Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Água de Juventa
Água de Juventa
N.° 7
COELHO NETTO
ÁGUA DE JUVENTA
AGUA DE JUVENTA
PORTO
Livraria Chardron, de Léllo & Irmão, L.da
editores — Rua das Carmelitas, 144
Millaud e Bcrtrand — Lisboa-Paris
1925
Obras de COELHO HETTO
Sertão. O Morto.
A Bico de Penna. Rei Negro.
Apua de Juventa Capilal Federal.
Romanceiro. A Conquista.
Teatro VI(O Relicário, Os Tormenta.
Raios X, O Diabo no corpo)
Tréva.
Theatro vol. II As Estações, Banzo.
Ao Luar, Ironia, A Turbilhão.
Mulher, Fim de Raça). O meu dia.
Reatro V. (Quebranto, As Sete Dores de Nossa
comédia em 3 actos, e o Senhora.
sainete Nuvem). Balladilhas
Theatro, Vol. V (dinheiro,
Bonança e O Intruso) Pastoral
Jardim das Oliveiras. Vida Mundana. Patinho
Esphmge torto.
Inverno em Flor. Ás quintas.
Apólogos, contos para Scenas e perfis.
crlan- NO PRÊLO:
Miragem. Feira livre.
Mysterios do Natal, Immorlalidae. O Paraíso.
contos para crianças. Bazar.
Theatrolyrico.
OROZIMBO MAIA
OFEREÇO
COELHO NETTO
1
AGUA DE JUVENTA
A Leopoldo Amaral
— Pois sim.
Eugenia entreabriu a janella do toiletie e houve
um clarão. Elsa espreguiçou-se, ergueu-se lesta e toda
a sua farta oabelíeira, desenrolando-se, despenhou-se
pesadamente.
No toilette, emquanto lavava o rosto e escovava
os dentes, ouvia Eugenia que, a abrir malas, ia
fazendo a descripção minuciosa do que vira no
estabelecimento bamear : Os compridos e estreitos
corredores onde ficavam os cubiculos dos
banheiros, os typos curiosos que encontrara pelo
passadiço, na sala de espera — gente de outros
hoteis : homens macilentos, lividos, alguns
escondendo mazellas, com o pescoço muito
atabafado, as mãos enfiadas nos bolsos dos capotes,
calados, macambuzios. Mulheres com mantilhas
pela cabeça, amarellas, enjoadas, tossindo.
Um entrevado, que fora em braços, sorrindo
idiotamente, ficara encolhido num banco, entre um
negro e uma velha, a olhar, com a boca aberta, o
labio pendido, escorrendo baba. Um padre que lia,
fungando alto, resmungando de instante a instante,
furioso, impaciente, a espichar os olhos para o
corredor central. Uma balburdia, um ir e vir
constante de doentes e todos servindo-se das
mesmas banheiras. Eugenia concluiu com um
momo de nojo :
— Eu é que não me metto nesses banhos. Deus
me livre ! Estou lá para apanhar alguma coisa.
Elsa sorriu e, curiosa, poz-se a interrogá-la sobre
pessoas do hotel: Se as vira, se lhes notara alguma
coisa. E a criada lá ia estendendo as suas
informações, fazendo commentarios, aventurando
suspeitas.
38 AGUA BE JUVENTA
— Sim, tenho.
— Então ? Não digas tolices. Queres que eu
fique ainda mais nervosa ? Matar-te ... E eu ?
— Sim, mas ...
Acalmando-se, sentiu-se vexado do que dissera
e, sem animo de encarar a mulher, debruçou-se á
janella, olhando o campo todo em sol.
Crianças corriam alegremente, aos gritinhos. Na
casa contigua, onde havia uma roleta, uma harpa
gemia. Elsa foi para o espelho recompor a toilette, e
ageitava as mangas fofas da blusa de cassa da india,
quando bateram discretamente á porta. Eduardo
voltou-se impetuosamente, num sobresalto :
— Quem é ?
— Eu.. .
Era o doutor. Reconhecendo-lhe a voz,
perguntou á mulher se podia recebê-lo :
— Sim. Estou prompta.
