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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ensino Superior do Seridó


Curso de Licenciatura em Matemática

Uma Introdução à Teoria dos Grupos

Francicarlos de Medeiros Santos

2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ensino Superior do Seridó
Curso de Licenciatura em Matemática

Uma Introdução à Teoria dos Grupos


por

Francicarlos de Medeiros Santos


sob orientação do

Prof. Dr. Alex de Moura Batista

Dezembro de 2018
Caicó-RN

ii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - - CERES--Caicó

Santos, Francicarlos de Medeiros.


Uma Introdução à Teoria dos Grupos / Francicarlos de Medeiros
Santos. - Caicó: UFRN, 2018.
63f.: il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Matemática) -


Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino
Superior do Seridó - Campus Caicó. Centro de Ciências Exatas e da
Terra. Curso de Matemática.
Orientador: Dr. Alex de Moura Batista.

1. Grupos. 2. Subgrupos. 3. Teorema de Lagrange. I. Batista,


Alex de Moura. II. Título.

RN/UF/BS-CAICÓ CDU 51

Elaborado por FERNANDO CARDOSO DA SILVA - CRB-759/15


Scanned by CamScanner
"A sabedoria é um paradoxo. O
homem que mais sabe é aquele que
mais reconhece a vastidão da sua
ignorância."
(Friedrich Nietzsche)

iv
Agradecimentos

Após este longo percurso, não poderia deixar de expor minha gratidão a todos
que contribuíram de forma direta ou indireta para o desenvolvimento deste trabalho.
Primeiramente, sou grato a Deus por toda benção e saúde concebida.
Agradeço ao meu pai Francisco Valdivino e a minha mãe Ana Maria por todo o
carinho, incentivo, apoio moral, emocional e …nanceiro, en…m, por sempre me deixar
em uma situação confortável para que pudesse estudar. Aos meus irmãos Ana Carla,
Francisco, Pedro Lucas e meu sobrinho Deyvid por todos os conselhos e carinho.
À turma de Matemática 2015.1 e aos amigos construídos ao longo do curso, que
estavam sempre procurando ajudar uns aos outros. Destaco aqui os meus colegas
Fernando, Francisco Lúcio e Iritan que, por muitas vezes, me ajudaram no manuseio
do software ao qual utilizamos para digitar o trabalho.
Aos meus professores por todos os conhecimentos repassados e as trocas de
experiências compartilhadas diariamente.
Por …m, mas não menos importante, externo minha gratidão ao Professor Dr. Alex
de Moura Batista por se colocar à disposição para orientar esta pesquisa, pela paciência
e comprometimento.
A todos, meu muito obrigado!

v
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo introduzir o estudo da teoria dos grupos,
apresentando os resultados de uma forma mais detalhada e espera-se que possa servir
de apoio aos graduandos em matemática. Para isso, dispomos de uma pesquisa
bibliográ…ca para fazer um levantamento de resultados acerca de grupos, subgrupos,
classes laterais, homomor…smos de grupos e, por …m, o Teorema de Lagrange. Fixamos
alguns exemplos para facilitar o entendimento desses assuntos. Por se tratar de um
trabalho de conclusão de curso, os conteúdos aqui explicitados são elementares, vistos
no curso de licenciatura.

Palavras-chaves: Grupos; Subgrupos; Teorema de Lagrange.

vi
Abstract
The present work has as objective introduces the study of the theory of the groups,
presenting the demonstrations of the most detailed form and one hopes that it could
serve of support to the graduating students in mathematics. For that, we dispose of
a bibliographical research to do a lifting result about groups, sub-groups, side classes,
homomor…smos from groups and, …nally, Lagrange’s Theorem. In which we …x some
examples to make easy the understanding. Because of being treated as a work of
conclusion of course, the contents here set out are elementary, seen in the degree course.

Key-Words: Group; Sub-group; Lagrange’s theorem.

vii
Sumário

1 Noções Preliminares 1

1.1 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Relações de equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Conjunto dos Números Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3.1 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3.2 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Teoria Básica dos Grupos 12


2.1 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.1 Grupo Abeliano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.1.2 Grupo Cíclico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1.3 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2 Classes Laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2.1 Ordem de um grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.3 Subgrupos normais e Homomor…smos de grupos . . . . . . . . . . . . . 32
2.3.1 Homomor…smo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

3 O Teorema de Lagrange e aplicações 47


3.1 Teorema de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

viii
Introdução

Nos cursos de licenciatura em matemática existem aquelas disciplinas mais


avançadas, que introduzem os conteúdos que são trabalhados posteriormente nas pós-
graduações, em que os alunos possuem grande di…culdade na compreensão das mesmas,
talvez devido a um certo grau de abstração ao qual essas componentes curriculares
oferecem, causando assim um alto índice de reprovação nas referidas disciplinas.
Partindo desse pressuposto, desenvolvemos esse trabalho para tentar sanar, em parte,
tais di…culdades apresentadas pelos discentes no estudo de grupos.
O interesse no estudo da presente temática se deu ao cursar a componente curricular
Álgebra abstrata I, ministrada pelo professor Dr. Adriano Thiago Lopes Bernardino, no
qual foram apresentadas as estruturas algébricas munidas de uma operação chamadas
de grupos. Posteriormente demos sequência ao estudo cursando a disciplina Álgebra
Abstrata II, esta foi ministrada pelo professor Dr. Alex de moura Batista, que é o
orientador deste trabalho. Nestas disciplinas vimos que através de conceitos primitivos
e argumentações lógicas podemos mostrar a validade de certos resultados que são
empregados em outras áreas como, por exemplo, na física, química, entre outras. De
acordo com Cajori (2007, p.48) "[...] os argumentos da teoria dos grupos conduziram a
descobertas importantes a respeito da estrutura de átomos e moléculas".
No decorrer do trabalho veremos alguns resultados acerca de Teoria dos Grupos,
apresentando os conceitos, exemplos e resultados para um melhor entendimento. Os
livros muitas vezes ao provar um resultado, omitem algumas "passagens" di…cultando
o entendimento do estudante. Assim, apresentaremos estas provas de forma mais
detalhada para que se possa deduzir a lógica matemática que está por trás de tais
demonstrações. Por se tratar de um trabalho de conclusão de curso, serão abordados
apenas resultados elementares acerca da Teoria dos Grupos. Este trabalho poderá servir
de apoio para os graduandos em Matemática ou áreas a…ns.
O trabalho está dividido em três capítulos, onde no capitulo 1 são apresentadas
as noções preliminares que serão de extrema importância para o entendimento dos

ix
capítulos seguintes. No capítulo 2 foram abordados os conceitos elementares sobre
Teoria dos Grupos, no qual podem ser vistos alguns tipos de grupos e subgrupos, tais
como os mais conhecidos grupos abelianos, grupos cíclicos, subgrupos normais, entre
outros. Além disso, no capítulo 2 falamos sobre Homomor…smos de grupos. O capítulo
3 foi reservado para o Teorema de Lagrange, que é um dos mais importantes resultados
acerca dos grupos …nitos e, ainda, mostramos alguns resultados que são decorrentes
deste teorema.

x
Capítulo 1

Noções Preliminares

Este capítulo tem como propósito abordar os conceitos básicos que serão
fundamentais para o entendimento dos capítulos posteriores. Os conteúdos aqui
abordados são apenas algumas noções sobre funções, relações de equivalência, classes
de equivalência e algumas propriedades do conjunto dos números inteiros, onde serão
expostos seus respectivos conceitos, exemplos e resultados. Para uma leitura mais
aprofundada sobre os assuntos aqui expostos, pode-se consultar os livros [5], [7], [8] e
[9].

1.1 Funções

O conceito de função, assim como o de conjuntos, é essecial para todos os ramos


da Matemática. É fato que esses dois conceitos são sempre a parte central para
desenvolvimento de tais estudos nas áreas da Matemática. Veremos a seguir apenas
as de…nições básicas sobre funções, pois serão utilizadas com bastante frequência nos
capítulos posteriores.

De…nição 1.1.1 Sejam A e B dois conjuntos não vazios. Chama-se função de A em


B uma regra que associa a todo elemento de A um único elemento em B. Denotamos
por f : A ! B a função de A em B e f (x) = y a regra que associa o elemento x a y.

De…nição 1.1.2 Seja f : A ! B uma função. O conjunto A é chamado de domínio


da função e o conjunto B é dito contradomínio de f .

1
1.2. RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA

De…nição 1.1.3 Sejam A e B não vazios, X A; Y B e f : A ! B uma função.


O conjunto
f (X) = ff (x); x 2 Xg

é dito imagem de X pela função f . O conjunto

f (A) = ff (x); x 2 Ag

é denotado por Im(f ) e chamado de conjunto imagem da f: Já o conjunto

1
f (Y ) = fx 2 A; f (x) 2 Y g

é denominado imagem inversa de Y pela f .

De…nição 1.1.4 Uma função f : A ! B é sobrejetiva quando Im(f ) = B:

Observação 1.1.5 É claro que Im(f ) B. Dessa forma, para mostrar que uma
função é sobrejetiva, basta provar que B Im(f ):

De…nição 1.1.6 Uma função f : A ! B é injetiva se para quaisquer x1 ; x2 2 A, com


x1 6= x2 tem-se f (x1 ) 6= f (x2 ), ou ainda, se f (x1 ) = f (x2 ); então x1 = x2 :

De…nição 1.1.7 Se a função f : A ! B é injetiva e sobrejetiva, simultaneamente,


diz-se que f é bijetiva.

1.2 Relações de equivalência


O conceito de relação de equivalência é bastante intuitivo, mas de fundamental
importância para o estudo de qualquer área da matemática. Segundo Vieira (2015, p.
50) "[...] tal conceito surge como uma forma de generalizar a relação de igualdade, no
sentido de que, elementos de um conjunto qualquer, mesmo distintos, cumprem papel
equivalente". A partir das relações de equivalência surgem as classes de equivalências,
estas são de suma importância para gerar os conjuntos quocientes que veremos no
decorrer da seção.

De…nição 1.2.1 (Relação de equivalência) Sejam A um conjunto não vazio e R


uma relação em A. A relação R é de equivalência se, para quaisquer x; y; z 2 A,
satisfaz as seguintes condições:

2
1.2. RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA

(i) xRx;

(ii) Se xRy, então yRx;

(iii) Se xRy e yRz; então xRz:

As propriedades (i), (ii) e (iii) da de…nição anterior são chamadas, respectivamente,


de re‡exiva, simétrica e transitiva. Quando uma relação R em um conjunto A for de
equivalência, usaremos a notação no lugar de R, para indicar que os elementos estão
relacionados.

Exemplo 1.2.2 A relação de igualdade em R é uma relação de equivalência. De fato,


dados x; y; z 2 R, então
(i) x = x;
(ii) Seja x = y. Então y = x;
(iii) Sejam x = y e y = z. Assim, x = z;

Exemplo 1.2.3 A relação inclusão de conjuntos não é uma relação de equivalência.


Com efeito, seja X um conunto não vazio. Considere o conjunto

P (X) = fA; A Xg:

Note que, se C; D 2 P (X) são tais que C D, mas C 6= D, então D " C, isto é, a
propriedade simétrica nem sempre é válida para a relação .

