1 1

• O conjunto Y = 0, 1, , . . . , , . . . é compacto, pois Y = X = X ∪ X 0 ,
2 n

1 1

onde X = 1, , . . . , , . . . .
2 n
• O conjunto de Cantor é compacto.
• Os intervalos do tipo [a, b] são compactos.
• R, Q e Z não são compactos porque não são limitados.

• Q ∩ [0, 1] não é compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]


não é fechado.

Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma seqüência


\
decrescente de compactos não-vazios. Então K = Kn é não-vazio e
n∈N

compacto.

Prova.
O conjunto K é fechado, pois é interseção de uma famı́lia de conjuntos
fechados, e é limitado, pois K ⊂ K1 e K1 é limitado (por ser compacto).
Logo, K é compacto.
Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn . Então, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em
particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.
Como K1 é compacto, a seqüência (xn ) de pontos de K1 possui uma sub-
seqüência convergente (xnk ). Seja x = lim xnk .
k→∞

Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0 ≥ j. Então, xnk ∈ Kj , para todo


k ≥ k0 , já que nk ≥ nk0 ≥ j.
Logo, xnk −→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj é fechado para todo j ∈ N.
Ou seja, x ∈ K.

156 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Aplicação do Teorema de Borel-Lebesgue

Definição 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e


[a, b) é o número b − a.

n
[ X
n
Proposição 4.1 Se [a, b] ⊂ (ai , bi ), então b − a < (bi − ai ).
i=1 i=1

Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai , bi ) ∩ [a, b] 6= ∅ para
todo i.
Sejam c1 < c2 < . . . < ck os números ai e bj ordenados de modo cres-
cente.
k−1
[
Então {a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn } ∩ (cj , cj+1 ) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj , cj+1 ) e
j=1

bk 6∈ (cj , cj+1 ) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k − 1.


Além disso, c1 < a e ck > b. Logo, b − a < ck − c1 , ou seja,
b − a < (ck − ck−1 ) + . . . + (c3 − c2 ) + (c2 − c1 ) = ck − c1 .
Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum
intervalo (ai , bi ).
• cj ∈ [a, b]
Neste caso, cj ∈ (ai , bi ) para algum i = 1, . . . , n. Como bi não está entre
cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).

Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .

• cj < a
Neste caso, cj não pode ser um dos bi , pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩
[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi não pode estar
entre cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi )

Fig. 8: Caso cj < a .

Instituto de Matemática - UFF 157


Análise na Reta

• cj > b
Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,
pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj , cj+1 ), temos que
ai ≤ cj e, portanto, (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).
Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,
bi = cp+q e p + q ∈ {1, . . . , k}. Então,
bi − ai = (cp+q − cp+q−1 ) + . . . + (cp+1 − cp ) .
X
n
Logo, (bi − ai ) é uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj , sendo que
i=1

cada parcela cj+1 − cj , j = 1, . . . , k − 1, aparece pelo menos uma vez, pois


cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum intervalo (ai , bi ).

Fig. 9: Posição relativa do intervalo (a, b) entre os (ai , bi ) .

X
k−1 X
n
Assim, b − a < (cj+1 − cj ) ≤ (bi − ai ) . 
j=1 i=1


[ X

Proposição 4.2 Se [a, b] ⊂ (an , bn ) então (b − a) < (bn − an ) .
n=1 n=1

Prova.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1 , . . . , nk ∈ N tais que
[a, b] ⊂ (an1 , bn1 ) ∪ . . . ∪ (ank , bnk ) .
Então, pela proposição anterior, b − a < (bn1 − an1 ) + . . . + (bnk − ank ) .
X

Portanto, b − a < (bn − an ) .
n=1

X

Proposição 4.3 Se (bn − an ) < b − a, então o conjunto
n=1

[
X = [a, b] − (an , bn )
n=1

é não-enumerável.

158 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Prova.
X

Seja c = (b − a) − (bn − an ) > 0, e suponha que X = {x1 , . . . , xn , . . .} é
n=1

enumerável.
c
Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raio n+2 . Logo,
2
∞ ∞
! !
[ [
[a, b] ⊂ (an , bn ) ∪ Jn . (?)
n=1 n=1

Mas,

X ∞
X ∞
X ∞
X ∞
1 cX 1
(bn − an ) + |Jn | = (bn − an ) + c = (b − a) − c +
2n+1 2 2n
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
c c
= (b − a) − c + = (b − a) − < b − a ,
2 2
o que contradiz (?), pela proposição anterior.

Aplicações
(A) Existe uma coleção de intervalos abertos cujos centros são todos
os números racionais do intervalo [a, b] que não é uma cobertura de [a, b].
• Seja X = {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos racionais contidos no
intervalo [a, b].
b−a
Para cada n ∈ N, seja (an , bn ) o intervalo aberto de centro rn e raio .
2n+2
X

b−a X ∞
Então, (bn − an ) = < b − a . Logo, [a, b] − (an , bn ) não
2
n=1 n=1

[
é vazio, pois não é enumerável, ou seja, [a, b] 6⊂ (an , bn ).
n=1

(B) Existe um conjunto fechado, não-enumerável, formado apenas


por números irracionais.
Com efeito, sejam (an , bn ), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.
Então
∞ ∞
!
[ [
X = [a, b] − (an , bn ) = [a, b] ∩ R− (an , bn )
n=1 n=1

é fechado, não enumerável e formado apenas por números irracionais.

Instituto de Matemática - UFF 159

Você também pode gostar