O medico entrou muito familiar, gabando o claro
dia, a temperatura.
— Uma manhan suissa. Elsa offereceu-lhe uma
cadeira. Sentou-se descerimoniosamente
arrepanhando para os joelhos as abas do sobretudo
grosso. Está um dia para passeio. É o que os
senhores não têm lá no seu Eio, confessem. A
senhora é que deve estar com saudades, não ?
— Nem por isso, doutor.
— Isto podia ser uma delicia . . . não querem.
Foi á janella olhar o largo, as colunas cobertas de
luz e logo os seus olhos viram surgir o grande
parque do seu sonho, o casino, todas as maravilhas
criadas pela sua imaginação e como se
effectivamente as visse ali, solidas e ricas, atirou o
braço
ÁGUA DE JUVENTA 57
-
ACEDIA 159
— Palavra ?
— Vou.
— Olha lá ! Nao nos sentamos á mesa sem
chegares.
— Pois sim.
E foi-se vagarosamente, pensativamente,
coçando a nuca. De novo sós, Luciana, já prompta,
deu um olhar ao espelho e, tomando as luvas, muito
direita, voltou a sorrir, pensando no barão.
— E que lhe disseste, Clotilde ?
— A quem, madame ?
— Ao barão.
— Ah ! foi uma campanha ! Tive de ameaçá-lo
com a baroneza. Ainda assim o homem continuou a
perseguir-me : elle e o filho. O filho é doente, como a
senhora sabe : tem uma molestia d'olhos, anda
sempre com umas lagrimas muito compridas pela
cara e madame não imagina como era ridiculo aquelle
chorão, muito magro, mal se agüentando nas pernas
bambas, a limpar os olhos amarellos e a pedir-me
beijos, pelos cantos. Um dia zanguei-me deveras e
perguntei-lhe se não sabia que eu era donzella ! Pois
soubesse. Elle ficou a olhar-me espantado e, a
chorar com a moléstia e a tremer como se estivesse
com sezões, perguntou-me : « Se eu queria casar
com elle». Luciana explodiu a rir diante do espelho.
— E tu !
— Ora, madame . . . pois eu sou alguma tola ?
Para livrar-me de taes importunos deixei a casa,
bem contrariada, poTque a baroneza é uma
excellente senhora, coitada !
PRIMEIRO A OBRIGAÇÃO 171
— Como ? !
— Entrei nesta casa como entraria em outra
qualquer. Com simples intenção de escolher uma
residencia.
Depois de um silencio, ella mterrogou-me em
voz surda :
—Então não foi o senhor que me escreveu para
o Jornal, em resposta a um annuncio, marcando um
encontro para hoje, ás onze horas, aqui !
— Não, minha senhora.
Ella encolheu ligeiramente os hombros, mordeu
os labios e ficou a bater com o guarda-chuva no
soalho que reluzia. Eu esperava uma solução e ella
deu-m'a, prompta e decisiva, inclinando-se
cerimoniosamente diante de mim com um : « Então
queira desculpar-me, cavalheiro». E solemne, muito
aprumada, sahiu fazendo resoar a sala deserta com
o forte bater dos seus altos tacões.
Acompanhei-a com um olhar até que a vi
desapparecer além das arvores, sempre erecta, sem
o menor indicio de indignação ou de amúo, com
uma sobranceria distincta. Piquei ainda um instante
pensando e rindo daquella scena original até que
me lembrei do almoço.
Fechei, então, todas as janellas, fechei a porta e
descia vagarosamente a escada de pedra, quando
avistei um homemzinho bojudo, purpureo, de largo
chapéu de Manilha, que vinha esbaforidamente por
entre as arvores, seguido dum pequenote em
mangas de camisa. Dando por mim, o homemzinho
parou junto a um banco e, disfarçadamente, pôz-se
a enrugar o suor da fronte, abanando-se com o
chapeu pequeno, que era da venda, falou-me em
220 UMA AVENTURA
—Sinto que elle ainda não se foi de todo, Herminia: a morte não é
uma destruição, é um lento acabar, um lento sumir. Vai-se o cadaver,
mas... O corpo que morre é como um frasco de fina essência que se
quebra deixando a casa, por muito, impregnada de aroma, até que o
tempo o vai desvanecendo, e fica somente a saudade, que é a memoria
do coração.