De…nição 1.2.4 (Classe de equivalência) Sejam A um conjunto não vazio, x 2 A e


uma relação de equivalência em A. Chama-se classe de equivalência do elemento x em
relação a , o conjunto x formado por todos os elementos de A que estão relacionados
com x. Simbolicamente
x = fy 2 A; y xg:

Observação 1.2.5 Para todo x 2 A tem-se que x 2 x:

Proposição 1.2.6 Sejam A um conjunto não vazio e uma relação de equivalência


em A. Quaisquer que sejam x; y 2 A, são válidas as seguintes propriedades:

(i) x = y se, e somente se, x y;

(ii) Se x 6= y, então x \ y = ?;

3
1.2. RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA

[
(iii) x = A:
x2A

Demonstração: (i) Primeiramente, se x = y, então dado x 2 x, temos que x 2 y.


Disto, segue que x y:
Reciprocamente, seja z 2 x: Então z x. Como x y, a propriedade transitiva
nos garante que z y, isto é, z 2 y: Logo, x y. Agora, dado r 2 y, tem-se que r y.
Por hipótese, x y, como a relação é de equivalência, então y x. Pela transitividade,
r x, ou seja, r 2 x e, por conseguinte, y x o que implica x = y.
(ii) Provaremos argumentando por contradição. Se x \ y é não vazio, então existe
z 2 x \ y. Daí, z 2 x e z 2 y, o que implica z x e z y. Pela propriedade
simétrica, temos que x z e, pela propriedade transitiva, x y, o que pelo item (i)
desta proposição, temos x = y.
[
(iii) Claramente x A, para qualquer x 2 A. Logo, x A: Agora, se x 2 A:
x2A
Como, é uma relação de equivalência em A, então pela propriedade re‡exiva temos
[ [
que x x, isto é, x 2 x. Sabendo que, x x, tem-se que x 2 x e, com isso,
[ [ x2A x2A
A x: Portanto, x = A:
x2A x2A

De…nição 1.2.7 (Conjunto quociente) Seja A um conjunto não vazio e uma


relação de equivalência em A. O conjunto formado por todas as classes de equivalência
, denotado por
A= = fx; x 2 Ag

é denominado conjunto quociente de A pela relação de equivalência .

Proposição 1.2.8 Sejam Z o conjunto dos números inteiros e n 2 Z. A relação


(mod n); de…nida por x y(mod n), com x; y 2 Z , se existir k 2 Z tal que x y = nk
é uma relação é de equivalência.

Demonstração: Temos que, para quaisquer x; y; z 2 Z, tem-se


(i) x x = 0 = k 0, para todo k 2 Z;
(ii) Se x y(mod n), então existe k 0 2 Z, tal que

x y = nk 0 :

Assim,
y x = n( k 0 ):

4
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Logo, y x(mod n).


(iii) Se x y(mod n) e y z(mod n), então existem r; r0 2 Z, de forma que

x y = nr e y z = nr0 :

Assim
(x y) + (y z) = nr + nr0 ;

o que implica em
x + ( y + y) z = n(r + r0 );

portanto
x z = n(r + r0 ):

Assim, x z(mod n) e, consequentemente, a relação é de equivalência.

Observação 1.2.9 A relação de equivalência mostrada na última proposição é uma


relação bem conhecida, chamada de congruência módulo n. Um conjunto quociente
bastante conhecido é o
Z= mod n = fx; x 2 Zg:

No que segue, escrevemos Z= mod n = Zn .

1.3 Conjunto dos Números Inteiros


Nesta seção, vamos estudar algumas propriedades do conjunto Z dos números
inteiros, estas serão fundamentais para compreender alguns dos conteúdos abordados
posteriormente. Alguns resultados desta seção terão a demonstração omitida, pois
tratam-se de conteúdos básicos estudados em teoria dos números e que não são o foco
deste trabalho. Os tópicos apresentados aqui podem ser vistos com mais detalhes nas
referências [8],[7] e [9].

De…nição 1.3.1 (Elemento mínimo) Seja A Z não vazio. Um elemento x0 é


denominado mínimo de A, e denotado x0 = min A, se satisfaz as seguintes condições:

(i) x0 2 A;

(ii) x0 x, para todo x 2 A:

5
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Observação 1.3.2 Quando o elemento mínimo existe ele é único.

Axioma 1.3.3 (Princípio da Boa Ordem) Todo subconjunto não vazio X de Z de


elementos não negativos possui um elemento mínimo.

O Princípio da Boa Ordenação é um axioma de grande expressão no estudo da teoria


dos números. A partir dele são provados vários resultados importantes. Nos próximos
capítulos veremos algumas decorrências deste axioma.

Teorema 1.3.4 (Indução Finita) Suponhamos que seja dada uma a…rmação a(n)
dependendo de n 2 Z tal que:

(i) a(0) é verdadeira.

(ii) Para k 2 N, a(k + 1) é verdadeira sempre que a(k) for verdadeira.

Então, a(n) é verdadeira para todo n 2 N:


Demonstração: Ver referência [7] (p. 19).

1.3.1 Divisibilidade
As equações do tipo ax = b possuem solução no conjunto dos números inteiros,
dependendo dos coe…cientes a; b 2 Z. Quando isso ocorre, diz-se que a é um divisor de
b. Essa ideia será expressa de maneira formal na próxima de…nição.

De…nição 1.3.5 Sejam a e b números inteiros. Diz-se que b divide a, quando existe
um inteiro c tal que
a = bc:

Neste caso, escrevemos b j a:

O próximo teorema é conhecido por algoritmo da divisão, este será útil em alguns
resultados que serão provados em breve.

Teorema 1.3.6 (Algoritmo da Divisão) Sejam a; b 2 Z, com b 6= 0: Então, existe


únicos q; r 2 Z, tais que
a = qb + r, 0 r < jbj :

Demonstração: Veja [8].

6
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

1.3.2 Ideais
A seguir estudaremos os subconjuntos dos múltiplos de Z; denominados ideais. Os
ideais de Z são subconjuntos não vazios de números inteiros que satisfazem algumas
propriedades. Mais precisamente:

De…nição 1.3.7 Um subconjunto I não vazio de Z, diz-se ideal de Z se as condições


a seguir são satisfeitas:

(i) Se a; b 2 I, então a + b 2 I;

(ii) Se a 2 I e x 2 Z, então ax 2 I:

Exemplo 1.3.8 Dado p2 Z, considere o conjunto

pZ = fpn; n 2 Zg:

Podemos ver claramente que pZ é um ideal de Z:

Exemplo 1.3.9 O conjunto I = fa 2 Z; a > 0g não é um ideal de Z. De fato, pois


dados a 2 I e x 2 Z, com x < 0, temos que ax < 0, isto é, ax 2
= I.

Agora provaremos um resultado que caracteriza os ideais de Z:

Proposição 1.3.10 Seja I um ideal de Z, tal que I 6= f0g: Então existe único n 2 N
tal que I = nZ:

Demonstração: Seja a 2 I, com a 6= 0. Considere o conjunto

I + = fx 2 I; x > 0g:

Note que, I + é não vazio. Com efeito, se a > 0, segue que a 2 I + : Se a < 0, como I é
um ideal, então a = ( 1)a 2 I, isto é, a > 0 2 I + . Assim, pelo Princípio da Boa
Ordem I + possui um elemento mínimo n = min I + 2 I + . Como I + I, temos que
n 2 I. Logo, para todo x 2 Z, nx 2 I, isto é, nZ I. Agora, provaremos que I nZ.
Seja b 2 I. Pelo Algoritmo da divisão, temos que existem q; r 2 Z, tais que

b = nq + r;

7
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

com 0 r < n: O que implica r = b nq 2 I. Note que, r = 0. Se fosse r > 0, então


r 2 I + . Além disso, r n, pois n = min I + , o que é uma contradição. Disto, segue
que b = nq 2 nZ. Portanto, I = nZ:
Outro conceito relevante na teoria dos números é o de números primos. Veja a
de…nição formal a seguir.

De…nição 1.3.11 (Número primo) Um número p 2 Z n f 1; 0; 1g é dito primo se


toda vez que a j p, então a = 1 ou a = p.

Nos próximos resultados veremos algumas propriedades relacionadas ao conjunto Zn .


Inicialmente caracterizaremos os seus elementos, depois iremos munir este conjunto de
duas operações e provaremos algumas propriedades relacionadas a estas operações.

Proposição 1.3.12 Se n 1, então tem-se que Zn = f0; 1; 2; :::; n 1g. Em


particular, Zn possui n elementos.

Demonstração: Por de…nição, temos que f0; 1; :::; n 1g Zn . Agora seja k 2 Z:


Assim, k 2 Zn é tal que
k = fx 2 Z; x k(mod n)g:

O algoritmo da divisão garante a existência de q; r 2 Z, tais que

k = nq + r;

onde 0 r < n. Logo,


k r = nq;

o que equivale a
k r (mod n);

assim, pelo item (i) da Proposição 1.2.6 tem-se k = r, com r 2 f0; 1; :::; n 1g: Portanto,
k = r 2 f0; 1; :::; n 1g, isto é, Zn f0; 1; :::; n 1g. Logo, Zn = f0; 1; :::; n 1g:
Por …m, suponha que existam r; s 2 Zn , tais que s = r e 0 r < s < n. Daí,
s r(mod n), isto é, n j s r, o que é uma contradição, pois 0 < s r < n. Logo,
s 6= r sempre que 0 r < s < n, ou seja, quaisquer duas classes de Zn são distintas.
Dessa forma, Zn = f0; 1; :::; n 1g possui n elementos.

8
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Proposição 1.3.13 As operações de soma e multiplicação dadas por

: Zn Zn ! Zn : Zn Zn ! Zn
e
(a; b) 7 ! a b=a+b (a; b) 7 ! a b=a b

estão bem de…nidas no conjunto Zn , para n 1.

Demonstração: Primeiramente, veri…caremos que a soma está bem de…nida. Sejam


(a; b),(a0 ; b0 ) 2 Zn Zn , com (a; b) = (a0 ; b0 ). Assim, a = a0 e b = b0 , ou seja,

a a0 = nk e b b0 = nk 0 ;

para k; k 0 2 Z. Assim, temos

(a a0 ) + (b b0 ) = nk + nk 0 ;

o que implica
(a + b) (a0 + b0 ) = n(k + k 0 ):

Logo, a + b (a0 + b0 )(mod n), isto é, a b = a0 b0 . Dessa forma, a operação está


bem de…nida.
Agora, sejam (x; y),(x0 ; y 0 ) 2 Zn Zn , com (x; y) = (x0 ; y 0 ). Assim, x = x0 e y = y 0 ,
isto é,
x x0 = nk e y y 0 = nk 0 ;

para k; k 0 2 Z: Ou ainda,

x = nk + x0 e y = nk 0 + y 0 :

Logo,

xy = (nk + x0 )(nk 0 + y 0 )
xy = n2 kk 0 + nky 0 + x0 nk 0 + x0 y 0 ;

o que implica em
xy x0 y 0 = n[nkk 0 + ky 0 + x0 k 0 ]:

Disto, segue que xy x0 y 0 (mod n), isto é, x y = x0 y 0 . Portanto, a operação


está bem de…nidas em Zn .

9
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Proposição 1.3.14 Considere Zn munido das operações de…nidas na Proposição


1.3.13. Então, para todos a,b,c 2 Zn , são válidas:

(i) (a b) c=a (b c);

(ii) Existe 0 2 Zn , tal que a 0=ae 0 a = a;

(iii) Dado a 2 Zn , existe a 2 Zn , tal que a a=0e a a = 0;

(iv) a b=b a;

(v) (a b) c=a (b c);

(vi) Existe 1 2 Zn , tal que 1 a=ae a 1 = a;

(vii) a (b c) = a b a c:

Demonstração: Sejam a; b; c 2 Zn .
(i) Note que,

(a b) c = (a + b) c
= (a + b) + c
= a + (b + c)
=a (b + c)
=a (b c):

Logo, (a b) c = a (b c):
(ii) Dado 0 2 Zn , temos que

0 a = 0 + a = a:

De forma análoga, a 0 = a. Assim, 0 é o elemento neutro aditivo de Zn .


(iii) Claramente temos que

a a = a + ( a) = a + a = 0;

ou seja, a é o inverso aditivo de a:


(iv) Temos,
a b=a+b=b+a=b a:

10
1.3. CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Segue que a propriedade comutativa da soma é válida em Zn :


(v) Observe que

(a b) c = (ab) c
= (a b) c
= a (b c)
=a (b c)
=a (b c)

isto é, (a b) c = a (b c):
(vi) Dado 1 2 Zn , tem-se
a 1 = a 1 = a;

e ainda, 1 a = a. Ou seja, 1 é o neutro multiplicativo de Zn :


(vii) Agora, vejamos que

a (b c) = a (b + c)
= a (b + c)
=a b+a c
=a b a c
=a b a c:

Portanto, a (b c) = a b a c e segue o resultado.

11
Capítulo 2

Teoria Básica dos Grupos

Acredita-se que o estudo bem sucedido da teoria dos grupos partiu de um


artigo publicado em 1770 pelo matemático Lagrange, neste artigo ele considerava a
resolubilidade das equações por meio das permutações de suas raízes. Posteriormente
os matemáticos Galois e Abel provaram que seria impossível resolver, em termos usuais,
as equações de grau maior do que quatro. Vale ressaltar que, o termo "grupo" foi usado,
de maneira técnica, a primeira vez por Galois.
Este capítulo tem como objetivo abordar alguns princípios elementares sobre
Grupos. Os conteúdos estudados no decorrer deste capítulo tem como base os livros
[5], [6], [7] e [9].

2.1 Grupos
Nesta seção, estudaremos algumas estruturas algébricas munidas apenas de uma
operação. Estas estruturas são conhecidas como grupos. Além disso, de…nimos alguns
tipos de grupos e subgrupos e apresentamos seus respectivos exemplos e resultados,
para um melhor entendimento dos conteúdos abordados.

De…nição 2.1.1 (Grupo) Seja G um conjunto não vazio munido de uma operação

: G G ! G
:
(a; b) 7 ! a b

Dizemos que (G; ) é um grupo se as propriedades abaixo são válidas para quaisquer
que sejam a; b; c 2 G

12
2.1. GRUPOS

i) (a b) c = a (b c);

ii) Existe e 2 G, tal que a e = e a = a;


1 1 1
iii) Para todo a 2 G, com a 6= e, existe a 2 G tal que a a =a a = e.
Observação 2.1.2 A …m de simpli…car as notações, em algumas ocasiões deixaremos
de explicitar a operação do grupo escrevendo somente G para denotar um grupo (G; ).
Além disso, quando não houver ambiguidade utilizaremos a notação xy, em vez de x y.
Exemplo 2.1.3 O conjunto dos números inteiros Z munido da operação de soma usual
é um grupo. Em notação (Z; +). Com efeito, dados a; b; c 2 Z, temos que
(i) (a + b) + c = a + (b + c);
(ii) Existe 0 2 Z, tal que a + 0 = 0 + a = a;
(iii) Para todo a 2 Z, com a 6= 0, existe ( a) 2 Z tal que a + ( a) = a + a = 0.
Logo, (Z; +) é um grupo.
Exemplo 2.1.4 O conjunto dos números racionais sem o zero Q munido da operação
multiplicação usual é um grupo. De fato, para quaisquer x; y; z 2 Q , temos que
(i) (x y) z = x (y z);
(ii) Existe 1 2 Q , tal que x 1 = 1 x = x;
(iii) Para todo z 2 Q , com z 6= 1, existe z 1 2 Q , tal que z z 1 = z 1 z = 1.
Portanto, (Q ; ) é um grupo.
Exemplo 2.1.5 Seja Mn o conjunto das matrizes reais de ordem n, no qual as
operações a seguir estão bem de…nidas em Mn

+: Mn Mn ! Mn : Mn Mn ! Mn
;
[aij ]n n ; [bij ]n n 7 ! [aij + bij ]n n [aij ]n n ; [bij ]n n 7 ! [cij ]n n

P
n
com cij = aik bkj : Temos que (Mn ; +) é um grupo. De fato, claramente a propriedade
k=1
associativa é satisfeita. Além disso, a matriz nula dada por N = [0]n n , sendo aij = 0
para todos i; j 2 N, é o elemento neutro de Mn e toda matriz A = [aij ]n n 2 Mn possui
inversa P = [pij ]n n , com pij = aij para todos i; j 2 N.
Exemplo 2.1.6 Considere o conjunto G = fA 2 Mn ; det(A) 6= 0g. Assim, (G; ) é
um grupo, onde a matriz identidade In = [aij ]n n , em que,
(
1; se i = j;
aij =
0; se i 6= j:

13
2.1. GRUPOS

para todos i; j 2 N, é o elemento neutro de G, e ainda, dada A 2 G tem-se que


det(A) 6= 0, isto é, existe A 1 tal que AA 1 = A 1 A = In .

Exemplo 2.1.7 (Z; ) não é um grupo. De fato, dado m 2 Z n f 1; 1g, não existe
n 2 N tal que m n = 1.

De…nição 2.1.8 (Grupo …nito) Um grupo (G; ) é dito …nito quando o conjunto G
for …nito.

Proposição 2.1.9 (Grupo das permutações) Sejam S um conjunto não vazio e


G = ff : S ! S; f é bijetivag munido da operação

: G G ! G
(f; g) 7 ! f g

onde (f g)(x) = f (g(x)), para x 2 S. Tem-se que (G; ) é um grupo.

Demonstração: Claramente o conjunto G é não vazio, pois a função identidade, dada


por
id : S ! S
x 7 ! id(x) = x
é uma função bijetiva. Logo, id 2 G. Agora, sejam f; g; h 2 G
(i) Note que, para todo x 2 S

[(f g) h](x) = f g(h(x))


= f (g(h(x)))
= f [(g h)(x)]
= [f (g h)](x);

disto, segue que (f g) h = f (g h).


(ii) Observe que,

f id(x) = f (id(x))
= f (x):

De maneira análoga, id f (x) = f (x): Assim, a função identidade é o elemento neutro


de G.

14
2.1. GRUPOS

1
(iii) Como f é bijetiva, então f admite a função inversa, ou seja, existe f 2 G tal
que
f f 1 = id e f 1 f = id:

Portanto, (G; ) é um grupo.

Observação 2.1.10 Se S = f1; 2; :::; ng, o grupo (G; ) será denotado por Sn . Para
facilitar o entendimento, denotaremos um elemento f do grupo Sn por
!
1 2 3 ::: n
f= :
f (1) f (2) f (3) ::: f (n)

Proposição 2.1.11 (Propriedade cancelativa) Sejam G um grupo e x; y; z 2 G,


com z 6= e, tais que x z = y z; então x = y.

Demonstração: Seja x z = y z. Note que,

x = x e: (2.1)

1 1
Como z 6= e, então existe z 2 G, tal que z z = e. Assim, pela igualdade (2.1)
segue que

x=x e
= x (z z 1 )
1
= (x z) z
1
= (y z) z
= y (z z 1 )
=y e
= y:

Portanto, x = y.

Proposição 2.1.12 Seja (G, ) um grupo. Então,

(i) O elemento neutro de G é único;

(ii) O elemento inverso de G é único.

15
2.1. GRUPOS

Demonstração: (i) De fato, sejam e e e0 os elementos neutros do grupo (G; ). Assim,

e0 = e0 e = e e0 = e:

Disto, segue que e0 = e. Portanto, o elemento neutro é único.


(ii) Seja x 2 G e suponhamos que existem x0 ; x 1 2 G, tais que x0 e x 1
sejam
inversos de x. Daí,

x0 = x0 e = x0 (x x 1 ) = (x0 x) x 1
=e x 1
= x 1:

Segue, portanto, que x0 = x 1 , isto é, o inverso também é único.

Proposição 2.1.13 Sejam (G, ) um grupo e a,b 2 G. Então, são válidas:

(i) (a 1 ) 1
= a;
1 1
(ii) (a b) =b a 1.

Demonstração: (i) Note que, por de…nição

1
a a = e = (a 1 ) 1
a 1:

Logo, pela propriedade cancelativa, segue que a = (a 1 ) 1 .


(ii) Provaremos que o inverso de (a b) é b 1 a 1 . Pelas propriedades associativa,
elemento inverso e elemento neutro, temos

1
(a b) (b a 1 ) = a (b b 1 ) a 1

1
=a e a
1
= (a e) a
1
=a a
= e:

Portanto, pela unicidade do elemento inverso segue que (a b) 1 = b 1 a 1 .


Já vimos o conceito de grupos e alguns exemplos. Em breve serão expostos outros
casos particulares de grupos.

16
2.1. GRUPOS

2.1.1 Grupo Abeliano


Ao estudar a teoria dos grupos é comum nos depararmos com o termo grupos
comutativos. Estes se diferenciam dos demais por uma de suas características que
é satisfazer a propriedade comutativa, com relação a operação utilizada, eles também
recebem o nome de grupos abelianos em homenagem ao matemático Niels Henrik Abel
(1802-1829).

De…nição 2.1.14 (Grupo abeliano) Dizemos que (G; ) é um grupo abeliano,


quando a operação que de…ne G for comutativa, ou seja, para quaisquer a; b 2 G,
tem-se
a b = b a:

Exemplo 2.1.15 O grupo (Z; +) é um grupo abeliano, pois, quaisquer que sejam
x; y 2 Z, temos que
x + y = y + x:

Exemplo 2.1.16 Os conjuntos Q , R munidos da operação de multiplicação usual


também são grupos abelianos.

Exemplo 2.1.17 O conjunto G = GL(n; K), n = 2, de todas as matrizes 2 2


invertíveis com coe…cientes em um corpo K é um "grupo não
# abeliano,
" # em relação a
1 0 2 0
operação produto de matrizes. De fato, pois sejam e elementos de
1 1 1 1
G. Note que,
" # " # " # " # " # " #
1 0 2 0 2 0 2 0 2 0 1 0
= 6= = :
1 1 1 1 3 1 2 1 1 1 1 1

Portanto, G não é abeliano.