Á hora em que elle costumava chegar, encaminho-me
instinctivamente para o gabinete, colo o rosto á persiana e fico á espera.
Se ouço passos, volto-me, com o coração transido, certa de que o vou vêr
sorrindo, a estender-me os braços, como dantes. Nada, illusão. Torno ao
meu posto e toda a melancolia do crepúsculo condensa-se em minh'alma,
enche-me de tristeza e fico a chorar, a chorar chamando-o baixinho, com
uma voz soluçante e cheia de beijos.
250 VIUVAS
— Date e assigne.
Concluido o penoso trabalho o ferreiro afastou-se da
secretaria estaforifo. O barão passou os olhos pelo papel
e, tirando a carteira do bolso, puxou uma nota de
duzentos mil reis que reuniu ao pacote :
— Aqui tem, disse. É bom contar.
— Ora ! perdoe v. s.a . . . escusou-se o Bento.
— Não, senhor ; conte.
O homem, então, cedendo, desembrulhou
vagarosamente o pacote, abriu as notas e, salivando o
grosso dedo encoscorado e encardido, foi contando
devagar, com verdadeiro goso, os olhos muito brilhantes e
fitos nas grandes cédulas novas que estra-lejavam. Sorriu
ao barão, agradecido e guardando o maço, tomou o
chapéu e inclinou-se com humildade estendendo
timidamente a mão aspera.
Mas o barão, antes de abrir-lhe a porta, falou com
muita gravidade :
— Meu caro snr. Bento, o papel que ali fica é
um documento, entende o senhor?
O ferreiro aprumou-se formalisado:
— Ora essa ! Perdoe v. s.a, mas eu sou um homem
honrado. O que está feito, está feito. Nem precisava o
papel, bastava a minha palavra.
— Pois é isso.
— Então, muito obrigado a v. s.a E ás ordens.
Desculpe v. s.a a maçada. Eu se cá vim foi porque a
mulher . . . v. s.a sabe . . .
— Perfeitamente. Adeus !
E aos recuanços, ás zumbaias, o ferreiro sumiu-se no
corredor.
O barão respirou desafogadamente e, de pé no
OS PAIS 309
II
III
— E ficaste ?
— Fiquei. Fiquei para ouvir a declaração odiosa
da terrível criatura justamente quando me beijava
allucinadamente : « Que estava vingada ! »
— De quem ? perguntei, e ella, contorcendo-se,
disse-me, abrindo muito a boca, com asco :
— De tua mulher . . .
Quiz repelli-la, tive impetos de maltratá-la
brutalmente e ella, percebendo o meu furor, longe
de intimidar-se, abriu os braços entregando-se
abandonadamente e, queimando-me com os olhos
muito abertos, os cabellos espalhados pelo
travesseiro, semi-nua, allucinadora, pôz-se a silvar :
— Faze o que quizeres, maltrata-me, injuria-me,
mata-me, que me importa.! Ella ha de soffrer mais
do que eu, porque gosta de ti . . .
— E tu ! ? exclamei rilhando os dentes.
Encolheu os hombros com indifferença. E, de
pois de fitar-me, desatou a rir ás gargalhadas.
— Fugi, meu amigo, fugi para não commetter
uma infamia e aquella mulher nua, torcendo-se a
rir, parecia acompanhar-me, perseguir-me, pairando
sobre mim, a vergastar-me com a sua gargalhada.
Eis o caso. E agora ? Que hei de fazer ? dize . . .
— Meu amigo, a tua aventura é realmente
sinistra e tua mulher procedeu como devia, mas eu
vou falar a Adelaide para que se vá entender com
ella e creio que conseguiremos restabelecer a paz.
Quanto á tua Virgínia, essa não me dá cuidado por
que, se ella se fez tua amante para vingar-se de tua
mulher, por justiça não esquecerá as outras e, como
a estação foi das mais concorridas, temos tempo
para pensar. Como me parece que ella já está suffi-
354 VINGATIVA
FIM
INDICE
PAG