Exemplo 2.1.18 Os grupos Sn , com n 3, são grupos não abelianos. De fato, sejam
f; g 2 G dadas por
f : f1; 2; :::; ng ! f1; 2; :::; ng:

Onde, f (1) = 2, f (2) = 1 e f (x) = x, para todo x 2 S, com 3 x n. E,

g : f1; 2; :::; ng ! f1; 2; :::; ng:

17
2.1. GRUPOS

No qual, g(1) = 2, g(2) = 3, g(3) = 1 e g(x) = x, para todo x 2 S, com 4 x n.


Note que,

(f g)(1) = f (g(1)) = f (2) = 1


(g f )(1) = g(f (1)) = g(2) = 3:

Logo, (f g)(1) = 1 6= 3 = (g f ), ou seja, (f g) 6= (g f ). Portanto, o grupo Sn com


n 3 não é abeliano.

Proposição 2.1.19 O conjunto Zn munido da operação

: Zn Zn ! Zn
(a; b) 7 ! a b=a b

é um grupo abeliano.

Demonstração: Como visto na Proposição 1.3.13 a operação está bem de…nida


em Zn . Além disso, a Proposição 1.3.14 garante que (Zn ; ) é um grupo abeliano.

Observação 2.1.20 Podemos munir Zn com a operação

: Zn Zn ! Zn
:
(a; b) 7 ! a b=a b

Prova-se que sob algumas condições (Zn n f0g; ) é também um grupo abeliano.

Proposição 2.1.21 Seja G um grupo. Se x2 = e, para todo x 2 G, então G é abeliano.

Demonstração: Sejam x; y 2 G. Temos que xy 2 G: Daí,

(xy)2 = e
(xy)(xy) = e
xyxy = e:

18
2.1. GRUPOS

Assim, pelas propriedades associativa e elemento neutro, obtemos

x(xyxy) = xe
(xx)yxy = x
x2 yxy = x
eyxy = x
yxy = x:

Com isso, temos que

y(yxy) = yx
(yy)xy = yx
y 2 xy = yx
exy = yx
xy = yx:

Portanto, G é abeliano.
No estudo da álgebra abstrata tem-se as estruturas algébricas munidas de duas
operações que sob algumas condições formam o que chamamos de Anéis. Vejamos
a de…nição formal e algumas proposições que podem ser relacionados com o estudo
de grupos. Mas antes de introduzir estes conceitos, vale ressaltar que algumas
demonstrações serão omitidas, pois para demonstrá-las seria necessário de…nir outras
propriedades. Como o propósito deste trabalho não é o estudo de anéis, então serão
expostos apenas alguns resultados.

De…nição 2.1.22 (Anel comutativo e com unidade) Seja A um conjunto não


vazio munido de duas operações

: A A ! A : A A ! A
;
(a; b) 7 ! a b (a; b) 7 ! a b

chamadas de soma e produto, respectivamente. Dizemos que (A; ; ) é um anel


comutativo e com unidade se as propriedades abaixo são válidas para todos x; y; z 2 A

(i) (A; ) é um grupo abeliano;

19
2.1. GRUPOS

(ii) (x y) z=x (y z);

(iii) x (y z) = x y x z; (x y) z=x z y z;

(iv) x y=y x;

(v) Existe 1A 2 A tal que 1A x=x 1A = x.

De…nição 2.1.23 (Domínio de integridade) Seja A um anel comutativo e com


unidade. Diz-se que A é um domínio de integridade se dados a; b 2 A tais que

a b = 0A ;

tem-se a = 0A ou b = 0A .

De…nição 2.1.24 Seja A um anel comutativo e com unidade. Diz-se que A é um corpo
se todo elemento não nulo de A possui inverso multiplicativo, ou seja, qualquer que seja
a 2 A, com a 6= 0A , existe a 1 2 A tal que

1 1
a a =a a = 1A :

Proposição 2.1.25 Todo corpo é um domínio de integridade.

Demonstração: Ver referência [5] (p. 224).

Observação 2.1.26 Não vale a volta da Proposição anterior. Com efeito, Z é um


domínio de integridade, mas dado m 2 Z n f 1; 1g, não existe n 2 Z tal que mn = 1,
isto é, Z não é corpo.

Proposição 2.1.27 Seja (G; ; ) um anel comutativo e com unidade. Se G é um


corpo, então (G n f0g; ) é um grupo abeliano, onde 0 é o elemento neutro com relação
a operação .

Demonstração: Sejam a; b; c 2 G. Temos,


(i) (a b) c = a (b c);
(ii) Existe 1G 2 G, tal que a 1G = 1G a = a;
(iii) Dado a 2 G r f0g, existe a 1 2 G, tal que a a 1
=a 1
a = 1G ;
Além disso,
(iv) a b = b a.
Portanto, (G; ) é um grupo abeliano.

20
2.1. GRUPOS

Proposição 2.1.28 Se p 2 Z é primo, então (Zp ; ; ) é um corpo.

Demonstração: Ver referência [1].


O proxímo resultado será de suma importância para provar o pequeno teorema de
Fermat, que será visto no capítulo 3.

Corolário 2.1.29 Seja (Zp ; ; ) um anel, com p 2 Z primo. Então (Zp n f0g; ) é
um grupo abeliano.

Demonstração: Pela Proposição 2.1.28 segue que (Zp ; ; ) é um corpo. Assim, a


Proposição 2.1.27 garante que (Zp n f0g; ) é um grupo abeliano.

2.1.2 Grupo Cíclico


Outros grupos bastante conhecidos no estudo da álgebra abstrata são os grupos
cíclicos. Estes são também grupos abelianos (provaremos mais adiante). Veja a seguir
alguns exemplos e resultados acerca destes grupos.

De…nição 2.1.30 Sejam (G; ) um grupo, x 2 G e n 2 Z. Então, de…nimos xn por


8
>
e, se n = 0
<
n n 1
x = x x, se n > 0 :
>
: n 1
(x ) , se n < 0

Proposição 2.1.31 Seja (G; ) um grupo. Dados a 2 G e m; n 2 Z. Então,


(i) an am = an+m ;
(ii) (an )m = anm .

Demonstração: Ver referência [9].

De…nição 2.1.32 (Grupo cíclico) Um grupo G é dito cíclico se existir x 2 G, tal


que para qualquer elemento y 2 G tem-se

y = xn ,

para algum n 2 Z: Escrevemos

G = hxi = fxn ; n 2 Zg;

e dizemos que x gera o conjunto G.

21
2.1. GRUPOS

Exemplo 2.1.33 O grupo (Z5 ; ) é cíclico. De fato, pois

0
3 =0
1
3 = 3
2
3 =3 3=6=1
3 2
3 =3 3=1 3=1+3=4
4 3
3 =3 3=4 3 = 4 + 3 = 7 = 2:

Logo, 3 é um gerador do grupo Z5 e, portanto, (Z5 ; +) é cíclico.

Proposição 2.1.34 Todo grupo cíclico é abeliano.

Demonstração: Sejam G um grupo cíclico e a; x1 ; x2 2 G, onde G = hai. Temos,

x1 = an1 e x2 = an2 ;

para n1 ; n2 2 Z: Assim, pela Proposição 2.1.31, segue que

x1 x2 = an1 an2
= an1 +n2
= an2 +n1
= an2 an1
= x2 x1 :

Portanto, G é um grupo abeliano.

Exemplo 2.1.35 O grupo G = GL(n; K), n 2, das matrizes 2 2 invertíveis com


coe…cientes em um corpo K não é cíclico, em relação a operação produto de matrizes.
De fato, pois (G; ) não é abeliano.

2.1.3 Subgrupos
Os subgrupos H são subconjuntos de um grupo G que sob algumas condições
também são grupos munidos da mesma operação de G. Veja a seguir a de…nição de
uma maneira mais formal.

22
2.1. GRUPOS

De…nição 2.1.36 (Subgrupos) Seja (G; ) um grupo e H um subconjunto não vazio


de G. Diz-se que H é um subgrupo de G se H for um grupo com a mesma operação de
G.

Observação 2.1.37 Escrevemos H G para denotar que H é um subgrupo de G.

Observação 2.1.38 Todo grupo G possui dois subgrupos G e feg, que são
denominados subgrupos triviais de G.

O próximo resultado fornece as condições necessárias e su…cientes para que um


subconjunto não vazio H de um grupo G seja um subgrupo.

Proposição 2.1.39 Seja G um grupo e H um subconjunto não vazio de G. Diremos


que H é um subgrupo de G se, e somente se, são satisfeitas as seguintes condições:

(i) e 2 H;

(ii) Para quaisquer x; y 2 H, tem-se xy 2 H;


1
(iii) Para todo x 2 H, tem-se que x 2 H.

Demonstração: Observe que, H é um subgrupo de G, então H é um grupo com a


mesma operação de G. Assim, dados x; y 2 H, temos:
(i) e 2 H;
(ii) xy 2 H;
(iii) Existe x 1 2 H, tal que xx 1 = e:
Reciprocamente, como e 2 H, então H é um conjunto não vazio. Além disso, para
todos x; y; z 2 H, como H é um subconjunto de G, então x; y; z 2 G. Pelo fato de G
ser um grupo, então a igualdade

(xy)z = x(yz);

é sempre válida. E ainda, pela condição (iii) todo elemento de H possui inverso em H.
Portanto, H é um grupo e, pela de…nição de Subgrupos, H é um subgrupo de G.

Corolário 2.1.40 Seja G um grupo e H um subconjunto não vazio de G. H é um


subgrupo de G se, e somente se, para quaisquer x; y 2 H tem-se xy 1 2 H.

23
2.1. GRUPOS

Demonstração: De início, sejam x; y 2 H. Pelos itens (iii) e (ii) da Proposição


2.1.39, temos que y 1 2 H e, ainda, xy 1 2 H.
Reciprocamente, vamos mostrar que as condições da Proposição 2.1.39 são
satisfeitas. Vejamos,
(i) Note que, e = xx 1 . Logo, e 2 H;
(iii) Dado x 2 H. Então, x 1 = ex 1 , ou seja, x 1 2 H;
(ii) Sejam x; y 2 H. Então, y 1 2 H. Veja que, xy = x(y 1 ) 1 , isto é, xy 2 H.
Portanto, H é um subgrupo de G.

Proposição 2.1.41 Sejam H1 e H2 subgrupos do grupo G. Então, H1 \ H2 é um


subgrupo de G.

Demonstração: Note que, claramente o conjunto H1 \ H2 é não vazio, pois e 2 H1


e e 2 H2 . Sejam x; y 2 H1 \ H2 . Assim, x; y 2 H1 e x; y 2 H2 . Pelo Corolário 2.1.40,
temos xy 1 2 H1 e xy 1 2 H2 , isto é, xy 1 2 H1 \ H2 . Portanto, H1 \ H2 é um
subgrupo de G.

Exemplo 2.1.42 O conjunto G = GL(n; K), n 2, de todas as matrizes n n


invertíveis com coe…cientes em um corpo K é um exemplo de um grupo (não abeliano),
em relação a operação produto de matrizes e o conjunto

H = fA 2 GL(n; K); det A = 1g

é um subgrupo de GL(n; K).

Exemplo 2.1.43 Sejam o grupo (Z; +) e n 2 Z. Considere o conjunto

nZ = fnk; k 2 Zg:

Então (nZ; +) é um subgrupo de (Z; +).

O próximo resultado nos diz que (nZ; +) são os únicos subgrupos de Z.

Proposição 2.1.44 Se H é um subgrupo de (Z; +), então existe n 2 Z, tal que


H = nZ:

Demonstração: Se H é um subgrupo de Z, então H é um ideal e o resultado segue


da Proposição 1.3.10.

24
2.2. CLASSES LATERAIS

Observação 2.1.45 Nem sempre a união de subgrupos será um subgrupo. De fato,


temos que (2Z; +) e (3Z; +) são subgrupos de (Z; +) e, ainda, 2 2 2Z e 3 2 3Z, ou
seja, 2; 3 2 2Z [ 3Z. Porém, 2 + 3 2
= 2Z e 2 + 3 2
= 3Z, logo 2 + 3 2
= 2Z [ 3Z. No entanto,
veremos a seguir que sob algumas condições pode-se garantir que uma determinada
união de subgrupos é ainda um subgrupo.

Proposição 2.1.46 Sejam G um grupo e H1 H2 ::: Hn ::: subgrupos de G.


Então,
[
H = Hi
i2N

é um subgrupo de G.

Demonstração: Veja que, H é não vazio, pois e 2 H1 . Como H1 H, então


e 2 H. Dados x; y 2 H, existem m; n 2 N tais que x 2 Hm e y 2 Hn . Sem perda de
generalidade, considere m < n. Assim, Hm Hn . Daí, x 2 Hn : Do Corolário 2.1.40,
1
temos xy 2 Hn . De Hn H, segue que xy 1 2 H e, consequentemente, H é um
subgrupo de G.

Proposição 2.1.47 Se G é um grupo e x 2 G, então hxi é subgrupo de G.

Demonstração: Note que hxi é não vazio, pois e = x0 2 hxi. Sejam y; z 2 hxi.
Assim, existem m; n 2 Z tais que y = xm e z = xn . Com isso, temos que z 1 = x n .
Daí,

1
yz = xm x n

= x(m n)
:

1
Disto, yz 2 hxi. Dessa forma, o Corolário 2.1.40 garante que hxi G.

2.2 Classes Laterais


De…nição 2.2.1 Seja G um grupo e H um subgrupo de G. Dados a; b 2 G, considere,
sobre G, a relação (mod H), dada por a b(mod H) se ab 1 2 H.

Proposição 2.2.2 A relação (mod H), de…nida acima, é de equivalência.

25
2.2. CLASSES LATERAIS

Demonstração: Note que, para quaisquer a; b; c 2 G, tem-se


(i) Veja que, aa 1 = e 2 H, isto é, a a(mod H);
(ii) Se a b(mod H). Então, por de…nição, ab 1 2 H. Além disso, (ab 1 ) 1 2 H.
Pela Proposição 2.1.13, segue que ba 1 2 H, isto é, b a(mod H).
(iii) Se a b(mod H) e b c(mod H), então ab 1 2 H e bc 1 2 H. Sendo assim,
pelas propriedades associativa, elemento inverso e elemento neutro, temos

(ab 1 )(bc 1 ) = a(b 1 b)c 1

1
= aec
1
= (ae)c
1
= ac 2 H;

isto é, a c(mod H). Portanto, a relação (mod H) é de equivalência.

Observação 2.2.3 A partir da relação de equivalência (mod H) formamos a


seguinte classe de equivalência

x = fy 2 G; y x(mod H)g
1
= fy 2 G; yx = h, com h 2 Hg
= fy 2 G; y = hx, com h 2 Hg
= fhx; h 2 Hg

que será denotada por Hx. O conjunto Hx é denominado classe lateral à direita de H
em G.

Observação 2.2.4 De maneira análoga a observação anterior, temos a seguinte classe


de equivalência
x = fxh; h 2 Hg

que é indicada por xH e denominada classe lateral à esquerda de H em G.

Observação 2.2.5 Quando G é abeliano, então xH = Hx, para todo x 2 G:

De…nição 2.2.6 O conjunto formado por todas as classes laterais à direita de H em


G é denotado por
G=H = fx; x 2 Gg:

26
2.2. CLASSES LATERAIS

Proposição 2.2.7 Seja G um grupo e H G, tal que H G. Considere a 2 G, tal


que a 2
= H, então a 6= e:

Demonstração: Demonstraremos argumentando por contradição. Suponha que


1
a = e, então ae = ae = a 2 H, o que é uma contradição, pois a 2
= H:

Exemplo 2.2.8 Seja G = S3 = ff1 ; f2 ; f3 ; f4 ; f5 ; f6 g, onde


! ! !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
f1 = ; f2 = ; f3 = :
1 2 3 2 1 3 1 3 2
! ! !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
f4 = ; f5 = ; f6 =
3 2 1 3 1 2 2 3 1

Considere o subgrupo H = ff1 ; f2 g. Temos as seguintes classes laterais à direita de H


em G:
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf1 = f1 f1 = = f1 ; f2 f1 = = f2 ;
1 2 3 2 1 3
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf2 = f1 f2 = = f2 ; f2 f2 = = f1 ;
2 1 3 1 2 3
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf3 = f1 f3 = = f3 ; f2 f3 = = f6 ;
1 3 2 2 3 1
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf4 = f1 f4 = = f4 ; f2 f4 = = f5 ;
3 2 1 3 1 2
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf5 = f1 f5 = = f5 ; f2 f5 = = f4 ;
3 1 2 3 2 1
( ! ! )
1 2 3 1 2 3
Hf6 = f1 f6 = = f6 ; f2 f6 = = f3 :
2 3 1 1 3 2

Note que, Hf1 = Hf2 ; Hf3 = Hf6 ; Hf4 = Hf5 . Logo,

G=H = fHf1 ; Hf3 ; Hf4 g:

Proposição 2.2.9 Sejam G um grupo, H subgrupo de G e (mod H) a relação de


equivalência sobre o grupo G. Então,

(i) Hx = Hy se, e somente se, x y(mod H);

27
2.2. CLASSES LATERAIS

(ii) Se Hx 6= Hy, então Hx \ Hy = ?;


[
(iii) Hx = G:
x2G

Demonstração: Segue da Proposição 1.2.6, uma vez que (mod H) é uma relação
de equivalência.

2.2.1 Ordem de um grupo


Ao estudar conjuntos …nitos é comum nos depararmos com o termo cardinalidade
de um conjunto, que nada mais é do que a quantidade de elementos que o conjunto
possui. A seguir, será estudado algo parecido, o que denominamos de ordem de um
grupo. Além disso, veremos também a ordem do elemento de um certo grupo.

De…nição 2.2.10 (Ordem de um grupo) Seja G um grupo …nito. O número de


elementos de G chama-se ordem de G e é indicada por jGj.

Exemplo 2.2.11 Como visto na Proposição 1.3.12, o conjunto Zn possui n elementos:


Então jZn j = n.

Exemplo 2.2.12 O conjunto Z é in…nito: Assim, a ordem do grupo (Z; +) é in…nita.


Em notação, jZj = +1.

Observação 2.2.13 Posteriormente provaremos que se H é um subgrupo de um grupo


…nito G, tal que jGj = jHj = n, n 2 N, então H = G.

Teorema 2.2.14 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Então, toda classe lateral


tem a mesma quantidade de elementos de H. Além disso, jHxj = jxHj :

Demonstração: Primeiramente, de…namos a seguinte função

: H ! Hx
:
h 7 ! (h) = hx

Note que, para qualquer y 2 Hx, existe h 2 H tal que

y = hx = (h);

28
2.2. CLASSES LATERAIS

ou seja, y 2 Im( ). Logo, Hx Im( ). Como, Im( ) Hx, então Hx = Im( ), isto
é, a função é sobrejetiva.
Agora, se h; h0 2 H são tais que (h) = (h0 ), temos

hx = h0 x

pela propriedade cancelativa, segue que

h = h0 :

Assim, é injetiva e, ainda, bijetiva. Portanto, Hx tem a mesma quantidade de


elementos de H, isto é,
jHxj = jHj : (2.2)

Agora, de…na
': H ! xH
:
h 7 ! '(h) = xh
Argumentando como anteriormente, segue que ' é sobrejetiva e injetiva. Assim, ' é
bijetiva e, consequentemente,
jxHj = jHj : (2.3)

Portanto, de (2.2) e (2.3) segue que jxHj = jHxj.

De…nição 2.2.15 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. A quantidade de


elementos do conjunto G=H chama-se índice de H em G, que será denotado por jG=Hj.

De…nição 2.2.16 (Ordem de um elemento) Sejam G um grupo e a 2 G. Se existir


n 2 N tal que an = e, diz-se que a tem ordem …nita. Neste caso, o menor inteiro positivo
n tal que an = e chama-se ordem de a, a qual denotaremos por O(a):

Observação 2.2.17 Se existir n 2 N tal que an = e, a 2 G, então a existência


do menor inteiro positivo com esta propriedade é garantida pelo Princípio da Boa
Ordenação.

Proposição 2.2.18 Sejam G um grupo e a 2 G. Então, O(a) = 1 se, e somente se,


a = e.

Demonstração: Primeiramente, veja que se O(a) = 1, então a1 = e. Logo, a = e:


Reciprocamente, se a = e, temos por de…nição que O(a) = 1:

29
2.2. CLASSES LATERAIS

Proposição 2.2.19 Seja G um grupo.

(i) Dado a 2 G r feg, tem-se O(a) = 2 se, e somente se, a = a 1 .

(ii) O(a) = O(a 1 ), para todo a 2 G.

(iii) Dado a 2 G r feg qualquer, se O(a) = 2, então G é abeliano:

(iv) Se O(a) = nm, então O(am ) = n.

Demonstração: (i) Primeiramente, mostraremos que a = a 1 : Como, O(a) = 2,


então
a2 = e: (2.4)
1
Como, a 6= e, então existe a 2 G, tal que

1
aa = e:

Assim, por (2.4)


aa = a2 = aa 1 :

Pela propriedade cancelativa, segue que a = a 1 . Reciprocamente, temos que a = a 1 ,


daí aa = a 1 a; isto é, a2 = e. Por de…nição, segue que O(a) = 2, pois a 6= e.
(ii) Se O(a) < +1, então existe m 2 N tal que

am = e: (2.5)

Note que,
m 1
a =e = e;

o que implica
(a 1 )m = e:

Logo, por (2.5), tem-se am = (a 1 )m , isto é, O(a) = O(a 1 ).


(iii) Se O(a) = 2, com a 6= e, então o item (i) dessa Proposição nos garante que
a = a 1 . Dados, x; y 2 G, tem-se que xy 2 G. Logo,

xy = x 1 y 1

1
= (yx)
= yx:

30
2.2. CLASSES LATERAIS

Com isso, G é abeliano.


(iv) Se O(a) = nm, então anm = e. Daí, pela Proposição 2.1.31, temos que

(an )m = anm = e:

Portanto, O(am ) = n.

Proposição 2.2.20 Sejam G um grupo e x 2 G:

(i) Se O(x) = m, então para qualquer k 2 Z, xk = xr , sendo r o resto da divisão de k


por m;

(ii) Se O(x) = m, então jhxij = m;

(iii) Se xm = e, então O(x) divide m:

Demonstração: (i) Sejam O(x) = m e k 2 Z. Assim, xm = e. Pelo algoritmo da


divisão, existem q; r 2 Z tais que

k = mq + r;

com 0 r < m. Logo, k r = mq. Daí,

xmq = (xm )q
= eq
= e:

Ou seja, xk r = xmq = e: Logo, xk = xr .


(ii) Primeiramente, observe que os elementos de fe; x; x2 ; :::; xm 1 g são distintos.
Com efeito, se
xj = xi ;

para 0 i < j < m, então


xj x i
= xi x i ;

o que implica
xj i
= xi i
= x0 = e:

Logo, xj i = e e j i < m, o que é uma contradição, pois O(x) = m: Assim, xj 6= xi ,


para todos i; j 2 N. Agora, note que pelo item (i) para todo k 2 Z, existe r 2 [0; m)

31
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

tal que xk = xr . Temos que, xk 2 hxi, e ainda, xk = xr 2 fe; x; :::; xm 1 g, isto é,

hxi fe; x; :::; xm 1 g: (2.6)

Por de…nição, temos fe; x; :::; xm 1 g hxi. Disto e por (2.6) segue que hxi =
m 1
fe; x; :::; x g: Portanto, hxi possui m elementos, o que implica jhxij = m.
(iii) Seja xm = e, então O(x) < +1. Considere O(x) = n. Pelo algoritmo da
divisão, existem q; r 2 Z, tais que

m = nq + r; (2.7)

onde 0 r < n. Assim,


xm = e;

o que implica
xnq+r = e;

daí
xnq xr = e;

isso equivale a
(xn )q xr = e;

logo
exr = e:

Portanto, xr = e. Por de…nição, n é o menor inteiro positivo tal que xn = e, segue que
r = 0 e, consequentemente, da igualdade (2.7) temos m = nq, isto é, O(x) j m:

2.3 Subgrupos normais e Homomor…smos de


grupos
Vejamos a seguir os conceitos de classe de conjugação, subgrupos normais e
homomor…smos, com alguns resultados. Vale ressaltar que os conteúdos que serão
abordados nessa seção são apenas noções elementares. Para um estudo mais
aprofundado, recomenda-se os livros descritos no início deste capítulo.

De…nição 2.3.1 Seja G um grupo. Dados x; y 2 G, de…na em G a seguinte relação

32
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

x y se existe g 2 G tal que


G
y = g 1 xg:

Proposição 2.3.2 A relação de…nida acima é de equivalência.


G

Demonstração: Note que, para todo x 2 G podemos escrever

x = e 1 xe;

logo, x x:
G
Agora, sejam x; y 2 G tais que x y. Daí, existe g 2 G de forma que
G

y = g 1 xg;

Assim,
gy = g(g 1 xg);

o que pelas propriedades associativa e elemento neutro, segue que

gy = xg;

Além disso,
1
(gy)g = (xg)g 1 ;

novamente pelas propriedades associativa e elemento neutro, temos

1
gyg = x:

O que implica em
x = (g 1 ) 1 yg 1 ;

isto é, y x.
G
Por …m, sejam x; y; z 2 G com x y e y z. Assim, devem existir g; h 2 G tais
G G
que
y = g 1 xg e z = h 1 yh:

33
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Daí,

z = h 1 (g 1 xg)h
= (h 1 g 1 )x(gh)
= (gh) 1 x(gh):

Como (gh) 1 ; gh 2 G, então x z e, portanto, é uma relação de equivalência.


G G

De…nição 2.3.3 Sejam x; y 2 G: Se x y diz-se que x e y são elementos conjugados


G
em G.

Observação 2.3.4 Posteriormente será usada a notação xg para representar g 1 xg:

De…nição 2.3.5 Sejam G um grupo, uma relação de equivalência em G e x 2 G:


G
Então, a classe de equivalência x dada por

x = fy 2 G; x yg = fy 2 G; y = xg ; com g 2 Gg = fxg ; g 2 Gg
G

será chamada de classe de conjugação em G determinada pelo elemento x em G e


indicada por Cx em vez de x:

Observação 2.3.6 Assim como nos outros casos de classe de equivalência, as seguinte
propriedades são válidas:

(i) Cx = Cy se, e somente se, x y;


G

(ii) Se Cx 6= Cy , então Cx \ Cy 6= ?;
[
(iii) Cx = G:
x2G

De…nição 2.3.7 Sejam G um grupo e g 2 G. De…na a função

g : G ! G
:
x 7 ! xg

A função g chama-se conjugação pelo elemento g.

Proposição 2.3.8 A função gde…nida acima é bijetiva e o conjunto imagem g (H)

é um subgrupo de G, onde H G.

34
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

1
Demonstração: Seja y 2 G. Tome x = gyg 2 G. Daí, pelas propriedades
associativa e elemento neutro, temos

g (x) = xg
= g 1 xg
= g 1 (gyg 1 )g
= (g 1 g)y(g 1 g)
= eye
= y:

Logo, g é sobrejetiva.
Agora, sejam x1 x2 2 G, tais que g (x1 ) = g (x2 ), onde

g (x1 ) = g 1 x1g
g (x2 ) = g 1 x2 g;

devemos provar que x1 = x2 . Ora,

g (x1 ) = g (x2 )

g 1 x1 g = g 1 x2 g;

pela propriedade cancelativa, obtemos x1 = x2 . Disto, segue que g é injetiva e,


consequentemente, bijetiva.
Sabemos que
g
g (H) = f g (x); x 2 Hg = fx ; x 2 Hg:

Como, e = g 1 eg = eg 2 g (H), para todo g 2 G, então g (H) = 6 ?. Assim, sejam


y1 ; y2 2 g (H). Dessa forma, existem x1 ; x2 2 H, tais que y1 = x1 e y2 = xg2 . Logo,
g

y2 1 = (xg2 ) 1

= ((g 1 x2 )g) 1

= g 1 (g 1 x2 ) 1

= g 1 x2 1 g:

35
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Com isso, pelas propriedades associativa e elemento neutro, vem que

y1 y2 1 = (g 1 x1 g)(g 1 x2 1 g)
= g 1 x1 (gg 1 )x2 1 g
= g 1 x1 ex2 1 g
= g 1 x1 x2 1 g
= (x1 x2 1 )g :

Como x1 x2 1 2 H, então y1 y2 1 = (x1 x2 1 ) 2 g (H) e, portanto, g (H) G.

Observação 2.3.9 Denotamos o subgrupo g (H) por H g .

Observação 2.3.10 A inclusão H H g sempre é válida.

De…nição 2.3.11 (Subgrupo normal) Seja G um grupo. Um subgrupo H de G é


dito normal quando H g H, para todo g 2 G.

Exemplo 2.3.12 Seja G um grupo abeliano. Então, os subgrupos de G são todos


normais. De fato, sejam H G; g 2 G e y = g 1 hg 2 H g , onde h 2 H. Assim,

y = g 1 hg
= (g 1 h)g
= (hg 1 )g
= h(g 1 g)
= he
= h:

Isto é, y 2 H, o que implica H g H:

Exemplo 2.3.13 Seja G um grupo. Os subgrupos triviais G e feg são normais em G.

Exemplo 2.3.14 Considere o seguinte subgrupo de S3


( ! !)
1 2 3 1 2 3
H= h1 = ; h2 = :
1 2 3 2 1 3

36
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

!
1 2 3
H não é um subgrupo normal de S3 . Com efeito, Seja f = 2 S3 . Note
3 1 2
que, dado hf2 2 H f temos que
!
1 2 3
hf2 = f h2 f 1
= 2
= H;
3 2 1

isto é, H f H:

Observação 2.3.15 Usaremos a notação H E G, para indicar que H é um subgrupo


normal de G.

Proposição 2.3.16 Se G é um grupo e H E G, então H g = H:

Demonstração: Como H E G, então por de…nição, temos que H g H: Agora, dado


x 2 H e g 2 G, utilizando as propriedades elemento neutro, inverso e associatividade,
tem-se que

x = exe
= (g 1 g)x(g 1 g)
= g 1 (gxg 1 )g:

Logo, x = g 1 (gxg 1 )g 2 H g , isto é, H H g . Portanto, H g = H.

Proposição 2.3.17 Sejam G um grupo, g 2 G e H G. Então H E G se, e somente


se, Hg = gH.

Demonstração: Primeiramente mostraremos que Hg = gH. Seja x 2 gH, então

x = gn (2.8)

para algum n 2 H. Como H E G, pela Proposição 2.3.16 temos que H g = H: Assim,


n 2 H g , isto é,
n = g 1 n0 g; (2.9)

37
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

com n0 2 H. Substituindo (2.9) em (2.8), obtemos

x = g(g 1 n0 g)
= (gg 1 )n0 g
= en0 g
= n0 g:

Ou seja, x = n0 g 2 Hg. Com isso, gH Hg. De forma análoga, temos que Hg gH


e, assim, Hg = gH:
Reciprocamente, para todo g 2 G, dado y 2 H g , existe h 2 H de maneira que

y = g 1 hg; (2.10)

ou ainda,
gy = hg:

Note que, hg 2 Hg. Como Hg = gH, segue que hg 2 gH. Disto, temos que

hg = gn;

para algum n 2 H. Logo,


h = gng 1 : (2.11)

Daí, substituindo (2.11) em (2.10), tem-se

y = g 1 (gng 1 )g
= (g 1 g)n(g 1 g)
= ene
= n:

Com isso, y = n 2 H; isto é, H g H: Portanto, H E G:


A seguir veremos algumas noções sobre grupos quocientes. A próxima proposição
mostra uma característica interessante dos subgrupos normais, se H é um subgrupo
normal de um grupo G, então o conjunto quociente G=H também é um grupo.

Proposição 2.3.18 Se G é um grupo e H E G, então G=H é um grupo com a seguinte

38
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

operação:
: G=H G=H ! G=H
:
(x; y) 7 ! x y = xy
Demonstração: Primeiramente provaremos que a operação está bem de…nida. Sejam
(x; y); (a; b) 2 G=H G=H, tais que x = a e y = b. Assim, x a(mod H) e
1 1 1 1
y b(mod H), ou seja, xa 2 H e yb 2 H. Tome, xa = n1 e yb = n2 .
Note que,

1
xy(ab) = xyb 1 a 1

= x(yb 1 )a 1

1
= xn2 a
1
= xen2 a
= xa 1 an2 a 1

1
= n1 an2 a
= n1 (a 1 ) 1 n2 a 1 :

Como H E G, então pela Proposição 2.3.16, H = H a , para todo a 2 G. Assim, temos


que (a 1 ) 1 n2 a 1 2 H a = H. Logo, n1 (a 1 ) 1 n2 a 1 2 H e xy ab(mod H). Por …m,
temos que xy = ab, isto é, a operação está bem de…nida.
Agora, vejamos que G=H é um grupo munido da operação . Quaisquer que sejam
x; y; z 2 G=H, tem-se
(i) (x y) z = xy z = (xy)z = x(yz) = xyz = x (y z);
(ii) Dado e 2 G=H, temos que x e = xe = x e e x = ex = x. Logo, e é o
elemento neutro de G=H;
(iii) Dado x 1 2 G=H, tem-se que x x 1 = xx 1 = e e x 1 x = x 1 x = e. Logo,
x 1 é o inverso de x.
Portanto, G=H é um grupo, denominado grupo quociente.
Proposição 2.3.19 Seja G um grupo e N E G. Então,
(i) Se G é cíclico, então G=N é cíclico;

(ii) Se G é abeliano, então G=N é abeliano.


Demonstração: (i) Se G é cíclico, digamos que G = hxi. Seja y 2 G=N , então y 2 G.
Daí,
y = xn ;

39
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

para algum n 2 Z. Assim,


y = xn = xn :

Portanto, G=N hxi. Como por de…nição hxi G=N , segue o resultado.
(ii) Como G é abeliano, então para quaisquer x; y 2 G=N , temos

x y=x y=y x=y x:

Portanto, G=N é abeliano.

2.3.1 Homomor…smo
A seguir veremos funções entre dois grupos que preservam algumas propriedades
algébricas entre eles. São os chamados homomor…smos. Estes são de extrema
importância para o estudo de grupos, a partir deles podemos identi…car quando dois
grupos possuem a mesma ordem e também pode-se veri…car outras características.

De…nição 2.3.20 Sejam (G; ) e (G0 ; ) grupos. Chama-se homomor…smo a função


: G ! G0 que satisfaz a seguinte condição

(x y) = (x) (y);

para quaisquer x; y 2 G.

Exemplo 2.3.21 Sejam os grupos (R+ ; ) e (R; +). A função

f : R+ ! R
x 7 ! f (x) = log(x)

é um homomor…smo. De fato, pois, dados y; z 2 R+ , então

f (z y) = log(zy)
= log(z) + log(y)
= f (z) + f (y):

Observação 2.3.22 Se : G ! G0 é um homomor…smo bijetivo, dizemos que é


um isomor…smo e, nesse caso, diz-se que G e G são isomorfos. Escrevemos G ' G0
0

40
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

para indicar que G e G0 são isomorfos. Um isomor…smo : G ! G é chamado de


automor…smo. O conjunto dos automor…smos de G será denotado por AutG.

Proposição 2.3.23 Se G é um grupo e '; 2 AutG, então:

(i) ' 2 AutG;


1
(ii) ' 2 AutG:

Demonstração: (i) Como '; 2 AutG, então ' : G ! G é bijetiva e : G ! G


é bijetiva. Logo, ' : G ! G também é bijetiva. Só nos resta mostrar que
' : G ! G é um homomor…smo.
Sejam x; y 2 G, note que

(' )(xy) = '( (xy))


= '( (x) (y))
= '( (x))'( (y))
= (' )(x)(' )(y):

Logo, ' é um homomor…smo e, portanto, ' 2 AutG:


(ii) Sejam y1 ; y2 2 G. Então, como ' é bijetiva, existem x1 ; x2 2 G tais que

'(x1 ) = y1 e '(x2 ) = y2 :

1
Ainda pelo fato de ' ser bijetiva, então ' admite inversa ' que também é bijetiva.
Assim, temos que ' 1 (y1 ) = x1 e ' 1 (y2 ) = x2 . Daí,

' 1 (y1 y2 ) = ' 1 ('(x1 )'(x2 ))


= ' 1 ('(x1 x2 ))
1
= (' ')(x1 x2 )
= id(x1 x2 )
= x1 x2
= ' 1 (y1 )' 1 (y2 ):

1
Portanto, ' 2 AutG.

41
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Observação 2.3.24 A última proposição nos diz que AutG munido da operação
composição é um grupo.

De…nição 2.3.25 Sejam G e G0 grupos, : G ! G0 um homomor…smo e e0 o


elemento neutro de G0 . O conjunto

ker( ) = fg 2 G; (g) = e0 ; e0 2 G0 g

é chamado de núcleo do homomor…smo .

Lema 2.3.26 Se : G ! G0 é um homomor…smo de grupos, então

(i) (e) = e0 , onde e é o elemento neutro de G e e0 é o elemento neutro de G0 ;

(ii) (a 1 ) = (a) 1 , para todo a 2 G.

(iii) é injetiva se, e somente se, ker( ) = feg:

Demonstração: (i) Suponha que (e) 6= e0 . Assim, temos que

(e) (e) = (ee) = (e) = (e)e0 ;

pela propriedade cancelativa segue que (e) = e0 , o que é uma contradição. Portanto,
segue o resultado.
(ii) Note, pelo item (i); que

(a) (a 1 ) = (aa 1 )
= (e)
= e0 :

Isto implica que (a 1 ) = (a) 1 .


(iii) Primeiramente, seja injetiva e g 2 ker( ). Assim, (g) = e0 . Pelo item
(i), temos que (e) = e0 . Logo, (g) = (e) e, consequentemente, g = e 2 feg o que
implica ker( ) feg. Como, por de…nição, feg ker( ) segue que ker( ) = feg.
Reciprocamente, suponhamos que ker( ) = feg. Se g1 ; g2 2 ker( ), então
(g1 ) = e0 = (g2 ). Daí,

e0 = (g1 ) (g2 ) 1
= (g1 ) (g2 1 )
= (g1 g2 1 ).

42
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Assim, g1 g2 1 2 ker( ) = feg. Dessa forma,

g1 g2 1 = e:

O que implica em g1 = g2 : Portanto, é injetiva.

Lema 2.3.27 Sejam G e G0 grupos com identidades e e e0 , respectivamente, e :


G ! G0 um homomor…smo. Então

(i) Im( ) = (G) = f (g); g 2 Gg é um subgrupo de G0 ;

(ii) ker( ) E G;

Demonstração: (i) O item (i) do Lema 2.3.26 garante que Im( ) é não vazio, pois
(e) = e0 2 Im( ). Sejam a; b 2 Im( ), então existem g1 ; g2 2 G, tais que

(g1 ) = a e (g2 ) = b:

Pelo item (ii) do Lema anterior, tem-se b 1


= (g2 ) 1
= (g2 1 ). Daí,

1
ab = (g1 ) (g2 1 )
= (g1 g2 1 );

isto é, ab 1 2 Im( ) e, portanto, Im( ) é um subgrupo de G0 :


(ii) Primeiramente vejamos que ker( ) é subgrupo de G. Como e 2 G0 e pelo Lema
2.3.26 (e) = e0 , então ker( ) é não vazio, pois e 2 ker( ). Sejam g1 ; g2 2 ker( ).
Então,
(g1 ) = e0 e (g2 ) = e0 .

Note que, (g1 1 ) = (g1 ) 1


= e0 1
= e0 : Daí,

(g2 g1 1 ) = (g2 ) (g1 1 )


= e0 e0
= e0 :

Logo, g2 g1 1 2 ker( ) e, consequentemente, ker( ) G.

43
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Agora, seja ng 2 ker( )g , com n 2 ker( ) e g 2 G. Veja que,

(ng ) = (g 1 ng)
= (g 1 ) (n) (g)
= (g 1 )e0 (g)
= (g 1 ) (g)
= (g 1 g)
= (e)
= e0 :

Isto é, ng 2 ker( ), o que implica ker( )g ker( ): Assim, ker( ) E G.


Pelo item (ii) do lema anterior temos que G= ker( ) tem estrutura de grupo. O
próximo resultado nos diz que sob algumas condições G= ker( ) é isomorfo a Im( ):
Este resultado é conhecido como o primeiro teorema do isomor…smo, este é importante,
pois auxilia a caracterizar o quociente de um grupo.

Teorema 2.3.28 (Teorema do Isomor…smo) Seja : G ! G0 um homomor…smo


de grupos. Então
G= ker( ) ' Im( ):

Demonstração: Primeiramente, de…na

' : G= ker( ) ! Im( )


:
g 7 ! '(g) = (g)

Veja que, ' está bem de…nida. Com efeito, se g; h 2 G= ker( ), com (g); (h) 2 Im( ),
são tais que g = h, temos que gh 1 2 ker( ). Daí,

(gh 1 ) = e0
(g) (h 1 ) = e0
1
(g) (h) = e0 ,

o que implica
(g) = (h);

44
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

isto é, '(g) = '(h). Provaremos que ' é um homomor…smo. Quaisquer que sejam
g; h 2 G= ker( ), temos

'(gh) = (gh)
= (g) (h)
= '(g)'(h):

Resta mostrar que a função ' é bijetiva. Para qualquer y 2 Im( ), existe g 2 G, tal
que y = (g): Dessa forma, '(g) = (g) = y. Logo, ' é sobrejetiva. Agora, sejam
x; y 2 G= ker( ), tais que '(x) = '(y). Daí,

'(x) = '(y);

o que equivale a
(x) = (y);

o que implica
1
(x) (y) = e0 ;

pelo item (ii) do Lema 2.3.26, vem

(x) (y 1 ) = e0 ;

como é um homomor…smo, então

(xy 1 ) = e0 ;

1
logo, xy 2 ker( ), isto é, x = y. Portanto, ' é injetiva e segue o resultado.

Corolário 2.3.29 Sejam G um grupo, K E G, H E G e K < H < G. Então

G=K
' G=H:
H=K

Demonstração: Considere a função

' : G=K ! G=H


:
gK 7 ! gH

45
2.3. SUBGRUPOS NORMAIS E HOMOMORFISMOS DE GRUPOS

Vejamos que ' está bem de…nida. Sejam g1 k1 ; g2 k2 2 G=K, tais que g1 k1 = g2 k2 , onde
k1 ; k2 2 K e g1 ; g2 2 G. Dessa forma, g1 g2 1 = k1 k2 1 2 K. Como K < H; então
g1 g2 1 2 H: Logo,
g1 g2 (mod H);

o que pela Proposição 2.2.9 temos que g1 H = g2 H. Com isso, segue que g1 h1 = g2 h2 ,
com h1 ; h2 2 H. Assim,

'(g1 k1 ) = g1 h1 = g2 h2 = '(g2 k2 ):

Portanto, a função está bem de…nida. Como K E G e H E G, então G=K e G=H são
grupos. Veja que ' é um homomor…smo. Com efeito,

'(g1 k1 )'(g2 k2 ) = g1 h1 g2 h2
= g1 (h1 g2 )h2
= g1 (g2 h1 )h2
= (g1 g2 )(h1 h2 )
= ' ((g1 g2 )(h1 h2 )) :

A seguir, provaremos que ' é sobrejetiva. Seja, y 2 G=H. Daí, y = gh, no qual g 2 G
e h 2 H. Observe que,
y = gh = '(gk);

isto é, y 2 Im(') e G=H Im('). Por de…nição, Im(') G=H, logo, Im(') = G=H.
Só nos resta provar que H=K = ker('). Note que,

ker(') = fgk 2 G=K; '(gk) = eh0 g


= fgk 2 G=K; gh = h0 g
= fgk; g = h0 h 1
2 Hg
= H=K:

Portanto, H=K = ker(') e pelo Teorema do isomor…smo

G=K G=K
= ' Im(') = G=H;
H=K ker(')

como queríamos demonstrar.

46
Capítulo 3

O Teorema de Lagrange e aplicações

Nascido em 25 de janeiro de 1736 na cidade de Turim (Itália), o matemático e físico


de origem francesa Joseph Louis Lagrange é considerado um dos matemáticos mais
importantes do …nal do século XVIII, ao lado de Euler. Em 1795 Lagrange foi indicado
para ser professor na Escola de Artilharia Real em Turim, no qual dois anos mais tarde
contribuiu para a fundação da Academia Real de Ciência. Por volta de 1766 Lagrange
foi convidado para substituir Euler na direção da seção matemática na Academia de
Ciência de Berlim, onde permaneceu durante 20 anos. Em 1787 Lagrange tornou-se
membro da Academia de Ciência de Paris e perdurou até o …m de sua carreira. Vale
ressaltar que ele teve signi…cativas contribuições para teoria das funções, teoria dos
números, equações diferenciais, cálculo de probabilidades, entre outras.
Neste capítulo, estudaremos uma das contribuições de Lagrange para a teoria dos
grupos, o conhecido Teorema de Lagrange. Lembrando que este teorema foi enunciado
por Lagrange e só teve sua demonstração completa apresentada 30 anos depois por
Pietro Abbati (1768-1842). De acordo com Vieira (2015, p. 230) "o Teorema de
Lagrange é a base dos grupos …nitos".
Como base para o desenvolvimento deste capítulo, foram utilizados os livros [5], [6],
[7] e [9].

3.1 Teorema de Lagrange


Esta seção será dedicada ao Teorema de Lagrange e alguns resultados que são
decorrentes do mesmo. Este teorema estuda a ordem de um grupo e através dele
podemos simpli…car algumas demonstrações de outros resultados que levaram vários

47
3.1. TEOREMA DE LAGRANGE

anos para serem provados, como é o caso do Pequeno Teorema de Fermat que veremos
mais adiante. São várias as aplicações do Teorema de Lagrange, mas destacamos aqui
apenas as mais elementares, vistas no decorrer da graduação.

Teorema 3.1.1 (Lagrange) Se G é um grupo …nito e H é um subgrupo de G, então


jGj = jG=Hj jHj :

Demonstração: Como G é …nito, então claramente G=H também é …nito. Considere


jG=Hj = n, assim
G=H = fHx1 ; Hx2 ; :::; Hxn g;

onde x1 ; x2 ; :::; xn 2 G, o que pelo item (iii) da Proposição 2.2.9, temos

G = Hx1 [ Hx2 [ Hx3 [ ::: [ Hxn :

Ainda pela Proposição 2.2.9, as classes laterais Hxi e Hxj são disjuntas se i 6= j. Como
a união acima é disjunta, temos

jGj = jHx1 j + jHx2 j + jHx3 j + ::: + jHxn j :

O Teorema 2.2.14 nos garante que jHxi j = jHj, para todo i 2 G. Com isso,

jGj = jHj + jHj + jHj + ::: + jHj ;

o que implica em
jGj = n jHj = jG=Hj jHj

Portanto, jGj = jG=Hj jHj :

Corolário 3.1.2 Sejam G um grupo …nito e H G. Então jHj jGj.

Demonstração: A demonstração segue de forma imediata, pois pelo Teorema de


Lagrange, temos que
jGj = jG=Hj jHj ;

onde jG=Hj 1: Portanto, jHj jGj.


O próximo resultado nos diz que se G é um grupo …nito e dado um subgrupo H de
G, se H possui a mesma quantidade de elementos de G, então H e G são iguais.

Proposição 3.1.3 Seja G um grupo …nito e H G. Se jHj = jGj, então H = G.

48
3.1. TEOREMA DE LAGRANGE

Demonstração: Suponha que H 6= G. Como H G, então H G, isto é, existe


pelo menos um x 2 G tal que x 2 = H. Pela Proposição 2.2.7 temos que x 6= e. Logo,
x; e 2 G=H, isto é, jG=Hj > 1. Do Teorema de Lagrange, segue que

jGj = jG=Hj jHj > jHj

O que é uma contradição, visto que jHj = jGj. Portanto, H = G:

Observação 3.1.4 O resultado anterior é válido apenas para grupos …nitos. Com
efeito, Dados o grupo (Z; +) e o subgrupo 2Z de Z, temos que j2Zj = jZj = 1, mas
2Z Z.

Corolário 3.1.5 Seja G um grupo …nito e g 2 G: Então, O(g) divide jGj. Em


particular, g jGj = e:

Demonstração: Considere n; k 2 N, tais que jGj = n e O(g) = k. Pelo item (ii) da


Proposição 2.2.20, temos que O(g) = jhgij = k. Como hgi G, então pelo Teorema de
Lagrange
jGj = jhgij r = kr;

para algum r 2 N. Logo, O(g) = k divide jGj. Por …m, temos que

g jGj = g kr
= (g k )r
= er
= e:

Portanto, g jGj = e:
O resultado a seguir é conhecido como o Pequeno Teorema de Fermat, ele foi
enunciado em 1640 pelo matemático Fermat e só teve sua demonstração publicada
quase um século depois (em 1736) por Euler. É um resultado expressivo para à Teoria
dos Números, acredita-se que a partir dele surgiu à Teoria das Congruências.

Corolário 3.1.6 (Pequeno Teorrema de Fermat) Seja p 2 Z primo. Então

ap 1
1(mod p)

para todo a 2 Z n pZ:

49
3.1. TEOREMA DE LAGRANGE

Demonstração: Seja a 2 ZnpZ, isto é, a não é um multiplo de p. Então, a 2 Zp nf0g.


Como p 2 Z é primo, do Corolário 2.1.29, temos que (Zp n f0g; ) é um grupo. Além
disso, pela Proposição 1.3.12, temos que jZp j = p. Logo, Zp n f0g = p 1. Pelo
corolário anterior, segue que
ajZp nf0gj = 1

o que implica
ap 1
= 1;

o que equivale a
ap 1 =1

Portanto, ap 1
1(mod p), para todo a 2 Z n pZ.

Corolário 3.1.7 Todo grupo G de ordem prima é cíclico.

Demonstração: Sejam jGj = p, onde p 2 Z é primo, a 2 G com a 6= e. Pela


Proposição 2.1.47 temos que hai G. Logo, pelo Teorema de Lagrange,

jGj = n jhaij ;

para algum n 2 Z. Assim, temos p = n jhaij : Sendo p 2 Z primo, temos por de…nição
que jhaij = 1 ou jhaij = p. Como a 6= e, então da Proposição 2.2.18 segue que jhaij 6= 1,
assim, jhaij = p, o que implica em jhaij = jGj. Portanto, pela Proposição 3.1.3 temos
hai = G, de onde segue o resultado.

Corolário 3.1.8 Seja G um grupo …nito tal que jGj 5, então G é abeliano.

Demonstração: Se jGj = 1, teremos G = feg = hei. Logo, G é cíclico e, por


conseguinte, abeliano. Se jGj 2 f2; 3; 5g, segue o resultado pelo Corolário 3.1.7. Agora
vejamos o caso jGj = 4. Se existir a 2 G tal que jhaij = jGj, então pela Proposição
3.1.3, temos que G = hai. Assim, G é cíclico e, consequentemente, abeliano. Agora,
suponha que hai G, para todo a 2 G n feg. Pelo Teorema de Lagrange,

jGj = k jhaij ;

para algum k 2 Z. Ou seja,


4 = k jhaij :

50
3.1. TEOREMA DE LAGRANGE

Agora, estudaremos três possibilidades:


(i) k = 1 e jhaij = 4, este caso não pode ocorrer, pois hai G, logo jhaij 6= 4 = jGj.
(ii) k = 4 e jhaij = 1, também não ocorre, pois a 6= e, assim, jhaij 6= 1.
(iii) Só nos resta que k = 2 e jhaij = 2.
Dessa forma, segue que jhaij = 2, o que pelo item (iii) da Proposição 2.2.19 tem-se
que G é abeliano.

Corolário 3.1.9 Sejam G um grupo …nito e : G ! G0 um homomor…smo de


grupos. Então, jIm( )j divide jGj.

Demonstração: Pelo item (ii) do Lema 2.3.27, temos que ker( ) E G. Como G é
…nito, então pelo Teorema de Lagrange, temos

jGj = jG= ker( )j jker( )j : (3.1)

O Teorema do isomor…smo garante que G= ker( ) é isomorfo a Im( ), isto é, a função

' : G= ker( ) ! Im( )

é bijetiva. Logo, jG= ker( )j = jIm( )j. Assim, da igualdade (3.1) segue que

jGj = jIm( )j jker( )j :

Portanto, jIm( )j divide jGj.


Vale salientar que a volta do Teorema de Lagrange nem sempre é válida, pois se
m 2 N divide a ordem de um grupo G, não necessariamente existirá um subgrupo
de G com ordem m. Por exemplo, o grupo alternado de S4 , denotado por A4 (que
poderá ser estudado com mais detalhes nos livros [6] e [9]) possui ordem 12, mas não
possui subgrupo de ordem 6. Um resultado mais geral que se aproxima de uma provável
recíproca do Teorema de Lagrange é o Teorema de Sylow, que será enunciado a seguir,
mas não será demonstrado, pois para prová-lo seria preciso o estudo de mais alguns
conceitos que não explicitamos durante o trabalho.

Teorema 3.1.10 (Teorema de Sylow) Sejam p 2 Z um número primo e G um


grupo, tal que jGj = pm b, com mdc(p; b) = 1. Então, para cada n, 0 n m,
n
existe um subgrupo H de G, onde jHj = p .

Demonstração: Ver referência [6].

51
Referências Bibliográ…cas

[1] ATIYAH, M. F, MACDONALD, I. G. Introduction to Commutative Algebra.


New York: Addsion-Wesley, 1969.

[2] BOLDRINI, J.L.,e outros. Álgebra Linear. 3 ed. São Paulo: Harper & Row do
Brasil,1980.

[3] BOYER, Carl Benjamin. História da matemática. Tradução de Elza F. Gomide.


São Paulo: Edgard Blucher, 1974.

[4] CAJORI, Florian. Uma História da Matemática. Rio de Janeiro: Editora


Ciência Moderna Ltda., 2007.

[5] DOMINGUES, H. H., IEZZI, G.. Álgebra Moderna. 4. ed. reform. São Paulo:
Atual, 2003.

[6] GARCIA, Arnaldo; LEQUAIN, Yves. Elementos de álgebra. 5. ed. Rio de


Janeiro: IMPA, 2010.

[7] GONÇALVES, Adilson. Introdução à álgebra. 6. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2017.

[8] MILIES, C. P., COELHO, S. P.. Números: Uma Introdução à Matemática. 3. ed.
2. reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

[9] VIEIRA, V. L. Álgebra Abstrata para Licenciatura. 2. ed. Campina Grande:


EDUEPB, 2015.

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